nair de teffé: uma narrativa biográfica para as mulheres

Transcrição

nair de teffé: uma narrativa biográfica para as mulheres
NAIR DE TEFFÉ: UMA NARRATIVA BIOGRÁFICA PARA AS
MULHERES DOS SÉCULOS XIX E XX
Ivanete Paschoalotto da Silva*
Ivana Guilherme Simili**
Resumo
O artigo tem por objetivo analisar a trajetória de uma mulher, Nair de Teffé (1886-1981),
para identificar o universo social, cultural e político em que viviam as mulheres de fins
do século XIX e início do XX. Em nossa análise, por intermédio do percurso da personagem selecionada, considerada representativa dos segmentos femininos da época,
procuramos levantar e associar as informações acerca de sua vida ao contexto histórico,
social e cultural em que a biografada atuou. De certa forma, o artigo explora as potencialidades do método biográfico para o conhecimento e a compreensão da história das
mulheres em suas articulações com as temáticas da educação, da família e do trabalho.
Palavras-chave: Biografia. Nair de Teffé. Representação feminina.
Introdução
É enorme a riqueza e complexidade de informações que se podem recolher
quando analisamos as histórias de vida ou quando conhecemos as trajetórias individuais de sujeitos que marcaram presença na vida cotidiana ou no cenário histórico.
Este texto tem por objeto de estudo a análise da trajetória de uma mulher, Nair de Teffé
(1886-1981), como recurso narrativo para identificar o universo social, cultural e político em que viviam as mulheres.
Em nossa análise, por intermédio do percurso de Nair de Teffé, procuramos
levantar e associar as informações acerca de sua vida ao contexto da época em que
atuou, centrando a atenção em sua história de vida, recolhida como fio condutor para
uma compreensão das regras e funcionamentos de uma sociedade num determinado
tempo e espaço.
Na história e na histografia, o método passou por mudanças significativas. A
tradicional separação positivista entre o indivíduo e a sociedade, que privilegiava os
grandes personagens da história, seria assim superada pelo estudo das representações, para identificar os valores e os costumes de uma época.
Essa mudança pode ser dimensionada na reflexão de Carino (1999, p. 170): “[...]
Cada homem concreto, individual é, portanto, o produto dessa simbiose entre sua
* Professora de História, formada pela FAFIMAN; especialista em Geografia e História: formação territorial,
econômica e cultural do Brasil pela FAFIJAN; aluna do Curso de Especialização História e Humanidades
da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected].
** Doutora em História e Professora da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]
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época, o momento histórico em que vive e sua própria consciência, ou seja, as condições interiores, espirituais, com as quais também convive.”
Nesse sentido, poder-se-ia afirmar, com Carino (1999), que o método biográfico
permite analisar as trajetórias de vida mediante a valorização de diversos elementos
observáveis e identificados na trama dos relacionamentos humanos, considerandose, por exemplo, as tensões presentes nos percursos individuais, oriundos das forças
organizadoras da ordem social, cultural e política e os comportamentos e atitudes
individuais que se chocam e contrariam os padrões vigentes, as normas sociais e
culturais estabelecidas. Essa foi a abordagem proposta para o percurso de Nair: de que
forma a sua história de vida, conforme narrada pelos biógrafos e jornalistas, revela as
dinâmicas das relações sociais e culturais estabelecidas por uma mulher com a época
em que viveu? Até que ponto Nair traz em seu percurso os ingredientes dos padrões
sociais e culturais do universo em que viveu e em que medida, suas atitudes e comportamentos conflitavam com que era estipulado como designativo do feminino e da
feminilidade? Essas são as perguntas que este texto pretende responder.
Da menina educada na França para a caricaturista no Brasil
A análise biográfica se constitui, na construção de certo percurso de vida
marcado por tensões entre tradição e ação individual. Assim, a noção de biografia
opera, portanto, com a ideia de que as representações do biografado, embora espelhem percursos fortemente marcados por estigmas sociais, também revelam que a ação
de cada indivíduo frente a um sistema de normas pode ser absolutamente singular,
cada personalidade é única. Em suas análises sobre a biografia, Zimmermann e Medeiros (2004, p. 34) definem que “a biografia não se restringe à história de vida, mas situase entre a individualidade do ser e o ser social”, o que leva-nos a crer que diferentes
são as ações desses atores diante dos cenários sociais, o indivíduo é, segundo as
autoras, ao mesmo tempo “sujeito” e “sujeitado” e suas ações são o resultado de uma
estrutura social regida por normas e experiências específicas do biografado.
Quando usamos essas reflexões na análise das histórias de vida narradas pelos
biógrafos de Nair de Teffé, o que dizer de sua maneira de viver e encarar a vida?
