Uma análise do processo político em Honduras

Transcrição

Uma análise do processo político em Honduras
Aññno 2009
Uma análise do processo
político em Honduras
Quando fechávamos esta edição, os resultados da
nefasta assinatura do acordo entre os golpistas e Zelaya
já se faziam notar. O chamado Acordo de Tegucigalpa,
entre Zelaya e os representantes de Micheletti e
patrocinado pelo imperialismo, revelou-se um engano
cruel imposto sobre o povo e a resistência. O objetivo
central dos golpistas - começar a romper o isolamento
internacional - foi atingido, sem que fosse concretizada
a restituição formal e sem poder de Zelaya, quinze dias
depois da assinatura. Além disso, os golpistas esperam
que as eleições, previstas para 29 de novembro, ocorram
com uma resistência debilitada, o que está sendo obtido
com a colaboração direta de Zelaya e, infelizmente, com
a aceitação por parte da maioria da direção da Frente
Manifestação nas ruas de Tegucigalpa
contra o Golpe, que considerava, até 10 de novembro
passado, o Acordo de Guaymuras uma vitória. Agora,
com a não restituição de Zelaya, considera o acordo rasgado e chamam a boicotar
e a desconhecer o resultado eleitoral. A chama da resistência pode voltar a se
acender, mas os que lutaram contra o golpe terão de fazer uma profunda reflexão
sobre o que significou o papel de Zelaya e o da maioria da direção da Frente em
todo o processo.
Consideramos, então, que é um momento no qual se faz necessária uma análise do
conjunto do processo para tirar conclusões que possam ajudar a luta da resistência
e, em especial, daqueles que não aceitaram, desde o início, a traição de Zelaya. Ele
fez um pacto com os golpistas em base a essas miseráveis condições (que nem
sequer foram cumpridas). Estas forças da Resistência desde então defendem a
continuidade da luta, dispostos a buscar uma alternativa independente e que não
faça seguidismo ao vai-e-vem do presidente Zelaya.
No contexto da confusão criada pela capitulação, podemos dizer que há
uma notícia alentadora; existem setores de esquerda da resistência que estão
defendendo uma política independente de Zelaya, afirmando que a luta deveria
ser radicalizada até impor a derrota do golpe pelas massas.
Neste número de Marxismo Vivo publicamos o material de crítica à orientação
imposta pelo zelayismo, que Tomás Andino, deputado da UD e participante
da Frente de Resistência contra o golpe, apresentou num fórum da resistência
quando já se debatia a política que levou à capitulação e à assinatura do Acordo
de Guaymuras.
Também publicamos o texto, A heroica resistência contra o golpe e o nefasto papel
de Zelaya, já que nos pareceu necessário fazer um balanço desde o início do golpe
para que se possa avançar nas lições mais estratégicas.
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A heroica resistência contra
o golpe e o nefasto papel de
Zelaya
José Moreno Pau
Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT-IT) - Espanha
José Welmowicki
Editor de Marxismo Vivo
O golpe em Honduras foi produto de uma amplíssima frente reacionária
de praticamente todos os setores da burguesia hondurenha: as tradicionais
organizações políticas burguesas - o Partido Nacional (conservador) e o
Partido Liberal (ao qual pertencia o próprio Zelaya) -, a Corte Suprema, o
Congresso, os meios de comunicação, a Igreja Católica e as Forças Armadas.
Manuel Zelaya é um dirigente burguês, proveniente da oligarquia latifundiária, que tomou algumas tímidas medidas progressistas e, frente à
deterioração da situação econômica, aproximou-se do chavismo e entrou
na Alba, para se beneficiar das ofertas de petróleo mais barato. Até aí, vinha
sendo tolerado pela direita hondurenha.
Mas, quando Zelaya declarou sua intenção de conseguir a reeleição, não
prevista pelo atual regime político, e, para isso, de convocar uma assembleia
constituinte, sofreu o rechaço da ampla maioria da burguesia. Ao insistir nisso,
apelando a formas de mobilização popular, como o episódio da consulta para
respaldar a “4ª urna”1, tornou sua permanência no poder intolerável para essa
elite e as Forças Armadas.
As contradições do golpe
Os golpistas tinham bastante apoio da burguesia hondurenha, mas havia
um problema muito sério na conjuntura internacional. O golpe ia na contramão da situação aberta com a derrota da política de Bush e a nova tática
de Obama.
A burguesia hondurenha é historicamente muito dependente e tradicional aliada do imperialismo estadunidense. Por exemplo, na década de 1980,
permitiu que o país fosse utilizado como base pela “guerrilha contra” que
atacava o governo sandinista da Nicarágua. Muito possivelmente, com base
nesses favores, acreditou que teria o “direito” de eliminar um elemento
“irritativo” do poder, em que Zelaya estava se transformando, e que, frente
ao fato consumado, teria o apoio do governo norte-americano. Mas foi um
grave erro de cálculo porque o golpe “ultrapassava os limites” da atual tática
Tradução
Marcos Margarido
1 A “quarta urna”
era uma proposta de
incluir nas próximas
eleições de novembro
uma consulta sobre a
convocação a uma Assembleia Constituinte.
Previamente, Zelaya
havia convocado uma
consulta popular (não
autorizada pelo Congresso nem pela Corte
Suprema) para respaldar a “quarta urna”
nas futuras eleições.
Foi nesse momento
que o golpe de estado
ocorreu.
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política de Obama.
A burguesia hondurenha tinha certa consciência desta contradição. Por
isso, apesar de ser um golpe bonapartista, não podia executar uma repressão
genocida generalizada ao estilo de Pinochet ou Videla, como no passado da
América Latina, numa conjuntura internacional completamente distinta dos
anos 70. Os gorilas hondurenhos tinham que ser cautelosos em seus objetivos
imediatos e nas formas institucionais. Neste sentido, para tentar ganhar o
apoio do imperialismo dos EUA e das democracias burguesas, apresentaramse em defesa da constituição, “ameaçada” por Zelaya.
No contexto da nova política do imperialismo norte-americano, buscaram
dar uma cobertura de legalidade à ação, acusando Zelaya de diversos “crimes”
e o destituindo “constitucionalmente”: foi o próprio Congresso que nomeou
o novo “presidente civil”, Roberto Micheletti, pertencente ao mesmo Partido
Liberal de Zelaya.
O mais importante é que se apresentaram como uma “transição” para uma
saída institucional no marco da democracia burguesa: desde o início propuseram a saída das eleições presidenciais de novembro, e a entrega do poder ao
vencedor. Assim, queriam afirmar, frente às instituições internacionais, que
não queriam instalar um regime semelhante ao do Chile com Pinochet ou
ao dos militares argentinos de 1976, que esmagaram a população e tentaram
manter-se por longos anos.
O isolamento internacional dos golpistas
Esta situação particular dos golpistas hondurenhos, devido à contradição
do golpe com a nova tática do imperialismo expressada por Obama, que quer
mostrar-se como o homem da “paz”, do diálogo, transformou o golpe num
problema político, porque desautorizam a “nova cara” que o imperialismo
quer mostrar. Por isso, apesar de apresentar-se como “institucional e legalista”, o golpe não foi apoiado por nenhuma das instituições dominadas pelo
imperialismo como a OEA, a ONU ou a União Europeia.
É claro que a embaixada norte-americana estimulou as dissidências contra
Manuel Zelaya, antes do golpe, mas sua estratégia fundamental foi sempre
o desgaste eleitoral e a chantagem. No entanto, quando a extrema-direita
hondurenha, confiando no apoio dos EUA, executou o golpe de Estado, o
governo de Obama não lhe deu nenhum apoio aberto. Essa situação contraditória desembocou no isolamento internacional dos golpistas, apesar de
contar com o apoio de praticamente toda a elite hondurenha.
Quando se compara o papel do imperialismo nas décadas anteriores,
seu apoio total aos golpes de Pinochet e Videla e a seus regimes genocidas,
deve-se explicar as diferenças nessa atitude. A não ser pela mudança de
tática do imperialismo, não se pode entender o não reconhecimento do
governo Micheletti pelo conjunto dos organismos imperialistas até que não
se conseguisse um acordo. Inclusive houve uma pressão, por parte da OEA
e do governo norte-americano, embora limitada, com algumas penalidades
e suspensões de vistos a golpistas e seus parentes assim como a pressão e a
exigência de um acordo firmado entre as duas partes para reconhecer o processo eleitoral. A intransigência do governo golpista à restituição de Zelaya
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obrigou o governo de Obama a enviar sua própria delegação para impor um
acordo, que finalmente conseguiu que a restituição de Zelaya fosse decidida
pelo parlamento que o destituiu.
Obviamente, existe um acordo de fundo para dar uma saída eleitoral à
situação e para não castigar os golpistas. Ou seja, uma solução estável em base
a um acordo, como demonstra a proposta de “governo de unidade nacional”
e de aceitação do resultado eleitoral. Mas esta atitude, repetimos, é bastante
distinta à que o imperialismo teve frente aos golpes nas décadas de 60, 70 e
80. Até mesmo um porta-voz dos golpistas chegou a declarar publicamente
num momento de mais atrito que o governo de Obama estava “abandonando
seus aliados e favorecendo os chavistas e... comunistas”.
Uma resistência heroica evitou a rápida consolidação do golpe
Em resposta ao golpe, foi produzido um dos maiores pocessos de luta
da história de Honduras. Já após a primeira semana, a indignação foi dando
lugar à ação e as massas entraram na luta. No dia 5 de julho passado, dezenas
de milhares de pessoas marcharam até o aeroporto para garantir a volta de
Zelaya. Outras dezenas de milhares foram impedidas de chegar e ficaram
paradas nas estradas de todo o país. O povo hondurenho esteve a ponto de
tomar o aeroporto e infligir uma duríssima derrota aos golpistas, mas havia
sido dissuadido pelo próprio Zelaya de que o protesto devia ser “pacífico” e
o avião que trazia o presidente deposto não pôde finalmente aterrisar.
Em 22 de julho teve início uma greve de 48 horas com cerca de 80% de
adesão, acompanhada por dezenas de bloqueios de estradas em todo o país,
conseguindo paralisar os portos e os aeroportos. Apenas a grande greve
bananeira de 1954 havia tido uma ação tão generalizada e unificada de todas
as forças sindicais na história do país, acompanhada de mobilizações de rua.
As marchas que paralisavam as principais vias de comunicação e as próprias
cidades, incluindo a capital, Tegucigalpa, foram uma constante.
