Baixar arquivo - antiguidades são roque

Transcrição

Baixar arquivo - antiguidades são roque
_ 134
PARTE 06 MARFINS
Retábulos Portáteis
A imaginária indo - portuguesa em marfim é
constituída, na sua maioria, de esculturas de
vulto perfeito, isoladas e avulsas, executadas
em presas de elefante ou rinoceronte
provenientes da costa oriental africana ou
do Ceilão. São menos comuns as placas com
baixo - relevo, seguindo os modelos medievais
de retábulo portátil.
A escultura em marfim é o resultado das
campanhas missionárias na Índia, que
recorriam a artistas locais para a execução
de imagens cristãs, a partir de modelos
em madeira ou de gravuras importadas da
Europa. Assim nasceu uma profusa produção
de imagens em marfim que procurava
responder, tanto a uma política proselitista
de conversão das populações locais, como ao
gosto pelo exotismo nas cortes europeias, ou
até mesmo nos aposentos conventuais, para
devoção privada.
A extensa reprodução de imaginária em marfim, de
modo particular das placas em baixo ‑ relevo,
prende-se com a fácil portabilidade, dado
o seu carácter bidimensional, útil aos
missionários e a todos aqueles que eram
obrigados a ceder às movimentações
comerciais, diplomáticas ou evangélicas. Estes
pequenos retábulos representam, em larga
escala, cenas narrativas das vidas dos Santos
ou alusivas à vida da Virgem, Infância de
Jesus ou Paixão de Cristo.
Tratando-se de peças de pequeno porte, facilmente
transportáveis, viajavam em elevado número,
através dos fluxos comerciais que unem a
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Índia, o Ceilão, a China, o Japão, a Indonésia,
as Filipinas, o México e também o Brasil, dada
à rápida difusão de iconografia cristã, mas
também a uma determinada sedução pelo
exótico. Para responder a uma tão grande
procura por parte dos missionários e mercadores
europeus, inúmeras oficinas estabeleceramse em redor das principais igrejas, mosteiros,
conventos e portos comerciais.
Se na maioria dos casos estas peças eram
talhadas a partir de uma presa única, caso
das esculturas icónicas da Virgem ou dos
Santos, outras há que demonstram uma clara
conjunção e montagem de pequenas peças
entalhadas individualmente, como seja o caso
dos trípticos e das Árvores de Jessé.
As diferentes invocações de Nossa Senhora
coadunam-se com a espiritualidade indiana,
fortemente concentrada na devoção pelas
diferentes manifestações de Devi, a Deusa
Mãe, que vimos constituir um arquétipo
correspondente à Virgem.
O culto mariano teve uma especial receptividade na
iconografia de Trento, o que explica o elevado
número de esculturas de Nossa Senhora
existentes em altares, retábulos e placas, tanto
em Portugal como na Índia Portuguesa.
Efetivamente a Igreja, após a Contra‑Reforma, na
sua acérrima luta contra o protestantismo,
veio reformular a iconografia da
Virgem, alterando e diversificando a sua
representação. Assim, a partir do séc. XVII
passa a surgir isolada ou com o Menino nos
braços, assente sobre um crescente ou sobre
o orbe terrestre. A representação de Nossa
Senhora como Imaculada Conceição alude a
um dos privilégios da sua divina maternidade,
estando intimamente associada à figuração
da mulher apocalíptica envolvida em auréola
solar, com a Lua debaixo dos seus pés
(Apocalipse 12.1).
Após a vitória de Lepanto sobre os turcos, a Igreja
optou por interpretar o crescente da Lua
debaixo dos pés da Virgem Imaculada como
o símbolo do triunfo da Cristandade sobre o
crescente muçulmano.
As placas são seguramente das peças mais
importantes que se fizeram no Ceilão, no
âmbito da escultura ebúrnea, produzidas em
larga escala pelo fascínio que despertaram.
Vd. - D
IAS, Pedro; “Portugal e Ceilão”; 2006.
- LOPES, Rui O.; “Confluências da Arte Cristã
na Índia, China e no Japão, séc. XVI a XVII”; F.
Belas-Artes; U.L.
- “A Expansão Portuguesa e a Arte do Marfim”; F.
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1991; p. 83;
- FERRÃO, Bernardo, e TÁVORA, Fernando;
“Imaginária Luso-Oriental”; Imprensa Nacional;
Lisboa, 1983; p. 13.
- “ Tomás Pereira, Um Jesuíta na China de
Kangxi”; C. C. C. de Macau; Lisboa, 2009.
135 _
115. Placa de Nossa Senhora com o Menino
Marfim e ouro
Indo - portuguesa, séc. XVII
Dim.: 12,0 x 11,5 cm
Placa de marfim praticamente preenchida pelo
busto da Virgem com o Menino. Nossa
Senhora apresenta rosto afilado, olhos
amendoados, cabelos com madeixas, túnica
de pregueados leves e longo manto drapeado
sobre a cabeça. O Menino Jesus encontra-se
despido, sentado no braço direito da Virgem,
que tem na mão esquerda portuguesíssimos
cravos (B. Ferrão).
Nossa Senhora e o Menino estão resguardados por
cortinas ligeiramente drapeadas e sustentadas
por um friso em ziguezague, enquadramento
muito usual na Europa renascentista.
É interessante notar que as imagens em marfim
da Imaculada Conceição raramente são
apresentadas sem o Menino. Antes da
chegada dos missionários europeus à Índia
era popular o culto em torno dos episódios da
infância de Krishna e da sua mãe adoptiva,
Yashoda, consorte de Nanda. Confrontados
com a imaginária hindu e com o culto dos
princípios da maternidade e da figura de
Krishna, criança divina e avatar de Vishnu,
os missionários europeus encontraram um
paralelismo e similitudes formais e conceptuais
que poderiam facilitar a tradução simbólica da
iconografia cristã.
A imaginária em marfim corresponde a uma
preocupação Contra-Reformista na
representação das cenas da Infância de Jesus,
de uma espiritualidade refrescante e amorosa,
que vemos sobretudo nas representações de
Nossa Senhora com o Menino e nas imagens
do Menino Jesus (A. Curvello).
_ 136
PARTE 06 MARFINS
116. Placa de Nossa Senhora do Rosário
Marfim
Ceilão, séc. XVII
Dim.: 16,0 x 9,0 cm
Delicada placa em marfim, oblonga, limitada
por filete liso e rebaixe adequado ao encaixe
da moldura. No interior, pormenorizado
baixo-relevo, de lavrado baixo e apagado,
representando a Nossa Senhora do Rosário
com o Menino. A Virgem, encontra-se rodeada
por contas de um terço. Na mão direita segura
o Menino e na esquerda, com típica posição
canónica de dedos da arte hindu, segura uma
flor de lótus. O rosto comprido da Virgem é
hindu, assim como o penteado, de risco ao meio,
com cabelos soltos em grandes madeixas, sobre
ombros e costas. A túnica, onde a qualidade dos
panejamentos traduz-se de uma delicadeza e
pormenor característico dos exímios artesãos
cingaleses, remete para os saris indianos.
Os cantos superiores são preenchidos por dois anjos
volantes, de corpo inteiro que seguram o rosário,
e os inferiores por dois querubins alados com
feições muito frequentes na imaginária cingalesa:
rosto com boca apertada, nariz adunco, orelhas
frontalizadas, cabelo liso e quase rapado.
Esta imagem insere-se no núcleo de representações
típicas do século XVII que serviam de apoio
ao culto e prática do rosário. Em meados do
século XV o rosário começou a ser espalhado
na Europa pelas Ordens de São Bruno e dos
Dominicanos. Posteriormente, Alanus de
Rupe, importante teólogo católico apostólico,
encorajou que, o rosário fosse rezado perante
uma imagem de Cristo ou da Virgem Maria,
incentivo que levou a que fossem criadas
inúmeras séries de imagens narrativas.
Por volta do século XVII, período em que se insere
este exemplar, estas imagens e representações
tornaram-se bastante populares acabando
por ser inseridas na maior parte dos livros de
oração sob a forma de gravuras e ilustrações.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Durante a presença portuguesa no Oriente muitas
destas gravuras chegaram às mãos dos
artífices asiáticos que as copiavam para placas
de madrepérola e marfim ou, em muitos
casos, as adaptaram a esculturas votivas.
Este exemplar é fruto de uma intensa simbiose
artística que reúne a perícia e cânones
dos artistas cingaleses com as típicas
representações religiosas europeias do
séc. XVI / XVII.
Ex-coleção de Arthur Sandão.
137 _
117. Placa de Nossa Senhora do Rosário
Marfim
Sino-portuguesa, séc. XVII
Dim.: 13,4 x 8,4 cm
Relevo sino - português em placa de marfim com
Nossa Senhora e Menino, planando no espaço
celestial em plena glória, tendo aos seus pés a
meia-lua e rodeados pelas contas do rosário.
Está encimado pelo Padre Eterno que segura
o globo do mundo (símbolo de autoridade) e
rodeada por quatro anjos, dois anjos arautos e
dois a ladearem o rosário. Todas estas figuras
estão suportadas por nuvens com um recorte
fino e sinuoso, formando pequenos círculos
sobrepostos, num trabalho característico da
imaginária sino-portuguesa.
Curioso é constatar que Nossa Senhora e o Menino
seguram um terço, eles próprios emoldurados
por um rosário de contas e ladeados, por dois
Anjos na mesma representação, num total de
cinco alusões a este símbolo da igreja, o que
mostra a sua relevância na época, e à qual
também não é estranho o caráter miscígeno.
No canto inferior direito ajoelham-se devotamente
dois franciscanos descalços, de mãos postas
e rosto erguido, com a sua longa tonsura,
o hábito escorrido com o cinto de corda e a
murça com capucho; no canto contra-lateral,
São Francisco e São Jerónimo, prestam culto
à Virgem.
As imagens da Virgem sustentando o Menino
Jesus no braço direito e o rosário de contas na
mão esquerda, foram executadas em grande
número ao longo de toda a Índia Portuguesa,
incluindo no território cingalês, onde os
Portugueses chegaram em 1507, mas também
na China de onde são originários alguns dos
exemplares mais delicados.
Esta Nossa Senhora, também designada Nossa
Senhora do Rosário, destaca-se pela sua delicadeza
e elegância. É de assinalar a sua qualidade
artística de sabor clássico ou renascentista.
PARTE 06 MARFINS
118. Placa de Nossa Senhora do Rosário
Marfim
Indo-portuguesa, séc. XVII
Dim.: 10,5 x 6,0 x 25,5 cm
Relevo indo - português em placa de marfim
com imagem de Nossa Senhora segurando
o Menino, assente em base semi-hexagonal
decorada com três cabeças de anjos. A figura
de Nossa Senhora insere-se no crescente lunar
e está rodeada pelas contas de um terço, com
os Pai-Nosso em forma de rosácea e por quatro
cabeças de anjos.
O Menino, desnudo, apresenta o torso frontal e
pernas de perfil. Com a mão direita abençoa e, na
esquerda, ostenta a orbe terrestre, remetendo‑nos
para a figuração do Salvator Mundi.
A inserção do crescente lunar permite estabelecer
uma ligação com a conhecida iconografia da
Imaculada Conceição que, após o Concílio
de Trento (1545 /1563), ganhou um enorme
destaque em termos de culto. Esta temática
foi bastante difundida na imaginária em
marfim luso-asiática, nomeadamente pelas
ordens dos Franciscanos e Jesuítas, que muito
se dedicaram à evangelização.
Esta peça apresenta uma grande qualidade
escultórica, sendo de referir a sua rara dimensão.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
_ 138
139 _
119. Virgem com o Menino
Marfim
Cingalo-portuguesa, séc. XVII
Dim.: 20,3 cm
Belo e delicado trabalho escultórico em marfim
cíngalo - português. Nossa Senhora com coroa
aberta, de pontas serradas e aro com friso,
cabelos formando madeixa em ogiva nas
costas, em ondulado muito fino; face oval,
olhos amendoados e de boca sorridente. O
corpo é achatado, veste túnica com pregas
finas e gola rendilhada, com manto de orlas
caindo em sinusóides; o panejamento de
Nossa Senhora conflui num enlace tendo
como centro Jesus Menino, que segura na
mão esquerda. Na mão direita segura uma flor
de ashoka que oferece ao Menino.
A Ashoka é uma árvore sagrada quer na religião
budista quer na hindu. Foi debaixo desta
árvore qua a rainha Maya deu à luz um
príncipe, que viria a ser Buda.
Pela sua importância é a árvore nacional indiana,
representada na bandeira deste país e
ornamenta a maioria dos jardins de palácios
reais e templos sagrados. As suas flores são
perfumadas e nascem em cachos exuberantes.
A palavra Ashoka significa Iluminada, tal como a
Virgem. A sua representação iconográfica nesta
escultura é, sem dúvida, um belo testemunho
da miscigenação religiosa nestas paragens.
_ 140
PARTE 06 MARFINS
120. Nossa Senhora
Marfim com restos de policromia
Sino - portuguesa, séc. XVII
Dim.: 30,0 cm
A arte Cristã no Império do Meio desenvolveu-se
com a abertura da China ao comércio com os
Portugueses, durante as primeiras décadas do
séc. XVI.
