o mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015

Transcrição

o mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015
O MUNDO QUE
QUEREMOS VER:
PERSPECTIVAS
PÓS-2015
Relatório da Christian Aid
Setembro de 2013
b
A pobreza é um ultraje contra
a humanidade. Ela despoja os indivíduos
de sua dignidade, liberdade e esperança,
e do poder sobre suas próprias vidas.
A Christian Aid tem uma visão – acabar
com a pobreza – e acreditamos que
essa visão pode tornar-se realidade.
Conclamamos a todos que se juntem a nós.
christianaid.org.uk
Autoria: Helen Dennis
A Christian Aid gostaria de agradecer a nossos parceiros
e autores por sua contribuição para com este relatório,
que não teria sido possível sem eles.
Colaboradores da equipe da Christian Aid: Maeve Bateman,
Chiara Capraro, Alexander Carnwath, Vitumbiko Chinoko,
Celia Cordova, Alison Doig, Gaby Drinkwater, Aisseta Kabre, Priya
Lukka, Mara Luz, Ana Claudia Menezes, Sophie Powell, Alex Prats,
Nadia Saracini, Joseph Stead, Katharine Teague.
As opiniões dos parceiros da Christian Aid expressas neste
relatório, não refletem necessariamente as políticas da Christian
Aid e não devem ser a ela atribuídas. Entretanto, essas opiniões
são muito importantes para a elaboração de nossas políticas
e trabalho de incidência.
Capa: Comunidades sem terra da Índia unidas em campanha
pelos direitos à terra, durante a Jan Satyagraha, a Marcha por
Justiça, em 2012. O movimento tem suas raízes nas experiências
de comunidades pobres indianas, e foi organizado por Ekta
Parishad, parceiro da Christian Aid, que enfatizou a suprema
importância da solidariedade dessa campanha.
Crédito : Christian Aid/Simon Williams
1
CONTEÚDO
Prefácio: Dr Rowan Williams
2
Introdução3
Vozes parceiras: África
6
CEPA - Centro de Incidência e Política Ambiental, Malawi
Réseau MARP - Rede para a Promoção de Abordagens Participativas, Burkina Faso
Instituto de Estudos sobre Pobreza e Desigualdade, África do Sul
Rede de Justiça Fiscal África
União Cristã Feminina (UCF) – Angola
INERELA+
7
8
10
12
14
16
Vozes Parceiras: Ásia e Oriente Médio
18
Social Watch - Observatório da Cidadania das Filipinas
Campanha Nacional pelos Direitos Humanos dos Dalits / NDW, Ìndia
BCAS - Centro de Estudos Avançados de Bangladesh
AWN - Rede de Mulheres Afegãs
Rede Árabe de ONGs para o Desenvolvimento
19
20
22
24
25
Vozes Parceiras: América Latina e Caribe
26
Centro Humboldt, Nicarágua
KOINONIA, Brasil
Corambiente, Colômbia
UNITAS, Bolívia
INESC, Brasil
Plataforma Boliviana sobre Mudança Climática
27
28
30
32
34
35
Uma agenda para o desenvolvimento sustentável e equitativo
36
Recomendações
40
Notas finais
41
2
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Prefácio
PREFÁCIO
Dr Rowan Williams, Presidente da Christian Aid e ex-arcebispo da Cantuária
Já há alguns anos, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODMs) representam não só um parâmetro do pensamento
sobre os fundamentos de um mundo mais justo e mais seguro,
como ainda têm o papel de nos lembrar de que é possível que
os governos do mundo reconheçam, como imperativo moral de
todos nós, a necessidade de uma ação comum. Ao voltarmos
nossa atenção para 2015, data em que a princípio se esperava
atingir as Metas do Milênio, nos deparamos com sentimentos
contraditórios. No entanto, não importa o grau de desafio
que nossas falhas em uma série de metas representem,
é fundamental que, antes de tudo, nos mantenhamos fiéis
à importância do fato de que elas existem.
A tarefa que a sociedade civil e os grupos de incidência
enfrentam não é o de gerar aspirações do nada, mas fazer
com que governos, órgãos públicos e o público em geral se
responsabilizem pela melhor e mais generosa visão concebida,
e que continuem a delimitar cada vez mais onde se encontram
as necessidades mais agudas, ao escutarmos a experiência
popular dos que enfrentam a pobreza, doenças, fome e
injustiças. Este é o significado de um relatório como este.
Ao tomarmos ciência do progresso real de algumas áreas,
precisamos da maior clareza possível ao identificar onde as
metas ainda devem gerar impacto real. Na última década, a
maioria dos envolvidos na busca de desenvolvimento justo e
sustentável salientou a importância fundamental das mulheres
nesse processo, o que torna imperativa a atenção que deve
ser dada a todos os tipos de discriminação e desvantagens
que acometem meninas e mulheres em todo o mundo. Porém,
estas páginas nos advertem da distância que ainda temos a
percorrer. A saúde maternal e perinatal ainda é um grande
desafio; as questões de igualdade de gêneros, sem falar
da educação, ainda demoram a atingir o topo das listas em
muitas estratégias nacionais. O pior de tudo é que a incidência
de violência e abuso ligada a gênero ainda se mantém em
níveis escandalosos e inaceitáveis em muitos países. Nós,
da Christian Aid, contamos com que essas questões sejam
tratadas com novo grau de urgência.
mais vulneráveis arcarem com os maiores custos, no âmbito
nacional e internacional?’- como ainda enfrentamos o desafio
de que tipo de mundo vislumbrar para os próximos 10 ou 20
anos. Queremos realmente ampliar as distâncias entre ricos
e pobres, com toda a instabilidade que implica a insegurança
global, os deslocamentos, a violência e a miséria que engloba,
em última análise, a todos em todo o planeta?
Em qualquer dessas situações, é essencial que ouçamos não
só as vozes dos especialistas, mas também a fala daqueles
que estão na linha de frente. Ajudar a tornar essa fala audível
para o maior número de pessoas possível é parte essencial da
filosofia da Christian Aid, assim como ouvirmos com cuidado
sobre a experiência daqueles que enfrentam desafios e crises,
uma vez que temos um compromisso fundamental para com
a dignidade que Deus confere a cada pessoa. Este relatório
almeja ser mais do que um documento com registros das
conversações entre órgãos e ativistas, ele deve ser uma
plataforma para as vozes dos que mais importam, daqueles
cujos interesses e bem estar precisamos servir e assegurar por
todos os meios possíveis de que dispomos.
Espero que todos os que lerem este relatório encontrem
aqui uma energia fresca, e que ele renove a ânsia de tornar a
próxima fase de trabalho dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio e as discussões para a pós-2015 um exercício digno e
inspirador para a cura do nosso mundo enfermo e das relações
injustas que ainda o caracterizam.
Rowan Williams
Além disso, é verdade que ainda há outras questões que agora
parecem mais urgentes do que uma década atrás. Temos
muito mais consciência, por exemplo, de como questões
relativas à justiça global se entremeiam aos efeitos das
mudanças climáticas, seja a elevação dos níveis de água no
Pacífico ou a desertificação na África subsaariana. Sobretudo,
o que não se pôde prever, no início do milênio, foi a crise
econômica que precipitou novos tipos de dificuldades em
locais inesperados, além de provocar muita ansiedade em
relação aos gastos públicos. Nesse contexto, devemos
elogiar a decisão do Reino Unido de proteger seu orçamento
assistencial; mas agora precisamos que mais países
intensifiquem seu compromisso com os ODMs e metas
posteriores a 2015. Não só nos encontramos frente a uma
dúvida moral, ou seja, - ‘vamos ficar parados e deixar os
Photo: Magdalene College
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Introdução
INTRODUÇÃO
A Christian Aid acredita que pobreza não é inevitável e que
pode ser erradicada. É isso o que impulsiona nosso trabalho;
é a razão de a agenda de desenvolvimento do pós-2015 ser
uma discussão tão importante. Entretanto, a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades não vão acontecer sem
vontade política; nada vai acontecer, se nossas metas forem
pequenas e nossas análises falhas.
A erradicação da pobreza não é algo que alguns ‘fazem aos
outros’. Na verdade, acreditamos que só irá acontecer por meio
de parceria e de fortalecimento das comunidades, inclusive de
mulheres e marginalizados. Pensando nisso, nossa abordagem
do relatório foi extraída da experiência e conhecimento dos
parceiros da Christian Aid em todo o mundo; de ouvir e refletir
sobre as prioridades deles para as metas pós-2015, antes
que façamos as recomendações àqueles que atualmente
prosseguem com as negociações.
Isto vem acompanhado de muitas outras contribuições
construtivas da sociedade civil e das organizações baseadas
na fé. Vem acompanhado, também, dos resultados de
consultas temáticas, pesquisas participativas e da pesquisa
Meu Mundo 2015, que, durante a elaboração deste relatório,
acompanhou a ONU realizar uma pesquisa de opinião pública
junto a mais de 800.000 pessoas em 194 países, sobre as
prioridades fundamentais para um mundo melhor.
Acreditamos que uma nova estrutura deve abordar, com
profundidade, temas como a desigualdade e a resiliência
ambiental, para que se possa atingir e manter a erradicação
da pobreza. As contribuições que seguem apoiam este ponto
de vista e oferecem uma visão de como uma agenda global
pode causar impacto de âmbito nacional e local.
O mundo em 2013
Em cada 100 pessoas:
• 12 vivem em favelas;
• 15 são desnutridas;
• 17 vivem em extrema pobreza ou com
menos de US$1,25 por dia;
• 35 não têm acesso a um
banheiro decente;
• 37 vivem com menos de US$2 por dia.
Além disso, a situação de mulheres
e crianças continua intolerável:
• 1 em cada 4 crianças no mundo
são raquíticas; 1
• na África subsaariana, 1 entre 9
crianças morrem antes da idade
de 5 anos;
• 57 milhões de crianças em idade
escolar primária não frequentam
escola;
• em todo o mundo, cerca de 70%
das mulheres correm risco de violência
durante suas vidas;
• 140 milhões de mulheres que
gostariam de ter acesso à
contracepção, mas não a têm;
• só 20% dos parlamentares em todo
o mundo são mulheres.
Isto é particularmente injusto, dada
a concentração de riqueza e renda
no mundo. Embora a riqueza global
esteja crescendo, ela é controlada por
um número pequeno de indivíduos,
ajudados pelos aspectos do sistema
financeiro global atual:
• Os 20% mais ricos controlam
e consomem 80% dos recursos
mundiais;2
• Os mais ricos (1% da população)
controlam 39% da riqueza mundial:
US$52,8 trilhões; 3
• Os que possuem US$5 milhões ou
mais, controlam praticamente um
quarto da riqueza mundial;
• Apesar da crise econômica, 2012
assistiu a 10% de aumento no número
de milionários;
• estima-se, atualmente, que cerca de
US$21 trilhões se encontram
escondidos em paraísos fiscais; 4
• A cada ano, os países em
desenvolvimento perdem US$1 trilhão
em fluxo ilícito de capital.5
Enfrentamos, ainda, uma crise
ambiental e climática que irá aumentar
em frequência e severidade os
desastres naturais, causando impacto
em todos nós, particularmente os
mais pobres e mais vulneráveis. Se
mantivermos os negócios na atual
trajetória de emissões globais,
seguindo para um mundo 4ºC graus
mais quente, provavelmente iremos nos
defrontar com:
• um aumento da ocorrência de seca em
áreas plantadas de 15,5% para 44%;6
• declínio da disponibilidade de água
de até 50% em algumas regiões;7
• 3 bilhões de pessoas reduzidas
à pobreza.8
3
4
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Introdução
O mundo em que vivemos
Em 2013, o mundo está cada vez mais desigual e menos
sustentável. Embora tenhamos obtido algum ganho importante
em termos da redução da pobreza desde 2000, vale a pena
refletir sobre alguns dos desafios mais urgentes que temos
pela frente, e em como a situação atual ainda é ofensiva.
O quadro na página anterior aponta alguns dos desafios
presentes no mundo hoje: a pobreza extrema, os índices
de mortalidade de crianças abaixo de cinco anos, níveis de
desnutrição infantil, a falta de acesso a educação, de acesso
a água e saneamento; violência contra a mulher; participação
desigual da mulher na sociedade; níveis de sonegação fiscal;
divisão entre ricos e pobres; luta por sustentabilidade ambiental,
e por último, mas não menos importante, a mudança climática
e todos os seus impactos.
Os mais pobres não só correm mais riscos, como são os
menos culpados. Há uma ligação direta entre desigualdade
e mudanças climáticas. À medida que as maiores rendas
tendem a estar relacionadas com um maior índice de pegadas
de carbono, os mais pobres estão mais expostos aos danos
causados por elas. O Malawi produz 0,1 toneladas métricas
de dióxido de carbono per capita em comparação aos Estados
Unidos que produzem 17,3 toneladas métricas por capita,
e ao Qatar, que produz 44 toneladas métricas per capita.9
Por que metas globais?
As estatísticas são de estarrecer, deveriam nos indignar e nos
por em ação. Elas exigem um foco renovado sobre a pobreza
global, além de uma reconsideração fundamental de algumas
estruturas financeiras globais, de mudança imediata para modelos
de produção e consumo sustentáveis e de baixo carbono,
e de crescimento mais inclusivo.
A Christian Aid crê que uma nova estrutura global de
desenvolvimento seria uma ferramenta importante na luta
por um mundo mais justo. Ela precisa ser apoiada por outros
processos multilaterais, tais como o progresso para uma justiça
fiscal e a transparência financeira, ações que reduzam o risco de
desastres que as comunidades enfrentam, e um acordo climático
com vínculo jurídico.
Acreditamos que novos objetivos justos e ousados podem ajudar
a impulsionar a erradicação da pobreza, a redução da desigualdade
e a promoção de desenvolvimento sustentável. Entretanto,
é importante também testar hipóteses sobre o valor e o propósito
de um novo conjunto de objetivos10 e refletir sobre o sucesso
dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) atuais.
Nos últimos anos, testemunhamos importantes conquistas
de redução da pobreza. Como por exemplo:
• desde 1990, mais de 2,1 bilhões de pessoas ganharam
acesso a fontes mais adequadas de água potável;11
• a meta do ODM relacionado ao acesso universal
a tratamento antirretroviral dos portadores de HIV,
tornou-se possível;
• entre 2000 e 2011, o número de crianças fora da escola
caiu de 102 milhões para 57 milhões;
• entre 1990 e 2011, o índice de mortalidade de crianças
com menos de cinco anos caiu em 41%.
Estas são conquistas positivas, mas nem sempre é fácil
atribuí-las exclusivamente aos ODMs. As metas certamente
marcaram o vocabulário e as estruturas estratégicas12.
Mas seu impacto direto sobre a redução da pobreza
é mais difícil de determinar. Parece haver evidência de que
o financiamento internacional dos setores sociais cresceu após
o acordo dos ODMs13 , mas não está tão claro o seu impacto
sobre a mobilização dos recursos domésticos.
O recente relatório do Government Spending Watch
(Observatório de Gastos Governamentais) mostrou que
apesar do número de compromissos importantes assumidos
pelos governos de aumentar o gasto em áreas como
saúde, educação e agricultura, a implementação desses
compromissos vem diminuindo e questões importantes, como
igualdade de gênero, proteção ambiental e proteção social,
vêm sendo negligenciadas14.
Os ODMs estão sendo digeridos; as prioridades dos ODMs
vêm penetrando os Trabalhos sobre Estratégias para a Redução
da Pobreza15, embora seletivamente e ocasionalmente,
com algumas alterações,16 e as metas de gastos que
vão se estabelecendo. Entretanto, outros fatores como
o financiamento por meio de doações, a restrição das receitas
e a falta de prestação de contas prejudicam o progresso em
campo, limitando o impacto que os objetivos poderiam causar.
Não podemos desistir dos objetivos globais em face desses
fatores; não, pelo contrário, eles devem encorajar todos os
envolvidos a pensar com muito cuidado em como traduzi-los
para os contextos nacionais, em como eles imaginam estes
objetivos sendo usados e por quem, e nos mecanismos
de prestação de contas que deverão apoiar as realizações,
frente à nova estrutura. Nossa esperança é que a agenda de
desenvolvimento pós-2015, cuidadosamente concebida com
a participação da sociedade civil e das comunidades pobres em
todo o mundo, consiga desempenhar as funções a seguir:
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Introdução
5
‘O desenvolvimento está relacionado
basicamente ao crescimento econômico
ou temos uma visão mais completa de bem
estar e de desenvolvimento humano?’
Foto: Christian Aid/Kevin Leighton
1 Criar um sentimento de solidariedade
e responsabilidade global para a erradicação
da pobreza, combatendo as desigualdades e atingindo
um desenvolvimento sustentável;
completa de bem estar e de desenvolvimento humano?
Estamos falando principalmente de preenchimento das
necessidades materiais ou há outras dimensões que precisam
ser levadas em consideração?
2 Incentivar uma resposta coordenada nas áreas
estratégicas em que se faça necessária, tais como
o combate ao HIV, ou, para oferecer um exemplo
diferente, a mitigação das mudanças climáticas,
ou do sistema fiscal internacional;
O Painel de Alto Nível da Agenda Pós-2015 já definiu sua visão,
assim como alguns exemplos de objetivos e metas voltados
à ‘erradicação da pobreza e transformação das economias por
meio de desenvolvimento sustentável’. 17
3 Estabelecer normas globais, elevar os padrões
e impulsionar investimentos de âmbito nacional
em áreas como a igualdade de gênero;
Membros do Grupo Aberto de Trabalhos das Metas
de Desenvolvimento Sustentável, estabelecido em 2012
pela conferência Rio+20, também estão considerando
suas prioridades.
4 Manter questões como a pobreza global,
as desigualdades e o desenvolvimento sustentável
no mais alto nível da agenda política.
A Christian Aid espera que esses processos sejam logo
reunidos para que possamos definir um conjunto de objetivos
claros e ambiciosos.
Visão pós-2015
Nas páginas que se seguem, 17 parceiros da Christian
Aid em todo o mundo nos falam sobre o mundo que cada
um deles quer ver.
Qual o mundo que nós queremos ver? Esta é, certamente,
uma pergunta vital – e a resposta vai determinar os tipos
de metas, objetivos e indicadores que irão constituir a
nova estrutura da pós-2015. Será simplesmente um
mundo sem pobreza, caracterizado por pessoas vivendo
com US$1,25 por dia, ou podemos ser um pouco mais
ambiciosos? O desenvolvimento está relacionado, basicamente,
ao crescimento econômico, ou temos uma visão mais
Foto: Mulheres na vila de Keleguem, nordeste de Burkina Faso,
carregam pedras com as quais constroem cinturões de pedras – muros
baixos que ajudam a proteger o solo da erosão causada pela chuva e pelo
vento. Construídos com o apoio da Réseau MARP, parceira da Christian
Aid, os muros permitem que as culturas se desenvolvam e produzam
mais alimentos.
6 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África
Christian Aid/Kevin Leighton
VOZES PARCEIRAS
ÁFRICA
Aminata Sawadogo e seu neto Souley, de onze anos (ao centro), com seus animais na vila de Keleguem, nordeste de Burkina Faso. Aminata
participou de um projeto de pecuária monitorado pela Réseau MARP, parceira da Christian Aid, em que,depois de uma crise de alimentos
causada pela seca, as pessoas mais vulneráveis da vila receberam um par de animais, um dos quais eles deveriam passar a outra pessoa
vulnerável da vila
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África
7
ADAPTAÇÃO E MELHORIA DA
RESILIÊNCIA DAS COMUNIDADES
SÃO FATORES FUNDAMENTAIS.
Herbert Mwalukomo, diretor de programa,
CEPA (Centro de Políticas Ambientais e Incidência Política), Malawi.
Como a maioria das pessoas nos países africanos,
os malawianos se encontram na linha de frente de impactos
causados pelas mudanças climáticas, devido à sua grande
dependência da agricultura pluvial. Pesquisas realizadas pelo
CEPA mostram que os padrões não confiáveis de chuva
colocam cada vez mais em risco a viabilidade de cultivo em
planaltos, uma vez que a maioria das atividades agrícolas são
desenvolvidas em ecossistemas frágeis.
