Prof.2 - estef

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Prof.2 - estef
Escola Superior de Teologia e Espiritualidade franciscana
PROFETISMO
Bruno Glaab
Introdução
I – ASPECTOS GERAIS
No presente capítulo, buscar-se-á definir questões sobre o fenômeno do profetismo em
Israel, fenômeno este que se originou fora de Israel, mas que marcou esta nação de forma peculiar, chegando a formar escola de profetismo, culminando na vasta literatura profética que hoje
faz parte da Bíblia.
1 – Etimologia
A palavra portuguesa Profeta geralmente é entendida como a pessoa que sabe prever o
futuro. Esta, porém, não é a compreensão etimológica da palavra, na sua origem. A sua raiz se
encontra no grego que pode ser traduzida por:
Aquele que fala diante1
Não é o pré-ditor, mas o que fala pelo outro, alguém que fala diante dos outros, que
comunica revelação divina.2
Traduz o Hebraico nabi, cuja raiz acádica tem o sentido de: chamar, falar em voz alta,
orador, anunciador A mesma raiz, em árabe tem o sentido de delirar 3, borbulhar, caráter frenético de expressão. A partir destas idéias, Albright define o profeta como um chamado por Deus
para falar por ele4.
2 – A Profecia no Antigo Oriente
É comum, no Antigo Oriente, a existência de homens que exercem a magia e a adivinhação (Nm 22,5s; Dt 2,2; 4,3-4)5. São pessoas consultadas pelas autoridades antes de grandes
empreendimentos. Geralmente diante de guerras, os profetas devem dizer com proceder.
3 – A Profecia em Israel
Em Israel, inicialmente, os profetas têm papel semelhante aos do Antigo Oriente (1Rs 22,1-29).
Nos tempos dos juízes surgem os filhos dos profetas (1Sm 10,5ss), cuja função é semelhante à
dos profetas do Antigo Oriente (1Sm 19,20-24). Estes se parecem como grupos de dança e canto no culto. Ainda recebem títulos como: vidente (1Sm 9,9), visionário (Am 7,12), homem de
Deus (1Sm 9,7)6.
1
ASSURMENDI, J. O profetismo – das origens à época moderna. p.13.
SCHILDENERGER, J. Profeta. In: Dicionário de Teologia Bíblica.
3
MAZZAROLO, I. A Bíblia em suas mãos. p.39.
4
MCKENZIE, J. Profeta. In: Dicionário Bíblico.
5
BEAUCHAMP, P. Profeta. In: Vocabulário de teologia Bíblica.
6
Idem
2
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Em Israel se formou uma tradição profética devido aos discípulos dos profetas (2Rs 2; Nm
11,17). Assim, o que inicialmente era apenas um movimento espontâneo, tornou-se uma experiência que foi marcante na história de Israel.
O surgimento dos profetas está relacionado com a instituição da monarquia e do sacerdócio. O
profeta forma, ao lado do rei e do sacerdote, um dos três eixos da sociedade (1Rs 1). Eles dão
palpites aos reis (Natan, Elias, Eliseu, etc.). Porém, a profecia não é uma instituição como a
realeza e o sacerdócio (Dt 18,14-19). O profeta sempre será o portador de um Dom de Deus. É
neste sentido que o profetismo, em Israel, adquire um sentido diferente do mesmo fenômeno
em outros povos, ainda que em Israel também haja profetas de outras divindades. Estes se restringem à magia, adivinhação e oráculos. Não é este o caso de Israel. “O conteúdo ético e religioso da profecia israelita não tem paralelo no mundo antigo” 7.
Ao que parece, na origem do profetismo de Israel, havia líderes profetas que acolhiam discípulos. Estes eram chamados de Filhos de Profetas, ou seja, eram discípulos de um profeta e se
identificavam com sua causa. Samuel é um líder profeta (1Sm 3,1ss). Ele tem papel nas escolhas dos reis, na unção dos mesmos e até na sua deposição (1Sam 7 –15). Além desta função
política, Samuel tem também funções mágicas. Ele é vidente (1Sm 9,9-11.18-19). Ele encontra
animais perdidos. “Samuel é mais diretamente o antepassado do profetismo sucessivo do que o
são os Filhos de Profetas”8.