Quando pensamos na representação da mulher do final do século XIX, início
do século XX, conforme retratadas pela historiografia, imaginamos, de imediato, uma
história marcada pelo estigma do estabelecimento da ordem patriarcal reservada ao
ambiente doméstico e subordinada ao pai ou marido, e assim, reafirmamos em nosso
imaginário um papel de inferioridade e incapacidade, tendendo supor que as mulheres
eram uma categoria homogênea e de um perfil sem diferenciação quanto às realidades
espaciais e estruturais vivenciadas por elas (OLIVEIRA, 2008).
Todavia, esse modelo de comportamento reservado ao espaço privado do lar e
as tarefas femininas não foi seguido totalmente por Nair de Teffé. Nascida em Niterói,
no ano de 1886, numa família nobre, mudou-se com a família em 1901 para a França
onde frequentou por dois anos o curso de pintura e ainda criança começou a fazer
charges. Em 1905, voltando ao Brasil, aos 19 anos, instalou-se com a família na cidade
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de Petrópolis e iniciou o trabalho na caricatura, retratando os membros da elite que
visitavam a sua residência. Pertencente a uma família burguesa, caberia a ela ser o que
a sociedade preconizava para as moças na época, ou seja, ser mais “educada” do que
“instruída”. No entanto, criada na Europa, possuía uma desenvoltura e coragem marcada por uma educação liberal para época.
O pai, barão de Teffé, e a mãe Marie Louise Dodswort, eram pessoas de mentalidade aberta. Nair passou a maior parte de sua infância e adolescência na Europa
(Bélgica, Itália e França), tendo recebido uma educação esmerada e uma cultura aprimorada nos melhores educandários franceses, aprofundou-se na técnica de desenho,
pintura e caricatura e tornou-se a primeira e uma das poucas caricaturistas mulher a
ganhar fama no Brasil e no mundo. Conseguiu brilhar profissionalmente no universo
da arte da caricatura, num período em que a educação das mulheres restringia-se a
atividades que fossem úteis ao ambiente doméstico, desprovidas de valor no mercado
de trabalho da época.
Os comentários de Rago (2007), acerca das representações que permeavam as
relações entre os homens e as mulheres, principalmente, as restrições profissionais
que pesavam sobre os segmentos femininos são esclarecedores. De acordo com a
autora:
O discurso liberalizante das feministas considerava, sobretudo,
as dificuldades que as mulheres de mais alta condição social
enfrentavam para ingressarem no mundo do trabalho, controlando pelos homens. Uma advogada foi rejeitada na Ordem dos
Advogados; Júlia Lopes de Almeida foi a primeira escritora
brasileira a ser candidata recusada na Academia Brasileira de
Letras, em prol de seu desconhecido marido. Tendo o primeiro
desafio – de se formarem como médicas, engenheiras, advogadas, entre outras profissões liberais -, as mulheres ainda tinham
muitos obstáculos a superar para se firmarem profissionalmente (RAGO, 2007, p. 590).
O trabalho e o espaço público eram sinônimos de homem, o machismo que
perdurava no início do século XX não permitia ao sexo feminino liberar seu lado
profissional, mediante a ocupação de postos no espaço público. Os movimentos feministas e sufragistas, presentes naqueles, vão repercutir e expressar os inúmeros descontentamentos que vinham se manifestando ao longo da república por parte das
mulheres. A nova sociedade, estabelecida num ambiente urbano e industrializado exigia uma nova atuação das mulheres, que agora transitava no espaço público, no
mundo social e da política, embora toda essa busca pela emancipação não lhe tirava a
missão de guardiã do lar e da família
Uma série de discursos e representações – dos médicos, juristas, educadores,
literários, políticos, jornalistas – prescreviam que as mulheres precisavam tomar o
cuidado para que sua vida pública não a afastasse do convívio familiar e de suas
funções e papéis, de esposa e mãe. Nas concepções vigentes, quem fugisse aos
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ditames sociais, culturais e políticos, era visto com “comportamentos desviantes”.
Assim, o comportamento de algumas mulheres, aqui representado por Nair de
Teffé, traduz-se de grande significação para a mudança desses valores políticos e
sociais. A coragem de Nair revela, em seu percurso, aspectos diferentes dos padrões
sociais e culturais preconizados aos segmentos femininos, visto que ela ousou em ser
tornar caricaturista. Sua atitude deve ser considerada de vanguarda, capaz de romper
barreiras da intolerância e abrir novos espaços para a participação das mulheres na
esfera pública.
Os trabalhos de Nair eram assinados com o pseudônimo de Rian (seu nome ao
contrário) tendo um som parecido com “rien” que, em francês, significa ninguém. É
provável que esta inversão em seu nome tenha sido estratégica para encobrir a personalidade de uma das mais distintas “senhoritas” da elite brasileira. Mas também pode
ter sido usado como uma referência indireta ao verbo rir, pois Nair gostava de alfinetar
os personagens, através de suas charges. Ainda muito criança, com apenas nove
anos, foi castigada num colégio de freira na França por caricaturar a nariguda madre
superiora. Portanto, a ousadia da personagem refletia-se na sua forma de trabalhar,
usando as caricaturas como recurso cômico (FONSECA, 1974).