D. Manuel, rei de Portugal, ordenou a Diogo
Lopes Sequeira que fizesse uma viagem
de exploração à península Malaia, para se
inteirar de todas as mercadorias que aí se
comercializavam e colher informações sobre
os chins. Foi o início das rotas comerciais
Malaca- Cantão, que abriram caminho a um
estreitamento das relações sino - portuguesas.
Um cuidado relacionamento com as autoridades
chinesas, sem no entanto incluir proximidade
com o Imperador, permitiu a autorização
para o estabelecimento dos portugueses na
península de Macau, em 1554.
A conquista espiritual da China foi conduzida por
padres e missionários, em particular jesuítas. A
China Ming tornou-se palco de um diálogo de
culturas e de um sincretismo religioso entre o
Cristianismo, o Budismo e o Taoismo, em que
a deusa Guanyin serviu de modelo e de suporte
artístico aos artistas chineses, para uma
iconografia cristã consagrada à Nossa Senhora.
Os chineses do sul, os que mais contactavam com
os europeus, eram hábeis nesta arte, desde
longa data, pelo que não é de estranhar que
tenham sido impelidos a trabalhar para esta
gente que, constituía um mercado nada
desprezível.
A diversidade e qualidade artística da China
permitiram que Macau se tornasse um
importante mercado artístico de exportação
de muitas imagens de marfim destinadas ao
culto cristão.
Vd. - DIAS, P.; “A Arte do Marfim”; Porto, 2004;
- LOPES, Rui O.; “Arte e Alteridade”; 2011.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Rara escultura em marfim sino - portuguesa,
presentando Nossa Senhora da Conceição,
que adapta a iconografia europeia da
Virgem à deusa chinesa Kuan-Yin, dadora
de filhos, forma feminina de bodhisattva
Avaklokiteçvara e que representa a suprema
compaixão de todos os Budas, na forma
corrente do final da dinastia Ming.
Trabalho de grande simplicidade e beleza
escultórica, apresenta rosto muito expressivo
denotando uma grande espiritualidade e
misticismo, características bem marcadas na
arte sino-portuguesa. A face é ovalada, com
olhos grandes, oblongos e amendoados, a
boca e o queixo pequenos e o pescoço alto.
Veste túnica singela, com manto cruzado,
pregas na manga e gola larga. A cabeça
pendente sobre o corpo e as mãos unidas em
atitude de oração, completam esta belíssima
representação de Nossa Senhora, acentuando
a atitude de grande serenidade que transmite.
São raras as esculturas de Nossa Senhora
sino-portuguesas, havendo muito poucos
exemplares conhecidos desta dimensão. Pela
sua grande qualidade escultórica, esta imagem
é um bom testemunho do tratamento
delicado e preciso das figuras religiosas na
arte sino - portuguesa. Obra- prima de artesão
chinês, esta imagem do séc. XVII é um
protótipo de suavidade, equilíbrio e beleza.
141 _
_ 142
PARTE 06 MARFINS
121. Menino Jesus Cingalês
Marfim
Cíngalo - portuguesa, séc. XVII
Dim.: 16,0 cm
Escultura cingalesa em marfim de Menino Jesus
Salvador do Mundo Bendizente, sobre peanha
de base quadrangular moldurada.
Perfeitamente enquadrada na arte dos artistas do
Ceilão, todo o tratamento desta peça é feita de
uma maneira delicada e precisa.
A face tem uma configuração afilada, os cabelos
apresentam belas madeixas torcidas rematando
em caracóis, todos iguais, testemunho da
excelência artística. Os olhos são amendoados,
o nariz fino de linha vagamente adunca, a
boca fina e pequena e com uma expressão
interiorizada e intemporal.
O torso é longilíneo, com um tamanho
sensivelmente idêntico às pernas, dedos longos
e afuselados, levantando dois dedos na mão
direita para abençoar o Mundo, e sustendo o
orbe terrestre na palma da mão esquerda.
A peanha é ricamente decorada com sulcos e vários
frisos de bicos-de-diamante. No colunelo
do meio, desenha retângulos de minúsculos
bicos-de-diamante, nas quatro faces, com a
minúcia característica da arte cingalesa.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
A iconografia cristã estruturou-se na clareza
didática das suas mensagens. No séc. XVII,
com o Concílio de Trento, a produção de
imaginária cresce em escala geométrica,
no momento em que a doutrina avança
pelo mundo através do trabalho das ordens
religiosas. Para facilitar a ação evangelizadora,
a Igreja adoptou uma política liberalista,
promovendo uma aproximação da iconografia
cristã com a linguagem artística dos povos a
serem convertidos.
A produção de objetos em marfim no Ceilão,
sempre superou a produção na Índia,
devido ao facto da sua população ser
maioritariamente budista e não sentir
relutância em utilizar produtos de origem
animal, ao contrário dos seus vizinhos hindus.
143 _
122. Santo António
Marfim
Cíngalo -português, séc. XVII
Dim.: 17,0 cm
Rara escultura de Santo António em marfim, sobre
peanha baixa com friso em bicos-de-diamante,
onde realçamos a posição do Menino Jesus
inspirada na Primeira Meditação de Buda.
Na cabeça o maneirismo da representação do
cabelo é marcado por goivadas e pela tonsura
forte com cabelos indicados por pequenas
incisões; a face é ovalada com olhos baixos,
numa expressão pensativa. As vestes são
tratadas duma maneira simples, o hábito bem
esculpido com a orla levantada e capuz caído
sobre as costas, características dos monges
franciscanos, apertando com o cinto de corda,
com pontas pendentes e nós que simbolizam
as virtudes.
Apresenta-se com os atributos clássicos: numa
mão segura o Menino Jesus sentado sobre o
livro e na outra seguraria certamente o ramo
de açucenas.
O Menino Jesus está presentado com a iconografia
de Salvator Mundi que abençoa os seus fiéis.
Os olhos do Menino estão semicerrados, a
expressão é calma e o sorriso hermético, de
concentração expectante e sentado sobre um
livro com as pernas fletidas o que denota
a sua forte inspiração oriental, baseada na
posição de Buda em meditação.
Santo António ingressou na Ordem dos Frades
Menores ou Pregadores, da qual usa o hábito e
tonsura. O milagre famoso de Santo António
foi a aparição do Menino Jesus ao Santo,
durante uma das suas orações. É por isso que
Santo António é representado com o Menino
nos braços. O facto de estar em cima do livro
(Bíblia) evoca a caraterística do Santo como
pregador do Verbo encarnado.
Vd. - FERRÃO, Bernardo e TÁVORA, F.; “Imaginária
Luso-Oriental”; Imprensa Nacional – Casa da
Moeda; Lisboa, 1983; p. 102.
_ 144
PARTE 06 MARFINS
123. Cristo Ressuscitado Desce à Terra
Marfim policromado
Indo-portuguesa, séc. XVI
Dim.: 15,5 cm
Fragmento de escultura de grande qualidade
e rara beleza, em marfim policromado,
representando Cristo ressuscitado descendo
à terra. Jesus Cristo surge com simples
panejamento na zona da cintura e capa aos
ombros, esvoaçante, sob o efeito da gravidade,
insinuando o movimento de descida.
É muito curiosa e original esta interpretação
da Ressurreição pelos artífices indianos,
como que se Jesus tivesse descido à terra,
constituindo um perfeito exemplo da
adaptação da iconografia cristã ao imaginário
destes povos orientais.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
124. São Sebastião
Marfim com policromia
Indo-portuguesa, séc. XVI / XVII
Dim.: 15,0 cm
Rara imagem de São Sebastião em marfim de
cachalote policromado. O Santo surge como
um jovem sumariamente vestido com uma
túnica à volta da cintura, amarrado a um
tronco e perfurado por três setas, uma em
pala e duas em aspa, que constituem o seu
símbolo heráldico. De realçar o fácies de
características autóctones, um belíssimo
exemplo de miscigenação, e acima de tudo, a
singularidade do material utilizado.
145 _
125. Cristo Crucificado
Marfim
Cingalo-portuguesa, séc. XVII
Dim.: 36,0 cm
Cristo Crucificado em marfim, com rosto sereno,
ovalado, quase que adormecido. Reúne todas
as características do extraordinário trabalho
e perícia dos escultores cingaleses. Os olhos
amendoados, o nariz fino e boca pequena
traduzem calma, tranquilidade e paz, pouco
comuns nesta temática. O corpo despido,
apresenta um singelo panejamento em torno
da cintura, cujas pregas surgem paralelas
entre si, bem definidas e pormenorizadas,
como é característico na arte do Ceilão.
Grande rigor e realismo anatómico, patente
não só na elegância dos arcos costais
e representação dos diferentes grupos
musculares e vasos sanguíneos mas, também,
nos sulcos das apófises posteriores das
vértebras e nos refegos das nádegas.
Vd. - FERRÃO, Bernardo e TÁVORA, F.; “Imaginária
Luso-Oriental”; Imprensa Nacional – Casa da
Moeda; Lisboa, 1983; p. 102.
_ 146
PARTE 06 MARFINS
126. Caixa de Escrita
Marfim
Índia, séc. XVII
Dim.: 7,0 x 24,0 x 6,5 cm
A caixa de escrita ou escritório, como o nome
indica, é um objeto destinado à escrita e que,
pelas suas reduzidas dimensões, é facilmente
transportável.
O uso da “escrivaninha portátil” era destinado aos
membros do clero, aos oficiais ministeriais e a
certos personagens ligados às leis ou às finanças.
Vd. - “Os Construtores do Oriente Português”; Ciclo de
Exposições, Memórias do Oriente; Porto, 1998;
- “Goa e o Grão-Mogol”; F. C. Gulbenkian; 2004.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Caixa de escrita em marfim de corpo liso e
tampa abaulada assente em pés de cartela.
No interior possui tabuleiro, lugar para
tinteiro e compartimento para outros objetos
necessários à caligrafia. Fecharia em prata.
Estas tipologias são características do império
Mogol, sendo oriundas dos grandes centros
de produção do Norte indiano.
127. Caixa
Marfim
Ceilão (?) Mogol (?), Séc. XVI / XVII
Dim.: 5,5 x 10,5 x 4,5 cm
Rara caixa em marfim com fino trabalho de
entalhamento, decorada com painéis de flores
e folhas e círculos secantes de elementos
vegetalistas que assentam em friso de
motivos geométricos. Tampa ligeiramente
abaulada, decorada com moldura vegetalista
e com dois círculos secantes, com flor e folhas
ao centro e duplo aro com folhas. Ferragens
em cobre dourado.
147 _
128. Caixa de Escrita
Marfim e prata
Ceilão (?) Mogol (?), Séc. XVI / XVII
Dim.: 5,0 x 23,5 x 6,5 cm
Caixa de escrita em marfim, em forma de baú, com
um compartimento grande para escrita e dois
pequenos para os tinteiros.
É precioso o trabalho escultórico, numa trama
muito apertada de elementos florais da
temática hindu, onde se destacam os
crisântemos e as folhas de palma.
Tampa ligeiramente abaulada, decorada com
painéis circulares de flores e folhas, rematada
moldura de folhas de palma; caixa com
o mesmo padrão que assenta num friso
geométrico em ziguezague.
Cantoneiras lanceoladas e fechadura em prata
dourada e gravada.
129. Caixa de Escrita
Marfim
Índia Mogol, Chanderi, séc. XVII
Dim.: 5,0 x 23,0 x 6,5 cm
Rara caixa de escrita, em marfim, do início do séc.
XVII, oriunda de Chanderi.
Caixa de corpo direito e tampa ligeiramente abaulada,
apresentando, em todas as faces pintura original
a laca e ouro, com um padrão característico
da região de Chanderi. Interior com prateleira
amovível, lugar para tinteiro e compartimento
para outros objetos necessários à caligrafia.
Fecharia e cantoneiras em prata.
Esta peça de rara beleza e patine, encontra-se
dentro das peças para escrita de maior
qualidade do período Mogol.
A pequena cidade de Chanderi situa-se nas montanhas
altas e secas na zona central do Norte da Índia
e é famosa pelos seus artífices e tecelões, que
encontram a inspiração para os seus padrões na
decoração dos templos em Chanderi.
_ 148
PARTE 07 COCO DE MER
Coco de Mer
O Coco de Mer, também conhecido como coco
das Maldivas ou das Seychelles, é um
curioso elemento natural que, desde sempre,
maravilhou e intrigou os colecionadores da
Europa renascentista.
Fruto da Lodoicea Sheycellas, espécie rara de
palmeira actualmente em vias de extinção,
existe apenas em duas ilhas do arquipélago
das Seychelles. No período em que estas ilhas
eram ainda desconhecidas e desabitadas,
estes cocos apareciam a flutuar nas zonas
costeiras do oceano Índico, principalmente
na região das Maldivas, razão pela qual foram
frequentemente apelidados Cocos das Maldivas.
O tamanho e forma pouco usual, aliados ao seu
misterioso aparecimento à tona de água, fez
com que fossem muito cobiçados quer no
ocidente, quer no oriente.
Fascinados pela sua forma sensual e erótica
apelidavam-no, frequentemente, Lodoicea
Callipyge, que deriva do grego bonitas ancas.
Foram criadas várias lendas e mitos em torno
destes intrigantes frutos que surgiam das
águas: a maioria dos pescadores acreditava
que eram provenientes de uma árvore
mítica localizada no fundo do oceano, com
propriedades mágicas e medicinais, como a de
antídoto para venenos.