4 – Profecia e reinado
Os profetas de Israel “são intérpretes da história. São leitores da vida do povo”9. Eles conhecem bem a experiência de Javé (Êxodo) e o momento político. Não existiam profetas na origem
de Israel. Eles surgem aproximadamente na época em que surgem os reis 10. Profetas e reis são
contemporâneos. O período dos reis, em Israel, vai do séc. XI a.C. ao século VI a.C. Este é
também, a rigor, o período dos profetas. Eles não existiam, nem antes, nem depois. Alguns
profetas aparecem depois da monarquia, mas em vista dos reis anteriores.
“Desde o tempo de Samuel em diante, à medida que as estruturas monárquicas centralizadas entravam em
tensão e conflito com as prioridades tribais socioeconômicas e religioso-políticas mais antigas, apareceram profetas como defensores ardentes ou críticos acres de instituições, políticos e líderes públicos” 11.
5 – Profecia e Apocalíptica
Profecia: seu ponto de partida é Israel ou Judá (Am 1,1). O profetismo é concomitante
ao Estado de Israel e com sua monarquia. Importa-se muito com a justiça social e com os abusos do rei. Tem ousadia de enfrentar os abusos cometidos pelos monarcas.
Apocalíptica: seu ponto de partida é o mundo (Is 24-27). Is 24-27 é um texto apocalíptico pós-iasaiano, como também Dn, provém do 2º século a.C. Reflete o período do Império
Grego, que ocupou a Palestina a partir do ano 330 a.C. “Pode-se dizer que esta apocalíptica que
7
MCKENZIE, J. Profeta. In: DB.
Idem
9
SCHWANTES, M. A profecia durante a monarquia. p.6.
10
Idem, p.6.
11
GOTTWALD, N. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. p.427.
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interpreta o mundo internacionalizado dos gregos (sucedido depois pelos romanos) é a sucessora da profecia”12. A apocalíptica tem traços na profecia exílica e pós-exílica (Ez 38-39). Isto se
reflete em Is 24-27, Ageu, Zacarias, Joel e Daniel. Muitos profetas, ou antes, aqueles que compilaram os profetas, deixaram traços apocalípticos em seus escritos: Is 1,2-3; Am 1,2; Mq 1,25; Sf 1,2-6. Isto demonstra que os colecionadores dos livros proféticos (pós-exílicos) reliam os
profetas na ótica da apocalíptica 13.
6 – Profetas anteriores e posteriores
A Bíblia Hebraica chama de profetas a certos líderes que na Bíblia cristã não recebem
este nome. Os livros de Josué até Reis são chamados de profetas anteriores e os nossos profetas
são chamados de posteriores14.
“Na tradição, foram tidos por autores homens, que se consideravam profetas: Josué, Samuel (o do livro
dos Jz e dos livros de Samuel) e Jeremias (o dos livros dos Reis). Estes livros formam a primeira parte do
cânone profético: os profetas anteriores. Seguem, então, os livros proféticos propriamente ditos, que são
denominados os profetas posteriores”15.
7 – Profetas pré-literários e profetas literários
a) Os profetas pré-literários são os que nada escreveram, mas cujos atos são narrados
em outros livros bíblicos. Bem antes dos profetas literários, ainda nos tempos pré-iasraelíticos,
há vestígios dos precursores que se apresentam nas mais variadas formas: grupos extáticos
(1Sm 10,5ss; 19,22ss) e também como indivíduos16. Atuam no início do período profético, ou
seja, atuam antes de Amós (1º profeta literário, no séc. VIII). Deles se fala em 1 e 2 Sm, bem
como em 1 e 2Rs. Os principais profetas pré-literários são:
Tempo pré-Israel: Balaão (Dt 23,5 = Nm 22,1ss); Samuel exerce papel, ora de juiz
(1Sm 7,15ss; 6); ora de vidente (1Sm 9,6ss); ainda como espírito de um morto (1Sm 28,7ss);
líder de um grupo extático (1Sm 19,18ss); e, finalmente de profeta (1Sm 3,19s) 17.
