metrópoles ameaçadas - Trupe Agência Criativa

Transcrição

metrópoles ameaçadas - Trupe Agência Criativa
ISSN 1659-2697
ANO 6 | 2010 | Nº 11
SAÚDE
INCLUSÃO HÍDRICA EM TODO
PROGRAMA DE ATENÇÃO À AIDS
A importância do acesso à qualidade e quantidade de água na
prevenção de infecções oportunistas em pacientes portadores
do vírus da imunodeficiência humana
INTERNACIONAL
ÁGUA NA DIPLOMACIA MUNDIAL
Hillary Clinton, Secretária de Estado dos EUA fala sobre a
importância da água como elemento de sucesso na política exterior
da Administração Obama
METRÓPOLES AMEAÇADAS
Das 40 grandes cidades existentes no mundo,
6 estão na América Latina
ano 6 | 2010 | Nº 11
ISSN 1659-2697
CONSELHO EDITORIAL
ANO 6 | 2010 | Nº 11
SAÚDE
INCLUSÃO HÍDRICA EM TODO
PROGRAMA DE ATENÇÃO À AIDS
A importância do acesso à qualidade e quantidade de água na
prevenção de infecções oportunistas em pacientes portadores
do vírus da imunodeficiência humana
Beneditto Braga | Vice-presidente do Conselho
Mundial de Água (WWC). Professor Titular da Escola
Politécnica da USP (Brasil)
Maureen Ballestero | Presidente da Global Water Partnership
(GWP) Costa Rica. Membro do Comitê Diretivo da GWP
América Central
Claudio Osorio | Assessor Regional em Redução de Desastres,
Iniciativa Água e Saneamento UNICEF TACRO
INTERNACIONAL
ÁGUA NA DIPLOMACIA MUNDIAL
Hillary Clinton, Secretária de Estado dos EUA fala sobre a
importância da água como elemento de sucesso na política exterior
da Administração Obama
METRÓPOLES AMEAÇADAS
Das 40 grandes cidades existentes no mundo,
6 estão na América Latina
Eduardo Mestre | Diretor da Tribuna da Água,
Expo Zaragoza 2008
DIRETORA GERAL | Yazmin Trejos
PRODUÇÃO EDITORIAL:
Satori Editorial | www.satoreditorial.com
EDITOR CHEFE | Boris Ramirez
EDITORA DE ARTE | Carmen Abdo
DESIGN | Gerson Tung
REVISÃO | María del Mar Gómez
FOTO CAPA | Carmen Abdo
COLABORADORES
Hillary Clinton, Secretária de Estado EUA
Federico Mayor Zaragoza, Presidente da Fundação para uma Nova
Cultura de Paz. Ex-diretor geral da UNESCO
Antonio Vives, Universidade de Stanford.
Paula Beato, Secretária Geral Ibero-Americana
Dr. Miguel Angel Hernández | Eng. Rodolfo Pérez García |
Engª. Adriana Coyotl, Depto. de Pesquisa em Zeólitas, Instituto de
Ciências - Faculdade de Engenharia Química da Universidade
Autônoma de Puebla (México)
Guillermo Tapia Nicola, Secretário Executivo da Federação
Latino-Americana de Cidades, Municípios e Associações
de Governos Locais (FLACMA)
ADMINISTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
Luis Alonso Ramirez
VERSÃO EM PORTUGUÊS
Elisa Homem de Mello e Candeias | EB VERSÃO BRASILEIRA
FALE CONOSCO
[email protected]
Uma publicação promovida pelo Grupo AMANCO
SUMÁRIO
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40
capa
METRÓPOLES AMEAÇADAS
Crescimento urbano, contaminação, má administração de águas residuais e resíduos sólidos, falta de
investimentos, impactos causados pela mudança climática. Realidades das cidades da América Latina, a
região de maior crescimento urbano do mundo: 471 milhões de pessoas demandam água em suas cidades,
das quais 6 são grandes centro urbanos com quase 65 milhões de habitantes.
EconomIa
RUMO À ORDEM FINANCEIRA E ECONÔMICA
Políticas econômicas, instituições e instrumentos financeiros conhecidos se deparam com resistência política
e falta de recursos humanos e financeiros. Mesmo quando alguns destes obstáculos são difíceis de superar,
os frutos da aplicação de políticas hídricas podem atrair mais e melhores investidores.
ALTO PERFIL / Entrevista Exclusiva
GRANDES, MÉDIAS E PEQUENAS CIDADES PRECISAM
DE PLANEJAMENTO HÍDRICO URBANO URGENTE
Guillermo Tapia Nicola, Secretário Executivo da FLACMA leva a sério o desenvolvimento urbano regional e
seus grandes desafios.
SAÚDE
A ÁGUA DEVE SER INCLUÍDA
EM TODO O PROGRAMA DE ATENÇÃO À AIDS
Acesso à qualidade e quantidade hídrica e infra-estrutura de saneamento ajudam a prevenir infecções
oportunistas em pacientes portadores do HIV.
CULTURA
ACROBACIAS E MALABARES PELA ÁGUA
Guy Laliberté utiliza como cenário duas de suas melhores criações – o Cirque du Soleil e a Fundação One
Drop – para unir estrelas do cinema e da música, líderes e ativistas mundiais em prol da proteção da água.
inteRNACIONAL
UM TEMA PARA AGENDA DIPLOMÁTICA
Por Hillary Clinton - Secretária de Estado dos Estados Unidos da América.
Durante a celebração do Dia Mundial da Água 2010, Hilary Clinton foi clara ao destacar perante os membros
da Sociedade Geográfica Nacional os compromissos do governo Barack Obama com os recursos hídricos.
PERSPECTIVA 05
legislação 20
BREVES do MUNDO 22
OPINIão 29
tecnologia 30
sites de interesse 44
38
PERSPECTIVA
H
illary Clinton, Secretária de Estado dos Estados Unidos,
cogita de se colocar o tema hídrico na agenda mundial,
por ser este um recurso que representa uma das grandes
oportunidades diplomáticas de nosso tempo, que poderá salvar milhares de vidas, garantir a segurança alimentar, promover
interesses de segurança nacional e proteger o meio ambiente.
Federico Mayor Zaragoza, presidente da Fundação Nova Cultura
da Água e ex-diretor geral da UNESCO, faz um apelo em prol
da construção de um mundo possível, com base na gestão hídrica como questão de justiça social e de consciência ambiental.
Segundo Zaragoza, a base para tal deve ser igualdade, transparência e acesso entre as gerações e ao longo delas.
Federico Tapia Nicola, secretário executivo da Federação LatinoAmericana de Cidades, Municípios e Associações de Governos
Locais, nos lembra que todos os serviços de abastecimento
hídrico necessitam de planejamento, formulação de projetos,
cálculos de custos, de tarifas, de disponibilidade de pagamento,
previsões de diminuição da degradação ambiental e sustentabilidade, para poderem cumprir com seus objetivos junto aos 471
milhões de latino-americanos que vivem nas grandes cidades
da região.
Guy Laliberté, fundador do Cirque du Soleil e da Fundação
One Drop, nos faz sonhar com um mundo mais justo, aonde
cada ser humano tenha acesso à água limpa e possa viver com
dignidade e saúde. Neste sonho, ele investe energia, força de
vontade e criatividade.
Estas quatro personalidades mundiais compartilham suas idéias,
ações, projetos, programas e sonhos nesta Edição, abrindo um
novo decênio e sensibilizando a todos a respeito dos temas
água e saneamento em nossa história editorial. Eles ilustram o
caminho desta publicação pioneira na América Latina, que demonstra, uma vez mais, ser uma plataforma plural, multisetorial
e aberta em seu renovado esforço de compartilhar com seus leitores as realidades e aspirações de diferentes setores que, apesar
de pontos de vista concordantes ou opostos, têm em comum
o compromisso humanitário de melhorar as condições do setor
hídrico e do saneamento na região e no mundo.
Este afã nos leva a explorar, nesta Edição, os desafios e as oportunidades latino-americanos de atender à pressão que os recursos
hídricos exercem sobre as grandes e médias cidades da região
mais urbanizada do mundo. O tema é fundamental, pois nos faz
reconhecer que o crescimento urbano acelerado, bem como a
falta de investimento, o manejo inadequado de águas residuais e
resíduos sólidos e os impactos da mudança climática são fatores
que geram pressões sobre o acesso à água.
Especial atenção merecem os 64 milhões de habitantes das 6
maiores metrópoles latino-americanas: Zona Metropolitana da
Cidade do México, Grande Buenos Aires, Área Metropolitana
de São Paulo, Bogotá Distrito Capital, Lima Metropolitana e a
Grande Santiago, as quais necessitam da construção de um presente e um futuro melhor para todos. E a água que corre por
seus generosos sistemas hídricos deve ser a torrente de mudança
e transformação.
Nossa intenção primordial é a de continuar fortalecendo, junto às
autoridades latino-americanas e mundiais, esta grande base de
conteúdos, informações, estudos, iniciativas e imagens em torno
da água como fonte refrescante, poderosa e moderna, para que
se torne cada vez mais acessível a todos que aprofundam seu
conhecimento.
Yazmín Trejos
Diretora - Aqua Vitae
Aqua Vitae 5
METRÓPOLES
DA AMÉRICA LATINA
Fotos: Carmen Abdo
ENFRENTAM FORTES MUDANÇAS DE CLIMA
6 Aqua Vitae
Por BORIS RAMÍREZ
• Crescimento urbano, contaminação, má administração das
águas residuais e resíduos sólidos, Falta de investimento, impactos
causados pela mudança climática: estas são as realidades das
cidades na região com maior crescimento urbano do mundo.
• Resolver estes problemas requer novos modelos equitativos e
sustentáveis para garantir água, saneamento e tratamento para
471 milhões de habitantes das zonas urbanas.
• Das 40 mega regiões existentes no mundo, pelo menos 6 estão
na América Latina.
Aqua Vitae 7
N
os primeiros meses de 2010, as grandes metrópoles da
América Latina foram impactadas pelas devastações provocadas por chuvas, inundações, desabamentos e secas que
tiveram impacto na já abalada infra-estrutura de abastecimento,
saneamento e tratamento de águas em uma região de alto crescimento urbano. Tais fatos nos obrigam a colocar o tema na agenda
da discussão.
São Paulo / Rio de Janeiro, dezembro de 2009 – fevereiro de 2010.
A grande quantidade de chuva que caiu durante 50 dias causou
uma das piores tragédias da história recente do Brasil. A água deixou o trânsito caótico, fez rios transbordarem, contaminou fontes e
paralisou as atividades produtivas. Obrigou cerca de 85 mil pessoas
a evacuarem as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, além de ter
causado estragos também em Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Caracas, janeiro de 2010. A capital e várias das principais cidades
da Venezuela enfrentaram uma onda de calor com temperaturas
de até 45 graus centígrados, quando a média em Caracas é de 27
graus centígrados. Devido às poucas chuvas, as principais represas
estão se esvaziando e até o famoso Salto del Ángel está secando. O
governo declarou estado de emergência e pediu que a população
consumisse a menor quantidade de água possível.
Cidade do México, fevereiro de 2010. Após 24 horas de chuva
ininterrupta, o Canal de la Compañía, na região oriente do Vale do
México, transbordou e 18 mil pessoas foram atingidas em Vale del
Chalco e Ixtapaluca, além dos municípios de Ecatepec e Nezahualcóyotl, devido à enchente do Rio dos Remédios. Entre 15 mil e 20
mil pessoas sofreram danos materiais.
Rio de Janeiro, abril de 2010. O pior temporal do Estado resultou
em 95 mortes. Os principais afetados foram habitantes de favelas
como o Morro das Mangueiras. Vários pontos da cidade ficaram
em baixo d’água por vários dias, período no qual todas as ativida8 Aqua Vitae
des foram suspensas. As encostas de Angra dos Reis e de Ilha
Grande se tornaram verdadeiras cataratas de barro e pedras,
arrastando moradias e a frondosa vegetação da Mata Atlântica,
o saldo: cerca de 60 vítimas fatais.
Bogotá, abril de 2010. Três pessoas mortas, uma ferida e 3.098
atingidas. Este foi o saldo da primeira temporada de chuvas na
Colômbia. Do total de 32 departamentos existentes no país,
12 foram afetados pelas fortes precipitações pluviométricas. O
primeiro período de chuvas na Colômbia começou em meados
de março e deverá culminar em junho próximo.
Todos estes eventos naturais evidenciam alguns dos aspectos
não desejados das grandes cidades da América Latina: colapso
ou déficit de serviços básicos – água e saneamento –, rápido
crescimento urbano, ausência de planejamento e crescente contaminação.
Os desafios das metrópoles latino-americanas devem levar em
conta um processo acelerado de urbanização, para o qual a Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) já havia advertido ao classificar a região como sendo a mais urbanizada do
mundo, cujo crescimento demográfico nas zonas urbanas passou de 42%, registrado em 1950, para 75% em 2000 e deverá
chegar a 81% em 2015, segundo suas projeções.
Os dados são reforçados por algumas das conclusões do
V Fórum Urbano Mundial, ocorrido em março de 2010, no Rio
de Janeiro, que determinou que das 40 mega regiões existentes
no mundo, pelo menos seis estão na América Latina. O trecho
compreendido entre Rio de Janeiro e São Paulo (Brasil) tem 43
milhões de pessoas, a Zona Metropolitana da Cidade do México
tem cerca de 20 milhões de pessoas, Buenos Aires (Argentina)
tem 13 milhões de habitantes, Lima Metropolitana (Peru) tem
7,8 milhões, Bogotá Distrito Capital (Colômbia) tem 7,6 milhões
e Santiago do Chile tem 5,4 milhões de pessoas.