O encanto por estes insólitos objetos levou a que
fossem muito disputados por colecionadores,
tanto na sua forma natural, como adaptados
a caixas ou recipientes, muitas vezes
enriquecidos com montagens e aplicações
em prata. Estas peças eram classificadas
como vegetalia e procuradas para integrar
as Câmaras de Curiosidades da Europa
renascentista.
Rodolfo II foi um dos grandes colecionadores
destes objetos. Possuía na sua coleção 20
exemplares, cinco dos quais com aplicações.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Daniel Fröschl em 1607/11, no inventário
da Kunstkammer do Imperador, refere duas
peças com montagens que, actualmente, se
encontram em Viena.
Apesar do enorme sucesso e procura, não é
conhecida a data da chegada do primeiro
coco de mer ao ocidente. Nas crónicas de
Diogo Couto, datadas de finais do séc. XVI,
há referência a estes frutos e ao trabalho
dos artesãos das oficinas goesas no seu
embelezamento.
Para além do grande apreço por parte dos
europeus, estes objetos foram muito
procurados no Médio Oriente. No Irão e
Golfo Pérsico tinham funções utilitárias, não
associados à ideia de luxo e relíquia: os cocos
eram divididos em metades, trabalhados,
esculpidos e adaptados a tigelas utilizadas
por pedintes para mendigar, ou a cantil,
permitindo a sua forma riniforme uma
perfeita adaptação ao flanco da barriga dos
viajantes, mercadores e peregrinos.
Vd. - CARVALHO, Pedro Moura; “Luxury for Export.
Artistic Exchange Between India and Portugal
around 1600.”; Isabella Stewart Gardner
Museum; Boston, 2008.
149 _
130. Caixa
Coco de Mer, madeira de teca e prata
Índia, séc. XVIII
Dim.: 17,0 x 30,0 x 14,0 cm
Caixa riniforme com base em madeira de teca e
tampa abobadada de coco de mer. O exterior
é profusamente decorado com delicados
relevos de motivos geométricos e vegetalistas,
formados na base por enrolamentos com
flores e na tampa por flores inseridas em
círculos intercalados por flor com pé ou
ramagens. Na parte superior da tampa existe
um medalhão liso de contornos rendilhados,
onde outrora terá figurado uma aplicação em
prata. Ferragens e escudete em prata.
Este objeto é um interessante exemplo das
inúmeras utilizações dos cocos de mer, neste
caso provavelmente a uma caixa de joias.
_ 150
PARTE 08 CONTADORES E GAVETAS ESCRITÓRIO
Contadores
e Caixas-Escritório
Este género de móveis e pequenos objetos
encontram-se entre os mais procurados pelo
mercado europeu. Consideradas peças de
grande requinte produzidas pelo Oriente
português são inspiradas em formatos europeus,
tanto autóctones como estrangeiros, que os
portugueses para lá enviavam.
Goa ocupou um papel de destaque na manufactura
destas peças, já que, para além de grande centro
de produção, era também uma das principais
zonas do seu comércio e transação. Inúmeros
exemplares eram recebidos de variadas
proveniências (nomeadamente China e Japão) e
depois encaminhados para o mercado de Lisboa.
A convivência de estilos artísticos e formas variadas
revelou-se de extrema importância, já que
permitiu a criação de novas estruturas e estilos
decorativos, simbioses da imaginária oriental
com as tipologias e estruturas europeias.
São muitos e variados os exemplares conhecidos
dos escritórios indo-portugueses, facto que nos
leva a concluir que eram bastante apreciados e
populares. Objetos de luxo, referidos em muitas
crónicas e inventários da época, eram muitas
vezes construídos e decorados com os mais
ricos materiais, aplicações de marfim, tartaruga,
madrepérola e pedras preciosas, sendo que estas
últimas, infelizmente, de difícil preservação,
quase não chegaram aos nossos dias.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Vd. - C
ARVALHO, Pedro Moura; “Luxury for Export.
Artistic Exchange Between India and Portugal
around 1600”; Isabella Stewart Gardner
Museum; Boston; 2008; p. 48/9.
- CASTILHO, Manuel; “Oriente, Ocidente”.
- “Encomendas Namban”; F. Oriente; Lisboa, 2010.
- “Exotica”; F. Calouste Gulbenkian; 2002.
- FERRÃO, Bernardo; “Mobiliário Português III - Índia
e Japão”; Lello & Irmãos Editores; Porto, 1990.
- JAFFER, Amin; “Luxury Goods from India, The
Art of the Indian Cabinet-Maker”.
- RAPOSO, F. Hipólito; “A Expansão Portuguesa e
a Arte do Marfim”.
- “Um Olhar do Porto”, M. Quinta das Cruzes, 2005.
151 _
131. Contador de Mesa
Madeira, laca, tartaruga e metal
Japão(?), China(?), Séc. XVII
Dim.: 14,5 x 18,0 x 13,0 cm
Contador de mesa com duas portas, de pequenas
dimensões, em madeira leve. Caixa e portas
cobertas na sua totalidade com placas
translúcidas de carapaça de tartaruga. Por
baixo das placas é possível ver finas folhas
de ouro, com o intuito para obter mais
luminosidade e contraste.
Interior com quatro gavetas em laca negra com
decoração vegetalista a ouro. Tal como é
habitual neste tipo de objetos, a pintura e
materiais mais sensíveis ficavam no interior
para uma melhor proteção e conservação. Os
puxadores das gavetas estão assentes sobre
crisântemos. Fundos em madeira lacada todas
assinadas no tardoz.
A fechadura cujo espelho recortado é decorado
com elementos vegetalistas tem duas pegas
em forma de botão. Como é usual nos
contadores desta época, recebiam reforços em
metal cinzelado nos cantos, ou cantoneiras,
protegendo-os nas longas viagens para Lisboa.
A característica combinação da cor amarela
com manchas acastanhadas e o aspecto
translúcido obtido através de prolongado
polimento, conferem uma textura macia e
resistente ao tempo.
Entre os mais recuados objetos preciosos,
importados pelos Portugueses do Oriente
para a Europa, encontravam-se as peças feitas
ou decoradas com tartaruga.
Para os Japoneses a tartaruga, por viver
muitos anos, é um símbolo de paciência e
longevidade. Um mito oriental diz que se
o tsuru, a ave da felicidade, vive mil anos, o
Kame, a tartaruga vive dez vezes mais – e
todas as criaturas que vivem muito, atingem
um estádio de sabedoria e experiência muito
superior ao dos outros seres vivos. A tartaruga
expressa assim o desejo de vida longa para
quem a recebe.
Na tradição chinesa a tartaruga é um animal
enigmático a quem se atribui a guarda dos
segredos do céu e da terra, e a sua utilização
aqui poderá estar relacionada com a proteção
dos segredos e preciosidades guardados no
interior destas peças.
_ 152
PARTE 08 CONTADORES E GAVETAS ESCRITÓRIO
132. Escritório de Pousar
Madeira de teca, ébano e marfim
Malabar(?), Índia; séc. XVII
Dim.: 24,0 x 39,5 x 29 cm
Escritório de pousar com formato rectangular
e tampo de abater. Estrutura em teca e
ébano, com decoração de grande sobriedade
e equilíbrio.
Exterior com painéis em teca lisa, de bonita
tonalidade, delimitada por moldura em ébano
com delicados filetes em marfim. No tampo de
abater, grande escudete recortado, ladeado por
dois pingentes que facilitam a sua abertura e
nas faces laterais, pegas para transporte.
Interior com seis gavetas simulando sete. A
decoração segue o esquema exterior, agora com
as tonalidades invertidas, destacando‑se, duas
colunas balaustradas em marfim, encimadas
por arco de filete duplo na gaveta central.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Inspirados nos formatos de escritórios alemães
da segunda metade do séc. XVI, serviam
como móvel de escrita portátil: as gavetas
eram utilizadas para armazenar material
e documentos e o tampo como superfície
estável para a escrita. Por vezes também eram
utilizados para transportar objetos pessoais.
A produção deste tipo de peças foi muito
comum no mercado indiano de meados dos
séculos XVI / XVII, sob patrocínio português.
A decoração deste exemplar, bem como a técnica
de construção, são características da região de
Goa, como testemunham dois baús do século
XVII, da sacristia da Catedral Bom Jesus em
Velha Goa.
François Pyrard de Laval, que visitou a Índia
entre 1601 e 1611, refere estas tipologias: Ils
ont encore des cabinets à la façon d’Allemagne,
à pièces raportées de nacre de perle, ivoire, or,
argent, pierreries, le tout fait proprement.
153 _
133. Escritório de Mesa
Ébano, teca, marfim, jade e bronze
Guzarate ou Sind, séc. XVII
Dim.: 27,5 x 42,5 x 29,0 cm
Contador ou escritório de mesa, de forma
paralelepipédica e estrutura em teca, revestido
a ébano e marfim, com decoração em mosaico
sadeli e com tampo de abater, utilizado como
superfície para escrita.
O exterior está decorado na reserva central por
uma profusão de arcos de perfil islâmico, com
modelo mogol, debruados por um friso de
micro-losangos. A composição é primorosa e
cada painel de mosaico é concebido para tirar
o máximo proveito das cores contrastantes e
texturas dos materiais exóticos e valiosos.
No interior seis gavetas simulando nove, conferindo
uma perfeita simetria. O geometrismo
decorativo do exterior do contador contrasta
com o naturalismo da decoração vegetalista das
gavetas e do interior do tampo.
No interior da tampa, uma rica decoração de
folhagens estilizadas e pequenas folhas
em vírgula de marfim, característico das
oficinas mogóis. Nas gavetas, os pequenos
mosaicos sadeli, circundados por um friso
oval, contendo flores de Liz separadas por
micro‑triângulos em jade.
Fechadura e pegas laterais de ferro dourado. O
escudete da fechadura é recortado e vazado em
forma de águia bicéfala coroada, representação
do poder e a nobreza dos grandes impérios.
A temática decorativa deste móvel, desenvolvese num esquema simétrico. Os padrões
fazem lembrar os do Taj Mahal e de outros
monumentos mogóis, com decoração feita de
embutidos em ébano e marfim, de cor natural
e pintado de verde para contrastar, utilizando
a técnica sadeli (um trabalho de marchetaria
que reduz a madeira e o marfim a micro
pedaços que são posteriormente dispostos de
acordo com a forma desejada). Os dourados,
finíssimos filamentos de bronze, enfatizam a
expressiva e delicada linha do desenho.
A cultura portuguesa não deixou de se fazer
insinuar na arte mogol. E esta iria caracterizar
a influência portuguesa com estilo mais
requintado, numa abundância de detalhes
e numa minuciosa profusão decorativa e
cromática, multiplicando-se por elementos
de madeiras diversas e de marfins habilmente
coloridos e entalhados, estilo facilmente
referenciável quando se observa o trabalho
de embutidos do Taj Mahal, a obra-prima da
arte mogol, construída no séc. XVII por Shah
Jahan, neto de Ackbar.
_ 154
PARTE 08 CONTADORES E GAVETAS ESCRITÓRIO
134. Escritório de Mesa
Madeira, laca, ouro, madrepérola e metal dourado
Namban, Período Momoyama, (1601-1650)
Dim.: 43,0 x 64,0 x 34,0 cm
Contador Namban em madeira, de formato
paralelepipédico, com tampo de abater,
onze gavetas e um nicho central no interior,
revestido a laca negra e decorado a ouro com
incrustações de madrepérola.
Estrutura em madeira de criptoméria do Japão,
particularmente leve, lacada a negro (uruxi) e
decorada com motivos vegetalistas luxuriantes:
flores e folhagem, enquadrados por faixas
decorativas de padrão geométrico, que
emolduram as composições. São pintadas a
dourado, através de aplicação de pó de ouro
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
e prata (maqui é) e apresentam incrustações
de madrepérola (raden). A decoração é densa
com enrolamentos de folhagem e flores de
damasqueiro do Japão, manifestando horror vacui,
característica muito comum na arte Namban.
No interior, as gavetas têm tamanhos diferentes e
envolvem um nicho central, com arco superior
relevado, próximo aos modelos ibéricos
coevos. Todas as gavetas têm decoração
vegetalista envolvida por moldura com
decoração de gavinhas ziguezagueantes e os
puxadores são de “botão” com espelho em
forma de crisântemo. No exterior, reservas
com paisagens: árvores e plantas, rochedos,
rios, animais e casas sobre estacas.
Ferragens da época em cobre gravado e dourado;
fechadura de espelho recortado, decorado com
elementos florais; faces laterais e o tampo
rematados por cantoneiras; asas nas ilhargas,
pormenor que nos remete para o carácter
móvel destas peças.
155 _
O período em que os Portugueses estiveram no
Japão, 1543 a 1639, ficou marcado por duas
manifestações artísticas: a arte Namban e a
arte Kirishtan (arte Cristã).
A arte Namban, fruto do impacto causado
pelos Portugueses, nanban-jin ou bárbaros
do sul, reflete a nível estético os contactos
estabelecidos com uma curiosa representação
destes estranhos seres, feita pelos artistas
japoneses, de uma forma quase que
caricatural, expressão artística bem patente
nos biombos.
A arte Kirishtan está ligada à missão
evangelizadora, sob a ação dos Jesuítas.
