945 O capitalismo monopolista vivencia uma crise estrutural. Uma

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945 O capitalismo monopolista vivencia uma crise estrutural. Uma
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A TEORIA DO CAPITAL HUMANO: HISTÓRIA, TRABALHO
E CAPACITAÇÃO DOS TRABALHADORES.
Carlos Alberto Lucena
Universidade Federal de Uberlândia
RESUMO
O capitalismo monopolista está em crise. Uma crise que ocorre enquanto um movimento contraditório eleitor de
beneficiados – os segmentos dos homens de negócios – e de miseráveis – os desempregados. As crises não são
fenômenos pacíficos ou de imobilidade, ao contrário, são dinâmicas e apontam para a transformação. Porém,
nem toda transformação é revolucionária. A transformação só é revolucionária quando está em discussão o modo
de produção: o jeito de viver e trabalhar relativo à sociedade e à sua superação. Quando o modo de produção não
está em discussão, o conceito “transformação” toma uma outra dimensão. A mesma assumi o princípio do
reformismo, articulado em práticas e princípios conservadores e que representam a continuidade dos interesses
sociais. Nas fronteiras do reformismo, transformação é sinônimo de conservadorismo e antônimo de superação.
O capital em um movimento contraditório, de conflitos inconciliáveis entre classes, tem um caráter cíclico de
apogeus e crises. Quanto maior a resistência dos movimentos sociais a suas ações, maior a tendência em
conceder benefícios sociais visando reduzir os conflitos e as contradições. Por outro lado, em períodos históricos
em que os movimentos sociais se desarticulam e oferece menor resistência, apressa-se em retirar, ao máximo
possível, aquilo que foi obrigado a conceder. O capital cria as suas crises e, ao mesmo tempo, as estratégias para
resolvê-las. A transformação, nesse sentido, corresponde à garantia da sua reprodução. As transformações em
curso no mundo do trabalho apresentam essas características. Elas não são o limiar de uma possível humanização
do capital ou de avançadas relações de trabalho que apontam para um trabalhador superior, mas sim um
movimento conservador que mantém os interesses dos homens de negócios como fundamental. Articulado a
todo esse processo esse processo está a história da capacitação profissional dos trabalhadores. Em um processo
contraditório, a Teoria do Capital Humano está em debate. Compreendendo-a como um dos alicerces que
perpetua o trabalho alienado, demonstramos que transcende os “Anos de Ouro” ganhando outra dimensão nos
“Anos de Crise” do capitalismo. Independente das transformações estruturais porque passa o capitalismo
monopolista, a mesma persiste e ganha novas feições e interpretações. O debate sobre a Teoria do Capital
humano nos últimos trinta anos aponta para a manutenção do princípio redentor da escola. Permanece inalterado
o discurso que advoga a necessidade de qualificação do trabalhador para que possa obter maior ganho salarial,
sendo o próprio trabalhador o responsável por buscar os meios de financiamento e comprar os serviços
oferecidos pelo mercado, a concretização da educação como um negócio. As políticas educacionais incentivam o
treinamento no trabalho como mecanismo de escape para que o Estado fique desobrigado para com a formação
profissional que a maioria da população pobre espera obter no ensino médio e superior. Alguns pilares da Teoria
do Capital Humano continuam fincados, mas outros mais fortes e sutis foram erguidos, engendrados nas
transformações do capitalismo das últimas décadas, caracterizado pela reestruturação produtiva resultante da
crescente automatização em todos os setores e em escala mundial. Partimos do princípio que a Teoria do Capital
Humano transforma-se em uma das bases que legitimam o princípio do “estar-empregável”: o jeito de viver e
trabalhar neoliberal, uma aposta radical no darwinismo social materializado na concorrência e na
individualidade. As implicações desse fenômeno devem ser aprofundadas em um processo dialético que articula
a crise do capitalismo e a história da educação dos trabalhadores do estado de Minas Gerais.