FATORES DESENCADEANTES
Estas regiões enfrentam uma série de desafios no setor hídrico e no saneamento, consequência de diversos fatores:
Deficiente planejamento urbano. Há 30 anos, quatro em cada 10 habitantes de um país, viviam nas cidades. Essa proporção começou a variar
em 2007, com um grande êxodo rural para a cidade e espera-se - segundo
dados da ONU Hábitat – que o fenômeno continue até 2030, quando
as estimativas indicam que 60% da humanidade deverá viver na zona
urbana. Esse fenômeno é experimentado dramaticamente pelas cidades
latino-americanas.
A excessiva concentração de habitantes atingiu níveis alarmantes em três
metrópoles: Cidade do México, Buenos Aires e São Paulo. Outras já se
encaminham para superar os 10 milhões de habitantes, entre elas Rio de
Janeiro, Bogotá e Lima. Muitas outras deverão exceder os cinco milhões:
Belo Horizonte, Caracas, Guadalajara, Monterrey, Porto Alegre, Recife e
Salvador.
A superpopulação das cidades sofre um mau planejamento urbano, que
reflete na prestação dos serviços básicos para as grandes concentrações
de habitantes. “Não há relação entre a prestação de serviços de abastecimento hídrico e de saneamento em relação à quantidade de pessoas que
vivem nas cidades da América Latina, pois a superpopulação pressiona os
recursos hídricos, que estão cada vez mais escassos e difíceis de serem extraídos e conduzidos à população carente, seja em seus lares, nas indústrias
ou nas atividades agrícolas”, afirmou o arquiteto Carlos Tucci, professor
da Universidade de Belo Horizonte (MG/Brasil), durante a Latinosan 2010.
Diante do aumento na demanda dos serviços básicos e do crescimento
urbano acelerado é necessário que as metrópoles adotem políticas e medidas de coordenação entre autoridades e atores de diferentes áreas tão
vitais “como urbanismo, transporte, educação, recreação e aqueles que
cuidam do ambiente, especialmente da água”, afirmou Alan Alwan, da
Organização Mundial da Saúde (OMS).
Má administração de águas residuais e resíduos sólidos. O panorama de aglomeração da população e a carência de serviços hídricos e
saneamento têm um impacto no manejo de águas residuais e resíduos
sólidos. Os dados neste sentido são contundentes: as águas residuais domésticas que procedem de 208 milhões de pessoas (a maioria nas cidades)
são descarregadas sem nenhum tipo de tratamento, sem contar as produzidas pelos setores industriais e agrícolas. As grandes cidades consomem,
em média, um total de 600 mil litros de água por segundo, extraídos de
fontes superficiais e subterrâneas, que são enviadas novamente para o
ciclo d’água com pequenas porcentagens de tratamento. A isto, soma-se
o fato de que cada habitante da região produz 1 kg de lixo por dia (569
milhões de kg), dos quais grande quantidade chega aos sistemas fluviais,
tanto bacia acima como abaixo.
Esse panorama faz com que “as cidades enfrentem a falta de saneamento
junto com problemas na coleta de resíduos e na contaminação do ar, além
dos acidentes de automóveis, das epidemias causadas por doenças infecciosas e hábitos cotidianos nocivos para a saúde”, comentou Margaret
Chan, diretora geral da OMS, durante a inauguração do Dia Mundial da
Saúde, dedicado à saúde urbana.
Aqua Vitae 9
IMPACTOS AMBIENTAIS DESTAS METRÓPOLES
Existência de fontes de água. Dada a pressão de grandes
aglomerações de pessoas e de atividades produtivas, as águas
naturais se contaminam, o abastecimento resulta insuficiente e
desigual e os investimentos necessários aumentam até ficarem
fora do alcance das possibilidades financeiras dos governos. As
cidades latino-americanas extraíram água de fontes próximas:
rios, lagos e lençóis freáticos. Uma acertada descrição desta
realidade é feita por Danilo J. Anton, em seu livro Cidades Sedentas: Água e ambientes urbanos na América Latina, ao reconhecer que “rapidamente, estes recursos foram esgotados ou
degradados e as cidades se viram obrigadas a investir recursos consideráveis na construção de represas e tubulações para
trazer água de fontes mais remotas. As cidades em expansão
superaram a maioria dos sistemas de abastecimento de água e
novas fontes tiveram de ser exploradas, a fim de satisfazer as
necessidades de seus habitantes. No entanto, os fundos não
estão disponíveis. Os sistemas de distribuição (desenhados originalmente para populações menores e de uso limitado) se tornam inadequados e obsoletos, resultando grande quantidade
de fuga, rupturas dos sistemas de abastecimento ou coleta, trazendo o risco de maior contaminação”.
Anton explica que: “a capacidade de armazenamento diminui
devido à sedimentação; as bacias hidrográficas estão sendo invadidas por habitantes urbanos e rurais; a atividade industrial
e agrícola descontrolada está produzindo mudanças, tanto no
regime hidrológico quanto na qualidade da água. Muitos depósitos de serviços básicos das zonas urbanas se tornaram inúteis,
devido ao uso inadequado de suas bacias hidrográficas. Novos
depósitos serão muito mais caros que os antigos. Novas represas
devem ser construídas nas bacias impactadas pelo crescimento
urbano, que aos poucos estão ficando longe dos consumidores
de água”. (Ver box).
IMPACTO ECONÔMICO
PROVOCADO POR DESASTRES
Este é um tema complexo sobre o qual não se tem informação
integral por envolver uma série de variáveis reconhecidas, mas não
sistematizadas. “Os impactos econômicos destes eventos naturais
no setor hídrico e no saneamento não podem ser medidos, pois
não existe informação para mensurar o custo das perdas de vidas
humanas, da destruição de infra-estrutura, falta de abastecimento
hídrico em setores produtivos, piora na saúde das pessoas, atenção
às emergências, reconstrução de fontes de abastecimento, limpeza
de rios, rede de esgotos, reparo de tubulações. Este é um tema bastante difícil de ser abordado, sobre o qual não estão contabilizados
os diversos dados”, afirma a especialista equatoriana em urbanismo,
Gloria Montero, uma das integrantes do V Fórum Urbano Mundial.
10 Aqua Vitae
Impactos no ciclo hídrico causados por secas e inundações.
Talvez um dos cenários mais dramáticos seja dos efeitos que a
mudança climática está apresentando nos padrões meteorológicos, caracterizado por fortes inundações e secas que têm um
impacto direto nas fontes e no abastecimento da água.
As autoridades reunidas no Rio de Janeiro, em março de 2010,
sustentam: “prevê-se que, dentro das cidades, a mudança climática deverá afetar de maneira negativa o acesso à água e
centenas de milhares de pessoas ficarão vulneráveis a inundações costeiras e desastres naturais à medida que o aquecimento
global aumenta. Os países mais pobres e as pessoas mais desprovidas de condições serão as mais vulneráveis a esta ameaça.
Atualmente, quatro em cada dez casas nos países em desenvolvimento localizam-se em regiões ameaçadas por inundações,
deslizamentos e outros desastres naturais, especialmente em
bairros simples e assentamentos informais. É significativo que
estes desastres sejam, em parte, resultado de forças naturais,
que também são produtos de fracassos no desenvolvimento urbano e no planejamento”.
A este desequilíbrio natural é preciso somar também práticas inadequadas como: desperdício de água, falta de fomento para a
conservação hídrica por meio de políticas sustentáveis e o pagamento de tarifas por setor, além de sistemas de rede de esgotos
deficientes e o fato de que mais de 90% das águas residuais são
despejadas nas fontes sem nenhum tipo de tratamento.
que “até 2015, US$ 17,7 bilhões deveriam ser investidos no setor
hídrico e na rede de esgotos em toda a região, com um aumento
de 52% sobre os níveis atuais”.
NECESSIDADE DE INVESTIMENTOS NO SETOR
O cenário tende a complicar com as altas taxas de degradação
ambiental. José Miguel Insulza, Secretário Geral da Organização
dos Estados Americanos (OEA), explica que “os problemas dos
centros urbanos, especialmente a contaminação do ar e da água
e os sistemas inadequados de rede de esgotos continuam tendo
um forte impacto sobre milhões de pessoas. Esta degradação
ambiental descontrolada pode terminar por afetar a fortaleza
das instituições democráticas. É difícil manter uma democracia
quando 128 milhões de pessoas carecem de acesso adequado aos
serviços sanitários, quando 92 milhões de pessoas não contam
com água potável ou quando 80 milhões de pessoas respiram
um ar contaminado, bem aquém do considerado aceitável pela
Organização Mundial da Saúde”. Insulza afirma que tal situação
é o resultado de decisões institucionais, mas também dos maus
costumes e hábitos das pessoas no manejo de resíduos sólidos e
de águas residuais.
Tal crescimento só ocorre com um aumento no investimento diário em infra-estrutura. Um dos serviços públicos mais afetados
nas cidades latino-americanas é o de abastecimento hídrico.
Estas obras custam caro! Em 2007, estimativas indicavam que a
América Latina deveria investir cerca de US$ 4,5 bilhões no setor
hídrico e de saneamento entre 2006 e 2010. Tais investimentos
incluem projetos de acesso à água potável, bem como obras de
saneamento e manejo de águas residuais e de resíduos sólidos.
O certo é que, pelo menos, os setores de saneamento básico e
hídrico estão inclusos na agenda de investimentos. Em abril de
2010, a empresa de consultoria CG/LA Infrastructure apresentou
o Reporte Latinoamericano de Infraestructura 2015, que indicava
MAUS HÁBITOS DE UMA
POPULAÇÃO CRESCENTE
Aqua Vitae 11
ABUNDÂNCIA E ESCASSEZ
Ao se contrastar a realidade de uma região que conta com inúmeras fontes de água com os desafios do abastecimento é preciso
levar em conta os seguintes aspectos: as Américas do Norte e
Central têm 8% da população mundial e 15% da água do planeta;
a América do Sul tem 6% da população mundial e 26% da água.
No entanto, o fornecimento de água e saneamento está ultrapassado. O sonho de tentar a vida na cidade grande traz esperanças
de melhores serviços, de mais bens de consumo, os quais, por sua
vez, também demandam aumento nos serviços de abastecimento
hídrico.
Para poder entender e explicar esta relação de abundância e carência é preciso analisar os seguintes componentes:
Serviços de abastecimento. Mesmo nos centros urbanos a relação local/serviços de abastecimento é diferente. Existem setores
com melhores infra-estruturas para o acesso aos mesmos, em contraponto com regiões subdesenvolvidas, cujos serviços prestados
são nulos ou deficientes. Um estudo do Estado das cidades da
América Latina, realizado em 2010, determina que 117 milhões
de pessoas na região (de um total de 471 milhões que vivem nas
cidades grandes) vivem em assentamentos precários.
Prestação de serviços. O crescimento urbano vivido na região
durante o século XX fez com que a população nas cidades passasse de 167 milhões, em 1950, para 471 milhões, em 2010. Estes
conglomerados migraram para as zonas urbanas – segundo a ONU
Hábitat – por conta de fatores tais como falta de terra nas zonas
rurais; secas, inundações ou desastres naturais; industrialização
das zonas urbanas gerando novos postos de trabalho e melhoria
nas condições de comunicação e transporte.
Na última década, as cidades cresceram em quantidade, qualidade e desenvolvimento. Mas, da mesma forma, as grades migrações do campo para a cidade, conseqüência da industrialização
e do aumento das atividades comerciais, foram as responsáveis
pelo aumento de favelas e de outras moradias cujo crescimento
foi desordenado e cujos habitantes pressionam por educação,
transporte, água, energia e saúde. “No caso da água, as zonas
urbanas precisam de grandes projetos para garantir o acesso à
mesma. Mas é necessário também ordenamento, para que todos
os usuários paguem tarifas justas que garantam água para moradias, indústrias, comércio e outras atividades produtivas”, afirmou
Marcos Thadeu Abicallil, especialista em setor hídrico e no saneamento pelo Banco Mundial (BIRD).
12 Aqua Vitae
O tão esperado equilíbrio entre a relação local/serviços de abastecimento será alcançado apenas com investimentos e planejamento. “Todos os serviços de abastecimento hídrico em cenários
urbanos requerem elaboração de projetos, cálculos de custos,
tarifas e disponibilidade para o pagamento das mesmas, além de
previsões de atenuação, diminuição dos desastres ambientais e
sustentabilidade. De outra forma, não é possível obter nenhum
tipo de financiamento, sejam eles de fontes públicas ou privadas,
nacionais ou internacionais. A falta de planejamento ocorre no
âmbito do ordenamento territorial e na falta de conhecimento
sobre a população e seus hábitos no uso da água que sejam aceitáveis frente à crescente permeabilidade das atividades urbanas
em relação aos fatores de incidência externa”, de acordo com
o Dr. Guillermo Tapia Nicola, Secretário Executivo da Federação
Latino-Americana de Cidades, Municípios e Associações de Governos Locais. (Ver entrevista em Alto Perfil)
FONTES DE ABASTECIMENTO
Em seu estudo Cidades Sedentas: Água e ambientes urbanos na América Latina, Danilo J. Anton percorreu, no início do ano
2000, a problemática da exploração descontrolada dos recursos naturais e seu impacto na água, concluído ser este um dos
recursos mais afetados pelo processo de urbanização. Sua pesquisa nos permite conhecer de onde várias cidades da região
se abastecem de água, destacando rios e lençóis freáticos como sendo a maior fonte dos recursos hídricos. Atualizamos os
dados populacionais, com base em dados de 2007 e 2008.
CIDADE/ REGIÃO
CARACTERÍSTICAS
POPULAÇÃO
FONTES DE AQUÍFEROS
PROBLEMAS
Zona Metropolitana
da Cidade do México
41 municípios
pertencentes ao
Distrito Federal e os
Estados de Hidalgo e
México
19,2 milhões
(39% da população
do México)
Bacia de 600km2, Lerma-Cutzamala.