Reinado de Davi: Gad (1Sm 22,5; 2Sm 24). Enfrenta Davi num Censo demográfico.
Começa-se a esboçar resistência ao rei;
Natan: ora favorável a Davi (2Sm 6), ora contra o rei (2Sm 7; 12) a favor de Salomão
(1Rs 1).
Reinado de Salomão e de Jeroboão: Aías de Silo (1Rs 11,29-40; 1Rs 12; 14);
Reinado de Jeroboão: Profetas desconhecidos (1Rs 13), (Aías de Silo (1Rs 14).
Reinado de Basa: Jeú (1Rs 16,1ss).
Reinado de Acab, Ocozias, Jorão, Jeú, Joacaz: Elias e Eliseu (1Rs 17-2Rs13) e Miquéias ou Micas de Jemla 18 (1Rs 22,8-18).
Reinado de Josias: Hulda (2Rs 22,11-20).
Elias é o mais importante dos profetas pré-literários (Ml 3,23; Mc 9,11). Luta pelo javismo no Reino do Norte (1Rs18,21: 2Rs 1). Luta pela justiça contra rei Acab (1Rs 21. Repete
12
SCHWANTES, M. Op. cit. p.8.
Idem, p.8.
14
MAZZAROLO, I. Op. cit. p.39.
15
RENDORFF, R. A formação do Antigo Testamento. p.26.
16
SCHMIDT, W. Introdução ao Antigo Testamento. p.184.
17
Idem, p. 185.
18
Não confundir com o profeta Miquéias que tem um livro escrito.
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Moisés (1Rs 19 = Ex 19; 33). Como Henoc (Gn 5,24), Elias sobe ao céu (2Rs 2). Ele é profeta
singular.
Eliseu é o sucessor de Elias (2Rs 2-9; 13). É vocacionado por um gesto de Elias (1Rs
19,19ss). Recebe o espírito de Elias (2Rs 2,9 cf. Dt 21,17). Como os anciãos (Nm 11,17-25)
participam do espírito de Moisés, assim Eliseu participa de Elias. É mestre de um grupo (2Rs
2,3ss; 4,1.38; 6,1). Tanto ele , quanto Elias, tem participação na ascensão de Hazael ao trono de
Damasco (2Rs 8).
Suas principais características são a defesa da justiça do pobre e a luta contra a idolatria. Duas realidades que se interligam, ou seja, a idolatria é o fundamento ideológico sobre o
qual se constrói a política da exploração do pobre e do fraco.
b) Os profetas literários são aqueles que escreveram livros. O primeiro profeta literário
é Amós. Em seus escritos, pouco se apresenta como história. Usam muito o estilo literário do
dito, da profecia. Assim se expressam Amós, Isaías, Jeremias, Ezequiel, etc. Também estes
seguem a defesa dos pobres e a luta contra a idolatria. Eles, por terem deixado obras escritas,
trazem uma crítica mais contundente e mais radical ao estado e ao templo. Não criticam apenas
as conjunturas, mas também as estruturas.
8) Divisão dos profetas literários
Os profetas literários se dividem em duas categorias:
a) Profetas maiores: devido ao tamanho de seus escritos. Chamam-se profetas maiores,
àqueles, cujos livros são volumosos:
- Isaías – 66 capítulos
- Jeremias – 52 capítulos; Baruc (Dêutero-can.) – 6 cap. Secretário de Jeremias;
- Lamentações - 5 cap. atribuídas a Jeremias.
- Ezequiel – 48 capítulos
- Daniel - 14 cap. (1; 8-12 – hebr; 2-7, menos 3,24-90 – aram; 3,24-90 + 13-14 –
grego e Dêutero-can.)19.
b) Profetas menores:
Na Bíblia hebraica são Doze Escritos, chamados de “Os doze”20. É chamada, em grego,
de . São chamados de menores devido à brevidade de suas obras escritas.
São eles:
- Amós de Técua – 9 capítulos
- Oséias – 14 capítulos
- Joel – 4 capítulos
- Abdias – 1 capítulo em 21 versículos
- Jonas – 4 capítulos
- Miquéias – 7 capítulos
- Naum – 3 capítulos
- Habacuc – 3 capítulos
19
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VADEMECUM, para o estudo da Bíblia. p.120s.