TRABALHO COMPLETO
O capitalismo monopolista vivencia uma crise estrutural. Uma crise que ocorre
enquanto um movimento contraditório eleitor de beneficiados – os segmentos dos homens de
negócios – e de miseráveis – os desempregados. As crises não são fenômenos pacíficos ou de
imobilidade, ao contrário, são dinâmicas e apontam para a transformação. Porém, nem toda
transformação é revolucionária. A transformação só é revolucionária quando está em
discussão o modo de produção: o jeito de viver e trabalhar relativo à sociedade e à sua
superação. Quando o modo de produção não está em discussão, o conceito “transformação”
toma uma outra dimensão. A mesma assumi o princípio do reformismo, articulado em
práticas e princípios conservadores e que representam a continuidade dos interesses sociais.
Nas fronteiras do reformismo, transformação é sinônimo de conservadorismo e antônimo de
superação.
O capital em um movimento contraditório, de conflitos inconciliáveis entre classes,
tem um caráter cíclico de apogeus e crises. Quanto maior a resistência dos movimentos
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sociais a suas ações, maior a tendência em conceder benefícios sociais visando reduzir os
conflitos e as contradições. Por outro lado, em períodos históricos em que os movimentos
sociais se desarticulam e oferece menor resistência, apressa-se em retirar, ao máximo
possível, aquilo que foi obrigado a conceder. O capital cria as suas crises e, ao mesmo tempo,
as estratégias para resolvê-las. A transformação, nesse sentido, corresponde à garantia da sua
reprodução. As transformações em curso no mundo do trabalho apresentam essas
características. Elas não são o limiar de uma possível humanização do capital ou de avançadas
relações de trabalho que apontam para um trabalhador superior, mas sim um movimento
conservador que mantém os interesses dos homens de negócios como fundamental.
Articulado a todo esse processo esse processo está a história da capacitação
profissional dos trabalhadores. Em um processo contraditório, a Teoria do Capital Humano
está em debate. Compreendendo-a como um dos alicerces que perpetua o trabalho alienado,
demonstramos que transcende os “Anos de Ouro” ganhando outra dimensão nos “Anos de
Crise” do capitalismo. A mesma transforma-se em uma das bases que legitimam o princípio
do “estar-empregável”: o jeito de viver e trabalhar neoliberal, uma aposta radical no
darwinismo social materializado na concorrência e na individualidade. As implicações desse
fenômeno devem ser aprofundadas em um processo dialético que articula a crise do
capitalismo e a história da educação dos trabalhadores do estado de Minas Gerais.
O capital se reorganizou no plano internacional. Bihr (1998) afirma que a economia
mundial não é mais internacional, mas sim transnacional. Suas ações atravessam as
economias nacionais afetando a sua autonomia, e ultrapassam-nas, sem conseguir superar
totalmente os limites do Estado-Nação. O espaço mundial atual é contraditório, composto de
homogeneização, através dos fluxos de mercadorias, de capitais, tecnologias, trabalhadores,
etc, e da fragmentação, devido à persistência do Estado e da hierarquização, imposta pelos
desenvolvimentos desiguais sobre os quais repousa a divisão internacional do trabalho.
Para Chesnais (1997), a partir de 1978, a burguesia mundial, conduzida pelos Estados
Unidos e pela Inglaterra, começou a desmantelar as instituições e estatutos que
materializavam o estado anterior das relações. As políticas de liberação, desregulamentação e
privatização surgiram como alternativa para que o capital reconquistasse a liberdade que
havia perdido a partir de 1914. É no domínio da moeda e das finanças, por um lado, e do
emprego das condições contratuais, pelo outro, que as políticas de liberação e
desregulamentação foram levadas mais longe e, de forma mais homogênea, entre um país
capitalista e outro. As prioridades ditadas pelo capital são, é claro, as do capital engajado na
extração de mais-valia na produção de mercadorias e de serviços, mas principalmente, e de
forma mais intensa nos últimos 15 anos, as de um capital extremamente centralizado que
conserva a forma monetária e que pretende se reproduzir como tal dentro da esfera financeira.
O poder, senão a própria existência desse capital monetário (ou capital-dinheiro), são
defendidos a qualquer custo pelas instituições financeiras internacionais e pelos Estados mais
poderosos do planeta.