Abastecida na Serra Chichinautzin ao
sul; Serra das Cruzes a oeste e Serra
Nevada a leste.
- Contaminação de fontes.
- Má administração de águas
residuais.
- Superexploração.
Grande Buenos Aires
Formada por 24 regiões
em 3,8 mil km2
13 milhões
(32% da população da
Argentina)
Rio Matanzas / Poços profundos / Rio da
Prata que recebe águas dos rios Paraná e
Uruguai, formando uma bacia de
2 milhões de km2.
- Contaminação por diversas
atividades em torno da bacia.
- Diminuição do volume de extração.
- Má administração de águas
residuais.
- Rios contaminados.
- Superpopulação por conta da água.
- Atividades agrícolas, industriais e
domésticas, consumindo grande
quantidade de água.
- Despejo de águas residuais nos rios.
Área Metropolitana
de São Paulo
Bogotá Distrito Capital
Lima Metropolitana
Grande Santiago
Grande Área
Metropolitana
de Costa Rica
Área Metropolitana de
Cidade de Guatemala
Área Metropolitana
de Montevidéu
Área Metropolitana
de Manágua
Cochabamba, Bolívia
Formada por 38
municípios
11 milhões
(5% da população
total do Brasil)
Abastecimento de fontes por alta
precipitação de chuvas / rios e
bacias pequenas / Complexo sistema
de tubulações, túneis, tanques de
armazenamento.
Formada por 20
localidades
7,8 milhões
(18% da população da
Colômbia)
Rio Bogotá, principal afluente do rio
Magdalena / Aquíferos da cabeceira
Cundi-Boyacense.
- Alta contaminação do Rio Bogotá.
- Superexploração do aquíferos.
- Superpopulação e grande atividade
industrial, agrícola e doméstica.
- Má administração das águas
residuais.
Rio Rimac / Aquífero de Lima / Sistema
de poços / Água para irrigação do Rio
Chillón / Baixo nível de precipitação na
região.
- Contaminação de fontes superficiais.
- Atividades na bacia hidrográfica
média e alta.
- Superpopulação.
- Atividade mineradora e despejo de
dejetos industriais nas fontes hídricas.
Bacia do rio Maipo de 5 mil km2, em
especial dos rios Mapocho e Zanjón de la
Aguada / Poços.
- Contaminação de fontes.
- Pressão pelo crescimento urbano.
- Atividades humanas.
- Resíduos sólidos e águas residuais.
Formado por 43 distritos
de Lima e Callao
Formado por 37
comunas
7,6 milhões
(26% da população
do Peru)
5,4 milhões
(31% da população do
Chile)
Formada por 4 cidades:
San José, Alajuela,
Heredia e Alajuela numa
superfície de 2,04 mil
km2
2,6 milhões
(56% da população da
Costa Rica)
Fontes de água subterrânea / Aquíferos
Colima Superior e Inferior / Aquíferos
Formación del Barva / Poços.
- Contaminação de fontes superficiais.
- Má administração de águas
residuais.
- Atividades humanas.
- Falta de sistema de saneamento
para 60% da região.
Formada por 15
municípios
2,5 milhões
(21% da população de
Guatemala)
Abastecimento feito por 80% de fontes
subterrâneas / Lago Amatitlán / Rios
Michatoya, El Zapote e Tzalja.
- Contaminação de fontes superficiais,
em especial Lago Amatitlán.
- Má administração de águas
residuais.
- Manejo de resíduos sólidos.
Engloba desde
Montevidéu até Punta
del Este
2,2 milhões
(58% da população do
Uruguai)
Rio da Prata / Rio Santa Lucía / Poços.
- Contaminação de fontes.
- Superpopulação.
Formada por 7 distritos
1,8 milhão
(33% da população da
Nicarágua)
Lagos de Nicarágua e Manágua /
Aquíferos de las Sierras / Poços.
- Contaminação.
- Má administração de águas residuais
e resíduos sólidos.
- Atividades humanas, agrícolas e
industriais.
Rio Rocha que recebe água da bacia
Cuchu Punata / Lagos Warawara,
Escalerani e Saytokocha / Aquíferos
aluviais.
- Contaminação.
- Atividades humanas, industrial e
agrícola.
- Má administração de águas residuais.
1,7 milhão
(17% da população da
Bolívia)
Aqua Vitae 13
A REGIÃO DE MAIOR CRESCIMENTO URBANO
O estudo Estado das Cidades da América Latina e do Caribe, apresentado no
V Fórum Mundial Urbano, em março de 2010 na cidade do Rio de Janeiro (Brasil),
destaca a América Latina como sendo a região de maior crescimento urbano do
mundo. Eis alguns dados:
• Em 1950, os centros urbanos da região
comportavam 69 milhões de pessoas,
Em 2010, a população chegou a 471
milhões e espera-se que para 2050
alcance 683 milhões.
• Na América Latina existem
16.132 municípios.
• Existem 48 regiões metropolitanas.
• 75,8% da população é urbana.
• Há um município para cada 31.543
habitantes e um para cada 1.228 Km2.
• 4 em cada 5 latino-americanos vivem
em zonas urbanas.
Fonte: Estado das Cidades da América Latina e do Caribe, 2010 e FLACMA.
14 Aqua Vitae
OS IMPACTOS DA URBANIZAÇÃO
Os recursos
disponíveis nas
proximidades
das cidades
estão
acabando ou
se degradando,
por isso a
necessidade de
explorar novas
e mais remotas
fontes, além
de maiores
requisitos de
tratamento na
raiz da piora
da qualidade
da água. Isto
faz com que os
custos sejam
mais elevados.
O bombeamento excessivo
de água subterrânea
provoca o afundamento
da terra com consequente
dano para as estruturas
urbanas, diminuição do
nível freático e, em alguns
casos, com problemas de
salinização das fontes.
A impermeabilização da superfície
acimentada, com edificações e ruas
muda a capacidade hidrográfica do
fluxo. É por isso que ocorrem as
inundações e enchentes que causam
contaminação entre outros efeitos,
trazendo grande impacto na saúde,
no turismo, na educação e nos
gastos com obras.
A eliminação incorreta dos
resíduos sólidos e líquidos
urbanos e industriais contribui
com a piora da qualidade hídrica
nas fontes valiosas.
CIDADES, USUÁRIOS
INSTITUCIONAIS DA ÁGUA
Caribe da CEPAL estabelece quais são as responsabilidades das cidades, como usuários institucionais da água.
1- Em matéria de recursos comuns e de transferência, os governos das cidades não são diferentes de outros usuários e
precisam de um controle maior que seus limites.
2- Este controle pode vir de autoridades hídricas ou de entidades de bacias hidrográficas que provêem espaço para
mecanismos mais participativos.
3- Em qualquer caso, os governos das cidades, ou as empresas de água potável e saneamento, responsáveis pelos serviços
de abastecimento dos mesmos, devem contribuir com os gastos de administração do recurso e das entidades ligadas às
bacias hidrográficas.
4- Quando a proteção dos abastecimentos ou da segurança das cidades necessita de sacrifícios não usuais de proprietários e
usuários, os governos das cidades devem contribuir com um orçamento para a bacia hidrográfica, onde as compensações
pertinentes sejam pagas.
5- Os governos das cidades devem ter capacidade legal e jurídica para reclamar e obter o fim de atividades que prejudicam
sua segurança.
Aqua Vitae 15
ECONOMiA
Melhorando o setor
hídrico e de saneamento
nos países em desenvolvimento
RUMO À ORDEM
FINANCEIRA E
ECONÔMICA
Embora as políticas econômicas, as instituições e os instrumentos
financeiros sejam conhecidos, sua aplicação na execução de projetos
sofre com dificuldades derivadas da resistência política e social e
com a falta de recursos humanos e financeiros. Mesmo
quando alguns destes obstáculos são difíceis de superar, os frutos da
aplicação de políticas hídricas (valores, investimentos, financiamentos)
podem atrair mais e melhores investidores.
Por PAULINA BEATO/ ANTONIO VIVES
Secretaria Geral Ibero-Americana/ Universidade de Stanford
Fotos: Carmen Abdo
16 Aqua Vitae
O
texto seguinte é um extrato de um amplo documento
intitulado “Economia e finanças do setor hídrico em países em desenvolvimento”, realizado pelos autores para
o Banco Mundial (BIRD). É possível ter acesso ao documento completo, em inglês, através do site www.cumpetere.com.
Mecanismos de distribuição de água pura. Tais políticas incluem opções para o comércio hídrico, a fim de melhorar a eficiência em seus diferentes usos. Embora o comércio da água melhore
a eficiência, continua sendo necessária a intervenção do governo.
Se os fatores externos – tais como custos por contaminação – não
forem incluídos no valor a ser repassado aos usuários, não será
possível obter eficiência. Para corrigir falhas do mercado é necessário estabelecer impostos, taxas por contaminação e regulamentos
específicos.
Valor da água potável. O fato de que, na maioria dos casos, os
serviços hídricos e de saneamento apresentem rendimentos crescentes, indica que haverá uma falta de mecanismos simples para
gerar uma distribuição eficiente do recurso. A American Water
Works Association afirma que a aplicação da teoria de preço por
custo marginal sobre as tarifas hídricas carece de sentido prático.
Bem-estar e sustentabilidade de subvenções cruzadas. Os subsídios cruzados são uma opção apropriada para incrementar o
acesso aos serviços hídricos e de saneamento, já que os consumidores têm flexibilidade no valor e todos os custos são cobertos
pelas tarifas. Mas nem todos os subsídios são aceitáveis: alguns
geram ineficiências, enquanto outros podem prejudicar o setor por
conta do repasse aos consumidores.
‘‘
Produção agrícola e outros temas. Na maioria dos casos, um
aumento no preço da água diminuiria seu consumo sem necessariamente reduzir a produção agrícola. Há duas razões para isto.
A primeira é que os altos preços diminuiriam o desperdício. A segunda é que os altos preços proporcionariam incentivos para as
tecnologias de economia hídrica.
Aumentar a eficiência como fonte de financiamento. Uma
das mais importantes formas de aumentar a disponibilidade da
água é a redução de ineficiências. Os recursos investidos na eliminação das ineficiências técnicas (tais como perdas de água),
melhoria da eficiência energética e conservação da água são rentáveis, já que reduzem a necessidade de novos investimentos. De
forma geral, eliminar ineficiências pode atrair investimentos e/ou
torná-los mais eficazes. Um melhor planejamento dos recursos, da
coordenação, uma redução na influência política, na concorrência
entre organismos, uma melhor gestão das instituições e aplicação
políticas corretas são formas de melhorar a eficiência do setor.
Financiamento da infra-estrutura hídrica. Mesmo depois de
melhorar a eficiência do sistema hídrico, pode ser necessário mais
recursos financeiros para aumentar a cobertura dos serviços. Os
recursos financeiros têm apenas três fontes: usuários (tarifas), contribuintes (impostos) e donativos públicos e privados. As diferenças
de tempo entre a necessidade e a disponibilidade dos recursos
financeiros destas fontes terão de ser financiadas através de transferências do governo ou de empréstimos.
‘‘
Este informe discute os princípios econômicos e institucionais, políticas de investimentos, medidas de eficiência e fontes financeiras,
bem como estruturas financeiras necessárias para melhorar a efetividade dos investimentos e facilitar o acesso à água.
Algumas das políticas necessárias são as que estabelecem mecanismos para o comércio da água, fixação adequada de preços, políticas agrícolas, ambiente propício para o investimento, programas
adequados de atenção institucional (supervisão e regulamentação)
e um melhor uso das fontes de financiamento. Os principais aspectos econômicos e financeiros que afetam a capacidade de melhorar o acesso à água a curto e longo prazo são indicados a seguir.
Os 10 principais usuários de água por volume são: Índia,
China, Estados Unidos, Paquistão, Japão, Tailândia,
Indonésia, Bangladesh, México e Rússia.
3º Informe Mundial de Água 2009
Aqua Vitae 17
Desenho das estruturas financeiras. A correta estruturação e
financiamento das modalidades de serviço podem ajudar a incrementar os recursos financeiros e criar estruturas de investimento
mais robustas e eficientes. As responsabilidades e riscos entre
os setores público e privado devem se estruturar em função das
realidades locais e do clima de investimento (Estado de Direito,
estabilidade macroeconômica, capacidade fiscal e qualidade das
instituições, entre outras.)
Diminuição de riscos por aumento de investimentos. Os investimentos no setor hídrico são especialmente arriscados e a necessidade de recorrer ao financiamento, para fechar a brecha de
investimento, introduz riscos adicionais que devem ser mitigados a
fim de atrair recursos para o setor. O desenvolvimento do capital
local e os mercados financeiros são essenciais, mas o desenvolvimento das companhias de seguros também deve ser, assim como
também os investidores institucionais e instituições que possam
financiar em longo prazo e garantir a cobertura de riscos. Embora
estas instituições estejam se desenvolvendo, às vezes é preciso
obter acesso a recursos financeiros externos. Para isso, é necessário
estabilidade macroeconômica e redução do risco político.
A água é um recurso valioso que, consequentemente, deve ser
valorizado e administrado.
