24. Arte joyería, objeto de arte y cuerpo. Ana Neuza Botelho
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24. Arte joyería, objeto de arte y cuerpo. Ana Neuza Botelho
Ana Neuza Botelho Videla Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE Departamento de Design - Centro de Artes e Comunicação Av. Da Arquitetura, s/n. Cidade Universitária, Recife, PE. CEP 50740-550 Telefone/fax: 00 55 [81] 2126-8907 [email protected] Arte joalheria, objeto e corpo Resumo A proposta do estudo é analisar a arte joalheria, segmento da joalheria orientado para a produção de trabalhos com um viés mais experimentais, os quais podem ter a intenção de problematizar a ornamentação corporal ou o propósito de criar peças que, por exemplo, se assemelhem às extensões corporais. O estudo tem em conta pensar o corpo artefatual, não só em referência a um corpo fabricado, mas entender o corpo como feito por artefatos. Os joalheiros que se auto denominam artistas joalheiros parecem se encontrar em um entrelugar. De um lado, afirmam que o que os diferenciam das outras formas de produzir joalheria é a exploração ou experimentação do objeto associado ao corpo, a qual pode ter o intuito de adornar, no sentido de tomar emprestado as qualidades aparentes das coisas, ou problematizar a própria linguagem da joalheria, como o luxo, a preciosidade ou a ornamentação. De outro lado, a distinção que esses produtores identificam entre a arte joalheria de outras expressões artísticas é sua interação com o corpo. Para defenderem a formulação da joia como objeto de arte, argumentam que possuem o mesmo espaço exploratório que a arte. A diferença é ter como suporte o corpo, o qual gera um modo mais direto de experimentar o objeto, tanto através da interação entre os expectadores, como individualmente, tendo o corpo como plataforma de exibição. Neste estudo, me apoio na obra de Bruno Latour para pensar o corpo como constitutivamente sendo feito a partir da composição do humano e não-humano. Assim, um dos aspecto que discuto são as redes entre sujeitos e seus objetos. Palavras-chave: arte-joalheria; corpo; ANT; arte; antropologia. Introdução A arte joalheria ou a joalheria contemporânea, como também é conhecida, é a temática norteadora da pesquisa, na qual a presente comunicação se baseia. Historicamente, este segmento da joalheria surgiu na década de 60 do século passado e tinha como um dos seus pressupostos problematizar a própria linguagem da joalheria, tais como o luxo, a preciosidade e a ornamentação. A década de 60 foi um período de muitas inquietações sociais manifestadas no movimento de contracultura. Artistas que começavam a romper com o modernismo passaram a usar novas mídias, como a performance e o body art, nas quais abordavam temas relacionados ao contexto política e social (Videla, 2014, p.2). Toda essa efervescência também teve seus reflexos no segmento da joalheria que despontava no período. Os primeiros joalheiros a participarem do movimento criaram peças em que levantavam questões sobre preciosidade, ornamentação e usabilidade, desafiando e explorando a tradição do campo para contestá-la. De acordo com Archer (2001), as mudanças que ocorreram na arte da Europa e Estados Unidos, sobretudo, a partir da pop art, mas também com o surgimento do minimalismo e da arte conceitual, deflagrou uma modificação da relação entre arte e vida cotidiana. Pode-se observar nesse período, que muitos dos trabalhos da pop art faziam referências ao comportamento, atitudes e estilo de vida da América contemporânea. De modo que, o significado das obras estava associado ao contexto que o artista queria discutir. Podia ser tanto o movimento artístico anterior, que no caso da pop art era o expressionismo abstrato, como questões relacionadas à banalidade do cotidiano (ARCHER, 2001, p. 12). Um dos rompimentos mais significativos desse período foi em relação a narrativa modernista da história da arte (Idem, p. 11). Essa mudança histórica da produção da arte foi conhecida como o “fim da arte”, tese defendida tanto por Hans Belting, como por Arthur Danto, cujo sentido “tinha mais a ver com a maneira como a história da arte tinha sido concebida enquanto uma sequência de fases de uma narrativa em desdobramento” (DANTO, 