O capital utiliza a liberdade de se deslocar entre um país ou continente ao outro. Essa
liberdade impôs à classe operária dos países mais avançados, as condições de exploração que
já existiam nos não avançados. A miséria, a falta de esperança e o desespero crescente tomam
uma dimensão transnacional. Chesnais (1997) entende que o conceito de capital deve ser visto
como uma totalidade, composto de diferenciações e hierarquizações. Ele pode ser dividido
nas seguintes categorias: capital produtivo, empregado na indústria em sentido amplo; capital
comercial, empregado na intermediação e na grande distribuição concentrada; e capitaldinheiro, entendido como capital monetário.
A transnacionalização do capital colocou em cheque as relações fordistas. O pacto
entre o Estado e os oligopólios não foi mais possível, pois uma grande parcela dos aparelhos
produtivos nacionais passou para as mãos de grupos internacionais, sobre os quais o Estado
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tem poucos meios de pressão. Ao mesmo tempo, com a difusão da transnacionalização do
capital, os homens de negócio representados pelos capitais financeiro, industrial e comercial,
começam a se interessar por uma difusão do mercado internacional em detrimento do
nacional. Essas mudanças na política de acumulação têm um caráter contraditório, pois ao
mesmo tempo em que servem aos interesses de homens de negócios, penalizam outras
parcelas dos próprios homens de negócios, pois nem todos têm acesso ou conseguem se
adaptar às suas transformações. As empresas que operam somente nos mercados nacionais são
duramente atingidas, agravando o desemprego estrutural e a difusão da miséria.
De acordo com Chesnais (1997), as análises da economia e das sociedades mundiais
devem ser compreendidas por dois ângulos. Por um lado, pela ofensiva do capital contra a
classe operária, a juventude e as massas oprimidas, resultando na perpetuação da miséria e da
exclusão social. Por outro, a multiplicação das manifestações, não apenas devido ao impasse
da economia capitalista em geral, mas das contradições próprias ao funcionamento da
economia capitalista mundial, detentora de uma crise econômica maior. O setor financeiro
materializa a essência do parasitismo, atacando o próprio capitalismo e ameaçando o futuro da
humanidade.
O Estado passou por profundas transformações no cenário da transnacionalização do
capital. O mesmo, no fordismo, foi fundamental no processo global de reprodução do capital.
O capital transnacionalizado provoca um profundo divórcio entre o espaço econômico e o
político. Ao mesmo tempo em que o capital se transnacionaliza, o Estado deve permanecer
essencialmente nacional. Com isso, a gestão estatal torna-se contraditória. Nos países onde o
capitalismo não se desenvolveu, esse mesmo Estado assume uma dimensão de influência que
se reduz sensivelmente. Em países onde o capitalismo se desenvolveu, toma uma dimensão
ampliada que se articula para além das fronteiras nacionais: um instrumento de coerção para
garantia dos interesses econômicos de segmentos de homens de negócios. Dowbor (1997)
afirma que existe uma tendência em considerar as empresas transnacionais como “apátridas”,
sem bases nacionais. Isso em parte é verdade, pois não seguem dinâmicas internas e não
servem propriamente a nenhum interesse nacional. Porém, ao acirrar as contradições que
prejudiquem os seus interesses aproveitam-se da força política que as suas raízes nacionais lhe
conferem, mobilizando em defesa de seus interesses, os Congressos, Executivos e se
necessário até a força militar.
O poder das transnacionais reforça-se pelo fato de que se trata cada vez menos de
simples empresas que produzem em escala mundial, a cada vez mais de empresas
organizadoras da produção, comercialização, financiamento e promoção com um
reordenamento do universo econômico para muito além das fronteiras da propriedade
empresarial. As grandes produtoras de automóveis são exemplos. As mesmas são montadoras
que gerem um conjunto de relações em que são importantes, para o capital, as patentes, a
tecnologia, as marcas. À medida que as transnacionais evoluem do conceito de produtor para
o de organizador, passam a organizar um sistema complexo de relacionamentos que envolvem
a mídia, financiadores, distribuidores, advogados e sistemas de pressão política nos países
onde exercem atividades. Esses grupos empresariais transnacionais exercem um poder
extremamente vasto. Baseados no poderio dos países do Primeiro Mundo transformam a
maior parte dos atores sociais do planeta em meros espectadores que tentam, sempre com
atraso, se adaptar de forma menos prejudicial às transformações estruturais do capitalismo
monopolista.
