fotografia e memória da baixada fluminense
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fotografia e memória da baixada fluminense
FOTOGRAFIA E MEMÓRIA DA BAIXADA FLUMINENSE (2007-2008) Fernando da Silva Rodrigues Bolsistas: Natália Azevedo Crivello Rosemere da Silva Alves Vilarde RESUMO: Este estudo sobre o uso da fotografia pretende articular o uso cultural das imagens fotográficas à política de um município que futuramente se utilizará dessa fonte documental para estabelecer seus interesses públicos. PALAVRAS-CHAVE: Fotografia. Política e Memória. O presente artigo tem por finalidade divulgar os resultados da pesquisa de iniciação científica empreendida durante os anos de 2007 e de 2008, na Universidade Iguaçu (UNIG), na qual procuramos analisar historicamente as fotografias de uma coleção particular sobre a região de Nova Iguaçu. Ao longo do século XX, o ato de fotografar, além de fascinante, tornou-se hábito e necessidade, o que conferiu à fotografia o caráter de preciosa fonte histórica. No Brasil ela vem sendo objeto, nos últimos anos, de um crescente investimento técnico e teórico por parte de diversas instituições acadêmicas, não obstante as dificuldades conhecidas de todos e por diversos intelectuais que colocam seus trabalhos para o apoio de novas pesquisas, tais como Boris Kossoy, Ana Maria Mauad, Aline Lopes Lacerda, Maurício Lissovsky e Milton Guran, que trouxeram uma farta contribuição cultural para a História. Viajando pela história, percebemos que as relações com a imagem não são recentes e que surgiram no momento em que o homem adquire consciência da sua humanidade. O primeiro sentido percebido foi o da visão, aplicado também na formação de imagens mentais que forneceram ao homem os primeiros meios de ver a história de si e do seu grupo. Outros sentidos foram sendo desenvolvidos ao longo do tempo, conforme o grau de subjetividade desenvolvido pelo homem. Durante muito tempo, a humanidade se viu administrando uma cultura histórica basicamente fundamentada no que se via, armazenando as informações em sua memória visual ou reproduzindo-as de forma concreta (pintura, estátuas, gravuras). A leitura do texto visual passa por regras usadas pelos destinatários da mensagem fotográfica. Regras que são convencionadas pelo resultado da disputa pelo significado mais apropriado às representações culturais. Essas regras podem variar dependendo do momento histórico, do veículo que transmite a imagem até a sua circulação e o consumo da imagem. No caso de fotografias, o principal instrumento de veiculação são os álbuns fotográficos, embora periódicos e revistas também sejam relevantes. No ano de 2007, a Universidade Iguaçu recebeu como doação uma grande quantidade de material fotográfico do Sr. Nei Alberto, cidadão iguaçuano, que tem sua trajetória de vida associada à História dessa região. O espaço reservado à guarda definitiva do material fotográfico ainda não foi determinado por motivos estruturais/administrativos, pendências que esperamos serem resolvidas com o máximo de urgência a fim de que possa facilitar o desenvolvimento da pesquisa já iniciada. De posse de uma parcela do material, tomamos como decisão que seria realizada a pesquisa analítica com base nos seguintes temas: História Política de Nova Iguaçu; Espaços da Política: entre a Câmara de Vereadores e os bares de Nova Iguaçu; Evolução espacial da cidade de Nova Iguaçu; Religião e religiosidade; Memória da Justiça: entre Fórum, cadeias, e juízes; Espaço da cultura em Nova Iguaçu; A sociedade dos comuns e a cidade de Nova Iguaçu; Personalidades Iguaçuanas: lembranças e esquecimentos; Festividades e lazer em Nova Iguaçu; e Educação e a cidade no projeto político de Nova Iguaçu. Durante o contato com a coleção verificamos que o material fotográfico se encontra já tratado e em parte catalogado, necessitando apenas, de uma revisão histórica das legendas registradas pelo Sr. Nei Alberto, doador da coleção fotográfica. Nossa proposta de trabalho com as fotografias produzidas da Baixada Fluminense avançou com a análise da mensagem fotográfica baseada nas seguintes categorias espaciais: o espaço fotográfico, o espaço geográfico, o espaço do objeto, o espaço da figuração e o espaço das vivências. O estudo de cada uma destas categorias espaciais presentes tornou possível a avaliação dos códigos de representação que compõem a memória desta região e o pensamento político e cultural de seus atores. 