As palavras de Nkhuleme Ntambalika, do Distrito de Balaka,
traduzem o apelo da maioria dos fazendeiros malawianos:
As palavras de Nkhuleme Ntambalika, do Distrito
de Balaka, traduzem o apelo da maioria dos fazendeiros
malawianos: “Costumávamos ter um nível de chuva
bastante estável, adequado e não erosivo. Hoje,
ninguém sabe quando plantar. Quando a chuva chega,
ou é muito pouca para o plantio, ou tão pesada, que
os campos alagam e sofrem erosão. Então, vem uma
seca prolongada e queima as plantas que germinaram.
No processo, perdem-se as sementes e somos forçados
a plantar de novo. Se temos sorte, conseguimos uma boa
colheita. Entretanto, na maioria dos casos, hoje em dia,
a chuva desaparece quando cultivos como o do milho
estão no estágio crítico de formação e pendoamento
das espigas” (2010).
A maioria dos desastres recentes no Malawi, com perda de
vidas, plantações e de infraestrutura, vem sendo associada aos
efeitos das mudanças climáticas. O Departamento de Assuntos
de Gestão de Desastres descreveu mais de 12.500 famílias
afetadas, de várias formas, por enchentes, tempestades e
ventos fortes, durante a estação chuvosa de 2012-13. Nesses
períodos de eventos climáticos tão extremos, a educação
é geralmente interrompida, pois as inundações levam os
prédios e os estabelecimentos de ensino com a corrente, ou
os transformam em centros de refúgio para as comunidades
afetadas. Mulheres são afetadas pelas mudanças climáticas de
modo desproporcional, por arcarem com o ônus das atividades
que sofrem mais o impacto das adversidades climáticas,
incluindo a coleta de água e de lenha, garantia de acesso diário
à alimentação.
Nesse contexto adverso, a ênfase dada às necessidades
de adaptação e de reforço da resiliência da comunidade nunca
é suficiente. Para que isso aconteça, é preciso que se forme
uma parceria global mais forte e uma estrutura de ação, que
vá além do status quo. A nova estrutura deve definir metas
específicas para a mudança climática e a sustentabilidade
ambiental, que incluam financiamento, capacitação
e transferência de tecnologia aos segmentos mais vulneráveis
da sociedade (inclusive grupos socialmente excluídos como
mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiências).
As metas devem seguir prazos determinados para que
o objetivo de aumentar a capacidade das comunidades de
enfrentamento e adaptação aos impactos das mudanças
climáticas seja atingido. Além disso, mecanismos claros
de prestação de contas devem ser definidos para que se
concretizem os objetivos globais de redução da pobreza,
em sintonia com a sustentabilidade ambiental da pós-2015.
Desta forma, o simples reconhecimento dos desafios
climáticos e da sustentabilidade ambiental na estrutura
de desenvolvimento da agenda pós-2015 não basta, se não
forem definidos mecanismos claros de ação, não importa
o grau de articulação. A nova estrutura deve se basear e
reforçar todos os princípios de desenvolvimento sustentável,
inclusive a igualdade dentro e entre gerações, bem como
o princípio participativo.
O mecanismo global deve também ser construído em torno do
princípio de ‘Responsabilidades Comuns, mas Diferenciadas,
de acordo com as Capacidades’, conforme reafirmado
na recente Conferência da ONU sobre Desenvolvimento
Sustentável - Rio +20. Esses princípios devem ser a base de
um mecanismo claro de financiamento que possa implementar
as metas comuns para um futuro sustentável e próspero
para todos.
Além da dependência excessiva da agricultura pluvial,
a vulnerabilidade do Malawi à mudança climática é exacerbada
por causa de sua baixa capacidade de adaptação (decorrente
de sua reduzida base econômica), da limitada capacidade de
agro processamento e de grande dependência de energia
de biomassa. Com 88.5% da demanda total de energia
dependente da queima de madeira, a demanda nacional
de lenha e carvão – estimada em 7,5 milhões de toneladas
por ano – é muito superior à oferta sustentável de apenas
3,7 milhões de toneladas por ano. O desflorestamento
resultante leva à degradação de coleta e ao assoreamento,
fazendo com que os campos de cultivo estejam mais
propensos a inundações, restringindo a oferta de energia
da rede nacional de base hidroelétrica.
Criado em 2002, o CEPA (Centro de Incidência e Política
Ambiental – Malawi) tem a visão de uma sociedade justa
e equitativa, que promove desenvolvimento sustentável.
Seu objetivo é conduzir análises de políticas e defesa de gestão
sustentável do meio ambiente e de recursos naturais. O CEPA
visa a construção de pontes entre a ação política e a prática,
entre os legisladores e as comunidades locais afetadas pela
implementação dessas políticas, e entre as ações locais e os
debates nacionais e globais sobre elas. Entre outras coisas,
o CEPA facilita o acesso a informações ambientais e à justiça;
contribui para a formulação de políticas relativas
à biodiversidade e biotecnologia, desenvolve pesquisas das
políticas de reforma agrária e distribuição da terra, conduz
atividades de qualificação e defesa do meio ambiente,
coordena as vozes da sociedade civil sobre políticas
relacionadas às questões de mudanças climáticas e participa
de debates internacionais sobre políticas de diversidade
e mudanças climáticas.
cepa.org.mw
8
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África
SUSTENTABILIDADE
E BOA GOVERNANÇA
M Mathieu Ouedraogo, presidente da Réseau MARP, Burkina Faso
Quando o governo de Burkina Faso fez sua avaliação do
progresso dos ODMs no início de 2013, ficou claro que ainda
restava muito a ser feito, particularmente se considerarmos
que a pobreza ainda está profundamente enraizada.
prioridades acordadas. A implementação dos ODMs pode
auxiliar a solucionar problemas ligados à educação, ao acesso
à água potável e saneamento básico, segurança alimentar
e nutricional, e redução da extrema pobreza.
Os esforços para cumprir os ODMs foram prejudicados pelo
surgimento de novos ou crescentes desafios, como os efeitos
das mudanças climáticas e as crises de energia e de alimentos,
que fizeram aumentar as desigualdades.
Dois princípios fundamentais.
A experiência de campo da Réseau MARP confirma que,
embora tenha havido progresso em certas áreas como
educação e acesso a água potável, a pobreza permanece
infiltrada; as mulheres, em particular, ainda são gravemente
afetadas e os índices de mortalidade infantil continuam altos.
Fica claro que as comunidades, especialmente as das zonas
rurais, são extremamente vulneráveis às muitas catástrofes
e crises que reincidiram nos últimos anos.
O objetivo de nosso trabalho de redução dos riscos de
desastres (inspirado por parceiros como a Christian Aid
e a Rede Global para a Redução de Desastres) é oferecer
programas de resiliência com foco nas próprias comunidades.
Isso envolve o desenvolvimento de ferramentas de
identificação das pressões sobre as comunidades, em nível
de base.
Por exemplo, nossa abordagem de APCV (Análise Participativa
de Capacidade e Vulnerabilidade) permite que todos os
membros da comunidade – inclusive grupos de mulheres
e pessoas marginalizadas – possam se unir e compreender
os riscos que enfrentam. Uma vez identificados e analisados
os riscos em conjunto, a população local pode criar um plano
de ação, definindo a melhor forma de resposta. Ações de
pressão aos parlamentares no âmbito nacional também são
fundamentais para que sejam tomadas decisões em prol da
sustentabilidade e do desenvolvimento inclusivo.
Acreditamos que os esforços para a criação de uma nova
estrutura de desenvolvimento devem vir apoiados por uma
vontade de reduzir essa vulnerabilidade, melhorando a
resiliência das comunidades aos desastres e construindo a
resiliência econômica dos mais vulneráveis da sociedade, como
as mulheres. A proteção da segurança alimentar e nutricional
dessas pessoas é fundamental para a proteção de seus meios
de subsistência.
Um dos principais benefícios dos ODMs é fornecer a
ferramenta e a estrutura de referência que as autoridades de
Burkina Faso se comprometeram a implementar. Há um plano
nacional em execução, que avalia o progresso dos ODMs e
do financiamento (embora insuficiente) alocado pelo estado
para a realização dos diferentes ODMs. Estes oferecem um
meio de canalizar ações de desenvolvimento (do estado
e das ONGs) relacionadas a objetivos precisos, de acordo com
Em nossa opinião, o futuro programa de desenvolvimento deve
se basear em dois princípios fundamentais: sustentabilidade
e boa governança. Todos os aspectos da nova estrutura devem
ser sublinhados por um compromisso com a sustentabilidade.
Isso inclui a implantação de um sistema econômico
sustentável, justo e inclusivo, a redução das desigualdades
e desequilíbrios sociais, e uma gestão sustentável dos recursos
naturais. No tocante à boa governança, esta pode ser obtida
com a garantia de que as atividades para o desenvolvimento
sejam geridas com transparência e de acordo com a
justiça social.
A nova estrutura de desenvolvimento deverá basear-se,
principalmente, nas quatro prioridades:
1Reforço da resiliência das comunidades a desastres;
2 Fortalecimento das mulheres, ajudando-as a construir
sua resiliência econômica e a conquistarem uma voz
política forte;
3 Redução da mortalidade infantil, pela redução
da desnutrição e melhoria do acesso aos serviços
de saúde e saneamento básico;
4 Apoio à gestão sustentável dos recursos naturais
e ecossistemas, compartilhando as boas práticas.
Além dessas, propomos as metas e indicadores a seguir:
Objetivo 1: Apoio ao fortalecimento econômico
das mulheres, especialmente nas áreas rurais
• Acesso das mulheres aos meios de produção;
• Acesso das mulheres a fontes de financiamento
que sustentem atividades geradoras de renda;
• Envolvimento das mulheres nas tomadas de decisões.
Objetivo 2: Reforço da resiliência das comunidades
a desastres:
•Existência de um sistema de alerta precoce eficiente;
• Capacidade local de prevenção e gestão de desastres;
• Existência de infraestrutura para redução e mitigação
dos riscos de desastres.
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África
‘O programa futuro de desenvolvimento
deve basear-se na sustentabilidade e na
boa governança’.
Objetivo 3: Reforço da capacidade de adaptação
às mudanças climáticas das comunidades:
• Implantação de atividades de adaptação às mudanças
climáticas efetivas.
Objetivo 4: Redução da mortalidade infantil:
• Redução dos índices de desnutrição;
• Aumento dos índices de acesso à serviços de saúde;
• Melhoria dos níveis de saneamento.
Objetivo 5: Garantia de gestão sustentável
dos recursos naturais:
•Existencia de mecanismos locales para la gestión
de los recursos naturales.
• Crecimiento de la tasa de adopción de prácticas
de manejo sostenible de los recursos naturales.
• Acceso equitativo a los recursos naturales.
• Legislación favorable a la utilización racional
de los recursos naturales.
A Réseau MARP foi criada em 1992. Em 2007, foi reconhecida
oficialmente, pelo estado burquinês, como ONG de serviços
para o público, em reconhecimento aos sucessos obtidos no
campo do desenvolvimento. O princípio mestre de todo
o trabalho da Réseau MARP é de que a comunidade constrói
seu bem estar por meio da participação ativa de seus
membros. Algumas áreas centrais de seu trabalho incluem:
garantia de alimento, gestão de recursos naturais, poupança
e microcrédito, resposta a emergências, redução de risco
de desastres, e incidências em favor das comunidades sob
risco de desastre.
reseaumarpbf.org
9
10 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África
‘MENOS, SIM, MAS MELHOR’
Isobel Frye, diretora, do SPII (Instituto de Estudos sobre a Pobreza
e Desigualdades), África do Sul.
Historicamente, a sociedade civil da África do Sul está
intimamente relacionada a questões de direitos civis e políticos,
que, obviamente, tem raízes no movimento de libertação
anti-Apartheid e no apoio da solidariedade internacional para
a questão.
Com a introdução do regime democrático em 1994, a visão
de uma África do Sul transformada e igualitária estava à frente
dos discursos de transição. Isto é evidenciado pelos princípios
e direitos contidos na Constituição da África do Sul, cuja Carta
de Direitos inclui os direitos socioeconômicos. Em sua adoção,
nossa Constituição final foi aclamada como uma das mais
progressistas em todo o mundo.
Desde a aprovação da Constituição em 1996, no entanto,
a África do Sul vem lutando para realizar incursões significativas
no que se refere aos enormes e inter-relacionados desafios
apresentados pela pobreza, desemprego e desigualdades.
Várias causas estruturais foram exploradas nesse sentido,
tanto aquelas enraizadas nas políticas de exclusão do
Apartheid, como em movimentos posteriores e em escolhas
de políticas macroeconômicas.
Estado de desenvolvimento
Atualmente, enfrentamos uma interseção desconfortável
entre a estrutura tradicional baseada em direitos e uma nova
estrutura de ‘desenvolvimento’ mais ortodoxa. A primeira,
como já mencionado, avança por meio da Constituição,
enquanto a outra enfatiza a política de reorientação da África
do Sul em direção a um ‘estado desenvolvimentista’. Muitos
críticos questionam o significado dessa expressão, e exemplos
são apontados sobre os estados desenvolvimentistas asiáticos
e as muitas lições sobre a priorização de um desenvolvimento
econômico em detrimento do desenvolvimento e dos
direitos humanos.
Para muitos, nossa pesquisa junto ao SPII deixa claro que
a expectativa de se poder desenvolver uma estratégia de
subsistência sustentável voltada para os indivíduos e suas
famílias permanece indefinida em face do elevado nível
de desemprego formal. Parece haver um descompasso
significativo entre as políticas intervencionistas concebidas
e implementadas nos três níveis de governo, e os desafios
e obstáculos reais enfrentados pela população. A crescente
economia informal também parece iludir os políticos.
Os pobres e marginalizados continuam à mercê de políticas
Foto: Christian Aid/Sarah Filbey
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África 11
‘We believe an important lesson to learn is to
limit ourselves to the most crucial, most visible
and most inclusive targets.’
que não consideraram, em sua formulação, a realidade
deles. Na verdade, essas políticas serão sempre um desafio:
pois estarão sempre situadas em ambientes difusos,
que existem para além das principais abordagens atuais
de relacionamento entre o estado político e a cidadania ativa,
fortalecida, formalizada e informada.
Garantia de direitos
A nova estrutura de desenvolvimento precisa romper a
dissonância percebida entre direitos e desenvolvimento.
Políticas devem ser auditadas por um sistema de avaliação
centrado nos seres humanos, que inclua extensa pesquisa
qualitativa das experiências reais das pessoas, na tentativa de
estabelecer e manter estratégias seguras de subsistência. Isto
deve ocorrer dentro de uma estratégia contínua de informação
das pessoas a respeito de seus direitos e de como assegurálos em face de um estado que é, na melhor das hipóteses,
caótico e, em geral, corrupto e disfuncional.
São necessários centros de aconselhamento que propiciem
conhecimento dos direitos, assim como capacitação prática
para os negócios e informações sobre acesso aos mercados,
crédito, e outras formas de assessoria. As políticas precisam
tratar de questões difíceis, como meios de expansão dos
negócios do setor informal, que, por definição, não têm registro
e são invisíveis. Isto é ilustrado pela pergunta sobre direitos, de
como ampliar o acesso à proteção social no âmbito nacional:
precisamos priorizar o modo como nos relacionamos aos
padrões, ritmos e necessidades dos indivíduos que operam
formas atípicas de emprego, nas periferias do setor formal.
É importante que se aprenda a partir das experiências
internacionais, mas é também importante a consciência de
que é necessário aplicar esse conhecimento às realidades
locais: é exatamente aí, que as pessoas comuns precisam ser
incluídas, na auditoria de políticas, na elaboração de programas,
nos sistemas de monitoramento e de avaliação.
Infelizmente, os ODMs têm causado poucos impactos em
nosso trabalho na África do Sul. Apesar do partido no poder se
comprometer a alcançar os principais ODMs até 2014, um ano
antes da data prevista nos ODMs (devido ao final do mandato
do atual governo), não houve qualquer movimento significativo,
nem do estado nem da sociedade civil, de qualquer forma
Foto: Crianças brincam em um dos assentamentos informais da Cidade
do Cabo, na área de Kayelitcha.
sustentada ou programada. Isso é algo que precisa ser
abordado. Qualquer que seja a agenda pós-2015 deve incluir,
a saber, um acordo de metas e indicadores realistas definidos,
que possam ser supervisionados por instituições de múltiplos
atores.
Talvez, um dos desafios que enfrentamos na África do Sul seja,
aparentemente, o número esmagador de planos e prioridades,
e muito pouca fé na realização de qualquer um de seus
fundamentos. ‘Menos, sim, mas melhor’ era a palavra de
ordem do presidente anterior da África do Sul, e acreditamos
que a lição importante a se aprender aqui é a de nos limitarmos
às metas mais importantes, mais visíveis e mais inclusivas.
Depois de realizá-las claramente, será mais fácil escolher
e aplicar a mesma energia e compromisso aos desafios que
se seguirem.
O SPII, Instituto de Estudos sobre a Pobreza e Desigualdade,
é uma fundação sem fins lucrativos com base em Joanesburgo.
Foi fundada há sete anos, com o propósito principal
de contrapor a falta de pesquisa empírica sobre a pobreza
e a desigualdade observada na sociedade civil, tão necessária
ao avanço de uma série de campanhas da sociedade civil
na África do Sul e da sub-região da Comunidade Sul Africana
de Desenvolvimento (SADC)
A metodologia do SPII combina pesquisa primária no âmbito
da comunidade, com a análise de políticas e do engajamento
do governo, de empresas organizadas e do trabalho
organizado. Entre as atuais áreas de pesquisa estão
o Programa de Direitos Socioeconômicos, que inclui uma
campanha para a introdução de um subsídio amplo de renda
básica da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento
Da África Austral), financiado por um imposto sobre
as atividades extrativistas, e um programa de cestas
de necessidades básicas, que inclui um projeto de renda
e despesa familiar primário. .
www.spii.org.za
12 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África
NO CORAÇÃO DA JUSTIÇA FISCAL
Alvin Mosioma, diretor da Rede de Justiça Fiscal – África (TJN-A)
Muitos encaram a tributação como um tema complexo que
deveria ficar nas mãos de especialistas; mas a história das
economias desenvolvidas mostra que ela está no cerne de
todo desenvolvimento significativo e da construção do estado.
Entretanto, até muito recentemente, o discurso internacional
sobre o desenvolvimento econômico dos países pobres
procurava evitar discussões sobre tributos ou receitas fiscais
como fontes essenciais de financiamento. Os ODMs não dão
qualquer atenção aos tributos, nem mesmo, a tão aclamada
Declaração do Milênio.
A questão de como os governos em todo o mundo financiam
escolas, hospitais, estradas e outros serviços vitais não é
nenhum bicho de sete cabeças. Impostos são a única fonte
estável, confiável e sustentável de renda, que permite aos
governos cumprir suas obrigações para com os cidadãos,
garantindo-lhes acesso aos serviços essenciais básicos.
Por isso, é vital que uma nova ‘parceria global para
o desenvolvimento’ ou objetivo financeiro, como o proposto
recentemente pelo Painel de Alto Nível, priorize o imposto
como fonte de financiamento do desenvolvimento.
O enfrentamento dos desafios e das más práticas que negam
aos países em desenvolvimento sua devida receita fiscal,
devem estar no coração de qualquer nova estrutura global
de desenvolvimento. Esses esforços devem incluir medidas
que incentivem a geração de recursos tributários e reduzam
a perda de receita dos países pobres, devido a sistemas
financeiros globais falhos.
É um escândalo que haja mais de 1,3 bilhões, ou quase um
quinto da população global, vivendo com menos de US$1,25
por dia; é moralmente inaceitável que mais dinheiro fuja dos
países pobres para os ricos do norte, do que o contrário.
Estima-se que para cada dólar que entra nos países pobres,
US$10 saem.
Estudos recentes indicam que o continente africano perde mais
de US$50 bilhões por ano resultante de fluxo ilícito de capital.
É interessante notar, que enquanto se dá grande atenção ao
combate à corrupção, a maior parte da perda de recursos para
o continente se deve às más práticas corporativas, por
empresas multinacionais que tiram vantagem da fraca
regulação global, para eludir o pagamento de parcela justa
de impostos. Estima-se que empresários e corporações ricas
escondem US$21 trilhões de dólares em contas fora dos
países, em paraísos fiscais, evadindo ou evitando o fisco.
Foto: Christian Aid/Charlotte Marshall
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África 13
‘A conquista da justiça fiscal deve estar
no coração da nova agenda pós-2015’.
