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OS ELEMENTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS DA DEMANDA
Clayton Moreira de Castro*
Sílvio Ernane Moura de Sousa**
RESUMO
Embora a demanda seja um instituto jurídico importante para compreensão de problemas como
a cumulação de ações, a modificação da demanda, a litispendência e a coisa julgada, ao longo
do tempo o seu estudo foi olvidado pela doutrina brasileira, que mais se dedicou à análise do
instituto da ação. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é aprofundar no estudo do instituto
da demanda, evidenciando o seu conceito; estudar os elementos subjetivos (partes) e objetivos
(causa de pedir e pedido) da demanda, analisando a abrangência, as peculiaridades e as
finalidades ou funções de cada um deles; e verificar a relevância do instituto da demanda para
compreensão de diversos problemas no âmbito do Direito Processual Civil. Para consecução
dos objetivos propostos, adotou-se o método científico de interpretação sistemática. No tocante
ao procedimento técnico, optou-se pela pesquisa teórica dogmática, com compilação e revisão
rigorosa de material doutrinário bibliográfico. Adotou-se, ainda, a pesquisa documental, com
análise em profundidade da legislação pertinente. Verificou-se que o termo “demanda” possui
duas acepções jurídicas. Concluiu-se que os elementos da demanda possuem as seguintes
finalidades ou funções: garantir a segurança jurídica ou a estabilidade das relações jurídicas;
possibilitar a análise das condições da “ação”; delimitar objetivamente a demanda, impondo ao
juiz decidir a lide nos limites em que foi proposta (princípio da congruência ou princípio da
adstrição); estabelecer os limites subjetivos e objetivos da coisa julgada; e delinear as relações
que podem existir entre duas demandas: litispendência, continência, conexão e reiteração.
Palavras-chave: Demanda. Elementos da demanda. Partes. Causa de Pedir. Pedido.
ABSTRACT
Demand is an important legal procedure for the understanding of problems such as the joinder
of actions, changes in demand, lis pendens and res judicata. Over time, however, its analysis
has been neglected by the Brazilian doctrine, which devoted itself to analyzing the institute of
action. In this context, this paper aimed to delve into the study of demand, evidencing its
*
Graduado em Direito (UNIPAC/ARAGUARI), Administração Pública (UFOP) e Engenharia Civil
(UFU). Mestre em Engenharia Civil (Engenharia de Estruturas) pela Escola de Engenharia de São Carlos
(EESC) da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Processual Civil e Direito
Administrativo (UCAM). Servidor Público do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. E-mail:
[email protected]
**
Mestre em direito público pela UNIFRAN/SP, com graduação e especialização lato sensu em Direito
Processual Civil pela UFU. Professor de Direito Processual Civil e Processo nos Juizados Especiais do
Curso de Direito da UNIPAC/ARAGUARI. Autor da obra jurídica “Duplo Grau Civil de Jurisdição”
(Ed. Pilares/2010) e coautor do livro “Juizados Especiais Cíveis e Criminais”
(Ed. Iglu/2000).
E-mail: [email protected]
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concept; to examine both its subjective (parts) and objective (causa petendi and requests)
elements, analyzing their scope, singularities and functions; finally, to verify the relevance of
the institute of demand in the understanding of several problems within the sphere of Civil
Procedure Law. In order to achieve these proposed objectives, the research adopted a scientific
method of systematic interpretation. Regarding the technical procedure, the authors opted to
conduct a legal dogmatic research, through which they compiled and thoroughly revised legal
bibliographic material. The work also conducted documentary research, analyzing the relevant
legislation. The results demonstrate that the term “demand” has two legal meanings. Moreover,
they conclude that its elements have various purposes or functions. These include ensuring legal
security or the stability of legal relations, enabling the analysis of the conditions of “action”,
formally determining what is that demand, requiring that the court specifies its limits (the
matching or the congruency principles), establishing both the subjective and objective limits of
res judicata, and, lastly, outlining the potential relations between two demands. These relations
encompass lis pendens, continence, connection and reiteration.
Keywords: Demand. Elements of demand. Parts. Causa petendi. Request.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo, o estudo da demanda foi olvidado pela doutrina brasileira, que
mais se dedicou à análise do instituto da ação. Não obstante, a demanda trata-se de instituto
jurídico importante para compreensão de diversos problemas como a cumulação de ações, a
modificação da demanda, a litispendência e a coisa julgada.