BÍBLIA de Jerusalém, Introdução. p.1349
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Sofonias – 3 capítulos
Ageu – 2 capítulos
Zacarias – 14 capítulos
Malaquias – 3 capítulos
Nosso estudo vai seguir a ordem cronológica dos profetas:
1) Profetas não-literários, dos anos 1000-800 a.C.
2) Profetas pré-exílicos (800-600):
Amós (783-743) do sul, mas prega no norte, no tempo de Jeroboão II
Oséias (734-723) no RN, sob Jeroboão II
Miquéias (725-690) RS, sob Acaz e Ezequias
1º Isaías 1-39 (740-690). RS. É chamado de Proto-Iaías. Sob Ozias.
Jeremias (627-580). RS
Sofonias (640-600). RS, sob Manassés, Amon e Josias
Naum (600?), RS, profetiza contra o norte.
Habacuc (605-598), RS21
3) Profetas exílicos (609-538)
2º Isaías 40-55 (589-538). Também chamado Dêutero-Isaías
Jeremias
Ezequiel (580-538). Sacerdote exilado na Babilônia
Lamentações (587)
4) Profetas pós-exílicos (538-175)
Ageu (520). Reconstrução
Zacarias (520). Reconstrução
3º Isaías 56-66 (470). Trito-Isaías. Reconstrução
Abdias (450) Menor de todos
 Profetas no limiar do Novo Testamento.
Daniel, Ana, João Batista, Jesus Cristo.
- PROFETAS DO ANO 1000 A 800: DE SAMUEL A ELIAS
 

- Pré-literários Para este estudo nos valeremos dos livros de Js, Jz, 1 e 2 Sm, 1 e 2 Rs (OHD – Obra
Historiográfica Deuteronomista). Não se trata de livros que querem descrever biograficamente,
mas antes, querem perceber a Palavra de Deus presente ou ausente na história.
A OHD é uma coleção de livros escritos no exílio (por volta de 560). Na dor do exílio
relêem a história de Israel. Por que tudo isto aconteceu? Desta forma relêem sua história desde
a entrada na Terra Prometida (Js) até o exílio (2Rs). Na base destes livros está a teologia do
Deuteronômio, que revela o amor de Deus para com seu povo, concretizado na Aliança (Dt
4,35-40). Ou seja, o Dt é o fio condutor de toda OHD.
A OHD mostra a fidelidade de Deus para com seu povo: a Lei, a Terra Prometida, as
promessas a Abraão, o Rei, o Templo, etc. tudo são a certeza de que Deus foi fiel. Agora nada
disto existe mais. Em meio a este desânimo, a OHD quer resgatar a esperança. Quando muitos
abandonam o barco, alguém procura a Deus em meio à tragédia. Se Deus é fiel, por que esta
situação? Onde erramos? A OHD resume a históra: Deus sempre é fiel, mas o povo, nem sempre.
21
Ver MAZZAROLO, I. Op. cit. 40ss.
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A OHD descreve a monarquia na ótica da aliança. Determinado rei foi ou não foi favorável à aliança? Davi se torna o modelo. Por isto os reis do norte, que não são davididas, são
mal vistos. Alguns reis do sul, da dinastia de Davi, são bem vistos.
A OHD se vale de escritos oficiais: História de Salomão (1Rs 11,41), Livro dos anais
dos Reis de Israel (1Rs 14,19), Anais dos Reis de Judá (1Rs 14,29). Mas também se valeu das
histórias populares dos profetas.
2.1 – O surgimento da Profecia em Israel
Antes da monarquia não há profetas, em Israel. No sistema tribal as soluções eram buscadas pelos líderes (Juízes) juntamente com seu povo. Não necessitavam de um rei. Este sistema foi bom, justo e igualitário, mas teve também seu lado fraco.