Embora a ligação não seja prontamente visível, a perda de
receita fiscal dos países pobres representa dinheiro que poderia
ser usado, por exemplo, para salvar as vidas de 150,000
crianças que morrem todos os anos no Quênia, por não
conseguirem chegar a um hospital em tempo devido às más
estradas, ou porque o hospital não tem a medicação adequada,
ou porque não há médico disponível, ou, simplesmente,
porque a criança não recebeu alimentação suficiente.
Aspiração, com pragmatismo
Embora não seja o único fator, fica óbvio que a capacidade do
estado de prestação de serviços está diretamente ligada a sua
capacidade de gerar recursos suficientes para atender a esses
serviços. À medida que a agenda pós-2015 toma forma,
devemos aprender com as ciladas dos ODMs e colocar em
prática medidas que garantam que a nova estrutura seja não
apenas uma aspiração, mas que seja pragmática.
A esse respeito, gostaria de propor as seguintes
recomendações, que acredito poderiam ajudar a fechar as
comportas que permitem a fuga de recursos, além de alterar
significativamente as fortunas dos países em desenvolvimento.
Considerando-se que a evasão e fraude fiscais corporativas
representam a maior origem de fluxos ilícitos, precisamos
corrigir a governança global e assegurar que as empresas
paguem a parcela justa de impostos. Isto deve incluir medidas
que tornem mais difícil para as empresas esconder-se por
trás de empresas de fachada, por meio de legislação que
beneficie a propriedade. Devemos conhecer os verdadeiros
proprietários, e onde se encontram. Além disso, é necessário
um estímulo para a elaboração de uma estrutura acordada no
âmbito internacional para a realização de relatórios e trocas
corporativas sobre informações tributárias.
notar, que enquanto a sonegação fiscal não for controlada,
a implantação sistemas fiscais progressivos pelos governos
será sempre obstruída. Portanto, sistemas tributários nacionais
mais justos dependem da adoção de medidas globais
de transparência.
Em terceiro lugar, devemos reconhecer que quando aplicada
de forma justa, a tributação também pode ser a ferramenta
que mantém o governo responsável perante seus cidadãos.
Um governo do povo, pelo povo, e para o povo só pode existir
quando os recursos que financiam o desenvolvimento são
gerados localmente e quando o desenvolvimento não depende
de ajuda externa.
Em última análise, a conquista da justiça fiscal deve estar no
coração da nova agenda pós-2015, o que significa a garantia
de que uma parcela justa das receitas fiscais seja mantida nos
países onde ocorrem as atividades econômicas significativas,
permitindo, desta forma, que os estados possam financiar seu
próprio desenvolvimento.
A TJN-A (Rede de Justiça Fiscal – África) é uma iniciativa
pan-africana, membro da Aliança Global para Justiça Fiscal.
Tem por objetivo a promoção de sistemas tributários
progressivos, democráticos, e socialmente justos na África.
A TJN-A defende os sistemas tributários que favorecem
os pobres e financiam bens públicos. Ela desafia políticas
e práticas fiscais prejudiciais que favorecem os ricos e que
incentivam as desigualdades inaceitáveis.
taxjusticeafrica.net
A transparência deve ser aplicada no âmbito global,
bem como em nível nacional. Talvez esse não seja um
território de ‘objetivo’ fácil, mas uma estrutura universal
de desenvolvimento terá que lidar com questões complexas,
se quiser ser levada a sério.
Em segundo lugar, vamos pensar em como as novas Metas
de Desenvolvimento Sustentável (SDGs) podem promover
sistemas tributários domésticos mais justos. Em muitos
países, são os pobres que acabam pagando mais impostos,
nos descontos proporcionais de sua renda, e isto não está
certo. Quando os ricos conseguem evitar o pagamento de
sua parte dos impostos, o governo precisa contar com os
demais cidadãos para encher seus cofres. Na África, vemos
uma mudança em direção à dependência do imposto sobre
valor agregado, o que resulta em aumento de preços das
necessidades básicas, como alimentos, saúde e educação,
com que os pobres mal podem arcar. Uma meta ou objetivo
relacionado à desigualdade de renda, ou um indicador que
exija a publicação da relação de imposto direto e indireto,
pode encorajar os governos na direção certa. É importante
Foto: Mina de Cobre de Mopani na Zâmbia, pertencente, em grande
parte, a uma subsidiária da gigante Glencore FTSE100. A empresa
multinacional foi acusada de sonegação fiscal na Zâmbia, embora negue
a alegação. A mina causa grandes danos ambientais locais. Um parceiro
da Christian Aid apoia a campanha de um grupo local que em defesa
de melhorias no meio ambiente.
14 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África
O FORTALECIMENTO ECONÔMICO
DAS MULHERES É VITAL.
De Autoria de uma jovem da UCF (União Cristã Feminina)-Angola
Em Angola, o desenvolvimento ainda enfrenta muitos desafios.
Aqui, esboçamos algumas das questões que, em nossa
opinião, devem ser incluídas na agenda pós-2015.
Em primeiro lugar, o fortalecimento econômico das mulheres
é vital para a erradicação da pobreza e das desigualdades, para
que se atinja pleno desenvolvimento da sociedade. Mulheres e
meninas devem ter acesso a oportunidades de educação, para
que possam desenvolver suas habilidades como empresárias
por meio de estágios, bolsas de estudo e intercâmbios
educacionais nos âmbitos nacional, regional e global.
É essencial que se garanta o acesso das mulheres a
oportunidades de trabalho, juntamente com a adoção de
políticas que protejam as trabalhadoras domésticas da
exploração. Políticas justas também devem ser postas em
prática de modo a assegurar que as mulheres, jovens ou
idosas, tenham direito à terra e à propriedade.
Barreiras sociais e culturais que impedem as mulheres da
posse de propriedade e de terra devem ser desafiadas e
eliminadas (por exemplo, quando o parceiro morre, a herança
passa para o filho mais velho, ou em sua ausência, à família do
marido). Entretanto, a Angola já ratificou um grande número
de convenções e tratados internacionais; porém, o grande
desafio é sua implantação. Um exemplo disso é a Lei Contra a
Violência Doméstica, aprovada pelo Parlamento Angolano, em
2011. É um passo muito importante para a proteção dos mais
vulneráveis e punição dos autores de violência, mas ainda há
muito a ser feito para que seja posta em prática.
Priorização da educação.
Os governos devem priorizar também a educação primária
universal, como primeiro passo na construção de uma
sociedade mais crítica, educada e forte. Em seu Sistema
de Monitoramento dos ODMs, a ONU afirma que esta é uma
meta que tem progredido mais na Angola. Ainda assim, em
nossas comunidades o número de escolas privadas é maior
do que as públicas. Além do mais, a pobreza impede que
as crianças permaneçam na escola, pois suas famílias não
podem arcar com as mensalidades. Acreditamos, ainda,
que a educação deva ser garantida e adaptada à idade
dos alunos.
Os jovens devem ter acesso garantido a serviços
e informações sobre reprodução e saúde sexual, como
parte das políticas de saúde do governo, que são quase
inexistentes nessa área. Há ainda muitos obstáculos culturais,
Foto: Christian Aid/Lily Peel
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África 15
‘Os governos devem priorizar a educação primária
universal como primeiro passo para ajudar
a construção de uma sociedade mais crítica,
educada e forte.’
quando se trata de sexo, e não há métodos contraceptivos
disponíveis para os jovens. De acordo com o Banco Mundial,
em 2010, o índice de fertilidade dos adolescentes angolanos
era a quarta mais alta do mundo, com 157 nascimentos a cada
1000 jovens entre 15 e 19 anos.
Nas áreas rurais, deve ser incentivada a criação e/ou
manutenção de centros de recursos e bibliotecas, para que
todos tenham acesso à informação. Esportes e atividades
físicas devem ser promovidas, particularmente entre jovens
mulheres, como parte do desenvolvimento integral físico,
mental e intelectual.
Devem ser incentivadas as oportunidades de capacitação
de liderança entre os jovens. A liderança promove virtudes
como conhecimento, compromisso, responsabilidade
e desenvolvimento da confiança, qualidades que geram
uma sociedade mais ética e justa.
Líderes mulheres são modelos de inspiração para as jovens
e podem promover mudanças positivas nas comunidades.
Um exemplo que nos inspira é o da Ministra, a Reverenda
Deolinda Teca, a primeira mulher a ocupar a posição de
secretária-geral, na história do Conselho de Igrejas Cristãs em
Angola. As meninas e as jovens que participam de nossos
programas vêm promovendo mudanças em suas comunidades
e famílias. Algumas já frequentam a universidade, outras têm
empregos. Elas são as futuras líderes de Angola.
A educação produz impacto sobre a saúde da comunidade,
enquanto melhora as condições de saúde das mulheres e
reduz as taxas de mortalidade infantil. Os governos devem
criar e implantar políticas de prevenção de doenças que
afetam as crianças e garantir-lhes acesso aos tratamentos e
medicamentos. Por exemplo, a malária é uma grande ameaça
ao desenvolvimento da Angola; portanto, investimentos em
educação e saneamento básico vão ajudar na redução dos altos
índices de pessoas afetadas e mortas pela doença.
A maioria dos profissionais de saúde em Angola são mulheres
que servem as comunidades pobres das áreas rurais e
urbanas. No entanto, elas não têm recursos adequados para
realizar o seu trabalho. O país precisa de mais profissionais da
saúde, mais bem pagos. Além disso, mulheres portadoras de
deficiência ou com problemas de saúde mental, especialmente
as jovens e as crianças, são vítimas de discriminação e de
abuso. Programas especiais sobre reprodução e saúde sexual
deveriam ser disponibilizados para essas pessoas, de acordo
com as suas necessidades e as circunstâncias.
Enfim, vale lembrar, que o HIV ainda é um desafio para muitos
em Angola. Os pobres têm pouco acesso ao tratamento
antirretroviral, e, com frequência, os centros de saúde não têm
estoques dos reagentes necessários para a realização de testes
de HIV. Por outro lado, a discriminação das pessoas que vivem
com HIV está caindo, devido à divulgação de mais informações
pelo rádio e pela televisão, por meio de campanhas do governo
e de ativistas, nas igrejas e nas escolas.
Concluindo, acreditamos que em Angola há recursos
suficientes para beneficiar os mais excluídos da sociedade,
e esperamos que suas necessidades sejam priorizadas nos
objetivos pós-ODMS.
A UCF-Angola (União Cristã Feminina) é parte de uma rede
global, a Associação Cristã de Moças (YWCA). Desenvolve
trabalho estratégico em educação, gênero e HIV, incentivando
as mulheres angolanas a desenvolverem suas capacidades,
apoiando suas intervenções nas questões públicas e na
construção de uma sociedade com condições mais favoráveis
para as mulheres. A UCF trabalha nos subúrbios pobres da
capital Luanda, onde os índices de HIV, discriminação
e violência contra a mulher são altos. Ela oferece
oportunidades de trabalho e programas de capacitação
profissional para jovens mulheres, cursos de alfabetização
e campanhas de educação entre pares sobre saúde, questões
sociais e cidadania. A UCF se compromete, também,
com a expansão da conscientização sobre o HIV entre jovens
mulheres. Em muitas ocasiões, a União vem influenciando
as tradicionais estruturas masculinas de tomada de decisões,
introduzindo em suas agendas questões que afetam as jovens
mulheres angolanas.
worldywca.org
Foto do perfil: Escritores da UCF-Angola (da esquerda para a direita)
- Tuiku Kiakayama Elisa, Apolonia Manuel Gabriel, Juliana Feliciano,
Maria Mendes, Eloina Teresa dos Santos, Sofia Ambrosi
Foto principal: Jovens do projeto Meninas Construindo Pontes
(Girls Building Bridges), em Angola, participam de uma brincadeira
de aquecimento antes da aula, cantando e batendo palmas. O projeto
Meninas Construindo Pontes é um programa de qualificação para a vida,
desenvolvido pela UCF-Angola em um subúrbio pobre de Luanda,
capital do país.
16 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África
A SAÚDE MATERNA
NÃO PODE SER ESQUECIDA
Rev Phumzile Mabizela, diretora executiva, INERELA+
As mulheres têm o direito de decidir onde e quando ter filhos,
independente de classe, raça, e status de HIV; mesmo assim,
os direitos das mulheres que vivem com HIV (WLWH) ainda
não são respeitados.
Ainda há muito a fazer para melhorar a saúde materna,
combater pela raiz as causas de desigualdade de gênero,
e garantir acesso universal à prevenção, tratamento, cuidado
e apoio aos que vivem com o HIV. A INERELA+ tem um
programa de Direitos à Saúde Reprodutiva e Sexual (SRHR)
que busca promover o empoderamento de jovens mulheres,
inclusive as WLWH, e é nosso desejo ver as necessidades
delas atendidas, nos objetivos da pós-2015.
As políticas e serviços de Prevenção da Transmissão da
Mãe à Criança (PMTCT) precisam de atenção especial.
Embora estejam disponíveis em muitos países, o acesso é
limitado. Os serviços ainda não estão integrados, pois são
oferecidos em centros e níveis diferentes. A prática de coagir
as WLHIV (Mulheres que Vivem com HIV) a assinar formulários
de consentimento, que permitem aos profissionais de saúde
realizar a esterilização delas, é um assunto que preocupa muito.
Em muitos casos, a assinatura desse consentimento ocorre
quando a mulher está em trabalho de parto e as consequências
do procedimento não lhes são explicados claramente. Isso
mostra a considerável falta de conhecimento dos serviços
de PMTCT e de outros métodos de prevenção da parte
dos profissionais.
Este é um exemplo de uma área que tem profundo impacto nos
direitos da mulher e de sua saúde materna. Ao considerarmos
os objetivos da pós-2015, fica claro que há ainda muito a ser
feito a respeito dos atuais ODMs. Em Moçambique, Zâmbia
e África do Sul, abortos inseguros, malária e HIV respondem,
direta ou indiretamente, por mortes maternas e outras
complicações relacionadas ao parto. A malária continua a ser
causa principal de morte materna. Agrava, indiretamente,
os impactos fisiológicos da gravidez, juntamente com o HIV,
que ataca os sistemas imunológicos da maioria das mulheres
grávidas, da região da África subsaariana. Nesses países,
a transformação das normas sócio-culturais para abordar
questões como o casamento precoce, a infidelidade e as
causas das dificuldades na evolução do trabalho de parto
(distócias), continua sendo um grande obstáculo.
Foto: Christian Aid/Rachel Stevens
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 África
17
‘Ainda há muito a fazer para melhorar a saúde
materna, combater pela raiz as causas
de desigualdade de gênero, e garantir que haja
acesso universal à prevenção, tratamento,
cuidado e apoio aos que vivem com o HIV.’
Em Moçambique, o alto índice de gravidez na adolescência
é um problema. A resposta ao HIV vem sendo enfrentada de
diferentes formas, como através da promoção de mudanças
de comportamento em relação ao uso de práticas mais
seguras, inclusive de preservativo. Desta forma, nossa rede
observou que seria decisivo nos voltarmos tanto para os líderes
religiosos, como para seus congregados (principalmente
jovens), treinando-os na prevenção do HIV com uma
abordagem conhecida, em inglês, como SAVE (práticas mais
seguras, acesso a tratamento, aconselhamento e testes
voluntários, e fortalecimento).
A inclusão da educação sexual nos currículos escolares é outra
questão importante, além da integração de todos os serviços
de SRHR, para garantir que todos estejam sob o mesmo teto,
e encorajar as mulheres a buscar e utilizar serviços que podem
salvar suas vidas.
Áreas prioritárias
Todos nós precisamos aumentar nossos movimentos
de incidências nessas áreas, especialmente sobre os direitos
à saúde sexual e reprodutiva (DSSR), com o envolvimento
maior dos atores religiosos nessas causas, o que seria
particularmente positivo. Entre outras coisas, devem-se
priorizar as seguintes áreas, tanto agora como na pós-2015:
• maior proteção socioeconômica das mulheres;
• mudanças de políticas e legislação, que ofereçam
métodos modernos de contracepção, inclusive
o envolvimento de mulheres nas estratégias de
prevenção, que lhes permita um maior controle sobre
sua saúde reprodutiva;
• fortalecimento econômico das mulheres;
• erradicação da violência baseada em gênero,
assegurando, especialmente, a proteção das
minorias sexuais.
Somos uma comunidade de fé e temos a responsabilidade
de aplaudir nossos governos pelos desenvolvimentos positivos,
mas temos, também, de desafiá-los a promoverem programas
que buscam cumprir os ODMs 3, 4 e 5. As mulheres africanas
são a espinha dorsal das comunidades e da sociedade.
Os governos têm de investir mais em programas
que prolongam suas vidas.
INERELA+ é uma rede internacional de líderes religiosos,
leigos e ordenados, mulheres e homens, que vivem com HIV,
ou são afetados pessoalmente por ele. INERELA+ reconhece
que os líderes religiosos têm uma autoridade singular, que
desempenham um papel central na orientação moral e ética
dentro de suas comunidades; na verdade, suas opiniões
públicas podem influenciar nações inteiras. INERELA+ busca
incentivar seus membros a usarem suas posições de respeito
dentro das comunidades religiosas, de modo a romper o
silêncio, desafiar o estigma e fornecer serviços de prevenção
baseados em evidência, cuidado e tratamento. A INERELA+
tem sua sede em Johanesburgo, África do Sul, e inclui a rede
africana ANERELA+.
inerela.org
• redução da gravidez em jovens adolescentes;
• maior conscientização do público sobre as questões
de DSSR;
• redução de mortes maternas;
• redução da transmissão da mãe para a criança;
• programação dos direitos humanos e da criança;
• promoção das estratégias em prol das SAVE em DSSR;
• mais trabalho com homens, incentivando-os a adotar
comportamentos em busca de saúde;
Foto: Crianças cantam, dançam e brincam, em um clube infantil para
famílias afetadas pelo HIV, na escola Eziama Uli, no sul da Nigéria.
O clube semanal ensina as crianças sobre o HIV, sobre questões morais
e de saúde, ajudando-as a lidar com sua condição.
18
18 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Ásia e Oriente Médio
VOZES PARCEIRAS
ÁSIA E ORIENTE MÉDIO
Christian Aid/Johanna Rogers
WASSA (Associação de Serviço Social e Atividades Femininas), parceira da Christian Aid no Afeganistão, executa um projeto
de processamento de tomates, capacitando mulheres de comunidades locais a desenvolver habilidades empresariais e ganhar a vida.
Os tomates são cozidos, preparados e armazenados em frascos, para depois serem vendidos no mercado local.
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Ásia e Oriente Médio
19
A IGUALDADE É FUNDAMENTAL
PARA O DESENVOLVIMENTO.
Jessica Reyes Cantos, co-organizadora da Social Watch Philippines.
O Observatório da Cidadania das Filipinas (Social Watch
Philippines) vem liderando o processo de consulta sobre
a agenda pós-2015, em meu país. Ao mesmo tempo em
que continuamos a defesa dos ODMs, enfrentamos a triste
realidade de que, nas Filipinas, não seremos capazes de
cumprir, até 2015, as metas de redução da pobreza, de acesso
universal à educação, de redução dos índices de mortalidade
materna e da disseminação do HIV.
É verdade que temos tentado. De fato, do nosso ponto
de vista, os ODMs representam apenas um mínimo de
desenvolvimento, as pessoas deveriam esperar mais. Temos
pressionado os legisladores no Congresso e, ultimamente,
até o próprio governo, para a realização dos objetivos,
e tivemos algumas vitórias.
Entre elas, conseguimos maiores orçamentos para a educação
de pessoas fora da escola, para a agricultura orgânica;
treinamento de agricultores sobre mudanças climáticas,
e verba para a esterilização adequada do equipamento médico
nos hospitais públicos. Entretanto, durante o governo de Gloria
Macapagal Arroyo, essas foram, na maioria das vezes, vitórias
só ‘no papel’. As verbas maiores prometidas estavam lá,
preto no branco, como parte da Lei Geral de Apropriações,
mas a presidente nunca as liberou.
Após 2010, o novo governo de Aquino foi mais receptivo
às nossas demandas. Tivemos vitórias legislativas, com a
assinatura da lei do Fundo de Sobrevivência do Povo e da Lei
de Atendimento Universal à Saúde. A primeira é uma emenda
à Lei de Mudança Climática, que irá disponibilizar e liberar mais
recursos para a adaptação às alterações climáticas; a última
é uma emenda ao programa de seguro nacional de saúde
PhilHealth, que despolitiza o acesso a cartões de saúde que
antes eram distribuídos pelos políticos. É claro que a aprovação
do projeto de lei sobre Saúde Reprodutiva e sua transformação
em lei é uma medida muito aguardada.