Novamente foram maciças as mobilizações de 15 de setembro, mas temos
que destacar as realizadas com a volta repentina de Zelaya para se refugiar
na embaixada brasileira. Naqueles primeiros dias, as massas tomaram os
bairros populares, principalmente à noite, enfrentando as forças repressoras
com barricadas. Estávamos ante a própria radicalização que o imperialismo
queria evitar e que abria a possibilidade de derrubar o golpe pela ação direta.
O imperialismo e Zelaya puseram-se de acordo para frear este ascenso, redobrando o esforço de negociação.
O Plano Arias
O governo de Obama buscou uma velha figura de sua confiança: Oscar
Arias, presidente da Costa Rica, diretamente designado como “mediador”
pelo Departamento de Estado dos EUA. Com esse “mandato”, Arias tenta
propor uma saída frente à desestabilização do país e à possibilidade de que
atingisse toda a região, e ao temor de que a situação levasse a uma derrubada
do governo golpista pela ação radicalizada das massas.
O Plano Arias tinha o objetivo de fechar o conflito aberto pelo golpe
por meio de um acordo entre os golpistas e Zelaya. O Plano Arias incluía a
restituição de Zelaya à presidência de Honduras. Mas os outros pontos eram
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categoricamente contra os interesses do movimento de resistência: evitar a
convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, garantir a impunidade
aos golpistas e preservar todas as corruptas instituições que deram o golpe
(Congresso, Tribunal Supremo, Forças Armadas, Igreja e um longo etc.).
É importante destacar que o diálogo de Guaymuras, que se concretizou no
Acordo de Tegucigalpa, é muito semelhante ao Plano Arias e, portanto, tem
um claro perfil de acordo imposto pelo imperialismo e que contou com um
amplo apoio de toda a OEA, incluídos os países da Alba.
Zelaya apoia a negociação...…
Já na rodada de negociações realizadas na Costa Rica, a delegação de
Zelaya aceitou todos os pontos do plano, abandonando bandeiras fundamentais levantadas pela Frente Nacional Contra o Golpe de Estado, como a
convocação a uma Assembleia Constituinte. Aceitava, inclusive, a impunidade aos golpistas e a preservação da cúpula militar. Essa posição de Zelaya
entregava na mesa de negociações os motivos de fundo pelos quais ocorreu
a resistência popular.
Pese a isso, as conversações iniciais fracassaram devido à oposição do setor
mais direitista dos golpistas, que não aceitava de nenhuma forma o retorno
de Zelaya, temendo que isto fosse visto pelas massas como um triunfo da
mobilização popular e pelo medo de que, encorajadas por esse retorno, exigissem a cabeça da cúpula das Forças Armadas e dos golpistas civis.
…e freia a resistência.
A partir de seu apoio ao Plano Arias, Zelaya tentou convencer o movimento de resistência a aceitá-lo e aceitar também um “diálogo pacífico” com os
militares e os golpistas civis. Um exemplo disto foi seu chamado à população
para que fosse recebê-lo na fronteira com a Nicarágua em 24 de julho, durante a greve nacional de 48 horas, para recebê-lo e forçar seu retorno ao país.
A maioria da direção da Frente Contra o Golpe apoiou aquele chamado
e isso fez com que a esta ficasse sem vários de seus dirigentes nas principais
cidades do país. Zelaya fez os manifestantes acreditarem que poderia convencer a cúpula militar a deixá-lo entrar pacificamente e, chegados à fronteira,
viram Zelaya apelando pateticamente ao “patriotismo da cúpula militar”.
Como, obviamente, os generais não o fizeram e organizaram a repressão
em toda a região, Zelaya simplesmente voltou a sair, deixando milhares de
pessoas presas numa armadilha. Assim, pôs em perigo a vida e a liberdade de
milhares de ativistas e de muitos dirigentes da Frente de Resistência contra
o Golpe, o que representava uma ameaça real de perda de dirigentes do movimento antigolpista.
A orientação de Zelaya teve uma lógica de ferro: a necessidade de manter, a qualquer custo, o controle do movimento. Uma greve geral põe como
centro a ação direta e faz a classe operária aparecer como direção e cabeça do
movimento, o que ameaçava sua hegemonia. Para Zelaya, era fundamental
que sua figura e suas iniciativas se impusessem ao movimento de massas.
Só isso pode explicar que, nesse episódio, ele tentasse seu ingresso pela
fronteira, convocando o movimento a trasladar-se até ali, em meio à greve
mais contundente das últimas décadas. Ao mesmo tempo, buscava evitar
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que a greve e os bloqueios de estradas desbordassem sua estratégia de “saída
pacífica” e ameaçassem derrubar o regime golpista com a luta, abrindo o
questionamento ao próprio Estado burguês.
O papel dos chamados governos “anti-imperialistas”
Apesar de toda a retórica dos membros da Alba, em especial de Chávez,
não houve nenhuma “brigada de solidariedade” com Honduras nem, muito
menos, ações ofensivas do movimento de massas em seus países, contentandose com resoluções no limite da OEA e da Unasul. As escassas mobilizações
convocadas por Chávez na Venezuela ou o ato que realizou em El Salvador
três meses depois do golpe não escondem o esforço que os governos da Alba
realizaram para dar o protagonismo do processo às instituições do imperialismo e a seus principais porta-vozes, como Lula ante a ONU.
Mas o que chama mais a atenção é a atitude traidora dos vizinhos “progressistas” centro-americanos. O exemplo mais vergonhoso veio do governo
Funes, da FMLN, em El Salvador: depois de fechar por 48 horas as fronteiras
com Honduras, recebeu fortes críticas das associações patronais e, imediatamente, capitulou em toda a linha e passou a permitir o livre trânsito das
mercadorias produzidas em, e com destino a, Honduras. O presidente Funes
prosseguiu sua política de abandono da resistência hondurenha e de legitimação dos golpistas: em 28 de julho, em plena luta da resistência, realizou
uma reunião com representantes dos empresários golpistas hondurenhos e
comprometeu-se a não prejudicar seus interesses e investimentos em El Salvador. Isso serviu para que a oligarquia golpista de Honduras pudesse afirmar
que não estavam “tão isolados”, em especial na América Central. Afinal, até
um governo de “esquerda” os estava recebendo. Funes justificou essa traição
declarando “não poder negar-se” a receber empresários interessados em investir em seu país. Para ele, não importava a trajetória de massacres em que
estiveram implicados esses oligarcas golpistas, inclusive na guerra dos anos
90 em El Salvador; para Funes, o fundamental é garantir os bons negócios
de sua burguesia.
Por seu lado, Daniel Ortega esteve formalmente contra o golpe: apareceu ao lado de Zelaya, permitiu que usasse a Nicarágua como refúgio e disse
algumas bravatas contra os golpistas. Mas tampouco tomou alguma atitude
séria para afetar os interesses da oligarquia hondurenha na Nicarágua. Ele
também defendeu os interesses dos empresários nicaragüenses, que têm laços
estreitos com a burguesia golpista de Honduras. Tampouco teve dúvida em
comprometer-se com as manobras militares conjuntas latino-americanas
(Panamax 2009) com os Estados Unidos e a Colômbia, nas quais se chegou a anunciar a participação dos militares golpistas hondurenhos (afinal,
não puderam participar pelo não reconhecimento do governo dos EUA
e da OEA). Essas manobras têm o objetivo de treinar a “defesa do canal
do Panamá”, isto é, a defesa da dominação imperialista na região. Incluem,
ademais, as Forças Armadas de El Salvador, Brasil, Argentina e Equador (do
“bolivariano” Rafael Correa).
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O erro da direção da Frente
O apoio à política de negociação de Zelaya, inclusive à improvisada
marcha à fronteira, mostrou o erro das principais direções da Frente de Resistência, de seguir acriticamente sua orientação política e decisões pessoais.
Apesar da Frente não ter apoiado o acordo, não criticou Zelaya por
apoiar publicamente o reacionário Plano Arias, nem tampouco denunciou
sua política de chamar uma “mobilização pacífica”, sem nenhuma preparação
para resistir à repressão militar, e que esta alimentava ilusões no caráter supostamente “patriótico e negociador” da cúpula militar e deixava as massas
à mercê dos esbirros golpistas.
Essa contradição esteve presente todo o tempo, como se viu graficamente
no caso da marcha ao aeroporto, na mobilização à fronteira e, sobretudo pela
participação de um dirigente da Frente nas primeiras semanas da negociação
com os golpistas na capital hondurenha. Há poucos anos, a reação das massas derrotou os gorilas venezuelanos, e mostrou que, sem uma mobilização
decidida e disposta ao enfrentamento com as forças golpistas, não se pode
derrotá-los.
Chegou-se, assim, a uma situação em que, por um lado os golpistas não
podiam levar a cabo uma repressão genocida e deviam manter as formas institucionais pelo seu isolamento internacional; mas, por outro lado, as forças
da resistência estavam amarradas pela orientação zelayista e pela falta de uma
direção consequente. Era uma encruzilhada onde, à medida que passava o
tempo, permitia a manutenção das rédeas do Estado nas mãos dos golpitas
e a utilização da ânsia natural da população em retomar a “vida normal” para
debilitar a resistência (por exemplo, incentivando a pressão da população a
sobre os professores para terminar sua greve).
A política conciliadora impediu que a resistência derrotasse o golpe
A política de confiança nas negociações como
via central para tirar os golpistas impediu que
a resistência derrotasse o golpe. Era necessária
uma disposição à ação radical, e ao enfrentamento insurrecional com a ditadura, algo que Zelaya
estava e está contra fazer. Por isso, a resistência
não conseguiu derrubar Micheletti quando teve
condições para isso, devido à política da direção da
Frente, que foi a reboque da política de Zelaya. E
esse obstáculo tornou-se absoluto quando Zelaya
retorna e novamente se abre a negociação para o
Confronto na capital hondurenha (13/08/09)
Acordo de Tegucigalpa.
O Acordo de Tegucigalpa: consuma-se a traição de Zelaya
Quando Zelaya entrou em Tegucigalpa e se instalou na embaixada brasileira, houve uma retomada muito forte da mobilização, mas em seguida Mel
deu um novo respiro aos golpistas aceitando negociar com eles. Conclamou
a mobilizações pacíficas, e sob pressão do governo brasileiro e de Obama
tratou de desestimulá-las e acalmar os ativistas ao chamar permanentemente
o “diálogo”.
