do Arquivo

Transcrição

do Arquivo
Artigos
REFLEXÕES DE UM TEÓLOGO
“PASTORALISTA” SOBRE A
TEOLOGIA
Reflections of a “pastoralist” theologian about the theology
Jesus Andres Vela, sj *
59
RESUMO: Depois de trinta anos ensinando, o autor deste artigo pergunta-se sobre o sentido
da refl xão teológica, após aceitar o valor das três considerações mais importantes: a teologia
fundamental como fi quaerens intellectum, a teologia – sabedoria como refl xão (que dá um
código interpretativo para a percepção do ser cristão no mundo) e a teologia como práxis para a
transformação libertadora em serviço do reino num mundo de opressão e pecado –, ajuda estes
dois últimos no momento atual do ateísmo e a desumanização.
PALAVRAS CHAVE: Teologia fundamental, teologia-sabedoria e teologia da práxis ou da ação.
ABSTRACT: After thirty years of teaching activity, the author questions himself on the meaning
of theological refl tion. After admitting the importance of the three basic considerations –the
fundamental theology as fi quaerens intellectum, the theology-wisdom as refl tion (that
provides an interpretive code for the discernment of being Christian in the world) and theology as
praxis for a liberating transformation toward God’s reign in a world of oppression and sin–, he accords
a special interest to the two last mentioned in the present situation of atheism and dehumanization.
KEYWORDS: fundamental theology, theology-wisdon, theology of praxis, action theology.
* Doutor em Missiologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma professor de Evangelização e Cultura
na Pontifícia Universidade Javeriana, em bogotá, diretor do Seminário de Planejamento Pastoral, programa da
mesma faculdade,
INTRODUÇÃO
A origem constitutivo da teologia é a revelação de Deus em Jesus Cristo
como a definitiva manifestação de Deus na história, revelação também da última
verdade do homem e da historia. A relação revelação-fé/teologia é, portanto, uma
relação de implicação mutua: o acontecimento da revelação, em correlação com a
resposta-aceitação da fé, é o principio constitutivo da teologia.
A Igreja considerou sempre como suprema norma de sua fé a
Escritura unida à tradição, já que inspirada por Deus e escrita uma
vez para sempre, nos transmite imutavelmente a palavra do próprio
Deus; e nas palavras dos apóstolos e dos profetas faz ressoar a voz
do Espírito Santo.” (Dei Verbum, DV, No. 21)
60
Por isso,
…a teologia se apoia numa base sólida, na Sagrada Escritura
unida à tradição: assim se mantém firme e recupera sua juventude,
penetrando à luz da fé a verdade escondida no mistério de Cristo (…)
por isso a Escritura deve ser a alma da teologia. (DV, No. 24)
Podemos afirmar também que o magistério é o garante da preservação
incólume da Palavra de Deus na Igreja:
…a sagrada tradição, a Sagrada Escritura e o magistério da Igreja,
segundo o desígnio sapientíssimo de Deus, estão entrelaçados e
unidos de tal forma que um não tem consistência sem os outros,
e que, juntos, cada um a seu modo, sob a ação do Espírito Santo,
contribuem eficazmente para a salvação…” (DV, No. 10)
A teologia (falar sobre Deus) é uma reflexão humana que se solidifica
sobre a fé do homem nas manifestações de Deus na historia humana, percebidas
como tal nessa fé, e nas experiências religiosas e nas respostas de compromisso
do homem ante tais manifestações. A teologia refletirá a nível humano sobre
estas realidades com a ajuda da filosofia e das ciências humanas e sociais.
PRIMERA PARTE: ALGUMAS IDEIAS SOBRE TEOLOGIA FUNDAMENTAL
(ESPECULATIVA OU DOUTRINAL)
O cimento de uma teologia fundamental é o saber sobre a fé, entendido
como conhecimento e inteligência da revelação de Deus em Jesus Cristo. Este
saber se fundamenta na capacidade que tem o homem de conhecer a verdade
sobre os dados revelados, a verdade que o homem – em teologia fundamental –
busca partir de raciocínio filosófico.
A possibilidade do conhecimento humano da verdade sobre os dados
revelados
Desde o Concílio Vaticano I afirmou-se esta possibilidade quando se disse:
Mas também a razão, iluminada pela fé, quando cuidadosa, piedosa
e sóbriamente busca alguma compreensão dos mistérios (...) alcança
por um dom de Deus inteligência, e muito frutuoso de mistérios,
ao conhecer naturalmente por - analogia - e pela união destes
mistérios, com o fim último do homem, embora não seja ainda um
conhecimento completamente idoneo ... (DS 1796).
A resposta do homem à Palavra de Deus deve ser acompanhada
também da busca de alguma inteligência e do conhecimento humano
da mesma, para que seja plenamente humano. O “depósito revelado” - depositum
fidei -, pressupõe que na mente humana se ordene à verdade e seja capaz
também de conhecer a Deus, mesmo que de maneira limitada. A teologia
especulativa busca uma compreensão mais profunda dos dados revelados através
da filosofia, epistemologia - o método do conhecimento humano – e da
compreensão do significado cultural desse dado revelado no momento histórico
em que a Igreja vive.
.
O Concílio Vaticano II também reconhece isso quando diz:
O Santo Sínodo professa que o homem pode conhecer com certeza a
Deus, pela razão natural através das coisas criadas (Rm 1:20) e ensina
que, graças a tal revelação, todos os homens (...) podem conhecer
facilmente com absoluta certeza e sem erros as realidades divinas,
que em si são inacessíveis à razão humano. (DV, n º 5)
61
Os dados da fé, manifestos nos “símbolos”, são objetos da crença. A
explicação filosófico-cultural destes dados de fé é objeto de dogmas, que devem
ser aceitos como “a doutrina da fé” para permanecer na Igreja. Assim, “o sentido
dos sagrados dogmas deve ser mantido perpetuamente no mesmo sentido que o
declarou a santa Igreja “(Concílio Vaticano I, DS 1800). Pode-se buscar no dogma
a compreensão da fé, mas “no mesmo sentido e na mesma formulação” (ibid.). O
“saber” teológico tem de ser, primeiramente, um conhecimento da fé, entendido
como o conhecimento da revelação de Deus em Jesus Cristo (João 1,14; 1Cor 1,2).