É bastante comum, mesmo com os bons e experientes militantes do direito, ocorrerem
erros na definição exata de vários conceitos jurídicos, ou na abrangência deles, o que dificulta
o perfeito entendimento de questões sutis, prejudicando, outrossim, a racionalização e
sistematização do conhecimento das Ciências Jurídicas.
Demanda não é sinônimo de lide (relação jurídica material posta em juízo e
controvertida pelo réu ou terceiro, nos casos permitidos em lei), não se confunde com ação (ato
jurídico consistente no exercício do direito abstrato de ação), é um pressuposto objetivo de
existência processual, fica consubstanciada na apresentação da petição inicial (instrumento da
demanda) e guarda intima correspondência com a relação jurídica de direito material.
Nesse diapasão, os temas a serem tratados no presente trabalho é o instituto jurídico
da demanda e os seus elementos identificadores. O tema pode ser delimitado adotando-se
como objeto principal de pesquisa os elementos subjetivos (partes) e objetivos (causa de pedir
e pedido) que identificam a demanda.
Definido e delimitado o tema, é possível apresentar o problema ou a questão central
da pesquisa, isto é, em meio ao tema escolhido, a questão (ou questões) que se pretende
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responder.
Dessa forma, os seguintes problemas podem ser apresentados:

Qual é o conceito jurídico de demanda?

A demanda possui características suficientes para individualizá-la? Em caso
positivo, quais são essas características?

É possível elencar algumas finalidades ou funções dos elementos: partes, causa de
pedir e pedido?

A expressão “elementos da ação” bastante utilizada pela doutrina possui alguma
relação com os elementos que identificam a demanda?
Diante dos problemas anteriormente formulados, podem ser apresentadas as seguintes
hipóteses de estudo, que consistem nas respostas provisórias aos problemas da pesquisa:
a)
a demanda possui características suficientes para individualizá-la (verdadeiras
identidades): trata-se dos elementos da demanda (partes, causa de pedir e pedido);
b)
é comum ocorrer confusão entre os conceitos dos institutos jurídicos da ação e da
demanda, não havendo que se falar em “elementos da ação”, e sim nos elementos
que identificam a demanda (“elementos da demanda”); e
c)
os elementos da demanda são importantes para compreensão de diversos problemas
como a cumulação de ações, a modificação da demanda, a litispendência e a coisa
julgada.
A justificativa da escolha do tema de estudo fica evidenciada quando se percebe a
escassez de trabalhos técnico-científicos voltados ao instituto jurídico da demanda.
Repita-se, embora a demanda seja um fenômeno importante para compreensão de
diversos problemas, ao longo do tempo, o seu estudo foi olvidado pela doutrina brasileira, que
mais se dedicou à análise do instituto da ação.
Nesse contexto, o tema deste estudo insere-se entre os mais sérios e atuais no âmbito
do Direito Processual Civil, evidenciando o seu alcance social e jurídico.
O objetivo geral ou mediato do presente trabalho é estudar o instituto da demanda,
mormente por intermédio da análise de seus elementos identificadores.
Os objetivos específicos ou imediatos do trabalho são:
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a)
aprofundar no estudo do instituto jurídico da demanda, evidenciando o seu conceito
e buscando interpretar sistematicamente o ordenamento jurídico brasileiro, bem
como apurar os posicionamentos doutrinários sobre o tema;
b)
estudar os elementos subjetivos e objetivos da demanda, analisando a abrangência,
as peculiaridades e as finalidades ou funções de cada um deles; e
c)
verificar a relevância do instituto da demanda para compreensão de diversos
problemas como a cumulação de ações, a modificação da demanda, a litispendência
e a coisa julgada.
Para consecução dos objetivos propostos, adotou-se o método científico de
interpretação sistemática, por meio do qual se busca estabelecer o alcance do conteúdo das
normas estudadas, de forma a compreender-lhes o sentido, o objetivo e a razão de existir.
No tocante ao procedimento técnico, optou-se pela pesquisa teórica dogmática, com
compilação e revisão rigorosa de material doutrinário bibliográfico acerca dos temas propostos.
Foram revisados conceitos e ideias importantes para a perfeita compreensão de toda a extensão
deste trabalho. Paralelamente, adotou-se a pesquisa documental, com análise em profundidade
da legislação pertinente.