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A direção da Frente aceitou as indicações de Zelaya para que as mobilizações fossem pacíficas. Com isso, após mais de um mês de negociações em
Honduras, as ações diminuíram sensivelmente em massificação e radicalização. Os atos de setores e de ativistas em frente à embaixada e mais recentemente em frente ao Congresso, apesar de sua combatividade, não impediram
o funcionamento do país. Já não se produziam os bloqueios de estradas e
as greves foram reduzidas. Esse foi o momento escolhido pelo enviado dos
EUA, Thomas Shanon, para impor às duas partes o Acordo de Tegucigalpa.
Nesse acordo, Zelya teria uma presidência totalmente recortada, governando com os golpistas e cedendo até a direção das Forças Armadas, designada
ao presidente. Este acordo, ademais, não implicava uma restituição direta
de Zelaya, a um mês do processo eleitoral, mas deixava a decisão ao próprio
parlamento que aceitou sua destituição ao produzir-se o golpe de Estado.
A assinatura do Acordo conseguiu o objetivo dos golpistas de ir rompendo
com o isolamento internacional. Os golpistas, nesse marco, após contar com
a colaboração de Zelaya para a desmobilização das massas, decidiu continuar
adiando sua restituição para deixar claro que esta não teria efeito e com isso
levar ao desprestígio de Mel Zelaya.
A responsabilidade da direção da Frente
Depois de cinco meses, a repressão dos golpistas e a política negociadora
de Zelaya, além da atitude pacifista da Frente, criaram um ambiente de compasso de espera, que fez o movimento antigolpista retroceder, em sua força
e em seus métodos de luta. Pode ser que, frente à recusa sequer de reintegrar
Zelaya e a provável indignação popular, isso mude, mas já encontrará uma
situação menos favorável para retomar a luta devido ao período de desmobilização que só favoreceu à oligarquia e aos golpistas. A Frente de Resistência
ao Golpe de Estado tinha a obrigação de denunciar os acordos e romper com
Zelaya, mas preferiu acompanhar sua política, embora dizendo que continuará
“lutando nas ruas pela convocação de uma Assembleia Constituinte”. Emitiu
um comunicado que, de fato, apoia o Acordo de Tegucigalpa e realiza algumas
exigências ao Congresso golpista. Desta forma, lamentavelmente, a Frente
legitimou o acordo, encobrindo a traição de Zelaya e, ao mesmo tempo,
perdeu a oportunidade de surgir como uma alternativa de direção para a luta
do conjunto do povo hondurenho.
Adiou-se mais uma vez a restituição com as eleições “virando a
esquina”
Enquanto escrevíamos este texto, houve proclamações por parte da direção da Frente, afirmando que o acordo é letra morta devido à postergação
da restituição de Zelaya. Inclusive levantaram novamente a exigência de
Assembleia Constituinte e o rechaço às eleições de 29 de novembro por se
dar sob o governo golpista. Mas, novamente, há uma declaração de apoio a
Zelaya, por este haver considerado rasgado o acordo. Sabemos que foram as
bases que exigiram a denúncia das eleições e que se desconhecesse o acordo,
no entanto, a direção da Frente incluiu o apoio a Zelaya sem denunciar que
a postura atual do presidente deposto não muda o fato de que firmou o documento aceitando os pontos mais importantes do Plano Arias e permitiu
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que os golpistas manobrassem até perto das eleições, apenas com a promessa
de uma possível restituição via Congresso, o que deixou a resistência muito
debilitada.
As eleições dos golpistas e as tarefas da esquerda da Frente
Foi anunciada a retirada da candidatura independente encabeçada por
Carlos H. Reyes das eleições, assim como o chamamento da Frente a que
todas as candidaturas que apoiaram a resistência se retirem. A dezesseis dias
das eleições, os candidatos da UD ainda não se haviam pronunciado, mas
mesmo que acabassem se retirando, continuariam beneficiando o regime
golpista e seu processo eleitoral. Mesmo que o presidente deposto pelo
golpe fosse restituído nos últimos dias prévios aos comícios, esse fato já não
pode legitimar uma eleição produzida sob um regime golpista, nos termos
do Acordo de Tegucigalpa, que pretende enterrar a luta do povo hondurenho
contra os golpistas, a oligarquia e por uma Assembleia Constituinte que
rompa com o imperialismo.
O governo de Obama esperava que, com o Acordo de Tegucigalpa, a instabilidade em Honduras terminasse e se chegasse às eleições sem problemas.
Os golpistas, uma vez mais, não lhe facilitaram a tarefa; vendo-se cada vez
mais fortes, com a colaboração de Zelaya, esperam que as eleições sejam reconhecidas sem ceder o mais mínimo. A assinatura do Acordo por parte de
Zelaya, aceitando que a restituição fosse decidida pelo parlamento, permitiu
ao governo de Obama dizer que pode aceitar o resultado eleitoral e seguramente declarará que o novo governo restabelecerá a legalidade.
Apesar do forte debilitamento das massas e da confusão provocada pela
manutenção do apoio da direção da Frente a Zelaya, é muito possível que se
volte a produzir uma forte mobilização popular na luta contra estas eleições,
pois o povo hondurenho já demonstrou durante muitos meses que é capaz
de voltar a levantar-se e enfrentar o regime golpista.
Fica uma tarefa pendente que, se avançar, pode ser a parte positiva de
todo esse processo, em relação à organização dos trabalhadores e do povo de
Honduras. O desenvolvimento de uma direção alternativa de classe baseada
nos setores da esquerda da resistência que estão defendendo uma política independente de Zelaya e defendiam a radicalização da luta até impor a derrota
ao golpe pelas massas. Neste sentido, vemos a publicação do texto de Tomás
Andino como o início de uma discussão muito necessária que se deve abrir
não somente entre os lutadores hondurenhos, mas também entre todos os
que participaram e apoiam a resistência contra esse golpe, na América Latina
e em todo o mundo.
A luta contra as eleições, contra o governo vencedor (se esta eleição
fraudulenta for consumada), e, portanto, a luta pelo seu não reconhecimento,
serão as tarefas que terão o povo hondurenho, latino-americano e mundial
nos próximos meses.
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Proposta para avançcar até uma estratégia revolucionária
´
O Diálogo Guaymuras, a
estratégia do presidente
Mel Zelaya
e a Resistência
Tomás Andino Mencía
Deputado pelo partido UD ao Congresso Nacional - Honduras
Nos últimos dias temos sido testemunhas do “vai e vem” entre as Comissões de Mel e Micheletti no marco do Diálogo Guaymuras. Qualquer um que
enxergue dois dedos à frente percebe que existe una tática protelatória por
parte dos golpistas para ganhar tempo, ante a qual o Presidente Mel esmerase em continuar em tal “diálogo” com paciência franciscana. Enquanto isso,
os golpistas avançam em sua campanha eleitoral e a maioria da liderança da
Resistência continua centrando suas expectativas em que algo positivo surgirá
desse diálogo.
Minha tese é que o problema não reside apenas na tática protelatória dos
golpistas, mas que, principalmente, o Acordo de San José, apresentado como
a grande panacéia para resolver a crise atual, é em si mesmo uma armadilha
do Departamento de Estado norte-americano para levar a cabo os objetivos
do Golpe de Estado e que, portanto, Mel deveria retirar-se do mesmo e a
Resistência não deveria manter suas esperanças nele.
Os pontos de vista que exponho a seguir foram apresentados verbalmente
em inumeráveis ocasiões no fórum apropriado da direção da Frente Nacional
de Resistência, sem que houvesse una retificação do rumo atual. Isso me
obriga a apresentá-los agora por escrito.
Tradução
Marcos Margarido
O Acordo de San José e a estratégia imperialista
Os objetivos e os beneficiários do Golpe
Para fazer uma avaliação objetiva da estratégia norte-americana, devemos
recordar primeiro quais foram os objetivos do Golpe:
• Impedir que o Presidente Mel Zelaya estimulasse a mobilização do
povo contra a oligarquia empresarial.
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• Frear a luta pela Assembleia Nacional Constituinte.
• Cortar o vínculo internacional de Honduras com a Alba.
• Conservar Honduras como plataforma militar norte-americana frente a governos pró-Alba na América Central e no Caribe.
Do anterior deduz-se, em primeiro lugar, que os beneficiários mais imediatos do Golpe foram os empresários e a classe política vinculada a eles, pois
conservam inalterados seus privilégios de classe e sua forma de dominação
política baseada no bipartidarismo tradicional.
O outro grande ganhador do Golpe foi o imperialismo norte-americano,
do ponto de vista geoestratégico. Recordemos que a sede do Comando Sul
saiu do Panamá e que a única base militar que os norte-americanos têm em
solo centro-americano é a base aérea de Palmerola; nessas condições, o império não pode dar-se ao luxo de perder Honduras ante o avanço da Alba na
Nicarágua e un governo da FMLN em El Salvador.
Por isso, não é casual que distintas agências de Estado norte-americanas
alentaram e promoveram o Golpe de Estado em Honduras, coincidentes ou
afinados com a ultradireita gusana1 de Miami e da Venezuela. Agora fingem estar “contra”, mas é claro que as medidas tomadas para “penalizar” os golpistas
são tão tímidas que é evidente que só se trata de poses teatrais para aparentar
o que não são. A oligarquia e a cúpula militar hondurenha dificilmente teriam
assumido tal aventura, nem teriam se entrincheirado como fizeram frente à
avalanche diplomática internacional, se não tivessem contado com aprovação
e apoio destes setores chaves do império norte-americano.
Portanto, o Golpe de Estado em Honduras não é apenas produto do desespero da oligarquia ultramontana hondurenha que o executou, mas forma
parte de uma conspiração internacional inspirada e promovida pelo imperialismo norte-americano, em linha com as fracassadas intentonas golpistas na
Venezuela (2002), Bolívia (2008) e Guatemala (2009). Em outras palavras,
o governo norte-americano não é aliado do povo hondurenho contra o
Golpe, mas um de seus autores intelectuais.
O Plano Arias ou Acordo de San José
Como é de domínio público, o avião no qual o Presidente Zelaya foi
sequestrado fez uma aterrisagem na base militar norte-americana de Palmerola para se abastecer em sua viajem à Costa Rica. Depois, ao chegar a San
José, foi recebido pessoalmente pelo Presidente Oscar Arias, marionete dos
norte-americanos na América Central. “Casualmente” foi este último quem
apareceu com o chamado Plano Arias para a reconciliação entre as partes,
elaborado não por ele, mas pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos.
Tantas “casualidades” indicam uma realidade inquestionável: Que os
“norte-americanos” estão por trás do Plano Arias ou Acordo de San José
desde o princípio.