A teologia especulativa se apoia em dois componentes ou fases
metodológicas: o conhecimento e interpretação do conteúdo da revelação
cristã (teologia positiva) e a compreensão e síntese desse conteúdo (teologia
especulativa).
1.
Teologia positiva (auditus fidei) é se dedica a conhecer e estudar as
próprias fontes de conhecimento teológico - a Escritura e a tradição
– para desenvolver uma abordagem crítica dos dados da fé.
2.
A teologia no momento reflexivo, teologia especulativa (intellectus
fidei1) busca a verdade da fé e sua fundamentação crítica no fato da
revelação. Ela procura explicar, através do conhecimento dos dogmas,
a verdade das declarações do “símbolo da fé”. busca conhecer as
realidades da revelação e explicá-las dentro da lógica filosófica,
estrutural e cultural do tempo de cada dogma, de modo que essa
explicação não termine com a essência do dado da fé da revelação.
62
Por isso, quando essa explicação nega ou reduz os dados da fé revelada é
consideradaherética. Parachegaraessaestruturadeinteligênciadafé, é necessário
assumir as categorias filosóficas e as significações da linguagem cultural da época,
bem como seguir uma metodologia específica de conhecimento.
Da correta impostação do problema da equação fé-razão (revelação
categorias-filosóficas, revelação-significação e linguagem cultural ) e da correta
aplicação de uma metodologia de conhecimento depende a validade de uma
“Teologia Dogmática” 2 ou especulativa.
1
2
Para Santo Agostinho, bispo de hipona (a. 354-430) intellectus fidei envolve duas variantes: credo
ut intelligam (teologia) ut intelligo credam (filosofia). Santo Anselmo de Canterbury é o primeiro
a estender o credo ut intelligam agostiniano e a expressar um modo de ser teologia em que
a fé é expressa pela razão, fundamento da escolástica. A partir de uma concepção aristotélica
da ciência como certeza no conhecimento a partir das causas (scire per causas), São Tomás de
Aquino aperfeiçoou o método escolástico. Para Tomás de Aquino, a ciência perfeita é metafísica.
A teologia dogmática, como disciplina, parte do Concílio de Trento, que começa como uma
teologia de dogmas.
Em torno do Concílio Vaticano II abre-se um período de pesquisa de várias
correntes teológicas preocupadas com as diferentes metodologias, para abrir-se
a um leque de várias metodologias de conhecimento. A optatam totius, OT (n º
16) parte do conceito renovado de “revelação” tal como utilizado pela Constituição
dei Verbum, o que faz compreender melhor o sentido da renovação do “método
teológico”.
Breve resumo do conhecimento teológico
Os primeiros escritores e pensadores cristãos foram apologetas, como
Justino, que defenderam o cristianismo contra os pagãos. Nos séculos III e IV,
as escolas alexandrina e antioquena experimentaram fazer teologia através
métodos teológicos e exegético diferentes. Nesses séculos, predominaram escritos
catequéticos dos Padres da Igreja, como Ambrósio de Milão, os sacramentos e os
mistérios; Clemente de Alexandria, o pedagogo; Cipriano de Cartago testemunho
para Quirino; Cirilo de Jerusalém, catequese; hipólito de Roma, A tradição apostólica;
Ireneu de Lyon, A demonstração da tradição apostólica; João Crisóstomo, oito
catequeses batismais; Tertuliano, tratado sobre o batismo. Um pouco mais tarde
(século V), Santo Agostinho se destaca com seu famoso de catequizandis rudibus3.
A teologia patrística também era freqüentemente “sapiencial” para ajudar
os cristãos a viverem sua fé em um mundo semipagão. Era uma teologia espiritual”
e uma “sabedoria pastoral”. A vida era confrontada com a Palavra e se buscava viver
de acordo com o plano de Deus em Cristo. Era defi como “Fides Verbo vitam
illuminans”. Era uma teologia eminentemente pastoral.
Santo Agostinho (354-430) marca um momento importante desta refl xão
teológica ao estabelecer uma ponte entre a teologia dos Santos Padres e a teologia
posterior, procurando um equilíbrio entre a doutrina cristã e a filosofi Para ele,
esses dois elementos - doutrina cristã e filosofi - estão a serviço da contemplação
cristã. Esta síntese do cristianismo e da filosofi se torna evidente em sua obra de
doctrina cristiana, que fi algumas regras metodológicas e enumera algumas
ferramentas disponíveis para o teólogo.
A Teologia Patrística desemboca na chamada teologia monástica dos
inícios do século VI, que permanece fundamentalmente dentro de uma inspiração
patrística e se move dentro de uma concepção sapiencial. É bem mais uma lectio
divina4. Podemos afirmar que a teologia escolástica começa com Santo Anselmo
3
4
Cf. Danielou, Jean. Catequesis de los primeros siglos. Madrid: Ed. bailén, 1975.
Cf. Toro, Iván Darío. “Conocimiento y métodos. Teoría del conocimiento teológico.” Theologica
xaveriana 150 (2004): 317-350.
63
de Cantuária, que é o primeiro a estender a célebre frase de Santo Agostinho
“credo ut intelligam” a um método científico em que combina razão e revelação,
aceita pela fé. A análise crítica dos dados da tradição cristã foi feita por Pedro
Abelardo em seu célebre método Sic et NoN (1122), paralelo à quaestio na reflexão
teológica, que concede à razão um papel de grande importância. A quaestio leva
à disputatio, que é a metodologia que desembocou nas Summaetheologicae
como expressões das sistematizações de dados da fé. Aquino constrói sua Summa
theologica, introduzindo o método aristotélico do conhecimento através das
causas e lhe confere um caráter de método científico.
