Memory Practices in the Sciences - Reciis
Transcrição
Memory Practices in the Sciences - Reciis
[www.reciis.cict.fiocruz.br] ISSN 1981-6278 Resenhas Memory Practices in the Sciences Geoffrey C. Bowker Resenha - DOI: 10.3395/reciis.v1i2.95pt Sarita Albagli Pesquisadora do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT/MCT), Rio de Janeiro, Brasil [email protected] No livro Memory Practices in the Sciences, Geoffrey C. Bowker discute a relação entre as infra-estruturas e suportes de informação utilizados para registrar o conhecimento e construir uma memória da ciência (tais como manuscritos, impressos, arquivos e bancos de dados, entre outros), e o desenvolvimento do conhecimento e da informação em si. O autor considera não apenas os aspectos técnicos desse debate, mas também suas dimensões políticas e sociais. Diretor Executivo do Centro de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Santa Clara, no Vale do Silício, Califórnia, Bowker foi o primeiro a assumir a cátedra Regis and Dianne McKenna em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Anteriormente, Bowker já havia atuado no Centro de Sociologia da Inovação, em Paris e na Escola de Biblioteconomia e Ciência da Informação em Urbana/Champaign. Além disso, foi professor e catedrático do Departamento de Comunicação na Universidade da Califórnia em San Diego. Com Memory Practices in the Sciences, ele dá continuidade a seu projeto acadêmico iniciado em trabalhos anteriores, especialmente Sorting Things Out: Classification and Its Consequences (com Susan Leigh Star, MIT Press, 2000) e Science on the Run: Information Management and Industrial Science at Schlumberger, 1920-1940 (MIT Press, 1994). Seu foco de interesse recai sobre o campo da classificação e da padronização e seu papel na infra-estrutura de informação, particularmente no desenvolvimento do que denomina de uma “ciber-infra-estrutura” científica e seus traços sociais e organizacionais. Bowker preocupa-se especialmente com a relação desses temas e o trabalho científico colaborativo, o compartilhamento de dados e o uso da informática nos estudos da biodiversidade. O autor define como sendo sua questão central, nesse Cambridge, MA: MIT Press, 2006. ISBN 0262025892 RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.277-279, jul.-dez., 2007 277 campo, analisar como os cientistas nas várias ciências que contribuem para o tema da biodiversidade comunicam-se tanto entre si como com os formuladores de política – e em particular como as estruturas de dados e práticas em uso afetam essa comunicação. Fazendo uso de vasta literatura de abrangência multidisciplinar, Bowker propõe, em Memory Practices in the Sciences, o exame de duas grandes questões: (1) Como os cientistas configuram seu próprio passado, seja como indivíduos, “criaturas na terra”, seja como pertencentes a uma linha disciplinar? (2) Como os cientistas configuram o passado de seus objetos – a terra, o clima e o processo de extinção? O autor assinala a preocupação e a intenção da ciência, como instituição social, de criar uma memória perfeita do passado, desenvolvendo tecnologias que permitam registrar os traços desse passado, o qual, do contrário, poderia cair no esquecimento. Assinala que, por meio desses traços, podemos nos compreender melhor como parte de um processo temporal e espacial maior. Argumenta, por outro lado, que os traços que deixamos – ou os registros que realizamos – não correspondem necessariamente ao que éramos ou ao que de fato aconteceu. Trata-se na verdade de uma negociação tácita entre nós mesmos e nossos futuros leitores, ouvintes ou quem quer que possa vir a nos julgar ou avaliar. No caso de textos e outros registros científicos, estes muitas vezes relatam a história de um passado ideal, preocupando-se essencialmente com que todos os protocolos tenham sido adequadamente seguidos. O ato de registro (como por exemplo escrever um artigo científico) ocorre no âmbito de um conjunto de práticas coletivas - técnicas, formais, sociais -, articuladas ainda que de modo tênue, que o autor define como práticas de memória. Estas incluem desde aquelas inteiramente inconscientes até as super conscientes. Elas conferem utilidade a nosso passado no presente, de modo a melhor conduzir o futuro. Para o autor, o interessante é caracterizar e compreender como conjuntos de práticas de memória se articulam em regimes de memória, em torno de tecnologias e práticas relativamente constantes. O arquivo é a unidade de espaço em que se estendem as práticas de memória, enquanto que as épocas de memória são suas unidades de tempo. São essas unidades que possibilitam a comunicação e o compartilhamento da informação. Daí a preocupação com a interoperabilidade, por um lado, e, por outro, com a perda de dados que é freqüentemente causada com as mudanças nas tecnologias da informação. Ressalta que a evolução da infra-estrutura da informação – em especial as tecnologias da informação - afeta os modos por meio dos quais lidamos com nosso passado, recuperando-o e reconstruindo-o e até esquecendo-o. Em verdade, pensamos o passado com instrumentos do nosso próprio tempo e a partir das nossas matrizes sociais, bem como das tecnologias de que dispomos no presente, projetando assim – inclusive sobre a natureza - nossos modos de pensar e de nos organizar. 