Que diz o Plano Arias? Em sua versão definitiva, este projeto de pacto
político promove a restituição do Presidente e a reconciliação dos golpistas
com o “melismo”2, mediante:
• A conformação de um Governo de Unidade entre funcionários de
Mel e dos golpistas, tirados dos cinco partidos políticos;
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1 Gusanos: cubanos
emigrados inimigos
da Revolução Cubana
(NT).
2 Melismo: partidários
de Mel Zelaya (NT).
Añno 2009
• A garantia de eleições com a participação de todos os setores um mês
antes da data preliminar de 29 de novembro deste ano;
• A renúncia a promover uma Assembleia Constituinte ou uma consulta popular com esse fim;
• Anistia pelos delitos políticos cometidos;
• Remover Mel do comando das Forças Armadas um mês antes das
eleições;
• Retornar as instituições do Estado à sua situação antes do Golpe de
28 de junho; isto é, Mel voltaria à Presidência e Micheletti ao Congresso.
Assim, Mel retomaria uma presidência sumamente limitado ou sem poder
para impulsionar a Assembleia Constituinte, nem poderia tomar nenhuma
outra iniciativa presidencial de peso; ademais perderia o controle sobre as
Forças Armadas e teria a ameaça da Procuradoria Geral e da Corte Suprema,
que já havia ordenado sua captura, intactas; Micheletti retomaria o poder
do Congresso Nacional e além disso teria gente de sua confiança no Poder
Executivo; os golpistas já “queimados” teriam garantidos um substituto com
as eleições; e ninguém seria denunciado por motivos políticos, ao menos em
território nacional.3
Isto é, se o Acordo de San José for firmado, contrário ao que nos foi feito
acreditar, o império conseguiria seus objetivos com o Golpe de Estado e
a burguesia sairia com as mesmas ou com maiores fatias de poder do que
tinha antes do golpe.
O papel cúmplice da OEA
Neste jogo de xadrez político internacional, a OEA também está jogando seu papel a favor da estratégia norte-americana. Nos primeiros dias do
golpe, teve uma reação consequente com a Carta Democrática que lhe serve
de base jurídica. Exigiu, então, a restituição imediata e incondicional do
Presidente Zelaya ao cargo. E em sua primeira visita, o Secretário Geral da
OEA, José Miguel Insulza, tratou Micheletti e sua quadrilha como o que são:
delinquentes políticos. Deu-lhes a seguinte mensagem: “Ou deixam o poder
ou os desconhecemos”.
Mas, à medida que o Departamento de Estado norte-americano foi exercendo sua liderança a favor do Plano Arias e da negociação, a OEA prendeu-se
totalmente a este e agora parece dizer junto aos norte-americanos: “Sentem-se
para negociar e ponham-se de acordo para que os reconheçamos”.
Esta mudança implica uma violação da Resolução da Assembleia Geral
da OEA por parte de Insulza, que só se explica pelo peso da representação
dos Estados Unidos nesse organismo. Novamente, repete-se a validez da
célebre frase de Che Guevara quando qualificou a OEA como “Ministério
das Relações exteriores do Imperialismo”.
O Diálogo Guaymuras e a negociação
O Acordo de San José implica em uma negociação. Negociar em si não
é incorreto. O incorreto é submeter os objetivos da luta direta nas ruas,
com muitas possibilidades de êxito, a uma negociação na qual só há possibilidades de perder. Isso é claramente inconveniente para a Resistência,
mas é o que sucede com o chamado Diálogo Guaymuras.
3 Embora o ponto
da Anistia tenha sido
eliminado do acordo
preliminar por ambas
as comissões, o certo
é que nada impede
legalmente que o Congresso Nacional a outorgue aos militares se
essa for sua vontade.
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Aññno 2009
Em primeiro lugar, aceitar negociar com golpistas é um mal precedente.
Em nome de que, é válido que um Presidente eleito democraticamente tenha
que negociar quotas de poder com bandidos políticos como Micheletti e
Romeo Vásquez, que usurparam-no à força? O mais triste é que aqueles que
pressionam por isso são os que dizem defender a democracia nas Américas (a
OEA) e no mundo (os norte-americanos). Agora, qualquer pilantra poderá
derrubar um governo democrático, com a certeza de que cedo ou tarde terão
que negociar com ele.
Em segundo lugar, não se negocia com uma faca no pescoço. Enquanto
as comissões estão reunidas, a repressão contra a resistência é mantida, e,
embora o Decreto de Estado de Sítio tenha sido revogado e a Rádio Globo
e o Canal 36 sejam reabertos sob ameaça, continua o assassinato de ativistas
da Resistência, há dezenas de presos políticos nas prisões da ditadura, e continuam a militarização e a tortura eletrônica na Embaixada do Brasil.
Em terceiro lugar, a lógica de toda negociação para se chegar a um acordo
é que as partes devem ceder algo. Se o Acordo de San José, por si próprio,
é uma base de negociação desvantajosa, o resultado final só pode ser pior
para a causa da Resistência. Por exemplo, no ponto central da restituição
do presidente, o acordo de San José diz que a decisão cabe ao Congresso
Nacional, mas os golpistas pressionaram para que fosse a Corte Suprema
de Justiça, e finalmente a Comissão de Mel recuou, aceitando que fosse “o
Congresso em consulta à Corte Suprema de Justiça”, arriscando-se a um
resultado negativo e adiando as decisões.
Em quarto lugar, não há transparência no que se negocia, porque as
propostas nas negociações não são submetidas à aprovação da base da Resistência; na realidade são secretas. A base fica ao par delas pela imprensa
quando já foram apresentadas. Não há maneira de reagir antes. Tudo resulta
ser uma imposição.
Em quinto lugar, não há nada que impeça os golpistas de apresentar
propostas absurdas para manter sua estratégia de dilatar o tempo da negociação. A OEA, que supostamente é garantia do diálogo, faz vista grossa
frente a essa descarada tática dilatória, alegando que eles não vão intervir
porque é un “assunto entre hondurenhos”. Dessa forma, os golpistas ganham
tempo à medida que nos aproximamos da data das eleições e a intranquilidade
cinde a base da Frente de Resistência.
Em sexto lugar, e este talvez seja o pior aspecto, é que o processo de
negociação contribui para a desmobilização ou para desviar a mobilização
da Resistência do que deveria ser seu objetivo central. Na atualidade o eixo
da luta já não é a rua mas a mesa de negociação. Enquanto o Diálogo está vigente, a luta se faz, não para tirar o governo de Micheletti, mas para fortalecer
a posição política da Comissão Negociadora do presidente Mel. Ademais,
o diálogo tem um efeito psicológico real na base; nossos companheiros se
perguntam: “para que vamos expor nossa segurança se ao final sairão acordos
no diálogo; é melhor esperar”. O Diálogo está cumprindo assim o objetivo
de desestimular a mobilização social.
Quem se mostra muito otimista sobre este processo argumenta que a
restituição do presidente poderá mudar as coisas “porque uma vez no poder”,
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dizem, “Mel terá possibilidades distintas das que tem agora”. É uma ilusão! Se
o Presidente for restituído por essa via, não me cabe a menor dúvida de que
os golpistas, que têm as armas e os meios de comunicação à sua disposição,
poderão impor suas condições ao presidente e poderão tê-lo onde e quando
quiserem, inclusive na prisão (recordemos que há uma “ordem de captura”
emitida pela Corte Suprema), para se assegurar de que estará incomunicável
e que suas ordens não serão conhecidas, cumpridas ou sejam obstaculizadas.
Se isso é assim, que vantagem teria a Resistência de ter um presidente prisioneiro em seu cargo?
Mesmo com todas as desvantagens assinaladas, o presidente mantém-se
na negociação para chegar à assinatura do Acordo de San José, confiando na
bondade dos organismos internacionais e no governo norte-americano, autor
intelectual do golpe. Nada mais equivocado. Pior ainda, o presidente tem uma
estratégia suicida de ceder em todos os pontos (governo de integração com
os golpistas, renúncia à Constituinte, aceitar as eleições, etc.) sabendo que,
se a restituição ocorrer, ele teria que cumprir todas as condições que forem
aceitas, o que a meu ver é indigno.
Tudo indica que o presidente busca a restituição a todo custo - embora
seja apenas simbólica - porque “o importante é reverter o golpe”. Lamento
discrepar do senhor presidente, mas devo dizer que uma restituição assim é
inservível para o povo e, em troca, é útil para legitimar as eleições dos golpistas
que, afinal de contas, são seu objetivo principal.
Conseguir uma restituição desta forma não significaria uma reversão do
golpe, não seria nenhum triunfo para o povo - porque nosso inimigo alcançaria
seu propósito e nós não - mas seria uma espécie de “normalização do golpe”,
ante cujas consequências negativas já não teríamos a mesma solidariedade
internacional porque esta reconheceria o governo golpista “legalizado” por
obra e graças a este acordo. Por conseguinte, um processo desse tipo não
poderia constituir nenhum modelo digno de ser imitado por nenhum país
do mundo, mas um bom exemplo de como não se deve “solucionar” um
Golpe de Estado.
Vale a pena que o presidente e a Resistência mantenhamos essa estratégia?
A Frente e a estratégia da resistência pacífica
Frente ao panorama desolador da negociação e do Acordo de San José, há
uma alternativa: a luta pela derrubada da ditadura com as forças da Resistência.
Parece tão difícil, mas é possível consegui-lo, e o primeiro passo para isso é
corrigir nossos erros.
A Resistência é un movimento social colossal. Nunca ocorreu em Honduras algo igual. Nem sequer a greve de 1954 foi semelhante. Milhões de
pessoas saíram às ruas dirigidas pela Frente Nacional de Resistência contra
o Golpe de Estado, a qual propôs os seguintes objetivos: 1) O retorno da
ordem constitucional, 2) a restituição de Manuel Zelaya Rosales a seu cargo;
e, 3) a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. É tão poderoso
que os estrategistas das Forças Armadas tiveram que recorrer a tudo o que
têm para contê-la.
Mas, vale a pena perguntar-se: acaso pode haver restituição enquanto
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Micheletti e sua quadrilha permanecerem no poder? Pode haver restituição
à ordem constitucional se os mesmos golpistas continuarem nas instituições
chaves como o Congresso, a Corte Suprema, etc.? Poderá haver convocação
a uma Constituinte se os golpistas atuais ou seus sucessores, que surgirem
da farsa eleitoral de novembro, permanecerem?