As pessoas antes dos lucros
Estamos trabalhando também no âmbito de governos locais,
com o objetivo de tornar os orçamentos governamentais locais
mais favoráveis às pessoas, e sensíveis aos ODMs. Nosso alvo
são os agricultores, pescadores, povos indígenas, feirantes,
grupos jovens, de mulheres, de idosos e de motoristas de
triciclo. Nós os educamos a respeito do processo decisório do
governo sobre gastos locais e os ensinamos a ler e analisar
orçamentos e relatórios de auditoria.
Para nossa surpresa, descobrimos que as pessoas não só se
interessaram em como seus impostos são gastos, como ainda
perceberam como alguns dos serviços sociais básicos são
mal financiados, e estavam dispostos a ajudar a aumentar
as receitas locais. Por exemplo, eles incentivaram parentes
da capital, Manila, e de outras cidades, a pagar os impostos
da comunidade em suas cidades natais, em vez de em áreas
urbanas, sabendo que essas áreas urbanas têm, para início
de conversa, grandes receitas.
Isso produziu alguns resultados. Por exemplo, na pequena
cidade de Visayas, uma nova sala de aula foi construída com
os impostos extras que as pessoas ajudaram o governo local
coletar. Esse tipo de sensibilização, envolvimento público e
disponibilidade de informação são essenciais para que os
governos cumpram os objetivos da pós-2015, que esperamos
sejam ainda mais ambiciosos do que os ODMs.
Ainda assim, precisamos de mais do que apenas dinheiro
e informação. Precisamos de uma reavaliação essencial de
nosso paradigma econômico. Sim, há crescimento econômico
nas Filipinas, mas acompanhado de mais desigualdade,
desemprego, subemprego e degradação ambiental.
Portanto, nossa mensagem principal é: a pós-2015 não
deve ficar só nos negócios, como de costume. As pessoas
precisam ser colocadas antes dos lucros, a responsabilidade
social corporativa não deve ser uma reflexão tardia, e as
parcerias globais são o caminho a seguir. Precisamos de regras
comerciais mais justas, de auxílio, de investimentos reais em
vez de fluxos de capitais de curto prazo; de financiamento
climático em vez de pagamento da dívida.
Esses princípios já deveriam estar no centro dos próprios
ODMs. Agora, ao planejarmos para 2015 e depois, finalmente
teremos a chance de torná-los realidade.
A Observatório da Cidadania das Filipinas (Social Watch)
é uma aliança de mais de 100 redes e CSOs (Organizações
da Sociedade Civil). Ela faz parte da rede global Observatório
da Cidadania (Social Watch) que reúne coalizões de CSOs que
lutam pela erradicação da pobreza e das causas da pobreza,
para acabar com todas as formas de discriminação e racismo,
pela garantia de distribuição equitativa da riqueza,
e concretização dos direitos humanos. Temos um compromisso
com a paz e a justiça social, econômica, ambiental e de gênero.
A Observatório da Cidadania (Social Watch) responsabiliza
os governos, o sistema da ONU e as organizações
internacionais pelo cumprimento dos compromissos nacionais,
regionais e internacionais de erradicação da pobreza.
socialwatchphilippines.org
20 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Ásia e Oriente Médio
NÃO HÁ DESENVOLVIMENTO SEM
ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO
BASEADA EM CASTAS.
N Paul Divakar, secretário geral e fundador da Campanha
Nacional de Direitos Humanos de Dalit (à esquerda),
e Lee Macqueen Paul, Pesquisa e Incidência da National Dalit
Watch Índia.
A agenda pós-2015 deve equilibrar redução da pobreza
e sustentabilidade. Até agora, os debates reconhecem
a necessidade de se promover a inclusão social por meio de
mudanças estruturais18. Entretanto, a falta de foco em direitos
humanos, inclusive no direito de acesso à terra e aos recursos
naturais, decepciona. Isto talvez reflita a natureza da definição
global de cima para baixo dos objetivos, com seu viés nos
interesses e pontos de vistas dos especialistas, que, em geral,
fazem vista grossa para os interesses dos mais marginalizados.
Em muitos locais, em todo o sul da Ásia, o esgotamento dos
lençóis freáticos e o uso inadequado de produtos químicos
na agricultura para o cultivo comercial estão causando danos
ecológicos e aumentando os custos de produção, prejudicando
duramente os dalits e adivasis que dependem da aquicultura
e da agricultura21. Alguns sofrem os impactos da destruição dos
ecossistemas com mais severidade do que outros, e poucos
reconhecem o ônus disso para os grupos mais vulneráveis
e excluídos.
A situação dos grupos mais vulneráveis do Sul da Ásia,
inclusive os dalits (antes conhecidos como os ‘intocáveis’) e os
adivasi (povo indígena), permanece deplorável e é sustentada
pela DWD (discriminação com base no emprego e profissão,
e na origem social) 19, questão que afeta um número estimado
de 260 milhões de pessoas em todo o mundo.
As noções de ‘propriedade’ dos recursos naturais e ambientais
impõem problemas particulares para esses grupos.
Tradicionalmente e institucionalmente, os dalits sempre
foram impedidos da posse de recursos naturais, apesar
de dependerem pesadamente desses recursos para seu
sustento. Por outro lado, as comunidades adivasi, em geral,
não reconhecem a propriedade individual da terra e de
seus recursos, que manejam tradicionalmente de forma
comunitária. As implicações legais e econômicas dos modelos
de conservação da biodiversidade, que atribuem um valor
econômico à conservação de recursos naturais, afetam esses
grupos de forma muito particular.
Os atingidos pela DWD sofrem com a falta de reconhecimento
de seus direitos, e o acesso restrito e limitado aos recursos
naturais, de que dependem para seu sustento, e que
originalmente lhes pertenciam20. Um exemplo disso é a
barragem de Almatti, no distrito de Bijapur de Karnataka, em
que a submersão de grandes áreas de terras férteis resultou
no maior processo de reabilitação e reassentamento do mundo.
Foto: Christian Aid/Sarah Filbey
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Ásia e Oriente Médio
21
‘A agenda pós-2015 deve se fundamentar nos princípios
de justiça social e econômica, de igualdade e inclusão
das comunidades mais vulneráveis e em todos os projetos
e iniciativas nacionais’.
A política de privatização neoliberal tem causado muitos
danos às comunidades indianas que dependem dos recursos
naturais/ biodiversidade para sua sobrevivência e sustento.
As mudanças de estação – verão, monções e inverno,
perderam seu equilíbrio e regularidade: o cultivo foi seriamente
afetado, causando a migração de socorro, na ausência de
uma rede social de segurança. As mudanças climáticas e os
projetos de desenvolvimento mal concebidos, na maioria das
regiões da Índia, aumentaram a vulnerabilidade às enchentes
e às secas, sendo que a perda da biodiversidade afeta
adversamente os padrões de agricultura. As comunidades
dalits e adivasi, e outras minorias socialmente marginalizadas,
lutam para lidar com essas mudanças.
O rigor dos freios e contrapesos
A agenda pós-2015 poderia revelar-se proveitosa no contexto
indiano, se assegurasse a inclusão das comunidades
dependentes da biodiversidade (dalits e adivasis) em todas
as medidas de prevenção, adaptação e mitigação, frente aos
padrões de mudanças climáticas e da crescente incidência
e intensidade de desastres naturais. Deveriam também apoiar
a redistribuição de terra e reconhecer os direitos coletivos
sobre os recursos.
Mantendo-se fiel à visão global de um mundo livre da pobreza,
o Governo da Índia precisa instituir controle e equilíbrio
rigorosos que lhe assegurem mecanismos de prestação de
contas aos setores mais pobres e excluídos da sociedade, e a
defesa dos direitos humanos das comunidades marginalizadas.
Para garantir a inclusão social dessas comunidades, seus
direitos aos recursos naturais devem ser reconhecidos,
protegidos e garantidos. Isto viria contribuir também para
a conservação, à medida que grupos que dependem
tradicionalmente dos recursos naturais para sua subsistência,
quase sempre protegem e conservam esses habitats.
O Plano de Ação Nacional para Mudanças Climáticas
(NAPCC) inclui medidas de promoção e conscientização de
esquemas de adaptação e preparação dessas comunidades
para as mudanças climáticas. Inclui também medidas de
reconhecimento e mapeamento das vulnerabilidades das
comunidades que dependem de recursos naturais e da
biodiversidade, e geração de oportunidades de emprego, para
por um fim às mortes por causa da pobreza e à aflição causada
pela migração22. No âmbito global, as três Convenções do
Rio sobre Biodiversidade, Mudança Climática e Desertificação
também abordam questões interdependentes e devem se
conciliar com a agenda pós-2015, focalizando comunidades não
reconhecidas e grupos socialmente excluídos em toda a região.
Enquanto algumas propostas atuais focalizam corretamente
a atenção à coibição do ‘esgotamento ambiental’ por meio
de atividades empresariais/ industriais, e às ‘economias
verdes’, já não é sem tempo que as nações verifiquem
o impacto que as atividades de desenvolvimento acarretam
aos grupos mais pobres.
A agenda pós-2015 deve se fundamentar nos princípios
de justiça social e econômica, de igualdade e inclusão das
comunidades mais vulneráveis, e em todos os projetos
e iniciativas nacionais, em particular, nas questões de
sustentabilidade ambiental.
A agenda deve ser um claro apelo à ação e deve conter
objetivos mensuráveis, muito específicos, e, sem sombra
de dúvida, um princípio inegociável de consulta à comunidade,
envolvendo as organizações da sociedade civil nacional e local.
A NCDHR (Campanha Nacional dos Direitos Humanos dos
Dalits) é um fórum comprometido com a eliminação da
discriminação baseada em castas. Criada em 1998, realiza
vários programas de campanhas em defesa dos vários direitos
dos dalits e adivasis, utilizando movimentos com temas
distintos, que incluem: AIDMAM - All India Dalit Mahila
Adhikar Manch. o NDMJ (Movimento Nacional Dalit por
Justiça), DAAA - Dalit Arthik Adhikar Andolan, e NDW
(Observância Nacional dos Dalit), juntamente com o trabalho
de incidência nacional e internacional..
ncdhr.org.in
A National Dalit Watch é uma iniciativa da NCDHR-DAAA,
e vem desenvolvendo ferramentas e métodos de identificação,
exposição e documentação da discriminação na assistência
humanitária. Por meio de monitoramento regular de iniciativas
de redução de risco a desastres, iniciou processos de
incidência e mobilização para pressionar o estado e os
principais intervenientes humanitários a tomarem medidas
corretivas e instituírem um ambiente político que reconheça
e combata essa discriminação.
http://nationaldalitwatch-ncdhr.blogspot.co.uk
Foto: equipe adivasi de coletores de mel no distrito de Udaipur,
Rajasthan. Um parceiro da Christian Aid na Índia deu apoio aos
produtores florestais, fornecendo-lhes roupas de proteção, assim
como cartões de identificação que ajudam a protegê-los de assédio
por funcionários florestais.
22 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Ásia e Oriente Médio
RESPOSTA GLOBAL, NACIONAL E LOCAL
ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.
Dr Dwijen Mallick, membro do BCAS Centro de Estudos Avançados
de Bangladesh
Bangladesh é um dos países mais vulneráveis aos impactos
de mudanças climáticas. Tem uma alta densidade populacional
(acima de 160 milhões, numa área de 147.500 Km2),
em generalizado estado de pobreza, além de uma série
de desafios para o desenvolvimento. Os pobres são os mais
atingidos pelas variações e extremos climáticos em diferentes
partes do país (como os ciclones, a salinidade das áreas
costeiras, a tendência de seca nos planaltos, enchentes nas
ilhas ribeirinhas e na região pantanosa de Tanguar haor).
Isto vem causando a migração para as cidades, em busca
de trabalho e melhores condições de vida, de pessoas que
acabam vivendo em favelas, onde não há serviços básicos,
e onde se tornam vítimas de dificuldades econômicas,
insegurança alimentar, escassez de água potável, problemas
de saneamento, riscos à saúde e insegurança social.
Mais de 40 por cento das pessoas em Dhaka vive em favelas
e áreas periféricas, em condições precárias de habitação.
Tanto no ambiente rural como no urbano, há destruição da
capacidade de recuperação do ambiente frente aos interesses
econômicos. A construção da capacidade de adaptação e da
resiliência às mudanças climáticas é fator essencial para
o enfrentamento dos desafios sociais e ambientais.
Progresso limitado e impedimentos
para a concretização dos ODMs,
em Bangladesh.
Na última década, Bangladesh vem apresentando um
progresso louvável de alguns dos ODMs, inclusive dos
objetivos relacionados ao combate à pobreza, às matrículas
na escola primária, à saúde materna e mortalidade infantil,
à redução das desigualdades de gênero e empoderamento
das mulheres. Entretanto, tem progredido menos quanto
à garantia de sustentabilidade ambiental, uma vez que as
conquistas de ODMs vêm sendo obstruídas pelo impacto das
mudanças climáticas e desastres naturais, tais como ciclones,
tempestades e enchentes frequentes e devastadoras.
O governo de Bangladesh preparou uma estratégia e plano de
ação para lidar com as mudanças climáticas (BCCSAP), mas
falta ação de enfrentamento dos impactos in loco. Além disso,
os efeitos das mudanças climáticas vêm exercendo um
impacto negativo sobre a redução da pobreza, a segurança
alimentar, o abastecimento de água, a saúde, a segurança
social e a sustentabilidade ambiental. Ademais, a orientação
inadequada de políticas, a fragilidade institucional, a pobre
implementação e a falta de recursos e tecnologias impedem
o progresso futuro.
O impacto econômico das mudanças climáticas não pode
ser subestimado. Os recentes superciclones em Bangladesh
afetaram a agricultura, a pesca e a subsistência rural, agravando
a pobreza nos distritos costeiros. O aumento da salinidade,
o alagamentos, as marés altas e os níveis do mar nas regiões
costeiras, assim como as devastadoras enchentes e secas em
outras regiões, destruíram recursos e propriedades, causando
enormes perdas econômicas às comunidades vulneráveis.
Estudos recentes da BCAS e do Instituto Internacional do
Ambiente e desenvolvimento (IIED) sugerem que as perdas e
danos decorrentes de variações climáticas e eventos extremos
podem adquirir uma amplitude ainda maior no futuro próximo.
As comunidades pobres e marginalizadas (povos indígenas,
pescadores, agricultores, mulheres, crianças e idosos) são as
mais vulneráveis às consequências de mudanças climáticas
locais, ainda que não sejam responsáveis por elas, o que é uma
grande injustiça.
Mais de 60 por cento da população do mundo em
desenvolvimento, inclusive Bangladesh, depende de recursos
naturais (terra, água, florestas, pesca, biodiversidade), e dos
ecossistemas para sua vida e subsistência. Em Bangladesh,
os fatores climáticos vêm afetando esses recursos e corroendo
os meios de sobrevivência, assim como o potencial dessas
comunidades pobres, ameaçando sua segurança alimentar,
nutrição e trabalho, contribuindo para um aumento da migração
do campo para a cidade. Muitos migrantes climáticos são
forçados a viver em favelas urbanas e, o que resulta em
enormes pressões sobre a ecologia urbana e sobre os serviços
básicos como habitação, abastecimento de água, energia e
saneamento. O processo já acirra a competição pelos parcos
recursos, levando a conflitos sociais, à violência e violação
dos direitos humanos.
As mudanças climáticas aumentam a desigualdade e a injustiça
dentro e entre regiões e países, e dentro das sociedades.
Os países ricos criam os problemas enquanto os países pobres
e os setores pobres da sociedade são os que mais sofrem com
eles. Isto gera mais desigualdades e injustiças, dentro de uma
mesma geração e entre elas, a não ser que medidas adequadas
de mitigação, adaptação e redução de risco de desastres (DRR)
sejam tomadas com urgência. O longo braço dos impactos
das mudanças climáticas vai, muito provavelmente, corroer
muitos dos direitos humanos e garantias básicas fundamentais,
afetando as conquistas da era pós-2015. As respostas locais,
nacionais e globais relativas às mudanças climáticas devem
se basear em princípios de equidade, igualdade e justiça para
os pobres.
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Ásia e Oriente Médio 23
‘O desafio que enfrentamos é descobrir como
tornar o processo de desenvolvimento e seus
resultados mais resilientes ao clima’.
Foto: Christian Aid/Steven Buckley
Os desafios do desenvolvimento
resiliente ao clima.
Os problemas decorrentes das mudanças climáticas
e a destruição dos recursos naturais do ambiente e dos
ecossistemas vêm gerando um desenvolvimento desigual,
assim como produção e consumo, comércio e negócios
insustentáveis. O desafio que enfrentamos é descobrir como
tornar o processo de desenvolvimento e seus resultados
mais resilientes ao clima. Se quisermos que o progresso
seja sustentável, é necessário garantir segurança alimentar,
de água, subsistência, saúde, e segurança social de longo
prazo para as comunidades pobres e vulneráveis, em face de
milhões de migrantes climáticos. Isto vai exigir um volume
enorme de recursos, novos conhecimentos, tecnologias,
habilidades e capacitação. Na última Conferência da ONU
sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), havia uma
forte sensação de que o novo caminho de desenvolvimento,
baseado no crescimento verde de baixo carbono e na resiliência
ao clima, deva manter, assegurar e recuperar o capital natural,
assim como os ativos e os recursos econômicos críticos para
o benefício de todos.
Seguimos em direção aos ODSs (Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável), enquanto muitas nações pobres
ainda não atingiram as metas dos ODMs. Se por um lado, os
ODMs se destinavam às nações pobres, os ODSs deverão se
dirigir a todos os países: há o risco de que as perspectivas e
prioridades dos países pobres, como questões de redução da
pobreza e garantia de alimento, água e saúde, deteriorem na
era pós-2015. Entretanto, as organizações da sociedade civil,
e a comunidade de pesquisas de Bangladesh vêm auxiliando
o governo na identificação de objetivos e metas adequadas
para a estrutura da pós-2015, enfocando sustentabilidade
ambiental, inclusive proteção social para os que sofrem
com as mudanças climáticas, gestão de risco de desastres,
e segurança energética para todos.
A estrutura da pós-2015 deve considerar seriamente
as questões de justiça climática e de direitos humanos.
Deve ainda oferecer respostas locais, nacionais e globais
baseadas na equidade, igualdade e justiça para os pobres.
A sustentabilidade ambiental local, nacional, e global e a
resiliência às mudanças climáticas, assim como a proteção aos
direitos humanos estão inter-relacionados. Precisamos realizar
todos eles simultânea e coletivamente.
O Centro de Estudos Avançados de Bangladesh (BCAS) é um
instituto não governamental de políticas, pesquisa e
implantação de desenvolvimento sustentável nos âmbitos
local, nacional, regional e global. É um órgão independente e
sem fins lucrativos, criado em 1986, e que cresceu nos últimos
25 anos até se tornar o instituto líder em pesquisa do setor não
governamental, em Bangladesh, e no Sul da Ásia.
www.bcas.net
Foto: Membros do projeto Pani Parishad (conselho da água) na vila de
Banagram, Bangladesh, instalaram três poços tubulares profundos com
o apoio do BCAS. Nesse trabalho do Pani Parishad, os habitantes da vila
aprenderam que o acesso à água segura é um direito, não um luxo..
24 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Ásia e Oriente Médio
A INCLUSÃO DE MULHERES É UMA
NECESSIDADE ABSOLUTA
Leeda Yaqoobi, vice-diretora da Rede de Mulheres Afegãs.
Do nosso ponto de vista, qualquer novo objetivo ou estrutura
de desenvolvimento da pós-2015 deve enfocar, sem dúvida,
uma tangível inclusão das mulheres em todos os aspectos da
vida social, econômica e política. Isso vai precisar ultrapassar
o ODM 3 e o estreito foco em educação. A aplicação da
legislação existente e a implementação de medidas já
acordadas são fundamentais.
Até o momento, a maior parte das metas estabelecidas
para a promoção do envolvimento de mulheres ainda não
se traduziram em ações. Por exemplo, o Programa de
Reconciliação e Paz do Afeganistão afirma que as mulheres e
as minorias devem ser consultadas. No entanto, os esforços
para sua implementação e para o engajamento das mulheres
foram mínimos e precisam melhorar. Tanto os países doadores,
como os parceiros responsáveis pela implementação se
esquivam facilmente, e muitas são as desculpas. ‘Nós
convocamos as mulheres, mas elas não responderam ao nosso
chamado de participação do processo’, é um refrão frequente.