MODALIDADES
DE PROJETO
CONDIÇÕES LOCAIS
• TOTALMENTE PÚBLICO
• TOTALMENTE PÚBLICO - CORPORATIVO
• SOCIEDADE PÚBLICA DE RISCO
COMPARTILHADO (JOINT VENTURE)
• COOPERATIVAS
• TERCEIRIZAÇÃO
• CONTRATOS DE GESTÃO
• FRANQUIAS
• ARRENDAMENTOS
• CONCESSÃO
• SOCIEDADE PRIVADA DE RISCO
COMPARTILHADO
• COT/CPO/CPOT
• TOTALMENTE PRIVADO - VENDA
• TOTALMENTE PRIVADO - LICENÇA
• TOTALMENTE PRIVADO
MODELO PARA A
ESTRUTURAÇÃO FINANCEIRA
MODALIDADES
DE PROJETOS
DISPONÍVEIS
• MARCO LEGAL
• ESPAÇO FISCAL
• RISCO POLÍTICO
• ESTRUTURA 1
• ESTRUTURA 2
• ESTRUTURA 3
• FATORES MACROECONÔMICOS
• VONTADE DE PAGAMENTO
ESTRUTURAS
DE PROJETOS
VIÁVEIS
• CAPACIDADE INSTITUCIONAL
• TAMANHO E LOCALIZAÇÃO
• SUSTENTABILIDADE TARIFÁRIA
FERRAMIENTAS
• SEGURO CONTRA RISCOS PÚBLICOS
• GARANTIA DE CRÉDITO PARCIAL
• GARANTIA DE RISCO PARCIAL
• SUBSÍDIOS
• MELHORIA DO CRÉDITO
• FINANCIAMENTO EM MOEDA LOCAL
FERRAMENTAS
DISPONÍVEIS
• FERRAMENTA 1
• FERRAMENTA 2
PASSO 1 - AVALIAR AS CONDIÇÕES LOCAIS, VERIFICAR AS POSSÍVEIS DIMINUIÇÕES DE RISCOS
PASSO 2 - ADAPTAR AS FERRAMENTAS E AS ESTRUTURAS DE PROJETO ÀS CONDIÇÕES LOCAIS
Antonio Vives e outros. Estruturação financeira de projetos de infra-estrutura em associações público-privadas: Uma aplicação a projetos de água e
saneamento. BID, 2007. Disponível em www.cumpetere.com.
18 Aqua Vitae
VOZES E SETORES
Para conhecer os alcances desta proposta solicitamos
aos representantes de outros setores que analisássem este estudo.
• Mike Young, Diretor Executivo e Presidente de pesquisa Econômica e Gestão Hídrica do Instituto do Meio Ambiente, University of
Adelaide, Austrália.
No setor hídrico, há três temas importantes: 1- Nos lugares
onde não há acesso a fontes confiáveis de água e não há rede
de esgotos os valores cobrados por estes serviços são altos,
sem contar com a morte de crianças devido às doenças transmitidas pela má qualidade da água. 2- A escassez de água em
todo o mundo continua aumentando e o custo para resolver
este problema também. 3- Muitos fatores desestimulam o investimento e a manutenção dos sistemas de abastecimento
hídrico. Embora estas afirmações sejam fáceis de serem feitas, as soluções politicamente aceitáveis para estes desafios
continuam sendo difíceis. Uma das formas de se avançar é ter
uma maior disciplina econômica para o desenvolvimento de
sistemas de tarifas para a água.
• Membros do Global Reference Group on Water.
Deve existir um planejamento coordenado para determinar a
quantidade de recursos financeiros necessários e assim poder
outorgá-los. É necessário um plano de revisão de tarifas, distribuição de impostos, subvenções cruzadas e financiamento
externo que inclua apoio nacional, multilateral e de empresas
privadas. É necessário também preparar projetos viáveis que
possam ser financiados e que sejam de interesse para as organizações que provêem recursos financeiros, sejam governos,
comunidades ou empresas de prestação de serviços, tanto nacionais como internacionais.
É preciso melhorar o entorno geral de investimentos nos países (Estado de Direito, direitos de propriedade e permissões) e
o do setor hídrico e de saneamento em particular, para atrair
especialistas estrangeiros e capital que o fortaleça.
recurso do ponto de vista econômico para poder estabelecer
investimentos que sejam financeiramente rentáveis com altos
benefícios sociais.
• Josefina Maestu, Diretora do Escritório das Nações Unidas para
o Apoio ao Decênio Internacional para a Ação da Água.
Melhorar o financiamento no setor hídrico e de saneamento é
fundamental para alcançar os ODM. Segundo o Informe Global de Avaliação da Água e Saneamento da ONU - Água 2010,
os compromissos de financiamento para o setor sofreram redução na última década, apesar de uma forte evidência de
que ambos os serviços poderiam reduzir os custos com saúde,
aumentar a assistência escolar e melhorar a produtividade. O
estudo de economia e finanças do setor hídrico para os países
em desenvolvimento proporciona algumas destas idéias necessárias. Gostaria de acreditar que encontrarão mais eco na
prática. Isto é, particularmente, em relação a dois aspectos: a)
fixação de preços e b) em relação a como o uso de subsídios
inteligentes (incluindo os subsídios cruzados e ajuda dos doadores) melhoraria o acesso ao financiamento em países em
desenvolvimento.
• Bernardo Siles, consultor de empresas agrícolas na América
Central e no Caribe.
É importante vincular setores produtivos que, assim como o
agrícola, são importantes consumidores de água. É preciso garantir o acesso à água, a transferência tecnológica que ajude
o setor a ter melhores práticas e melhor taxa de preços. Isto
porque a agricultura é primordial no abastecimento de alimentos. Entendo que a água é um fator de desenvolvimento
e, como tal, deve ser visto como um mecanismo que requer
regras claras no âmbito legal, financeiro e no resultado de
investimentos para garantir seus usos.
• Diego Rodríguez, Economista sênior da Unidade de Água, Energia e Transporte do Departamento Hídrico, Banco Mundial (BIRD).
Os setores produtivos devem levar em conta a diferença entre
os custos de ordem privado e social quando falamos do valor
econômico do recurso hídrico. Para isso, devemos levar em
conta os fatores externos que a utilização do recurso produz.
Os custos sociais são muito diferentes dos privados, bem mais
de ordem financeira. Este estudo nos permite justamente entender essas diferenças, que não são triviais e nos ilustra de
uma maneira muito prática a importância de poder avaliar o
Aqua Vitae 19
LEGISLAÇÃO
Carta de Foz do Iguaçu
IGUALDADE NO SANEAMENTO
Latinosan 2010 termina com compromisso assumido
entre 10 países e 2 instituições regionais de promoverem
reformas e ações legais que garantam acesso universal ao
saneamento em áreas urbanas e rurais de baixa renda
Por BORIS RAMÍREZ
A
Carta de Foz do Iguaçu, resultado da II Conferência
Latino-Americana de Saneamento – Latinosan 2010 –
é novamente um marco para fomentar ações legais e
cooperativas. Dentre elas, reafirmar os compromissos
de priorizar o saneamento nas políticas nacionais de desenvolvimento, firmadas em 2007.
Há menos de cinco anos para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o documento de Foz do Iguaçu,
assinado por representantes de 10 países e de duas instituições
regionais, fixa algumas metas para melhorar estruturas legais, institucionais e cooperativas, bem como condições nos setores rurais, em pequenos povoados, grupos indígenas, zonas periféricas
urbanas e cidades intermediárias, onde fica evidente os maiores
desafios ligados ao saneamento da América Latina.
A fim de monitorar estes avanços foi formado um Grupo de Trabalho Interpaíses Latinosan, que deverá se reunir uma vez por
ano para supervisionar o desenvolvimento das políticas do setor.
“A Latinosan é uma grande oportunidade para os países representados de reafirmar seus esforços ligados à promoção do saneamento básico, ao fortalecimento do compromisso de superar
a pobreza, ligados às conquistas dos ODM e dos direitos latinoamericanos”, afirmou Marcio Fortes de Almeida, Ministro das Cidades do Brasil e um dos principais organizadores deste encontro.
A Carta de Foz de Iguaçu foi firmada por representantes dos governos da Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Jamaica, Panamá,
20 Aqua Vitae
Foto: Carmen Abdo
Paraguai, Peru e Uruguai, bem como pelo Fórum da América Central e pela República Dominicana para Abastecimento de Água e
Saneamento (FOCARD) e pela Rede de Água e Saneamento em
Honduras (RAS-HON)
O documento destaca problemas como a falta de planejamento
territorial, de controle do uso do solo urbano, de prioridade para
as soluções sustentáveis dentro da gestão de águas pluviais,
além de problemas de impermeabilização excessiva, ocupação de regiões vulneráveis. Tais problemas aumentam
o risco de inundações nas zonas urbanas, os
quais podem ser agravados com o aumento da variação climática do
aquecimento global.
Como resposta, os participantes do Fórum defendem
o esforço político e o compromisso de promover programas de pesquisas em
saneamento, com ênfase
no desenvolvimento de tecnologias simples e de baixo
custo. E a contagem regressiva para o III Fórum, a ser
realizado no Panamá, em
2013, já começou.
OS PRINCIPAIS PONTOS
Reunidos de 14 a 18 de março, na cidade de Foz do Iguaçu, no Brasil, os países consignatários se comprometem a:
• Priorizar o saneamento básico entre as políticas nacionais de desenvolvimento.
• Promover instrumentos de planejamento governamental ligados ao saneamento.
• Assegurar o investimento contínuo, sustentável e em níveis adequados.
• Integrar saneamento básico com políticas públicas de recursos hídricos, ambientais, sanitários, urbanos etc.
• Desenvolver políticas públicas e modelos de gestão e de financiamento para promover o saneamento rural e de pequenas localizações.
• Promover a regulamentação de serviços de saneamento e sua articulação com regulamentações setoriais em cada país.
• Programar e fomentar programas de melhoria da gestão dos prestadores de serviços de saneamento.
• Fomentar a pesquisa capaz de gerar tecnologias simples e baratas.
• Intensificar ações de controle e vigilância de qualidade hídrica para consumo humano.
• Promover, programar e disseminar ações de educação sanitária, ambiental, além de promover a mobilização social no que diz respeito
ao saneamento básico.
• Programar prevenção e gestão de riscos de desastres no setor hídrico e de saneamento.
• Assegurar que os casos de contaminação dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, causados por falta de condições adequadas
de saneamento, sejam tratados conforme a legislação nacional.
• Incitar os governos nacionais a assumir os compromissos e as ações necessárias, em coordenação com instituições financeiras.
• Incitar prestadores de serviços e ao setor privado assumir compromissos e ações voltadas para o cumprimento dos ODM.
• Fortalecer a cooperação intergovernamental na região.
ANOTAÇÕES E APONTAMENTOS
A Aqua Vitae foi uma das participantes da II Conferência de Saneamento 2010. Lá esteve durante todas as deliberações, para tomar
nota das declarações dos líderes regionais presentes no encontro. Embora a participação e os resultados não tenham correspondido às
expectativas, os participantes reconhecem que este Fórum deve continuar sendo fortalecido:
Pamela Cox, Vice-Presidente do Banco Mundial (BIRD). “A América Latina avançou em matéria de água e saneamento em comparação com
outras regiões. Uruguai, Costa Rica, Chile e Argentina estão no caminho para o cumprimento dos ODM. México, Equador, El Salvador,
Guatemala y Honduras precisam se esforçar mais. As decisões da Latinosan são um bom mecanismo para se continuar avançando.”
Federico Basañes, Chefe da Divisão Hídrica e de Saneamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “Este segundo encontro é uma
forma de reafirmar nosso compromisso pela busca de ações conjuntas, monitoramentos e follow-up nos mesmos. Tanto em Cali (2007)
quanto em Foz de Iguaçu, o tema saneamento vem sendo parte das agendas dos países. Isso já é muito importante.”
Antonio Da Costa, Comissionado das Nações Unidas (ONU) para Água e Saneamento. “É preciso melhorar o acompanhamento, as fontes de financiamento e a gestão integrada dos recursos hídricos com uma abordagem ecossistêmica. A
discussão regional e global deve incorporar a transferência de conhecimento e experiências. O marco da
Latinosan é o terreno ideal para este intercâmbio.”
Luis Romero, Rede de Água e Saneamento de Honduras. “O investimento no setor tem estado abaixo da
média anual de US$ 19,5 milhões em comparação com os US$ 147 milhões registrados. Esta tendência
nos mostra que em 2015 não atingiremos as metas dos ODM. Por isso, o espaço que temos na Latinosan
é importante para contarmos o que vem ocorrendo em nosso país.”
Julio Castillo, Ministro do Meio Ambiente, Panamá. “Poderemos chegar a 2015 cumprindo as metas e
melhorando a qualidade de vida. Para isto Foz do Iguaçu foi o melhor lugar para celebrar este encontro, pois aqui temos de tudo: geração de energia, água e programas de reflorestamento.”
Aqua Vitae 21
BREVES DO MUNDO
Lagos em apuros
Contaminação das
águas da Antártica
Após um mês de pesquisas no continente gelado, a Universidade
de Zaragoza informou, por meio de um estudo que quantifica de
maneira precisa, o grau de contaminação química apresentado nas
águas da Antártica.
A expedição científica, denominada “Operación Skua”,
foi realizada entre os meses de janeiro e fevereiro de 2010, sob
a coordenação de Juan Ramón Castillo, diretor do Instituto de
Pesquisas em Ciências Ambientais da região do norte de Aragón.
Os resultados da análise das amostras foram comparados
com outras procedentes de mares quentes e até de fontes de água
doce - mais alteradas pelo ser humano -, a fim de se desenvolver
novos métodos de análise capazes de caracterizar espécies químicas metálicas (zinco, magnésio, ferro, selênio ou cádmio, entre
outros.)
O estudo pretende averiguar qual a distribuição destes metais e seus papéis no processo da fotossíntese, por meio da qual é
possível eliminar quase que 50% do CO2 emitido na atmosfera.
Os cientistas trabalharam num amplo território do continente, englobando o Arquipélago Palmer, as Ilhas Melchior, Ilha
Brabant, Arquipélago Wilhelm, Ilha Adelaide, Península Arrowsmith e Coast Davis.