2013, p. 3). Ou seja, trata-se do fim da narrativa que teve início no renascimento, em que levava em conta um 2 encadeamento que não mais servia para compreender os movimentos que surgiram a partir da década de 60. A narrativa para compreender a arte contemporânea precisava ser de outra ordem, a exposição dos acontecimentos artísticos passaram a não ser narrados de forma encadeada. Assim, essa narrativa da história da arte estava fadada ao fim, mas não o assunto que ela transmitia, a arte. Entretanto, o maior desafio foi o reconhecimento de que o significado de uma obra não estava necessariamente contido nela, mas podia emergir do contexto em que se encontrava, o qual podia ser social, político ou formal. Em suma, a arte contemporânea precisava ter significado e ter sua apresentação coadunada com esse significado (Idem, p. 8). Neste mesmo período, vemos arte joalheria se aproximar dos paradigmas da arte. Portanto, os trabalhos de alguns artistas joalheiros discutem os aspectos constitutivos do seu campo, trazendo conceitos a partir de seus envolvimentos com os elementos da linguagem da joalheria, tais como: o corpo, o luxo, a ornamentação. De forma que, foi a partir da década de 60 que os joalheiros começaram a questionar seu próprio campo de ação. A primeira geração de joalheiros europeus, que inclui os suíços Otto Künzli (1948) e Bernhard Schobinger (1946), o holandês Gijs Bakker (1942) e a inglesa Caroline Broadhead (1950) sentiam-se desconfortáveis frente às convenções do mundo da joalheria e suas tradicionais conotações de luxo e riqueza (Den BESTEN, 2011, 46). Para Damian Skinner (2013), crítico de arte contemporânea, Künzli é o mais perfeito exemplo da natureza crítica e conceitual do campo. By this I mean the way contemporary jewelry objects and practices are intended to actively grapple with the conditions and circumstances in which contemporary jewelry takes place. In general, contemporary jewelers work in a critical or conscious relationship to the history of the practice and to the wider field of jewelry and adornment 1(Skinner, 2013,1). 1 Com isto quero dizer a maneira como objetos e práticas da joalheria contemporâneas se destinam a lutar ativamente com as condições e circunstâncias em que ela ocorre. Em geral, os joalheiros contemporâneos trabalham de forma crítica ou 3 Portanto, em sua trajetória Künzli discutiu a materialidade das peças de joalheria, como em seu trabalho intitulado “The gold makes blind”, 1980, também chamou atenção para o consumo na série de pendentes “When Mickey Mouse was Born”, 1992 , assim como abordou o tema da ornamentação em sua série “Beauty Gallery”, 1984. Seguindo a arte joalheria A partir dessa breve apresentação da aproximação arte joalheria com os paradigmas da arte, passo a trabalhar com o material etnográfico obtido durante o meu estágio doutoral na Cidade do México, no início de 2015, onde além da experiência acadêmica no departamento de antropologia da Universidad Autónoma Metropolitana (UAM), pude me aproximar do “Sin Título”, coletivo2 de artistas joalheiros mexicanos. Além disso, conto com o material coletado por ocasião do Simpósio de joalheria contemporânea, “En construcción II”, que ocorreu em Valparaíso, Chile, entre os dias 1 a 5 de setembro de 2015. O intuito de observar o “Sin Título”, assim como acompanhar as atividades do “En construcción II”, era conhecer a partir de suas práticas, a maneira como realizam seus projetos, como se reconhecem e se auto denominam. Inicialmente, duas fontes diferentes me chamaram atenção para o que estava acontecendo em termos de joalheria no México. A primeira fonte foi um repost3 que uma joalheira inglesa, Jo Pond, publicou no seu perfil do Instagram, em abril de 2014. O post original era de um perfil chamado “the jewellery activist”. Esse nome, relacionado a um ativismo na joalheria, me chamou tanta atenção, que através de uma busca, acabei chegando ao nome de Holinka Escudeiro e de sua rede de comunicação, na qual compreende, uma conta no Instagram, uma consciente em relação à história da prática e do campo no sentido mais vasto da joalheria e adorno. (Tradução nossa). 