278 A emergência de cada época de memória ocorre em associação ao desenvolvimento de novas mídias de registro, sendo que os limites entre essas épocas - oral, manuscrita, mecânica, eletrônica, digital... - não são muito claros ou evidentes. Trata-se de caracterizar a analisar a circulação das memórias através das múltiplas mídias que desenvolvemos. A passagem para novos regimes de práticas de memória, bem como a crescente valorização do registro por parte das organizações - não tem sido algo freqüente ou trivial ao longo da história, envolvendo transformações profundas sobre os modos de pensar, nos planos individual e social. A memória seria então operada por meio de uma variedade de “dispositivos técnicos”, dentre os quais o autor destaca a classificação e a padronização. A classificação é um recurso que nos permite esquecer algo que precisaremos posteriormente relembrar. Já os padrões e protocolos são procedimentos formais e/ou técnicos que resultam de negociações e compromissos, sendo essenciais para a comunicação e o compartilhamento entre os que participam de uma rede. Sem pretender uma narrativa cronológica linear, o autor faz essa discussão dentro de uma perspectiva histórica, analisando os modos de entrelaçamento dos suportes materiais e tecnológicos da informação e a natureza da produção do conhecimento, ao longo dos últimos 200 anos. Seu ponto de partida é a Revolução Industrial na Inglaterra, argumentando que é aí que se desenvolvem novas formas arquivísticas – e as novas práticas de memória científica subjacentes. A industrialização no início do século XIX, na Europa, é considerada um momento importante no aumento da consciência histórica. Do mesmo modo, o período de 1870-1914 é visto como sendo particularmente significativo na história recente das práticas de memória, com a intensificação da preocupação com a padronização e a classificação da informação, cedendo espaço já no século XX para o planejamento das bases de dados como uma forma cultural central. A partir daí, o autor constrói sua argumentação com base na análise das particularidades do modo de reconfiguração do conhecimento científico em três momentos históricos e campos científicos, que chama de “épocas de memória”: a geologia do século XIX, a cibernética de meados do século XX e as ciências da biodiversidade do século XXI. A época atual é batizada pelo autor de “época da memória potencial”. Inicia fazendo um paralelo entre as transformações na ciência geológica do século XIX e a mudança na perspectiva do tempo e da memória desde a Revolução Industrial, tomando a forma de uma “segunda natureza” plenamente “arquivável” – o tempo monetizado, o tempo mecanizado e o tempo padronizado, essenciais ao processo de globalização que se iria aprofundar no século seguinte. Debruça-se a seguir sobre a cibernética do pós-Segunda Guerra Mundial, cuja ênfase recai nas similaridades funcionais entre mente e máquina, entre sistemas RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.277-279, jul.-dez., 2007 humanos e não humanos. A cibernética desponta assim como uma meta-ciência ao qual se subordinariam as várias disciplinas, requerendo o desenvolvimento de uma linguagem comum, mas também levando à desconsideração pela memória científica. Focaliza então as práticas de memória na emergente ciência da biodiversidade. Esta requer a interação e a cooperação de campos científicos e regiões geográficas muito diversas, gerando uma enorme massa de dados e informações, ao mesmo tempo em que dificultando o desenvolvimento de bases de dados unificadas e a compatibilidade entre sistemas de classificação muito variados. O arquivamento digital revela a emergência de um novo regime de tecnologias que pretendem conservar – mas também moldar – a experiência. Esse novo regime possibilita agora uma nova maleabilidade, uma nova textura, uma nova mobilidade do global ao local e vice-versa. Possibilita ainda agregar dados envolvendo operações muito mais complexas e diversificadas – a novidade não está tanto na capacidade quantitativa, já desenvolvida desde o século XIX, mas sobretudo em suas pregas e dobras, seus distintos cruzamentos e interseções. Essa fundamentação empírico-analítica serve de fio condutor para a discussão sobre como a memória – e a nossa própria consciência - é configurada muito diferentemente em diferentes infra-estruturas e tecnologias de informação. Isto se expressa tanto material quanto metaforicamente. Novas mediações, novas mídias de registro, novas próteses de memória formam uma nova identidade já imbricada nessas novas mídias. Essa mesma infra-estrutura de informação é também usada para falar de nós mesmos. O autor procura demonstrar a imbricação, os trânsitos e a sincronia entre o mundo (e o tempo) social e o mundo (e o tempo) natural. Argumenta que a tecnologia da informação, enquanto metáfora e materialidade, permite a criação de uma segunda natureza passível de indexação e arquivamento, eternizando assim o presente e permitindo uma melhor compreensão do passado. Considera assim que a base de dados e o arquivo – como substratos materiais e como artefatos simbólicos - são elementos centrais no desenvolvimento de longue durée do conhecimento no Ocidente nos últimos séculos. Para Bowker, então, o ato de lembrar não se reduz a recuperar o passado mas se insere em desenvolver a leitura sobre os modos de estar no presente. A memória – ou o ato de lembrar - é um instrumento de socialização e de relação com o mundo, um modo de moldar e de atuar sobre o presente. Há traços do passado em toda parte e a possibilidade de acessá-los nos é, por si só, reconfortante. O exercício da memória é, segundo o autor, transcendente e imanente, político e pessoal, permitindo uma melhor compreensão a nosso respeito e a respeito de nossa inserção no mundo vivo e no inanimado, em toda sua complexidade. Do mesmo modo, o arquivo não é simplesmente o estoque de fatos úteis, mas se insere em nossos conjuntos de ações que contribuem para moldar o presente. Trata-se de uma obra de grande contemporaneidade, evidenciado que o campo dos estudos da informação e o dos estudos sociais da ciência têm muito a fertilizar-se mutuamente, abrindo a cena para novas práticas transdisciplinares. Com Memory Practices in the Sciences, G.C.Bowker recebeu o prêmio de Melhor Livro de Informação 2006 conferido pela American Society for Information Science and Technology (ASIS&T). Seu próximo livro, em elaboração, deverá intitular-se How to Read Databases. RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.277-279, jul.-dez., 2007 279
Documentos relacionados
A cultura na organização hospitalar e as políticas - Reciis
são atribuídas as funções mais complexas, envolvendo a gerência administrativa e o comando técnico do trabalho dos auxiliares, além de sua normalização e supervisão; i) as funções mais simples fica...
Leia mais