Roubar por omissão - Fátima Missionária

Transcrição

Roubar por omissão - Fátima Missionária
PONTO DE VISTA
Roubar por omissão
texto Alfredo Bruto da Costa*
Há frases que se ouvem, como,
por exemplo: «Não há mal em ser
rico. O problema está no apego às
coisas». É uma afirmação que eu
ponho em causa, de uma forma muito
séria. Pergunto se é possível ser rico
sem apego à riqueza, no mundo onde,
todos os dias, morre gente à fome.
«Teoricamente, não há mal em ser
rico. O problema está no apego».
É uma frase que pode contribuir
para que continue tudo na mesma.
O problema dos cristãos nesta matéria
não é de fazermos mal, sabendo que
estamos a fazer. O grande problema
da Igreja como comunidade de
crentes, na relação pobreza-riqueza,
é o pecado de omissão. É o problema
do rico e de Lázaro da parábola do
evangelho. Não consta que o rico
tenha feito mal a Lázaro, que o tenha
tratado mal. Como também não
consta que o rico seja condenado por
ser rico. É a presença de Lázaro que
altera completamente o quadro.
O rico é condenado perante Lázaro
e perante uma omissão.
A catequese cristã
praticamente não valoriza o pecado
da omissão. Daí que também se
peque objectivamente – embora
subjectivamente não seja pecado
– no sentido que se contrariam os
desígnios e a vontade de Deus, sem
consciência disso, por ideias mal
construídas sobre o que é a exigência
do evangelho nessa matéria.
A condenação ou os limites da posse
não têm só a ver com a forma ilícita
como os bens são adquiridos. Na
Bíblia, há inúmeras condenações dos
profetas que têm como pressuposto
que os bens foram adquiridos
ilicitamente, como falsear os pesos
e as medidas. Mas temos que tomar
consciência de que a nossa relação
com os bens pode ser viciosa,
independentemente da forma como
os adquirimos. Não é preciso que
a forma seja ilícita para que seja
um roubo.
Entramos aqui no capítulo
do pensamento social da Igreja,
relativamente à relação do homem
com os bens. Conhecemos a frase de
Santo Ambrósio, que Paulo VI utiliza
na encíclica “Populorum progressio”:
«Quando dás ao pobre, não lhe dás
do teu; restituis o que lhe pertence».
Costumo usar esta frase ao contrário:
se dar ao pobre é restituir o que lhe
pertence, não dar ao pobre é ficar com
o que não me pertence. A isso eu chamo
roubar por omissão. É isso que me leva
a dizer que, nesta perspectiva, há muito
mais ladrão do que a gente julga.
João Paulo II disse algo de muito
parecido com a afirmação de
FÁTIMA MISSIONÁRIA
0 Maio 2010
Santo Ambrósio numa mensagem
quaresmal: «Partilhar é, no fim de
contas, fazer chegar ao outro aquilo
que lhe está destinado». Traduzindo
em forma negativa: Não partilhar é ficar
com o que está destinado ao outro.
As pessoas podem, nem sequer, ter
consciência de que podem estar a
violar o sétimo mandamento da lei
de Deus.
A partir de Leão XIII, no
magistério da Igreja, o destino
universal dos bens é um tema
recorrente. A sua doutrina social tem
tornado claro que esse pensamento
não é avulso. Entra num conjunto
hierarquizado de princípios. Uns são
mais importantes que outros. Este é
um caso muito claro. Há documentos
da Igreja que classificam o princípio
do destino universal dos bens da
terra como o mais importante da
ordem económica. Paulo VI afirma,
na “Populorum progressio”, que é um
princípio anterior ao próprio princípio
da propriedade privada. Portanto, este
não pode contrariar o destino universal
dos bens. Antes pelo contrário. Deve
contribuir para a realização desse
princípio. É urgente reconduzir as
coisas ao seu destino original.
* Presidente da Comissão Nacional de
Justiça e Paz – Texto de conferência
aos Missionários da Consolata

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