Desculpas semelhantes são dadas para o fracasso em se
atingir a meta de recrutamento de 30 por cento de mulheres
no serviços públicos, estabelecida pelo governo afegão. Ainda
assim, há exemplos de departamentos e empresas em que
as mulheres vêm sendo protegidas com sucesso, devido ao
comprometimento e a vontade das lideranças.
Por exemplo, o Ministério de Desenvolvimento Urbano tem
30 por cento de postos de engenharia ocupados por mulheres,
inclusive, a diretora do Departamento de Desenvolvimento
Urbano, em uma província do norte, é uma engenheira
civil. Isto só foi possível por causa do comprometimento
da administração média e alta do Ministério. Ainda assim,
o Ministério de Reabilitação e Desenvolvimento Rural – o
queridinho dos doadores, ainda não contratou nenhuma mulher
engenheira civil, porque, supostamente, as mulheres não
podem atuar como engenheiras civis.
Reconhecendo a realidade da vida
do povo
Há muitas razões subjacentes a esses resultados pobres
que podem ser explorados pela estrutura do pós-ODMs. A
educação é um dos motivos, embora, atualmente, centenas de
jovens mulheres se formam, todos os anos, nas universidades
públicas e privadas do Afeganistão, o que indica que isso não é
tudo.
Precisamos expandir a educação, mas também precisamos
explorar as barreiras que impedem as jovens e mulheres
de conseguirem oportunidades de trabalho remunerado e
participação da vida pública. Em geral, as jovens e mulheres
adultas não se apresentam quando se buscam candidatos.
Isto ocorre porque não há creches para seus filhos, elas não
têm acesso a transporte seguro para ir e voltar do trabalho,
a jornada de trabalho é tão rígida que as impede de conciliar
suas vidas profissionais e privadas. O mesmo acontece com
as reuniões consultivas, que são convocadas, sem que se
dê às mulheres tempo suficiente para que possam organizar
transporte e cuidados para os filhos.
Esta é a realidade dessas pessoas e deve, portanto, ser
reconhecida em uma nova estrutura de desenvolvimento.
A inclusão de mulheres é uma necessidade absoluta,
mas não pode ser atingida de qualquer jeito. A agenda de
desenvolvimento pós-2015 deve, portanto, incluir objetivos
específicos que garantam que verbas do orçamento
governamental e de financiamentos de doadores sejam
alocadas, de modo a permitir completa participação das
mulheres em todas as atividades.
Precisamos pensar sobre como os objetivos serão
implementados em nível nacional. Precisamos de uma forma
de monitoramento e cumprimento da implantação da legislação
e de outros acordos globais. Por exemplo, a formação de um
conselho que identifique, investigue e acompanhe qualquer
violação, com a divulgação dos resultados em relatórios
públicos trimestrais.
As novas metas devem, ainda, resultar em linhas específicas
de orçamento que permitam a participação das mulheres em
empregos e na vida pública. Isto deve incluir financiamento de
provisões para creches; transporte adequado, seguro e fiável;
provisão para banheiros no ambiente de trabalho, e jornada
flexível de trabalho.
Fundada em 1995, a Rede de Mulheres Afegãs (AWN) é o pilar
do incipiente movimento de mulheres no Afeganistão.
Serve como uma rede bem estabelecida para o crescente
número de organizações de mulheres e de indivíduos que
trabalham pela promoção das mulheres afegãs e pela garantia
de sua participação igualitária da sociedade. A AWN
representa os interesses de mais de 110 organizações
membros e cerca de 5.000 indivíduos. Esta rede não partidária
e sem fins lucrativos exerce forte presença em várias
províncias afegãs. Seu escritório central está localizado em
Cabul, com escritórios regionais localizados em Herat
e Jalalabad. Atua também pela segurança e paz das mulheres,
por sua participação e liderança política, direitos sociais
e legais.
afghanwomennetwork.af
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Ásia e Oriente Médio 25
ESTRUTURA PARA UMA MUDANÇA
DURADORA BASEADA EM DIREITOS
Bihter Moschini, gestor de pesquisa e programa da ONG Árabe Rede
para o Desenvolvimento (ANND)
No momento em que a comunidade global de desenvolvimento
se ocupa com os últimos detalhes das ODMs e do
planejamento da agenda pós-2015, a região árabe passa por
uma dramática transição política aliada a crescentes tensões
civis e sectárias. Esses fatores causam impactos terríveis e
devastadores à paz, à estabilidade e ao desenvolvimento da
região. Os levantes iniciados no final de 2010 refletem bem
isso. Pessoas que clamavam por liberdade, dignidade,
participação e justiça social exigiam o fim de todas as formas
de exclusão: seja econômica, política, social ou cultural. Essas
demandas nos remetem aos objetivos apresentados pela
Declaração do Milênio de 2000, ou seja: ‘a responsabilidade
coletiva de defesa dos princípios da dignidade, igualdade e
equidade humanas no âmbito global’. Refletem ainda o desejo
do povo de ver ações genuínas que garantam um
desenvolvimento equitativo.
Quanto a isso, uma nova estrutura que seja capaz de contribuir
para as necessidades da região deveria adotar uma abordagem
abrangente de desenvolvimento: uma estrutura que leva em
consideração os direitos humanos, políticos, sociais,
econômicos, ambientais e culturais. Deve colocar no centro da
questão, o cidadão e a universalidade, indivisibilidade,
interconexão e inter-relação de seus direitos humanos. Uma vez
que os desafios de desenvolvimento enfrentados na região
árabe refletem, ainda, a própria problemática de sua governança
global, a nova estrutura deve democratizar a governança global
por meio do fortalecimento da participação dos países em
desenvolvimento nas tomadas de decisão, e pela construção
de um sistema baseado na participação igualitária e
responsabilidades comuns, ainda que diferenciadas.
Tudo o que aprendemos com a estrutura dos ODMs,
particularmente na região árabe, é muito significativo.
Os levantes demonstram claramente a falta de ligação entre
crescimento econômico e desenvolvimento. As economias
rentistas dos países árabes adotaram modelos de crescimento
que negligenciam os objetivos de desenvolvimento humano
e os direitos sociais e econômicos. Os legisladores priorizam
a integração na economia global, por meio do comércio e da
liberalização de investimentos, emprestando, expandindo as
privatizações e parcerias público-privadas, numa completa
desregulamentação da economia. Muito embora os países
tenham conseguido crescimento econômico, a pobreza,
o desemprego e as desigualdades cresceram dramaticamente.
O crescimento liderado pela desregulamentação do mercado
prejudica os pobres, e os sistemas políticos não são capazes
de implementar monitoramento e avaliação. Embora os países
apresentem resultados numéricos de progresso para metas
específicas dos ODMs em saúde e educação, isto não
corresponde ao progresso relacionado a problemas
subjacentes, responsáveis pela pobreza. O fato desses
marcadores de sucesso não refletirem adequadamente
a situação de fato, demonstra uma visão estreita da estrutura
e dos objetivos. Na verdade, segundo uma consulta regional
sobre a agenda pós-2015 organizada pela ANND, grupos da
sociedade civil da região árabe solicitaram que o foco principal
do debate mude de mera definição de novos objetivos e metas
para a pós-2015, para a análise das causas profundas da
pobreza e de meios de resolvê-las.
Em 30 de maio de 2013, o Painel de Alto Nível da ONU
publicou seu relatório sobre a estrutura da pós-2015,
introduzindo 12 novos objetivos para um novo cronograma de
15 anos. Embora as questões e desafios arrolados sejam
louváveis, mais uma vez, as propostas sugerem uma
abordagem estreita, em vez de buscar mudanças que
realmente resultem em transformação. Não podemos negar
que o relatório tem aspectos positivos; por exemplo,
a ‘universalidade’, ‘um objetivo específico para a promoção das
mulheres e da igualdade de gênero’, o reconhecimento do
‘vínculo ambiente-desenvolvimento’, o ‘reconhecimento da paz
como pilar do desenvolvimento sustentável’; mas, ainda assim,
não cria um novo caminho. Enfoca o crescimento orientado
pelo mercado, mas não focaliza o desenvolvimento do setor
produtivo; dá ênfase ao emprego e à distribuição de bens,
mas nenhum dos objetivos se dedica à garantia de trabalho
digno. Menciona-se a prestação de contas, mas ela depende
sobremaneira de mecanismos autorreguladores que
simplesmente não existem na região árabe. Os direitos
humanos são discutidos, mas os direitos sociais e econômicos
são colocados em segundo plano, ao serem mencionados
como necessidades básicas.
Em último lugar, porém não menos importante para a região
árabe e muitas outras, a conexão entre paz e desenvolvimento
é fundamental. Se mencionarmos somente os conflitos
internos, o relatório deixa de tomar ciência do impacto real dos
conflitos externos na limitação do desenvolvimento. Na região
árabe, isto está claro: os contínuos conflitos insolúveis entre
Israel e palestinos, e o impacto da crise da Síria na região,
comprovam o retrocesso provocado pelos conflitos, que
impede o desenvolvimento. Nesse aspecto, é imperativo que a
agenda pós-2015 reconheça a importância da garantia de uma
paz justa e duradoura.
Quinze anos se passaram num piscar de olhos. Outros quinze
também passarão. O único meio de trazer uma mudança
duradoura é a adoção de uma estrutura de desenvolvimento
nova e sustentável, que atenda às necessidades de todos os
povos com uma abordagem holística, e que leve em
consideração os direitos políticos, sociais, econômicos,
ambientais e culturais.
A ONG Árabe Rede para Desenvolvimento (ANND) opera em
12 países árabes, com sete redes nacionais e 200 membros
de Organizações da Sociedade Civil (CSOs). A ONG busca
fortalecer o papel da sociedade civil, reforçando os valores
democráticos, o respeito pelos direitos humanos e o
desenvolvimento sustentável da região. A ANND defende
reformas socioeconômicas efetivas e confiáveis na região, que
integrem conceitos de desenvolvimento sustentável,
e abordagens baseadas em direitos e justiça de gênero.
annd.org/english
26 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe
VOZES PARCEIRAS
AMÉRICA LATINA E CARIBE
Christian Aid/Hannah Richards
Alivio Aruquipa em seu campo de milho, sob a geleira Illimani, em La Paz, Bolívia. Sua comunidade é uma de muitas que dependem
de água proveniente do degelo das geleiras para irrigar suas culturas. À medida que as geleiras encolhem, a preciosa fonte de água
se esvai. ‘Somos nós que sentimos o impacto das mudanças climáticas, somos nós que sofremos’, diz Alivio. Agua Sustentable,
parceira da Christian Aid, vem trabalhando com essa comunidade na construção de um reservatório.
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe 27
ABORDAGEM HOLÍSTICA
PARA UMA AGENDA DE
SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL.
Mónica López Baltodano, gestora de mudanças climáticas do Centro
Humboldt, Nicarágua.
Acreditamos na priorização do processo intergovernamental
da pós-2015, uma vez que representa o momento certo para
políticas e tomadas de decisão globais.
Precisamos ter certeza de que os representantes
governamentais de nossa região assumam seus papeis como
delegados oficiais responsáveis, analisando as abordagens
políticas predominantes em nossa região e identificando os
grupos de países que apoiam as questões que devem ser
discutidas dentro dos diferentes grupos da sociedade civil
envolvidos no trabalho relativo ao clima, à gestão de risco
e à sustentabilidade ambiental.
Já identificamos a necessidade de elaboração de uma
agenda de sustentabilidade ambiental, com ênfase em temas
fundamentais, como mudança climática, biodiversidade, água
potável, segurança alimentar e soberania, nutrição, impactos
causados pelas indústrias extrativistas e produção de energia.
É por isso que incentivamos, junto às várias redes com que
trabalhamos, a escolha de uma abordagem holística que atenda
a todas as áreas prejudicadas pelo impacto do aquecimento
global. Entretanto, não está muito claro de que modo ‘relevar’
os desafios que as mudanças climáticas provocam nas
discussões sobre desenvolvimento sustentável, de modo que
se tornem prioridades em negociações futuras.
Precisamos pensar de forma mais criativa, e esse raciocínio
se aplica também a questões como biodiversidade, gestão
integrada de risco e igualdade de gênero, as quais estamos
lutando para que sejam integradas nas negociações sobre
desenvolvimento sustentável de forma transversal.
Ouvir opiniões locais.
Como parte do esforço da CRGR - Concertación Regional para
La Gestión de Riesgo (Mesa Redonda Nacional de Gestão de
Risco), a Nicarágua e região vêm trabalhando num relatório que
nos dará ‘Opiniões da Linha de Frente’ (VFL – Views from the
Frontline). As redes climáticas da Nicarágua decidiram, ainda,
expandir o foco de seu trabalho de mudanças climáticas para
que possa abordar a sustentabilidade ambiental.
2015 é um ano importante, e, portanto, esperamos que o
processo da pós-2015 contribua para a adoção efetiva de um
instrumento climático global justo e vinculante, a ser acordado
em 2015 para entrar em vigor em 2020.
Reconhecemos ainda que, apesar da importância da agenda
global, as redes nacionais e regionais precisam fazer a conexão
entre a agenda e os processos e ações locais. Assim, a adoção
de uma agenda global não deve prevalecer à custa das agendas
regionais, nacionais e comunitárias. Para que se consiga um
envolvimento ativo da sociedade civil com a agenda pós-2015,
é imprescindível que haja uma capacitação mais profunda.
Ao mesmo tempo, a amplitude e a complexidade do processo
de definição da agenda pós-2015 vêm sobrecarregando
a capacidade da sociedade civil de coordenar e atuar
em consenso.
Até o momento, acreditamos que as consultas foram realmente
inadequadas, tanto em termos de tema como de localização.
Muitas delas foram realizadas por meio das ‘redes globais
existentes’, o que não é necessariamente representativo
das questões nacionais. Há ainda muito a ser feito para que
haja espaço para as contribuições das organizações locais
e de base.
Estamos planejando a realização de uma análise do impacto
dos ODMs na Nicarágua, mas acreditamos que alguns dos
princípios fundamentais que devem nortear a agenda global
de desenvolvimento são: justiça climática, igualdade de gênero,
redistribuição da riqueza e sustentabilidade ambiental.
O Centro Humboldt foi criado em 1990. Dedica-se às
incidências sobre mudanças climáticas em âmbito local,
nacional, regional e internacional, e nas alianças da
Nicarágua. Seus objetivos incluem o trabalho com políticas
públicas ambientais e promoção de uma gestão ambiental
eficiente. O Centro Humboldt busca fortalecer diferentes áreas
da sociedade civil para que ofereçam informação, ajudem na
capacitação e realização de monitoramento e pesquisa sobre
impacto ambiental.
A organização integra várias redes, incluindo a CANLAClimate Action Network Latin America (Rede de Ação
Climática da América Latina), a Iniciativa Building Bridges
(Construindo Pontes). A Accra Caucus em Florestas
e Mudanças Climáticas, a ANACC (Aliança Nicaraguense
sobre a Mudança Climática) e o Fórum da América Central
sobre Mudanças Climáticas.
humboldt.org.ni
28 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe
GARANTIA DE IGUALDADE,
PARTICIPAÇÃO E RECIPROCIDADE.
Rafael Soares de Oliveira, diretor executivo da KOINONIA, Brasil.
A realidade da questão ambiental no Brasil apresenta muitos
desafios. Aqui há vários exemplos gritantes desses desafios:
a destruição da biodiversidade na Amazônia, por meio dos
projetos de agronegócio, principalmente o cultivo de soja;
sofremos com os planos governamentais de produção
de energia na Amazônia e na Floresta Atlântica, em que
projetos hidroelétricos deslocam milhares de agricultores
e comunidades tradicionais; há a ameaça do uso crescente
de culturas geneticamente modificadas nos agronegócios
(praticamente todo o milho cultivado no país é geneticamente
modificado) e o aumento do uso de pesticidas (cinco litros
por pessoa por ano). As mudanças climáticas causam chuvas
e desastres de deslizamento de terra, em cinco anos já
ocorreram cinco desastres, com um registro oficial de mais
de 2.000 mortes.
Atualmente, apesar desses e outros tantos desafios, vivemos
sob um modelo de desenvolvimento baseado em uma
meta de crescimento do PIB de quatro por cento ao ano,
e governos insensíveis às campanhas populares, que deixam
claro os contrastes entre desenvolvimento, diversidade social
e biodiversidade.
Qualquer plano de desenvolvimento pós-2015 deve considerar
a biodiversidade, a sociodiversidade (garantindo que
comunidades diferentes com tradições diferentes possam viver
lado a lado no ambiente natural, sustentado por ele, protegendo
e garantindo sua continuidade), e a gestão de riscos causados
pelas mudanças climáticas, ou outras mudanças ambientais
sistêmicas, decorrentes da atividade humana.
O planejamento deve assegurar que as minorias (não importa
a raça, etnia, gênero e grupo social) e todos os indivíduos
que vivem em nosso sistema ambiental compartilhado sejam
ouvidos sob todos os aspectos. A igualdade, a participação e
a reciprocidade devem ser garantidas a todos. O que significa
dar voz e condições de participação (de tempo e recursos
materiais) a todos os indivíduos que em geral são tratados
como diferentes, e além disso, os que têm mais poder e
recursos devem arcar com todos os custos desse sistema
de participação.
A participação de todos é, sem dúvida, essencial e deve ser
priorizada pelos tomadores de decisão. Por exemplo: onde há
desigualdade do nível de educação, não devemos esperar até
que todos sejam alfabetizados para lhes permitir expressar
suas opiniões sobre a melhor educação que desejam no futuro:
Foto: Christian Aid/Tabitha Ross
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe 29
‘Precisamos que as instituições locais,
nacionais e internacionais, inclusive
organizações ecumênicas e religiosas, cobrem
de seus líderes o cumprimento de suas
promessas de desenvolvimento sustentável’.
a comunicação oral, o uso de intérpretes, e de outros meios
deve assegurar que todos sejam ouvidos, já. Os processos de
planejamento devem ocorrer em espaços abertos, igualitários,
onde nem mesmo as desigualdades econômicas permitam
o desequilíbrio entre as partes.
Acreditamos, ainda, que deva haver um plano de ação
abrangente para o desenvolvimento sustentável, dada a nossa
dependência do ecossistema.
Mecanismos de observância
Um ponto de partida para a agenda pós-2015 seriam os acordos
internacionais existentes, como o DHESCA (direitos humanos,
econômicos, sociais, culturais e ambientais) e as Convenções
da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Desta forma,
caso os novos acordos sejam assinados, deverão fornecer
mecanismos de observância e sanções sobre os países
signatários. Até o momento, não houve cumprimento dos
ODMs e de outros acordos, e os estados não foram punidos.
Outro importante aspecto transversal do desenvolvimento
planejado e participativo é a dimensão dos interesses das
empresas e corporações. Em nosso ecossistema, é crucial que
os interesses das empresas não sejam promovidos à custa da
proteção ambiental, da reprodução cultural e da luta contra as
desigualdades. Os indicadores demonstram que esse equilíbrio
deve ser construído em espaços abertos e igualitários
Na implementação da agenda de desenvolvimento pós-2015,
não podemos depender exclusivamente da boa vontade do
estado. Este nem sempre defende os interesses dos mais
vulneráveis, ou dos destituídos de poder e recursos financeiros.
Desta forma, precisamos que as instituições locais, nacionais
e internacionais, inclusive as organizações ecumênicas
e religiosas, cobrem de nossos líderes o cumprimento de suas
promessas de desenvolvimento sustentável.
Estamos otimistas quanto à possibilidade de participação
genuína; uma série de exemplos do Brasil e de todo o mundo
oferecem alguns lampejos de esperança. Estes incluem:
• Audiências e consultas comunitárias de planejamento
para os povos indígenas e tribais; garantidas pela
Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho;
• Incidência pública internacional e nacional: conferências
paralelas, campanhas para relações justas (tributária,
comercial e outras), fóruns sociais, campanhas de
grupos de fé pela paz nas situações de conflito;
• Sistemas internacionais de proteção e cumprimento
de direitos;
• Acordos internacionais, desenvolvidos no âmbito
de base, (por exemplo, nas Cúpulas dos Povos);
• Acordos globais estabelecidos pelos estados nações.