No Brasil, a partir de 1909, quando retorna da França e passa a morar no país,
seus trabalhos começaram a aparecer na imprensa carioca. Rian passa então, a colaborar como caricaturista em periódicos das revistas O Binóculo, Careta, O Malho e
principalmente a revista Fon-Fon. Foi nesta revista, em 31 de julho de 1909, que Rian
publicou sua primeira caricatura, a artista francesa Réjane. Em 13 de agosto de 1910, a
revista Fon-Fon inaugurou uma nova seção para exibir o talento de Nair, a qual recebeu o nome de Galeria das Elegâncias, onde eram apresentadas as caricaturas das
mais distintas senhoras da sociedade.
Essas publicações de caricaturas de Rian geravam pânico entre as damas que
frequentavam os salões da sociedade, que ao vê-la, procuravam se esconder atrás dos
leques, temendo se transformarem em caricatura.
Os anos entre 1910 e 1912 foram de grande esplendor para Rian. Recebeu muitos convites para colaborar em periódicos de revistas e jornais do Rio de Janeiro. Seu
sucesso é reconhecido também na França. No ano de 1910 recebeu o convite do jornal
francês Excelsior, para tornar-se colaboradora efetiva do periódico, o que implicaria
na mudança definitiva para Paris. Embora tenha mostrado muito entusiasmo, Rian teve
que recusar a oportunidade a pedido de seu pai. Nota-se, com essa atitude, que transformar sua arte em atividade profissional exigia a observação quanto aos limites das
ações femininas.
As revistas parisienses Fantasio Le Rire, Excelsior e Fémina publicaram suas
caricaturas. Foi graças ao sucesso dessas publicações que Rian, em 1911, recebeu do
governo francês o grau de Officier de L’instruction Publique, título esse que lhe
permite direito de lecionar e abrir escolas em território francês.
Apaixonada também pelo teatro, atuou em 1912 na peça Miss Love, de Coelho
Netto, preparada especialmente para ela e que teve um enorme sucesso no Rio de
Janeiro e Petrópolis. No mesmo ano foi convidada a encenar a comédia Longe dos
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Olhos, escrita por Leopoldo Fróes. Seus trabalhos nas artes cênicas receberam elogios
do público e incentivo a organizar sua própria companhia teatral, que recebeu o nome
de Troupe Rian, um empreendimento artístico, mas que serviu também para angariar
recursos para obras assistenciais, demonstrando um papel de destaque na colaboração feminina na vida social.
As narrativas biográficas criadas para a personagem também destacam alguns
pontos de sua personalidade, os quais ajudam a entender os caminhos que foram por
ela trilhados. Ela é retratada como audaciosa na maneira de se vestir e de se comportar,
destemida a ponto de defender o sufrágio feminino num tempo em que só os homens
participavam da vida política, do divórcio quando os casamentos eram indissolúveis,
defendia o uso da minissaia pelas mulheres, não chegando a usar porque afirmava que
devido à idade suas pernas já não colaboravam. Chegou à primeira-dama do país,
casando-se com Hermes de Fonseca.
Nair de Teffé foi e ainda é, considerada por muitos como “loucaça”, “irreverente”. Luiz Carlos Ramos (2008), em uma de suas crônicas, compara Nair a “uma espécie
de Leila Diniz, só que meio século antes, e muito mais atrevida.” A personalidade
ousada de Rian foi favorecida por ser de família influente e por viver numa época
favorável à mudança com a tomada de consciência por parte das mulheres para o
exercício de sua autonomia, ensejada pelas transformações econômicas e políticas,
sociais e culturais que se iniciaram na Europa e que se espalhavam nos Estados Unidos, e que chegariam, posteriormente, ao Brasil.
Juventude, amores e casamento
Na transição do século XIX para o século XX, com o advento da República no
Brasil, fortaleceu-se o desejo feminino por direitos políticos e de participação na vida
pública. Isso gera uma mudança gradativa na mentalidade feminina, mobilizando mulheres vinculadas à elite, com educação superior a reivindicar o direito pleno à educação, ao trabalho, a igualdade civil e ao sufrágio, lutando para alcançar seu espaço no
meio social e mostrando que a mulher sabe pensar e agir.
Quando situamos a trajetória de Nair no contexto da época em que viveu,
podemos dizer que ela soube dar à sua vida uma finalidade distinta das mulheres do
período. Enquanto a maioria delas casava-se entre os 15 e 20 anos de idade, Nair
permaneceu solteira até os 27 anos, sem a preocupação de ser considerada “solteirona”, fato que gerava preconceito por parte da sociedade. Dizia sempre que só iria se
casar com 30 anos, depois de realizada artisticamente e amadurecida para a vida.