2 Nesse estudo o termo coletivo é utilizado de duas maneiras. A primeira tem o sentido de híbridos formados por humanos e não humanos necessários para a formação de associações ou redes. A segundo é quando me refiro ao “Sin Título”, o qual é denominado por seus membros de coletivos de artistas joalheiro. 3 O repost é uma ferramenta que permite ao usuário da rede social instagram possa repassar um conteúdo de sua comunidade, dando plena atribuição para a pessoa que postou a imagem original. 4 página no Facebook e um blog http://holinkaescudero.com/blog/. Esse é o meio que Holinka utiliza para apresentar a joalheria contemporânea, tanto o coletivo do qual faz parte, como os vários eventos relacionados a esse segmento pelo mundo afora. Mas como a própria Holinka explica, ela precisava de um nome que si diferenciasse dela mesma, um nome para a comunicação da arte joalheria. E foi a partir dessa busca que surgiu o título the jewellery activist, o qual dá nome ao site www.thejewelleryactivist.com. Es lo que te digo, con mi blog primero estaba conectada con la página de mí trabajo comerciales, entonces el blog era conocido como Holinka Escudero, después eso no me decía nada, era como Yo, no era eso. Después era ¿o que significa joyería contemporánea? Tampoco me checaba y después de mucho tiempo me concedí el título de “the jewellery activist”. Llegó el momento en que me pregunté, ¿ que estoy haciendo? Todo el día, todos los días estoy detrás del monitor viendo joyería, entonces me di cuenta de que la manera en la que me desenvolvía era a manera de un activista. No un activismo heroico, pero la joyería es mí causa y mi convicción. (Entrevista concedida no dia 30 Janeiro de 2015). A outra fonte foi um artigo de Kevin Murray 4 , no qual ele analisa o surgimentos do “Sin Título”, e também do coletivo taiwanês, Mano MànMàn. De acordo com o autor, a formação de coletivo foi uma maneira que os joalheiros encontraram para driblar as dificuldades com as quais se deparam, que diferentemente da Europa, não encontram espaços de exposição ou colecionadores. De forma que, se uniram para enfrentar essas dificuldades e buscar novas abordagem para apresentar a produção de joalheria contemporânea. Mesmo antes de ir ao México, pude observar, através do artigo de Murray e do blog da Holinka, que o cenário mexicano da arte joalheria tinha muitas 4 Kevin Murray escreve artigos para o site http://www.artjewelryforum.org/. Ele é curador e escritor residente em Melbourne. Com Damian Skinner escreveu “Place & Adornment: a history of contemporary jewellery in Australia and New Zealand (Bateman Publishing, 2014). Disponível em: http://www.artjewelryforum.org/articles-‐series/keeping-‐the-‐faith-‐with-‐ contemporary-‐jewelry 5 semelhanças com o que acontecia no Brasil. Desse modo, se a análise de Murray estivesse correta, me interessava conhecer esse trabalho coletivo que sinalizava para um novo caminho na produção da arte joalheria. O meu primeiro contato com o “Sin Título”, foi através de Holinka Escudero, apesar de conhece-la virtualmente, foi a ela que fui apresentada pela curadora Valéria Vallarta no final de 2014. Não considerei que pudesse ocorrer qualquer dificuldade em estabelecer o contato com o coletivo, afinal estava sendo recomenda pela curadora mexicana de uma importante exposição de joalheria contemporânea, “Think twice, new Latin American jewelry” 5 . Mas para minha surpresa não foi fácil. O “Sin Título” estava no processo de implantação do seu primeiro espaço físico, o que impediu o acesso às suas reuniões. Entretanto, passado o primeiro momento, pude conhecer alguns projetos já realizados, como “La Chiclera”, “San Título” e a parceria que fizeram com um coletivo da Nova Zelândia. No projeto La Chiclera, Imagem 1, ressalta-se dois aspectos, primeiro é a ampliação da concepção corrente do que é joia, podendo ser produzida com diversos materiais; o outro aspecto é a forma de comercialização, ao adotar o equipamento usado para vender doces e chicletes, reforçaram a venda aleatória e com baixo custo da joia, cuja intenção foi ampliar o público consumidor de joia. Algumas das ações que acompanhei do “Sin Título”, havia uma nítida preocupação em formar público e posicionar a joalheria contemporânea, através da diferenciação com os outros segmentos da