Alguns ricos, para defender seus interesses, patrocinaram a monarquia (Jz 9). Havia
problemas internos, como o enriquecimento de algumas tribos, bem como problemas externos,
como a invasão e o modelo comum da monarquia adotada por todos os povos. Assim, os ricos
patrocinaram a monarquia, que acabou com o Sistema Tribal.
Quando Saul, o primeiro rei se instala, logo surgem problemas com o que restou do tribalismo (1Sm 13,2; 22,6; 11,15). Surge assim a voz dos profetas, como representantes deste
sistema em extinção. Quando o novo rei empreende uma guerra de saque (1Sm 15,10-35) ele é
duramente reprovado por Samuel. Samuel se torna profeta a partir de então. Por isto se diz que
o profeta e o rei andam lado-a-lado, mas em sentido contrastante. Com as invasões desaparecem os reis e com eles, também os profetas.
Projeto dos reis: a cidade, o comércio, a especulação, o culto oficial centralizado, a escravidão, os tributos, o exército, as guerras.
Projeto dos profetas: as tribos, as aldeias, a roça, produtividade familiar da terra, pequenos santuários rurais, culto familiar, trabalho livre.
Houve também profetas que traíram o povo e se colocaram ao lado do rei. Bem,
como também houve reis fiéis à aliança, como: Josias (sRs 22).
2.2 – O profetismo e o templo
Havia muitos templos, mas Salomão construiu o grande Templo, rico e majestoso em
Jerusalém. Aos poucos todos os pequenos templos cessaram. O templo, além de ser centro religioso manipulado pelo rei, tornou-se, também centro comercial, fazenda, banco e centro político. Um único centro (templo) facilitou a centralização política. Davi intuiu bem isto. Alguns
profetas reagem diante deste abuso (2Sm 7,1-29; 12,1-15). Os principais profetas que surgem
nesta época, são:
a)Samuel: Este profeta, até certo ponto é um juiz, mas aos poucos toma feições de profeta. Ou seja, quando Israel está no sistema tribal, Samuel é juiz, isto é, um líder. Quando Israel
abandona o sistema tribal e adota o sistema monárquico, o mesmo juiz se transforma em profeta. Ele tem destacada atuação de remanescente do tribalismo frente ao monarquismo que se
instala. Assim:
- Combate a tendência de instalação da monarquia: 1Sm 8,1-22
- Interfere na escolha dos reis: 1Sm 9-10; 16
- Interfere na deposição de Saul 1Sm 15,1-36
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- Mostra a corrupção existente na monarquia, coisa que não acontece no tribalismo:
1Sm 12,1-25
b) Natan: O profeta Natan é um homem de confiança de Davi, porém, quando houve
necessidade, enfrentou o rei, num momento em que ninguém ousava fazê-lo. Ele está próximo
do rei, mas interfere também nos momentos de contrariedade:
- Promete a Davi dinastia: 2Sm 7,1-29
- Não deixa o rei fazer o templo: 2Sm 7,1-7
- Denuncia o crime do rei: 2Sm 12,1-15
- Interfere na escolha do sucessor de Davi: 1Rs 1,11ss
c) Aías: trata-se de um profeta que atua no Reino do Norte. Está próximo do rei. Como
Natan, às vezes está a favor do rei, mas sabe também enfrentar o mesmo quando as circunstâncias o exigirem:
- Diante dos abusos do rei do sul, o profeta insta um líder popular a se revelar contra o
rei: 1Rs 11,26ss
- Quando o novo rei, apoiado por Aías, adota a idolatria, o profeta se volta contra ele e
o denuncia com toda severidade: 1Rs 14,1-20
d) Elias: este profeta surge nos tempos do rei Acaba (857ss). O rei Acab deu um grande
impulso econômico. Estabeleceu novas relações comerciais com os países vizinhos. Porém,
tudo isto favoreceu, também a contaminação religiosa. O rei casou com a Jesabel, filha do rei
de Sidon, sacerdote idólatra (1Rs 16,29-34).