2 O CONCEITO JURÍDICO DE DEMANDA
Para começar, vale, aqui, apresentar o significado da palavra “demanda”, segundo De
Plácido e Silva:
Derivado do verbo latino demandare (confiar, cometer), significa o ato pelo
qual uma pessoa confia ou entrega ao julgamento da justiça a solução do
direito, que se encontra prejudicado ou ameaçado de perturbação, formulando,
assim, o seu pedido, fundado no legítimo interesse de agir. (SILVA, 2010, p.
245, grifo do autor).
O termo “demanda”, em um primeiro sentido, refere-se ao próprio ato que dá início ao
exercício do direito de ação, pelo qual o autor (demandante) coloca sua pretensão diante do
Estado-juiz, visando à apreciação da demanda pelo órgão jurisdicional.
Nessa acepção, “demanda” significa o exercício pelo autor do direito fundamental de
ação, consistindo, pois, no ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional.
Observe-se que a atividade jurisdicional necessita ser provocada para iniciar-se, uma
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vez que se trata de prestação estatal inerte, consoante dispõe o art. 2º do Código de Processo
Civil (CPC), o qual estabelece: “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a
parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.” (BRASIL, 1973).
Para Câmara (2008, p. 305), “demanda é o ato inicial de impulso da atividade
jurisdicional do Estado, exigida em razão da inércia característica desta função, que resulta no
princípio consagrado no art. 2º do CPC (adequadamente chamado, aliás, princípio da
demanda).”
Nessa primeira acepção (demanda-ato), o vocábulo “demanda” faz menção ao ato
jurídico exclusivo do autor, consistente no exercício do direito de ação, quando do impulso
inicial da atividade jurisdicional do Estado, por meio da petição inicial.
Lado outro, um segundo significado de “demanda” refere-se ao conteúdo da relação
jurídica de direito material posta em juízo (demanda-conteúdo), quando da concretização do
direito de ação, por intermédio da petição inicial. Nesse sentido, Gonçalves (2012, p. 137)
assevera que demanda é sinônimo de “pretensão veiculada pela petição inicial”, em uma clara
menção ao conteúdo da demanda.
De acordo com Fredie Didier Júnior:
O vocábulo “demanda” tem duas acepções: a) é o ato de ir a juízo
provocar a atividade jurisdicional e b) é também o conteúdo dessa
postulação. Neste último sentido (demanda-conteúdo), demanda é
sinônimo de ação concretamente exercida. Toda ação concretamente
exercida pressupõe a existência de, pelo menos, uma relação jurídica de
direito substancial. Ocorrido o fato da vida previsto no substrato fático de
uma determinada norma jurídica, ter-se-á, pela incidência da norma, um fato
jurídico. Somente a partir de então é que se poderá falar de situações jurídicas
e de todas as demais categorias de efeitos jurídicos (eficácia jurídica). Nesse
contexto, a demanda (entendida como conteúdo da postulação) é o nome
processual que recebe a relação jurídica substancial quanto posta à
apreciação do Poder Judiciário. Inexistindo ao menos a afirmação de uma
relação jurídica de direito material, inexistirá demanda-conteúdo e a demandaato será um recipiente vazio. (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 177, grifo nosso).
Como se vê, o termo “demanda” possui duas acepções jurídicas: primeiro, pode
significar o ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional, quando o direito fundamental de
ação é concretizado; e, segundo, pode referir-se ao conteúdo da relação jurídica de direito
material posta em juízo, que ficará caracterizada pela formulação do pedido, adução da causa
de pedir e indicação das partes.
3 OS ELEMENTOS DA DEMANDA
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A demanda fica perfeitamente identificada por seus elementos subjetivos (partes) e
objetivos (causa de pedir e pedido), os quais são verdadeiras identidades, ou seja, características
suficientes para individualizá-la.
Os elementos subjetivos e objetivos da demanda são imprescindíveis para a sua correta
identificação, de forma que, como instrumento da demanda, a petição inicial deverá indicar as
partes (sujeitos ativo e passivo), a causa de pedir (fundamentos de fato e de direito em que se
funda o pedido) e o pedido (provimento jurisdicional postulado e o bem da vida que se almeja).