joalheria. Para isso, pretendem formar uma agenda de eventos para movimentar o Estúdio Sin Título, sendo as palestras um importante momento de discussão e de formação de público. Con el colectivo, vamos a cumplir 3 años. Hace 5 años el simposio del gray área vino a mover conceptos y alborotó muchas cabezas. A partir de ahí fue como darnos cuenta que todo el mundo estaba pasando algo y con nosotros no pasaba nada. O sea, no había una asociación, no nos conocíamos todos. Entonces a partir de eso se hizo una lista de personas interesadas y se formó un grupo enorme y cada vez entraba mas y mas gente, pero, estábamos confundidos 5 A exposição “Think twice, new Latin American jewelry” foi uma exposição itinerante, a qual teve início em 2010, no Museu de Arte e Design – MAD, em Nova York e encerrou em 2015, no Museu Franz Mayer, na Cidade do México. 6 en los objetivos, fue difícil y poco a poco la gente fue desertando. Hasta que quedamos los 6. En 2012 fuimos al Simposio en Construcción en Argentina; ahí otra vez se movieron cosas que cambiaron en nuestra mente y nació “Sin Titulo”.(Entrevista concedida por Holinka em 30/1/ 2015). Imagem 1: La Chiclera – Sin Título Em um de seus artigos6, Bruno Latour chama atenção para as questões controversas da teoria do ator-rede, TAR7, através de um dialogo imaginário, que segundo ele foi inspirado em conversas reais. No diálogo, um aluno pede orientação ao professor sobre as possibilidades de usar a TAR em sua pesquisa. Nas respostas, Bruno Latour esclarece como a teoria do ator-rede orienta o analista a conduzir a pesquisa, isto é, norteia em “como estudar as coisas ou como não estudá-las e, também, como deixar que os atores possam se expressar (Latour, 2004, p. 62). Com isso, sua proposta é que os pesquisadores, ao invés de buscar interpretar ou explicar os atores ou evento, passem, antes, a descrevêlos, deixando os atores falar por conta própria, pois só dessa forma seria possível acessar as redes que se formam entre atores humanos e não-humanos. Aqui convém acrescentar que meu interesse em usar a TAR foi em poder focar no objeto, no artefato relacionado à noção de um corpo artefatual. Não apenas em referencia a um corpo fabricado, mas entender o corpo como feito pelos artefatos. Dito de outra forma, pensar o corpo como constitutivamente sendo feito a partir da composição do humano e não-humano e observar como se opera os investimentos corporais e elaborações estéticas sobre o corpo através da associação com o universo que envolve joalheria. No campo8 da joalheria pode-se ressaltar três tipos de coletivos9 formados por atores humanos e não humanos. Primeiramente, temos a criação artística, na 6 Ver em “On using ANT for studying information systems: a (somewhat) Socratic dialogue.” In: http://www.bruno-‐latour.fr/sites/default/files/90-‐ANT-‐DIALOG-‐LSE-‐ GB.pdf 7 A sigla em inglês é ANT – actor network theory. 8 Por campo entende-‐se segmento profissional. 9 No pensamento Latouriano podemos entender a noção de coletivo como a interação entre atores humanos e não-‐humanos, não sendo possível pensar a dissociação entre sujeitos e objetos. Mais ainda, os coletivos são produtores de coisas e homens. Nesse 7 qual implica associações entre distintos materiais, toda sorte de objetos para a materialização de ideias, e a participação de outros atores humanos, para além do próprio artista joalheiro. A criação artística, de acordo com a TAR, é observado como um processo de fazer arte, cujo resultado se torna uma obra de arte a partir de uma dinâmica negociação entre o rearranjo de diferentes atores, humanos e não humanos. Isto é, o processo artístico não é situado como sendo a elaboração de uma mente genial, ao contrário, é visto como uma construção fruto da interação dos vários atores dentro de um coletivo observável 10 , capaz de ser seguido através do método etnográfico. É importante esclarecer que o sentido que aqui se adota de ator é “qualquer coisa que modifique uma situação fazendo diferença [...]”, sem a obrigatoriedade de serem humanos (Latour, 2012, p.108). Portanto, a TAR defende que a arte, assim como a ciência11, constroem realidades a partir de uma situação quase-técnica para a experimentação com os objetos. O sentido