O casamento não acontecia em sua vida, não por falta de interessados ou de
interesseiros, afinal era uma mulher de família muito rica e de beleza invejável; mas sim
por uma escolha própria. Educada e fina, ela era uma jovem que conseguia impressionar a todos e encantar os saraus e reuniões com seus talentos, pois além de caricaturista foi, também, ótima pianista, atriz e cantora. Talvez fossem predicados demais para
uma mulher. Tinha uma conduta muito moderna para a época, desafiava o perfil exigido
pela elite da sociedade brasileira, que exigia das moças recato e submissão, tornado-as
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verdadeiros bibelôs. Para estas a instrução era limitada, só era preciso desempenhar o
papel de esposa amável, realizar bem às atividades domésticas, aprender ler e escrever
para educar os futuros filhos como bons cidadãos na sociedade urbana e burguesa
que emergia.
Rian apresentava em sua maneira de ser, vários dos predicados concebidos
pela sociedade e cultura da época como próprios e apropriados ao sexo feminino.
Nesse ponto, de acordo com Simili (2008, p. 24):
[...] Em fins do século XIX e início do XX, o ensino da leitura,
da escrita e das noções básicas de matemática para o segmento
feminino era geralmente complementado/associado pelo aprendizado de piano e do francês [...] Aprender a costurar, a bordar,
a cozinhar e a lidar com os criados e serviçais também fazia
parte da educação das meninas e moças. A essa pedagogia incluíam-se elementos que pudessem torná-las não apenas uma companhia mais agradável ao marido, mas também uma mulher capaz de bem representá-lo socialmente [...].
Analisando esse perfil destinado à mulher segundo a cultura do período, percebemos que a menina e mulher Nair de Teffé, apresentava quase todos os comportamentos, atitudes e conhecimentos concebidos como necessários aos segmentos femininos: era estudada, sabia tocar piano. Todavia, a caricaturista Rian desafiou esse
padrão. Juntamente com suas primas e amigas, ela transformou-se numa espécie de
“locomotiva” da sociedade, acompanhando seu pai, o barão de Teffé, no mundo boêmio. Tinha acesso a uma vida social quase impossível para a maioria das moças de sua
época (FONSECA, 1974).
Biografando a trajetória de Nair, Rodrigues (2002), avalia que o pai, um barão,
embora tivesse orgulho de apresentar a filha como uma grande dama da sociedade,
também reservava cuidados e proteção que limitavam sua liberdade. Sua ousadia era
vigiada e essa vigilância do barão não lhe dera oportunidades de muitos namoros.
Entre os anos de 1910 e 1912, segundo o autor, Nair teve uma desilusão amorosa com
um americano, o que fez com que ela amadurecesse e aprendesse a desconfiar dos
homens. Teria ocorrido também outro episódio, em que o presidente da Argentina,
Julio Roca, ofereceu todo dinheiro de um prêmio ganho no Brasil em homenagem à
beleza de Nair. O barão se ofendeu, considerando o gesto do presidente indecente. No
entanto, não querendo ser grosseira e devolver o dinheiro, Nair e o barão decidiram
utilizar o dinheiro para fazer uma doação às instituições de caridade.
Mas como foi o encontro de Nair com aquele que viria a ser o seu marido, o
então presidente da república, Marechal Hermes da Fonseca? Seria talvez nesse
momento que a badalada artista Rian sai de cena para dar lugar à mulher e primeiradama Nair de Teffé Hermes da Fonseca? O que levou Rian a enfrentar os ataques da
sociedade, o preconceito da família e abrir mão da vida tranquila que levava para se
dedicar ao marido?
É certo que não há respostas para todas essas questões que envolveram a
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história de Nair de Teffé. Acreditamos que mais o importante são as informações
possíveis de ser coletadas acerca de um percurso, de forma a produzir conhecimentos
que permitam evidenciar as representações da personalidade dessa mulher a qual
podemos chamar de “excêntrica”.
Nas leituras e interpretações de Santos (1999), as famílias de Nair e de Hermes
da Fonseca eram amigas e muito se estimavam. Houve entre eles vários encontros,
alguns deles, antes da morte de Dona Orsina, primeira esposa do marechal. O casal
teria se encontrado no dia da posse do presidente Hermes da Fonseca, em 15 de
novembro de 1910. No dia, segundo consta, Nair queria exibir seu vestido novo,
trazido pelo pai de Paris, mas não conseguiu chegar até o presidente, que sendo de
média estatura e estando rodeado de políticos e diplomatas não pôde enxergá-la. No
ano de 1912, Rian e marechal Hermes se encontraram formalmente. Nair estava expondo individualmente suas caricaturas no salão do Jornal do Commercio e, debaixo de
um temporal arrasador, chegou o presidente, como convidado, para inaugurar a exposição. Naquele momento, o que existia entre os dois era o respeito e grande admiração
de ambas as partes.
Ainda de acordo com autor, Hermes da Fonseca, com a perda da companheira
em dezembro de 1912, procurou isolar-se. Em meio à dor e ao luto, teria permanecido
uma temporada em Petrópolis no início de 1913. Na estação, entre os amigos que
esperavam por ele estava o barão de Teffé, acompanhado pela filha Nair. Após os
pesares o barão apresenta-lhe a filha e, nesse instante, segundos relatos de sua autobiografia, Teffé, (1974, p. 31) “seus olhos falaram tal qual os de um rapaz de 25 anos”.
