29) tratamento farmacológico da artrite gotosa

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29) tratamento farmacológico da artrite gotosa
ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA
29) tratamento farmacológico da artrite gotosa
A gota caracteriza-se pela deposição de cristais de
urato nas articulações e nos tecidos moles, resultando em artrite
e tofo característicos dessa condição. O urato tende a se
cristalizar em condições mais frias e mais ácidas.
Etiopatogênia
Quanto a etiopatogenia, a gota pode ocorrer por 2 mecanismos
básicos:
Aumento na produção de ácido úrico: idiopático, defeito
enzimático, alto turnover ácidos nucléicos, estresse
(trauma, cirurgia, infecção) e dieta rica em proteína.
O ácido úrico é um metabólito das purinas, adenina e
guanina, com pouca solubilidade nos líquidos corporais.
Normalmente, cerca de dois terços do ácido úrico produzido
cada dia são excretados pelos rins. O manejo renal normal do
ácido úrico envolve 3 etapas: filtração, reabsorção e secreção.
Diminuição na eliminação de ácido úrico pelo rim:
Aproximadamente 85% dos portadores de gota apresentam
um defeito específico na eliminação de ácido úrico (que
independe
da
função
renal
global).
Geralmente o mecanismo desencadeante da gota para um
dado paciente é misto.
A hiperuricemia reflete um distúrbio metabólico dos
líquidos extracelulares, sendo definida como concentração
sérica de urato superior a 7mg/dl. Certos fármacos,
particularmente os diuréticos tiazídicos e agentes
imunossupressores (como exemplo, a ciclosporina), podem
comprometer a excreção de urato e, assim, aumentar o risco de
gota.
Diagnóstico
Baseia-se em:
Pode ocorrer hiperuricemia devido à produção
excessiva do ácido úrico, excreção insuficiente do ácido úrico,
ou uma combinação das duas. A hiperuricemia é um achado
laboratorial, portanto, por si só não diagnostifica a presença de
gota. Um diagnóstico definitivo de gota só pode ser feito
quando há cristais de urato no líquido sinovial. A análise do
líquido sinovial é útil para excluir o diagnóstico de artrite
séptica (presença de microrganismos), e artrite reumatóide.
História sugestiva: episódio de monoartrites sucessivas,
podagra, sexo masculino, acima dos 40 anos, história
familiar de gota e urolitíase são elementos que surgerem
fortemente o diagnóstico;
Hiperuricemia;
Achado de cristais de monourato de sódio em tofos,
líquido sinovial e sinóvia (principalmente se
intracelulares): É o dado patognomônico para o
diagnóstico;
O ataque de gota ocorre quando cristais de uratos
precipitam-se na articulação e desencadeiam resposta
inflamatória. Ocorre a fagocitose dos cristais de urato pelos
leucócitos polimorfonucleares, acarretando a morte dessas
células e liberação das enzimas lisossômicas. Com a
continuação do processo, a inflamação causa a destruição da
cartilagem e do osso subcondral. O ataque típico de gota é
monoarticular e afeta geralmente a primeira articulação
metatarsofalangiana. As articulações do pé, tornozelo,
calcanhar, joelho, punho, dedos das mãos, e cotovelos também
podem ser os locais inicialmente envolvidos.
Quadro radiológico
sacabocado;
sugestivo:
principalmente
em
Diagnóstico Diferencial
A gota inicia-se frequentemente à noite, podendo ser
precipitada por exercícios excessivos, certas medicações (AAS),
alimentos, álcool ou dietas ricas em purinas. O início da dor é
tipicamente abrupto, observando-se rubor e edema.
Após a identificação dos cristais de urato no líquido
sinovial, a etapa seguinte é determinar se o distúrbio está
relacionado à produção excessiva ou à excreção insuficiente do
ácido úrico. Valores urinários de urato (durante 24 horas)
superiores à faixa normal de 264 a 588 mg/dia indicam
produção excessiva do ácido úrico. A concentração sérica
normal de urato é de 5 a 5,7 mg/dl em homens e de 3,7 a 5
mg/dl em mulheres.
1.
Artrite séptica: Na primeira crise é fundamental
punção articular para descarte de processo infeccioso
que também se manifesta como monoartrite aguda.
2.
Artrite reumatóide: Nesta o processo inflamatório é
poliarticular, simétrico e crônico. Mais frequente em
mulheres.
3.
Artropatias soronegativas: Também apresentam
sinovite crônica, via de regra oligo e poliarticular e
com envolvimento frequente da coluna.
Exames Complementares
Exames laboratoriais
1.
1
Ácido úrico sérico maior que 7 mg/dl. Embora,
existam raros casos de portadores de gota com
uricemia normal;
Marcelo A. Cabral
ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA
2.
Provas
de
atividade
inflamatória:
hemossedimentação, mucoproteina, proteina C reativa
podem se elevar na fase aguda;
3.
Hemograma: pode ocorrer leucocitose na fase aguda;
4.
Excreção de ácido úrico (uricosúria): realizado em
urina de 24 horas. Serve para definir hiper, normo e
hipoexcretores, dado utilizado na escolha e
monitorização terapêutica;
5.