Dois traços principais qualificam a episteme e a metodologia
teológica dos escolásticos: ofatodequeosdadosdeaprofundamento
da fé, tirados da Escritura, da tradição, do ensino dos concílios e da
vida da Igreja, mediante a confrontação com o aparato conceitual
filosófico - especialmente o aristotélico – se torna cada vez mais no
lugar prioritário da teologia; e o fato cada vez mais decisivo para
que o paradigma do trabalho teórico seja assumido pelo conceito
aristotélico de ciência e aceitação de que a ciência primeira seja a
metafísica5.
64
SEGUNDA PARTE:
TEOLOGIA COMO A SABEDORIA (SOFIA) - TEOLOGIA COMO PRáXIS
As teologias clássicos ocidentais, desde a Idade Média até aqui, partem
do conceito de falar sobre Deus usando o LOGOS grego: “logos” como um
pensar racional sobre Deus; um controle racional sobre a experiência religiosa;
uma experiência religiosa, muitas vezes, variegada e a-racional (não i-racional ),
tais como o entusiasmo, a experiência de fé ou do amor. Assim, se acumularam
teologias argumentativos e teodicéias (filosofias que falam sobre Deus).
Segundo habermas, o trabalho teológico é o resultado de uma forma
metodologicamente controlado pela religião6. faz-se teologia a partir das
fronteiras filosóficas (e científicas?) das metafísicas e das ontologias. A experiência
e a práxis cristã estão subordinadas às teorias do conhecimento filosófico.
Se a razão argumentativa é a metodologia comum da teologia, qual é a sua
especificidade frente às ciências?
5
6
Pozzo e fisichella, “Método”, citado in TORO, Ivan Dario, “Conhecimento e métodos”, 127.
habermas, Israel ou Atenas, Madrid: Editorial Trotta, 2000. 93-94.
Segundo habermas7, a transformação da religião e da teologia
experimentada sob as condições do pensamento pós-metafísico tornouse inevitável na pós-modernidade. Com um tal abandono do religioso e
do teológico na metafísica, “o povo fi ou abandonado e seus sacerdotes
convertidos em fi os”8. O discurso argumentativo, a partir da metafísica, não
pode compreender nem falar da experiência religiosa. E a fala filosófi sobre a
práxis cristã de testemunho e libertação do mundo não se pode converter em
conceitos abstratos e metafísicos ou puramente filosófi o- morais.
Quando se pretende falar assim, tal fala se torna “mera citação”9 de
citações que não pressupõem nenhum convencimento de fé, de amor e
seguimento, que são a quintessencia do signifi
religioso.10 Deste modo,
os discursos religiosos perdem sua identidade. Pelo contrário, o religioso e as
religiões, a serviço da expressão da fé, se defi em termos doação de sentido,
libertando-se da metafísica como mera razão argumentativa, demonstrativo e
probatória11
A metafísica teve o seu signifi na história do pensamento humano a
partir da filosofi de Aristóteles e Platão transmitida ao pensamento cristão pela
cultura árabe na Idade Média. Supôs-se um avanço do pensamento humano
e teológico. Porém, tornou-se uma linguagem insufi te, além do que,
inadequada em tempos pós-modernos.
heidegger inaugurou os tempos pós-modernos quando propôs inverter
o momento de interrogar o ser, como universal, e interrogá-lo sobre o seu ser
no mundo, dada a sua historicidade, mundaneidade, fi
... Com heidegger
se atinge o primado ontológico da questão do existencial individual e do
sentido de ser como existencial, temporal, histórico, espacial, fi o e situado12.
A verdade do ser é a sua existência real na temporalidade e espacialidade. A
verdade é o sentido do ser – o sentido humano e religioso – no seu devir no
campo hermenêutico, em seu contexto e pretexto. Quer dizer: o pensamento
pós-metafísico.
7
8
9
10
11
Ibid., 91
Ibid., 89
Ibid., 97.
Ibid., 98-99.
Cf. Vela, Reflexión teológica y concepto de nueva evangelización.” Revista CIV 250 (2006): 1-3. O
autor defende uma fé“antropológica, que integre valor e significado, que impulsione mecanismos de eficiência para traduzir realizações sociais palpáveis e que se fundamente em testemunhas eminentes (mártires) da tradição.
12 hEIDEGER, Sin und Zeit. frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1977.
65
Teologia como “sabedoria”
Lyotard, falando da condição pós-moderna, distingue entre a ciência,
conhecimento e saber:
-
A ciência e o conhecimento denotam e descrevem objetos com
exclusão de outros enunciados.
-
O saber não só avalia enunciados “denotativos” dos objetos, mas
também que os misturam no saber === o saber-fazer, o saberviver, o saber-ver ... Excede a determinação como único critério de
verdade.13
Por outro lado, a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (EN), de
Paulo VI parte de duas perguntas fundamentais:
66
-
“Que eficácia tem em nossos dias a energia escondida da boa Notícia
(Evangelho), capaz de tocar profundamente a consciência do
homem? “
-
“Até onde e como essa força evangélica é capaz de realmente
transformar o homem? “(EN, 4)
Estas duas perguntas dão a medida da responsabilidade do fazer do
teólogo para guiar a consciência do cristão hoje.
Podemos qualificar assim a sabedoria como uma linguagem que inclui o
metafórico, o parabólico, o aproximativo, o criativo, o poético. É a línguagem de
Jesus, como aparece nos Evangelhos, onde a verdade é definida como caminho,
verdade e vida, centrada na pessoa de Jesus. A ciência se centraria mais na
intelecção e explicação a partir dos fenômenos naturais (objetos) experimentados
e analisados . A sabedoria seria a compreensão vital dos sujeitos, seu valor, sua
trajetória histórica, suas intenções e sentidos de vida.
Esta é a responsabilidade de teologia para orientar o comportamento
dos cristãos no mundo de hoje motivados pela experiência do mistério cristão
- mistagogia - o que facilita aos crentes se apropriarem para suas vidas do
conhecimento da fé.
13 LYOTARD, Jean francois. La condición posmoderna. Informe sobre el saber. Madrid: Editorial
Cátedra, 1994., 41-44
Compreender a teologia como seguimento significa mostrar que a
biografia do crente é a condição de possibilidade do conhecimento
teológico. Pois bem, a experiência decisiva que faz o ser humano, em
sua vida como crente, é a experiência de estar a camino14.