A expedição teve caráter internacional, fazendo parte da
equipe de cientistas ingleses e franceses que trabalham em outros
projetos sobre o magnetismo terrestre e projetos de observações
sobre biodiversidade. O estudo conta ainda com o apoio do Plano
Nacional do Ministério da Ciência e Inovação da Espanha.
Fonte: Agência EFE
Metade dos 250 mil lagos existentes no mundo (estimativa) pode
desaparecer por conta dos impactos provocados pela mudança climática, segundo Marion Hammerl, presidente da rede Living Lakes
e da fundação Global Nature.
A especialista alemã participou da 13ª Conferência Living
Lakes, realizada em Chapala – cidade próxima a Guadalajara (México) –, onde existem organizações dedicadas à conservação dos
sistemas lacustres.
As prolongadas secas e o aumento da temperatura terrestre devem acelerar o desaparecimento de lagos em várias partes
do mundo, inclusive no continente africano. “Os mais vulneráveis
são os que têm pouca profundidade, pois estão mais expostos as
evaporações devido às altas temperaturas e porque têm menos
capacidade de recuperação”, explicou a especialista.
Exemplos desta anomalia são os casos da lagoa Mar Chiquita, na Argentina; de Bahía, nas Filipinas; de Chapala, no México,
além das zonas úmidas da região de La Mancha, na Espanha, que
são os reservatórios lacustres mais ameaçados.
Grande parte dos lagos no mundo apresenta escassez de
água por conta do desvio que sofrem indiscriminadamente para
uso industrial, agrícola e doméstico. A pouca água que chega está
contaminada pelos resíduos industriais e não é tratada de forma
adequada.
Estima-se que um terço dos lagos já desapareceu desde a
década de 1960, período em que começaram a ser “esvaziados”
para se ganhar terreno na agricultura, segundo registros existentes
na Europa. Por isso, a especialista fez um chamado aos governos
e à população mundial para que realizem esforços na economia
hídrica e para que mantenham os bons níveis dos lagos.
Fonte: Living Lakes
Huangguoshu em 2007 e em 2010
Catarata seca
O sudeste da China está sofrendo a pior seca do último século.
Como conseqüência, aproximadamente 60 milhões de pessoas e
a Catarata de Huangguoshu - a maior da Ásia – estão ameaçadas
pela falta d’água e pela seca.
A Catarata, com 67 metros de altura e 83 de largura, foi
reduzida a uma cascata, segundo as fotografias mostradas pelo
jornal China Daily.
Huangguoshu está localizada na província de Guizhou, uma
das mais afetadas pela escassez hídrica, juntamente com Yunnan,
o município de Chongqing e a região de Guangxi.
Estas regiões ficam meses sem chuva, salvo algumas precipitações provocadas de forma artificial, mas não o suficiente para
amenizar a situação.
A seca arruinou as colheitas de produtos essenciais para
a economia chinesa como o chá, cujos preços aumentaram nas
últimas semanas; e o anis estrelado, utilizado na medicina tradicional chinesa e um dos principais ingredientes do Tamiflu (fármaco
usado para combater a gripe A H1N1).
O governo chinês começou a enviar ajuda humanitária aos
afetados e, só em Yunnan, calcula-se uma perda de mais de US$
3,5 bilhões.
Fonte: China Daily
Aqua Vitae 22
SOMOS SERES DE ÁGUA
CÉREBRO 73%
PELE 73%
PULMÕES 83%
CORAÇÃO 73%
FÍGADO 73%
RINS 79%
SANGUE 79%
MÚSCULOS 79%
OSSOS 31%
Do total da composição do corpo humano de um adulto, 60% é água, localizada dentro e
fora das células, no espaço entre as mesmas, no sangue e em outros líquidos do corpo. A
quantidade varia segundo a idade e a composição corporal – gordura e massa muscular. Nas
crianças, o conteúdo de água é de 75% e nos idosos é de até 50%. Os músculos contêm mais
água que gordura corporal.
Aqua Vitae 23
ALTO PERFIL
Guillermo Tapia Nicola
grandes, médias ou pequenas cidades
conhece as cidades dos
mais variados tamanhos.
O Secretário Executivo da
Federação Latino-Americana
de Cidades, Municipalidades
e Associações de Governos
Locais leva à sério o
desenvolvimento urbano
regional e seus grandes
desafios. Nicola reconhece
a existência de cidades com
ampla disposição de água
e outras, cuja distância
para consegui-la é grande,
os custos também e em
Por BORIS RAMÍREZ
detrimento dos que vivem
odos os serviços de abastecimento híem regiões próximas aos
drico e de saneamento nas cidades precisam planejamento urbano, projetos
lençóis freáticos naturais.
planejamento hídrico urbano
urgente
T
sustentáveis, além de uma estrutura de
custos e tarifas que permita o desenvolvimento
de obras (…) Mas também necessitam ações de
melhoria ambiental nas fontes superficiais e subterrâneas, educação das populações no manejo
de águas residuais e detritos sólidos e, acima de
tudo, de fontes de financiamento públicas, privadas ou internacionais.
Desta forma, o Dr. Guillermo Tapia Nicola, Secretário Executivo da Federação Latino-Americana de Cidades, Municipalidades e Associações
de Governos Locais (FLACMA), fundamenta os
fatores que devem ser levados em conta em
relação ao tema água nos centros urbanos. “O
24 Aqua Vitae
importante é estar envolvido, molhar os pés,
entrar na linha de frente sem medo, aprender,
exercer e buscar soluções para os problemas
hídricos e de saneamento. Os bancos internacionais também devem estar mais envolvidos
para que identifiquem linhas de crédito para as
cidades de maneira direta, sem trâmites burocráticos, pois isso frustra, demora e até encarece
o crédito, que é tão necessário para trazer soluções às demandas vicinais neste tema”.
De que maneira as cidades latino-americanas estão enfrentando os desequilíbrios
entre abundância e carência dos recursos
hídricos?
É difícil precisar uma resposta em meio a uma
gama de situações que se vive na região. A AL
‘‘
‘‘
Para assegurar as necessidades básicas, toda pessoa requer
de 20 a 50 litros de água potável por dia.
• Todos os habitantes do planeta precisam de água para sua satisfação direta
e para produzir os meios que permitem a vida, e a América Latina não é
exceção.
• A maior parte da água disponível na
região é usada na agricultura e na manufatura e, consequentemente, no consumo direto.
• A maior parte da população regional
está nas cidades.
• Nos centros urbanos, em especial, são
feitos esforços para educar as pessoas
com relação ao uso racional da água e
à disposição cuidadosa deste elemento quando está “servida” ou já contaminada. Mas o fato é que todos os esforços neste âmbito são amplamente
insuficientes.
• Nas cidades de todos os tamanhos,
quase metade da população tem acesso à água tratada; nas áreas rurais apenas 20% dos habitantes dispõem dela.
• A “reparação” dos danos ambientais
por uso e disposição hídrica ainda está
em estado embrionário.
• Há cidades que dispõem amplamente
de água e outras onde as pessoas devem percorrer grandes distâncias para
obtê-la, com grandes custos e, frequentemente, em detrimento dos que
vivem em regiões próximas aos lençóis
freáticos naturais.
As cidades têm uma capacidade de resposta que talvez seja maior que a dos estados
ou países aos quais pertencem, pois identificam com clareza o problema que afeta
o meio ambiente e a necessidade de dar
respostas imediatas para seus vizinhos. Por
isso, vem-se cogitando atualmente uma
Foto: Carmen Abdo
é uma zona do planeta que dispõe de uma
importante proporção de água doce superficial da Terra, mas que também concentra
uma grande proporção da população. A relação per capita de água sobre habitantes
é vantajosa para a região. É notório também que, há 30 anos, a região suporta o
mais rápido processo de urbanização do
mundo. E é relevante para esta resposta
o fato de que, na AL, as desigualdades de
receita e acesso aos serviços básicos são
as maiores do mundo. Com estes complexos antecedentes, me atrevo a tentar uma
resposta nos seguintes termos:
2º Relatório de Desenvolvimento da Água - 2006
Aqua Vitae 25
Foto: Carmen Abdo
O mau planejamento é evidente em muitas cidades latino-americanas. Deve-se avançar na criação de consciência
e educação entre os usuários e o uso da água.
forte presença dos representantes municipais na próxima COP 16 para apresentarem, de maneira unívoca, a opinião das
cidades a partir de um próximo Fórum Ambiental, que deverá ser realizado em Manaus (Brasil), com o objetivo de fortalecer
a Carta Ambiental gerada no ano passado
sobre este tema.
Os casos mais dramáticos acontecem
nas grandes cidades. Como as cidades
de médio e pequeno porte fazem para
enfrentar os mesmos problemas?
Não posso ratificar que a observação da
situação nas grandes cidades seja pior. Nas
cidades de médio e pequeno porte, às vezes, é possível encontrar água a distâncias
mais curtas e em quantidades suficientes.
Entretanto, não é sempre que isto ocorre,
além do mais, em uma relação per capita,
sempre custa mais caro prestar serviços
Aqua
Vitae Vitae
26 Aqua
26
de abastecimento a populações dispersas.
Também é mais difícil educar e controlar os
efeitos de usos inadequados e disposições
não responsáveis.
Como resolver o mau planejamento das cidades de médio e pequeno
porte, visto que muitas delas carecem
de obras de infra-estrutura de acesso
aos serviços de água e saneamento
básico?
Todos os serviços de abastecimento de
água em cenários urbanos, devido sua
própria natureza, requerem planejamento,
formulação de projetos, cálculos de custos, tarifas e disponibilidade para o pagamento, bem como previsões sustentáveis,
de atenuação e diminuição dos riscos ambientais, já que, de outra forma, não é possível obter fontes de financiamento, sejam
elas públicas, privadas ou internacionais.
As fragilidades de planejamento ocorrem
nos conceitos de ordem territorial e na obtenção de dados precisos sobre os usuários
e consumidores de água que sejam aceitáveis frente à crescente permeabilidade das
atividades urbanas em relação aos fatores
de incidência exógena, nacional, regional
e mundial.
Há cidades que podem ser consideradas modelo em obras de acesso hídrico e ao saneamento? Quais seriam?
Muitas cidades têm administrações exemplares de fornecimento, tratamento, reaproveitamento, condução, distribuição,
comercialização e re-investimento da água
e de sistemas sanitários em geral. Muitos
destes casos são invisíveis pelo tamanho.
Na América, podemos citar alguns mais famosos, como Belo Horizonte, Vancouver,
Medelín e Córdoba, entre outros.
De que maneira os problemas de falta
de investimento em água e saneamento poderiam ser resolvidos?
pequeno porte tenham sanados seus
problemas de abastecimento hídrico e
de saneamento?
Os três problemas mais frequentes para
prover investimento neste componente
chave para o desenvolvimento urbano na
América Latina são a disponibilidade de
recursos em condições de proximidade,
quantidade e qualidade tratável da água;
a disponibilidade de recursos financeiros
em condições exequível para os municípios e os governos nacionais; e as possibilidades de recuperação de custos e reinvestimento em sistemas sustentáveis,
fator este altamente correlacionado com
a pobreza, pois, em última instância, são
os beneficiários finais quem pagam estes
investimentos.
Mais que medidas a serem tomadas, é preciso haver um avanço no plano da conscientização, da educação e da informação,
os quais devem ser pertinentes, verídicos,
oportunos e gerar respaldos nas relações
positivas produzidas entre as autoridades e
os habitantes.
Estes fatores levam o tema aos aspectos
estruturais de nossa natureza e sociedade
e obviamente não têm soluções prontas,
pois cada caso tem sua especificidade.
Existe algum mecanismo de transferência de tecnologia capaz de melhorar esta situação?
Os esforços dos governos locais e nacionais, bem como o suporte da cooperação
externa proveêm múltiplas respostas para
facilitar a aplicação de modelos bem sucedidos. Nesta linha, é preciso reconhecer o
esforço das academias e dos grupos populacionais organizados em associações de
base, junto com os aportes das empresas
privadas. Todos juntos oferecem uma gama
de grande valor construtivo, mas ainda claramente insuficientes.
O que chama atenção, entretanto, parece
ser a necessidade de incentivar com mais
ênfase o que conhecemos como intercâmbio de experiências – sejam estas bem sucedidas ou não – porque ambas ajudam a
copiar ou evitar. Há exemplos e ações de
cidades grandes, médias e pequenas, cuja
Foto: SXC
Quais outras ações de planejamento devem ser tomadas para que as
populações das cidades de médio e
É preciso gerar uma maior e melhor consciência dos cidadãos acerca do tema, de
forma que cada um seja auto observador, auto regulador e auto motivador do
uso adequado da água e do saneamento.
Quanto melhor usarmos o recurso, maiores
as probabilidades de garantir a vida para as
novas gerações. Da mesma forma, quanto
menos contaminação gerarmos e quanto
mais eficiente formos na reciclagem de
desperdícios sólidos e líquidos – de forma a
assegurarmos um adequado funcionamento dos sistemas de saneamento ambientais,
junto àqueles cuidados que, por razões óbvias, devemos incentivar, a fim de evitar a
poluição e os danos ambiental em todos
os níveis – maior certeza teremos e geraremos das cidades para seus habitantes e
vizinhos, e poderemos cumprir com o objetivo de alcançar o bem comum local.
Belo Horizonte, capital do estado brasileiro de Minas Gerais, tem um modelo exemplar no manejo do setor da água.
AquaAqua
Vitae Vitae
27 27
dedicação especial sobre o tema tem sido
regional e mundialmente reconhecida, valorizada e até premiada. Devemos continuar reconhecendo estes casos, estas experiências e socializá-las após uma adequada
sistematização.
jam mais solidárias com as cidades e seus
problemas, dos quais são parte integrante.
De tal forma que a alegria ou tristeza das
pessoas possa ser sentida e expressada por
igual, pela empresa privada e pela pública
apoiada na comunidade das metrópoles.