Estes são bons pontos de partida, que devem ser considerados
com seriedade por todos os governos que negociam
os objetivos da pós-2015, e esperamos que indicadores
adequados surjam naturalmente desse tipo de participação.
Por exemplo, indicadores que nos garantam o equilíbrio
entre o direito ao lucro financeiro e a sustentabilidade
sócio/ cultural/ ambiental; indicadores que possam medir o grau
de satisfação das pessoas com os planos que tratem das
preocupações das minorias e das populações vulneráveis.
A Koinonia, Presença Ecumênica e Serviço, foi criada em 1994,
com o compromisso de continuar a tradição ecumênica do
serviço a comunidades locais, movimentos sociais e das
igrejas. A KOINONIA opera em estreita colaboração com os
trabalhadores rurais, pessoas de diferentes tradições
religiosas, e particularmente com jovens e mulheres. Na Bahia
e no Rio de Janeiro, a KOINONIA trabalha junto a
comunidades remanescentes de povos quilombolas e o
Candomblé, prestando assessoria jurídica, incidência
educacional e diálogo sobre a intolerância religiosa. Em 2011,
incorporou o auxílio humanitário em seu trabalho, em resposta
ao desastre causado por chuvas fortes, naquele ano, no Rio.
A KOINONIA faz pressão junto aos legisladores pelos direitos
dos povos. Durante a Cúpula dos Povos de 2012, evento
paralelo à Rio+20, conferência da ONU sobre desenvolvimento
sustentável, a KOINONIA promoveu incidência pública
e estabeleceu o programa de rede Religiôes por Direitos.
koinonia.org.br
• Redução do risco de desastre e gestão de risco
de emergência;
• Processos Participativos de Educação Básica,
para o fortalecimento da comunidade (em que as
comunidades e líderes locais são encorajados a formar
seus próprios planos de desenvolvimento sustentável);
Foto: Rev. Arthur Cavalcante, Secretário Geral da Igreja Anglicana
Episcopal do Brasil. Entre suas funções exerce o sacerdócio
congregacional, liderando o envolvimento da Igreja em cúpulas globais
como a Rio+20, e defendendo o ecumenismo entre as igrejas brasileiras.
30 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe
REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES E
PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Clara Esther Martinez, administradora da Corambiente, Colômbia.
Nossa prioridade dentro de uma nova estrutura de
desenvolvimento na Colômbia, como para outros países da
América Latina, é a necessidade de abordar a desigualdade em
todas as suas formas, inclusive entre as áreas rurais e urbanas,
assim como as de gênero. Esta é a maior causa de pobreza,
desemprego, insegurança alimentar e desnutrição.
As áreas rurais, em particular as de economia camponesa,
foram e ainda são fonte de recursos, bens e serviços
essenciais para a vida e desenvolvimento de todo o país, e da
soberania alimentar. Na verdade, as áreas rurais dependem da
economia camponesa, uma vez que ela produz cerca de 70 por
cento dos alimentos consumidos em toda a nação, e cerca de
80 por cento da água fornecida a 90 por cento da população.
São essas áreas camponesas que até recentemente geravam
nosso maior produto de exportação, o café.
Entretanto, na Colômbia não há igualdade entre
desenvolvimento urbano e rural, uma tendência comum
em toda a América Latina. Pelo contrário, vimos assistindo
a uma ampliação gradual da lacuna das condições
de desenvolvimento:
• Na Colômbia, 12 % dos proprietários de terras detêm
67% das terras, enquanto 33 delas estão nas mãos de
88% de pequenos proprietários.
• Os níveis de pobreza são maiores nas áreas rurais:
–Segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento), a pobreza mensurada pelo índice
NBI (Necessidades Básicas Insatisfeitas), nos centros
urbanos, era de 33,4% contra os 74,7% das áreas rurais.
–O índice de cobertura de ensino secundário nas áreas
urbanas era de 75%, enquanto que nas áreas rurais era
de 27,5%.
–O índice de mortalidade de crianças abaixo de cinco
anos por mil nascidos vivos (intimamente ligada às
condições de desnutrição) é de 17,39 nas áreas urbanas,
em comparação a 30,09 nas áreas rurais.23
–Um terço da população camponesa da Colômbia vive
em extrema pobreza, 29,1% dessa população beira
a fome.
• Um estudo publicado pela UNICEF e pela ECLAC
(Comissão Econômica para a América Latina e
Caribe) conclui que na América Latina e no Caribe, a
probabilidade de vida em extrema pobreza é quatro
vezes maior em crianças das zonas rurais, do que entre
as que vivem em áreas urbanas.24
Foto: Christian Aid/Isabel Ortigosa
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe 31
‘A redução das desigualdades e o bem estar
de todos no planeta são os dois princípios
básicos que devem sustentar a nova agenda
global de desenvolvimento’.
• Os graves problemas de acesso à água, seja por causa
da inconstância das fontes, pela distância ou pela falta
de abastecimento, afetam 17,9% da população infantil
no campo, e 1,3% nas cidades.
• A esse quadro de desigualdades entre as zonas
rurais e urbanas, podemos acrescentar a segregação
por gênero:
• As mulheres das zonas rurais são vítimas de violência
social e dentro da família, de altos níveis de pobreza
e extrema pobreza, de acesso insuficiente a serviços
básicos, têm poucas conexões com o mercado de
trabalho, além das condições menos favoráveis de
saúde e educação.
• Na Colômbia, o nível de pobreza das famílias cujo
chefe de família é mulher, é maior do que naquelas
sustentadas por um homem. Isto sugere que as chefas
de família na zona rural da Colômbia e suas famílias
estão presas em uma armadilha de pobreza maior
e mais difícil de superar, do que outras famílias rurais.
Para que essa situação mude, é preciso uma profunda liderança
e vontade política, que devem ser promovidas e incentivadas
por outros países e pelo sistema das Nações Unidas.
Em face dos problemas da Colômbia rural, uma nova estrutura
de desenvolvimento deverá inspirar políticas de governo
que busquem claramente o fortalecimento dos polos de
desenvolvimento regionais e promovam investimentos nas
áreas rurais. Investimentos que incentivem a construção de
estradas e infraestrutura de produção, acesso ao crédito,
gestão territorial conjunta entre centros urbanos e áreas
produtoras de alimentos e serviços, melhor qualificação
e serviços de educação adequados aos contextos das
necessidades rurais, e a promoção e fortalecimento de
dinâmicas de organização de camponeses, particularmente
de mulheres.
A produção camponesa precisa estar aliada aos mercados e
à industria nacional de alimentos, com base em tratamento
igualitário e justo, de modo a reduzir os custos de
intermediação; precisa também de orientação sobre controle
de qualidade e segurança dos processos de produção.
As políticas do governo devem incentivar os mecanismos
de manejo da terra que priorizam a produção de alimentos e
protegem ecossistemas estratégicos para a geração de água.
Por meio de uma nova estrutura de desenvolvimento, o
governo deve promover a inclusão de uma variável climática no
planejamento, tanto da produção agrícola, como dos recursos
aquíferos. Deve promover, ainda, estratégias alternativas
que garantam o abastecimento de água, com abordagens
diferenciadas para cidades e/ou pequenas comunidades,
protegendo os recursos hídricos por meio de sanções
e incentivos.
Os legisladores devem também confrontar a tripla
discriminação que afeta as mulheres nas zonas rurais,
com um foco no gênero, nos direitos e no reconhecimento
de suas contribuições sociais e econômicas. As políticas de
gênero devem ser transversais e holísticas, baseadas no pleno
gozo de direitos, no reconhecimento de diferenças entre os
gêneros e nas contribuições das mulheres das áreas rurais.
Medições e Monitoramento
Até agora, os ODMs têm sido a ferramenta de monitoramento
das políticas públicas nacionais e das construções de alianças
entre os setores público e privado. Também promovem a
formulação de políticas locais, regionais e nacionais. Entretanto,
o governo nacional vem ajustando o sistema de indicadores
para permitir alterações das variáveis incluídas nos ODMs.
Por exemplo, o modo como é feita a medição do nível de
desemprego, de renda e da desnutrição. Essas alterações
dificultam a identificação das causas de diversos problemas,
assim como os efeitos das políticas implantadas.
A Colômbia tem feito progresso significativo na redução da
pobreza, de acordo com os percentuais estabelecidos pelos
ODMs. Ainda assim, para um país de renda média, o objetivo
para 2015 é muito modesto; somos um país de quase 50
milhões25 e há ainda 15.232.000 de pessoas vivendo na pobreza,
4.844.000 abaixo da linha de extrema pobreza. No entanto,
a questão mais crítica é a situação das zonas rurais (onde os
níveis de pobreza aumentaram para cerca de 80.000 pessoas)
além da deterioração da situação das mulheres.
A redução das desigualdades e o bem estar de todos no planeta
são os dois princípios básicos que devem sustentar a nova
agenda global de desenvolvimento.
A Corambiente desenvolve trabalho de base relacionado
à segurança alimentar, à nutrição e mudanças climáticas.
Há 15 anos, trabalha com as comunidades rurais nas questões
de desenvolvimento sustentável, produção orgânica
de alimentos, dando apoio a processos organizacionais,
particularmente organizações de mulheres. Trabalha, ainda,
em busca da melhoria das condições de segurança alimentar,
direcionando seus esforços, principalmente, às crianças e
mulheres que sofrem com os conflitos armados. Além disso,
implantou prevenção climática e projetos de adaptação,
trabalhos para melhorar a prestação de contas das autoridades
frente aos cidadãos, especialmente nas áreas de agricultura
e meio ambiente.
corambiente.com
Foto: Duas mulheres preparam arroz para uma refeição comunitária,
em uma cozinha improvisada, no acampamento de Las Pavas, Colômbia.
32 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe
RECURSOS PRODUTIVOS,
EMPREGO E PARTICIPAÇÃO
UNITAS, Bolívia
Desde 2012, a UNITAS vem instigando, na Bolívia,
a discussão e a proposta de uma nova estrutura global para
o desenvolvimento. Os principais resultados desse processo
incluem a pesquisa participativa junto a residentes, de áreas
urbanas e rurais, de sete municípios no país26. A pesquisa
participativa foi complementada por consultas a representantes
da sociedade civil, no âmbito nacional.
Utilizando-se, como referência principal, os relatos dos
participantes da pesquisa, foi identificado um conjunto de
problemas fundamentais causadores de pobreza, relacionados
à falta de acesso a recursos estratégicos como terra e água;
sensibilidade e vulnerabilidade ao clima; falta de acesso a
capital financeiro, ao mercado e à qualificação profissional;
falta de oportunidades de emprego, insegurança e ausência de
proteção ao trabalho; vulnerabilidade e escassez de serviços
públicos, desigualdade dos serviços do estado nos centros
urbanos e zonas rurais; ‘clientelismo’, participação política
restrita, falta de informação e qualificação política, e limitações
das políticas públicas.
Esses problemas centrais podem ser classificados em quatro
grupos, a saber: acesso a recursos produtivos, emprego
e condições de trabalho, proteção e segurança social e
participação política. As perspectivas de mudança em cada
uma dessas áreas fundamentais, como descrito pelos
participantes da pesquisa, são apresentadas abaixo como
fundamentos de uma nova estrutura global da agenda de
desenvolvimento pós-2015.
Acesso a recursos produtivos
Os pontos de vista comuns dos participantes da pesquisa nos
municípios urbanos e rurais sobre esse tema basearam-se no
desenvolvimento produtivo, na diversificação econômica e na
expansão dos serviços de apoio à produção que aproveitam
o potencial local. Junto à visão de comunidades e municípios
produtivos, outro componente estratégico promotor de
mudança foi identificado como o desenvolvimento da força de
trabalho e dos pequenos agricultores, por meio de educação,
qualificação técnica e treinamento prático.
Foto: Christian Aid/Hannah Richards
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe 33
‘Há demandas por transformação radical
das condições atuais, em que o poder
e o controle estão nas mãos de pequenos
grupos de pessoas. ’
As demandas relacionadas aos recursos produtivos
se concentram em quatro áreas. Em primeiro lugar, o
fortalecimento da agricultura camponesa e indígena, por meio
da provisão de oferta de diferentes financiamentos (capital),
tecnologias (maquinário e equipamento), e qualificação técnica/
produtiva. Em segundo lugar, o fortalecimento da atividade
artesanal tradicional, por meio de crédito acessível, abertura
de mercados e provisão de suprimentos. Em terceiro lugar, a
construção de municípios com base na produção e no turismo.
Por último, a instalação ou melhoria da infraestrutura rodoviária,
da educação e dos serviços de saúde, e espaços para a prática
de esportes e laser. A concessão de terras, e a proteção das
florestas e dos ecossistemas nos municípios rurais também
aparecem como fundamental, mas em menor grau.
Emprego e condições de trabalho
A visão compartilhada é a de que os municípios desfrutem
do potencial produtivo que irá gerar oportunidades de
trabalho suficientes por meio da implementação de políticas,
com impacto no emprego, criando novas indústrias e a
profissionalização das novas gerações. A expectativa comum
é de que os salários e ganhos possam melhorar de tal
forma a suprir as necessidades essenciais de consumo dos
trabalhadores e de suas famílias.
Demandas relacionadas ao trabalho sugerem que o governo
central tem seu papel na melhoria das condições de trabalho
(salários e benefícios), na proteção dos direitos de todos os
trabalhadores, particularmente no campo, e na geração de
empregos, particularmente para os jovens nas cidades.
Proteção e segurança social
A expectativa de proteção e segurança social se baseia
na possibilidade das cidades e vilas usufruírem de ótimas
condições de vida e substancial melhoria dos serviços básicos.
As visões dos povos indígenas e da população rural buscam,
particularmente, uma quantidade e qualidade maior de serviços
de saúde e de educação, uma vez que há grandes deficiências
na prestação desses serviços naquelas comunidades.
Os participantes tanto das zonas rurais como das áreas
urbanas parecem concordar que é preciso exigir que os
governos municipais, departamental e nacional promovam
melhoramentos significativos da infraestrutura, dos serviços
de saúde (inclusive a criação de hospitais com atendimento
especializado), e da educação pública, com garantia de boa
alimentação para os alunos. Muitos dos grupos também
reivindicam do governo central a melhoria do acesso à
seguridade social e benefícios de aposentadoria para os
trabalhadores assalariados, e fazem um apelo pela criação
de um ‘sistema de saúde’ para artesãos, com vistas no
desenvolvimento de um sistema universal de saúde para
trabalhadores informais.
Participação política
As opiniões sobre a participação política se referem,
principalmente, à avaliação crítica do trabalho das autoridades
locais e de seu novo ‘compromisso’ de responder às
necessidades da população e implementar planos de
desenvolvimento. Também foram expressas opiniões sobre
o papel dos líderes de bairro e outras organizações sociais.
Nos municípios rurais, algumas opiniões políticas coincidem,
por exemplo, com a exigência de que as autoridades locais
tenham uma ‘visão de desenvolvimento’, ‘ouçam as exigências
do povo’, deem ‘maior atenção ao cuidado para com os
mais pobres’, e criem ‘acordos’ entre instituições públicas
e privadas (ONGs) para angariar fundos em prol da população.
Foi identificada também a necessidade de que a população
tenha uma ‘consciência coletiva’, treinada e politicamente
unida, com ‘um pé no campo para manter suas raízes
tradicionais’, e a presença de ‘jovens e mulheres capazes’.
Embora essas abordagens pareçam gerais e discursivas, elas
refletem de modo preciso as demandas de vários setores da
sociedade por uma transformação radical das condições atuais,
em que o poder e o controle estão nas mãos de pequenos
grupos de pessoas que apoiam os partidos dominantes, com
raízes nos órgãos de governos locais, e que buscam utilizar
as organizações sociais para seu próprio avanço político.
A UNITAS - União Nacional das Instituições de Trabalho de
Ação Social - é uma ONG fundada em 1976. Sua missão é
contribuir para propostas alternativas de desenvolvimento e
mudança social, no sentido de uma sociedade democrática,
compassiva, digna e justa, em colaboração com movimentos
sociais e organizações populares. A UNITAS trabalha com
diferentes temas sob a estrutura conceitual do
desenvolvimento baseado nos direitos humanos. Desenvolve
vários projetos, inclusive a promoção e o fortalecimento dos
direitos coletivos dos povos indígenas, das comunidades
camponesas e urbanas, e treinamento e capacitação de
lideranças, incidência política e geração de debate, local e
nacional, sobre questões de desenvolvimento e direitos
humanos. Apoia também pequenos projetos de
desenvolvimento comunitário.
redunitas.org
Foto: Juan de la Cruz Noe Muiba é apaixonado pela proteção da floresta,
que agora pertence a sua comunidade indígena em Beni, Bolívia. ‘O que
nos dá vida é a terra, e é exatamente o que temos de proteger’, diz.
34 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe
ENFRENTANDO O ‘DEFICIT
DE JUSTIÇA SOCIAL’
Iara Pietricovsky de Oliveira, codiretora do INESC, Brasil.
O governo brasileiro anterior sabia como enfocar políticas
sociais para a melhoria do padrão de vida dos brasileiros mais
pobres e mais vulneráveis. De fato, a pobreza tornou-se centro
da agenda política nacional. Entretanto, o Brasil não conseguiu
resolver a questão mais grave da crescente desigualdade,
ilustrada por sua estrutura política arcaica e a distribuição
desigual da renda. Embora até mesmo os brasileiros mais
pobres se tenham tornado consumidores, os mais ricos ficaram
ainda mais ricos e a riqueza mais concentrada.
enfrentamos, e traduzir para o contexto nacional as políticas
e orçamentos públicos de que precisamos. Acreditamos que
os governos retrocederam em relação aos direitos humanos,
e, em particular, aos direitos das mulheres; e que, ao contrário,
tornam-se reféns das corporações e do capital financeiro. Vimos
isto na Rio+20, em que, apesar da resistência, promoveu-se a
ideia de uma ‘economia verde’, essencialmente compreendida
pela sociedade civil, como a mercantilização e a comercialização
da natureza.
Entretanto, há uma diferença na retórica do Brasil que vemos
no cenário internacional, o campeão de medidas de combate
às desigualdades sociais, por meio da implementação bem
sucedida de políticas de transferência de verbas, como o
programa Bolsa Família, e a realidade deste país, onde as
desigualdades extremas ainda persistem, definidas pelas
condições de raça, identidade étnica, gênero, orientação sexual,
e classe social.
Desta forma, há grandes perguntas que os novos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) precisam responder.
Em primeiro lugar, quais são as metas e objetivos para os países
ricos? Sem uma ação significativa, baseada nos princípios das
Responsabilidades Comuns, mas Diferenciadas (CBDR, sigla
em inglês), não será possível um mundo justo e sustentável.
Em segundo lugar, como aprofundar a participação democrática
num mundo onde as desigualdades crescem e persiste a
discriminação com base no gênero, raça e orientação sexual?
Como se sabe, poder e riqueza andam, geralmente, de mãos
dadas. Assim, se levamos a mudança a sério, grupos diferentes
precisam ter acesso ao poder político, e a riqueza precisa ser
distribuída de modo mais igualitário.
Existe um muro invisível que impede a mobilidade social,
e que condena os brasileiros pobres e seus filhos, as mulheres,
os indígenas e os negros a uma educação de baixa qualidade,
a um sistema de saúde precário, e à falta de habitação
sustentável e humana. O sistema tributário regressivo do estado
prejudica os mais pobres, uma vez que eles pagam impostos
numa proporção de sua renda maior do que os mais ricos.
Além disso, os extremamente ricos contribuem muito pouco
em termos tributários, pois, em geral, seus lucros escoam por
isenções fiscais e outros mecanismos. Assim, são os pobres
e os da classe média que sustentam as políticas públicas sociais
no Brasil.
Recentemente vimos mudanças no Código Florestal Brasileiro,
um exemplo de contradição do governo Brasileiro entre a
retórica internacional e doméstica. A revisão da legislação
sobre florestas apoia um crescimento frenético, na forma de
mega projetos e agronegócios, em vez de cumprir as metas de
emissão de gases de efeito estufa.
O Brasil tem a sexta maior economia do mundo, mas ainda não
foi capaz de realizar um pacto social de redistribuição, enfrentar
o racismo que marca e divide nossa sociedade, alcançar plena
igualdade e plenos direitos para as mulheres, ou assegurar o
direito dos povos indígenas e afrodescendentes a uma vida
digna (que, em vez disso, são mortos pela violência gerada
pelo agronegócio e a incapacidade do estado de garantir seus
direitos). Quando pensamos nas prioridades da agenda de
desenvolvimento pós-2015, precisamos reconhecer que os
ODMs foram uma redução escandalosa de toda uma estrutura
de tratados e convenções internacionais, definidos desde 1992,
no assim chamado Ciclo Social da ONU, e não fizeram justiça à
Declaração do Milênio.