Nair, embora tenha notado o olhar interessado do marechal, não teria levado a sério o
acontecimento na estação.
Foi em Petrópolis, no verão de 1913, segundo relata Santos (1999) que Nair e
Hermes da Fonseca, num de seus passeios a cavalo pela manhã, o marechal encontrou
uma oportunidade de confessar o quanto estava encantado pela moça e, além de
expressar o encantamento, a teria pedido em casamento. Nair, um tanto surpresa resiste por um período, mas acaba aceitando.
Antevendo as reações familiares, os dois mantiveram o noivado em sigilo até o
que consideravam ser o momento oportuno de torná-lo público. Pois embora fosse
comum na sociedade do início do século XX, homens mais velhos casarem-se com
moças mais jovens, a diferença de idade entre os dois era significativa: Nair tinha 27
anos e o marechal 58 anos. Os pais de Nair e os filhos do marechal reagiram negativamente à união dos dois, a princípio, argumentando não só a diferença de idade, mas
também o fato de que Nair era uma moça alegre, com alma de artista e muito irreverente;
o marechal Hermes era um velho militar sisudo, além do que consideravam a viuvez do
marechal ainda muito recente, afinal só fazia alguns meses que D. Orsina havia falecido
(FONSECA, 1974).
A sociedade também reagiu à notícia do romance e casamento. Os opositores
do presidente aproveitaram-se da situação para fazerem comentários e noticiar o fato
como um escândalo, um ato imoral e segundo Rodrigues (2002, p. 71), até mesmo como
um desvario mental: “seu Dudu tinha virado para a infância; era uma falta de respeito”.
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Questiona-se, o que realmente ligava Nair ao marechal Hermes da Fonseca?
Percebe-se de acordo com sua autobiografia intitulada A verdade sobre a Revolução
de 22, na qual Nair apresenta mais a trajetória de vida do marido do que a sua, o amor
dela foi intenso. A história dos dois, conforme retratada por ela foi cercada por tensões. O marechal tinha fama de caipira e azarado e seu governo foi constantemente
atacado com insultos e provocações nas revistas e jornais da época. Tinha mais: ele
era um homem pobre e não tinha dotes para oferecer à Nair, como era de costume na
época. Ainda assim, sentiu-se atraída pelas gentilezas do marechal e entusiasmada
pelo desafio de ser a primeira-dama e uma mulher pública.
Para Nair, o marechal era um homem muito culto e sensível. Trechos de sua
autobiografia do momento em que o noivado torna-se público, no dia 7 de setembro de
1913, revelam a admiração que cultivavam um pelo outro:
__ Nair, eu não te posso dar presentes de reis. Sou um homem
pobre e nada tenho. No momento, entretanto, dificilmente haverá homem mais rico em toda terra. Hoje as nossas tropas
desfilam em homenagem a data da Independência e em sua
honra.
Desde aquele dia, não houve também no mundo mulher mais
rica e feliz do que eu. Tive grandes emoções, alegrias e tristezas,
cheias de amor e carinho, ternura e paixão com que fui envolvida
pelo marechal Hermes (FONSECA, 1974, p. 34).
O dia 8 de dezembro de 1913, dia do casamento de Nair e Hermes, Petrópolis
amanheceu em festa. Um Presidente da República casava-se no exercício de suas
funções. Em meio a muitas pompas e luxo, receberam telegramas e cumprimentos da
alta sociedade, do Corpo Diplomático, de políticos, de oficiais de mar e terra e chefes
de países estrangeiros. O casamento foi marcado por muitos presentes, tais como
joias de muito valor. Anos depois, já viúva, Nair perdeu tudo, vendendo, empenhando
para sobreviver em meio às dificuldades que enfrentou em seus longos anos de existência (FONSECA, 1974).
Com o casamento inicia-se uma nova etapa na vida de Nair. Tornara-se a primeira-dama, uma mulher pública, cercada de luxo e movimento do Palácio do Catete.
Teve que assumir o comando interno do Palácio, que se encontrava em sérias dificuldades financeiras. Para uma jovem que nada sabia sobre a organização de uma casa,
sempre rodeada de empregados e tendo a mãe que tomava conta de tudo para que ela
pudesse se dedicar à vida de artista, até que Nair se saiu bem. Soube implantar um
regime de economia no Palácio do Governo. Mostrou-se esposa dedicada, sempre
companheira fiel do marechal, anulando-se de certa forma.
Nada se sabe sobre a vida íntima do casal. Não se sabe o porquê de não terem
tido filhos. Seus opositores comentavam que o casal não tinha relações sexuais. Mas de
acordo com Rodrigues (2002), é mais provável que tenha sido uma decisão dos dois para
evitar comentários maldosos e complicações com os filhos de Hermes que consideravam
o pai velho demais, argumentando que seus filhos seriam mais novos que seus netos.