A experiência demonstrou que sem a queda do regime golpista é impossível uma restituição digna e útil do presidente, e muito menos será
possível a convocação de uma Assembleia Constituinte como o povo espera.
Então a pergunta é obrigatória: se a Resistência teve tanta força social,
como é que em três meses e meio de luta não conseguimos a queda do governo
usurpador de Micheletti e Romeo Vásquez?
A queda do governo golpista deve ser o primeiro objetivo e o centro da
estratégia
A resposta a essa pergunta não é simples. Após a ruptura de todos os
obstáculos ideológicos e políticos que mantinham o povo na obscuridade, o
atual regime só se sustenta pela força das armas. O enorme dispositivo militar
mostra o que nós enfrentamos. Mas todo o povo, liberado de suas amarras,
teve que enfrentar o mesmo desafio. Em geral, não são as armas, mas a disposição ao sacrifício de um povo que leva à vitória das revoluções. Não há
exército que possa contra um povo completamente levantado, que multiplica
em dezenas de milhares as frentes de luta, em cada aldeia, bairro, esquina e
casa. Assim se sucedeu em Cuba e na Nicarágua. É a lei de toda revolução.
Agora, se bem que não resulta fácil organizar algo assim, podemos dizer
que em Honduras estão dadas as condições para fazê-lo. O povo quer e é a
maioria. É questão de propô-la.
Minha tese é que este governo não caiu porque a condução da Frente
Nacional contra o Golpe de Estado não propôs o objetivo de derrotá-lo.
Por incrível que pareça, a direção da Frente evitou avançar à revolução.
Desde o princípio, a Frente apostou que Mel seria restituído, não por
uma insurreição popular verdadeira, mas pela ação da diplomacia internacional, encabeçada pela OEA e os Estados Unidos. A frente assumiu que
seu papel neste esquema é pôr a mobilização de massas como uma força
de pressão social a serviço da negociação do Pacto de San José, e não em
função da derrubada do governo usurpador. De fato, a queda do governo
não aparece como um dos três objetivos centrais da Frente, quando deveria
ser o primeiro. Apenas o povo parece ter claro a ordem correta das tarefas
políticas do momento, quando grita nas ruas “qual é o caminho”4.
O problema da forma de luta
A falta desse objetivo é traduzida, por sua vez, em problemas de estratégia: Tanto o presidente Manuel Zelaya como a direção da Frente Nacional de
Resistência definiram-na como uma “resistência pacífica”, “não violenta”, que
se baseia na desobediência civil e nas ações de protesto sem o uso de armas.
De fato, o método invariavelmente usado nestes 115 dias de resistência foi
a marcha diária.
Não questiono que um movimento de massas, que não conta com recursos
para derrotar o exército da oligarquia no início, utilize a tática da “resistência
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4 Nas marchas diárias,
os manifestantes gritavam a seguinte palavra
de ordem: “Cuál es
la ruta. Sacar a ese
hijoeputa”.
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pacífica”, não armada, para evitar ser massacrado. Mas já levamos três meses
e meio das maiores mobilizações de nossa história, e com menos que isso já
caíram vários governos em nosso país. Então algo não anda bem com essa
tática.
A resistência pacífica, da mesma forma que qualquer outra tática, não
deve ser considerada uma forma de luta permanente e estática. Se o que se
necessita é a derrubada de um regime opressor, a estratégia deve ser adequada
a esse objetivo, levando em conta a correlação de forças. A uma correlação
de forças favorável e uma maior disposição na consciência do povo – como
sucedeu em Honduras desde 28 de junho - devem corresponder formas de
luta mais duras e radicais, começando por marchas, ocupações, greves parciais,
culminando com a greve geral insurrecional e as milícias populares, como
as forma mais elevadas de mobilização revolucionária. Mas isso não é o que
ocorreu em nosso caso porque a forma de luta continuou sendo a mesma
todos os dias… durante 115 dias.
Este “pacifismo radical” e estático não é casual, porque nesta estratégia se
busca não entorpecer a saída negociada e não se busca a saída revolucionária.
Enquanto o presidente Mel esteve no exterior, tal estratégia serviu-lhe para
sustentar sua pressão diplomática para que o regime de fato negociasse o
Plano Arias. Uma vez em Honduras, Mel continua alentando a mobilização
da Frente Nacional de Resistência como un meio para pressionar na mesa
de negociação, como o mostra seu recente chamado à luta quando o Diálogo
Guaymuras ameaçava fracassar pelas posições intransigentes dos golpistas.
Mas já não se trata de que a Resistência siga sendo um instrumento, mas
que seja o autor da mudança.
Necessidade de que a base seja escutada
Isso requer uma mudança de atitude de nossa direção. Apesar de que a base
exija a gritos uma mudança de estratégia, essa reivindicação chega a ouvidos
surdos. E ainda se deforma esta inquietude dizendo que quem reclama essa
mudança defende a luta armada, a guerrilha e coisas pelo estilo, para fazê-la
aparecer como muito difícil. Para mim, as atividades de combatentes guerrilheiros isolados das massas não são úteis, mas prejudiciais porque justificam
a repressão. Qualquer forma de luta não serve de nada se não conta com a
participação ativa da maioria do povo.
Simplesmente dizemos que a direção deve saber quando a base está
disposta a avançar mais além de seus esquemas pré-concebidos. A que tipo
de luta estarão dispostas? Que elas o decidam, consultemo-las! O problema
é que não são escutadas e as castramos de antemão dizendo-lhes que quem
se põe beligerante é um “provocador”. Quem somos os dirigentes para crer
saber de tudo?
Necessidade de independência e complementariedade da Frente em
relação ao presidente
Voltando à estratégia do presidente, pode-se entender a partir de sua
realidade. Recordemos que o presidente Mel e seus acompanhantes na Embaixada do Brasil encontram-se em condições de cativeiro muito precárias;
sobrevivendo dia a dia, comendo às vezes, num absoluto confinamento e
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submetidos a tratamento torturante pelos corpos policiais e militares. É
compreensível porque se aferra tanto à negociação, dependente dos organismos internacionais.
Mas outra coisa é que a Frente aceite esta estratégia como própria. Mesmo que tenhamos objetivos comuns com o presidente, encontramo-nos em
condições muito díspares, dependemos de, e nos devemos a, forças muito
distintas, e por isso é necessário que a Frente mantenha una relação de independência e ao mesmo tempo de complementariedade com ele. Nem
podemos exigir que faça algo mais do que pode, nem ele tampouco pode
pretender que a Frente Nacional de Resistência faça algo que não esteja em
nossas possibilidades ou que nos limite a não fazer algo que possamos fazer.
Não é a primeira vez que as decisões do presidente, mal assessorado e com
evidente desconhecimento das condições em que realizamos a luta, afetaram
o movimento da Resistência, a qual, devido a sua lealdade a ele, seguiu-o incondicionalmente. Isso sucedeu quando fez o chamado a tomar o Aeroporto
Toncontin em 5 de julho; ou seu chamado para que o povo fosse recebê-lo na
fronteira com a Nicarágua, que conduziu milhares de companheiros a uma
ratoeira; ou o chamado à “ofensiva final” em 22 de setembro para a qual não
havia condições objetivas. Com essas iniciativas aventureiras e, devo dizê-lo,
irresponsáveis, expôs o povo a uma maior repressão e seguidamente se produziu um declínio da mobilização social. Com muito esforço, a Resistência
conseguiu recuperar-se dessas conjunturas. E agora resulta que o Presidente
nos meteu em outra: o Diálogo Guaymuras. Por sorte, Juan Barahona pôde
sair a tempo antes que tivesse de assinar o inaceitável.
En ocasiões teremos opiniões divergentes sobre a rota a seguir nesta
luta, mas para chegar a sua maioridade, a Resistência deve aprender a não
se deixar impor decisões de seus aliados e a tomar as próprias, em função
de sua realidade.
Se o presidente for respeitoso a seu povo, deverá aceitar as decisões
estratégicas que sua organização representativa estabelecer, que é a Frente
Nacional de Resistência. Além disso, a direção da Frente deve escutar mais
sua base, com mente aberta, e menos aos hóspedes da Embaixada do Brasil.
Com certeza, necessitamos também coordenar com o presidente, porque
em meio a uma luta contra a ditadura e o imperialismo é necessária a mais
ampla unidade de ação. A fórmula deve ser: independência e unidade de
ação naquilo em que coincidamos.
Apenas se conseguirmos um equilíbrio entre essas duas tendências, poderemos avançar até o objetivo comum; se não, os erros de um arrastarão o
outro ao abismo.
Propostas para avançar
Em base a todo o anterior, permito-me propor:
Que o Presidente Manuel Zelaya:
• Retire-se de imediato do Diálogo Guaymuras, justificando-o na mais
que evidente falta de vontade dos golpistas em ceder o poder e no não cumprimento de condições mínimas para realizar um diálogo sem repressão nem
meios de coação.
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• Dê por terminada a gestão do Acordo de San José por não ajustar-se a
uma saída justa da crise gerada pelo Golpe de Estado e exija à OEA prenderse à resolução de sua Assembleia Geral que ordena seu Secretário Geral a
defesa da restituição imediata e incondicional do presidente.
• Denunciar o papel sinistro e confabulado com os golpistas que joga
o governo dos Estados Unidos.
• Chame a recuperar uma aliança estratégica com a Alba para contribuir desde o plano internacional com a derrubada da ditadura, aproveitando
sua manifesta disposição em tal sentido, expressada em sua recente cúpula
na Bolívia.
Que a Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado:
• Denuncie o Diálogo Guaymuras como una estratégia dilatória da ditadura para ganhar tempo à espera do processo eleitoral e chame o presidente Manuel Zelaya a retirar-se do mesmo.
• Denuncie o Acordo de San José como um instrumento do imperialismo norte-americano para impor uma falsa saída à crise gerada pelo Golpe de
Estado, manietando o presidente Zelaya a condições inaceitáveis.
• Defina em sua estratégia geral a derrubada do governo usurpador
como o primeiro objetivo de nossa luta, ao redor do qual organizar toda a
estratégia operativa.
• Estabeleça uma estratégia de acumulação de forças progressiva para
gerar condições para uma insurreição popular no médio prazo, cuja primeira
meta seja conseguir a não realização da farsa eleitoral de novembro. Para
isso, poderia começar a desenhar e executar ações que golpeiem a economia
dos golpistas, em especial, preparando as condições para um “Paro” Cívico
Nacional e para uma Greve Geral insurrecional.
• Incorpore a autodefesa das mobilizações na estratégia geral da luta
de rua.