As empresas transnacionais maiores é que controlam a tomada de decisões relativas ao
mercado. As pequenas empresas atuam mais como apêndices dependentes das grandes
corporações do que como negociadores independentes. Sua direção é manejada cada vez mais
por especialistas multinacionais que formam uma casta política em termos sociais,
econômicos e culturais. Formou-se uma classe em nível mundial que concentra a tomada de
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decisões. Suas opções tecnológicas definem o que e quem deve consumir. Dowbor (1997)
afirma que esses especialistas gerem um universo que drena recursos de bilhões de seres
humanos, através de um complexo de serviços de intermediação, uma fase do capitalismo
monopolista em que a produção segue sendo importante, mas cresce a importância do direito
de trânsito da mercadoria na esfera econômica mundial.
Articulada a essas estratégias desenvolveu-se uma lógica em que cada empresa, da
menor empresa capitalista a mais potente transnacional, tem como finalidade elevar a
produção com o menor custo possível. Isso possibilitou uma drástica redução do número de
empregos formais. A Volkswagen do Brasil perdeu 27 mil postos de trabalho nos últimos
anos. O ABC paulista, em dez anos, perdeu 130 mil postos de trabalho. Os Bancos, desde o
final da década de 1980 até o início do ano 2000, perderam 450 mil postos de trabalho. Houve
uma combinação da mutação tecnológica com uma política do capital de reduzir ao limite o
número de trabalhadores. Ao mesmo tempo em que a redução se deu ao limite, aqueles que
permanecem na empresa têm que desempenhar múltiplas tarefas, antes exercidas por muitos
trabalhadores. O resultado foi um enorme processo de intensificação da exploração do
trabalho. Desenvolve-se um processo de exploração ao máximo das potencialidades da força
de trabalho. Uma exploração que transcende os limites da jornada de trabalho.
Apontando para os princípios da cooperação e da solidariedade, estratégia que com
certeza deixaria Durkhein orgulhoso, atua provido de uma força ideológica que aponta o
capital e o trabalho como portadores de interesses comuns. Os interesses da empresa passam a
ter uma coerção sobre os trabalhadores, identificando-os não mais no plural, mas no singular.
Com um discurso conservador disfarçado em uma “retórica empresarial progressista”, os
homens de negócio difundem que o sucesso da empresa é a chave para o sucesso da sociedade
e o sucesso da sociedade transcende os interesses corporativos de pequenos segmentos. Para o
sucesso da sociedade, todo o sacrifício deve ser realizado. Todas as potencialidades devem ser
empregadas seja dentro ou fora da jornada de trabalho. Os interesses das empresas devem ser
pensados não só por apenas 6 (seis) ou 8 (oito) horas ao dia, mas sim durante as 24 (vinte e
quatro) horas do dia.
Ao mesmo tempo, para que o capital pudesse dispor livremente do uso intensificado
dos trabalhadores, era preciso desregulamentar o mercado de trabalho. Isso possibilitaria que
os trabalhadores fossem colocados em disponibilidade, sem direitos, sem jornadas
regulamentadas. O objetivo é a concretização de uma larga parcela disponível à venda da
força de trabalho a baixos valores, mesmo a tida como capacitada. É importante salientar que,
embora em alguns setores produtivos precisa-se realmente de capacitação diferenciada, em
outros a capacitação é um mero requisito ideológico utilizado para pressionar os
trabalhadores. Mesmo que tenha uma vaga onde para o labor não seja necessário o nível
escolar superior, contrata-se o trabalhador com nível superior, pois permite o aumento da
concorrência entre os próprios trabalhadores. O elevado desemprego estrutural permite aos
homens de negócio serem mais seletivos nas suas contratações.