aqui dado à experimentação é baseado na participação de vários atores na elaboração tanto da arte, como da ciência. O processo de fazer arte implica que a interação entre os diferentes agentes seja amplamente pactuada, a fim de coadunar objetos, materiais, agentes e técnicas necessários para se alcançar o proposito do trabalho. Assim, na obra de arte pode haver o envolvimento do curador, artista, colecionadores, galerista, técnicos responsáveis pela execução do trabalho, para além do envolvimento dos objetos ou atores não humanos, que por possuírem agência, emprestam seus atributos no desenvolvimento da obra e podem interferir para o seu resultado final. A segunda forma de coletivos presentes na joalheira e uma das questões que aqui se coloca, são as redes formadas pela associação entre atores humanos mesmo sentido, ele também usa as noções de rede, associações, conexões, coletivos ou políticas de agrupamento. 10 Ver a análise da instalação de uma obra de arte contemporânea e a participação dos vários atores envolvidos em sua construção em Albena Yaneva (2003), When a Bus Meet a Museum. To Follow Artists, Curators and Workers in Art Installation. 11 Ver Bruno Latour (2001), Referência Circulante. Amostragem do solo da Floresta Amazônica, In: A esperança de Pandora: Ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. 8 e não humanos no processo de elaboração do corpo do artista joalheiro, tendo como intuito ressaltar o corpo como uma materialidade que vai sendo feita no processo de ser joalheiro. Para tanto, a constituição desse corpo é feito através de investimentos em que se requer treinamento e disciplina até serem assinaladas em forma de hábitos12. Como de uma forma geral, o artista joalheiro, diferente do artista visual, é quem executa o seu próprio trabalho, o treinamento nas técnicas de ourivesaria faz parte do processo de ser joalheiro, o qual implica no desenvolvimento de habilidades finas. O treino registra no corpo o mundo sensível que nos cerca, transforma um corpo, por assim dizer, destreinado em um corpo com habilidades finas, capaz de dominar a técnica e conhecimento necessário para manusear instrumentos com justeza e precisão. Dito de outra forma, para ser joalheiro, primeiro é preciso adquirir hábitos, os quais são compreendidos como habilidades que requerem muita exatidão, adquiridas através do treinamento e controle do corpo, constituído tanto do seu vínculo com outros seres humanos – pois é a forma de transmissão do conhecimento técnico e da aprendizagem – mas também a partir do manuseio dos objetos. Entre os hábitos que se desenvolve na joalheria, pode-se elencar o manuseio com martelos, alicates, pinças, serras, brocas, lupas, motores, laminadores, como também identificar os martelos indicados para os diversos materiais, saber enxergar a chama do maçarico, tanto para regulagem de acordo com a necessidade do trabalho, como para reconhecer o limite de calor preciso para a consecução de uma junta por meio da soldagem ou brasagem. A manipulação de um alicate, por exemplo, se assemelha a extensão das mãos, que para atingir uma boa desenvoltura, foi adquirida a partir de uma técnica corporal já dominada e controlada. Porem, toda técnica corporal precisa de associações com os atores não humanos. Os instrumentos, equipamentos e treino afetam e constituem o corpo do joalheiro, o qual é dotado de possibilidades de confeccionar objetos pequenos e minuciosos. São essas associações entre os sujeitos e objetos, inclusive com as disposições das ferramentas e instrumentos próprios do ofício nas oficinas que vai sendo constituído esse corpo específico, imagem 2. 12 Ver Marcel Mauss (2009), As Técnicas Corporais. 