Quem deve assumir a responsabilidade diante do pouco investimento e
planejamento no assunto?
Existem programas regionais para
manejo de detritos sólidos, melhoramento de bacias fluviais e gestão de
recursos hídricos, destinados ao abastecimento hídrico em cidades da América Latina?
Não se pode culpar alguém, senão os próprios sistemas públicos e privados, sobre as
situações que pressionam sobre a demanda e que são permanentemente mutantes
e variáveis no grau de incidência.
Os fatores estruturais que mencionei antes são de grande peso. O importante é
estar envolvido, molhar os pés, entrar na
linha de frente sem medo, aprender, exercer e buscar soluções para os problemas
hídricos e de saneamento. Os bancos internacionais também devem estar mais
envolvidos para que identifiquem linhas de
crédito para as cidades de maneira direta,
sem trâmites burocráticos, pois isso frustra, demora e até encarece o crédito, que é
tão necessário para trazer soluções às demandas vicinais neste tema. É preciso envolver as empresas privadas, para que se-
Em todos os países, felizmente, existe uma
preocupação crescente por parte dos atores não apenas com relação à demanda
dos serviços de saneamento básico como
também sobre o investimento, aproveitamento sustentável do recurso, sobre as
inovações tecnológicas, os novos esquemas de gestão, além de uma crescente valorização da qualidade de vida, dos direitos
e da sustentabilidade ambiental. Há uma
longa lista de cidades empreendedoras
que abordam o tema com grande visão
e cujos exemplos devem ser seguidos por
outras da região.
Como resolver o problema das grandes cidades que usam água do siste-
ma fluvial o qual deveria atender às
necessidades das cidades de médio e
pequeno porte?
Os recursos naturais são de todos os cidadãos. Se os cidadãos de um determinado
país estão concentrados em sua maioria
na metrópole, é aí que devem encontrar
os serviços de abastecimento. Os responsáveis não podem se descuidar, no entanto, das concentrações demográficas menores que têm os mesmos direitos. O uso
da água nas grandes cidades não pode ser
estigmatizado, ao contrário, a sustentabilidade gerada pelos processos de aproveitamento, distribuição, arrecadação, design
e tecnologias aplicadas em cada caso deve
ser controlada.
É preciso, no entanto, ir mais afundo na
aplicação de sistemas de compensação
ambiental para aqueles que cuidam das
fontes vizinhas, por meio do controle das
atividades que podem prejudicar os recursos hídricos. Não se trata de encontrar
um culpado para gerar soluções, mas sim,
como já foi dito, um melhor e maior envolvimento por parte de todos, ações responsáveis e solidárias, e melhores – e iguais
– sistemas de convivência social, que nos
permitirá aportar soluções idôneas.
ENTRE CIDADES E BAIRROS
Guillermo Tapia Nicola ([email protected]), atual Secretário Executivo do FLACMA, promove o equilíbrio
entre os centros urbanos e rurais em favor de seu desenvolvimento.
• Advogado e juiz, nasceu no Equador
• Licenciado em Ciências Políticas e Sociais. Doutor em Jurisprudência.
• Entre seus cargos, destacam-se: Juiz do Município de Quito, Secretário Geral da Associação de
Municipalidades Equatorianas (AME), International Union of Local Authorities, Delegado Regional da
Organização Mundial de Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU).
O FLACMA é uma organização propositiva, de livre adesão, da qual participam Prefeitos, Governos Locais,
Cidades, AGLs, Cooperativas e Redes. Representa a comunidade municipal regional e expressa os interesses
locais e a vigência da autonomia de seus governos democráticos diante dos estados nacionais, dos conclaves
estatais e civis, regionais e mundiais, das convenções internacionais, dos fóruns, da cidadania da Região e
diante da CGLU.
28 Aqua Vitae
OPINião
FEDERICO MAYOR ZARAGOZA
Presidente da Fundação Nova Cultura de Paz
Ex-diretor Geral da UNESCO
PATRIMÔNIO DE TODOS
Água e alimento: estas são as prioridades para se iniciar a grande
transformação social que não aceita mais prorrogação. Se quisermos
um século XXI onde a prosperidade possa ser para muitos, é preciso
levar em conta a dignidade de todos os seres humanos para garantir
seu bem-estar
Os direitos humanos são indivisíveis, mas existe um direito maior: o
direito à vida, que condiciona o exercício de todos os demais. O direito
à alimentação, à nutrição, à água, à saúde… todos fazem parte dos
“direitos essenciais”, pois deles depende a vida em si, sua qualidade,
sua dignidade. Há algumas décadas, a água, assim como o ar, era considerada um “bem natural”, sobre a qual, os habitantes da Terra tinham
livre acesso. Mas com o tempo, a disponibilidade de ar limpo e água
potável foram se tornando mais restritas a ponto de se tornarem “bens
de consumo”.
e lençol freático, inclusive nos casos em que tenham caráter supranacional. Pesquisas, desenvolvimento e inovação em tudo o que diz respeito
à água devem ser incentivados, acelerando ao máximo a troca de seus
resultados e benefícios para a sociedade.
E isso é de importância vital, pois o bom estado da saúde humana encontra-se diretamente relacionado à qualidade da água, como potabilidade, adequação de sistemas de saneamento e diminuição de doenças
ligadas à salubridade dos ecossistemas de água doce.
A água faz parte das grandes exigências éticas que devem inspirar nosso
“que fazer” diário e por isso é imprescindível levarmos em conta as
necessidades do futuro em nossa conduta atual. Os recursos hídricos
são limitados e desigualmente divididos, sendo estes alguns dos fatores
que complicam sua gestão, já que nos encontramos confrontados com
o desafio e o desenvolvimento sustentável que tal gestão representa
frente às consideráveis pressões exercidas pelo crescimento econômico,
pelo aumento da população, pela transformação de migrações e pela
mudança climática.
Sem dúvida, uma das grandes ações de um novo sistema econômico
mundial seria promover o desenvolvimento sustentável global em oposição a uma economia de guerra e de especulação. Neste contexto, as
infra-estruturas e tecnologias relacionadas ao tratamento hídrico são
relevantes.
Para alcançarmos este outro mundo possível que desejamos, os problemas básicos da humanidade deverão ser resolvidos mediante a participação ativa do comportamento de cada cidadão, de tal forma que, em
sua vida pessoal apliquem os mesmos princípios demandados daqueles
que têm a responsabilidade de governar em seu nome.
A gestão hídrica é fundamentalmente uma questão de justiça social e
de consciência ambiental, baseada em três conceitos: igualdade, transparência e acesso entre as gerações e ao longo delas. Por esta razão, as
medidas adotadas devem ser o resultado da adequada conciliação dos
aspectos jurídicos, hidrológicos e ecológicos, bem como o da participação dos cidadãos.
Na Carta da Terra, propõe-se a criação de uma Agência Hídrica Mundial que, no âmbito das Nações Unidas, chegue a constituir um marco
normativo mundial sobre a água, inserido num contexto de desenvolvimento sustentável, reconhecido por todos os países. Somente assim,
com uma visão ética global semelhante, critérios de racionalidade econômica, a fim de promover a eficiência e a sustentabilidade na administração dos recursos hídricos, ao mesmo tempo em que se incorporam os
princípios de justiça social e ambiental na gestão hídrica.
A gestão hídrica deve ser participativa, eficiente e solidária, de modo
que fomente a responsabilidade individual e coletiva mediante o desenvolvimento compartilhado de conhecimentos e experiências. As unidades básicas de gestão dos recursos hídricos devem ser bacia hidrográfica
E todos os habitantes da Terra assumiriam que a água, além de um
recurso essencial, é um patrimônio de todos.
A Aqua Vitae não emite opinião sobre os critérios expressados nesta seção,
mas está aberta a diferentes perspectivas em torno do manejo do recurso hídrico.
Aqua Vitae 29
TECNOLOGIA
30 Aqua Vitae
AUTOPURIFICAÇÃO:
TECNOLOGIA
SUSTENTÁVEL
O uso desta tecnologia – empregando argila e zeólitas naturais*
do México – permite remover o flúor e o arsênico das águas
contaminadas, tornando-a apta para uso
e consumo humano.
Por DR. MIGUEL ÁNGEL HERNÁNDEZ,
ENG. RODOLFO PÉREZ GARCÍA e ENG. ADRIANA COYOTL
Departamento de Pesquisas em Zeólitas, Instituto de Ciências.
Faculdade de Engenharia Química. Universidade Autônoma de Puebla (México)
E
ntre os problemas ambientais que ameaçam a humanidade no século XXI, a falta de água doce ocupa o ranking
da lista. A isto, devem-se somar situações como aquecimento global, destruição das florestas tropicais e excessiva
pesca oceânica. A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou
que 2,7 bilhões de pessoas podem sofrer uma grave falta d’água
até 2025, caso o consumo se mantenha nos níveis atuais.
Diante deste cenário, pesquisadores e acadêmicos podem ficar
de braços cruzados ou propor novidades que ajudem a melhorar
tal situação. É preciso conhecer os elementos importantes que o
cenário apresenta: crescimento acelerado da população mundial
(mais de 6 bilhões atualmente e próximo dos 9 bilhões de pessoas
em estimativas para 2050) e aproveitamento de apenas 1% do
total da água para consumo, irrigação e usos industriais.
Aqua Vitae 31
‘‘
‘‘
Em todo o planeta, diferentes grupo e empresas
trabalham para resolver o complexo problema
hídrico; alguns revivendo técnicas ancestrais e outros
aplicando tecnologías do século XXI.
Desta forma, o Departamento de Pesquisas em Zeólitas, do Instituto de Ciências da Universidade Autônoma de Puebla (México)
tomou consciência de que, em todo o planeta, diversos grupos e
empresas trabalham para resolver o complexo problema hídrico.
Alguns revivendo técnicas ancestrais e outros, aplicando tecnologias do século XXI. Mas todos com o objetivo de aproveitar,
com máxima eficiência, cada gota d’água e convictos de aplicar
soluções locais e incentivos econômicos em suas campanhas de
conservação.
O desperdício de água doce no planeta é inquestionável, especialmente na agricultura, que representa 70% de seu uso. É preciso aproveitar a água de maneira eficiente, pois, à medida que a
população mundial cresce e aumenta a demanda de alimentos, a
irrigação não controlada impõe uma séria ameaça aos rios, manguezais e lagos.
As águas subterrâneas cumprem um papel importante em vários
casos e são vitais para o fornecimento de água potável para muitas
regiões urbanas e rurais do mundo. No México, o abastecimento
sociedade/águas subterrâneas é fundamental. Em alguns locais as
pessoas consomem permanentemente água contaminada com arsênico (As) e flúor (F), em níveis capazes de colocar em risco a
saúde delas. Ambos são elementos permanentes nos solos, nas
rochas, águas naturais e organismos vivos. Sua mobilidade no
ambiente se deve tanto a processos naturais como a atividades
humanas. As concentrações destes elementos nas águas subterrâneas apresentam níveis superiores aos estabelecidos pelos órgãos
internacionais. Sabe-se que a toxicidade de tais elementos é tal,
que são capazes de causar danos à saúde quando ingeridos, por
exemplo, através da água. A Organização Mundial da Saúde (OMS)
classificou os elementos arsênico e flúor como substâncias cancerígenas e seus valores padrões - estabelecidos pela OMS – sofreram
redução de 0,05 para 0,01 mg/L para o arsênico e de 1,5 mg/L para
o flúor. No México, a concentração de arsênico e flúor estabelecida
como máxima permitida, desde 2005, é de 0,025 mg/L e 1,5 mg/L,
respectivamente.
32 Aqua Vitae
UMA RESPOSTA
São desenvolvidos diferentes tratamentos para remover o arsênico e o flúor presentes nas águas para uso e consumo humano,
para os quais se empregam sólidos porosos: argilas e zeólitas.
Os sólidos porosos são, atualmente, de interesse tecnológico e
científico por conta de sua qualidade de interatuar com átomos,
íons e moléculas, não apenas em sua superfície como também
em seu interior.
A peculiar ordem estrutural destes sólidos porosos lhes confere
grande utilidade como agentes de intercambio iônico, peneiras
moleculares ou catalisadores. Além disso, por seu baixo custo
financeiro, são empregados em campos tão importantes como o
da descontaminação do meio ambiente, em forma de materiais
purificadores de água e ar.
Os sólidos porosos que estão sendo aplicados atualmente nesta
pesquisa são provenientes de diferentes fontes localizadas em
nossa região do Estado de Puebla, México.
O objetivo principal desta investigação consiste em obter água
de melhor qualidade para uso e consumo humano, aplicando
materiais de procedência natural que gerem resultados satisfatórios e com baixo custo, ou seja, desenvolver um método
purificador com tecnologias sustentáveis.
DESIGN E IMPLEMENTAÇÃO DOS PROTÓTIPOS
Com base nos resultados da etapa anterior, será possível desenhar um protótipo para o tratamento das águas nos poços de regiões que apresentem problemas de contaminação com arsênico
e flúor. Prevê-se que este protótipo baseará seu funcionamento
na capacidade das zeólitas naturais e sintéticas de realizarem intercambio iônico e retenção de metais pesados, sendo este um
eficiente método para tratar águas contaminadas. Será projetada
uma planta piloto adequada de tratamento, onde será selecionado o comportamento hidrodinâmico mais apropriado, bem
como as dimensões e capacidades necessárias.
Além disso, prevê-se o planejamento de novas estratégias de controle, capazes de garantir o bom funcionamento do protótipo em
diversas condições de operação: sobrecargas ou diminuição de
substratos de entrada e níveis de pH, entre outras.
As metodologias adequadas para verificar o cumprimento da
norma oficial mexicana - relacionada com a qualidade hídrica
para uso e consumo humano - serão estabelecidas por questões
práticas. O protótipo será desenhado em laboratório. No final do
projeto, serão realizadas algumas provas sob situações reais nos
poços selecionados previamente.