Esse é o contexto que possibilita os debates tendo como referência o movimento
histórico que articula a Teoria do Capital Humano na atualidade. Quando nos reportamos à
referida teoria, afirmamos que a mesma se originou a partir de uma bem sucedida luta da
classe trabalhadora, após o final da 2a guerra mundial, pelo dos gastos com o bem estar social
e por maiores salários. A expansão educacional no período consistiu em parte importante da
ideologia do crescimento e do consumo. Carnoy (1993) afirma que o papel da escola era mais
do que um meio da mobilidade individual; ela era elemento essencial na solução keynesiana
para o desenvolvimento capitalista e fazia parte da participação da classe média e da classe
trabalhadora no processo de crescimento. A ideologia do crescimento e do maior consumo
acabou por incluir a educação.
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O papel dessa ideologia e a posição, nela, da educação e da mobilidade social parecem
elementos vitais tanto para a expansão da escola, quanto para a reprodução das relações de
produção e a divisão do trabalho. A versão desses modelos apresentada pelos economistas – a
teoria do capital humano – indica ser a escola um dos fatores mais importantes para a
determinação da renda e da ocupação futura e até mesmo do acesso a estudos posteriores.
Entre esses trabalhos observa-se Griliches & Mason, 1972; Sewell & Hauser, 1975.
A ideologia da associação da mobilidade social à maior escolaridade parece
fundamentada na realidade empírica. A pressão social por mais educação, como meio de
conseguir renda e status ocupacional mais altos, tem fundamento no modo como funcionava o
capitalismo no New Deal.
Frigotto (2000) afirma que a Teoria do Capital Humano é uma esfera particular da
teoria do desenvolvimento, marcada pelo contexto que foi produzida, uma das expressões
ideológicas do pós-segunda guerra mundial. A construção sistemática dessa teoria ocorreu no
grupo de estudos do desenvolvimento coordenados por Theodoro Schultz nos EUA que
visava descobrir o “germe” que se explica, para além dos fatores usuais tais como A (nível de
tecnologia), K (insumos de capital) e L (insumo de mão de obra). Schultz notabiliza-se com a
descoberta do fator H, a partir da qual elabora a Teoria do Capital Humano, que lhe valeu o
Prêmio Nobel de Economia em 1978. No Brasil, esta teoria é rapidamente alçada ao plano das
teorias do desenvolvimento e da equalização social no contexto do milagre econômico.
A Teoria do Capital Humano, que inspirou a concepção e a formulação das políticas
educacionais pós-1964, teve seu instrumental originalmente desenvolvido para avaliar a
rentabilidade dos gastos empresariais em treinamento profissional. Esta teoria alega que o
nível educacional representa uma taxa de retorno na produtividade, daí, quem tivesse mais
educação formal teria um melhor salário. O trabalhador passa a ser integrado como parte do
capital, uma parte que se integra como recurso humano para a produção.
Figotto (2000) afirma que a idéia chave dessa teoria é a de que um acréscimo marginal
de instrução, treinamento e educação, correspondem um acréscimo marginal de capacidade de
produção. A idéia do Capital Humano é uma “quantidade” ou um grau de educação e de
qualificação, tomado como indicativo a um determinado volume de conhecimentos,
habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam como potencializadoras da capacidade de
trabalho e produção. O investimento em capital humano é um dos mais rentáveis, tanto no
plano geral do desenvolvimento das nações, quanto no plano da mobilidade individual. A
Teoria do Capital Humano prega a ampliação das habilidades dos indivíduos e da qualidade
de seu trabalho como uma modalidade de investimento. Tornar o homem mais eficiente, para
que possa gerar maior produtividade. Assim, o treinamento, a reciclagem, a especialização,
passaram a ser termos comuns no dia-a-dia das pessoas, crentes de que as habilidades
adquiridas geram um “estoque” que podem se converter em capital, mediante melhores
salários.
A disseminação dessa Teoria do Capital Humano, como a solução das desigualdades
entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e entre os indivíduos, foi rápida nos países
latino-americanos e de Terceiro Mundo. Colares e Coelho (2001) afirmam que no Brasil,
Mário Henrique Simonsen, no final da década de 60 e início de 70, pregava ao mundo que o
Brasil tinha encontrado seu caminho para o desenvolvimento e eliminação das desigualdades,
não pelo incentivo ao conflito de classes, mas pela equalização do acesso à escola e pelo alto
investimento em educação. O Mobral, de triste memória, foi a grande obra, em matéria de
educação, que Simonsen deixou como legado.