Nesse diapasão, é possível elencar algumas finalidades ou funções dos elementos da
demanda:
a)
garantir a segurança jurídica ou a estabilidade das relações jurídicas;
b)
possibilitar a análise das condições da “ação” (art. 267, VI, CPC);
c)
delimitar objetivamente a demanda, vinculando o juiz quando do julgamento, de
forma a decidir “a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer
de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”, nos
termos do art. 128 do CPC (princípio da congruência ou princípio da adstrição);
d)
estabelecer os limites subjetivos e objetivos da coisa julgada (art. 301, §§1º, 2º e 3º,
CPC); e
e)
delinear as relações que podem existir entre duas demandas: a litispendência
(arts. 253, I, 301, §§1º, 2º e 3º, do CPC); a continência (arts. 104, 105, 253, I, do
CPC); a conexão (arts. 103, 105, 253, I, do CPC); e a reiteração de demanda, ainda
que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os
réus, quando o processo tiver sido extinto sem resolução de mérito (art. 253, II,
CPC).
Sobre os elementos da demanda, merecem destaques os ensinamentos de Gonçalves
(2010, p. 87, grifo nosso):
O juiz, ao proferir a sentença, fica adstrito àquilo que consta da petição
inicial e aos elementos da demanda. Não pode apreciar pedido mediato
ou imediato distinto do que foi postulado, nem fundar-se em causa de
pedir que não a apresentada na petição inicial, ou proferir julgamento em
relação a quem não ficou como parte. Os elementos funcionam, pois,
como delimitação objetiva da demanda, vinculando o juiz quando do
julgamento. São relevantes também no estabelecimento dos limites
subjetivos e objetivos da coisa julgada e permitem delinear as relações que
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podem existir entre duas demandas: a litispendência, a continência, a conexão
e eventual prejudicialidade.
Sendo os elementos da demanda alguns de seus requisitos formais, nos termos do art.
282, incisos II, III e IV, do CPC, a petição inicial indicará o autor e o réu (partes); “o fato e os
fundamentos jurídicos do pedido” (causa de pedir); e “o pedido, com as suas especificações”.
(BRASIL, 1973).
Na hipótese de não ser indicado cada um dos elementos da demanda, observado o
disposto no art. 284 do Código de Processo Civil, a petição inicial deverá ser indeferida, por
inépcia, acarretando a extinção do processo, sem resolução de mérito, em conformidade com o
art. 295, inciso I e parágrafo único, do CPC.
Impende observar que, em manifesta falta de acuidade técnica, é comum a doutrina
referir-se a elementos da “ação” (e não da “demanda”), os quais seriam capazes de distinguir
uma “ação” de outra.
Claramente há uma confusão entre os conceitos dos institutos da ação e da demanda.
Em verdade, não há que se falar em “elementos da ação”, e sim nos elementos que identificam
a demanda, aqui entendida como o conteúdo da relação jurídica de direito material posta em
juízo (demanda-conteúdo).
Como exemplo do referido posicionamento, data venia, pode-se citar, com objetivo
exclusivamente científico, o insigne doutrinador Darlan Barroso: “Em toda ação é possível
identificar três elementos básicos: as partes, a causa de pedir e o pedido (ou objeto), os quais,
segundo a doutrina clássica, compõem a teoria das três identidades, capazes de dissociar uma
ação da outra.” (BARROSO, 2007, p. 96).
O próprio Código de Processo Civil utiliza inadequadamente o termo “ação”,
referindo-se, na verdade, à “demanda”, como ocorre no §2º do art. 301: “Uma ação é idêntica
à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.” (BRASIL,
1973).
Por fim, repise-se, uma vez mais, que, tecnicamente, partes, causa de pedir e pedido
são elementos da demanda, instituto aqui tomado com a acepção de demanda-conteúdo, o qual
muito difere do da ação, que consiste no poder de provocar a jurisdição.
3.1 As partes da demanda
São partes da demanda o demandante e o demandado, os quais figuram,
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respectivamente, no polo ativo e no polo passivo da demanda. De forma geral, o demandante é
a pessoa natural ou jurídica que propõe a demanda e o demandado é a pessoa contra quem ela
é proposta.
O demandante e o demandado, respectivamente, são designados como autor e réu no
processo de conhecimento; exequente e executado no processo de execução; requerente e
requerido nas ações cautelares; embargante e embargado, nos casos de embargos de devedor e
de terceiro; impetrante e impetrado em mandados de segurança e habeas corpus; reconvinte e
reconvindo, na hipótese de reconvenção; excipiente e excepto, em exceção de incompetência,
impedimento ou suspeição.
Gonçalves (2012, p. 147) afirma que “parte é quem pede a tutela jurisdicional e em
face de quem ela é postulada”; sintetiza, ainda, que autor é quem pede e réu é aquele em face
de quem o pedido é formulado.