Elias surge repentinamente (1Rs 17,1ss). Ele parece alguém solitário e ambulante, uma
espécie de Hipie: cinto de couro, veste de pelos22 (2Rs 1,7-8). Toda a problemática vem na
relação rei x religião. Sua luta se concentra no combate a Baal 23 (1Rs 18). Em Canaã existiam
ídolos e, pelas novas relações comerciais eles eram absorvidos em Israel. O rei Acab faz a mais
grave mistura de religião javista e cananéia. Baal é o deus das chuvas e da fertilidade que determinava a economia. Elias condena esta duplicidade: “Até quando dançareis num pé e no
outro?”(1Rs 18,21). Elias provoca a definição.
Os reis, por sua natureza, eram considerados religiosos por excelência. Eles eram os
filhos de Deus. Isto tudo acarretava um pietismo de conveniência, pois esta ideologia legitimava o papel dos reis. Elias, e mais tarde Eliseu, combatem este duplo desvio da monarquia: a
idolatria e o papel do rei. Ele deve praticar a justiça.
Trava-se uma terrível batalha. No céu, entre Javé e Baal; na terra, entre Elias e Acab.
Esta narrativa tem três momentos:
1º) Poder sobre a vida: Elias inicia sua missão anunciando uma seca ao rei (1Rs
17,1ss). Ora, Baal era o deus das chuvas e da fertilidade. Ao assim agir, Elias está desmascarando o deus da chuva (Baal). Combate o ídolo em seu campo. “Elias simplesmente destitui, de
maneira pública e oficial, o poder de Baal sobre a natureza, portanto, sobre a fertilidade, a vida”24. Elias vai a Sarepta (Sidônia), terra de Baal. Lá também faz seca. Baal é incompetente,
incapaz de zelar pela sua gente e pela sua terra. Elias mostra que não é Baal, mas Javé que salva a viúva e seu filho da fome, não o deus da fertilidade.
Acab, o rei idólatra, se preocupa com a sorte dos cavalos e burros (1Rs 18,5ss), enquanto isto, Elias, o profeta de Javé, se ocupa da viúva e do órfão (1Rs 17,17ss). Na terra de Baal,
22
Veja a semelhança com João Batista, no Novo Testamento.
ASSURMENDI, J. O profetismo das origens à época moderna. p.20
24
SILVA, M. A. V. Elias – o juízo sobre a monarquia ou a desfeita de Baal. In: Estudos Bíblicos, n.4, p.35.
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deus da fertilidade, o menino morre. A ironia é que não é Baal quem restitui a vida, mas Javé.
“Acab, por ter trocado Javé por Baal, perde o veio desta tradição e, com ela conseqüentemente, a preocupação com os pequenos”25. A troca de Javé por Baal é mais do que simplesmente a
troca de divindades. É a troca de projetos políticos.
2º) Poder religioso: o fenômeno da seca/chuva tem seu desfecho no monte Carmelo
(1Rs 18,21ss). Carmelo era a versão cananéia de Baal, deus da fertilidade e da chuva 26. Elias se
confronta com os 450 profetas de Baal e os 400 de Asera. Ele e Javé vemncem. Javé vence em
ambiente de outras divindades. Baal, Asera e Carmelo são impotentes, até em seu próprio chão.
Além de consumir a oferta, agora Javé dá a chuva, não Baal, nem o Carmelo.
3º) Poder político: a narração da vinha de Nabot (1Rs 21) mostra o embate do poder
político. O rei Acab extrapola o projeto da monarquia. Sua ação sinistra reflete a passagem do
sistema tribal para o sistema monárquico. O texto de Dt 17,14-20 descrevia o perfil do rei, isto
é, a justiça que este deveria viver, mas Acab se comporta bem diferente. Sua mulher também
não se pauta por Dt 17. Antes, apela ao absolutismo, à mentira e à violência. Assim, Acab precisa da idolatria para levar a efeito seu projeto. Elias, javista, se choca com o projeto baalista
do rei. Ele está a favor do fraco (Nabot, órfão, viúva), enquanto Acab pensa em seus interesses.
Na vida de Elias (1Rs 19) tem muitas tem muitas cenas semelhantes ao Êxodo. Assim:
- A caminhada de Elias até o Horeb (1Rs 19) é um símbolo do Sinai. Elias, qual novo
Moisés, refaz a caminhada do êxodo para restabelecer o verdadeiro Israel. O Horeb é a versão
nortista do Sinai (Ex 19-24; 33-34).