“Se os Europeus estavam interessados em conhecer os
Japoneses, também era verdade que os Japoneses
estavam fascinados pelos Europeus, os estranhos
homens de narizes compridos e armas de fogo que
haviam chegado às ilhas vindos do outro lado do
mundo.” (Manuel Castilho).
Os Contadores Namban eram manufacturados
para exportação, baseados em modelos
portugueses ou europeus, mas recorrendo
à tecnologia indígena. Para além de se
destinarem a guardar objetos valiosos eram
considerados, em si mesmos, preciosidades,
pela riqueza do trabalho de manufactura e dos
materiais preciosos utilizados.
_ 156
PARTE 08 CONTADORES E GAVETAS ESCRITÓRIO
135. Gaveta Escritório
Madeira de teca e marfim
Indo-portuguesa, séc. XVII
Dim.: 14,5 x 40,0 x 29,0 cm
Gaveta escritório com formato de paralelepípedo
e gaveta única. A decoração, com profuso
trabalho em marfim, apresenta motivos
vegetalistas – flores e ramagens com folhas
em forma de vírgula – do tipo árvore da vida,
distribuídos na tampa numa reserva central,
e nos cantos em quartos de círculo. Frente
com elegante escudete rendilhado, ladeado
por dois painéis rectangulares também com
a árvore da vida. Lados e tardoz com moldura
de flores, existindo nas faces laterais pega em
ferro ladeada por círculo com rosácea central.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Este padrão é característico das oficinas
mogóis do norte da Índia, sendo pouco usuais
neste tipo de gavetas.
A gaveta apresenta, no compartimento superior,
divisórias para material de escrita. Na parte
inferior duas gavetas laterais, com fechaduras
e escudetes em forma de coração, escondem
pequenos segredos.
157 _
136. Gaveta Escritório
Teca, sissó, ébano e marfim
Índia Mogol, séc. XVII
Dim.: 17,5 x 43,0 x 32,0 cm
Escritório de formato rectangular em teca,
contendo uma gaveta que ocupa todo o
seu interior. É composta por três divisórias
estreitas na frente da gaveta – para o tinteiro,
as penas e o areeiro – sendo o restante
espaço para o papel e outros valores. Sob as
três divisórias oculta-se um segredo: uma
gavetinha com o comprimento equivalente à
frente da gaveta, com o escudete da fechadura
em forma de coração.
Em todas as faces apresenta decoração geométrica
embutida, criando efeito padrão: círculos
concêntricos em sissó que se intersecionam,
losangos e estrelas, ponteados de cavilha em
marfim. Molduras largas em sissó cavilhadas
rematam as faces e a frente da gaveta.
Salientamos o jogo “claro-escuro” obtido pelos
vários tons dos embutidos
Apresenta dois puxadores de marfim em forma de
botão e a fechadura, sem escudete, é debroada
por várias ânforas concêntricas; assenta sobre
quatro pés de bolacha.
Este tipo de decoração geométrica patente em
várias peças indo-portuguesas, traduz a
presença islâmica na costa do Malabar
refletindo claramente a complexa fusão de
influências artísticas no solo indiano.
_ 158
PARTE 08 CONTADORES E GAVETAS ESCRITÓRIO
137. Gaveta Escritório
Madeira de teca e ébano
Indo-portuguesa, séc. XVI / XVII
Dim.: 19,5 x 42,5 x 31,5 cm
De tipologia semelhante à anterior, embora de
uma só gaveta, com divisórias para tinteiro e
material de escrita.
Decoração com padrão geométrico em ébano, que
se destaca do fundo claro em teca com bonita
tonalidade. Na face superior e tardoz sobressai
uma grande rosácea central e nos cantos formas
geométricas estilizadas relembram flores-de-lis.
As restantes faces apresentam o mesmo tipo de
padrão e a frente possui um delicado escudete
em latão dourado, ladeado por dois puxadores
circulares. Pegas laterais para transporte.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
A gaveta, única, possui compartimento superior
com duas divisórias quadradas para tinteiro
e areeiro, e outra rectangular –­ com tampa
e escudete em forma de coração – para
utensílios de caligrafia, sendo o restante
espaço aberto. Por baixo, duas gavetas laterais
escondem pequenos segredos.
O trabalho de embutidos em sissó ou ébano
sobre teca, tirando partido do contraste da
madeira escura sobre outra mais clara, com
recortes de desenho europeu (derivados da
flor-de‑lis), é frequente nos escritórios de
viagem. Os estudos mais recentes atribuem
esta decoração ao final do século XVI, início
do século XVII.
159 _
138. Gaveta Escritório
Madeira de teca e ébano
Indo-portuguesa, séc. XVII
Dim.: 21,5 x 40,5 x 32 cm
Gaveta escritório de formato rectangular, com
estrutura em teca e ébano, profusamente
decorada. Na face superior, um círculo central,
preenchido por rosácea e limitado por anel
de padrão geométrico, é rodeado por intenso
padrão vegetalista de ramagens ondulantes
que termina em moldura com losangos. Nas
faces laterais e tardoz, ânfora central, da qual
parte um exuberante trabalho de embutidos,
com enrolamentos estilizados e ramagens
que terminam em flores. Frente com três
gavetas, simulando quatro, simétricas. A
gaveta superior ocupa o comprimento total
da peça e no seu interior existem pequenas
divisórias, com separador para tinteiro e
areeiro. Escudetes, pingentes das gavetas
e cantoneiras em cobre recortado e vazado
dourado e rendilhado. Pegas de transporte
torneadas em cobre dourado.
Este tipo de escritório era destinado ao transporte
e armazenamento de materiais de escrita,
como testemunham os compartimentos no
seu interior.
_ 160
PARTE 09 ARMAS ORIENTAIS
Armas Orientais
Para além da sua dimensão bélica as armas no
Oriente, estiveram, desde sempre, fortemente
associadas à esfera das tradições e costumes
religiosos. No caso do subcontinente indiano
são inúmeros os exemplares que seguem esta
norma, nomeadamente aqueles que se inserem
dentro do contexto hindu e islâmico. Aqui, as
armas não são apenas e só objetos bélicos mas
funcionam também como símbolos religiosos,
de riqueza e estatuto social.
A bem sucedida expansão do Islão, iniciada em
meados do século VI e os seus ensinamentos
espalharam-se por diversas regiões do
oriente, obtendo um importante impacto no
desenvolvimento de variadas comunidades
orientais. Observou-se uma miscigenação
e fusão de diferentes influências e estilos
artísticos, facto que originou estruturas e
características muito específicas.
As armas devem ser interpretadas e analisadas
segundo uma dimensão religiosa, relacionada
com o nascimento do Islão e a vida do próprio
profeta, já que este e os seus ensinamentos
moldaram as respectivas sociedades, e sua
relação com este género de objetos fortemente
associados à noção de Jihad (Guerra Santa)
defendida pelo profeta e Corão. Assim as armas
têm uma forte dimensão religiosa, o que acabou
por pautar e influenciar toda a sua produção.
No caso do subcontinente indiano foi durante
o domínio islâmico do Império Mogol, que
dominou a maior parte do território entre
os séculos XVI e XIX, que a armaria atingiu
o seu maior esplendor. O gosto por refinado
armamento e objetos preciosos atingiu,
aqui, o seu mais alto nível. O trabalho do
armeiro passou a ser associado ao dos ourives,
esmaltadores, joalheiros e lapidários de
pedras preciosas, originando os mais belos e
requintados exemplares
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Estes governantes foram fortemente influenciados
por culturas vizinhas, nomeadamente
a hindu e persa. Como tal, apesar de a
maior parte destes itens ser executada
nas karkhanahs (oficinas) mogóis, grande
número de exemplares eram provenientes
do Hindustão e Irão. Devido a este enorme
fascínio pelo trabalho dos artífices vizinhos,
foram inúmeros os artesãos estrangeiros que
trabalharam no seio da corte mogol, onde
iniciaram uma produção que veio acompanhar
e assimilar os mais diversos estilos.
A maior parte dos exemplares que hoje se
conhecem são de tal elevado grau de requinte
que mais parecem tratar-se de joias e adornos,
tendo a sua função original de defesa quase
que um papel secundário e simbólico, nunca
perdendo a sua funcionalidade letal.
161 _
Adagas Mogóis
As adagas ocupam um importante papel
na história da armaria indiana e no
desenvolvimento do Império Mogol. Foi
durante este período, nomeadamente
durante o reinado de Akbar – o Grande
(1556 /1605), que grande parte dos modelos
mogóis foi desenvolvido.
Existe uma vasta variedade de adagas na Índia,
destinadas ao combate ou ornamento pessoal,
derivadas de influências persas e islâmicas.
Símbolos de poder, muitas são verdadeiras obras
artísticas. Algumas em jade e cristal de rocha
com pedras preciosas, outras com o cabo
totalmente coberto de gemas, serviam para
uso dos vaidosos Imperadores.
Vd. - “Rituais de Poder. Armas Orientais. Coleção de
Jorge Caravana”; Caleidoscópio – Edição e Artes
Gráficas; Portugal; 2010.
- PAUL, E. Jaiwant, “Arms and Armour. Traditional
Weapons of India.”; Lustre Press – Roli Books; 2006.
- “Splendeur
des Armes Orientales”; ACTE – EXPO;
Paris; 1988.
139. Ponteira de Bainha de Adaga
Ouro, 24 Kt.
Indo-português, séc. XVII
Dim.: 11,5 cm
Peso: 46,0 grs.
Ponteira de bainha em ouro maciço. A sua forma
arredondada sugere que tenha pertencido a
uma adaga de influência europeia, tipo cabo
de pistola, introduzida na Índia em meados do
séc. XVII e muito apreciada nas cortes mogóis,
particularmente popular durante o reino do
Imperador Aurangzeb.
Com superfícies completamente trabalhadas e
ricamente cinzeladas com finos motivos florais
de gosto oriental, numa verdadeira obra de arte
de ourivesaria mogol e um exímio trabalho de
koftgari, sem uma única marca de solda.
Para além dos delicados relevos de decoração
vegetalista, cada face apresenta pavão ao centro,
exibindo a cauda em todo o seu esplendor,
simetricamente a partir das arestas, unidas por
uma moldura de pequeninas folhas.
Na religião hindu o pavão simboliza generosidade e magia
e as suas penas afastam os espíritos do mal.
Pela sua beleza e pelo facto de mudar de plumagem todos
os anos, é a ave nacional, apoteótica da Índia.
O notável trabalho de ourivesaria e excelente
acabamento desta peça, leva a crer que pertenceu
a alguém de elevado estatuto social.
Vd. - PAUL, E. Jaiwan; “Arms and Armour, Tradicional
Weapons of Índia”.
_ 162
PARTE 09 ARMAS ORIENTAIS
140. KARD, Adaga
Aço damasquino, ouro, rubis,
esmeraldas, diamantes.
Índia Moghol(?)/Irão(?), séc. XVI / XVII
Marca de posse: Sarker Mir Mubarak Khan Talpur
Dim.: 36,0 cm
Requintada adaga de um só gume, com lâmina
em aço damasquino. O punho apresenta um
extraordinário trabalho de incrustação de gemas,
com 222 rubis, 36 esmeraldas e 22 diamantes
em ouro de 24k, formando na zona central
uma flor de sete pétalas. As zonas laterais do
encaixe exibem delicados frisos a ouro cinzelado
com requintados motivos vegetalistas – flores
e folhas. A lâmina apresenta no bordo rombo,
junto ao punho, a inscrição: Sarker Mir Mubarak
Khan Talpur, e perto da ponta, uma pequena
reentrância rectangular, decorada com gravados
a ouro, para aumentar a sua eficácia.
Este tipo de adagas, de linhas rectas, com lâmina
de um só gume e punho sem guarda, são
vulgarmente designadas por Kard e utilizadas
como arma ofensiva, apresentando sempre a
ponta reforçada.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
No formato e decoração deste exemplar são
visíveis as influências e características
persas que pautaram muita da arte típica do
Império Mogol. As suas origens remontam
à Pérsia, com a qual mantiveram intensas
relações diplomáticas e comerciais. Humayun,
em finais do século XVI, chegou mesmo a
refugiar- se no Irão após ter sido derrotado
por Sher Shah Suri. Esta adaga poderá ter sido
levada para o subcontinente indiano durante
este período, ou ser fruto das produções
mogóis mais recuadas onde o gosto e cultura
pela estética persa eram comuns.
Estas armas de aparato, requintadamente
decoradas, com incrustações de pedras
preciosas tinham um importante papel no
cerimonial da corte imperial. Por norma
eram oferecidas pelo imperador aos nobres
163 _
e dignitários da corte como símbolo de
reconhecimento, aquando das vitórias em
campanhas militares.
A inscrição existente na lâmina refere-se a um dos
soberanos Talpur e terá sido acrescentada
posteriormente, no 3º quartel do século XVIII.
Os Talpur governaram o território de Sind,
atual Paquistão, de meados do século XVIII
até meados do século XIX. Por serem exímios
colecionadores de armas enviaram emissários
às cortes vizinhas, incluindo o Irão e a Índia
e, até à Europa, à procura de exemplares
recuados e da mais alta qualidade artística.
Peça sublime de ourivesaria, pelo seu aparato e
requinte estético, terá sido adquirida por Mir
Mubarak Khan para a sua exímia coleção, pela
sua beleza e qualidade, quer estética quer das
gemas utilizadas.