De acordo com Darlan Barroso,
Como regra, em toda ação [demanda, na verdade] haverá uma parte autora
[demandante], que é aquela que provocou a jurisdição em busca de uma tutela
para solução do litígio, e outra parte ré [demandada], ou seja, aquela contra a
qual o Estado-juiz exercerá a jurisdição, pessoa que exercerá a resistência
contra a pretensão do autor. (BARROSO, 2007, p. 97).
Conforme ressalta Fredie Didier Júnior, existem demandas principais (que se referem
à relação jurídica de direito material posta em juízo) e demandas incidentais, podendo as partes
dessas duas espécies de demanda não ser as mesmas:
Há as partes da demanda principal, autor e réu, e há as partes de demandas
incidentais, que podem não ser as mesmas da demanda principal. Por
exemplo: no incidente de arguição da suspeição do juiz, as partes são o
excipiente (autor ou réu) e o próprio juiz, que, neste incidente, é parte. Perceba
que o juiz não é parte na demanda principal, mas o é na incidente em que se
discute a sua imparcialidade. (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 179).
Em relação à demanda principal, em regra, partes da demanda são os sujeitos da
relação jurídica de direito material discutida em juízo.
Sem dúvida, “as partes na demanda normalmente coincidem com os sujeitos da relação
jurídica substancial (à exceção dos casos de legitimação extraordinária ou se houver
ilegitimidade ad causam).” (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 177, grifo do autor).
Para Nunes (2009, p. 123), em regra, pessoa alguma pode pleitear direito alheio em
nome próprio, de forma que somente possui legitimidade para propor demanda quem for o
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detentor do direito material controvertido, com exceção dos casos de substituição processual e
legitimação extraordinária ou anômala.
É interessante registrar que Marcus Vinícius Rios Gonçalves lembra que em casos
raros é possível uma demanda não ter autor ou réu:
É possível que uma ação [demanda] não tenha autor, ou réu, embora as
hipóteses sejam raras. Só haverá ação [demanda] sem autor quando o processo
puder ser iniciado de ofício, como ocorre, por exemplo, com o inventário.
Entre os procedimentos de jurisdição voluntária, alguns não terão réu, como
no caso da separação consensual, em que ambos os cônjuges, de comum
acordo, vão juntos a juízo. No entanto, é concebível a existência de ações
[demandas] sem réu mesmo no campo da jurisdição contenciosa, como nas de
investigação de paternidade, quando o suposto pai já faleceu e não deixou
herdeiros. Por sua natureza pessoal, e não patrimonial, essa demanda não pode
ser dirigida contra o espólio, que é a massa de bens deixada pelo falecido. Ela,
em caso de morte do suposto pai, deve ser proposta em face dos herdeiros.
Caso eles não existam, a ação [demanda] não terá réu. Também não têm réu
as ações declaratórias de constitucionalidade, propostas perante o Supremo
Tribunal Federal. (GONÇALVES, 2010, p. 87-88).
Por derradeiro, observe-se que pode haver pluralidade de partes em qualquer um dos
polos da demanda, hipótese em que se teria litisconsórcio.
3.2 A causa de pedir
Causa é o que faz uma coisa ou algo existir, acontecer ou ser. É o fundamento, o
motivo, a razão, a origem.
Quanto à palavra “causa”, De Plácido e Silva assevera que:
Como expressão jurídica, não possui o vocábulo significado diverso do de sua
origem: é o motivo, a razão, o princípio, o fundamento, ou seja, tudo aquilo
que motiva ou faz com que a coisa exista ou o fato aconteça. É, assim, a coisa
que é o princípio ou fundamento de outra, que não substituirá sem essa justa
razão, sem esse fundamento, que promana da causa, em que se funda ou de
que se gera. A causa jurídica entende-se, pois, a razão de ser do ato a ser
praticado ou do fato que evidencia, mostrando-se, ainda, como o fim, que se
tem em vista na prática do ato ou na elaboração do contrato. E, desse modo,
chega a expressar, na linguagem jurídica, o sentido do próprio objeto da
obrigação, que não pode falar, visto não se admitir obrigação sem causa, o que
equivale a dizer obrigação sem objeto. (SILVA, 2010, p. 150, grifo do autor).
Nessa senda, pode-se dizer que causa de pedir (ou causa petendi) são os fatos e os
fundamentos jurídicos do pedido (art. 282, inciso III, CPC).