- Agora Deus não se manifesta nos fenômenos da natureza, com no Ex 19-24: temporal,
raios, trovões, mas na simples brisa leve. Isto são agora os fenômenos de Baal. “O Deus de
Israel não se identifica com estes fenômenos” 27. O Deus do Sinai usava estes fenômenso (Ex
19,16ss; 33,20-23). Porém, o Deus de Elias é semelhante ao Deus da sarça ardente (Ex 3,1ss.).
- Os quarenta dias de caminhada de Elias lembram os quarenta anos dp povo no deserto.
- O alimento dado ao profeta desanimado lembra o maná no deserto (Ex 16 e 34,28).
“A vontade de colocar em paralelo Moisés e Elias é evidente. O profeta aparece assim como o novo Moisés que recebe de Deus uma missão que permitirá salvar o seu povo da situação crítica em que se
acha”28.
A jornada de Elias termina na ordem de ungir um novo rei para Israel (1Rs 19,15ss),
um novo rei para Damasco e um novo profeta. Desta forma, um novo Israel será possível. “Um
novo começo, a partir desta montanha, com um novo Moisés para um povo renovado”29.
e) Eliseu: discípulo de Elias. Atuou no tempo dos reis Ocozias , Jorão, Jeú, Joás e Joacaz.. Como Elias, também ele se destaca na luta contra a idolatria. Seu ciclo está descrito em
2Rs 2,19-8,15. Ele é apresentado como poderoso e milagroso. Ele purifica a água (2Rs 2,1922), amaldiçoa os meninos gozadores (2Rs 2,23-25), campanha de guerra (2Rs 3,11-20), multiplicação do óleo (2Rs 4,1-7), a ressurreição do menino (2Rs 4,8-37), a panela envenenada
(2Rs 4,37-41), a multiplicação do pão (2Rs 4,42ss), a cura do leproso (2Rs 5,21ss), etc.
25
Idem, p.35-36.
Ibidem, p. 37.
27
ASSURMENDI, J. Op. cit. p.23.
28
Idem, p.24.
29
Ibidem, p.24.
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Muitas destas cenas tem inspiração no Êxodo e muitas delas servem de inspiração para
o Novo Testamento.
f) Conclusão: Elias e Eliseu são símbolo da luta contra o culto a Baal e a monarquia
débil do Reino do Norte.
“A partir desta memória coletiva de seus gestos e palavras organiza-se toda uma série de textos que mostram – de maneira fortemente visual e dramática – essa luta de morte contra a religião de Baal e contra a
incapacidade dos monarcas”30.
Por um lado, a saga de Elias e Eliseu mostra Javé como o verdadeiro Deus. Por outro
lado, bate forte na monarquia idólatra. Assim, num único intento, desacredita-se a religião cananéia e a monarquia. São, portanto, textos populares que refletem reação diante dos abusos.
Não se pode lê-los como relatos históricos, ainda que apresentem alguns aspectos históricos.
São uma antessala de Oséias (luta contra Baal e monarquia).
III – PROFETAS DE ELIAS ATÉ O EXÍLIO – 800-600 – LITERÁRIOS
Neste período inicia o profetismo literário, embora ainda existem alguns profetas pré–
literários, mas aqui se volta toda a atenção aos literários. Também neste período a profecia deixa definitivamente as características de videntes, de magia ou transe e assume o rosto da pregação moral e da denúncia da injustiça. Os livros, nem sempre, nascem como livros. Alguns, antes, formam grupos. Depois seus discípulos reúnem seus discursos ou escritos e os compilam
em livros, e até escrevem outros livros dentro do seu espírito (2º e 3º Isaías, Baruc e Lamentações na sequência de Jeremias). Os profetas agem, pregam e denunciam. Quando, talvez alguns
deles já não vivem mais, seus discípulos querem manter viva a sua memória, criam os livros.
Por isto, alguns livros formam verdadeira miscelânea, compilação ou até, empilhação sumária.
“O livro crescia por assim dizer dentro do seio da comunidade até chegar à sua redação final no
fim do exílio da Babilônia” 31.