Os novos objetivos, sejam eles quais forem, precisam ser
construídos sob uma ética de direitos humanos, de justiça
social e sustentabilidade. Precisam ser relevantes, frente às
crises financeiras, econômica, política e de alimentos que
Em terceiro lugar, como garantir trabalho digno e sustentável a
cada ser humano, em um mundo onde o desemprego juvenil
cresce em tantos países, inclusive na Europa? E como podemos
assegurar a proteção dos direitos trabalhistas aos indivíduos,
em face de tanta exploração? Em quarto lugar, como melhor
proteger, por meio dos novos ODSs, nossos espaços públicos
e bens comuns, como a água e a terra? Como ainda podemos
mudar nossos padrões de produção e consumo a fim de
preservar, em vez de destruir, a natureza?
Finalmente, precisamos conversar sobre quem é que está
pagando a conta! No momento, parece que há no mundo um
‘déficit de justiça social’: as desigualdades explodem diante
de nossos olhos, a corrupção e o desvio de dinheiro público,
sistemas fiscais regressivos, em que o pobre paga mais do que
o rico; e no âmbito global, um sistema econômico que permite
aos ricos esconder seus lucros fora do país e evitar suas
responsabilidades financeiras. Uma agenda pós-2015 precisa
enfrentar essas questões, com urgência!
O INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos - trabalha
para melhorar a democracia participativa e representativa no
Brasil, e assegurar a concretização dos direitos humanos, por
meio do fortalecimento da voz da sociedade civil e da maior
participação social na elaboração de políticas públicas.
Promove o diálogo entre a sociedade civil e os governos;
fortalece os movimentos dos povos indígenas, defende os
direitos das mulheres, jovens e crianças, e desenvolve projetos
de combate à pobreza e à discriminação.
inesc.org.br
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 América Latina e Caribe 35
AGENDA DE IGUALDADE SOCIAL
EM HARMONIA COM A MÃE TERRA
Martin Vilela, membro da Plataforma de Mudanças Climáticas da Bolívia.
Ao nos aproximarmos de 2014, prazo para que os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio sejam alcançados, apesar do
sucesso limitado que tivemos até agora, e da consequente
decepção que foi a Rio+20, o processo que norteia a agenda
de desenvolvimento das Nações Unidas pós-2015 ainda insiste
num modelo convencional de desenvolvimento.
desigualdades sociais e econômicas, e restaurar o equilíbrio
da Mãe Terra, está subordinado à obtenção de uma mudança
profunda da base estrutural do modelo econômico e social
atual, dos sistemas globais de produção, da matriz energética
e das estruturas políticas, alinhada aos desafios enfrentados
pela humanidade, nos próximos anos.
Vinte anos após a Cúpula da Terra de 1992, treze anos depois
da criação dos ODMs, e no limiar de uma profunda crise
climática, o debate em torno da agenda de desenvolvimento
pós-2015 nos deixa com uma sensação de que algo está
faltando. Como aconteceu durante a Rio+20, a análise do
impacto das políticas ambientais e de desenvolvimento globais
precisa de mais detalhamento, profundidade e sistemática.
É preciso reconsiderar a base conceitual de desenvolvimento,
deixando para trás o conceito de desenvolvimento como
sinônimo de crescimento econômico, e adotando uma
abordagem que gera sustentabilidade e igualdade por meio
de investimentos ‘verdes’. É por isso que é importante avaliar
criticamente o caminho seguido até agora. Os limites do
planeta precisam estar no centro do debate. As estratégias
que buscam atingir o bem estar da humanidade precisam se
conformar à capacidade da Terra de reparar o estrago causado
pelas atividades humanas: planejamento, consumo racional
e redistribuição com justiça e igualdade devem ser as novas
diretrizes para o futuro das sociedades. Nesse contexto,
boa qualidade de vida continua a representar a oportunidade
das pessoas, suas organizações e comunidades de propor
alternativas para o desenvolvimento.
Está claro que, cada vez mais, as evidências científicas
demonstram com eloquência, que a degradação ambiental já
ultrapassou vários limites planetários, tais como a aceleração
do índice de perda de espécies e a concentração dos gases
estufa na atmosfera. Estamos diante de uma alta probabilidade
de desencadear uma série de eventos climáticos que vão
levar diretamente a uma crise ambiental sem retorno, que irá
reduzir drasticamente as possibilidades de manutenção de
uma vida digna, em um futuro não muito distante. Além disso,
recentemente, as enormes desigualdades econômicas e
sociais, muito longe de serem resolvidas, vêm se agravando
dramaticamente. E, apesar do maior crescimento econômico,
a riqueza está cada vez mais concentrada nas mãos de poucos.
A Plataforma de Mudanças Climáticas da Bolívia acredita que
os esforços dos estados e das instituições internacionais
foram sequestrados pelas multinacionais, que continuam
empenhadas em encorajar fórmulas que perpetuam o modelo
econômico de crescimento, como se ele fosse sinônimo de
riqueza e bem estar universal. Mesmo os países ‘progressistas’
da América do Sul, como a Bolívia, que utiliza uma retórica
poderosa de qualidade de vida e respeito à Mãe Terra, utilizam
políticas baseadas no desenvolvimento extrativista 27 e a
perpetuação de modelos voltados para o mercado, violando
sistematicamente os direitos de populações historicamente
marginalizadas e vulneráveis. Determinados a impulsionar o
crescimento econômico, eles perdem a única oportunidade
histórica de mostrar ao mundo a possibilidade de um
compromisso com um modelo alternativo de desenvolvimento
verdadeiramente sustentável.
As propostas das OSC 28 tendem a não levar totalmente em
consideração a dimensão estrutural do desenvolvimento,
restringindo suas sugestões a demandas estreitas, ainda que
justas, das mulheres e dos pobres, por alimentação, saúde e
assim por diante. Essas contribuições são importantes para o
debate, mas em muitos casos, não consideram, em momento
algum, a base estrutural do modelo atual de desenvolvimento,
como a ordem social e econômica.
No limiar de uma crise global múltipla no planeta, o impulso
de uma agenda de desenvolvimento que busque eliminar as
Para a América do Sul, e para um país como a Bolívia,
e outros países em desenvolvimento, lidar com essa
agenda representa um desafio ainda maior; de um lado
por causa do estado atual da pobreza, mas principalmente
porque eles precisam abandonar a corrida de consumo
irracional de recursos e energia, baseada na extração e na
industrialização. Devem, portanto, considerar seriamente as
questões ambientais e fazer grandes esforços para mudar suas
estruturas internas.
Escapar da pobreza não pode ser desculpa para se repetir
as formas equivocadas de desenvolvimento do ocidente.
A Plataforma de Mudança Climática da Bolívia vem
promovendo o debate em rede nacional, propondo a discussão
de um modelo de desenvolvimento com justiça climática,
e os direitos dos povos indígenas a seus territórios e a seu
próprio modo de vida. Apesar das previsões científicas
desencorajadoras, dos interesses de empresas poderosas e da
falta de abertura política, hoje, mais do que nunca, precisamos
garantir uma agenda coesa da sociedade civil para uma ação
com o propósito de alcançar uma mudança real de estrutura.
A Plataforma de Mudanças Climáticas da Bolívia é uma rede
nacional de movimentos sociais e ONGS. Fundada em 2009.
Tem por objetivo o desenvolvimento de propostas de combate
às mudanças climáticas na Bolívia, por meio de políticas
nacionais e propostas de ação global. A plataforma é liderada
pelos cinco principais movimentos sociais das Secretarias
de Recursos Naturais da Bolívia, que juntos representam mais
de dois milhões de pessoas. A Plataforma recebe apoio técnico
e financeiro de ONGs bolivianas e internacionais.
cambioclimatico.org.bo 36 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Uma agenda de desenvolvimento sustentável e equitativo
UMA AGENDA
DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL E EQUITATIVO
As prioridades refletidas nas contribuições dos parceiros da
Christian Aid variam entre as mais específicas, como a inclusão
das mulheres em todos os aspectos da vida social, econômica
e política (AWN), e a necessidade de foco na justiça fiscal, vista
como uma questão central do desenvolvimento (TJN-A),
e às preocupações mais abrangentes, como a participação dos
pobres, das minorias e das comunidades vulneráveis no debate
da pós-2015 (KOINONIA); o aprofundamento das consultas
(Centro Humboldt), e uma convocação para o desenvolvimento
igualitário e sustentável (Social Watch Philippines, INESC,
UNITAS, ANND).
Sustentabilidade
A Christian Aid e a ACT Alliance, redes globais a que
pertencemos, vêm procurando, já há algum tempo, dar voz
àquelas comunidades vulneráveis aos impactos das mudanças
climáticas. A lógica é explicitada claramente por Herbert
Mwalukomo do CEPA, que afirma que os malawianos estão
na ‘linha de frente’ das respostas aos impactos causados pelas
mudanças climáticas. Herbert não só enfatiza o aumento dos
desastres relacionados ao clima, vividos pelas comunidades
do Malawi, como, também, as extensas implicações que
vão além da morte, dos ferimentos e perdas econômicas,
que desestruturam outras áreas, como a educação.
É por essa razão, que muitos dos que trabalham com questões
de resiliência e RRD (redução de risco de desastre) apelam para
que elas sejam destacadas na própria definição, e na aplicação
do novo conjunto de medidas da pós-2015, dando grande
prioridade à integração entre investimento e planos nacionais
de desenvolvimento. Mathieu Ouedraogo da Réseau MARP,
Burkina Faso, nos dá mais detalhes, sugerindo que uma
agenda de desenvolvimento da pós-2015 pode ajudar a
desenvolver sistemas de alerta precoce, construir a capacidade
local de prevenção e gestão de desastres, e impulsionar o
investimento em infraestrutura para a redução e mitigação dos
riscos de desastres. Dr. Dwijen Mallick, do Centro de Estudos
Avançados de Bangladesh (BCAS, sigla em inglês), salienta que
isto se faz necessário em ambos os níveis, urbano e rural, pois
não se trata somente da resiliência nas cidades.
Também deixam clara a relação dos objetivos com a
necessidade de adaptação às mudanças climáticas.
Um exemplo de legislação em nível nacional nessa área é dado
pela Observatório da Cidadania (Social Watch) Philippines,
que enfatiza a aprovação de um ‘Fundo de Sobrevivência
do Povo’, que irá liberar mais recursos para essa adaptação.
Portanto, pode-se considerar de que modo a estrutura
da pós- 2015 poderá impulsionar uma mudança legislativa
em outros lugares, assim como, causar impacto sobre as
prioridades nas políticas e financiamentos. A legislação pode
auxiliar a abordagem de algumas mudanças de implementação
que são enfatizadas pelo Dr. Mallick: ‘O governo de Bangladesh
preparou uma estratégia e um plano de ação para as mudanças
climáticas’ ele escreve, ‘mas há uma ausência de ação
em campo que aborde os impactos’.
Muitas das contribuições aludem à importância da integração
da perspectiva ambiental ao longo da nova estrutura da
pós- 2015. A segurança energética é mencionada pela BCAS,
assim como pelo CEPA de Malawi, que salienta a insustentável
dependência de energia elétrica a partir da biomassa, o que
leva ao desflorestamento e, consequentemente, a uma maior
vulnerabilidade às enchentes. A formulação de propostas
para energia limpa vai ser muito importante na abordagem
dos desequilíbrios atuais, e a Christian Aid oferece, em seu
relatório, exemplos de desenvolvimento renovável na África,
como o relatório “Baixo Carbono na África: um salto para um
Futuro Verde”29, que examina formas sustentáveis de acesso
à energia elétrica, a 1,4 bilhões de pessoas, baseando-se em
estudos de caso da África do Sul, Nigéria, Quênia, Ruanda,
Gana e Etiópia.
Uma das propostas do relatório mencionado acima,
apresentada pelo ICEED (International Centre for Energy,
Environment and Development – Centro Internacional de
Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento) da Nigéria,
é a de um fundo ‘leapfrog’ que pode, entre outras coisas,
‘servir de ponte para os altos custos de investimentos em
pequenas hidroelétricas, fontes renováveis de energia solar
ou outras de pequena escala, por meio de financiamentos
que cubram os custos dessas tecnologias30. O que parece
claro é que a entrega da agenda de desenvolvimento
sustentável em discussão vai depender totalmente da entrega
do financiamento climático adicional prometido. Sem esse
financiamento, será muito difícil que países como a Nigéria
adotem um caminho de baixo carbono, particularmente no que
se refere à energia elétrica.
A Corambiente da Colômbia menciona também uma
abordagem sustentável da água, que diz respeito à necessidade
de proteção da água, por meio de sanções e incentivos.
Com o aumento da demanda de água doce, estima- se que até
2020, 75-250 milhões de pessoas serão afetadas na África por
estresse hídrico, e que até 2050, uma diminuição do volume de
água doce nas grandes bacias hidrográficas da Ásia irão afetar
mais de um bilhão de pessoas. Estima-se que a demanda de
água irá superar a oferta em 40%, em vinte anos31, assim, uma
abordagem sustentável de gestão de recursos é necessária,
com urgência.
Segurança alimentar e nutricional é outra área que precisa
de apoio, de uma forte perspectiva ambiental, e a contribuição
da Corambiente faz, também, a conexão entre gestão
da terra e o impacto da variação climática sobre a agricultura.
A recomendação do Painel de Alto Nível,32 de que seja
incluída uma meta de agricultura sustentável e de aumento
da produção dos pequenos produtores, aborda algumas
dessas preocupações e deve servir de base a quaisquer
propostas futuras.
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Uma agenda de desenvolvimento sustentável e equitativo 37
A importância de uma abordagem
das desigualdades por meio de uma nova agenda
pós-2015 surge em quase todas as contribuições
dos parceiros da Christian Aid.
Finalmente, a contribuição do Centro Humboldt da Nicarágua
assinala, ainda, a importância de que se garanta um acordo
justo e vinculante sobre mudanças climáticas em 2015. De fato,
uma série de parceiros expressa firmemente seu apoio a que
as metas da pós-2015 reflitam o princípio de Responsabilidades
Comuns, mas Diferenciadas (CBDR), segundo o qual,
os países ricos, que são os mais responsáveis pelas mudanças
climáticas, devem fazer todo o possível para combater seus
efeitos. Isto é mencionado explicitamente pelo CEPA e por
Iara Pietricovsky do INESC do Brasil, que afirma: ‘sem uma
ação significativa baseada nas CBDR, não será possível um
mundo digno, justo e sustentável’. No fundo, isso se refere à
igualdade e à garantia de que todos tenham uma parte justa
no contexto das fronteiras planetárias. Como afirma a BCAS,
as comunidades mais vulneráveis às mudanças climáticas,
os povos indígenas, pescadores, agricultores, mulheres,
crianças e idosos, ‘não são responsáveis pela rápida mudança
climática induzida pelo homem’.
Uma agenda de desenvolvimento sustentável pós-2015
justa vai, portanto, exigir que todos os países desempenhem
seus papeis, a fim de que haja financiamento suficiente para
a concretização das novas metas, para que a tecnologia
necessária seja compartilhada, e, ainda, para a realização
das ações em casa, como a redução dos desperdícios,
o aumento da eficiência energética e investimentos
em energias renováveis. As mudanças necessárias,
que nos permitirão seguir em direção a padrões globais
mais sustentáveis de produção e consumo, não devem ser
subestimadas. Martin Vilela, da Plataforma de Mudanças
Climáticas da Bolívia, argumenta que é somente por meio
de uma mudança estrutural radical e da adoção de um novo
paradigma econômico que as pessoas poderão de viver bem,
e ‘em harmonia com a Mãe Terra’.
Desigualdades
A importância de uma abordagem das desigualdades por
meio da nova agenda pós-2015 surge em quase todas
as contribuições dos parceiros. Alguns enfatizam os padrões
atuais de discriminação e exclusão, que mantém certos
grupos sempre na mesma situação e atravancam o caminho
da erradicação da pobreza. O caso da discriminação por
casta na Índia é um lembrete contundente dos 260 milhões
de pessoas que continuam a sofrer discriminação com base
em trabalho e descendência, e por esse motivo têm negados
os seus direitos humanos básicos. É um lembrete também
de ligações importantes, não só entre as desigualdades
e direitos humanos, mas ainda entre desigualdades
e sustentabilidade ambiental.
Como escreveram N Paul Divakar (Campanha Nacional dos
direitos Humanos dos Dalit) e Lee Macqueen Paul (National
Dalit Watch), são os grupos mais vulneráveis e excluídos
que pagam o preço dos sistemas degradados, assim como
o custo da pressão e dos conflitos que circundam o acesso a
terra. As questões em torno dos direitos à terra precisam ser
abordados, pois afetam, de modo desproporcional, os mais
pobres e mais vulneráveis, geralmente povos indígenas
e tribais, inclusive afrodescendentes e outras minorias
do mundo em desenvolvimento 33. As políticas públicas
são raras, e elaboradas especialmente para abordar esses
problemas, particularmente a reforma agrária e distribuição
de terra, ou para corrigir os desequilíbrios em favor dos grupos
e territórios desfavorecidos.
As desigualdades não afetam somente os grupos sociais,
têm também uma forte dimensão geográfica, como as
desigualdades urbana e rural apontadas pela Corambiente da
Colômbia. Uma taxa bem maior de pobreza, mortalidade de
crianças abaixo dos cinco anos e escassez de água afetam as
comunidades rurais. Para os autores, a resposta reside nas
políticas governamentais que ‘buscam explicitamente fortalecer
os polos de desenvolvimento regionais’ e ‘que promovem
investimentos nas zonas rurais’. De outra perspectiva, a BCAS
debate a crescente urbanização, impulsionada pela ‘migração
climática’ que leva indivíduos a se mudarem para as favelas
das cidades, exercendo uma pressão considerável na ecologia
urbana e nos serviços básicos.
Muitas das contribuições definem algumas posições ou
fazem recomendações sobre a questão de gênero. Normas
sociais nocivas, relativas a gênero, continuam a perpetuar a
violência e subjugação das mulheres, assim como a restringir
a participação de mulheres na vida pública, em posições de
tomada de decisão, e dentro da família. Enquanto o ODM
3 atual sobre a Igualdade de Gênero focaliza a meta sobre
educação, uma área que ainda requer atenção (UCF-Angola),
as organizações da sociedade civil identificam aqui uma agenda
bem mais ampla para a pós-2015.
O texto da ONG árabe Rede para o Desenvolvimento elogia o
relatório do Painel de Alto Nível pela inclusão de um objetivo
específico sobre igualdade de gênero e fortalecimento das
mulheres, que talvez seja um bom início da discussão de
questões mais específicas 34. Para a AWN do Afeganistão,
o objetivo primário deve estar relacionado à inclusão
das mulheres na vida pública, inclusive a implantação de
oportunidades de emprego. Leeda Yaqoobi, da AWN, enfatiza
a importância de financiamento, mas também da abordagem
de fatores externos, como a falta de transporte seguro e de
creches, que muitas vezes impedem a participação da mulher
da vida social, econômica e política.
38 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Uma agenda de desenvolvimento sustentável e equitativo
A contribuição da INERELA+ enfatiza a necessidade de
progresso contínuo em relação a duas áreas dos ODMs,
o HIV e a saúde materna, mas traz alguns desafios
importantes, inclusive relacionados à saúde e direitos sexuais
e reprodutivos (SRHR), ao casamento e gravidez precoce,
à integração dos serviços, e ao escândalo da violência contra
mulheres e meninas, que alguns já descreveram como ‘o ODM
ausente’. Temas semelhantes vêm por meio da UCF-Angola,
que também expressa sua preocupação com um sistema de
saúde que seja mais amplo, e argumenta por melhor e maior
remuneração dos profissionais de saúde.
Outros autores se concentram mais no fortalecimento
econômico, inclusive o acesso a financiamento (Réseau
MARP, Burkina Faso), conexões com o mercado de trabalho
(Corambiente, Colômbia), e direitos de herança (UCF-Angola).
O que parece claro, a partir de todos os relatos, é que a
igualdade de gênero é, e precisa ser encarada como prioridade
central de desenvolvimento, uma vez que as mulheres não
só constituem a maioria dos que vivem em pobreza em todo
o mundo, como ainda são as que têm a chave da erradicação
da pobreza.