Da doutrina colhe-se a seguinte passagem: “A causa de pedir ou causa petendi
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representa os motivos, de fato e de direito, que levam o autor a movimentar a máquina
judiciária. Em simples palavras, a causa de pedir é a razão de estar em juízo ou os fundamentos
para a providência requerida ao Estado.” (BARROSO, 2007, p. 97).
Veja o significado da locução “causa de pedir” e de expressões latinas a ela correlatas,
de acordo com Silva (2010, p. 151, grifo do autor):
“CAUSA DEBENDI”. Ou causa da dívida, indica a origem, a razão, o
fundamento ou o motivo de ser da obrigação. CAUSA DE PEDIR OU
“CAUSA PETENDI”. Indica o fundamento, motivo ou origem do pedido, ou
a pretensão do autor acerca da prestação jurisdicional pertinente [...]
“CAUSA PETENDI”. Expressão latina que designa a causa de pedir; o
fundamento fático sobre o qual repousa a pretensão.
Para Nunes (2009, p. 39): “O autor, na inicial, deverá indicar todo o quadro fático
necessário à obtenção do efeito jurídico pretendido, bem como demonstrar de que maneira esses
fatos autorizam o (sic) concessão desse efeito (teoria da substanciação).”
Realmente, segundo a teoria da substanciação da causa de pedir, adotada pelo Código
de Processo Civil brasileiro, a causa de pedir consiste na soma dos fatos da vida e da relação
jurídica deles decorrente, que devem estar razoavelmente expostos na petição inicial. Assim
sendo, o CPC não adotou a teoria da individualização, segundo a qual bastaria a indicação da
relação jurídica, sendo despicienda a exposição dos fatos jurídicos que lhe deu causa.
No que concerne a esse tema, Didier Júnior (2009, p. 177-178) posiciona-se: “A causa
de pedir na demanda impõe, segundo a vertente acolhida pelo nosso sistema processual, a
narrativa dos fatos da vida e da própria relação jurídica nascida a partir deles (teoria da
substanciação: causa de pedir = fatos + relação jurídica)”.
A causa de pedir subdivide-se em causa de pedir remota (fatos constitutivos do direito
substancial alegado pelo demandante) e causa de pedir próxima (fatos geradores do interesse
de agir).
Para Câmara (2010, p. 78), causa de pedir remota são os fatos constitutivos do direito
substancial alegado pelo demandante, enquanto causa de pedir próxima consiste nos fatos
geradores do interesse de agir.
Nunes (2009, p. 40) apresenta exemplos para melhor distinguir causa de pedir remota
e causa de pedir próxima:
Subdivide-se a causa de pedir em causa remota, que se relaciona com o fato,
e causa próxima, que se relaciona com as consequências jurídicas desse fato.
O abalroamento culposo, numa ação de reparação de danos por acidente de
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veículos, constitui a causa remota; já as consequências jurídicas desse fato
(obrigação de indenizar com base nos arts. 186, 187 e 927 do CC)
caracterizam a causa próxima. Em uma ação de resolução de contrato, a
avença e o inadimplemento constituem os fatos jurídicos, obviamente,
porquanto aptos a gerar efeitos nessa esfera (causa de pedir remota). O direito
à resolução, por sua vez, constitui a consequência jurídica dos fatos narrados,
os fundamentos jurídicos do pedido (causa de pedir próxima).
Barroso (2007, p. 375) também explica a diferença entre causa de pedir remota e a
próxima:
A causa de pedir remota corresponde ao fato que dá origem à ação. Por sua
vez, a causa próxima é a consequência jurídica do fato; equivale, na visão do
autor, à resposta que o direito dá ao fato narrado, é o fundamento jurídico da
petição inicial. Por exemplo, em uma ação promovida para a obtenção de
indenização por danos materiais em razão do acidente de veículo, podemos
dizer que a causa de pedir remota é o próprio acidente (o fato), já a causa
próxima corresponde ao dever do agente de indenizar os danos
experimentados pela vítima (a resposta jurídica ao fato).
Deve-se frisar que, na adução da causa de pedir, é absolutamente desnecessária a
indicação dos dispositivos legais em que se funda a demanda, visto que a fundamentação
jurídica não é sinônimo de fundamento legal, o qual consiste na mera menção ao texto de lei.
A esse respeito, vale transcrever os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior:
A causa petendi [...] não é a norma legal invocada pela parte, mas o fato
jurídico que ampara a pretensão deduzida em juízo. Todo direito nasce do
fato, ou seja, do fato a que a ordem jurídica atribui um determinado efeito. A
causa de pedir, que identifica uma causa, situa-se no elemento fático e em sua
qualificação jurídica. Ao fato em si mesmo dá-se a denominação de “causa
remota” do pedido; e à sua repercussão jurídica, a de “causa próxima” do
pedido. (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 83, grifo do autor).