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O comportamento enquanto primeira-dama da Nação deu o que falar. Suas
festas animadas no Palácio do Catete foram muito criticadas na época. Não perdeu seu
espírito irreverente e audacioso, tanto que Imagine que um dia numa reunião do Ministério presidida pelo marido, a travessa primeira-dama apareceu diante de todos trajando um vestido em cuja roda havia feito caricaturas de todos os ministros da República.
Sua afronta foi um verdadeiro escândalo. Nada habitual para uma primeira-dama (SANTOS, 1999).
Desafiando os costumes da época, em maio de 1914, Nair reuniu no Palácio do
governo um grupo de amigos para um recital de modinhas violão de Catulo da Paixão,
artista cearense de muita simplicidade. Para os opositores do marechal esse íntimo
acontecimento foi uma ocasião de críticas. Argumentavam que levar para dentro do
Palácio um violão, instrumento associado à boemia e aos maus costumes era um insulto à Nação.
Famoso recital foi aquele que ficou conhecido como a noite do “Corta Jaca”
que entrou para história e para os anais do Senado, graças aos inimigos políticos
representado principalmente pelo senador Rui Barbosa que, em 1910, havia sido derrotado por Hermes da Fonseca na disputa pela presidência.
Na noite de 26 de outubro de 1914, seria a última recepção dada pelo presidente
Hermes da Fonseca. Nair, a moderna primeira-dama, caprichou, preparando um repertório bem brasileiro. Convidou os amigos e o corpo diplomático para o recital no qual,
quebrando o protocolo, ela mesma interpreta ao violão o maxixe “Corta-Jaca” de Chiquinha Gonzaga. Dá para se imaginar o escândalo causado por tal recepção. Como a mulher
do presidente tinha a audácia de abrir as portas do Catete, ambiente de formalidades
onde imperava a música erudita, e lançar o “Corta-Jaca”, ritmo considerado cafona,
barrado nos salões da elite por ser considerado vulgar e imoral pelos conservadores?
Segundo consta na literatura histórica, a Igreja Católica chegou até a condenar
o maxixe por ser indecente. De acordo com Ramos (2008), o próprio marechal Hermes,
em 1907, quando era ministro da Guerra, proibiu a execução do maxixe nas bandas
militares.
A repercussão do lançamento do “Corta-Jaca” chegou até a sessão do Senado
de 11 de novembro de 1914. Rui Barbosa não poupou palavras para criticar o presidente e a atitude da primeira-dama.
[...] aqueles que deviam dar ao país o exemplo das maneiras
mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o Corta-Jaca à altura de uma instituição social. Mas o Corta-Jaca de
que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, sr. Presidente? A mais baixa, mais chula, a mais grosseira de todas as
danças selvagens, irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba [...] (SANTOS, 1999 p. 46).
O episódio produziu uma destruição da imagem do presidente, que já não era
muito boa. Disseminaram-se manifestações depreciativas em nome do marechal. Escreviam-se quadrinhas, canções irreverentes e caricaturas relacionadas à noite do
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“Corta-Jaca” e a falta de decência do casal presidencial. Nair, no entanto, parecia
alheia às provocações. Para ela, a noite foi um sucesso, como ela mesma declarou “foi
uma noite prafentex”, havia desafiado a sociedade que valorizava o erudito em favor
do ritmo popular brasileiro.
Para Nair, o Palácio era sua casa e, enquanto tal, podia dele dispor do jeito que
bem entendesse, pouco importando as acusações de Rui Barbosa. Procurando defender-se declara: “as pedras que ele me atirou não me atingiram. Elas dormem esquecidas
no fundo do mar ou na terra e só serviram para assinalar a luta que enfrentei contra os
preconceitos de então” (FONSECA, 1974, p. 45). Como era de seu estilo reagiu sarcasticamente publicando uma caricatura ridicularizando o então senador, que se sentiu
profundamente ofendido.
O fim do governo de Hermes foi de muita tensão, o que provocou mais desgaste
político ao marechal. Nesse momento, o que os dois mais desejavam era viver tranquilamente. Desligaram-se de tudo que se relacionava à política e foram morar na encantadora Petrópolis no “Villino Nair”, casa onde Nair morava com seus pais antes de se
casar.
O período de tranquilidade durou pouco. No carnaval de 1915, Nair sofre sérias
contusões nas pernas devido a uma queda de charrete, e, em agosto de 1916, por
recomendação médica, o casal parte para Europa e lá permanece por quatro anos para
que Nair realizasse um tratamento intensivo, contando sempre com o apoio e a dedicação do marido.
O período na Europa, apesar da doença, parece ter sido uma fase feliz na vida de
Nair. Ela aperfeiçoou-se nas artes da caricatura e no piano, e temia o dia do retorno ao
Brasil, o que aconteceu no mês de outubro de 1920. De volta ao Brasil, foram recebidos
com manifestações de carinho pelo povo, e a partir daí a vida social foi retomada e o
sossego pretendido por Nair perdeu-se, passou a conviver com o envolvimento político do Marechal.