90 No caso das fotografias produzidas sobre a Baixada Fluminense, verificamos certa intencionalidade com relação à documentação, pois na condição de documento as fotografias serviram de registros de uma sociedade e de seus atores políticos no processo de construção da memória, condição essencial para se estabelecer a soberania espacial e a hegemonia política. Os estudos das questões metodológicas mostram que a fotografia original adquiriu a condição de fonte primária, através da qual podemos analisar um determinado fato histórico. A sua reprodução torna essa mesma fotografia uma fonte secundária, que será um multiplicador de conteúdo ou um instrumento de disseminação da informação histórica. No contexto da evolução histórica da região, esse artigo buscou realizar o exercício de iconologia1 de uma parcela de fotografias de Nova Iguaçu, especificamente da produzida durante a primeira metade do século XX. Essas fotografias atualmente são custodiadas pelo Centro de Documentação Histórica da FaEL, da Universidade Iguaçu. Em 1931, o presidente Getúlio Vargas visitou a cidade de Nova Iguaçu. Naquela ocasião realizou algumas inaugurações: o calçamento da Rua Getúlio Vargas; a ‘packing house’, uma das casas de beneficiamento da laranja; e lançou a pedra fundamental do Hospital Iguaçu. A fotografia Nº 1, na seqüência, é um registro dessa visita do presidente, que foi retratado ao centro, rodeado pelos indivíduos que compunham a elite local. Sentado à direita de Vargas, está o político Manoel Reis. 1 Análise da fotografia buscando sua interpretação; as informações que não são perceptíveis a um olhar mais superficial. 91 Analisando a imagem fotográfica percebe-se uma intenção de satisfação do desejo de representação das camadas sociais que são retratadas na imagem. O instantâneo imortaliza, neste caso, a imagem de forma nobre, sobretudo porque juntamente com os indivíduos da localidade, na composição da pose, está o Presidente da República. Diante da câmara, artistas, sábios, homens de Estado, funcionários e modestos empregados são todos iguais; a câmara fotográfica tem, nesse sentido, ao mesmo tempo, a capacidade de equalizar os homens e de possibilitar que determinado grupo social comprove sua legitimidade através desses registros. As fotografias seguintes nos revelam a região central de Nova Iguaçu em dois períodos distintos. A fotografia Nº 2 é uma panorâmica do centro de Nova Iguaçu em 1932, com os laranjais no centro, e a matriz de Santo Antônio de Jacutinga, ainda, com duas torres. A fotografia Nº 3 mostra o centro de Nova Iguaçu em 1941, em outro ângulo, direcionando a condução do olhar. Nesta imagem, é retratada catedral de Santo Antônio e a construção situada nos fundos da referida catedral é o colégio IESA. 92 Em ambas as imagens pode ser verificado o cuidado em registrar o poder eclesiástico através da representação da igreja, neste caso a matriz de Santo Antônio de Jacutinga / Catedral. Em comparação, as imagens nos revelam uma transformação considerável do espaço central de Nova Iguaçu. As mudanças urbanas ocorridas se verificaram em decorrência do capital gerado pelos negócios de beneficiamento e exportação de laranja e pelo comércio e indústrias de pequeno porte. As principais transformações urbanas de Nova Iguaçu só irão acontecer no período posterior ao auge da produção dos laranjais. Isto em decorrência de que os laranjais até finais da década de 1930 ocupavam o distrito sede que compreendia também os atuais municípios de Belford Roxo e Mesquita. A partir de 1940 uma crise gerada pela conjuntura internacional da Segunda Guerra Mundial atingiu a citricultura levando à sua decadência, o que viabilizou a reconfiguração do território através de loteamentos. Estes fatos favoreceram a demanda de espaço para abrigar os trabalhadores das áreas periféricas ao Rio de Janeiro. Na imagem Nº 4, de 1935, temos registros fotográficos da Cadeia, do Fórum com um pequeno alojamento para os soldados da Força Pública (Polícia Militar), bem como a construção do Hospital Iguaçu. A fotografia retrata tanto um espaço desocupado 93 quanto um espaço em construção. As construções em andamento nos remetem a uma proposta dentro do processo civilizador local. A urbanização incipiente da localidade mostra a possibilidade de novos investimentos do capital obtido da cultura das laranjas. As transformações urbanas ocorridas determinam as demandas espaciais para as populações crescentes e o aumento destas obriga necessariamente à construção de um hospital e de uma prisão para manter a saúde do povo e a ordem interna da região. Hospital e prisão, locais em que são confinados os doentes e marginais sintomas da estrutura de modernização da própria sociedade. Nesse caso, a construção desses prédios que conferem certa imponência tanto pela monumentalidade, quanto pela função de confinamento e controle social, também é sintoma de uma civilização que reconhece a necessidade de se proteger de alguns tipos de pessoas. A imagem nos remete, ainda, a outra possibilidade, ou seja, a de se comprovar a eficiência da administração pública com obras e benfeitorias que foram registradas para guardar na memória do povo os feitos da sociedade política. A imagem Nº 5 retrata uma parada de estudantes do Ginásio Leopoldo no dia da inauguração da garagem da prefeitura, no início da década de 1940. O prefeito de Nova Iguaçu neste período era Bento Santos de Almeida, e a rua do desfile é a Athayde Pimenta de Moraes. 