Em síntese, prescindível a indicação dos dispositivos legais em que se embasa a
demanda, a causa de pedir consiste nos fatos e nos fundamentos jurídicos do pedido (art. 282,
inciso III, CPC), podendo ser subdividida em causa de pedir remota (fatos constitutivos do
direito substancial alegado pelo demandante; narrativa dos fatos da vida; fato em si mesmo) e
causa de pedir próxima (fundamentos jurídicos do pedido; consequência jurídica dos fatos
narrados; fatos geradores do interesse de agir; repercussão jurídica dos fatos; relação jurídica
nascida a partir dos fatos da vida).
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3.3 O pedido
Pedir é solicitar, requerer. Em sentido jurídico, o pedido evidencia a pretensão autoral,
sendo, pois, a providência jurisdicional que o autor pretende para solução da demanda.
Segundo Câmara (2008, p. 220), “pedido é o meio de declaração da vontade de se obter
determinado resultado em juízo, ou, em outros termos, manifestação processual da pretensão.”
Darlan Barroso, por sua vez, diz que “o pedido corresponde à providência jurisdicional que o
autor pretende que o Estado imponha contra o réu. É a tutela jurisdicional pretendida e seus
efeitos práticos em relação ao bem da vida litigioso.” (BARROSO, 2007, p. 376).
O pedido veicula a pretensão processual do autor, consistindo em pedido imediato
(prestação da atividade jurisdicional) e pedido mediato (tutela do bem da vida). (DIDIER
JÚNIOR, 2009, p. 178).
Conforme Câmara (2010, p. 78-79), pedido imediato ou objeto imediato do pedido
consiste na natureza da tutela jurisdicional pleiteada e o pedido mediato ou objeto mediato do
pedido é o bem jurídico que o demandante pretende obter.
Exemplo esclarecedor do que venha a ser, em termos práticos, pedido imediato e
pedido mediato é mostrado por Darlan Barroso:
[...] quando o filho propõe uma ação contra o seu genitor objetivando receber
alimentos, formula ele um pedido de tutela ao Estado, qual seja, requer
expressamente em sua petição que o juiz condene (pedido imediato) o réu ao
pagamento de determinado valor a título de pensão alimentícia (pedido
mediato). (BARROSO, 2007, p. 98).
Enfim, pedido é aquilo que o autor pretende obter da atividade jurisdicional exercida
pelo Estado. Divide-se em pedido imediato (prestação da atividade jurisdicional; tutela
pretendida pelo demandante; natureza da tutela jurisdicional) e pedido mediato (tutela do bem
da vida; bem jurídico que o demandante pretende obter; efeitos práticos da tutela pretendida).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da demanda foi olvidado pela doutrina brasileira, que mais se dedicou à
análise do instituto da ação. Entretanto, a demanda trata-se de instituto jurídico importante para
compreensão de diversos problemas no âmbito do Direito Processual Civil.
O termo “demanda” possui duas acepções jurídicas, que podem ser denominadas
“demanda-ato” e “demanda-conteúdo”.
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Em um primeiro sentido (demanda-ato), o termo “demanda” refere-se ao próprio ato
que dá início ao exercício do direito de ação, pelo qual o autor (demandante) coloca sua
pretensão diante do Estado-juiz, visando à apreciação da demanda pelo órgão jurisdicional.
Nessa acepção, “demanda” significa o exercício pelo autor do direito fundamental de
ação, consistindo, pois, no ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional.
Lado outro, o segundo significado de “demanda” refere-se ao conteúdo da relação
jurídica de direito material posta em juízo (demanda-conteúdo), quando da concretização do
direito de ação, por intermédio da petição inicial.
Portanto, o termo “demanda” possui duas acepções jurídicas: primeiro, pode significar
o ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional, quando o direito fundamental de ação é
concretizado; e, segundo, pode referir-se ao conteúdo da relação jurídica de direito material
posta em juízo, que ficará caracterizada pela formulação do pedido, adução da causa de pedir e
indicação das partes.
A demanda fica perfeitamente identificada por seus elementos subjetivos (partes) e
objetivos (causa de pedir e pedido), os quais são verdadeiras identidades, ou seja, características
suficientes para individualizá-la.