A inscrição remete também para a antiga tradição
de inscrever objetos mais antigos com o
próprio nome e título, originária do Irão,
com quem os Talpur estabeleceram intensas
relações diplomáticas, comerciais e artísticas.
_ 164
PARTE 09 ARMAS ORIENTAIS
141. Cabo de adaga
Jade
Índia, séc. XVII
Dim.: 11,5 cm (cabo); 3,0 cm (chape)
Cabo de adaga feito de peça única em jade
mutton fat decorada com delicados relevos
vegetalistas representando flores de lótus
inseridas em campo delimitado por pequenas
pétalas, com um padrão típico do reinado de
Sha Jahan (1628-1658). O chape – pequena
peça que decora a boca da bainha – possui o
mesmo esquema decorativo.
O jade foi, desde sempre, uma pedra muito
apreciada pelos povos asiáticos. A sua
utilização era frequente em objectos de
destacada importância, destinados às elites
locais. Os imperadores mogóis foram grandes
impulsionadores da sua utilização.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
165 _
142. KHANJAR, Adaga
Aço damasquino e jade verde-claro
Índia Mogol, séc. XVII / XVIII
Dim.: 35,0 cm
Khanjar com lâmina de duplo gume em aço
damasquino, ligeiramente curva. Punho, em
jade verde-claro, apresentando delicado relevo
com motivos vegetalistas – flores e folhas e o
característico formato de cabo de pistola.
O formato do punho, com extremidade curvada,
remete para as variadas influências artísticas
que se faziam sentir no seio das karkhanahs
(oficinas mogóis), onde a presença de artesãos
europeus era também frequente. O gosto
pelas estéticas europeias era muito apreciado
no seio da corte através dos inúmeros objetos
europeus que chegavam não só através das
ofertas diplomáticas mas, também, devido às
trocas e rotas comerciais. A forma de cabo de
pistola europeia tornou-se muito popular nas
adagas de aparato, principalmente durante o
reinado do Imperador Aurangzeb (1658-1707),
tendo-se estendido posteriormente a outras
épocas do império.
O jade foi muito utilizado na produção deste tipo
de peças e era frequentemente associado
a poderes sobrenaturais e qualidades
talismânicas, chegando mesmo a ser
apelidado como pedra da vitória.
_ 166
PARTE 09 ARMAS ORIENTAIS
143. Adaga Mogol
Aço, marfim, ouro e rubis
Índia Mogol, séc. XVIII
Dim.: 22,0 cm
Elegante adaga de formato delicado, com cabo
formado por placas lisas de marfim fixas por
rebites, enriquecido por faixa em ouro e rubis
perto da junção da lâmina com o punho.
A lâmina apresenta formato curioso em ferrão
de escorpião, assemelhando-se à das
tradicionais Bichawas.
Vd. - “ Rituais de Poder. Armas Orientais. Coleção de
Jorge Caravana.”; Caleidoscópio, Edição e Artes
Gráficas; Portugal; 2010; p. 132.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
167 _
144. KARD, Adaga
Aço damasquino, marfim de morsa,
ouro e rubis
Índia Mogol, séc. XVIII
Dim.: 33,0 cm
Kard de um só gume, com lâmina recta em aço
damasquino, robusta e de bordo rombo reforçado.
Punho em marfim de morsa com rubis
encastoados com a técnica de Kundan,
sobriamente decorado na região central, com
friso e uma flor de seis pétalas, terminando
com motivo geométrico circular.
A técnica Kundan foi bastante utilizada durante o
Império Mogol, permitindo o encastoamento
perfeito para decorar peças requintadas e
luxuosas. É um processo de fixação de gemas
sob efeito de pressão e de calor. Utiliza ouro,
de elevado grau de pureza, que os portugueses
designavam como ouro de condena, cravejado
de pedras preciosas. Os cabos das adagas
eram, muitas vezes, enriquecidos com
aplicações de ouro e pedraria através desta
elaborada técnica.
_ 168
PARTE 09 ARMAS ORIENTAIS
145. KARD, Adaga
Aço, ágata e ouro
Índia, Decão, séc. XVII / XVIII
Dim.: 39,5 cm
Kard com lâmina em aço de um só gume, decorada
na zona da base com folha de ouro levemente
cinzelada com motivos vegetalistas. A mesma
decoração acompanha a transição para o
punho, em ágata, e a extremidade termina em
cúpula. Esta indica a possível origem geográfica
deste exemplar. A sua forma, em gomos,
aparece pela primeira vez na arquitetura
Timúrida, nome dado à dinastia fundada por
Tamerlão (1370-1405), que governou o Irão e
territórios limítrofes. O mesmo tipo de cúpula
muçulmana é, posteriormente e já no séc. XVI,
transportada para os territórios do sultanato
indiano de Bijapur (1489-1686) onde, tal
como em outros reinos do Decão, também a
influência da arte persa se fez sentir.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
169 _
146. PESH-KABS, Adaga
Aço damasquino, madrepérola e ouro
Índia, Guzarate, séc. XVII
Dim.: 30,0 cm
Adaga do tipo Pesh-Kabs com lâmina em aço
damasquino, de gume simples. O punho não
apresenta guardas e é totalmente revestido
por finas placas de madrepérola fixas com
pequenos pinos.
A Pesh-Kabs é um tipo de adaga originária da
Pérsia e do Nordeste da Índia, onde também é
designada por Karud.
O formato da lâmina, em “T”, é a principal
característica desta tipologia. Larga junto à
base do punho, adelgaça e termina em fina
ponta. Este curioso formato foi concebido
essencialmente para perfurar cotas de malha.
O presente exemplar remonta à região indiana de
Guzarate, com o seu característico trabalho em
madrepérola. A lâmina, todavia, será originária
do Afeganistão onde este tipo de adagas –
apresentando geralmente maior dimensão –
foi, também, bastante utilizado (Faca Kyber).
Tradicionalmente persas estas adagas foram
muito apreciadas no seio da corte Mogol. As
intensas relações diplomáticas e comerciais
entre o Império Mogol e a Pérsia Safávida,
aliadas às afinidades religiosas, acabariam por
resultar numa série de trocas e influências
artísticas de que é exemplo esta Pesh-Kabs.
_ 170
PARTE 09 ARMAS ORIENTAIS
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
147. Adaga Mogol
Aço, prata e rubis
Índia Mogol, séc. XVII
Dim.: 26,5 cm
148. KARD, Adaga
Aço, jade e rubis
Índia Mogol, séc. XVII
Dim.: 24,5 cm
Adaga tradicional com lâmina em aço de um só
gume, com forma plana e ligeiramente curva.
O cabo apresenta motivo zoomórfico – Cabeça
de Leão, totalmente executado em prata
relevada e onde, nos olhos do animal, dois
pequenos rubis foram aplicados para conferir
um aspecto mais realista. Bainha em madeira
revestida a couro gravado com enrolamentos,
com aplicação de latão na zona da boca.
A forma zoomórfica do cabo indica que este objecto
deverá ter pertencido a um alto dignitário da
corte Mogol. Segundo investigação de Stuart
Cary Wech Jr., o pequeno número de adagas
produzidas com punhos zoomórficos era para
uso exclusivo das classes mais elevadas. Apesar
do incremento da produção de adagas com
este tipo de decoração nos finais do século
XVII, estas continuaram a estar destinadas às
elites da corte.
Adaga definida pela lâmina em aço, de formato
recto e com um só gume. O punho em
jade apresenta, à semelhança do exemplar
anterior, motivo zoomórfico – Cabeça de
Pantera, decorada nos olhos do animal com
pequenos rubis.
Este tipo de adaga era tradicionalmente utilizado no
lado esquerdo do cinto dos trajes mogóis, típicos
da época.
O facto de o cabo apresentar um motivo
zoomórfico e de ser executado em jade,
confere destaque e importância a este
exemplar, destinado seguramente a um
importante membro da corte.
Vd. - “ Rituais de Poder. Armas Orientais. Coleção de
Jorge Caravana.”; Caleidoscópio, Edição e Artes
Gráficas; Portugal; 2010; p. 132.
171 _
149. KHANJAR, Adaga
Aço damasquino e cristal de reocha
Índia Mogol, séc. XVIII / XIX
Dim.: 34,5 cm
A lâmina em aço damasquino de forma plana,
ligeiramente curva e de um só gume insere-se
num punho em cristal de rocha, com formato
de cabeça de pavão e guarda mão com nervura
na extremidade em forma de botão.
O punho do presente exemplar data da transição
do séc. XVIII para XIX. Todavia a lâmina é
mais recuada e foi posteriormente adaptada.
O Cristal de Rocha foi um dos materiais
mais apreciados no continente asiático,
remontando a sua utilização a meados de
12.000 a.C., na China. Foi bastante utilizado
na conceção de relicários budistas como
testemunham as inúmeras escavações
realizadas em território chinês e indiano. Este
material foi, também, um dos mais apreciados
no seio do Império Mogol. São variados
os exemplares de objectos requintados,
referências e crónicas da época que referem o
material. A partir do reinado de Shah Jahan
os trabalhos em cristal de rocha atingiram
um elevado nível de perfeccionismo técnico.
Tigelas, adagas, caixas e anéis de archeiro
estão entre os exemplares mais frequentes e
que sobreviveram até aos nossos dias.
_ 172
PARTE 09 ARMAS ORIENTAIS
150. Piha Kaetta
Piha Kaettas
Piha Kaetta é o nome dado às tradicionais adagas
do Sri Lanka, antigo Ceilão. Muito típicas na
região tiveram origem por volta dos séculos
XVI e XVII, e personificam, com a sua forma
única e característica, as mais recuadas
tradições e costumes do país.
A lâmina apresenta uma forma muito original que
deriva da ancestral Falcata – arma dos povos
indo‑europeus – originária do Hindustão,
por volta do II milénio a.C.. A principal
característica é o estranho “vinco /curva”
na lâmina, bem marcado nos exemplares
mais recuados e anteriores ao séc. XVIII.
Curiosamente, o uso deste tipo de objecto
acabou, também, por se estender à Europa,
mais concretamente à Hispânia (atual
Península Ibérica).
Este tipo de adaga era utilizado por todas as
esferas da sociedade cingalesa, pelo que
existem vários géneros diferentes. Os
exemplares de maior requinte e sofisticação
são aqueles que pertenceram a membros da
realeza e alta nobreza.
A maioria das piha kaettas tradicionais,
nomeadamente aquelas que apresentam uma
decoração mais rica e luxuosa, eram fruto
da produção da Pattal-Hatara – conjunto
de quatro oficinas reais, encarregues da
manufactura das adagas, com particular
atenção para a conceção do cabo, decoração
e lâminas, que eram feitas por ferreiros
especializados.
A Pattal-Hatara era o que poderíamos chamar
de guilda dos melhores artesãos do reino,
que funcionava através do sistema de
hereditariedade. Inicialmente havia apenas
uma Pattal (oficina) que acabou por ser
aumentada e organizada em torno de quatro
secções, cada uma dedicada a uma tarefa
diferente.
Era o rei que, depois da sua produção, oferecia as
adagas a nobres, membros da corte, ou até
mesmo a templos e sacerdotes.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Aço, prata e corno de rinoceronte
Ceilão, séc. XVII
Dim.: 26,5 cm
A lâmina em aço e de um só gume apresenta, na
parte romba, um sulco profundo que ocupa
grande extensão desde a base até à ponta
e profusamente decorado com motivos
geométricos. No lado cortante, um painel
rectangular que se estende por todo o punho.
Ambos estão revestidos a prata e profusamente
decorados com motivos vegetalistas – flores e
enrolamentos – tradicionalmente chamados
Liya Vela, que se prolongam em cerca de
metade da lâmina, em ambas as faces. O cabo
apresenta um extraordinário trabalho em
corno de rinoceronte esculpido, com ricas
aplicações em prata.
Esta adaga pertence ao grupo designado “faca de
combate”, cujos exemplares possuem lâmina
mais larga e comprida apresentando decoração
simples, sendo os espécimes mais decorados de
maior raridade, caso deste exemplar.
A utilização do corno de rinoceronte, material raro e
exótico, confere a esta peça um enorme requinte.
Esta extraordinária e luxuosa piha kaetta, quer
pelo material utilizado no cabo e qualidade
da lâmina de aço, quer pela riqueza da sua
decoração, terá pertencido, seguramente, a
um membro da realeza e alta nobreza.
Vd. - “ Rituais de Poder. Armas Orientais. Colecção de
Jorge Caravana”; Caleidoscópio – Edição e Artes
Gráficas; Portugal; 2010.
- DIAS, Pedro; “Portugal e Ceilão. Baluartes, Marfim
e Pedraria”; Lisboa; 2006.
173 _
151. Piha Kaetta
Aço, prata dourada, marfim e latão
Ceilão, séc. XVII
Dim.: 31,5 cm
Faca de Combate, de grande dimensão. O cabo é em
marfim, decorado com delicadas aplicações a
prata dourada.
Este exemplar pertence a um grupo mais comum,
com decoração centrada no punho e zona de
união com a lâmina. A decoração é simples,
com pequenos motivos geométricos, centrada
essencialmente na zona do cabo.
Possui uma bainha em madeira com aplicação em
prata na zona da boca.
152. Piha Kaetta
Aço, prata dourada, marfim e latão
Ceilão, séc. XVII
Dim.: 29,0 cm
Semelhante ao exemplar anterior na forma e materiais
apresenta dimensões ligeiramente reduzidas.