• Estabeleça as Mesas Comunitárias em todas as frentes locais da Resistência, como mecanismo de consulta às bases sobre o Acordo de San José,
a Constituinte, as eleições e as estratégias de luta.
• Dialogue com o presidente sobre a necessidade de que ele não tome
iniciativas que possam comprometer a Resistência, sem que esta seja informada ou sem lhe dar a oportunidade de expressar sua opinião. Além disso,
que respeite a decisão que a respeito tome a direção da Frente.
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Do “Novo Século Americano”
de Bush à nova tática política
de Obama
Alejandro Iturbe
Frente Obrero Socialista (FOS) - Argentina
O golpe de Estado em Honduras abriu um debate na esquerda latinoamericana sobre o papel de Barack Obama nele e se o novo governo dos EUA
representa ou não uma profunda mudança na tática política do imperialismo
norte-americano para enfrentar a situação mundial. Vários setores, em especial
alguns influenciados pelo chavismo, afirmam que, em sua essência, Obama
mantém a mesma política de Bush.
Recentemente foi publicado A “Doutrina Obama” ante a maior depressão da história1, que analisa as características da atual crise econômica, suas
perspectivas e seu impacto na situação mundial e na política do imperialismo
norte-americano. Em sua parte econômica, o material analisa com profundidade a atual crise e suas perspectivas. Neste terreno, temos vários acordos,
em especial quando caracteriza a fragilidade da “recuperação” em curso.
Mas estas coincidências terminam quando aborda as conseqüências da crise
econômica sobre a política do imperialismo norte-americano.
Tradução
Marcos Margarido
Um projeto neofascista?
Em sua introdução, o material afirma:
Governos e elites do primeiro mundo… estavam conscientes do
que vinha ocorrendo enquanto faziam preparativos para impor seus
interesses através de uma doutrina de guerra permanente […] É por
isso que, apesar do fim da guerra fria, o gasto militar, sobretudo nos
EUA, continuou crescendo até as cifras alucinantes da atualidade (…)
um novo holocausto para a humanidade está sendo preparado para
controlar o mundo, recolonizá-lo, destruir os avanços democráticos
e impor o neofascismo a nível planetário.
Nesse marco, as perspectivas para a América Latina são analisadas:
O golpe militar em Honduras não pode ser visto como mais um golpe
tradicional num pequeno país dos tempos da guerra fria. Precedido
pela volta da 4ª Frota dos EUA para a América Latina em 2008, de
um ataque militar da Colômbia a território do Equador e, simultaneamente, ao acordo de instalação de sete bases militares dos EUA
24
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1 Wim Dierckxsens
(Holanda); Antonio
Jarquin T. (Nicarágua); Reinaldo Carcanholo (Brasil); Jorge
Beinstein (Argentina);
Paulo Nakatani (Brasil) e Rémy Herrera
(França), membros
da equipe do Observatorio Internacional
de la Crise. Citações
em wwwobservatoriodelacrisis.org/readarticle.php?article_
id=265.
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na Colômbia, são eventos que não podem ser desconectados um do
outro; eles podem ser considerados como um ataque militar dos EUA
contra “toda a América Latina”. Esses fatos devem de ser analisados
não só no contexto local e regional, mas, também, dentro do contexto
da estratégia global pós-guerra fria dos EUA sobre a Eurásia e o resto
do mundo e no contexto da grave crise econômica atual.
E conclui que o golpe de Honduras:
Longe de ser um anacronismo, marca, na opinião de Rick Rozoff, “um
precedente para o futuro. Assim como o Afeganistão transformou-se
na principal frente de guerra durante o último ano (incluindo os sete
meses de Obama), também parece haver planos de agressão militar à
América Latina, relativamente isolada desses conflitos nos últimos
dez anos” (Rick Rozoff, US escalates war plans in Latin America). O
motivo geopolítico é a eventual ampliação da guerra às proximidades
com a China e a Rússia. Isso exige uma segurança maior na oferta de
petróleo e recursos naturais aos EUA. Em tempos de guerra é arriscado e inseguro o transporte pelos oceanos. Os EUA necessitam...
assegurar-se dos recursos naturais... da América Latina. O perigo, na
conjuntura da crise, foi que o continente estava definindo cada vez
mais seu próprio rumo com a autodeterminação sobre tais recursos.
Os EUA queriam dar um basta e apoiou o golpe militar no elo mais
fraco do continente.
Em outras palavras, para os autores, Obama não só não representou
nenhuma mudança em relação à política de Bush, mas também, pressionado
pelas consequências da crise econômica sobre seu país, estenderá geograficamente os conflitos bélicos e aprofundará sua metodologia de guerras,
agressões e golpes.
Mudanças na realidade, mudanças na tática
Cremos ser uma análise profundamente equivocada. Opinamos que, em
relação a Bush, Obama expressa uma grande mudança na tática política do
imperialismo para enfrentar a situação mundial, devido a alterações da realidade: a derrota do projeto de Bush frente à luta do movimento de massas e
os riscos de explosões sociais que a atual crise econômica implica.
Trataremos de demonstrar esse equívoco e fundamentar nossas opiniões.
Não porque queiramos embelezar Obama e sua política (deixamos isso a quem
lhe outorgou recentemente o Premio Nobel da Paz e outros que, como Fidel
Castro, saudaram esta decisão), mas porque, como marxistas, para modificar
a realidade devemos compreendê-la tal qual é.
Para evitar falsas discussões, não temos nenhuma dúvida de que Obama,
como presidente dos EUA, defende os interesses imperialistas da mesma forma que Bush. Isto é, sua estratégia continua sendo a recolonização da maioria
do planeta. Tampouco cremos que seja um pacifista que abandona a “ação
militar” (basta ver sua política na guerra do Afeganistão, a manutenção da
ocupação de Haiti ou seu plano de utilização das bases militares da Colômbia).
Mas a derrota que o projeto de Bush sofreu no Iraque e na Venezuela, e
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o curso desfavorável da situação no Afeganistão e no Oriente Médio, etc.,
obrigaram o imperialismo a mudar sua tática. Foi a luta das massas e as derrotas infligidas à política do imperialismo, não a “boa vontade” de Obama,
que impuseram esta mudança de tática, acentuada pelos riscos da situação
social derivada da pior crise econômica capitalista desde 1929.
Se Obama e Bush defendem os mesmos interesses imperialistas, as condições em que devem fazê-lo são diferentes e o imperialismo necessita adaptar-se
a isso. O próprio Bush já havia sido obrigado a começar este ajuste, mas o
atual presidente expressa essa mudança com muito mais clareza.
O Projeto para um Novo Século Americano
Parece-nos necessário voltar um pouco aos objetivos do projeto defendido
por Bush para entender melhor o impacto de sua derrota para o imperialismo
norte-americano. O Projeto para um Novo Século Americano (PNAC em
inglês) iniciou-se formalmente em 3 de junho de 1997 com sua constituição
por parte de uma corrente de extrema direita do Partido Republicano2.
Em sua declaração de princípios, o PNAC afirma que seu principal objetivo é manter “a liderança, os interesses e os valores americanos no mundo”, no
próximo século XXI, com seus desafios e as mudanças ocorridas no mundo.
Critica o governo de Bill Clinton (A política exterior e de defesa americanas
estão à deriva) e também os setores conservadores republicanos tradicionais
porque “não propuseram decididamente uma visão estratégica do papel da
América no mundo… nem lutaram por um orçamento de defesa para manter
a segurança americana e o avanço dos interesses americanos no novo século”.
Mais adiante, afirma:
Enquanto o século XX aproxima-se de seu fim, os EUA permanecem
como a principal potência mundial. […] Estamos pondo em risco a
capacidade da nação de enfrentar ameaças presentes e de lidar com
desafios potencialmente maiores no futuro. […] Terão os EUA a
resolução para desenvolver um novo século favorável aos interesses e
princípios americanos?
Como resposta, apresenta suas propostas:
• Uma política exterior que, audaz e intencionalmente, promova os
princípios americanos no exterior, e uma liderança nacional que aceite as
responsabilidades globais dos EUA.
• Aumentar significativamente os gastos com defesa…
• Fortalecer nossos laços com os aliados democráticos e desafiar os
regimes hostis a nossos interesses e valores...
• Aceitar a responsabilidade do papel especial dos EUA em preservar e
estender uma ordem internacional favorável a nossa segurança, nossa prosperidade e nossos princípios.
Esta declaração ia acompanhada de uma análise completa da situação
política, econômica e militar das distintas regiões do mundo e os interesses
norte-americanos em cada uma delas. Assinam-na, entre outros, Jeb Bush
(irmão de George W. e governador do estado da Flórida na época); Dick
Cheney (futuro vice-presidente), Donald Rumsfeld (futuro secretário de
Defesa) e Paul Wolfowitz (o arquiteto da política de Bush para o Iraque).
26
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2 Em www.newamericancentury.org
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Isto é, não se tratava de um projeto improvisado nem de uma resposta
conjuntural aos atentados de 11 de setembro de 2001, mas de um projeto
muito ambicioso e de alcances estratégicos para consolidar e ampliar por um
século a hegemonia econômica-política-militar dos EUA no mundo.
Para isso, era necessário intervir militarmente em qualquer lugar do
mundo onde os interesses e os “valores” dos EUA (leia-se direito ao saque
de recursos naturais, como petróleo e gás, e a extração de mais-valia) fossem
questionados ou onde houvesse um “regime hostil” que ousasse desafiar essa
hegemonia.
Alguns analistas qualificaram este projeto como “neofascista”. Parece-nos
mais exato chamá-lo de “bonapartista”, de reafirmação da hegemonia mundial
e propenso ao amplo uso da “opção militar”, avançando na disposição de criar
novas situações coloniais em alguns países.
A guerra contra o terror e a luta contra o “eixo do mal”
O governo de Bush nasceu débil: sua eleição estava questionada (teve
menos votos populares que Al Gore) e os EUA viviam uma crise econômica.
Embora o projeto não surgisse com os atentados de 11 de setembro, estes
criaram as condições para seu respaldo pelo conjunto da burguesia norteamericana e um forte apoio popular para desenvolvê-lo em grande escala, por
poder apresentá-lo como a política de “defesa” de um país que estava sendo
“agredido” (75% da população apoiava a invasão do Afeganistão).
A partir dos atentados, Bush incorpora dois conceitos chaves. No discurso de 21 de setembro de 2001 ao Congresso, fala, pela primeira vez, da
“guerra contra o terror”, uma virtual declaração de guerra contra o regime
talibã afegão, acusado de ser o centro de uma “rede terrorista mundial”3.
