João Luís Traça A Virgin Mobile, uma operadora de
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João Luís Traça A Virgin Mobile, uma operadora de
2.0 * João Luís Traça A Virgin Mobile, uma operadora de telemóveis nos Estados Unidos, é ré numa acção no Texas intentada por Susan Chan em que esta alega que a Virgin utilizou, numa campanha publicitária em que recorreu a fotografias e retratos de mais de cem pessoas, uma fotografia da sua filha sem o seu consentimento, violando, desde modo, os direitos de privacidade da filha. Na fotografia, a menor surge com os dois dedos a fazer o sinal da paz, o que atribuiu à fotografia um carácter suficientemente criativo para ser protegida por direito de autor. Como autor coligado na mesma acção, surge Justin Wong, o fotógrafo da filha de Susan Chan. A fotografia utilizada na campanha foi retirada pela Virgin Mobile de um website de partilha de fotos, o flickr.com. De acordo com o pedido da acção, a Virgin Mobile não mencionou Justin Wong como o autor da fotografia, violando os termos da licença de Creative Commons a que se encontrava sujeita a fotografia. Para surpresa de muitos, para além da Virgin Mobile, a Creative Commons Corporation é também ré na acção. Segundo Justin Wong, a Creative Commons Corporation não o informou e avisou suficientemente, enquanto utilizador das licenças Creative Commons, sobre os efeitos e consequências da utilização das licenças disponibilizadas por esta organização. Normalmente as fotografias do site Flickr.com são marcadas com a expressão “todos os direitos reservados”. Contudo, através de alguns simples cliques, é possível alterar o modelo de licenciamento de uma foto para uma das seis licenças Creative Commons. Recorde-se que as licenças Creative Commons permitem um meio termo entre a reserva de todos os direitos de uma obra e a ausência de controlo. Bem vindos ao mundo da Web 2.0 ou do Software Social. Ao mundo electrónico e virtual com base no trabalho cooperativo, na arquitectura em participação, nos interfaces fáceis de utilizar, nas estruturas em que autores, criadores, actores e participantes se confundem e interagem permanentemente. Neste mundo, com os mesmos custos de produção e distribuição, criam-se obras que podem ser utilizadas para fins comerciais ou particulares. Neste mundo, produzir conteúdos é tão barato como proceder à sua disponibilização. Neste novo paradigma, perante a quantidade de conteúdos disponíveis na Internet, nem as empresas, nem os utilizadores sabem como gerir as obras existentes e respectivos direitos. Aparentemente, nem o fotógrafo tinha conhecimento das implicações dos direitos inerentes à escolha de uma licença de Creative Commons, nem uma organização da dimensão da Virgin Mobile conseguiu implementar procedimentos que lhe permitissem assegurar o respeito da privacidade de terceiros. Estes são, sem dúvida, os dois maiores desafios da Web 2.0: privacidade e direitos de autor. Antes do desenvolvimento da Web 2.0, tudo era bastante mais simples. Os fotógrafos profissionais eram os principais fornecedores da indústria da publicidade com pleno conhecimento dos seus direitos e formas de rentabilização das suas obras, e as empresas dominavam os termos das cláusulas subjacentes aos contratos de aquisição desses direitos. Por outro lado, os modelos fotográficos eram profissionais remunerados que consentiam expressamente na utilização da sua imagem. A certeza e segurança reinavam no mundo real e não nos perdíamos nos dilemas do mundo virtual. Parece que os velhos tempos eram a valer ... mas será que alguém quer voltar a eles? * Advogado / Sócio