Designada também Faca de Combate, possui
pormenorizada decoração cinzelada de motivos
vegetalistas – Liya Vela – e de grande qualidade
escultórica, facto que lhe atribui raridade.
153. Piha Kaetta
Aço, prata dourada, marfim e latão
Ceilão, séc. XVII
Dim.: 24,0 cm
De menor dimensão que os exemplares anteriores,
esta piha kaetta pertence já ao grupo das
Facas de Fidalgo, usadas diariamente na faixa
que envolve a cintura e que fazem parte do
vestuário tradicional cingalês.
A decoração da lâmina é reduzida e ingénua, com os
enrolamentos vegetalistas bastante simplificados.
Este modelo costuma ter lâmina estreita e
decoração mais rica do que a verificada no
presente exemplar. Admite-se a hipótese do
mesmo pertencer ao escasso grupo de piha
kaettas que não foram fruto da execução das
oficinas reais, mas sim trabalho de artesãos
rurais com menos recursos técnicos.
_ 174
PARTE 10 POLVORINHOS
Polvorinhos
Objeto intimamente ligado à descoberta e uso da
pólvora, o polvorinho constitui um importante
marco na história e evolução da armaria.
Servindo não só como objecto de apoio ao
uso das armas, mas também como símbolo
de estatuto social e poder, tornou‑se um fiel
testemunho dos gostos artísticos nas diferentes
épocas, em função do local de origem.
A pólvora, descoberta na China Antiga durante
a dinastia Tang (608-906 DC), desde logo
adquiriu uma enorme importância e
rapidamente começou a ser utilizada na arte
da guerra, como munição nas armas de fogo.
Antecedendo o uso da bala, tinha que ser
recarregada no cano da arma antes de cada
disparo. Para tal, tornou-se indispensável a
criação de objectos que servissem para o seu
transporte, os polvorinhos.
Embora a pólvora tenha sido introduzida no norte
da Índia durante as invasões do Imperador
da Mongólia, Gengis Khan, só com a chegada
dos portugueses, no século XV/ XVI, o uso
das armas de fogo se generalizou a todo o
subcontinente indiano.
Foi, também, durante o Império Mogol que o
uso da pólvora e a produção de polvorinhos
atingiu o seu apogeu. No reinado do
Imperador Akbar (1556 /1605), o Império
Mogol verificou um grande desenvolvimento
e expansão territorial, que lhe concederam
enorme importância política e permitiram
que se afirmasse como uma das principais e
mais ricas potências asiáticas (e até mundiais)
da época. Neste período a produção de
polvorinhos foi fortemente impulsionada.
São muito recuados os primeiros exemplares
conhecidos, sendo frequentemente utilizados
no seu fabrico elementos naturais como marfim,
cabaças, chifres e conchas – nomeadamente
de turbo marmoratus. Estes materiais eram
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
trabalhados e transformados em recipientes de
fácil transporte, impermeáveis, não sensíveis
às alterações climatéricas, dando origem a
exemplares extremamente elaborados e de
grande qualidade técnica.
Tal como as armas, os polvorinhos – particularmente
aqueles utilizados em actividades lúdicas
e de lazer, como a caça – eram ricamente
ornamentados, constituindo peças muito
requintadas e sofisticadas, autênticas
preciosidades, destinadas por vezes a serem
exibidas pelas altas elites como adereço de
vestuário e símbolo de poder.
Para uma melhor compreensão das raízes e
influências presentes na criação destes
objectos, com as suas formas híbridas e
de fusão, temos que os contextualizar e
interpretar de acordo com a organização
política e territorial do subcontinente indiano
durante o século XVI, que se encontrava
sob o domínio de três potências políticas:
o Império Mogol, na zona setentrional; o
Estado Português da Índia, tendo Goa como
seu principal centro político; e os Sultanatos
do Decão, que governavam o planalto
central e Sul da Índia e mantinham relações
privilegiadas com o Estado Safávida na Pérsia.
Este mosaico cultural, sempre presente na história
da Índia, permitiu a reunião de diferentes
formas, acabando as mesmas por originar
novas opções artísticas, muitas vezes
ecléticas, bem patentes neste conjunto de
polvorinhos de origem predominantemente
Mogol e que datam dos séculos XVI a XIX.
175 _
154. Polvorinho
Marfim policromado
Índia, séc. XVII
Dim:. 16,0 cm
Vd. - WATT, George; “Indian Art at Delhi 1903. Being
the Official Catalogue of the Delhi Exhibition
1902-1903”; Motilal Banarsidass; India, 1987.
- “Goa e o Grão-Mogol”; Fundação Calouste
Gulbenkian; Lisboa; 2004.
- RILING, Ray; “The Powder Flask Book”;
Bonanza Books; Nova Iorque.
- “Treasures from India. The Clive Collection at
Powis Castle”; The National Trust; Londres, 1987.
Raro e fantástico polvorinho em marfim.
O corpo representa, na sua totalidade, um pequeno
peixe. O trabalho em baixo relevo e a decoração
do objeto são de um delicado e extremo realismo.
Pequenas escamas cobrem o corpo do animal, sendo
delimitadas numa das extremidades por finos
sulcos, semi-circulares, de cor vermelha que
fazem a transição para a cabeça do peixe.
Os restos de policromia anunciam que
provavelmente todo o objecto teria sido
colorido, criando ainda mais realismo.
Apesar de incompleto, é um exemplar único da
perícia e delicadeza dos artesãos mogóis.
_ 176
PARTE 10 POLVORINHOS
155. Polvorinho
Marfim de elefante, madeira, metal, vidro e algodão
Índia, Decão, séc. XVIII
Dim.: 19,0 cm
A grande maioria dos polvorinhos em marfim de
elefante são realizados utilizando somente as
extremidades pontiagudas das presas e este
não é exceção. O polvorinho divide-se em três
partes, embora duas – o corpo e cúpula – se
encontrem unidas e possam aparentar ter sido
lavradas a partir da mesma presa. Já a tampa
– que poderá ser ou não a original – em forma
de cabeça de ave de rapina une-se ao corpo
por encaixe, enquanto um cordão de algodão
encarnado, preto e beije, impede através de
argolas em metal férreo fixadas a este, o seu
possível extravio.
O programa decorativo que percorre a superfície
central do polvorinho inclui uma elegante
grelha de flores em relevo vistas por cima e de
lado. As dimensões destas variam subtilmente
já que acompanham as do diâmetro do mesmo,
diminuindo no sentido da tampa. Uma banda
decorada com folhas de acanthus e, no lado
oposto, uma outra composta por complexos
arabescos com forte influência iraniana
ornamentam as extremidades. A decoração é
realçada ainda por pequenos elementos em
madeira escura embutidos no marfim.
A cúpula, rematada por argola ogival e de onde
pende adorno também em algodão com conta
em vidro verde, será talvez o elemento mais
original do polvorinho. É também o mais
importante já que indicia a origem geográfica
do mesmo. A forma, em gomos, aparece pela
primeira vez na arquitectura timúrida, nome
dado à dinastia fundada por Tamerlão
(r. 1370-1405) e que governou o Irão e territórios
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
limítrofes1. O mesmo tipo de cúpulas é
transporto a partir do século XVI para os
territórios do sultanato indiano de Bijapur
(1489-1686)2. Tal como em outros reinos no
Decão, também aqui a influência das artes
iranianas foi mais acentuada do que no Império
Mogol (1526‑1858). Este elemento, assim
como o arabesco da banda superior, permitem
identificar a provável origem do polvorinho.
Entre os mais notáveis e curiosos objectos ligados
às chamadas artes da guerra contam-se os
polvorinhos. Na Índia, estes assumem uma
estonteante variedade de formas. Tantas,
quase se poderia afirmar, como os apêndices
ósseos que ornamentam as cabeças dos
muitos mamíferos que em séculos passados
ocupavam o imenso subcontinente. Isto
porque na sua grande maioria os polvorinhos
indianos são realizados a partir de chifres
de impalas e cabras várias, búfalos, outros
bovídeos e também de presas de elefante,
tal como no presente caso. Estes têm
como características comuns o facto de
serem curvados, resistentes e, não menos
importante, ocos, o que os torna em
recipientes ideais para conterem pólvora e
serem transportados à cintura.
Pedro Moura Carvalho
1Veja-se, por exemplo, a cúpula do Mausoléu de Ahmad
Yasavi, ca. 1397, ilustrada em T.W. Lentz e G.D.
Lowry, “Timur and the Princely Vision. Persian Art
and Culture in the Fifteenth Century”, catálogo de
exposição, Washington, D.C. (Arthur M. Sackler
Gallery, Smithsonian Institution) e Los Angeles
(County Museum of Art), 1989, pp. 44-45, figs. 13-14.
2Ver, por exemplo, a cúpula da Mesquita Anda,
Bijapur, início do séc. XVII, em P. Brown, “Indian
Architecture (The Islamic Period)”; Mumbai, 1942
(terceira edição); estampa CXXI, fig. 2.
177 _
_ 178
PARTE 10 POLVORINHOS
156. Polvorinho
Chifre de antílope, marfim
Índia, Lahore, séc. XVII / XVIII
Dim.: 37,0 cm
Estrutura em chifre de antílope – Nilgai -, com
elegante terminal em marfim representando
parte do corpo e cabeça do animal em
movimento. Uma faixa em prata dourada e
relevada com motivos vegetalistas une os dois
materiais. A ponta do corno termina com
aplicação em latão.
Nilgai é uma variedade de antílope muito
comum no centro e norte da Índia. O seu
nome tem um curioso significado: nil - azul
e gai - animal bovino (vaca). Animal sagrado,
protetor dos caçadores, é frequentemente
representado em polvorinhos, sendo a sua
caça considerada um sacrilégio.
Durante o reinado de Aurangzeb o Nilgai era
conhecido como Nilghor, nome derivado da
palavra ghor – cavalo.
Estes trabalhos com motivos zoomórficos
são característicos dos polvorinhos mogóis
datados de finais do séc. XVII / XVIII.
Vd. - “The Indian Heritage.Court Life and Arts under
Mughal Rule”; Victoria and Albert Museum;
Londres; Abril 1982; p. 136.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
157. Polvorinho
Chifre de antílope e marfim
Índia, Lahore, séc. XVII / XVIII
Dim.: 28,5 cm
O chifre de antílope, com formato elegante e textura
relevada, dá forma ao polvorinho, exemplificando
a magnífica adaptação de determinados
elementos animais a este tipo de objeto.
A extremidade em marfim apresenta um curioso
trabalho escultórico que contrasta com o
corpo acastanhado. Representa a Makara,
animal da mitologia hindu, possuidor de forte
significado para as comunidades locais.
De acordo com a religião, esta criatura é a vâhana
(veículo) dos deuses Ganga e Varuna.
Ganga deriva do rio Ganges, que é personificado
através desta deusa. O rio ocupa um papel
primordial na cultura e tradição hindu. Os
rituais religiosos realizados nas suas águas
auxiliam os crentes na remissão dos pecados e
consequente libertação da alma do samsara.
Já Varuna, deus da religião védica primitiva,
é o senhor dos céus, mares e oceano celestial.
A ligação às águas sagradas, que tanto Ganga
e Varuna possuem, está intrinsecamente
relacionada com a existência e forma da Makara.
Tradicionalmente representada como espécie de
criatura aquática, a sua cabeça tanto se assemelha
à de um crocodilo, como à de um golfinho do
Ganges. Em muitas outras representações está
associada a um corpo de peixe com tromba de
elefante – caso deste exemplar.
A sua relação com a água remete à ideia de
fertilidade e fonte de vida.
179 _
158. Polvorinho
Marfim, madrepérola e massa asfáltica
Índia, Rajastão, séc. XVII
Dim.: 25,0 cm
Curioso e raro polvorinho em forma de peixe. A
parte superior do corpo apresenta uma rica
decoração, característica da região de Etawah
– Kota: a massa asfáltica é preenchida com
embutidos de marfim e madrepérola com
motivos vegetalistas. O formato dos embutidos
e o contraste entre o marfim e a “laca” criam
um rico e minucioso padrão de losangos.
No dorso sobressai uma pequena barbatana dorsal
em marfim. A barriga do animal possui uma
decoração original: massa negra com finos
sulcos diagonais entrecruzados, polvilhados
por substância brilhante e reluzente – pó de
prata. O brilho da prata nos sulcos cria a ilusão
de verdadeiras escamas de peixe. O bocal em
marfim trabalhado representa a cabeça da
Makara, vâhana (veículo) da deusa Ganga e do
deus Varuna. Ambos deuses da religião védica
primitiva, estão relacionados com a criação e
fertilidade através da intensa ligação à água –
fonte de vida - e ao oceano primordial.
Esta criatura mitológica apresenta formas de
criaturas aquáticas. Nas representações
mais comuns é representada com cabeça de
elefante ou de crocodilo/golfinho do Ganges,
caso do presente exemplar.
Exemplar semelhante:
- Colecção do Museu de Alwar no Rajastão, Índia.
_ 180
PARTE 10 POLVORINHOS
159. Polvorinho
Madrepérola
Índia, Guzarate, séc. XVII
Dim.: 17,0 cm
Outro peculiar testemunho da importância dos
trabalhos de Guzarate é este polvorinho em
madrepérola de concha de turbo marmoratus,
um perfeito exemplo da produção deste tipo
de objetos durante o século XVII, no seio do
Império Mogol.