A Teoria do Capital Humano baseia-se em dois aspectos principais. O primeiro deles
é a tentativa do ponto de vista macro e microeconômico de se mensurar o impacto da
educação sobre o desenvolvimento. No plano macro visava desenvolver métodos de projeções
e de previsão de necessidades de mão de obra e nível de instrução. No plano micro, a ênfase
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ocorre na análise dos custos, taxa de retorno, custo-benefício, etc. O segundo aspecto centrase no debate sobre o pressuposto básico e mais amplo da teoria, que é a educação ser
produtora de capacidade de trabalho. Qual o tipo de educação é gerador de diferentes
capacidades do trabalho e, por extensão, da produtividade e de renda. O embate ocorre sobre
o que de fato produz a capacidade de potencializar o trabalho e o que a escola efetivamente
desenvolve: conhecimento e habilidades técnicos específicos ou determinados valores e
atitudes funcionais ao mundo da produção.
O conjunto de postulados básicos da Teoria do Capital Humano teve profunda
influência na educação brasileira, sobretudo, na ditadura militar, entre 1968 a 1975. No plano
da política, o economicismo serviu às forças promotoras do golpe, da base conceptual a
técnica à estratégia de ajustar a educação ao tipo de opção por um capitalismo associado e
subordinado ao grande capital. A reforma universitária de 68 e a LDB da educação nacional
de 1971 corporificaram a essência deste ajuste.
Colares e Coelho (2001) afirmam que a reforma do ensino superior, realizada através
da Lei n.º 5540/68, assimilou certas demandas e reivindicações oriundas do movimento
estudantil e de parte dos docentes. Por exemplo, incorporou, mesmo que de forma
desfigurada, experiências renovadoras como a desenvolvida pela Universidade de Brasília.
Introduziu a estrutura departamental e extingui a cátedra; adotou o sistema de crédito por
disciplina e a periodicidade semestral; modificou o regime de trabalho dos professores com a
introdução do regime de trabalho em forma de dedicação exclusiva; estabeleceu que as
instituições de ensino superior deveriam ser organizadas, preferencialmente, sob a forma de
universidade e também definiu as funções de ensino e pesquisa como partes integrantes e
indissolúveis no ensino superior. Com isso, representou uma importante contribuição para a
implantação da pós-graduação, ampliando as possibilidades para a realização de pesquisas.
Depois de ter introduzido modificações no ensino superior, poucos dias antes do AI-5, e de ter
colocado em camisa de força o movimento estudantil e a organização docente, o governo
militar, investiu sobre os demais níveis do sistema educacional. Aquele era exatamente o
período em que os opositores ao regime enfrentavam o auge da repressão armada, ao passo
que o governo ganhava credibilidade e apoio de vários setores da sociedade em função do
êxito obtido na política econômica e no enfrentamento de ações mais ousadas de grupos de
esquerda.
A Lei 5.692/71 contemplava os interesses e as reivindicações de educadores, além de
agradar à hierarquia católica (com a preservação do espaço para o ensino religioso) e à
iniciativa privada (através do apoio técnico e financeiro). FREITAG (1986: p. 94) resume em
três tópicos as inovações introduzidas pela Lei 5.692/71, a saber: 1. Extensão definitiva do
ensino primário obrigatório (4 para 8 anos), gratuito em escolas públicas, e redução do ensino
médio de 7 para 3 ou 4 anos. 2. Profissionalização do ensino médio, garantindo continuidade
e terminalidade nos estudos. 3. Reestruturação do funcionamento do ensino no modelo da
escola integrada, definindo-se um núcleo comum de matérias obrigatórias e uma
multiplicidade de matérias optativas de escolha do aluno.
Os preceitos da Teoria do Capital Humano merecem ser criticados. Frigotto (2000)
analisa o caráter circular e positivista da teoria e a explicação das condições históricas, no
interior do capitalismo monopolista que a produz. A questão não se situa na perspectiva de
um linear vínculo reprodutivista que tornava a escola um lócus por excelência de mais valia
relativa ou da tese do desvinculo que postulava que o capital prescinde a escola (Salm, 1980).
