terapia focal: psicoterapia breve psicodinâmica
Transcrição
terapia focal: psicoterapia breve psicodinâmica
1 TERAPIA FOCAL: PSICOTERAPIA BREVE PSICODINÂMICA Introdução: O termo Psicoterapia Breve (para os autores ingleses "brief psychotherapy" e para os norte-americanos "short-term psychotherapy") originou-se da tentativa de S. Ferenczi e O. Rank (1924) de encurtar o tempo de duração dos tratamentos psicanalíticos. Na época era imprescindível a referência à psicanálise por não haver outra modalidade de tratamento psicoterapêutico. Ressaltar apenas o critério temporal da duração do tratamento em relação ao tratamento psicanalítico clássico e deixar de lado aspectos essenciais que conferem especificidade e originalidade à técnica é inadequado para designar uma técnica terapêutica, Atualmente as PB são divididas em duas grandes linhas: Abordagem psicodinâmica - com origem nos primeiros atendimentos psicanalíticos do início do século XX - Psicoterapias Breves Psicodinâmicas. Abordagem aprendizagem cognitiva de e Skinner comportamental e - originadas das teorias de Thorndike - Psicoterapias Breves Cognitivo/Comportamental. Características: A Terapia Focal é uma modalidade de Psicoterapia Breve Psicodinâmica que se desenvolveu a partir das contribuições de S. Ferenczi (Técnica Ativa); F. Alexander (Experiência Emocional Corretiva); D. Malan (Foco e Triângulos de Interpretação); P. Sifneos (Psicoterapia como experiência de aprendizado) e L. McCullough (Integração de diferentes táticas terapêuticas). Sendo uma abordagem objetiva e de fácil aplicação, inclusive em âmbito institucional, e apresentando sólida fundamentação teórica e científica, a Terapia Focal certamente terá destaque na área de Saúde Mental neste milênio. Baseia-se nos conceitos de Experiência Emocional Corretiva (EEC) e Efeito Carambola. Para F. Alexander (1946) a EEC pode ocorrer sem haver conhecimento completo das causas determinantes da problemática atual por parte do paciente. Ela representa a possibilidade de o paciente experimentar situações traumáticas do passado, penosamente reprimidas, revivendo-as na relação com o terapeuta. A idéia é que uma nova experiência emocional possa ocorrer na relação terapêutica. O 2 terapeuta age como uma espécie de “coach" num progressivo treinamento, proporcionando repetidas EEC através de interações menos patológicas com o paciente. Portanto, seu papel é o de servir de catalisador no processo de mudança do paciente. O conceito de EEC foi considerado por D.Malan (1981) como o aspecto central do processo psicoterapêutico. O conceito de Efeito Carambola foi desenvolvido por Lemgruber (1995) em analogia ao termo do jogo de bilhar - impulso de uma tacada em uma bola, que gera movimento em outras bolas que não foram diretamente atingidas pelo impacto inicial do taco - para exemplificar o mecanismo de potencialização dos ganhos terapêuticos através de repetidas EEC. O Efeito Carambola provoca mudanças no “script” usado habitualmente pelo paciente, isto é, na maneira como ele se percebe e reage diante da vida. As repetidas interações corretivas criam um novo "set" cognitivo e afetivo e possibilitam a reestruturação da imagem interna da pessoa como um todo, transformando a forma como vê o mundo e sua relação com outros indivíduos. Como base psicodinâmica para a compreensão dos comportamentos e dificuldades dos pacientes, usa-se o Modelo dos Triângulos, modificado por L. McCullough (1998) que, ao não se restringir ao enfoque intrapsíquico psicanalítico clássico, acrescentou a Teoria das Emoções, de Tomkins (1962/63), ao modelo original de interpretação do esquema dos dois Triângulos, criado pelo grupo de orientação psicanalítica da Clínica Tavistock de Londres e utilizado por D. Malan como o "princípio universal da psicoterapia psicodinâmica". O Triângulo do Conflito, conhecido também como Triângulo Psicanalítico, derivou-se da Teoria Estrutural de Freud e era geralmente interpretado sob o referencial do conflito intrapsiquíco, inerente às três instâncias da 2ª Tópica freudiana (Id, Ego, Superego). O Triângulo da Pessoa é um esquema representativo de padrões de respostas mal adaptadas do paciente, originadas nas relações passadas e que continuam a ser repetidas, tanto nas relações de seu cotidiano como com o terapeuta. É da articulação desses dois triângulos que será possível planejar as EEC. Abordagem Neurocientífica: Em 2000, o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina foi outorgado ao médico psiquiatra Eric Kandel por seus estudos de ciência básica que elucidaram os mecanismos de funcionamento da memória do ser humano. 