Por ocasião do retorno ao país, Nair havia planejado retomar as atividades
artísticas, abrindo uma escola para ensinar o que mais sabia e gostava de fazer: desenhar e pintar. Mas, o projeto acabou por não se concretizar, porque cada vez mais se
afastava de sua identidade de Rian, a caricaturista. Naquele momento de seu percurso,
o marechal necessitava de seu apoio. Sua opção foi a de ser a acompanhante e a
defensora do marido
Da parte de Hermes, o retorno para o Brasil foi marcado por novos envolvimentos com a vida pública. Em junho de 1921, tomou posse da presidência do Clube Militar
e, em outubro do mesmo ano, o jornal Correio da Manhã publicou, durante a eleição
presidencial, cartas falsas supostamente de autoria de Artur Bernardes contra Hermes
da Fonseca, onde era chamado de “sargentão sem compostura”. Mesmo sendo falsas,
as cartas causaram um imenso tumulto. O marechal acabou sendo repreendido severamente (SANTOS, 1999, p. 63).
Ferido nos seus brios de militar, Hermes repeliu a injusta penalidade. Diante
disso, conforme observado por Rodrigues (2002, p. 122) o presidente Epitácio Pessoa mandou fechar o Clube Militar e determinou sua prisão, em 2 julho de 1922.
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Colocado em liberdade 24 horas após a prisão, os jovens oficiais já indispostos com
Bernardes promoveram um levante no Rio de Janeiro. Começa, assim, a Revolta dos
18 do Forte.
Por seu envolvimento na revolta militar, Hermes ficou preso de julho de 1922 a
janeiro de 1923. Após sair da prisão, doente e sentindo-se culpado pelo movimento de
1922, retirou-se para Petrópolis onde morreu em 9 de setembro de 1923. Em atendimento ao pedido que havia feito a Nair, ferido em seus brios de militar, o marechal foi
enterrado à paisana. Em defesa do marechal, Nair escreveu em sua lápide o que desejava que todos soubessem: “Aqui jaz o grande soldado Marechal Hermes da Fonseca,
vitimado pelo desgosto de sua violenta e injusta prisão efetuada aos 7 de julho de
1922” (FONSECA, 1974, p.118).
Com a perda de seu grande amor, aos 37 anos, Nair assumiu o luto e isolou-se
no “Villino” e permanecera viúva até o fim, fiel à memória daquele que continuou
respeitando carinhosamente.
A viúva Nair: realizações, homenagens e aflições financeiras
Depois da morte de Hermes, com o apoio dos pais e amigos, aos poucos Nair
retomou o gosto pelas artes e pela vida pública. No ano de 1924, ela concedeu entrevista ao Jornal de Petrópolis. Nessa entrevista, sob o título Reivindicações Políticas, expressa sua opinião, defendendo a participação da mulher na vida política brasileira “[...] Por que permitir ainda que os homens continuem a atrapalhar a vida econômica do sexo frágil... disputando-lhes os empregos e os cargos ao alcance de suas
forças e capacidades?[...]” (SANTOS, 1999, p. 71).
Entre os anos de 1928 e 1932, Nair preside a Associação de Ciências e Letras de
Petrópolis. Durante sua gestão a transforma em Academia Petropolitana de Letras.
Toma posse, também, em 1929, na Academia Fluminense de Letras. Durante este período Nair recebe muitas homenagens pelo seu talento nas realizações artísticas e culturais. Segundo Rodrigues (2002), os eventos realizados por Nair eram fundamentados
na memória do passado, era como se aquela que experimentava o moderno estivesse
presa às lembranças do passado.
Com a morte de seus pais, na década de 1930, Nair decide deixar Petrópolis para
viver no Rio de Janeiro. De acordo com Santos (2002), a herança deixada pelo pai foi
consumida “em despesas necessárias e muito no ‘jogo-do-bicho’ de que gostava a
irrequieta senhora.”. Com as últimas economias que lhe sobraram, Nair comprou uma
propriedade na Avenida Atlântica, nº 2965, onde construiu um prédio através de empréstimos da Caixa Econômica Federal, conseguido por intermédio de sua amiga e
primeira-dama Darcy Vargas. Surgiu, assim, o Cinema Rian, uma homenagem ao barão
de Teffé, que desejava ver o nome de sua filha brilhando. Encontrando dificuldades em
manter o prédio, Nair resolve alugá-lo à companhia cinematográfica Luiz Severino
Ribeiro, que, por fim, aproveitando-se da inexperiência com negócio e da crise financeira de Nair, comprou o cinema em 1946.
Conforme nos revela Rodrigues (2002), com os poucos recursos que lhe restaDiálogos & Saberes, Mandaguari, v. 7, n. 1, p. 121-134, 2011
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vam, Nair comprou uma pequena propriedade em Niterói, na região de Pendotiba, onde
passou a viver com os três filhos que adotou: Carmem Lúcia, Tânia e Paulo Roberto.