A sua forma delicada, de grande simplicidade,
alude a apêndices de animais – cornos e
chifres – que eram frequentemente utilizados
na execução destes exemplares.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
A estrutura em madeira, própria dos espécimes
mais recuados, é coberta na sua totalidade
com finas placas de madrepérola em forma de
escamas, fixas com pequenos pinos de metal.
São visíveis vestígios do mecanismo em aço que,
accionado por uma mola, permitia a abertura
do orifício para a descarga da pólvora.
181 _
160. Polvorinho
Concha de turbo marmoratus e madrepérola
Índia, Guzarate, séc. XVII
Dim.: 21,0 cm
Este polvorinho, raro pelo tamanho e sua excepcional
iridiscência, é um óptimo exemplo da perfeita
adaptação de elementos naturais a este tipo de
peças, muito frequente na Índia Mogol.
A concha de turbo marmoratus domina o objeto e
termina em corpo cilíndrico, constituído por
painéis de placas de madrepérola, separados
por molduras estilizadas e cercados por duas
faixas. No topo, a madrepérola desenha uma
flor aberta – flor de lótus estilizada, no centro
da qual surge o bocal, polilobulado, formado
por pequenas conchas turbo. Bastante
elaborado e requintado é completado com
uma tampa de madrepérola gravada que
termina em esfera.
O turbo marmoratus (madrepérola) foi um dos
materiais mais procurados durante os séculos
XVI e XVII. Os coleccionadores rapidamente se
deixaram fascinar pela forma exótica da concha
e magnífica iridiscência, chegando mesmo a
acreditar que eram peças mágicas e possuidoras
de propriedades sobrenaturais.
As conchas, originárias dos oceanos Índico e
Pacífico, eram facilmente encontradas ao
longo da costa, nomeadamente na região
de Guzarate – subcontinente indiano, de
onde provém este exemplar. A sua utilização
na produção de variadíssimos objetos
rapidamente se expandiu, sendo a maior parte
destinada ao mercado de exportação europeu.
Vd. -“Um Olhar do Porto – Uma coleção de artes
decorativas”; Museu Quinta das Cruzes; Madeira;
2005; p. 91.
_ 182
PARTE 10 POLVORINHOS
161. Polvorinho
Madeira, massa asfáltica, marfim e madrepérola
Índia, Rajastão, séc. XVII
Dim.: 13,0 cm
Polvorinho com forma inspirada em corno de
animal. A estrutura em madeira é totalmente
revestida com massa asfáltica (laca de
Guzarate) coberta com delicados embutidos
em marfim e madrepérola.
O rico e pormenorizado trabalho permite localizar
a sua origem, referida, pela primeira vez, no
catálogo da Exposição de Delhi em 1902 /3,
como pertencente à região de Etawah.
Kota, capital desta província, foi um conhecido centro
na produção de pequenos e requintados objetos,
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
exclusivos desta zona do Rajastão, onde marfim,
madrepérola e massa asfáltica eram utilizados
criando padrões geométricos axadrezados com
pequenos motivos florais embutidos.
O trabalho dos artífices de Kota, apesar de
muito apreciado e divulgado na época,
nunca foi aplicado a peças de maiores
dimensões, ficando confinado a pequenos
objetos essencialmente decorativos que
permaneceram fiéis à decoração original,
nunca adaptada ou transformada.
A estrutura em madeira confere uma enorme
autenticidade à peça e permite situá-la em
pleno século XVII, já que os exemplares
posteriores e mais recentes possuem
estrutura em ferro ou metal /cobre.
Vd. -“Art from the World of Islam in the David Collection”;
Kjeld von Folsach; Copenhaga; 2001; p. 258.
183 _
162. Importante Polvorinho do Marajá de Kota
Marfim pintado e massa asfáltica
Índia, Rajastão, séc. XVIII / XIX
Dim.: 12,5 cm
Também proveniente da região de Etawah – Kota,
este polvorinho (semelhante na sua forma
ao anterior) pertence à segunda metade do
século XVIII / XIX.
A estrutura em marfim encontra-se pintada, na
totalidade, a laca de Guzarate com decoração
geométrica que se assemelha a pequenos
motivos florais estilizados. A base apresenta
padrão geométrico circular e o bocal está
decorado com pequenos gomos salientes.
Em relevo, no marfim, surge um sol raiante,
símbolo do Marajá de Kota. Este é reforçado
pela inscrição em hindi, na base, onde se
confirma que pertenceu à Armaria Real do
Marajá de Kota, facto que lhe confere grande
raridade e importância.
_ 184
PARTE 10 POLVORINHOS
163. Polvorinho
Papier-maché, goma-laca e marfim
Índia, Decão, séc. XVII / XVIII
Dim.: 16,0 cm
Polvorinho em papier-maché com forma inspirada
em corno de animal de caça.
A decoração é totalmente vegetalista: sobre um
fundo rouge de fer, inúmeras flores e folhas
são delimitadas por cercaduras com formas
geométricas estilizadas que seguem os
contornos e linhas do objeto, criando os
espaços de representação.
O revestimento a goma laca remete-nos para
o Sudeste Asiático, onde é característico.
Todavia, este tipo de acabamento foi,
também, bastante utilizado em várias regiões
da Índia, como é o caso deste exemplar, onde
a laca é provavelmente de origem animal.
A tonalidade dos pigmentos utilizados e os
motivos decorativos relembram influências
persas e islâmicas, muito presentes nos
trabalhos característicos da região do Decão.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Até à conquista Mogol, esta zona foi dominada
pelos Sultanatos de Golconda, Bidar,
Ahmadnagar e Bijapur onde a arte e cultura
eram extremamente valorizadas. Apesar de
possuírem as suas próprias tradições artísticas,
a influência persa era uma constante, sendo
reflexo das fortes ligações políticas, sociais e
comerciais que sempre uniram estas regiões.
Estas influências foram assimiladas pelo Império
Mogol, que estabeleceu também fortes relações
com a Pérsia Safávida, das quais resultou uma
marcada e recíproca interligação cultural.
Este exemplar ricamente decorado é, pela grande
delicadeza dos materiais utilizados, um bom
testemunho da importância destas peças na
corte Mogol, destinadas a serem usadas pela
elite, principalmente como peça de ornamento
de vestuário e símbolo de estatuto social.
Vd. - “ EXOTICA The Portuguese Discoveries and the
Renaissance Kunstkammer”; Fundação Calouste
Gulbenkian; Lisboa; Outubro 2001; p. 168 /9.
185 _
Miniaturas
Mogóis
São variados os exemplares de pinturas e desenhos
executados durante o período mogol
que remetem para o imaginário cristão.
Este profundo fascínio pelo cristianismo
advém, não só da presença portuguesa no
subcontinente, mas também do interesse pela
cultura ocidental manifestado pelos soberanos
e corte mogol. Foi, nomeadamente, durante o
reinado de Akbar (1556-1605) que se atingiu o
apogeu na execução deste tipo de miniaturas,
fomentada pelo intenso ambiente cultural
então vivido. Grande estadista, o seu reinado
foi um período áureo de crescimento e grande
desenvolvimento, inclusive a nível artístico.
Não abdicando das suas origens, Akbar, seguidor
do islão e impondo o persa como língua
oficial, manifestou inteligência ao administrar
esta poderosa corte estrangeira, em convívio
com um povo maioritariamente hindu, mas
com um vasto leque de tradições religiosas e
culturais, fomentando a tolerância e criando
uma religião única que englobava o islão, o
hinduísmo e o cristianismo – o Din‑i‑Ilahi,
proclamado em 1579.
Esta nova religião favorecia encontros e discussões
teológicas, onde as crenças e costumes
eram partilhados, conduzindo a um maior
conhecimento das diferentes comunidades,
incentivando a troca de influências e ideias.
O cristianismo foi facilmente aceite pela corte
muçulmana, situação facilitada pelo facto
de Jesus Cristo ser considerado um dos
profetas do Corão. Gauvin Alexander Bailey
sustenta no seus textos que, embora a maior
parte das representações cristãs fossem puro
exotismo, muitas delas parecem ter sido
associadas à função de culto, facto confirmado
por fontes históricas da época. Calcula-se
que as comunidades locais utilizavam as
representações de santos e anjos cristãos
para proclamar uma mensagem baseada na
simbologia islâmica, sufi e hindu.
Estas imagens eram inspiradas nas inúmeras
gravuras flamengas e pinturas italianas que
os variados visitantes e emissários levavam
consigo à corte e ofereciam ao Imperador.
Importantes testemunhos da civilização
europeia, repletos de novas técnicas
pictóricas, eram assimilados pelos artistas
locais e adaptados às influências persas e
escolas hindus locais.
O enorme interesse pelas temáticas e imaginária
cristã foram também apreciadas pelos
sucessores de Akbar, sendo de referir
o reinado de Jahangir, quando foram
produzidas inúmeras miniaturas onde
abundam anjos, resplendores e imperadores
com globo na mão.
Vd: - “Na Rota do Oriente”; Manuel Castilho; Lisboa; 1999.
- ROGERS, J. M.; “Mughal Miniatures”; The
British Museum Press; Londres, 1993.
_ 186
PARTE 11 MINIATURAS MOGÓIS
164. Nobre Indiano Mogol
Tinta preta s/ papel
Índia, séc. XVII Dim.: 5,0 x 3,8 cm
Fragmento de desenho miniatura a tinta preta
sobre papel. O rosto masculino retrata o
Imperador Jahangir (1605-27) de perfil, jovem
com turbante, brincos e traje imperial mogol.
Este exemplar segue os traços das típicas
representações conhecidas do Imperador.
Jahangir foi um grande entusiasta da cultura,
incentivando a produção de miniaturas, muitas
delas repletas de influências ocidentais.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
165. Virgem Maria
Tinta preta s/ papel
Índia, séc. XVII Dim.: 4,3 x 7,8 cm
Desenho a tinta preta sobre papel onde surgem
dois rostos de Virgem Maria em semelhante
atitude, reclinada e de olhar sereno.
187 _
166. Natividade
Tinta preta s/ papel
Índia, séc. XVII Dim.: 12,0 x 18,0 cm
Fragmento de miniatura mogol onde surge
representada cena figurativa cristã – a
Natividade. Ao centro, a Virgem segura o
Menino no colo num gesto de ternura e está
rodeada por três figuras femininas em adoração
e anjos com oferendas. O ambiente remete para
o imaginário indiano, lembrando as vestes, os
típicos saris hindus, reforçadas pelo trabalho de
desenho e sombreados dos panejamentos, com
objetos e acessórios característicos da região. Em
primeiro plano, aos pés da Virgem, um pequeno
animal (cão?) alimenta-se de uma salva,
representação com forte influência das escolas
hindus deste período.
Este desenho é inspirado, em última análise, nas
gravuras religiosas do século XVI, levadas para
o oriente pelos missionários portugueses e
muito apreciadas na corte mogol.
PARTE 11 MINIATURAS MOGÓIS
167. Virgem e Santas Mulheres
Tinta preta s/ papel
Índia, séc. XVII Dim.: 12,8 x 11,5 cm
Fragmento de miniatura mogol representando Nossa
Senhora em pé sobre estrado (takht), ladeada
por duas figuras femininas em adoração. Ao
fundo, do lado direito, um pequeno castiçal
está assente em base com decoração. Uma das
figuras segura na mão um pequeno livro.
Tal como no exemplar anterior, esta representação
foi inspirada em gravuras europeias da época.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
_ 188
189 _
168. Dois Santos
Tinta preta s/ papel
Índia, séc. XVII Dim.: 15,0 x 13,0 cm
Desenho de duas figuras masculinas em pé, rodeadas
por ambiente vegetalista e abrigadas em edículas
com arcaria. A totalidade do trabalho encontrase em fase inicial observando-se intenso
picotado onde apenas a figura da esquerda se
encontra bem definida, possibilitando observar
com maior definição as suas características.
À direita está um Santo franciscano que parece
assemelhar-se às tradicionais representações de
Santo António, e à esquerda um Santo apóstolo,
provavelmente São Tomé, que segura numa das
mãos um livro e na outra uma espécie de lança.
São Tomé era muito cultuado na zona de Cochim
e Kerala, onde foi adquirindo grande importância.
A picotagem visível é um interessante testemunho
do método como eram reproduzidas as
gravuras europeias. Os originais eram
picotados com uma agulha fina, sobrepostos
sobre folha de papel e cobertos com uma tinta
preta que atravessava os pequenos orifícios.
PARTE 11 MINIATURAS MOGÓIS
169. Figura feminina – Abadessa
Tinta preta s/ papel
Índia, séc. XVII Dim.: 8,0 x 5,8 cm
Fragmento de desenho a tinta preta sobre papel ,
com formato de medalhão oval, representando
figura feminina, provavelmente uma
abadessa, vestida com traje que relembra veste
eclesiástica e com Mitra. No fundo é possível
observar indícios de paisagem.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
_ 190
191 _
170. Virgem Maria
Tinta preta s/ papel
Índia, séc. XVII Dim.: 8,0 x 6,5 cm
Desenho prévio para miniatura com formato de
medalhão hexagonal. Figura feminina com
vestes que remetem para a imaginária cristã,
Virgem Maria (?) segurando um objeto em
cada mão. Rosto de grande beleza e serenidade,
onde é bem evidente um anel no nariz (besar),
joia usualmente utilizada em cerimónias e
festas. Na paisagem um anjo sobrevoa a cena.