Cumpre registrar que existe confusão entre os conceitos dos institutos da ação e da
demanda. Em manifesta falta de acuidade técnica, é comum a doutrina referir-se a “elementos
da ação”, os quais seriam capazes de distinguir uma “ação” de outra. Em verdade, não há que
se falar em “elementos da ação”, e sim nos elementos que identificam a demanda, aqui
entendida como o conteúdo da relação jurídica de direito material posta em juízo
(demanda-
conteúdo).
São partes da demanda o demandante e o demandado, o primeiro é a pessoa natural ou
jurídica que propõe a demanda e este é a pessoa contra quem ela é proposta. Em relação à
demanda principal, em regra, partes da demanda são os sujeitos da relação jurídica de direito
material discutida em juízo.
A causa de pedir consiste nos fatos e nos fundamentos jurídicos do pedido, podendo
ser subdividida em causa de pedir remota (fatos constitutivos do direito substancial alegado
pelo demandante; narrativa dos fatos da vida; fato em si mesmo) e causa de pedir próxima
(fundamentos jurídicos do pedido; consequência jurídica dos fatos narrados; fatos geradores do
interesse de agir; repercussão jurídica dos fatos; relação jurídica nascida a partir dos fatos da
vida).
Por sua vez, pedido é aquilo que o autor pretende obter da atividade jurisdicional
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exercida pelo Estado. Divide-se em pedido imediato (prestação da atividade jurisdicional; tutela
pretendida pelo demandante; natureza da tutela jurisdicional) e pedido mediato (tutela do bem
da vida; bem jurídico que o demandante pretende obter; efeitos práticos da tutela pretendida).
Os elementos subjetivos e objetivos da demanda são imprescindíveis para a sua correta
identificação, de forma que, como instrumento da demanda, a petição inicial deverá indicar as
partes (sujeitos ativo e passivo), a causa de pedir (fundamentos de fato e de direito em que se
funda o pedido) e o pedido (provimento jurisdicional postulado e o bem da vida que se almeja).
Para as Ciências Jurídicas, mormente para o Direito Processual Civil, os elementos da
demanda possuem papel relevante, de forma que é possível elencar algumas de suas finalidades
ou funções:
a)
garantir a segurança jurídica ou a estabilidade das relações jurídicas;
b)
possibilitar a análise das condições da “ação” (art. 267, VI, CPC);
c)
delimitar objetivamente a demanda, vinculando o juiz quando do julgamento, de
forma a decidir “a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer
de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”, nos
termos do art. 128 do CPC (princípio da congruência ou princípio da adstrição);
d)
estabelecer os limites subjetivos e objetivos da coisa julgada (art. 301, §§1º, 2º e 3º,
CPC); e
e)
delinear as relações que podem existir entre duas demandas: a litispendência
(arts. 253, I, 301, §§1º, 2º e 3º, do CPC); a continência (arts. 104, 105, 253, I, do
CPC); a conexão (arts. 103, 105, 253, I, do CPC); e a reiteração de demanda, ainda
que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os
réus, quando o processo tiver sido extinto sem resolução de mérito (art. 253, II,
CPC).
Em síntese, o estudo da demanda e seus elementos identificadores é fundamental para
compreensão de problemas processuais como a cumulação de ações, a modificação da
demanda, a litispendência e a coisa julgada. Dessa forma, é mister reconhecer que a doutrina
brasileira precisa ocupar-se efetiva e sistematicamente com a demanda, de forma a melhor
conformar a essência desse instituto jurídico.
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REFERÊNCIAS
BARROSO, Darlan. Manual de direito processual civil: teoria geral e processo de
conhecimento. 2. ed. ampl. e atual. Barueri: Manole, 2007. v. 1.
BRASIL. Lei n.° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jan. 1973. Seção 1, parte 1
(suplemento).
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 3 mar. 2014.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados especiais cíveis estaduais, federais e da fazenda
pública: uma abordagem crítica. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
______. Lições de Direito Processual Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. v. 1.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e
processo de conhecimento. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2009. v. 1.
GONÇALVES, Marcos Vinícius Rios. Direito processual civil esquematizado. 2. ed. revista
e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012.
______. Novo curso de direito processual civil: teoria geral e processo de conhecimento (1ª
Parte). 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1.
NUNES, Elpídio Donizetti. Curso didático de direito processual civil. 11. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico conciso. Atualização: Nagib Slaibi Filho, Gláucia
Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito
processual civil e processo de conhecimento. 52. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. 1.
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