Esse foi um período em que Nair viveu isolada e esquecida pela imprensa. Só foi
lembrada novamente em 1967, aos 76 anos, quando foi convidada por uma emissora de
televisão de São Paulo para fazer, diante das câmeras, uma caricatura do Presidente da
Republica, Marechal Costa e Silva no programa “Desafio 67”. Esta participação no
programa lhe devolveu o ânimo e incentivada pelo jornalista que lhe acompanhou,
Nair escreveu o livro A verdade sobre a revolução de 22, no qual teve a oportunidade
de relatar a trajetória de sua vida ao lado do marechal Hermes e revelar acontecimentos
que permaneciam sombrios. O lançamento ocorreu no ano de 1974, foi um sucesso e
lhe proporcionou o retorno a Petrópolis para uma noite de autógrafos e homenagens.
Esta foi a penúltima vez que visitou a cidade, a última foi em 1979, quando foi homenageada com o título de “Cidadã Petropolitana”.
Em sua velhice Nair sofreu muitas aflições financeiras. A pensão deixada pelo
marido não era suficiente para suprir suas necessidades. A essa altura pagava aluguel e quase foi despejada em 1970. Nesta mesma época foi perseguida pela Receita
Federal que lhe cobrava impostos atrasados. A audaciosa Rian reaparece, segundo
Santos (1999), Nair envia uma carta ao Jornal do Comércio reivindicando a isenção
do pagamento do Imposto de Renda para os pensionistas que atingissem 85 anos de
idade.
Ousadia mesmo, que nos lembra a jovem petulante, aconteceu quando, aos 90
anos, em vez de preencher o formulário da Receita, Nair desenhou nele uma caricatura
do ministro da Fazenda, Delfim Netto, constando um recado: “Ministro, desculpa-me,
mas essa coisa de Imposto de Renda é muito complicada pra mim. Vocês deviam dispensar os adultos com mais de setenta anos” (SANTOS, 1999, p. 97-98).
Nair ou Rian, a grande dama, que representou as mulheres por muitas décadas,
afirmou que morreria no dia de seu aniversário, e exatamente, no dia 10 de junho de
1981, quando completava 95 anos, Nair de Teffé partiu para o repouso eterno. Foi
sepultada junto ao esposo, Marechal Hermes da Fonseca, no Cemitério de Petrópolis,
próxima ao túmulo de seus pais. Foi enterrada na cidade que amou!
Considerações finais
No caso da narrativa criada para a personalidade de nossa biografada, Nair de
Teffé, buscamos trazer para o cenário, sua vivência, tendo por pressuposto uma visão
que remete a um questionamento da sua passividade, procurando revelar algumas de
suas experiências e atuações que ultrapassaram o rigor da modelo patriarcal que se
estabelecia no Brasil no início do século XX.
Portanto, a intenção foi a de provocar uma visão que não se limitasse a considerar Nair simplesmente como o sexo frágil e limitado, apontando contornos em sua
personalidade de uma mulher que estava à frente de seu tempo. Nair quebrou tabus de
uma época em que o trabalho e a vida pública eram dominados por homens, tornandose uma famosa caricaturista, um ícone da modernidade que não abdicou o espaço
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feminino na sociedade e o direito da mulher de escolher seu destino. Casou-se não tão
jovem como as meninas da época, com quem escolheu, mesmo enfrentando obstáculos da sociedade e da família. Como primeira-dama escandalizou o Palácio do Catete,
introduzindo o violão e a música popular, considerado vulgar àquela época, num local
de formalidades que valoriza o erudito. Jamais se intimidou diante da reação dos conservadores e da oposição e em toda sua longa existência, sempre soube reagir às
acusações e às contrariedades com irreverência e bom humor perante aqueles que se
incomodavam com suas atitudes ousadas.
Nair de Teffé tornou-se uma figura marcante, isso se deve, principalmente, à
sua personalidade audaciosa, inimiga das convenções. Representou, em sua trajetória, um papel de mulher desafiadora dos costumes por várias gerações e deu sua
contribuição para a definição de um novo perfil para a mulher na sociedade brasileira.
Abstract
NAIR OF TEFFÉ: A BIOGRAPHICAL NARRATIVE FOR WOMEN OF THE
NINETEENTHAND TWENTIETH CENTURIES
The article aims to analyze a woman’s path, Nair of Teffé (1886-1981) to identify the
social, cultural and political environment in which the women lived in the late nineteenth
century and beginning of the twentieth centuries. In our analysis, through the selected
character’s course, considered representative of the feminine segments of the time, we
tried to get and link the information concerning her life to the historical, social and
cultural background in which she acted. In a certain way, the article explores the
potentialities of the biographical method for the knowledge and the understanding of
the women’s history in their links with the themes of education, family and work.
Keywords: Biography. Nair of Teffé. Feminine representation.
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