Todas as contribuições sublinham a necessidade de uma
‘revolução de dados’, como a estabelecida no recente relatório
do Painel de Alto Nível. Elas ainda dão relevância à narrativa
e à proposta do Painel de ‘não deixar ninguém para trás’, por
meio do monitoramento do progresso em direção a novos
objetivos entre os grupos sociais, assim como entre os quintis
de renda. Entretanto, muitas das contribuições vão ainda mais
longe e buscam desafiar a crescente desigualdade de renda,
dando uma ênfase exagerada ao crescimento, e às políticas
fracas de transparência financeira, sem falar do sistema de
impostos regressivos, que concentra a riqueza e o poder nas
mãos de poucos.
Iara Pietrovsky, do INESC do Brasil, se expressa com mais
veemência sobre essa questão e sobre tributação; ela escreve
que “o sistema tributário estatal regressivo do país prejudica
os mais pobres, uma vez que eles pagam mais imposto do que
os ricos.” Basicamente, são “os pobres e a classe média que
pagam pelas políticas públicas sociais do Brasil”, como o tão
aclamado programa Bolsa Família. Alvin Mosioma, da TJN-A,
faz uma observação semelhante e identifica uma tendência
de aumento do imposto sobre valor agregado (VAT) em toda a
África, ‘que resulta em aumento dos preços das necessidades
básicas como da alimentação, de saúde e da educação’, com
que os pobres mal podem arcar.
Alvin e Iara também fazem ligações com os sistemas
financeiros e tributários globais, que permitem a fraude e
a evasão fiscal, a corrupção, desta forma perpetuando as
desigualdades entre riqueza e pobreza. Esta é também
uma área explorada recentemente nas consultas temáticas
sobre desigualdades, cujo relatório síntese observa:
‘As desigualdades que se originam dos sistemas financeiros
internacionais, incluindo fraude e evasão fiscal, são cada vez
mais identificadas como condutores das disparidades dentro e
entre países ricos e pobres. ’35
O relatório recomenda, ainda, que a redução da
desigualdade,seja incorporada como objetivo, ‘como
propósito explícito das estratégias econômicas internacionais
e nacionais’36 Embora essa proposta não tenha conseguido
encontrar um espaço no relatório do Painel de Alto Nível,
ela bate na tecla e enfatiza a inclusão e abordagem social
relacionada à pobreza, do relatório da Rede de Soluções de
Desenvolvimento Sustentável (SDSN) 37, com uma proposta
de redução do índice de Gini, apresentado pelo Pacto Global
(Global Compact)38.
Até o momento, há um consenso nos relatórios e na sociedade
civil da importância da desigualdade econômica: ninguém quer
viver em uma sociedade com um crescente abismo entre ricos
e pobres.
Várias das contribuições mencionam, ainda, outras soluções
políticas específicas, como emprego e proteção social
(UNITAS da Bolívia, SPII da África do Sul). A ANND salienta
que a ênfase do relatório do Painel de Alto Nível na geração de
empregos não se refere explicitamente a ‘trabalhos dignos’.
Iara do INESC faz uma observação semelhante, dando grande
foco à proteção dos direitos trabalhistas, enquanto a UNITAS
menciona salários e benefícios. Até agora, a questão de postos
de trabalho é recorrente nos debates da agenda pós-2015
sendo que muitos dos mais fortes defensores da inclusão de
um objetivo ou meta sobre trabalho são jovens.
A contribuição do documento das mulheres jovens da
UCF- Angola menciona a necessidade de estágios e bolsas
de estudos, para a geração de oportunidades de emprego,
assim como de políticas que protejam as trabalhadoras
domésticas da exploração. Entretanto, esta não será uma
tarefa fácil e a contribuição da SPII da África do Sul investiga
algumas das questões econômicas estruturais mais profundas
relacionadas a emprego.
Isobel Frye, da SPII, observa que sempre há tensão entre
desenvolvimento econômico e direitos humanos, e que
as estratégias econômicas são geralmente concebidas
e implementadas sem que se considerem ‘as realidades’
das comunidades pobres. Ela apresenta um forte argumento
em favor de um foco na subsistência sustentável centrado
em pessoas, baseada em direitos, e que permita que as
pessoas tenham acesso à ‘capacitação e práticas de negócios,
à informação sobre acesso a mercados, ao crédito e a outras
formas de assistência’.
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Uma agenda de desenvolvimento sustentável e equitativo 39
‘Ninguém quer viver em uma sociedade em que
haja um crescente abismo entre ricos e pobres’.
Paz, boa governança e direitos
humanos
Os direitos humanos são um tema recorrente em todas as
contribuições e há uma clara demanda das organizações por
uma estrutura baseada em direitos. A KOINONIA (Brasil)
propõe que as convenções e acordos internacionais existentes
sejam o ‘ponto de partida’ para uma agenda pós-2015.
Quase todas as contribuições fazem referência especial
a ‘direitos’, o que deve, portanto, sinalizar fortemente para
os negociadores da estrutura da agenda pós-2015, em favor
de uma abordagem baseada em direitos. A concretização dos
direitos das pessoas certamente requer captação de recursos
financeiros e fortalecimento das relações entre os cidadãos
e o estado, duas áreas em que os tributos desempenham
um papel fundamental. Fraude e evasão fiscal não só corroem
a capacidade do governo de cumprir suas obrigações,
mas podem ainda enfraquecer a governança, conspurcando
a responsabilidade final de doadores e credores.
O tópico governança é mencionado, ainda, por vários outros
autores. Jessica Reyes Cantos, da Observatório da Cidadania
(Social Watch) Philippines, mostra como uma governança mais
participativa e o acesso à informação podem levar a resultados
mais fortes de desenvolvimento. O trabalho da Observatório da
Cidadania (Social Watch) Philippines, de auxílio às comunidades
na análise de documentos orçamentais em nível local, está
claramente causando impacto. É o tipo de processo que vai
aumentar a prestação de contas, e, portanto, esperamos que
assegure a entrega de todos os objetivos da agenda pós-2015.
Finalmente, é importante observar que uma série de
contribuições vem de países ou regiões consideradas
‘frágeis’ ou ‘afetadas por conflitos’. O relatório da ANND
focaliza a região árabe e os recentes desenvolvimentos
políticos, argumentando que os governos precisam levar
em consideração os direitos sociais, econômicos e culturais,
para que haja uma paz duradora. Como claramente ilustrado
pelos ODMs, o conflito pode impedir, e muitas vezes
reverter, o desenvolvimento. A nova ênfase na construção
da paz e construção do estado nas discussões da pós-2015
é certamente bem vinda.
Parceria global
Optamos por dar mais espaço, neste relatório, aos parceiros
da Christian Aid em todo o mundo, porque, em última análise,
é por intermédio deles e de suas parcerias que a mudança virá.
A Christian Aid também trabalha globalmente com membros
da ACT Alliance, que priorizaram quatro temas para a agenda
de desenvolvimento pós-2015: desigualdade, sustentabilidade
ambiental, conflito e fragilidade, e governança.39
Outros parceiros também precisam fazer sua parte, inclusive
atores dos setores privados e com base na fé. A Christian Aid
trabalha ativamente com muitas comunidades e líderes de fé,
e a contribuição da INERELA+ enfatiza a importância do papel
desempenhado por eles na luta contra o HIV e na promoção de
saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos.
Até o momento, as comunidades de fé vêm sendo
extremamente relevantes na entrega dos ODMs, não só
em áreas como a saúde e o HIV. Por isso, ao prosseguirmos,
será importante a inclusão de atores religiosos nas discussões
da agenda pós-2015, aproveitando as redes que as
organizações baseadas em fé podem oferecer, trabalhando
com elas em áreas fundamentais relacionadas a normas
culturais e sociais, como, por exemplo, na questão da violência
baseada em gênero.40
A agenda de desenvolvimento pós-2015 vai requerer,
ainda, o engajamento de atores do setor privado. O assunto
pode se tornar muito emotivo, e a destruição e exploração
das comunidades por empresas privadas irresponsáveis,
muitas delas grandes empresas, vão, inevitavelmente, e com
muita razão, provocar reações de fúria. Seja o deslocamento
dos grupos indígenas ou outras minorias devido à grilagem das
terras, ou o desvio de receitas por empresas transnacionais,
ou ainda a incapacidade de defesa de direitos trabalhistas,
fica evidente que há muito mais a ser feito, para que se garanta
um setor privado responsável, a elevação dos padrões e um
melhor senso de responsabilidade.
Um modo de incrementar a prestação de contas seria
a introdução de padrões de relatórios que exijam mais
transparência das empresas, tornando as informações,
financeiras ou não (relativas a impacto ambiental e direitos
humanos), disponíveis para todos os envolvidos. Uma ênfase
maior ao ambiente facilitador, que permita que as pequenas
e médias empresas floresçam dentro de uma economia
doméstica, também poderia ajudar a mudar o debate.
Enquanto isso, a agenda de desenvolvimento sustentável
pós-2015 poderia ser enriquecida pelo aproveitamento
da experiência de cooperativas e de outros modelos
alternativos de negócios.
40 O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Recomendações
RECOMENDAÇÕES
Um enorme volume de trabalho já foi desenvolvido para a
agenda de desenvolvimento pós-2015: agora, o importante
é utilizar esse trabalho de consulta para garantir que as
contribuições feitas pela sociedade civil até o momento não se
percam no avanço do processo. Nesse sentido, os relatórios
das consultas nacionais e temáticas são importantes e devem
ser levados muito a sério pelos negociadores da nova estrutura.
Segundo o relatório The Global Conversation Begins
(A Conversa Global Começa) do UNDG, até o momento,
200 mil pessoas participam 41, de 130 mil em diálogos
nacionais 42 . Nas palavras de Beyond 2015 (Para Além
de 2015), o processo precisa continuar ‘participativo’,
inclusivo, e sensível ‘às vozes daqueles diretamente afetados
pela pobreza e pela injustiça.’43
Algumas dessas vozes estão presentes neste relatório,
e uma série de pontos de vistas é expressa, vários deles apelos
comuns à agenda de desenvolvimento sustentável pós-2015:
• uma abordagem clara e consistente baseada
em direitos;
• uma agenda sustentada pelo desenvolvimento de baixo
carbono e sustentabilidade ambiental;
• forte ênfase nas desigualdades sociais, ambientais
e econômicas;
• uma agenda ousada que fortaleça mulheres e meninas;
• um compromisso com o fortalecimento da resiliência,
com abordagem dos riscos e perigos que ameaçam
os ganhos de desenvolvimento;
• um conjunto universal de objetivos, com metas
definidas de acordo com responsabilidades comuns,
mas diferenciadas.
À medida que o processo avança e as prioridades são
consideradas pelos estados membros da ONU envolvidos
no Grupo Aberto de Trabalho sobre os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODSs) e outros, em potencial,
será necessário que se façam escolhas políticas sobre
as prioridades de desenvolvimento, além de ser preciso
desenvolver um trabalho mais técnico sobre as metas
e os indicadores.
É essencial acertar as prioridades. Se formos uma comunidade
global seriamente comprometida com a erradicação da
pobreza, com a luta contra as desigualdades e a obtenção de
um desenvolvimento sustentável, não podemos nos abster
em questões difíceis, como os fluxos financeiros ilícitos,
a justiça fiscal ou as mudanças climáticas.
Outras áreas prioritárias potenciais sugeridas pelos
colaboradores deste relatório incluem: empregos dignos;
proteção social, da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos;
fortalecimento econômico e social das mulheres; melhorias dos
sistemas de educação e saúde; redução do risco de desastres;
agricultura sustentável; sistema tributário justo e progressivo;
transparência financeira; consolidação da paz; luta contra a
discriminação baseada em castas e etnias, e abordagem das
desigualdades de renda.
A garantia de que haja mecanismos fortes de prestação
de contas em operação, aplicáveis igualmente a países
desenvolvidos e em desenvolvimento, também é fundamental
para a entrega bem sucedida dos novos objetivos. As ideias
apresentadas pelo Painel de Alto Nível sobre a agenda
pós- 2015, como a proposta, a ser considerada e desenvolvida,
de que todos os países se submetam a planos nacionais de
desenvolvimento sustentável e participem de uma estrutura
de revisão por pares regionais.
Finalmente, vale observar que um plano ambicioso de
financiamento de desenvolvimento sustentável deve ser
acordado para a concretização da agenda de desenvolvimento
pós-2015, além de um acordo climático global justo em 2015.
A mobilização coordenada das finanças globais continuará a ser
importante para o futuro próximo, mas é também necessário
considerar-se de que modo os países em desenvolvimentos
poderão maximizar seus recursos domésticos, inclusive as
receitas tributárias, e a prevenção do fluxo financeiro ilícito.44
Os desafios à nossa frente são imensos, mas não insuperáveis.
Este relatório começou com uma análise da pobreza e
da riqueza em nosso mundo, bem como dos impactos
potencialmente devastadores das alterações climáticas.
A tarefa moral é clara: a pobreza é uma afronta à
dignidade humana e precisa ser erradicada. O futuro não
é tão claro: um mundo mais sustentável e equitativo é
possível, mas somente se trabalharmos juntos e fizermos
escolhas ousadas nos próximos anos, pelo bem das
pessoas e do planeta.
O mundo que queremos ver: perspectivas pós-2015 Notas Finais 41
NOTAS FINAIS
1 Organização das Nações Unidas, Relatório de Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio – 2013 , Nova York, 2013.
24 Unicef, Tacro, Cepal, Pobreza Infantil en América Latina y el Caribe,
2010, unicef.org/lac/Libro-pobreza-infantil-America-Latina-2010(1).pdf
2 Christian Aid, The Rich, the Poor and the Future of the Earth: Equity in
a constrained world [Os Ricos e os Pobres e o Futuro da Terra: Igualdade
num Mundo Constrangido], 2012, p2.
25 Perfil Demográfico da Colômbia, 2013, indexmundi.com/colombia/
demographics_profile.html
3 Boston Consulting Group, Global Wealth [Riqueza Global] 2013, 2013.
4 taxjustice.net
5 iff-update.gfintegrity.org
6 Banco Mundial, Turn Down the Heat: Why a 4°C warmer world must be
avoided [Reduza o aquecimento: Porque um mundo 4°C mais quente deve
ser evitado], 2012.
7 Banco Mundial, Turn Down the Heat: Climate extremes, regional impacts
and the case for resilience [Reduza o Calor: Extremos Climáticos, Impactos
Regionais e Casos para Resiliência], 2013.
26 A pesquisa participativa foi financiada pela Participate, por meio da
CAFOD (Agência Católica para o Desenvolvimento Exterior), detalhada
em Setting the Post-2015 Development Compass: Voices from the ground
[Definindo o ritmo de desenvolvimento na Pós-2015: Vozes do solo],
CAFOD, 2013
27 ‘Bolivia and Gas: Where is the revolution?’ (Bolívia e o Gás: Onde está
a revolução?), Upside Down World (O Mundo de Ponta Cabeça), 2013,
upsidedownworld.org/main/bolivia-archives-31/4319-bolivia-amid-gaswhere-is-the-revolution
28 ‘Agenda Post-2015’, América Latina en Movimiento, 2012, alainet.org/
active/62941&lang=es
8 UNDP, 2013 Human Development Report [Relatório do Desenvolvimento
Humano], 2013.
29 Christian Aid, Low-Carbon Africa: Leapfrogging to a green future [Baixo
Carbono na África: um salto para um futuro verde], 2011.
9 Indicadores do Desenvolvimento Mundial: http://data.worldbank.org/
indicator/ EN.ATM.CO2E.PC
30 Ibid, p.43.
10 Veja também em: Green, Hale and Lockwood, How Can a Post-2015
Agreement Drive Real Change? [Como um Acordo Pós-2015 impulsiona
Mudanças Reais?] Oxfam Discussion Paper, 2012.
11 Vide nota 1, p.5.
12 Kenny and Sumner, More Money or More Development: What have
the ODMs achieved? [Mais Dinheiro ou Mais Desenvolvimento: O que
Conseguimos com os ODMs?], Documento de Trabalho dos ODMs, 2011.
13 Ibid, p4.
14 Oxfam e Development Finance International, Putting Progress at Risk:
MDG spending in developing countries [Colocando o Progresso em Risco:
gastos com os ODMs nos países em desenvolvimento], 2013.
15 www.imf.org/external/np/prsp/prsp.aspx
16 Veja por exemplo, as metas adicionais de “des-mineração” dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio do Camboja.(CODM).
17 Painel de Alto Nível sobre a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015,
Nova Parceria: Erradicação da pobreza e transformação das economias
por meio de desenvolvimento sustentável. 2013
18 Organização das Nações Unidas, Relatório do Painel de Nível de
Pessoas Eminentes para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, 2013
19 DWD está presente no Nepal, Bangladesh, Paquistão, Sri Lanka e
Japão, além de diferentes regiões da África. Atinge ainda as comunidades
da diáspora do sul da Ásia – o que levou recentemente a Câmara dos
Comuns do Reino Unido a votar a introdução do tratamento das castas
como foco de discriminação, o que é proibido pela Lei de Igualdade de
2010.
20 NDW/NCDHR (National Dalit Watch – Observância Nacional de Dalit/
National Campaign on Dalit Human Rights – Campanha Nacional de
Direitos Humanos de Dalit), Ensuring Inclusion of Biodiversity-dependent
Communities in all Preparedness, Adaptation and Mitigation Measures,
[Garantia de inclusão das comunidades dependentes da biodiversidade
em todas as medidas de mitigação, adaptação e prontidão] 2012, ncdhr.
org.in/latestinterventions/report%20on%2015th%20side%20 event.pdf
21 Ibid.
22 Veja a nota 20.
23 PNUD Colômbia, Informe Rural Colômbia, 2011.
31 Veja nota 2, p.14.
32 Para mais informações sobre a abordagem da Christian Aid da
agricultura sustentável, visite-nos em: christianaid.org.uk/images/timefor-climate-justice-10.pdf
33 Christian Aid, The Scandal of Inequality in Latin America and the
Caribbean [O Escândalo da desigualdade na América Latina e no Caribe],
2012, christianaid.org.uk/images/scandal-of-inequality-in-latin- americaand-the-caribbean.pdf
34 A Christian Aid é membro da Rede de Gênero e Desenvolvimento do
Reino Unido, que publicou o relatório em defesa da eleição de um objetivo
isolado sobre igualdade de gênero e promoção das mulheres.: www.
gadnetwork.org.uk/gadn-post-2015-report
35 Synthesis Report on the Global Thematic Consultation on Addressing
Inequalities [Relatório síntese da Consulta Temática Global sobre o
tratamento das Desigualdades], 2013, p55, www.worldwewant2015.org/
node/299198
36 Ibid, p79.
37 Sustainable Development Solutions Network (Rede de Soluções
de Desenvolvimento Sustentável), An Action Agenda for Sustainable
Development, [Uma Agenda de2013 de Ações para o Desenvolvimento
Sustentável], p14.
38 UN Global Compact (Pacto Global da ONU), Corporate Sustainability
and the United Nations Post-2015 Development Agenda [Sustentabilidade
Corporativa e a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 das Nações Unidas],
2013, p15.
39 actalliance.org/what-we-do/issues/post-mdg
40 A Christian Aid é membro da We Will Speak Out, coalisão global de
organizações cristãs que trabalham unidas para acabar com a violência
sexual: wewillspeakout.org
41 PNUD, The Global Conversation Begins [A Conversa Global Começa],
2013, p.9.
42 Ibid, p10.
43 http://beyond2015.org/what-we-want
44 Para mais informações sobre tributação e a pós-2015, visite-nos em :
christianaid.org.uk/images/tax-and-the-post-2015-agenda.pdf
A Christian Aid é uma organização internacional
que se mantém fiel à ideia de que o mundo pode
e deve ser rapidamente transformado em um lugar
onde todos possam viver suas vidas integralmente,
livres da pobreza e das desigualdades.
Desenvolvemos um trabalho global em prol de
mudanças profundas que permitam a erradicação
das causas da pobreza e da desigualdade, lutando
por igualdade, dignidade e liberdade para todos,
independentemente de fé ou nacionalidade.
Somos parte de um movimento mais amplo
que busca a justiça social.
Oferecemos assistência eficaz, prática e urgente
onde ela é muito necessária, combatendo
os efeitos da pobreza, assim como suas raízes.
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