94 A peculiaridade nesta imagem é a disposição de um grupo de alunas, à frente do desfile, logo após a banda. Muito interessante é o destaque que o uniforme branco e bem cuidado dá a esse grupo de alunas, neste caso normalistas, tanto em relação aos outros alunos, mas principalmente em relação rua de terra, ainda não pavimentada O branco do uniforme parece estar fora do lugar, do contexto. A fotografia de um desfile de colégio liderado por normalistas sugere certa harmonia, nos revela uma necessidade de registrar a civilização num contexto de uma cidade que deixa de ser essencialmente agrária e inicia um processo de urbanização. A posição de evidência das normalistas na frente do desfile remete à valorização da profissão de professora nas décadas de 1930 e 1940 em função da preocupação com o futuro da nação. Neste caso é ressaltado o papel da mulher na educação, seja no contexto escolar, seja no contexto familiar. A imagem Nº 6 registra a escadaria da “Ponte da Estação” de Nova Iguaçu, vista da Avenida Marechal Floriano, em 1940. O século XIX foi o século das estradas de ferro, símbolo de progresso, com seus trilhos e vagões cortando os espaços vazios. Com essas vias de comunicação, chegam também as leis, as reformas, os orçamentos, as riquezas, a civilização, a paz, a segurança, e o respeito às pessoas de bem. 95 A implantação da ferrovia não foi uma ação com objetivo de atender os interesses dos cidadãos comuns, mas a um projeto de comércio orientado para o abastecimento consumidor da Corte no Rio de Janeiro. Primeiramente, foram direcionadas para o transporte de cargas. No início do século XX, com a reforma do Prefeito Pereira Passos no centro do Rio de Janeiro, tem início o transporte de passageiros, trabalhadores que foram deslocados do centro comercial do Rio de Janeiro, principal espaço das decisões políticas, para a periferia, locais distantes da civilização. Ali, a ferrovia reafirma a condição de passagem do território da baixada fluminense. Na fotografia Nº 7, podemos observar a área onde atualmente está localizada a Via Light. A via transversal com os ônibus é a Rua Capitão Sena. A imagem nos dá um panorama do processo de urbanização da sede do município, que é reforçado com a perenização, ao centro, da imagem dos fios condutores da Light. A eletricidade, nesse caso, é um sintoma do movimento de progresso material pelos quais passou o município. 96 Fonte: Centro de Documentação Histórica da FaEL - UNIG A última fotografia, a oitava, retrata a inauguração das luminárias a vapor, na Travessa Rosinda Martins, na década de 1950. O que é perceptível ao primeiro olhar é a contradição entre a quantidade de luminárias (a imagem nos mostra apenas cinco) e a quantidade de pessoas na inauguração. Intrigante que, numa fotografia, onde as luminárias deveriam ser o centro das atenções, estas permanecem relegadas ao segundo plano na imagem. A câmara, através do olhar do fotógrafo, capta os indivíduos que participam da inauguração. 97 A fotografia que, neste caso, retrata um ato público, uma benfeitoria, parece esconder a intenção de retratar o bem-feitor, o responsável pelas luminárias que possibilitam a evolução da localidade, dentro de uma proposta de construção e modernização gradativa do lugar. O responsável pelo ato modernizador, é o vereador Dionísio Bossi, que na imagem é representado, na primeira fila, em quarto lugar, da esquerda para a direita. Após esse pequeno estudo, concluímos que o uso de imagens fotográficas como documento testemunhal é uma necessidade nos tempos atuais. Os textos continuam sendo importantes fontes, mas temos que aprender a utilizar as imagens como fontes históricas e não como complementos monográficos. A História de uma sociedade pode estar representada pelos álbuns de famílias, nas imagens retratando cidades e seus espaços físicos, nas imagens que retratam os costumes de uma época, os tipos de moradia, as estruturas políticas, econômicas e sociais. Referências Bibliográficas: LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Unicamp, 1994. FORTE, José Mattoso Maia. Memória da Fundação de Iguassú. Rio de Janeiro: Typografia do Jornal do Commercio, 1933. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989. PEIXOTO, Ruy Afrânio. Imagens Iguaçuanas. s/l: s/ed.., s/d. RODRIGUES, Fernando da Silva. Um olhar diferente sobre Rondon: imagens do processo civilizador do sertão centro-oeste e norte brasileiro na primeira república. Dissertação de Mestrado. Vassouras, RJ: Universidade Severino Sombra, 2005. PHOTOGRAPHY AND MEMORY OF THE BAIXADA FLUMINENSE Fernando da Silva Rodrigues Researchers: Natália Azevedo Crivello Rosemere da Silva Alves Vilarde 98 ABSTRACT: This study about how the use of the photograph in the politics of a municipality intends to articulate the cultural use of the photographic images as a documentary source to analyze the issues concerning the public interests on the subject. KEY-WORDS: Photography. Politics. Memory. 99