DIAGRAMA DE PLANTA ZEOLÍTICA
Para se compreender este mecanismo, é possível observar as etapas
desenvolvidas a partir de uma fonte de água contaminada com arsênico e
flúor até chegar a fase de água limpa, própria para consumo e usos agrícolas
e industriais.
ADIÇÃO
DE CLORO
H2O
ÁGUA TRATADA
E DESINFETADA
Sistema de dosagem de reagentes
DEPÓSITO DE ÁGUA CORRENTE
(RIOS, LAGOS, LAGOAS E REPRESAS)
Sistema de floculação – sedimentação
Bomba de ¼ de HP
Filtro zeolítico
Filtro de carvão ativado
*Zeólitas - conjunto de minerais de estrutura porosa, basicamente formados por alumínio e silício (aluminiosilicato), hidratados de metais
alcalinos e alcalinoterrosos.
Aqua Vitae 33
A água deve ser incluída em
todo programa de atenção à AIDS
POR UMA RELAÇÃO
SÃ E BENÉFICA
Acesso à qualidade e quantidade hídrica e infra-estrutura de saneamento
ajudam a prevenir infecções oportunistas em pacientes portadores do
vírus da imunodeficiência humana.
Por BORIS RAMÍREZ
Fotos: Patrícia Gatto
AquaVitae
Vitae
34Aqua
34
SAÚde
‘‘
‘‘
Mais de 33 milhões de pessoas no
mundo estão contaminadas pelo HIV.
A
relação entre água e saúde é, sem dúvida alguma, essencial para a vida das pessoas. Tal filosofia é partilhada
também pelo Projeto de Melhoramento da Higiene
(HIP, por suas siglas em inglês), organização que, juntamente com a Agência de Desenvolvimento dos Estados Unidos,
orienta sobre temas ligados à água, saneamento e higiene, a fim
de melhorar os programas de atendimento a pacientes portadores do vírus HIV.
“É preciso ficar claro que a primeira incidência de acesso à água
e infra-estrutura de rede de esgotos deve atender os quesitos
que ajudem a melhorar a condição e a higiene dos pacientes com
AIDS”, sustenta Dr. Edmundo Cárdenas, especialista em Imunologia, baseando-se na ajuda que o saneamento dá para melhorar
a higiene e controlar o efeito de doenças oportunistas, como é o
caso das diarréias e de outras associadas à água poluída.
O objetivo desta iniciativa (www.hip.watsan.net) é destacar
água, saneamento e higiene como componentes de melhora que
podem e devem ser incorporados em todos os programas de prevenção e atenção aos aidéticos, sobre tudo para ajudar a diminuir
o impacto das diarréias nos mesmos.
Não é para menos: os cenários a serem controlados têm a ver
com a introdução de melhorias nos seguintes níveis:
• Todas as estratégias têm relação com o controle do sexo,
com o uso de preservativos e com a educação, mas deixam a
desejar no que tange aspectos importantes como água, saneamento e higiene que devem estar presentes em todos os
programas de prevenção e atenção.
Uma maior incidência de doenças oportunistas em pessoas com
AIDS implica numa queda na qualidade de vida dos mesmos,
diminui sua produtividade e pode gerar empobrecimento. Com
este programa, o HIP intenciona “promover uma atenção integral
para que os portadores do HIV possam viver mais tempo e com
uma vida mais saudável. É daí que se reconhece a importância
da água potável, do saneamento e da promoção da higiene na
proteção e cuidado das pessoas infectadas pelo HIV”.
Aqua Vitae 35
Aqua Vitae 35
‘‘
O acesso à água
é necessário para
pessoas com HIV, já
que o asseio do corpo
é importante
na prevenção de
infecções causadas
por bactérias e fungos.
‘‘
Organização Amigos contra a AIDS, México.
• A má qualidade da água incide no cozimento dos alimentos e
sua falta impede o hábito de lavar as mãos antes das refeições.
Em pacientes com AIDS isto acarreta infecções gastrointestinais
com consequências devastadoras.
• Pessoas com AIDS que consomem água não tratada podem
contrair criptosporidiosis (doença oportunista causada pelo parasita cryptosporidium parvum, presente em algumas comidas
ou em água contaminada), acarretando em diarréia, vômito e
câimbras estomacais, sintomas que, se prolongados, levam a
desidratação. Outros germens presentes em alimentos e água
não tratada são: salmonella campylobacter e listera monocytogenes, que causam os mesmos sintomas além de infecções
sanguíneas, meningite e encefalite.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que entre 85% e
90% das doenças provocadas por diarréia nos países em desenvolvimento podem ser atribuídas à insalubridade hídrica, ao saneamento inadequado e a más práticas de higiene.
RECOMENDAÇÕES PARA INTEGRAR
Durante a oficina “Integração da água, saneamento e higiene no
lar com pacientes portadores do vírus da AIDS”, ocorrida em Maláui (África) em 2007, os responsáveis pelo programa revisaram e
redefiniram as principais recomendações para integrar a água e o
saneamento na prevenção e no tratamento da doença. Eis as mais
significativas:
• A pesquisa demonstrou que os lares de pacientes com acesso a
um maior volume de água têm um entorno mais limpo e menos
transmissão de agentes patogênicos causadores de diarréia. Um
dos objetivos em longo prazo seria que toda família pudesse
dispor de uma fonte de água próxima de sua casa, entretanto,
em curto prazo, é preciso desenvolver tecnologias apropriadas
36 Aqua Vitae
para a coleta de água e sua economia. Foram sugeridos de
20 a 80 litros de água diários para apoiar estes pacientes.
• Aqueles que cuidam dos enfermos devem aprender técnicas
simples de tratamento hídrico, como desinfecção com solução de hipoclorito (cloro) e SODIS – desinfecção por meio
de garrafas de água expostas ao sol – e possuir informação
sobre armazenamento e manejo adequado para reduzir a
possibilidade de nova contaminação. Devem conhecer também o uso correto da reidratação oral e do sabonete.
• É preciso ensinar os pacientes e seus cuidadores a reconhecer fontes seguras de água e, na falta das mesmas, coletar
água da chuva e submetê-la a processos de purificação.
• É preciso identificar e promover opções sanitárias para as
fezes e promover a construção de privadas de boa qualidade para as casas. É preciso assegurar que os banheiros
ou privadas, bem como a entrada dos mesmos sejam suficientemente amplos para caber mais de uma pessoa para
o caso de usuários que necessitem de assistência. Desenhar
serviços sanitários que utilizem luz natural e que tenham
ventilação adequada. Identificar e promover a deposição
apropriada das fezes e, quando a mobilidade dos usuários
for limitada, colocar penicos à disposição dos mesmos.
UMA ESTRADA SÃ
A Agência de Cooperação Alemã e o Instituto de Educação e Saúde propõem um
caminho a ser seguido que tire melhor proveito da água e da higiene na atenção
de pacientes com HIV.
Acesso à
água potável
identificar fontes de água limpa
Cozinhar alimentos
com água fervida
Higiene e
lavagem das mãos
Incluir o tema água em
programas sobre HIV
Boas instalações sanitárias
Aqua Vitae 37
CULTURA
Cirque du Soleil e Fundação One Drop são grandes cenários
ACROBACIAS
E MALABARES
PELA ÁGUA
Por BORIS RAMÍREZ
Guy Laliberté ouviu o chamado e não quis ficar de fora: entrou na água.
E com seu entusiasmo juntou estrelas do cinema e da música com líderes
e ativistas mundiais na ajuda pela preservação, promoção e proteção dos
recursos hídricos.
E
le era um artista das ruas, engolia fogo e
tocava música folclórica... deixou seu país
natal, o Canadá, e foi para a Europa como
um peregrino. De suas vivências, aprendeu
a reconhecer as carências do ser humano.
Hoje, Guy Laliberté é um empresário de sucesso,
um filantrópico, um turista espacial e fundador e
diretor executivo do circo mais famoso do mundo:
o Cirque du Soleil. Laliberté encontrou na água um
vínculo entre sua visão pessoal de sucesso - e ao
mesmo tempo comprometida - com um tema de
ordem mundial: tornar a água acessível para todos.
Após fundar o Cirque du Soleil, Laliberté se dedicou a atrair voluntários para conscientizar seu público sobre a água e o compromisso de lutar para
que todos disponham dela. Fiel aos seus propósitos, em 2007, criou a Fundação One Drop (Uma
Gota), com sede em Montreal (Canadá).
Em seu manifesto “Meu sonho” lê-se: “a água é
nosso vínculo comum, nos une como seres humanos e cidadãos do planeta… continuo sonhando
com um mundo mais justo. Um mundo onde cada
ser humano possa ter acesso à água limpa e possa
viver com dignidade e saúde. Os sonhos podem se
tornar realidade quando todos investem nele suas
energias, força de vontade e criatividade”.
38 Aqua Vitae
Por meio da Fundação One Drop, Laliberté faz
com que a arte do circo, do teatro popular, da
música, das artes visuais, da dança e do folclore
sejam mecanismos de promover educação, participação comunitária e sensibilização no que se
refere à água. Mas acima de tudo um mecanismo
para gerar projetos técnicos em países em desenvolvimento, a fim de melhorar o acesso ao recurso
hídrico, garantir a segurança alimentar e promover
a igualdade de gênero.
Laliberté aportou US$ 100 milhões para o arranque da fundação, que deverá durar 25 anos.
Convidou a todos os funcionários do Cirque du
Soleil a doarem 1% de seus salários e vinculou
organizações como Oxfam Internacional, Fundação Príncipe Albert II de Mônaco e RBC Projeto
de Água Azul para prestarem assistência técnica
e recursos financeiros. Também conseguiu fazer
com que estrelas mundiais do cinema e da música
como Salma Hayek, Bono e Shakira se unissem a
seus esforços para criar as condições necessárias
para o desenvolvimento de programas na América
Central, África Subsaariana e Oriente Sul da Ásia.
Esteja na Terra ou no espaço, Guy Laliberté olha
mais uma vez para sua volta e encontra na água
esse vínculo básico que nos torna seres humanos
melhores. E é para isso que ele trabalha.
PARA MUDAR O MUNDO
Guy Laliberté é uma máquina de sonhos e realidades. Nesta
entrevista, concedida à Aqua Vitae, ele fala um pouco mais
de sua missão especial.
O que leva Guy Laliberté a se comprometer de maneira
tão direta com o tema água e com a luta para que ela
seja entendida como um direito humano?
Tenho viajado pelo mundo e em minhas inúmeras viagens
para o exterior me fizeram enxergar o quão está seriamente
afetada a dignidade humana por conta da pobreza. A água e
a pobreza estão estreitamente vinculadas. Quando a população tem acesso fácil à água, tem mais tempo para se dedicar a
atividades que lhes permitam melhorar sua qualidade de vida.
O que o senhor pretende dizer com o lema “Água para
todos, todos pela água!”?
A água tem o poder de unir os povos. A crise hídrica dá a
oportunidade de nos unirmos como nunca antes e compartilharmos recursos, conhecimentos, experiência e esperança
em torno de um objetivo comum: garantir o acesso universal
à água potável para proteger este valioso recurso.
Como foi criada à Fundação One Drop? De que maneira
ela foi vinculada a instituições tão importantes como o
Cirque du Soleil, a Fundação Príncipe Albert II de Mônaco,
Oxfam International e RBC Blue Water Project?
Cirque du Soleil ®, Oxfam Internacional, a Fundação do
Príncipe Albert II de Mônaco e a RBC são os sócio fundadores
da Fundação One Drop. Para saber mais e participar do que
fazemos convido a todos a acessar http://www.onedrop.org
Como o senhor conseguiu atrair personalidades como
Shakira, Salma Hayek, U2 entre outros em prol do
tema água?
Pedi a meus amigos que pensam igual a mim que fizessem
parte do espetáculo “Missão Poética Social do Espaço”, para
conscientizar sobre o tema água. É assim como eles, e muitos outros, usam as artes e a cultura para criar consciência e
compromisso em relação à água.
Circo, artes visuais, folclore, teatro, música e dança. É
possível sensibilizar por meio da arte?
Inspirados pela criatividade do Cirque du Soleil ® e por seu
compromisso social há muitos anos, temos como princípio o fato de que através das artes e da cultura é possível
contribuir para mudar o mundo. O enfoque da arte social
utiliza uma combinação de teatro, circo, música, poesia e
multimídia para informar, sensibilizar e mobilizar indivíduos
e comunidades em relação às questões ligadas à água por
todo o mundo.
DE OLHO NA AMÉRICA LATINA
A Fundação Onde Drop derrama suas ações na região.
NICARÁGUA. Em Estelí, desenvolve um projeto para melhorar o acesso à
água, aumentar níveis de saúde e produção agrícola, além de garantir segurança alimentar. Este projeto impacta 1,2 mil famílias e deverá beneficiar
10 mil pessoas. Conta com um orçamento de US$ 4,4 milhões e um avanço
de 65%.
Fotos: Cirque du Soleil
HONDURAS. A bacia do rio Guacirope enfrenta a seca. Esta região montanhosa está desflorestada, o que reduz a capacidade do solo para retenção
de água e gera baixos rendimentos agrícolas, pobreza, problemas de saúde e
deterioramento ambiental. Este projeto beneficia mil pessoas e prevê atingir
mais de 15 mil pessoas. Seu orçamento é de US$ 5 milhões e um avanço
de 20%.
EL SALVADOR. O projeto é desenvolvido no Departamento de Francisco
Morazán e deverá ser iniciado em julho deste ano. Seu objetivo consiste em
criar uma unidade de microcrédito para projetos de água e saneamento.