3 Como afirmou Kandel (1999): “Conforme as técnicas de exames de imagem cerebral evoluem, temos a possibilidade de que essas técnicas possam vir a ser úteis não só para o diagnostico de várias doenças mentais mas também para monitorar o progresso da psicoterapia.” O importante conceito de Experiência Emocional Corretiva, de F. Alexander, havia sido rejeitado na década de 40 e também injustamente ignorado por várias décadas no meio psicanalítico. Na medida que a proposta de Alexander considerava a Reeducação Emocional como uma 5ª etapa da Psicanálise e não simplesmente como uma abordagem nova e diferente, por mais de meio século a EEC ficou no "limbo" das teorias psicodinâmicas, por não se adequar aos construtos hipotéticos psicanalíticos vigentes ( Lemgruber, 1984). Só recentemente a EEC obteve o reconhecimento e a comprovação através da interpretação dos dados da neurociência. Com base nos estudos neurocientíficos que comprovam as modificações cerebrais resultantes do processo de aprendizagem do ser humano, infere-se que a EEC ajuda a estabelecer novas conexões neuronais mais satisfatórias em relação à problemática original do paciente.(Lemgruber 2010). De acordo com os resultados das pesquisas translacionais, considera-se hoje que a EEC é o estabelecimento de novas conexões sinápticas e a formação de novos circuitos neuronais, obtidas por meio de experiências de aprendizagem Vivenciar EEC dá um novo significado às experiências passadas. Surge outra interpretação, formamse trajetos para as percepções e comportamentos. Novas redes de conexões neuronais são estabelecidas, mapas corticais são remodelados, o que resulta em novas representações internas do Self. O Efeito Carambola é resultante dessas experiências de reaprendizagem emocional e, ao promover novas conexões neuronais mais satisfatórias em relação à problemática do paciente, leva a constantes modificações na plasticidade das sinapses. Conclusões: A capacidade de mudanças de conexões entre os neurônios durante toda a vida plasticidade neuronal - é básica para a sobrevivência do ser humano. Esse fato permite a aprendizagem em todas as etapas da vida e indica a possibilidade de reestruturação e modificação de comportamento e atitudes. Ë essa capacidade de Plasticidade Neuronal, que é específica do ser humano em relação aos outros animais - mesmo aqueles mamíferos com os quais compartilham 4 99% dos seus genes - mostra que o processo psicoterapêutico terá sempre seu espaço como meio de se ajudar o ser humano a lidar com seus sofrimentos e buscar seu crescimento pessoal. Referências Bibliográficas Alexander F, French T. et al.- ” Psychoanalytic Therapy. Principles and Application”. N.Y.: Ronald Press; 1946. Ferenczi, S. & Rank, O. (1924) – “The Development of Psychoanalysis”. International Press 1956. Ferenczi, S.- “The further development of an active therapy in psychoanalysis. In: - Further contributions to the theory and technique of psychoanalysis”. London, Hogarth, 1950. Kandel, E.- “Biology and the Future of Psychoanalysis: A New Intellectual Framework for Psychiatry Revisited.”. The American Journal of Psychiatry 1999; 156:505–524). Lemgruber V. – “ Genética molecular, teorias modernas de aprendizagem, teoria neurocientífica das emoções e perspectivas para psicoterapia no terceiro milênio”. Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 Lemgruber V. – “Psicoterapia Focal: O Efeito Carambola” RJ Revinter. 1995 Lemgruber V. “ Psicoterapia Breve: A Técnica Focal”. Poa: ArtMed; 1984 Malan D. – “Fronteiras da Psicoterapia Breve.” Poa: ArtMed; 1981 McCullough-Vaillant L. “Changing Character-Short-Term-Anxiety- Regulating Psychotherapy for Restructuring Defenses, Affects and Attachment.” N.Y.: Basic Books; 1997 .Sfineos P.-“Psicoterapia Dinâmica Breve. Avaliação e Técnica”. Poa. ArtMed. 1989 Tomkins S. “Affect, imagery, consciousness: The positive affects”, Vol. 1. 1962 e “Affect, imagery, consciousness:.The negative affects”. Vol. 2 1963. N.Y.: Springer. Vera Lemgruber Médica Psiquiatra – CRM-52. 46131-1 Mestre em Psicologia Clínica – CRP-05. 0020 Chefe do Setor de Psicoterapia do Serviço de Psiquiatria da SCMRJ.