A ciência se legitima desde a eficácia produtora do mundo do
objeto. Sabedoria se legitima desde a construção do mundo do sujeito.
Também a sabedoria legitima o conhecimento e a ação no mundo da
ciência. Mas, ao contrário, o mundo da ciência, sem sabedoria, procura
legitimar o que os sujeitos e pessoas pensam que devem ser e fazer. É o
domínio da tecnociência e da tecnologia pura. A ênfase pós-moderna no
pragmático do conhecimento (esquecendo o absoluto do “argumentativo”)
enfatiza a “pragmática narrativa”. Talvez o “eu acho”, como uma alternativa ao
“eu penso” nos coloca no caminho da prática cultural narrativa ... a despeito do
argumentativo, do demonstrativo e do sintetizado pela ciência moderna.
Quem narra está implicado em sua narrativa: narra desde sua cultura
e simbólica, legitima seu discurso na experiência que narra e naquilo
que ele pensa, sonha e ama: não alcança sua verdade além das
tradições de sua própria cultura, cria vínculação social e comunitário,
evoca e narra, não para impor aos outros a sua experiência narrada,
mas sim para convidar à analogia das experiências múltiplas e
autonomas que podem ser as experiências de todos15.
A teologia se diferencia da ciência – que tem por objeto estudar a materia
e transformá-la - como também a filosofia - que busca o sentido de vida, seus
valores e fins, porém dentro de um horizonte imanente no mundo. Teologia é
também uma busca do sentido último dos dados revelados. Teologia supõe a fé
em um Deus absoluto que se revela como uma pessoa no mundo e nos dá a sua
Palavra. Teologia nos fala da revelação, da salvação, da ação de Deus no mundo,
como graça. É uma maneira peculiar de ver a realidade e conceber a vida. Nunca
é uma verdade “objetiva” mensurável e verificável. Na experiência de fé, a palavra
também joga um papel essencial; não porém como uma expressão de realidade
material e objetiva, mas como Palavra revelada por Deus a nós que respondemos
com a nossa própria palavra: a Palavra revelada corresponde à palavra da fé, que
é a aceitação do que é anunciado, esperança nas promessas e vontade de aceitar
a mensagem divina com o compromisso de sua vontade.
14 SChNEIDER, Michael. Teología como biografía. Una fundamentación dogmática .bilbao: Desclée
de brouwer, 2000,
15 PARRA, Texto, contextos y pretextos. Teología fundamental. bogotá: Pontificia Universidad Javeriana, facultad de Teología, 2003.
67
A linguagem teológica é uma reflexão sobre as manifestações de Deus
no mundo, especialmente sobre a manifestação do Verbo na humanidade Jesus,
por meio do qual a teologia, nos pode falar diretamente de Deus e seu plano de
salvação. Na reflexão teológica passamos do «ver» para o “crer” e compreender
o que significa essa fé e a experiência de Deus no mundo. É nesta experiência,
pessoal ou comunitária, que podemos perceber diretamente a sua presença.
A realidade com que trabalha a teologia é a história real dos homens,
vivida antes que escrita, enquanto é manifestação da presença
e da ação salvadora e reveladora de Deus, lida sempre à luz do
Evangelho eterno. Nos contextos do submundo, tal história real dos
homens é a história real dos pobres, dos oprimidos e escravizados
(assumidos não apenas como lugar social, mas também como um
lugar epistemológico). Essa é a história em que preferencialmente o
Senhor dos Evangelho se torna presente16.
68
Teologia como sabedoria no contexto
Ao falar da teologia como sabedoria, é essencial considerar a
contexto sociocultural e histórico em que se deve situar. Essencialmente, teologia
é uma linguagem da fé em realidades históricas, por ajudar os cristãos a viverem
sua fé nessas realidades. Em tempos de “cristandade”, quando toda a sociedade
ajudava a viver os valores cristãos na fé, era mais plausível que a teologia se
preocupasse em expressar a fé em termos de conhecimento. A execução ficava
a cargo da “pastoral” ou uma “teologia espiritual”. Não é o mesmo em nossos
tempos tecno-científicas pós-modernos, em que naufragam todos os valores
éticos e morais.
Como nos tempos bíblicos de escravidão e do cativeiro - babilônia e
domínio dos imperadores gregos selêucidas (tempos bíblicos dos macabeus) predominaram os livros sapienciais e novelas que mostravam como viver a fé em
culturas estranhas (Ester, Judite, Jó, Tobias), em tempos de paganismo ( “cristão”?)
a reflexão teológica devia ser eminentemente “sabedoria” para ajudar os cristãos
a viverem como tal em um mundo pagão e todas as pessoas a viverem os valores
éticos e humanos.
Porém uma teologia como sabedoria é imprescindível que tenha em
conta o contexto social, cultural e histórico. Os contextos históricos e geográficos são
16 Parra, A. “hacia las legitimaciones del creer.”Theologica xaveriana 290 (2006): 283-298.
diversificados. Asim como as formas nas quais a teologia tenha se desenvolvido,
especialmente na América Latina. A teologia se fundamenta na Escritura e na
tradição, que compõem o“depósito da fé”17. Este” foi confiado unicamente à Igreja
«, que tem o dever de interpretá-lo fielmente (DV, n º 10).
Porém, uma teologia crítica deve levar em conta o contexto em
que a fé é vivida e onde se desenvolve a reflexão teológica. Esta exigência vai além
dos métodos tradicionalmente exigidos: o escolástico tradicional e o dogmático.