9 Imagem 2: Bancada de trabalho do ourives Por fim, a última forma de coletivo que gostaria de ressaltar, se dá entre os sujeitos e seus objetos joias. É nessa associação de humanos com seus objetos de uso pessoal que observamos os investimentos estéticos operando na construção de um corpo artefatual, cuja intenção é incorporar a agência da joia. Através da associação de peças de joalheria contemporânea na elaboração estética sobre o corpo se formam coletivos que podem agir como disparador de comunicação ou como amuleto de proteção e segurança, por exemplo. Nesse sentido, o depoimento de Francisca Kweitel, artista joalheira e coordenadora do Simpósio “En Construcción”, é esclarecedor, para ela, a agência das joias opera nos pequenos gestos, estabelecendo pequenas mudanças no estado de ânimo do usuário da peça ou abrindo outras possibilidades ao emprestarem seus atributos para os sujeitos que as portam. Hay algunas piezas que funcionan más fuertes que otras, como talismanes, objeto de seguridad. Hay otras que funcionan como llamadores, sabes como? Acá estoy yo! Y genera comunicación, genera un contacto, genera un vinculo, por lo menos una mirada que ya puede ser el comienzo de algo. Creo que casi siempre tiene que ver con una historia de animo. Yo tengo muchas piezas de joyería y no me pondría cualquier día cualquiera, la elijo. Hoy tengo ganas de algo más liviano, hoy de algo más potente, o de llamar mucho la atención, o que sea imperceptible y sino está atento a no lo ves. (Entrevista concedida no dia 9 de setembro de 2015). Outro depoimento nessa mesma perspectiva é o da joalheira contemporânea Marina Sheetikoff, imagem 3, que estava expondo em uma das quatro exposições paralelas ao Simpósio En Constrcción II, em Valparaíso. No seu ponto de vista, ao usar certas joias o portador incorpora os atributos identificados nas peças, visto que essas joias também podem materializam memórias, na qual estaria a força dos objetos. Eu faço muitas peças de cabeça e acho que isso faz o contato com as pessoas ou então ela vem direto perguntar. Eu sinto, pelo fato de estar usando a peça, que estou em um estado especial, eu me considero num estado diferente. [...] esses são os anéis de uma reunião importantes que tenho que ir, sabe? Parece que dão uma força como armas ou 10 proteção. Acho que tem a ver com armadura ... (Entrevista no dia 3 de setembro de 2015). Imagem 3: Marina Sheetikoff – Tiaras Na joalheria contemporânea, alguns eventos costumam congregar muitos joalheiros e amantes da arte joalheria, como a Schmuck Show, que acontece em Munique, na Alemanha ou a SNAG - Society of North American Goldsmiths, nos Estados Unidos. São eventos onde ocorrem para além de exposições, conferências com discussões sobre o segmento da joalheria contemporânea, palestras com joalheiro consagrados e apresentação de seus processos produtivos. É interessante observar que para Latour, os grupos existem na medida em que são feitos e refeitos, mas nessas alternâncias de formação dos agrupamentos alguns componentes estão sempre presentes, tais como: presença de porta-vozes que falem pelo grupo; mapeamento dos grupos diferente; procura em se definir e de estabelecer fronteiras e, por último, porta-vozes especialistas são responsáveis pelas definições do grupo. Portanto, diferente das outras teorias sociológicas, cujos representantes são denominadas por Latour de sociólogos do social, para a TAR a regra da definição das associações é performativa (2012, p. 52 - 60). A maneira de dar existência à arte joalheria é através do esforço em se manter, apesar da dificuldade de exposição e comercialização, da necessidade de ser explicado, de promover encontros, convocar os porta-vozes com suas definições do campo. Na definição performativa a representação renova o agrupamento (Idem, p. 63). De novo, para Latour a formação dos agrupamentos se opera através da participação dos recursos não sociais. Na busca em definir a joalheria contemporânea, a joalheira Holinka Escudero, ressalta a dedicação do “Sin Título” em empreender atividades, cujo intuito é ampliar e posicionar o público a respeito do que vem a ser joalheria contemporânea. Muito embora o público mobilizado seja reduzido, eles acreditam que pouco a pouco a joalheria contemporânea constituirá seu nicho. Creo que quizá no nos hemos cuestionados muchas cosas y sí, de pronto nos llamamos artistas. Pero, creo que no en el sentido estricto. Parte de nuestra labor es lograr que la gente vea que es arte, que no importa que este feo, grande, bonito, 11 te guste o no, es arte. Pues es transgresor, te guste o no, algún impacto te deja. Yo sí, le compararía con el arte. (Entrevista concedida por Holinka no dia 30 Janeiro de 2015). Para Francisca Kweitel, a ideia de fazer o evento surgiu