_ 192
PARTE 12 OUTROS OBJETOS
171. Estante de Missal
Madeira entalhada lacada a vermelho e ouro
Sudeste Asiático, séc. XVI
Dim.: 47,0 x 27,0 x 28,0 cm
Durante o período de permanência no extremo
oriente, para além da troca cultural que
resultou na arte Namban e indo-portuguesa
observou-se, também, abertura a outras
culturas orientais. Como resultado desta
interligação surgem interessantes peças de
arte, ditas de fusão.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Estante de missal Lusíada, com estrutura articulada
em tesoura e suporte para livro integrado
no pé traseiro. A prateleira é lisa na zona de
sustentação e entalhada na parte inferior. A
parte superior apresenta forma quadrangular
com moldura de elementos vegetalistas
encimada por pináculos e decorada com
motivos florais estilizados. Reserva central
com as Insígnias IHS da Companhia de Jesus
a negro e ouro, envolvidas por resplendor de
raios solares delimitado por círculo. O verso
encontra-se lacado a vermelho e a pintura
realçada a ouro. Os pés são recortados em
forma de arco canopial e decorados com
enrolamentos e motivos vegetalistas.
A estante de missal faz parte do mobiliário de fácil
transporte, introduzido na Ásia oriental pela
Companhia de Jesus. A qualidade da peça e,
nomeadamente, o tipo de pintura no verso,
permitem supor que possa ser originária do
sul da China (?) / Macau (?), zonas de forte
implantação jesuíta.
193 _
172. Capacetes Japoneses
“Monomare Kabuto” e “To-Kamuri Kabuto”
Ferro lacado
Japão, período Edo, 1ª metade séc. XVIII
Dim.: 36,0 cm e 30,0 cm
Capacetes com casco formado por placas de ferro,
lacadas a negro e vermelho, com proteção da
nuca e pescoço Shikoro composto por quatro
lâminas lacadas, móveis e unidas entre si
por fitas de tecido. O exemplar avermelhado
apresenta um mon – emblema heráldico
japonês, em forma de suástica –, a dourado, em
ambos os lados. Interiores originais em tecido.
173. Bandeja
Madeira lacada a vermelho, ouro e negro
Sudeste Asiático, séc. XVII
Dim.: 6,0 x 62, x 36,0 cm
Bandeja com abas rampadas unidas por malhetes.
O fundo apresenta decoração vegetalista
com folhagens e flores pintadas a ouro sobre
base lacada a vermelho. O centro e cantos
são realçados em talha baixa, sobre fundo
negro, destacando-se a ouro uma flor de lótus
aberta. A aba apresenta elemento decorativo
de origem Namban, entalhada e dourada,
representando meias flores alternadas e
inscritas entre relevos de ziguezagues.
_ 194
PARTE 12 OUTROS OBJETOS
174. Fragmento de Bordadura de Colcha
Linho bordado a fio de seda
Índia, Região de Bengala, séc. XVII
Dim.: 18,0 x 59,0 cm
Fragmento de colcha ou pano de armar
indo-português, de linho bordado a fio de seda.
Inserida em cercadura delimitada por pequenos
enrolamentos geométricos, surge representada
cena figurativa – cavaleiro e caçadores
portugueses perseguindo animais diversos.
Pertence às características colchas da região de
Bengala, cujo esquema de composição assenta
numa série de cercaduras de temática diversa,
dispostas em redor de um painel central.
Esta peça afirma-se como um bom exemplo da
simbiose entre a cultura oriental e ocidental.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
Vd. - CARVALHO, Pedro Moura; “Luxury for Export.
Artistic Exchange Between India and Portugal
around 1600”; Isabella Stewart Gardner
Museum; Boston, 2008; p. 60/1.
- “ Presença Portuguesa na Ásia”; Museu do
Oriente; Lisboa; 2008; pág. 28 /9 /30.
195 _
175. Frontal de Altar
Damasco de fio de seda
Índia, Goa, último quartel séc. XVII
Dim.: 101,0 x 291,0 cm
Tecido em damasco de fio de seda e aplicação de
lantejoulas prateadas. Bordado directo com
pontos de ouro em fio de papel laminado
prateado, com alma em seda e cordão do
mesmo fio.
Trata-se de um raro e importante exemplo
da utilização de damasco, cujos motivos
lavrados serviram de desenho preparatório da
composição bordada.
O modelo compositivo do lavrado do damasco,
resulta de uma adaptação barroca do chamado
padrão ogival – malha ogival definida por
ramos curvilíneos, contracurvados –, muito
utilizado nos têxteis europeus desde o
Renascimento, através da introdução do
movimento sinuoso dos ramos, densamente
preenchidos por flores, folhas e frutos.
Uma casula fotografada na igreja Vernã, em
território de Goa, por Reynaldo dos Santos
durante a missão que o levou à Índia
portuguesa nos anos 50 do séc. XX (Santos,
1954, fig.6), mostra uma mesma composição
floral bordada a ouro e prata. Trata-se,
certamente, do mesmo damasco de seda cujo
lavrado serviu de base ao bordado, tal como
acontece neste frontal.
Segundo Reynaldo dos Santos, existia ainda
na igreja de Vernã um frontal pertencente
ao mesmo paramento, possivelmente o
frontal que aqui descrevemos, recentemente
adquirido em Goa e trazido para Portugal.
PARTE 12 OUTROS OBJETOS
176. Cristo crucificado
Cobre
Kongo, séc. XVI
Dim.: 16,0 cm
Raro e original Cristo crucificado em cobre. Cristo
apresenta curiosos traços africanos, inspirados
na arte das populações locais. A cabeça
encontra-se descaída para a direita e o corpo
segue a posição tradicional da crucificação. O
panejamento é representado através de rígidas
incisões diagonais, simulando as pregas.
Feita no reino do Kongo (que incorporava parte
do que é hoje a atual República do Congo,
República Democrática do Congo e Angola)
cujo Rei foi convertido ao cristianismo em
1491, e utilizando o cobre da região de Bembe,
esta escultura constitui, pela sua ingenuidade
escultórica, um importante testemunho da
interação dos missionários portugueses com as
comunidades africanas.
Vd. - “Encompassing the Globe. Portugal and the world
in the 16th & 17th Centuries”; Levenson, Jay A.;
Arthur M. Sackler Gallery; Washington; 2007.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
_ 196
197 _
177. Salva
178. Caixa hexagonal
Filigrana de prata
Índia, Goa (?), Karimnagar (?), séc. XVII / XVIII
Dim.: 24,3 cm
Salva de filigrana de prata aberta, assente em quatro
pés esféricos. A superfície encontra‑se dividida
em três reservas circulares concêntricas,
rodeadas por bordo alteado de formato
polilobado. A reserva central revela flor aberta
com pétalas longas, a intermédia padrão
geométrico em ziguezague longo, e a exterior
apresenta padrão em “S”. Todo o trabalho em
filigrana de prata sugere motivos vegetalistas
de enrolamentos florais.
Há muitos séculos que os prateiros indianos são
famosos pelo seu excelente trabalho nesta técnica.
Muitos viajantes europeus que percorreram a
Índia nos séculos XVI e XVII mencionam com
admiração, as notáveis obras que lhes foram dadas
Filigrana de prata
Índia, Goa (?), Karimnagar (?), séc. XVII / XVIII
Dim.: 9,5 x 7,0 x 3,5 cm
a observar. Os principais centros de produção de
filigrana na Índia são Goa, Karimnagar e Orissa.
Parte da produção destinava-se ao mercado de
exportação, mas muitas peças eram também
orientadas para o mercado interno, como atesta
a frequência de formas tipicamente indianas em
objetos de filigrana.
Neste caso particular, o modelo e estrutura do objeto
remete para as formas europeias, levadas para o
subcontinente indiano pela mão dos portugueses,
muitas vezes autores das encomendas.
Encontram-se alguns exemplares destas peças
(salvas, cofres e caixas) em vários museus,
como o Museu de Arte Antiga em Lisboa e o
Museu de Hermitage em São Petersburgo.
Caixa em filigrana de prata aberta, com formato
hexagonal e tampa chanfrada de rebater.
A estrutura sugere decoração de motivos
vegetalistas inseridos em molduras
de ziguezague, efeitos causados pelos
enrolamentos e estrutura da filigrana.
Vestigios de ouro sugerem que a prata já foi dourada.
Tal como observado no exemplar anterior, o
delicado trabalho e decoração remete para
os artífices indianos, familiarizados com o
trabalho da filigrana.
PARTE 13 ARTE HINDU
179. Cabeça de Dignatário
Pedra calcária
China, Dinastia Ming, séc. XVI / XVII
Dim.: 29,0 cm
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
_ 198
199 _
180. Cabeça de Buddha
Pedra calcária
Índia, Jhansi, Madhya Pradesh, séc. XVIII / XIX
Dim.: 45,0 cm
Imponente escultura de cabeça de Buddha em pedra,
com cabelos em usnisha (símbolo de iluminação),
nome dado ao tufo de cabelo em forma oval,
tridimensional no topo da cabeça de Buddha,
com ratna (símbolo de sabedoria), nome da joia,
seu atributo, e em atitude meditativa.
PARTE 13 ARTE HINDU
181. Apsara – Deusa Celestial
Pedra calcária
Índia, Khajuraho, Madhya Pradesh, séc. XII
Dim.: 130,0 cm
Imponente Deusa esculpida em pedra dos templos
de Dhoulpur, Madhya Pradesh.
Em pedra sinuosa, inclinando-se elegantemente
na posição tribhanga, postura usada na dança
clássica indiana que realça as três curvas do
corpo: pescoço, cintura e joelho, e lhe confere
um suave “S”, forma que é considerada a mais
elegante e sensual das posições corpóreas.
Na tradição hindu as apsaras, mulheres jovens de
grande beleza e elegância, especializadas na arte
da dança, são consideradas bailarinas dos deuses
e associadas aos rituais hindus da fertilidade,
como as ninfas da antiga cultura grega.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
_ 200
201 _
PARTE 13 ARTE HINDU
182. Apsara – Deusa Celestial
Pedra calcária
Índia, Dhoulpur, Madhya Pradesh, séc. XII
Dim.: 63,0 cm
As Apsaras são ninfas do paraíso da Indra. O nome
significa “movendo-se na água” e representam
os espíritos femininos das nuvens e das
águas, donzelas celestiais que dançavam
diante do trono de Brahma.
SÃO ROQUE ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE
_ 202
203 _
183. Buddha de Pé
Arenito vermelho
Índia, Mathura, Uttar Pradesh, Pós-Gupta, séc. X / XI
Alt.: 120,0 cm
Excepcional representação de Buddha de pé do
período Pós-Gupta.
Esta imagem personifica a serenidade, a paz e a
meditação que conduz à Suprema Sabedoria.
De fácies expressiva, com olhos semicerrados e
esboçando um sorriso, apresenta protuberância
no crânio com os cachos de cabelo em
volumosos caracóis, indicativa da sabedoria
iluminada e compridos lóbulos das orelhas,
sinais de renúncia e negação da ganância. Uma
grande auréola emana de trás da cabeça para
acentuar a marca de religiosidade, sinal da
santidade de Buddha, o Esclarecido.
A pose frontal, musculada é uma reminiscência do
rei-guerreiro-salvador, figuras associadas ao
período Kushan. Está coberto por um pano de
monge, simples e sem cortes.
Buddha faz o abhayamudra, a mão direita
levantada, simbolizando a sua compaixão e
protecção para com os seus discípulos. Na
mão esquerda, ele segura a sua joia, ratna,
simbolizando realização de todos os desejos.
SÃO ROQUE, ANTIGUIDADES E GALERIA DE ARTE RUA DE S. BENTO 199B, 1250-219 LISBOA T+F +351 213 960 734 T +351 962 363 260 E [email protected]
§§§ WWW.ANTIGUIDADESSAOROQUE.COM § COMPILAÇÃO E ORGANIZAÇÃO MARIA HELENA ROQUE, MÁRIO ROQUE, ANTÓNIO AFONSO LIMA, ANA ANAHORY,
ISABELCUNHAREIS,GRAÇALOMELINO§EDIÇÃOSÃOROQUE§FOTOGRAFIAJOÃOKRULL§DESIGNJOSÉ[email protected]
§ § § § § § § § § § § § § § § § § § TIPOGRAFIA CHAPARRAL PRO DE CAROL TWOMBY § PRÉ PRESS BBCE, COMUNICAÇÃO E EVENTOS § IMPRESSÃO E ACABAMENTO TEXTYPE
DEPÓSITO LEGAL 342309/12 § TIRAGEM 750 EXEMPLARES § ABRIL DE 2012 INTERDITA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL § ©SÃO ROQUE 2012¶¶¶¶¶¶¶¶¶¶¶¶¶¶¶

Documentos relacionados

Baixar arquivo - antiguidades são roque

Baixar arquivo - antiguidades são roque Londres2. Uma segunda taça também em ágata matizada e atribuída ao segundo quartel do século XVII encontra-se no Los Angeles County Museum of Art3. A pronunciada copa desta taça assenta num pequeno...

Leia mais