O ataque ao Afeganistão seria só o início desta guerra:
Nossa guerra contra o terror começa com o Al Qaeda, mas não termina
aí. Não terminará até que cada grupo terrorista tenha sido encontrado,
detido e vencido. […] Nossa resposta envolve muito mais que uma
represália instantânea e golpes isolados. Os norte-americanos não
devem esperar una batalha, mas uma longa campanha como jamais
viram antes. […] Deste dia em diante, qualquer nação que continue
dando refúgio ou apoiando o terrorismo será considerada um regime
hostil pelos EUA.
O rápido triunfo obtido no Afeganistão (outubro de 2001) fez com que
Bush subisse um degrau e incorporasse (em 29 de janeiro de 2002) o conceito
de “eixo do mal”. Isto é, aqueles países que mantinham algum grau de autonomia dos EUA. A desculpa, desta vez, não só era o “apoio aos terroristas”, mas
também a posse de armas nucleares e de “destruição em massa” (ou supostas
intenções de desenvolvê-las) e, por isso, representavam uma “ameaça”.
Bush afirmou que o “eixo do mal” era integrado pelo Iraque, Irã e Coreia
do Norte. Depois, a Líbia e a Síria foram agregadas e, em algumas declarações,
representantes de seu governo também incluíram a Venezuela, Bielorrússia e
até a Bolívia. Bush termina seu discurso com uma clara ameaça: “Países como
estes, e seus aliados terroristas, constituem um eixo do mal que se arma para
ameaçar a paz mundial”.
3 Foi certamente uma
ironia da história, já
que a criação da organização talibã havia
sido impulsionada
pela própria CIA para
combater a invasão
soviética nesse país, na
década de 1980.
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A próxima ação de Bush foi a invasão ao Iraque e a derrubada de Sadam
Hussein (março-maio de 2003), considerado um passo prévio a um ataque
ao regime iraniano dos aiatolás (com o qual tinha contas pendentes desde
1979). Embora não fossem realizados por tropas norte-americanas, consideramos que o golpe contra o governo de Hugo Chávez (12 de abril de 2002);
a invasão do exército israelense ao Líbano (julho de 2006) e os reiterados
ataques à Faixa de Gaza foram parte da luta contra o “eixo do mal”. Vejamos
então, quais foram os resultados destas batalhas e da “guerra contra o terror”.
O fracasso do golpe na Venezuela
Apesar de seu primeiro e rápido triunfo na derrubada do regime talibã,
a LIT-QI assinalou, desde o início, que a resistência do movimento de massas era o principal obstáculo ao projeto de Bush: “No entanto, e apesar da
vitória no Afeganistão, o imperialismo não conseguiu derrotar o conjunto
do movimento de massas e a reação destas exacerbou-se em vários pontos
do planeta criando um quadro crescente de polarização da luta de classes”4.
A primeira derrota de Bush ocorreu na Venezuela. Em 11 de abril de
2002, um golpe cívico-militar, incentivado e respaldado por seu governo,
derrubou Hugo Chávez e instalou um governo presidido pelo líder burguês
Pedro Carmona. No entanto, uma grande mobilização de massas, combinada
com a divisão nas Forças Armadas, removeu o governo golpista e obrigou-o a
restituir Chávez, como a única maneira de controlar a situação. Meses depois,
houve uma nova tentativa de “quebrar” o governo de Chávez, por meio de
um lock out patronal e pelos gerentes pró-imperialistas da petrolífera estatal
PDVSA, mas também foi derrotado pela mobilização das massas.
A partir desta derrota, Bush viu-se obrigado a mudar sua política para
a Venezuela. Embora os enfrentamentos retóricos fossem mantidos, Bush
deixou de apoiar a derrubada de Chávez; as empresas norte-americanas (e
a própria burguesia golpista venezuelana) começaram a fazer negócios com
seu governo, aumentaram fortemente seus investimentos (especialmente
nas áreas de petróleo e automobilística) e passaram a apostar num futuro
desgaste eleitoral de Chávez.
Iraque: o Vietnã de Bush
Mas foi no Iraque onde Bush apostou mais forte e jogou a sorte de seu
projeto. As forças imperialistas invasoras conseguiram um rápido triunfo com
a derrota do regime de Sadam Hussein. Mas essa rápida guerra de ocupação,
aparentemente triunfante, transformou-se rapidamente numa guerra de liberação do povo iraquiano contra as tropas ocupantes, cada vez mais desfavorável
para o imperialismo, até tornar-se “uma guerra impossível de ganhar”.
Os sucessivos planos para estabilizar e controlar o país foram fracassando
até chegar à decisão atual de retirar as tropas e deixar o combate ao caos em
que o país se converteu a cargo um governo iraquiano e suas Forças Armadas.
Existem questionamentos à comparação do resultado da guerra do Vietnã
com a do Iraque. A derrota imperialista no Vietnã ficou marcada pela imagem
dos helicópteros dos EUA abandonando apressadamente Saigon e muitos
funcionários do governo títere do Vietnã do Sul tentando desesperadamente
fugir com eles. E esta retirada levou a que o exército doe Vietnã do Norte
28
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4 WELMOWICKI,
J. Situación Mundial:
meses después la cinchada se tensa. Marxismo Vivo N. 5, abril
2002.
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derrotasse rapidamente os restos do governo títere e reunificasse o país.
No Iraque, em troca, não há uma “fuga” apressada das tropas estadunidenses, mas uma saída ordenada e um deslocamento de vários milhares de
homens a “superbases” no Kuwait e outros países da região. E não há um
inimigo centralizado e unificado que tome o poder, mas a divisão de fato de
um país caótico em três regiões autônomas, entregues à burguesia xiita no
sul, à sunita no centro e à curda no norte. Um governo central seria mantido
para controlar as fontes de petróleo e as Forças Armadas. Não está claro se
este precário equilíbrio será mantido quando as tropas dos Estados Unidos
se retirarem e, portanto, se será possível cumprir os planos e as promessas
de Obama.
Embora importantes, estas diferenças são secundárias, porque o imperialismo norte-americano não conseguiu nenhum dos objetivos políticos,
militares e econômicos estabelecidos ao invadir o país e, por isso, retira-se
claramente derrotado.
Por outro lado, o impacto da derrota no Iraque é muito superior à sofrida
no Vietnã. No sudeste asiático, estava em jogo essencialmente um problema
político-militar, já que a região não tinha um valor econômico nem geopolítico estratégico para a dominação imperialista. Mas o Iraque, e o Oriente
Médio de conjunto, têm uma importância econômica e geopolítica estratégica
qualitativamente superior por suas riquezas em petróleo e gás.
Por isso, a derrota é muito mais dura e se transformou em um ponto de
inflexão do curso da “guerra contra o terror” e de todo o projeto de Bush,
voltando-se como um bumerangue sobre os EUA, pois gerou a derrota de
Bush nas eleições legislativas de novembro de 2006 e a dos republicanos nas
presidenciais, em novembro de 2008.
Frente à situação no Iraque e o recrudescimento da guerra no Afeganistão, o imperialismo tentou dar um golpe de força para reverter a situação: a
invasão israelense ao Líbano, em julho de 2008. Com o pretexto de recuperar
um soldado israelense capturado, as Forças Armadas israelenses tentaram
destruir o Hezbollah. Mas, frente à heroica resistência das massas libanesas,
este objetivo terminou numa dura derrota para o então primeiro ministro
israelense, Ehud Olmert, e o próprio Bush. Israel saiu muito enfraquecido do
Líbano e o projeto de Bush sofreu outra dura derrota que agravou sua situação.
Eles próprios afirmam
A definição de que a guerra de Iraque terminou numa derrota, e sua
comparação com Vietnã, não é somente nossa, mas dos próprios analistas
políticos da imprensa imperialista. Um editor do New York Times, no início
de 2007, via assim a situação militar no Iraque e suas consequências políticas:
O problema é que ninguém mais quer apostar em Bush. O que mudou
na guerra do Iraque, nos últimos meses, foi a situação nos Estados
Unidos. (...) Existe hoje um consenso entre os políticos republicanos
e democratas que não existia nem sequer nos momentos finais da
guerra do Vietnã. (…) No momento da derrota, Bush está se tornando
ainda mais perigoso, aumentando as apostas quando qualquer outro
reconheceria que é hora de retirar-se da mesa5.
5 WAACK, W. George W. Bush: Gambler
Who Has Run Out of
Luck, publicado em
29/01/2207 emwww.
wa t ch i n g a m e r i c a .
com/oglobo000015.
shtml.
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Aññno 2009
Uma das primeiras consequências da situação foi o abandono da intenção
de Bush de invadir o Irã: a própria Condoleeza Rice declarara, em 2006: “Irã
não é o Iraque”6. Por outro lado, a ajuda do regime iraniano transformava-se
numa questão fundamental para “estabilizar” o Iraque, por sua influência nas
organizações políticas xiitas iraquianas que participavam dos governos títeres.
Afeganistão: o Iraque de Obama?
A situação do imperialismo ficou agravada pelo curso cada vez mais
desfavorável na guerra do Afeganistão. Longe de marchar até a vitória, esta
guerra parece encaminhar-se até una nova derrota militar do imperialismo.
Consciente deste perigo, Obama tenta una política de fortalecer sua posição
militar para conseguir uma saída para a guerra, negociada com o Talibã.
A guerra “contra o terror” teve início com a promessa de “apagar o Talibã
da face da Terra” e liquidar o regime iraniano. Seu resultado final é que este regime é hoje uma peça chave para o desejo imperialista de “estabilizar” a região
além de se buscar negociações com o próprio Talibã. Como se pode qualificar
o resultado desta guerra se não como uma clara derrota do imperialismo?
Neste marco, falar de uma “eventual ampliação da guerra nas proximidades
da China e Rússia” parece um exercício de ficção política. Alguém imagina
que os EUA possam atacar a China, destino dos maiores investimentos imperialistas nas últimas décadas? Tampouco se vislumbra um conflito com a
Rússia, além dos choques ocorridos no conflito entre a Geórgia e a Ossétia.
Pelo contrário, a política de Obama é a de pactuar com Putin e, por isso,
liquidou o projeto de instalação do escudo antimísseis na Europa Central.