Desses métodos, deriva um perigo de dogmatismo e o desenvolvimento da
teologia abstrata, que não tem nenhuma ligação com vida real, bem longe da
teologia-sabedoria que capacita o cristão viver a fé «em tempos de exílio.» Isto,
conforme o espírito do que o Igreja exige no decreto optatamtotius, do Concílio
Vaticano II, ao tratar da formação dos preebiteros:
aprendam a buscar, à luz da revelação, a solução dos problemas
humanos, para aplicar suas verdades eternas às condições mutáveis
da vida humana e comunicá-las de uma forma adequada aos seus
contemporâneos ... (OT, n º 16)
No entanto, a teologia-sabedoria não se contenta em aplicar a doutrina
de situações concretas, não uma teologia-de, mas um fato de discernimento
cristão em que as situações concretas da vida nos obrigam a buscar um código
interpretativo para nos guiar na busca de como viver o Evangelho de Jesus no
contexto de um mundo estranho, não cristão, na verdade pagão. Teologiasabedoria seria esse código, que deve guiar a vida de cristãos no mundo. É um
código que parte do «contextualizar» o depósito revelado da fé e da vida cristã
da tradição nos significados culturais, nas práticas cristãs libertadoras e nos temas
geradores da história do nosso tempo.
Não se trata simplesmente de contrapor um método indutivo (a teologiasabedoria)
com
outro
dedutivo
(teologia
especulativa);
trata-se
decontextualizaro depósito da fé vivido na história da tradição cristã e interpretado
pelo Magistério da Igreja, tais como iluminação e resposta à situação de pecado
e incredulidade do nosso tempo, de modo que facilitemos aos cristãos hoje o
exercício do discernimento para guiar experiência pessoal e comunitária da fé e
da ação libertadora e redentora de Jesus no mundo de hoje.
A definição anselmiana de fides quaerens intellectum continua válida, mas
não no sentido de compreensões abstractas e teóricas, antes como compreensão
das realidades de pecado, para dar uma resposta salvadora na fé recebida e vivida.
17 Cf. Sacrosanctum Concilium, n º s 9 e 16.
69
Ao falar de mensagem evangelizadora, diz cardeal brasileiro Aloísio Lorscheider,
presidente CELAM em tempos de Puebla:
A evangelização tem de levar a conhecer Jesus como Senhor,
o que revela que o Pai e nos comunica o Espírito. faz brotar no
mundo os frutos de justiça, de perdão, respeito, dignidade e
paz. Ela dá sentido a todas as aspirações e realizações humanas,
questionando-as sempre e superando-as infinitamente.É a
libertação do pecado e do maligno, na alegria de conhecer a Deus
e de ser conhecido por Ele ... (Puebla, 352-354). É dar uma resposta,
a partir do plano criador e salvador de Deus aos desafios da ação
evangelizadora. É a formação de uma nova humanidade com
os homens orientados para uma nova maneira de ser, de julgar,
de viver e conviver. É um processo contínuo, dinâmico, que chama a
pessoa à comunhão filial com Deus e à comunhão com os homens
através da proclamação da Palavra de Deus, que deve penetrar no
coração dos homens. Essa palavra deve iluminar as suas experiências
e estilos de vida, cultura e ambientes, levando as pessoas para a
comunidade de fé, esperança e caridade.18
70
Como afirma o Documento de Puebla:
O amor de Deus nos dignifica radicalmente, por necessidade tornase comunhão de amor com outros homens e participação fraterna:
para nós, hoje. Deve tornar-se, principalmente, obra de justiça para
os oprimidos, esforço de libertação para aqueles que mais precisam. De
fato: “Ninguém pode amar a Deus a que não vê, se não ama o seu
irmão, a quem vê. “(1 Jo 4:10). (Puebla, 327).
A revelação de Deus em Cristo “dá sentido a todas as aspirações e
realizações humanas... Ela continua na história dos homens (cf. EN, 9) pelo mistério
da Igreja, sob a influência permanente do Espírito, que precede e acompanha, dá
a eles a fecundidade apostólica «(Puebla, 353).
Teologia como sabedoria desemboca na teologia da ação (ou práxis)
Reflexão teológica, ao aprofundar a experiência de Deus, leva o
teólogo à teologia da ação a fim de realizar o Reino de Deus no mundo por
meio de ações redentoras e libertadoras. A leitura hermenêutica da realidade
18 LORSChEIDER, Aloisio. “Puebla: Síntesis del Documento.” CLAR (1979): 8-9
humana à luz da fé e vivida na experiência cristã pessoal e comunitária conduz
necessariamente à práxis redentora e libertadora de toda realidade do pecado
social nas estruturas humanas (cf. Puebla, 327).
Entendemos a práxis como aquela ação-reflexão transformadora
realizada dentro da e para a comunidade (contexto vital da ação) em
resposta a uma opressão ou pecado que impede uma libertação integral.
Por isso, a teologia da práxis privilegia a ortopráxis sobre a ortodoxia, a práxis
sobre a teoria, ainda que mantendo a dialética entre as duas, de maneira que o
centro interpretativo (ou pólo de articulação) seja o horizonte da «razão prática.
Portanto, as disciplinas humanas em que esta teologia da ação se apoia
serão, em primeiro lugar, as ciências histórico-sociais críticas e as ciências,
para compreender a sociedade e sua história; em segundo lugar, as ciências
antropológicas, para estudar a sua cultura; e na terceira instância, as ciências que
favorecem o fenômeno social e ação humana. Todas estas ciências
favorecer o caráter «interpretativo ou hermenêutico da história da cultura e
dos contextos sociais. No entanto, esta interpretação não é neutra, pois que no
interior de qualquer busca de sentido se encontram interesses sociais, valores que
se adotam, motivações, preconceitos e escolhas básicas.
É o momento interpretativo (intus legere)19, no qual se propõe
ler e compreender em profundidade a realidade e os sujeitos nela envolvidos.
Trata-se fundamentalmente de uma interpretação da história, como um lugar da
manifestação da Palavra, e de realizar uma reflexão teológica sobre a revelação
de Deus e seu significado na vida das pessoas e da humanidade20. A reflexão
teológica se converte em uma mediação profética21 na luta pelo Reino e a teologia
em uma teologia da ação.
A teologia assume a função de sabedoria, para iluminar a vida e
ação cristã em um mundo de “exílio” e a função profética da ação com intenção22
de estabelecer no mundo o Reino de Deus. A transformação da realidade no
mundo do Reino se converte em “lugar teológico” indispensável para a reflexão
teológica. A leitura cristã da realidade é possibilitada pelas mediações humanas,
para transformar essa realidade em outra profundamente humana e evangélica:
fides praxim ecclesiae in societas dirigens. Vendo e julgando a realidade desde a
perspectiva do Reino de Deus.