A escola é uma instituição social que mediante suas práticas no campo do conhecimento,
valores, atitudes e, mesmo, por sua desqualificação, articula determinados interesses e
desarticula outros. No plano especificamente econômico, movimenta uma “fatia” do fundo
público que se constitui em pressuposto de investimentos produtivos.
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A crítica à Teoria do Capital Humano nos anos 80 parte do princípio que para ser
efetiva, não basta engendrar a denúncia e a resistência, mas necessita abrir perspectivas para
as alternativas. Nesse processo, as análises dos movimentos sociais e os próprios movimentos
sociais fecundam e ampliam a compreensão do educativo. Crescem as análises que buscam
entender os processos educativos que se dão no conjunto das relações e lutas sociais e, então,
a problemática da escola é apreendida em sua relação com estas lutas. No âmbito da
educação, o trabalho, na perspectiva marxista de categoria ontológica e central, constitui-se,
ao mesmo tempo, num dos eixos mais debatidos tanto para a crítica da perspectiva
economicista, instrumentalista e moralizante de educação e qualificação, como na sinalização
de que tipo de concepção de educação e de qualificação humana se articula às lutas e
interesses das classes populares.
Arroyo (1991) analisa o mundo da produção debatendo como a burguesia utiliza este
espaço para fabricar e formar o trabalhador que lhe convém, como este luta, mediante suas
organizações, para superar os processos de alienação. Kuenser (1987) discute no âmbito
educacional a busca de se aprender, no tecido complexo e diferenciado do mundo do trabalho,
os processos educativos em embate. Lucena (2001) debate a resistência dos trabalhadores a
apropriação gratuita do seu saber.
Frigotto (2000) afirma que o resgate das concepções marxistas de formação humana
politécnica emerge no terreno das contradições do capitalismo atual. O perigo que chama a
atenção em relação à análise econômica, é o de transformar a teoria marxista de crítica ao
capitalismo em modelo ou aplicada para resolver problemas operativos de política econômica.
No âmbito do esquerdismo, transformou-se em bandeira do palanque e, no âmbito da
burocracia e tecnocracia do MEC e instituições formadoras que convém à burguesia, em uma
perspectiva que ameaça acabar o que se fez e vem fazendo de bom em termos de formação
técnico-profissional. A partir dos anos 90, uma nova categoria é incorporada ao debate, que é
a tecnologia. A mesma possui um caráter social, onde a positividade ou negatividade da nova
base técnica está inscrita nas relações de força concretas no plano político, econômico e
cultural mais amplo.
Este rápido balanço da crítica reducionista economicista da teoria do capital humano,
teve como eixo central a categoria o trabalho. Por esta via não só o educativo é concebido no
conjunto das relações sociais, como a escola passa a ser entendida não como reflexo das
relações sociais, aparelho reprodutor das relações dominantes, mas ela mesma constituinte das
relações sociais. Uma análise mais cautelosa permite-nos entender, entretanto, que não pode
existir dependência das empresas face ao sistema educacional, porque isto vai contra a própria
lógica da evolução capitalista. Ao contrário, o capital tem, historicamente, encontrado meios
de se libertar de todos os entraves e obstáculos, dominando-os e destruindo-os. Portanto, seria
ingênuo acreditar que o capital possa depender de uma instituição chamada escola para
resolver seus problemas no tocante a força de trabalho. Como observa SALM (1980) é no seio
da produção mesma que devemos buscar a formação das qualificações requeridas e não numa
instituição à margem como é a escola.
Atualmente, estamos vivendo um período no qual o expansionismo do capital está
fortemente presente e difundido pelo termo “globalização”. Os fundamentos do capitalismo,
como o lucro, e o individualismo competitivo, estão cada vez mais presentes em todos os
recantos do mundo. Ao mesmo tempo, junto a este expansionismo, assiste-se a concentração
dos espaços de poder em torno de organismos tais como o FMI e o Banco Mundial. Assim
sendo, os acontecimentos em curso no plano mundial, afetam as orientações/decisões políticas
governamentais de todos os países e produzem modificações substantivas nas relações sociais
e até mesmo no plano individual.