A crise econômica e as contradições do imperialismo
Outra das razões que os autores dão para o recrudescimento de um projeto
neofascista é o impacto da atual crise econômica nos países imperialistas e
sua política para enfrentá-la:
O nacionalismo está de regresso nas diferentes políticas dos países
centrais. O mesmo representa uma atitude coletiva nacional de salvar-se
à custa eventual das demais nações. Estas tendências protecionistas, xenofóbicas e nacionalistas são ingredientes para fomentar o neofascismo.
Aqui se misturam questões corretas e equivocadas. É totalmente certo
que a crise econômica faz com que os governos dos países imperialistas alimentem tendências xenófobas em sua população e façam duras leis contra os
trabalhadores imigrantes. É uma forma de descarregar a crise sobre o setor
mais frágil de suas classes operárias. Ao mesmo tempo, tenta desviar a bronca
dos trabalhadores “nacionais” contra as empresas e os governos em direção
aos trabalhadores imigrantes que lhes “roubam” o trabalho e os salários, como
se vê com clareza em países como a Itália, França ou a Inglaterra.
Mas, nas últimas duas décadas, deu-se um processo de “internacionalização” da produção com um crescente volume de investimentos na China,
Índia, os tigres asiáticos e outros países, buscando menores custos trabalhistas
e maiores taxas de lucro. Hoje, grande parte da produção industrial das empresas imperialistas ocorre nesses países e se vende nos países centrais, em um
circuito essencial para seus lucros. Por isso, é praticamente impossível que os
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6 PORTER, Gareth.
Historia oculta del fracaso
de Bush e Rice, publicado pela Agência IPS,
14/06/2006.
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países imperialistas, ou os países periféricos mais fortes, girem para políticas
isolacionistas ou protecionistas, como ocorreu depois da crise de 1929.
Esta realidade apresenta-se como uma contradição muito grave ao imperialismo. Se seguir a lógica de reduzir custos trabalhistas e lucros, deve manter
e aprofundar o atual circuito econômico, enquanto aumenta os ataques a
suas próprias classes operárias. Foi o que fez a GM ao fechar várias fábricas
e demitir 20 mil de seus 60 mil trabalhadores nos EUA, enquanto mantinha
suas fábricas e pessoal na China e no Brasil.
Se o fator principal que considera, por outro lado, for o temor aos enfrentamentos com suas próprias classes operárias, atuará como Sarkozy, na França,
que forneceu empréstimos à Renault com a condição de que as fábricas no país
fossem mantidas e, em último caso, fechasse a Dacia na Romênia. Ou como
Merkel, na Alemanha, que pôs dinheiro para comprar a Opel, tentando salvar
as fábricas e o pessoal do país em detrimento das plantas da Suécia e Bélgica.
Pesando tais contradições, os governos e empresas imperialistas atacam
seus próprios trabalhadores, mas o fazem de modo cuidadoso, tentando evitar
um enfrentamento frontal e global, em especial na Europa, precisamente pelo
contexto político desfavorável que lhes deixou a derrota do governo Bush.
Assim, junto às demissões e reduções salariais, aplicam-se medidas como a
extensão do prazo do seguro desemprego. Tanto as contradições quanto essas
medidas são o resultado da debilidade do imperialismo e não de sua força.
América Latina: golpes por todos os lados?
Analisemos agora a situação da América Latina. Segundo os autores, a
combinação da necessidade de assegurar o abastecimento dos recursos naturais
do continente, ante “uma ampliação da guerra” na Ásia; a conjuntura de crise
econômica e o fato de que “o continente estava definindo cada vez mais seu
próprio rumo com autodeterminação sobre tais recursos”, abre a perspectiva
de que o governo dos EUA impulsione golpes de Estado em toda a América
Latina (supomos que principalmente contra aqueles governos que estariam
resistindo e defendendo “a autodeterminação”).
Novamente, elementos corretos misturam-se com outros que não o são
para uma conclusão equivocada. É certo afirmar que o imperialismo norteamericano necessita assegurar o abastecimento dos recursos naturais da
América Latina, acentuada pela situação militar no Oriente Médio e a crise
econômica. Mas é equivocado dizer que o abastecimento será garantido por
meio de uma política geral de apoiar golpes de Estado.
E por duas razões. A primeira é que, como temos analisado, a derrota do
projeto de Bush fez com que o imperialismo não busque atualmente novas
frentes de conflito ou de enfrentamento. Ao contrário, busca defender seus
interesses através da negociação e do “consenso”.
Por isso, levou países como o Brasil, México ou a Argentina ao G-20 (na
ficção de que intervirão nas “grandes decisões econômicas mundiais”). E, nas
situações de conflito, impulsiona saídas “negociadas” que lhe sejam favoráveis.
Por isso, no recente golpe de Honduras, sua política foi promover o Pacto de
San José e depois o Acordo de Guaymuras. Antes, na Bolívia, vimos como
sua linha não foi incentivar a queda de Evo Morales, mas um acordo entre
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seu governo e a burguesia da Meia Lua através da Unasul (nova peça chave
para defender seus interesses na América do Sul com uma “cara regional”).
Nesta política, o Brasil e Lula (o “homem” de Obama na região) jogam o
papel principal para encontrar as melhores saídas para o imperialismo.
A segunda razão completa a primeira, contra o que dizem os autores do
trabalho, não existem no continente latino-americano governos realmente
anti-imperialistas ou que defendam uma real “autodeterminação sobre seus
recursos naturais”, más além de suas retóricas ou de alguma medida parcial.
É o próprio governo venezuelano de Chávez que assegura constitucionalmente os investimentos estrangeiros e entrega 50% do petróleo venezuelano
às grandes petroleiras imperialistas; é o governo boliviano de Evo Morales
que entrega a exploração do gás, petróleo e do minério de ferro bolivianos
a empresas estrangeiras, é o de Correa, no Equador, que governa para as
multinacionais mineiras.
Por isso, a política do imperialismo para assegurar esses recursos naturais
e conseguir seus objetivos hoje não é de golpes de Estado, mas de negociação
e “consenso”. Hoje não busca derrotar os governos de Chávez, Evo e Correa,
mas cooptá-los e associá-los no saque de seus países, dando-lhes, em troca,
algumas migalhas para que possam desenvolver alguns “planos sociais”.
Ao mesmo tempo, se bem que as bases da Colômbia, e outras no continente, ou a reativação da 4ª Frota representem um “posicionamento estratégico”, a atual política militar do imperialismo para a América Latina é atuar
através de, ou com, a colaboração das Forças Armadas de países com governos
surgidos de eleições, incluídos alguns daqueles que supostamente estariam
ameaçados por perspectivas de golpes, como a Bolívia, Equador ou Nicarágua.
Um primeiro exemplo é o Haiti, onde, com a cobertura da ONU, a Minustah é comandada pelo Brasil e integrada por tropas da Argentina, Chile,
Uruguai e até a Bolívia, para reprimir o povo haitiano e garantir às multinacionais têxteis americanas os salários mais baixos do continente.
Outro exemplo menos conhecido é o do exercício das Forças Aliadas
Panamax 2009, realizado em setembro passado, com a desculpa de simular “a
defesa do Canal do Panamá” frente a um suposto “ataque externo”. Dirigidos
pelo Comando Sul do exército estadunidense, participaram 4500 soldados
provenientes de 20 países (Argentina, Belize, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia,
Costa Rica, República Dominicana, Equador, El Salvador, EEUU, França,
Guatemala, Holanda, Nicarágua, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai)7.
A reação democrática
A política aplicada atualmente por Obama não é nova. Na década de
1980, a LIT-QI a definiu como “reação democrática”. Isto é, a utilização das
ferramentas da democracia burguesa (eleições, Parlamento) e das negociações
e pactos para frear, desviar e inclusive derrotar ascensos do movimento de
massas, com a ação militar passando a jogar um papel secundário e auxiliar.
Embora se trate de una política defensiva, pois responde a determinadas
condições da luta de classes mais desfavoráveis ao imperialismo, suas táticas
podem ser muito ofensivas e conseguir importantes êxitos para o imperialismo. Assim ocorreu na década de 1980, depois da derrota no Vietnã e dos
32
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7 Dados extraídos
de www.southcom.
mil/appssc/factfles.
php?id=126
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triunfos das revoluções no Irã e na Nicarágua, e em meio aos processos que
derrubavam as ditaduras latino-americanas.
Os processos latino-americanos foram desviados através da reação democrática, tanto naqueles países que haviam vivido revoluções democráticas
(como a Argentina e o Brasil) ou para evitá-las. O processo revolucionário
centro-americano, aberto com a queda de Somoza, foi freado com os Acordos
de Contadora (mesmo que aqui o aspecto militar estivesse mais presente).
Finalmente, a restauração capitalista no Leste da Europa não foi o resultado
de guerras e invasões, mas teve como componente central uma política de
reação democrática.
O que queremos enfatizar é que o imperialismo nem sempre aplica una
política de guerras, golpes e invasões para manter seu domínio colonizador.
Pelo contrário, que pode defender seus interesses e assegurar este domínio
também através da política de reação democrática. Especialmente quando,
como na atualidade, conta com a colaboração dos governos e das direções
do movimento de massas.
Novamente, qual é a atual política do imperialismo?
Em resumo, como resultado da derrota do projeto Bush e da guerra
contra o terror, Obama representou uma mudança na tática política com que
o imperialismo norte-americano enfrenta os problemas da situação mundial.
Passou da “unilateralidade agressiva” de Bush à “multilateralidade consensuada” representada por Obama. Isto é, uma ampliação da ação diplomática e dos
âmbitos de tomada de decisões para “convencer” e conseguir o “consenso”
para as políticas a serviço do imperialismo que, nestes momentos, simplesmente não podem se impor pela força.
Uma mudança que determina agora um novo equilíbrio entre as negociações e a política militar ou de ameaças para alcançar os objetivos imperialistas.
O centro passou a ser a “cenoura” (as negociações) enquanto o “garrote”
é empregado como um fator auxiliar e coadjuvante. Por isso, os âmbitos
diplomáticos, de negociação e de consenso recebem agora uma importância
muito maior. Este é o verdadeiro segredo do “pacifismo” de Obama.
Para todo os que lutamos contra o imperialismo é muito importante compreender estas mudanças porque, como dissemos, para mudar a realidade é
necessário analisá-la tal qual é. E, o que é mais importante, porque a visão dos
autores do trabalho que estudamos nos desarma para combater a verdadeira
política de Obama e os profundos riscos que esta política “enganosamente
pacifista” implica para os trabalhadores e os povos do mundo. Em Honduras,
com o Acordo de Guaymuras, que roubou do povo hondurenho a possibilidade de derrotar os golpistas com sua luta, acabamos de ver um exemplo.
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