HAITÍ. Os detalhes para fazer parte do plano de reconstrução e reabilitação
da ilha – que deve ter início ainda este mês - estão em andamento. O objetivo será unificar programas para garantir acesso à água nas populações
afetadas pelo terremoto.
Aqua Vitae 39
Foto: www.state.gov/secretary
INTERNACIONAL
Aqua
Vitae
Aqua
Vitae
4040
Água
como sinônimo
de desenvolvimento
e entendimento internacional
UM TEMA PARA A
AGENDA DIPLOMÁTICA
Durante a celebração do Dia Mundial da Água, a Secretária de Estado
dos Estados Unidos foi clara ao destacar perante os membros da
Sociedade Geográfica Nacional os compromissos do governo
Barack Obama com os recursos hídricos.
Por HILLARY CLINTON
Secretária de Estado dos Estados Unidos
S
em dúvida, o tema água merece a atenção que está recebendo atualmente por definir, em muitos aspectos, a
existência de nosso Planeta Azul. Este elemento é de vital
importância para quase todas as atividades humanas,
desde a agricultura e indústria, até a produção de energia. Assim
como o ar que respiramos, a água é vital para a saúde das pessoas
e das comunidades. Num sentido literal e figurado, a água representa a fonte da vida na Terra.
A água também pode trazer devastação, pois as secas impactam
mais pessoas que todos os desastres naturais combinados. As inundações, assim como o acesso inadequado à água, ao saneamento
e à higiene causam a morte de mais de 1,5 milhão de crianças
por ano. Estes desafios hídricos são mais graves nas nações em
desenvolvimento, mas afetam qualquer território do nosso planeta.
Os especialistas prevêem que em 2025 quase dois terços dos
países do mundo terão dificuldades para ter acesso ao recurso
hídrico. Muitas fontes de água doce sofrerão com a pressão adicional da mudança climática e com o crescimento da população.
O acesso às fontes seguras de água potáveis é uma questão de
segurança humana e também de segurança nacional. É por isso
que, tanto o presidente Obama como eu, reconhecemos que os
problemas hídricos são essenciais para o sucesso de muitas de
nossas maiores iniciativas na agenda da política externa.
Do total do uso da água no mundo, 70% vai para a agricultura.
Por isso, promover a segurança alimentar depende de uma boa
política administrativa dos recursos hídricos. As inundações e as
secas podem acabar com os cultivos e com as economias que
dependem da agricultura.
Também estamos trabalhando no aumento do poder das mulheres de todo o mundo porque, dependendo do continente sobre o
qual estivermos falando, a média de mulheres agricultoras chega
a 60%. Além disso, as que não têm acesso aos serviços de saneamento devem caminhar durante horas por dia só para localizar e
levar água, quando seria mais proveitoso investir tempo e energia
em suas famílias e comunidades.
Parte do problema está na adaptação da mudança climática e seus
impactos na água. À medida que a Terra esquenta, os padrões
de chuva podem mudar e com eles os novos padrões de secas e
inundações.
Aqua Vitae 41
‘‘
‘‘
Queremos identificar oportunidades estratégicas
para trabalhar com empresas privadas e levar seus
conhecimentos técnicos e capital para vencer os
desafios enfrentados pelo setor hídrico.
Passamos muito tempo trabalhando em temas como terrorismo,
controle de armamentos e proliferação nuclear. Estes são, evidentemente, temas importantes que merecem nossa atenção. Mas o
da água é diferente. Para os Estados Unidos, a água representa
uma das grandes oportunidades diplomáticas de nosso tempo,
que permitirá salvar milhões de vidas, garantir a segurança alimentar, promover nossos interesses de segurança nacional, proteger o meio ambiente e demonstrar para milhares de pessoas
que os Estados Unidos se preocupam com elas.
CINCO CORRENTES PARA SEGUIR
Quero destacar cinco correntes de ação que dão nosso enfoque
para os desafios hídricos.
- Em primeiro lugar, fortalecer a capacidade a nível regional,
local, nacional e internacional. Os países e as comunidades devem
tomar a iniciativa para assegurar seu futuro. Estamos buscando
uma maneira de trabalhar com sócios internacionais que estimulem soluções para fortalecer o setor hídrico e de saneamento. A
Corporação de Desafio do Milênio está apoiando os países que
se comprometem a fazer reformas necessárias, melhorar a governabilidade e assumir os desafios de desenvolvimento referentes à
água. A Agência de Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID)
está trabalhando nas bases e com os ministérios nacionais, para
melhorar a governabilidade e a criação de capacidades.
Temos que fortalecer os mecanismos regionais de cooperação
para a gestão dos recursos hídricos que transcendem as fronteiras nacionais. Há mais de 260 bacias hidrográficas fluviais no
mundo que fluem através das diferentes nações. Mas não podemos resolver isoladamente os problemas hídricos destes países.
Devemos ver cada bacia hidrográfica ou lençol freático como uma
oportunidade para realizar uma cooperação internacional maior.
42 Aqua Vitae
A bacia hidrográfica do Rio Nilo, por exemplo, é o lar de 180
milhões de pessoas espalhadas ao longo de 10 países da África
Oriental. Muitas destas nações se encontram sumidas na pobreza
e sete delas têm vivido conflitos recentes. Os especialistas estimam
que a gestão cooperativa dos recursos hídricos na bacia hidrográfica poderia aumentar seu crescimento econômico, tirá-las da
pobreza e assentar as bases para uma maior estabilidade regional.
- Em segundo lugar, é preciso redobrar os esforços diplomáticos
e obter uma melhor coordenação. Mais de 24 agências da ONU e
outros organismos intergovernamentais e multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, dedicam-se a temas hídricos.
O trabalho destes organismos, pouco a pouco, vem sofrendo de
uma enorme falta de coordenação e atenção. A Declaração Conjunta da Cúpula do G8 em Áquila (Itália) enviou uma mensagem
sobre a prioridade dos problemas hídricos para a comunidade
internacional. Nós nos comprometemos a dar seguimento e apresentá-los às organizações intergovernamentais, instituições financeiras internacionais e outros organismos regionais e mundiais.
- O terceiro elemento de nossa estratégia frente ao problema
hídrico é a mobilização de apoio financeiro. Já vimos como subvenções relativamente pequenas podem ter um enorme impacto
na segurança hídrica. Há dez anos, no Equador, a USAID começou
a prestar assistência técnica, apoiando a criação de um fundo
fiduciário de água para a futura proteção das bacias hidrográficas
de Quito. Atualmente, graças ao trabalho de numerosos associados, esse fundo chegou aos US$ 6 milhões, sendo outorgados
US$ 800 mil por ano para os esforços de conservação. Outras
subvenções estão voltadas ao apoio de projetos de saneamento,
higiene ou para a melhoria de qualidade da água, envolvendo
tecnologia de pequena escala, tais como a de purificação da água
doméstica.
‘‘
‘‘
A Declaração Conjunta da Cúpula do G8 em Áquila (Itália)
enviou uma mensagem sobre a prioridade dos problemas
hídricos para a comunidade internacional. Nós nos
comprometemos a dar seguimentos a eles.
- Em quarto lugar, é preciso aproveitar o poder da ciência e da
tecnologia. Foi possível obter êxito com soluções simples, tais
como filtros de cerâmica e desinfetantes de cloro. Mas a ciência e
a inovação podem ter um impacto ainda maior em várias outras
áreas. Os pesquisadores que trabalham nas agências dos EUA
descobriram melhores técnicas para a desinfecção e o armazenamento de água potável, para a previsão de inundações e secas e
para melhorar a produtividade da água destinada à alimentação
e ao crescimento econômico. Também temos visto avanços em
novas tecnologias para o tratamento de águas residuais, dessalinização e uso de sistemas de informação global. Temos que trabalhar mais arduamente para compartilhar estes conhecimentos
com o resto do mundo.
- É por isso que o aspecto final de nossos esforços relativos à água
consiste em ampliar o alcance de nossas associações. Combinar
nossos pontos fortes e esforços com o trabalho de outros. Assim,
teremos resultados superiores à soma das partes. Organizações
filantrópicas privadas, tais como a Fundação Bill e Melinda Gates,
o Conrad N. Hilton Foundation e o Rotary International também
estão cada vez mais comprometidas com a água e o saneamento.
Queremos identificar oportunidades estratégicas para trabalhar
com empresas privadas e utilizar seus conhecimentos técnicos e
capital para vencer os desafios enfrentados pelo setor hídrico.
A canalização destas cinco correntes de ação, cujo objetivo é criar
um rio poderoso, capaz de se estender por todo nosso programa
diplomático, não será fácil de ser realizada. Mas, felizmente,
temos uma equipe adequada para o trabalho. Enquanto nos deparamos com este desafio, uma coisa deverá perdurar: o compromisso dos Estados Unidos com os problemas hídricos. Estamos
nisto a longo prazo. Temos de fazer isso por nós mesmos e pelas
gerações futuras.
(O artigo completo está em: www.state.gov/secretary/rm/2010/03/138737.htm)
Aqua Vitae 43
SITES DE INTERESSE
www.atl.org.mx
www.capnet-brasil.org
www.womenforwater.org
O PORTAL DA ÁGUA DO MÉXICO – Atl
REDE BRASILEIRA DE CAPACITAÇÃO EM
WOMEN FOR WATER PARTNERSHIP
A palavra Atl provém do náuatle (ou asteca)
RECURSOS HÍDRICOS – Cap-Net Brasil
O Mulheres pela Água tem sede na Holanda
e significa ‘água’, ‘fonte de vida’. Este portal
Formada em 2005, a rede foi integrada à
e trata-se de uma rede internacional de or-
apresenta espaços de discussão, sites de
rede mundial Cap-Net (Rede Internacional
ganizações femininas com presença em
busca especializados com base em dados
para Capacitação no Manejo Integrado de
aproximadamente 100 países do mundo.
de governos federais, estaduais, municipais,
Recursos Hídricos) e tem o patrocínio da
Estas organizações contribuem para po-
órgãos internacionais, instituições acadêmi-
Agência de Cooperação do Programa das
tencialização da mulher e da luta contra a
cas, empresas do setor e público em geral,
Nações Unidas para o Desenvolvimento. O
pobreza a partir da água e do saneamento.
oferecendo informação em formato multi-
objetivo é atender à crescente demanda
A organização ajuda seus membros na ela-
mídia e capacitação online. O site é adminis-
de capacitação em gestão integrada de
boração e execução de suas propostas
trado pelo Instituto Mexicano de Tecnologia
recursos hídricos, especialmente no Brasil e
de projetos mediante a busca de financia-
da Água e tem como objetivo divulgar
em países de língua portuguesa. É possível
mento, conselhos de especialistas, doa-
conhecimentos e tecnologia produzidos
ter acesso a materiais, artigos, tutoriais para
ções, redes de trabalho e assessoramento
no México e no mundo, para o aproveita-
capacitação no tema, redes de trabalho e
técnico, legal e financeiro.
mento sustentável e a gestão integral dos
banco de dados.
recursos hídricos.
www.aguasustentable.org
www.irha-h2o.org
www.internationalrivers.org
ÁGUA SUSTEntável
INTERNATIONAL RAINWATER HARVESTING
INTERNATIONAL WATER MANAGEMENT
O Água Sustentável é uma ONG sem fins
ALLIANCE (IRHA)
INSTITUTE (IWMI)
lucrativos, com sede em La Paz e Cocha-
A Aliança Internacional para a Gestão
É um dos 15 centros internacionais de
bamba (Bolívia). Desde 2005, trabalha
de Água da Chuva (IRHA) foi criada em
pesquisas ligadas ao manejo hídrico,
com organizações sociais, realizando
Genebra, em novembro de 2002, após
apoiado por uma rede de 60 governos,
análises e propostas técnicas para a
as recomendações formuladas durante a
fundações e organizações internacio-
constituição jurídica dos direitos sociais
Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
nais e regionais conhecidas como Grupo
de acesso, gestão e uso da água e do
Sustentável, realizada em Johanesburgo,
Consultivo sobre Pesquisa Agrícola Inter-
meio ambiente. As ações estão voltadas
com o objetivo de criar condições para
nacional (GCIAI, por suas siglas em espan-
para a pesquisa, incidência, capacitação
captação de águas pluviais e promovê-
hol). Trata-se de uma organização sem fins
e gestão técnica a nível internacional, na-
las como um recurso valioso. Com a
lucrativos, cuja missão é melhorar a ges-
cional, regional e local, por meio das fa-
colaboração de organizações e espe-
tão da terra e dos recursos hídricos para
cilidades de diálogo entre os atores que
cialistas mundiais, esta Aliança influen-
a alimentação. Seu trabalho se baseia nos
usam, vivem e trabalham com a água e as
cia, promove e transfere conhecimentos
desafios enfrentados pelas comunidades
diversas instituições estatais, acadêmicas
e tecnologia de aproveitamento da água
pobres nos países em desenvolvimento
e ambientalistas.
da chuva, bem como formas de enfrentar
e visa ajudá-las a atingir os Objetivos de
problemas de abastecimento para con-
Desenvolvimento do Milênio (ODM) liga-
sumo e usos agrícolas ou industriais.
dos à água, reduzindo, assim, a pobreza,
a fome e mantendo são o meio ambiente.
44 Aqua Vitae
AS MASSAS HUMANAS
MAIS PERIGOSAS SÃO
AQUELAS EM CUJAS
VEIAS FOI INJETADO O
VENENO DO MEDO...
DO MEDO À MUDANÇA.
Octavio Paz (1914-1998) Poeta e ensaísta mexicano.
TENHA ACESSO À MAIS
RELEVANTE FONTE DE
INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA,
FOTOGRAFIAS E
IMAGENS SOBRE ÁGUA
DA AMÉRICA LANTINA
Envie seu nome|Empresa ou Orgnanização|E-mail|Cargo|País
para [email protected]
AnO 6 | 2010 | N°11

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