19 Cf. Ellacuría, Ignacio.“hacia una fundamentación filosófica del método latinoamericano.” Revista
ECA 322-323 (1975): 418ss.
20 Cf. Wright, E. El Dios que actúa. Teología bíblica como narración. Madrid: Ed.fax, 1974.
21 21 Cfr. Cavagi, Augusto. Ser profeta hoy. La dimensión profética de la experiencia cristiana.
Santander: Sal Terrae, 1987.
22 A intencionalidade, ou consciência que empurra a ação, é desenvolvida no Capítulo IV do livro
de Paul Ricoeur, El discurso de la acción.
71
O teólogo torna-se um profeta que relembra o passado cristão para
reconstruir o presente à luz do Evangelho de Jesús.23 A teologia da ação parte
do homem desumanizado para superar este situação de pecado e humanizá-lo,
conforme os pressupostos das bem-aventuranças. O objeto da teologia da ação,
como o todo da teologia, é a revelação de Deus em Jesus Cristo, mas propõe,
como ponto de partida, uma antropologia cristocêntrica. É menos orientado
para o institucional-hierárquica e prioriza a realidade social de ser humano.24 Está
em relação crítica com os contextos humanos e sócio-políticos. Por isso é uma
teologia contextual.
E assim, a teologia da ação está atravessada pela possibilidade de uma
vida humana e digna para todos e pelo ideal de uma sociedade justa humana e
livre, antecipatória do Reino de Deus nos valores das bem-aventuranças. É como
recuperar ação teológica cristã na época dos Padres: Fides vitam Verbo illuminans”,
“A vida iluminada pela fé na Palavra. “
72
O componente epistemológico que caracteriza a teologia da ação é
o método para fazer teologia (o método a caracteriza como ciência). Aqui
estão os principais componentes epistemológicos da teologia da ação:
-
É uma teologia «contextualizada» porque assume toda a realidade
histórica e humana, concreta e confl a, como elemento constitutivo
da refl xão teológica. Portanto, analisa a realidade através das
ciências sociais histórico-críticas e a interpreta a partir das ciências
hermeneuticas e do mundo dos valores.
-
Nessa relação com as ciências, a teologia da ação parte da ação
redentora e libertadora das comunidades cristãs comprometidas
do ponto de vista da sua fé em Cristo e de seu ideal da sociedade do
Reino de Deus.25
-
A teologia da realidade humana considera a realidade humana,
histórica e social desde a totalidade, numa análise“estrutural”e global.
-
Compromete-se com uma ação“libertadora”, como parte da vida de fé:
uma prática que incide nos contextos históricos-estruturais e considera
a opressão como um pecado estrutural do qual tem-se de libertar a
sociedade dos mais pobres. Essa práxis libertadora é constitutiva de
23 Cf. Comblin, Joseph. hacia una teología de la acción: treinta años de investigaciones. barcelona:
Ed. herder, 1964.
24 RAMOS, Julio A. Teología pastoral. Serie “Manuales de teología”. Madrid: l.
25 Cf. Audinet Jacques. “Theologie pratique et pratique théologique.” En humanisme et foi
chrétienne, por Kannengiesser y Marchasson, Paris: beauchesne, 1976.301-493.
refl xão teológica e a matriz hermenêutica, que inspira a fonte de
produção teológica.26
-
Esta teologia parte da tomada de consciência da realidade, motivada
pela fé em Cristo e seu Evangelho, e se traduz em participação ativa
nos processos libertadores. Assim, a práxis solidária e libertadora se
converte em um momento interno de refl xão teológica, ao destacar
o anúncio de Jesus sobre o Reino de Deus entre os homens.
Poderíamosresumirdizendoqueateologiaéum profetismo contextualizado
que aponta para a reconstrução das comunidades cristãs comprometidas, tendo em
conta o contexto histórico-social dos pobres e excluídos. É, portanto, uma teologia
profética que aponta para um novo mundo que privilegia a opção pelos pobres
numa forma real. O Vaticano II favoreceu este sentido de realidade histórica na
reflexão teológica, quando afirmou:
...as obras que Deus realiza na história da salvação manifestam e
confirmam a doutrina e as realidades, que as palavras significam: por
sua vez, as palavras proclamam as obras e esclarecem o mistério. (DV,
n º 2)
Por esta razão, na constituição gaudium et Spes, GS, conclui Concilio:
É necessário, portanto, conhecer e compreender o mundo em
que vivemos, suas esperanças, aspirações e risco dramático
que com frequencia o caracteriza. Por isso, «procura discernir
nos acontecimentos, exigências e desejos dos quais participa,
juntamente com os seus contemporâneos, os verdadeiros sinais da
presença ou planos de Deus. (N º 11).
A experiência do passado, o progresso científico, os tesouros
escondidos nas diversas culturas, permitem conhecer mais
profundamente a natureza humana, abrem os vários caminhos para
a verdade e são úteis também para a Igreja. (N º 4)
AIgreja, pordispordeumaestruturasocialvisível, sinaldesuaunidade
em Cristo, pode enriquecer-se, e de fato é também enriquecida, com
a evolução da vida social (...) para conhecer mais profundamente a
própria constituição, para expressá-la de uma forma mais perfeita e
para adaptá-la com maior acerto aos nossos tempos. (Ibidem)
26 Cf. SObRINO, Jon. La fe en Jesucristo. Ensayo desde las víctimas. Madrid: Ed. Trotta, 1999.
73
A natureza da reflexão teológica na teologia pastoral27
A. O funcionamento de reflexão teológica
Não se pode fazer teologia senão se reflete a fé no contexto de realidade
histórica. faltaria o sentido da Encarnação. A teologia deve ajudar os cristãos
a viver sua fé na realidade histórica em que se encontram inseridos. A reflexão
teológica supõe a contribuição das ciências sociais e humanas que proporcionam
o conhecimento dessa realidade. Só assim podemos entender o significado tanto
histórico quanto cultural dessa realidade, necessária para que a teologia adicione
o sentido da fé.