No Brasil, está em curso uma série de reformas, desencadeadas a partir da década de
90, sob o pretexto de colocar o país em condições de competitividade no mercado
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internacional, modernizando o setor produtivo e a administração pública, visando reduzir os
déficits e ajustar as contas públicas, o que inclui a privatização de empresas e dos serviços
públicos. Quase sempre as autoridades e a mídia omitem que tais reformas são originadas de
cláusulas de acordos financeiros com os poderosos organismos internacionais. É considerando
este contexto que devemos fazer a leitura crítica das políticas e ações desencadeadas pelo
Ministério da Educação, tais como as Diretrizes e os Parâmetros Curriculares Nacionais, o
Provão e outras formas de avaliação institucional, assim como os programas de
descentralização financeira.
Uma leitura mais atenta da atual legislação que rege o sistema nacional de ensino
permite-nos ver o quanto se faz presente o receituário emanado dos poderosos organismos
internacionais tais como o FMI e o Banco Mundial. Portanto, a legislação e a política
educacional só podem ser compreendidas adequadamente, se inseridas neste quadro mais
amplo de redefinição do papel do Estado, sob pressão do capital. Redução de custos,
simplificação de procedimentos operacionais, busca de resultados, são alguns dos elementos
que fazem parte do receituário. E também a educação, deve ser orientada pelas regras do
mercado, entendido como possuidor de todas as virtudes e nenhum defeito. Educação passa a
ser definida como um serviço, e não como um bem social. Todavia, continua se difundindo a
crença quanto a sua importância para o crescimento econômico e o aliviamento da pobreza,
ou seja, permanecem válidos os princípios da teoria do capital humano. A diferença
substancial é que, a ampliação do nível educacional é responsabilidade do próprio indivíduo, e
não mais do Estado. Isto tem graves implicações sociais, uma vez que a tão propalada
necessidade de qualificar ou requalificar trabalhadores para que possam adquirir o padrão
exigido pelas mudanças tecnológicas – o que inclui boa formação educacional, flexibilidade
para desenvolver diversas tarefas e tomar decisões diante de situações novas - não é tarefa que
possa ser feita sem uma efetiva ação do Estado.
Ao mesmo tempo, a educação continua sendo vista como possuidora de um poder
redentor e é apresentada no discurso oficial como de suma importância para o crescimento
econômico e a redução das desigualdades sociais; entretanto, na prática, o que ocorre é o
sucateamento das instituições públicas de ensino, especialmente as universidades, tornando
cada vez mais distante a possibilidade da maioria da população ter acesso a um nível de
escolarização ampliada, que lhes permita exercer as atividades consideradas promissoras no
atual estágio de desenvolvimento econômico.
Colares e Coelho (2001) afirmam que permanece inalterado o discurso que advoga a
necessidade de qualificação do trabalhador para que possa obter maior ganho salarial,
conforme previa a Teoria do Capital Humano, mas agora é ele quem deve buscar os meios de
financiamento e comprar os serviços oferecidos pelo mercado, naturalizando a idéia da
educação como um negócio. As políticas educacionais incentivam o chamado treinamento no
trabalho, como mecanismo de escape para que o Estado fique desobrigado para com a
formação profissional que a maioria da população pobre espera obter no ensino médio e
superior. Alguns pilares da Teoria do Capital Humano continuam fincados, mas outros mais
fortes e sutis foram erguidos, engendrados nas transformações do capitalismo das últimas
décadas, caracterizado pela reestruturação produtiva resultante da crescente automatização em
todos os setores e em escala mundial.
Consolida-se o princípio do “estar empregável”, um princípio onde o Estado se
desobriga e a educação enquanto Capital Humano passa a ser algo a ser adquirido tendo como
referência a responsabilidade individual. A Teoria do Capital Humano em sua nova fase
transforma o mercado de trabalho e a educação em uma “arena de luta”, um espaço onde os
mais fortes eliminam os mais fracos. A luta contra o Darwinismo Social é um desafio que se
coloca à humanidade: a luta pela humanização e redução das desigualdades sociais ou a
concretização da barbárie.
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