do interesse em de convidar profissionais joalheiros e seguir movimentando a joalheria contemporânea em suas cidades, Buenos Aires e Santiago – a outra coordenadora do Simpósio é chilena . Cuando empezó el simposio entendí porque hacia todo ese esfuerzo y volvo a confirmarlo con este, y es lo que yo decía esta vez a la gente en Valparaíso, esto yo lo hago para mi, porque lo que quiero é está rodeada de toda esa gente maravillosa que tiene una energía impresionante, un entusiasmo por estar ahí, por compartir, por intercambiar, por generar, por debatir, por reflexionar y se hace realmente una usina de energía latinoamericana tremenda. […]Me parece que e un encuentro muy enriquecedor. Una diferencia que hubo en el anterior y en este, nadie estaba en su casa, porque en Buenos Aires había muchos participantes de Buenos Aires, que cuando terminaba el taller se iban a su casa, estaban con su familia, lavaban la ropa, cocinaban y pensaban en otra cosa, en Valparaíso ni siquiera los chilenos estaban en su casa, bueno, la mayoría era de Santiago. Y fue como una burbuja, de una intensidad inconmensurable. Esa burbuja que nos contenía a todos, que estábamos todos en la misma dirección y con un entusiasmo infinito. (Francisca Kweitel - Entrevista concedida em 9/9/2015). Na abordagem da TAR, o social é definido como uma associação que não se restringe aos humanos. Não há pressupostos que definam o social, ao contrário, o social seria “um movimento peculiar de reassociação e reagregação” (2012, p. 23 – 25). O evento, até então inédito na América Latina, surpreendeu as organizadoras pela procura, pois apesar de não contar com a tradição europeia no assunto, foi possível identificar uma audiência de centenas de pessoas interessadas em refletir, debater e expor trabalhos em torno da joalheria contemporânea. La verdad era que apuntábamos hacer un evento Argentino y Chileno, que se juntaban en un espacio y que después tenemos ganas de hacerlo en el otro país. Dijimos, pues, empezamos por Buenos Aires, pero cuando se comenzó a 12 notar la gente para participar, era argentina, chilena, uruguaya, mexicana, colombiana, boliviana, venezolana, brasileñas, muchas, y de repente vimos una bolla latinoamericana que nosotras dijimos, “de donde salió esa gente, como aparecieron?” (Francisca Kweitel - Entrevista concedida em 9/9/2015). Considerações finais A proposta de seguir a atuação de um coletivo de artistas joalheiros e de um evento sobre arte-joalheria na América Latina, o Simpósio En Construcción II, foi o de acompanhar os elementos e conexões que os atores fazem em torno da joalheria contemporânea. O que chama atenção no “Sin Título” é o ativismo como expressão artística, onde tanto a atuação coletiva como individual dos seus membros reforça a ideia de divulgar o segmento em que atuam, muito embora não consigam viver dessa forma fazer joalheria, daí a expressão cunhada de ativismo por Holinka. O Simpósio, que contou com quatro palestrantes/oficineiros, Gemma Draper, Célio Borges, Manuel Vilhena e Lisa Walker, todos bastante atuantes e reconhecidos no campo da arte joalheria, chamou atenção pela declaração dos dois primeiros, em rejeitar a denominação de joalheiros. Apesar de todos terem passado por escolas e formação em joalheria e da joalheria já está dentro dos seus corpos - conforme relato de Francisca Kweitel - os joalheiros de formação que se aproximam da arte, se sentem limitados na disciplina de origem, de forma que passam a experimentar em outras disciplinas. Ainda que permaneçam produzindo joias, ser joalheiro é impor limites. Assim como o escultor, o pintor ou o performer são denominados artistas e não artista pintor, os joalheiros parecem não querer se limitar a categoria de artista joalheiro, preferem, antes, serem chamados de criadores ou, simplesmente, artistas. Através da observação das práticas dos atores foi possível identificar as mudanças ocorridas no segmento, se por um lado vimos uma luta em forma de ativismo para criar um campo, de outro, os atores avançam e querem também o mesmo estatuto do artista de outros segmentos. 13 Referências Archer, Michel (2001), Arte Contemporânea, uma historia concisa. 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