74
Quando falo do agente teológico-pastoral28, quero dizer que o
teólogo deveria viver a sua vida e práxis cristã junto à sua comunidade cristã
comprometido, procurando encontrar um significado antropológico, social e
cultural das situações vividas e, ao mesmo tempo, - num discernimento evangélico
– o sentido de fé das mesmas. Este sentido, com base na fé, não acrescenta nada
à realidade; simplesmente explicita um elemento que as demais interpretações
negligenciam ou esquecem. Conforme Jacques Audinet29 não se trata de fazer
primeiramente um estudo sociocultural e, depois, o discernimento de fé, mas sim
que o discernimento de fé seja feito sobre a práxis da ação libertadora e salvadora.
Articula-se, assim, uma possível prática pastoral, como prática teórica:
-
Parte-se da ação evangelizadora das comunidades cristãs
comprometidas e das sínteses, que vão surgindo, entre a fé-vidahistoria-cultura nessas comunidades. O agente-teólogo, por um lado,
participa de tal ação e, por outro, é o motor da reflexão históricocultural (significados) e da fé (sentido) que reorganiza a evangelização
em sua comunidade de vivência apostólica e de fé. Quando o
teólogo-pastoral, convive e acompanha seu povo, desenvolve sua
teologia no seio da experiência ascético-mística e comunitária da
fé, demostrando que o seguimento constitui lugar genuíno da
teologia feita a partir de, em e com a comunidade. Assim, “aqueles
que acolhem com sinceridade a boa Nova, mediante tal aceitação e
participação na fé, se reúnem em nome de Jesus para buscar juntos
27 O autor assume aqui as opiniões expressas no artigo publicado no livro una historia hecha vida,
publicada pela faculdade de Teologia da Universidade Javeriana, por ocasião dos 70 anos de sua
obra teológica. Cf. Vela, “Tendencias actuales en teología pastoral “, 251-271.
28 O teólogo deve viver a sua experiência de fé e prática cristã, juntamente com a comunidade de
fé.
29 Cf. Vela, “Tendencias actuales de la teología pastoral”, 251-271.
o Reino, construí-lo, vivê-lo. Eles constituem uma comunidade que é
ao mesmo tempo evangelizadora «(EN, n º 13).
-
Reflete-se sobre o «significado cultural histórico» da sua ação
evangelizadora no meio ambiente e sobre o «sentido» da fé deste
significado. Surge, assim um código interpretativo de princípios e
condutas, que possibilita fazer uma reflexão teológica no sentido
de sabedoria, para capacitar os cristãos a viverem o Evangelho de
maneira coerente e como resposta à história que são vivendo.30 É a
teologia como sabedoria. A implicação destas duas variáveis
-
significado na história e cultura - nos revela os mecanismos
ideológicos que justificam e encobrem as relações de poder, os
mecanismos sociais injustos e mentirosos e desvios estruturais. Isso
permite uma reflexão teológica sobre a força desmistificadora da fé
que move uma opção pela justiça baseada no amor ao oprimido.31
-
Esta produção teológica impele às comunidades cristãs
comprometidas a reorientar sua práxis evangelizadora e libertadora.
-
Mas, o impulso e a animação da teologia-sabedoria deve ser profetico
pois tenta desvendar o significado dos eventos que são parte da
história, para por em destaque o significado da Palavra de Deus no
meio do povo.
O profeta está chamado a ler os acontecimentos históricos, para que o
povo de Deus possa discernir os sinais da presença e da ação de Deus ou as forças
do mal, para compreender também na história «acontecimentos e desejos do
povo «(cf. GS, n º 11). O teólogo-profeta está chamado a incutir uma fé que una
a rejeição da injustiça e da opressão com a busca do Reino de Deus na história
presente. Como todo evangelizador «tem o dever de anunciar a libertação de
milhões de seres humanos, entre os quais há muitos filhos seus, o dever de ajudar
a que nasça esta libertação, de dar testemunho da mesma, de fazer que ela seja
total.» (EN, n º 39).
O ser profético do teólogo pastoral deve cuidar para não dissumular a
verdade sem avassalá-la (EN, n º 78); antes deve interpretar os sinais dos tempos
e descobrir os anseios mais profundos do povo para o reconhecimento efetivo
30 Este é o significado dos livros bíblicos durante a escravidão no Império babilônico (livros/novelas
que ensinavama viver a lei mosaica na escravidão); ou durante o império grego dos selêucidas
(Macabeus) em que se escreveram os livros da Sabedoria e Eclesiastes.
31 “O amor de Deus, que nos dignifica radicalmente, por necessidade, torna-se comunhão de amor
por outros homens e de participação fraterna; para nós hoje, deve tornar-se, principalmente
obra de justiça para os oprimidos, esforço de libertação para os mais a necessitam.”( Documento
de Puebla, n º 327).
75
de sua dignidade, a reconhecer as profundas aspirações dos povos à justiça
e libertação. O próprio Paulo VI, neste número da EN, exorta aos teólogos: “O
trabalho de evangelização precisa de vosso incansável trabalho de pesquisa, e
também de vossa atenção e delicadeza na transmissão da verdade ... “
B. O objeto privilegiado de reflexão teológica
O objeto privilegiado de reflexão teológica é a revelação
e sua resposta humana na fé. Isto se baseia nos seguintes pontos:
(1) o deus revelado em Jesus cristo:
-
O momento privilegiado é a experiência de Deus em Jesus, em
determinado momento da história e a ação salvadora e libertadora
de Deus através de Jesus, que culmina na experiência pascal. Jesus
compartilha esta experiência com a comunidade de seus apóstolos e
discípulos.
-
A primeira comunidade apostólica vive a experiência de ser em Jesus,
compartilhada com os apostolos.
-
As comunidades primitivas apostólicos revivem a experiência de
Deus que os apóstolos tiveram com Jesus.
76
(2)
A experiência cristã na tradição da igreja: Experiência de
desenvolvimento e decadencia.32 Terá que desenvolver o juízo crítico, para aceitar
o desenvolvimento e rejeitar a decadência desta tradição.33
(3) As atuais comunidades cristãs comprometidas inseridas na história e na
cultura, testemunhas e mártires: comunidades que:
-
vivem uma profunda experiência de fé e um compromisso
evangelizador,
-
realizam o Reino no mundo,
32 Ver Lonergan, bernard. “La historia crítica.” in Método en teología, por bernard Lonergan, 169189. Salamanca: Sígueme, 1988.