Glicemia, colesterol e triglicérideos: podem estar
alterados no paciente com gota.
6.
Líquido sinovial: presença de cristais de monourato de
sódio extra e intracelulares. Esses cristais são finos e
tem pontas afiladas;
7.
Presença de polimorfonucleares
quantidade na fase aguda;
8.
Anátomo patológico: presença de granulomas
envolvendo massas de cristais de urato em tofos e
articulações comprometidas.
9.
Radiografia da articulação.
em
Alopurinol:
Tanto o alopurinol quanto o seu metabólito primário, o
oxipurinol, inibem a xantina oxidase. Em baixas concentrações,
o alopurinol inibe de modo competitivo a xantina oxidase,
sendo um inibidor não-competitivo em altas concentrações;
também é um substrato para a xantina oxidase; o produto desta
reação, o oxipurinol, é igualmente um inibidor não-competitivo
da enzima. A formação do oxipurinol, juntamente com a sua
longa permanência nos tecidos, é responsável por grande parte
da atividade farmacológica do alopurinol.
Convém lembrar que a xantina oxidase é importante
em duas etapas sequencias na degradação das purinas: a
oxidação da hipoxantina a xantina e a oxidação da xantina em
ácido úrico. Por conseguinte, a inibição da xantina oxidase
resulta em aumento dos níveis plasmáticos de hipoxantina e
xantina. Ao contrário do ácido úrico, a hipoxantina e a xantina
são moderadamente solúveis no sangue e podem ser filtradas
pelos rins, sem a deposição de cristais.
grande
O alopurinol reduz a concentração dos uratos
relativamente insolúveis e do ácido úrico nos tecidos, plasma e
na urina. A deposição de cristais de urato nos tecidos (tofos) é
revertida, com inibição da formação de cálculos renais. O
alopurinol constitui o fármaco de escolha no tratamento em
longo prazo da gota, porém é ineficaz no tratamento da gota
aguda e, com efeito, chega até a agravá-la.
Tratamento farmacológico da gota:
Agentes uricosúricos: probenecida e sulfimpirazona
Os objetivos do tratamento farmacológico da gota são
aliviar os sintomas do ataque agudo, diminuir o risco de ataques
recorrentes e reduzir os níveis séricos de urato. O tratamento
tem como base a colchicina (atualmente considerada como o
fármaco de segunda linha de tratamento), o alopurinol e os
agentes uricosúricos – a probenecida e a sulfimpirazona.
Os agentes uricosúricos aumentam a taxa de excreção
de ácido úrico. A probenecida e a sulfimpirazona são utilizados
para inibir a reabsorção de urato no túbulo contorcido proximal
e, portanto, aumentar a sua excreção. No processamento do
ácido úrico pelos rins, a reabsorção predomina, e a quantidade
excretada corresponde à apenas 10% do que é filtrado. Esse
processo é mediado por um transportador específico, que pode
ser inibido, através da competição com o urato.
Os AINES, especialmente a indometacina e o
ibuprofeno, são usados pata tratar os sintomas da artrite gotosa.
As injeções intra-articulares de corticosteróides podem ser
usadas quando há apenas uma articulação envolvida e a pessoa
não pode tomar um AINE.
Ambos os agentes, quando administrados em doses
subterapêuticas, inibem, na verdade, a secreção de urato.
As drogas usadas no tratamento da gota aguda não
possuem efeito sobre o nível sérico de urato e são inúteis na
gota tofácea (tofos são nódulos grandes e duros de cristais de
urato, e só aparecem cerca de 10 anos ou mais após o primeiro
ataque de gota). A hiperurecemia é tratada depois de ter sido
aliviado o ataque agudo, e para isso são usados o alopurinol e os
agentes uricosúricos probenecida ou sulfimpirazona. O
tratamento da hiperuricemia visa à manutenção dos níveis
normais de ácido úrico, e é vitalício. Se os níveis de ácido úrico
estiverem normais e a pessoa não tiver ataques recorrentes de
gota poderão ser suspensas tais medicações.
Alguns agentes uricosúricos diminuem a secreção de
penicilina e também podem ser utilizados para esse propósito.
Protocolo farmacológico:
- AINES (ibuprofeno e indometacina) para resolver a dor e
inflamação;
- após resolução da gota aguda, fazer exame para medir a
produção e a excreção de urato durante 24 horas;
- produção excessiva de urato: tratar com alopurinol, somente
depois da diminuição dos níveis de ácido úrico através de dieta
e uricosúricos.
Os salicilatos (AAS) não são usados no tratamento da
gota, pois inibem a secreção de uratos em doses situadas dentro
de sua faixa terapêutica, produzindo aumento nos níveis
sanguíneos de urato, além de aumentarem os riscos de cálculos
renais.
- excreção diminuída: utilizar agentes uricosúricos tais como
probenecida e sulfimpirazona.
2
Marcelo A. Cabral
ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA
Referências Bibliográficas
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9. GOODAM & GILMAN. Manual de Farmacologia e Terapêutica. Porto Alegre: AMGH editora Ltda, 2010.
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Marcelo A. Cabral

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