33 São expressões de Lonergan em seu Método en Teología
-
são coerentes em seu testemunho de fé,
-
sofrem por seu testemunho «martirial» eminente da fé diante do
mundo, inimigo de Cristo.34
(4) opovocristãoemsuaexperiênciadeféedeprojetoshistóricos: é necessário
ter em conta a dialética das “comunidades cristãs comprometidas e as ações e
compromissos do povo cristão, para não considerar simplesmente um cristianismo
deelite.AscomunidadeseoPovodeDeusinteragemeseenriquecem.Comtudoisto,
devemos ter um sentido crítico para distinguir a decadências do desenvolvimento
positivo da fé cristã do povo.Uma consideração importante no povo cristão é
a religiosidade popular, contanto que ela seja purificada dos mitos e idolatrias.
Ao considerar o povo, devemos fixar a nossa atenção especialmente no «povo
pobre», pois é onde mais claramente descobriremos o Cristo, revelação do Pai aos
homens. Cristo se identificou com eles, ao tornar-se homem.
77
Os pobres são, assim, os primeiros destinatários da sua missão (Lc
4,18-21) e sua evangelização é por excelência o sinal e a prova da
missão de Jesus. (Lc 7:21-23). (Puebla, 1142)
Por isso, o serviço dos pobres é medida tão privilegiado, embora não
excludente de nosso seguimento de Cristo. (Puebla, 1145)
O compromisso com os pobres e oprimidos ajuda a Igreja a descobrir
o seu potencial evangelizador e a chama à conversão. (Puebla, 1147)
5) uma pergunta importante é: em que medida os ateus, que estão
comprometidos profundamente com o homem e sua libertação, também são
uma fonte de revelação de Deus em Cristo libertador e salvador. São também
um questionamento ao homem «religioso» que fica enredado em seus rituais e
instituições e ignora completamente o que está ferido ás margens do caminho ...
(cf. parábola do Samaritano) .35
34 Cf. Vela, “La experiencia da fe como experiencia salvifica” Revista CIV 219 (2001): 1-32.
35 Este é o questionamento de habermas em israel ou Atenas.
Para resumir, a teologia deve ser principalmente uma reflexão teórica que
seja capaz de elaborar um código de princípios e critérios orientadores para a
vida e ação evangelizadora dos cristãos, um código em função da sabedoria, para
orientar o discernimento do caminho a seguir. De nenhuma maneira pode ser um
desenvolvimento teológico especulativo.
Os conhecimentos religiosos anteriores devem referir-se às experiências
religiosasanteriores. Etaisreflexõeseexperiências devemsubsidiarasexperiências
atuais, para incidir sobre o significado e autenticidade de tais experiências para
a história e cultura atual. Não se trata de afirmar uma igualdade na práxis e
experiência da fé e da ação salvadora entre as experiências da salvação e situação
atual, mas uma proporcionalidade: assim como os cristãos do passado viveram a
experiência de fé e a ação salvadora no mundo, os cristãos devem viver em sua
história e cultura sob o mesmo espírito de Jesus. Não se trata simplesmente“imitar
a Jesus”, mas sim “seguí-lo» como discípulos em um comunidade dos discípulos
(Mt 28:18), porém, em nosso tempo.
78
Trata-se de uma «transposição de significado»: as atuais comunidades
cristãs procuram aplicar o Evangelho à sua situação específica, do mesmo modo
que procurava fazê-lo a comunidade primitiva. De uma maneira «criativa»,
mas com o mesmo espírito, transpõe-se 36 o texto do Evanglho para a vida.
Existe um identico sentido de fé, com significados históricos análogos nos dois
contextos. A mensagem atual torna-se uma mensagem salvação para hoje. Assim,
o sentido “acontece” na atualidade histórica através e além do texto passado.37
Por isso, da Escritura não se pode esperar fórmulas “cópia” ou
técnicas “aplicadas”. O que podemos oferecer é algo diferente,
como orientação, modelos, políticas, critérios, inspirações, enfim,
elementos que nos permitem adquirir para nós mesmos uma
“competência hermenêutica”, dando-nos a capacidade de julgar por
nós mesmos,“na acepção de Cristo” ou“ de acordo com o Espírito “de
situações novas e imprevistas com que continuamente.38
Por isso esta “recriação” da vida cristã e do agir exige um contínuo
discernimento a partir do código de interpretação e critérios de vida e de ação
para evitar uma reflexão teológica “idealizada”. E este código interpretativo deve
ser oferecido pela teologia pastoral.
36 A palavra é de EN, nº. 63.
37 Diz S.Jerônimo:“evangelium non consistit in verbis (...) sed in sensu, non in superficie, sed in medula.”
Seria enriquecedor para a hermenêutica recuperar a teoria dos Padres sobre o sentido espiritual
das Escrituras. (Cf. boff, Teologia de lo politico, 277, nota 41.
38 Ibid., 239.
O interlocutor da teologia não é filosofia ou ciência (das quais Paulo diz
que elas não foram capazes de conhecer e aceitar a Cristo) mas os indivíduos e as
comunidades cristãs, enquanto sujeitos e atores da experiência cristã e atores da
evangelização em seu compromisso com o mundo e, portanto, os interlocutores
devem ser história, sociedade e cultural enquanto receptores deste compromisso..
Daí que na linguagem teológica se deve favorecer a linguagem da sociologia,
antropologia e cultura.
CONCLUSÃO
A proposta é desenvolver uma teologia-sabedoria que tenha em conta o
contexto e desemboque numa teologia da ação. Esta proposta é uma exigência
acadêmica do nosso tempo, para superar o dogmatismo e teologia abstrata,
que por responder a todos os tempos, não responde a nenhum, menos que as
exigências atuais de nossa historia, não responda aos problemas de nossa vida
concreta.
79
80

Documentos relacionados