Características deste período 32:
1) Surgimento das grandes potências: Assíria e Babilônia – inquietações, insegurança, ameaça
de invasão;
2) Deportação do Reino do Norte (722) e decadência do Reino do Sul;
3) Os reis do norte e do sul caem na órbita de outros reis. Trazem a idolatria e esquecem a
fidelidade a Javé;
4) Acaba o sistema tribal: esquece-se a aliança e a justiça social. A fé entra em crise;
5) Surgem os profetas Amós, Oséias, Isaías, Miquéias, Sofonias, Naum, Habacuc e Jeremias.
Eles querem refazer a aliança, por isto lutam:
- defendem o povo da roça contra a cidade;
- anunciam a intervenção de Javé;
- denunciam os erros dos reis e do povo;
- procuram reformar o sistema dos reis;
30
Ibidem, p. 26.
Tua Palavra é vida, vol. 3,p.89
32
Idem, p.28.
31
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-
anunciam a proximidade do desastre.
3.1 – O Profeta Amós
Natural de Técua (Judá), próximo de Jerusalém. É o primeiro profeta literário Atuou no
tempo do rei Jeroboão II (781-740 a.C.)33. Segundo sua própria definição, era agricultor e vaqueiro (Am 7,14), criador de rebanhos (1,1). Conhecia bem o momento político. Pregou contra
as nações34. Sulista, mas exerce seu ministério no norte. Fala no santuário de Betel, santuário
oficial do reino do norte. Usa linguagem dura (vacas de Basã – 4,1). Sua mensagem central é a
justiça social. “O pecado, que o profeta denuncia com mais força, é a injustiça que reina nas
relações sociais”35.
a) Estrutura36
Am 1-2 = Oráculos contra Damasco, Gaza, Tiro, Sidon, Edom, Amon, Moab, Judá e Israel;
Am 3-6 = Coletânea de discursos de julgamento contra o Reino do Norte;
Am 7,1-9,6 = Visões. Julgamento iminente, interrompido pela narrativa de Amasias
(7,10ss) e alguns discursos de julgamento;
Am 9,7-15 = Promessa de restauração.
b) Estilo literário
Os oráculos contra os estrangeiros (Am 1-2) seguem o modelo litúrgico das execrações
egípcias37, onde se execrava os povos vizinhos e os pecados domésticos. Amós execra os vizinhos, mas no lugar dos pecados domésticos, ataca o estado. Supõe-se que Amós fosse, originalmente profeta do culto, mas devido à sua radicalização, tivesse rompido com o mesmo. A
linguagem hínica (Am 4,13; 5,8-9; 9,5-6) mostram um estilo litúrgico. Pode ser também que
Amós usasse a linguagem hínica para combater o culto que pretendia ter uma santidade inatingível38.
Em Amós existem ainda características sapienciais: “pelos três crimes, pelo quarto”
(1,3.6.9.11.13), bem como as asserções didáticas de 3,3-8. Isto reflete a sabedoria dos clãs, não
da corte. Ser sábio é sinônimo de ser líder alternativo. Amós, pastor e agricultor é remanescente do sistema tribal, ou seja, é um sábio daquele sistema que reage à monarquia com seus abusos. Amós é homem independente. Ele é pequeno proprietário (7,14), isto é, não é venal como
alguns supostos profetas. Ele fala unicamente em nome de Javé.
c) Fases de formação:
1) Coleção de palavras do próprio Amós: 3-6
33
Ibidem, p.91. Cf. também. MINETTE DE TILESSE, C. Amós. In: Revista Bíblica Brasileira. n.1-2, 2001,
p.44.
34
ASSURMENDI, J. Op. cit. p.37.
35
Idem, p. 38.
36
A estrutura é inspirada em N. Gottwald. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. 335.
37
Idem, p.335.
38
Ibidem, p. 336.
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2) Oráculos contra as nações: Damasco (1,3-5), Filistéia (1,5-8), Amon (1,13-15),
Moab (2,1-3) e Israel (2,6-16)39.
As visões: 7,1-9; 8,1-9,4
Tanto os oráculos como as visões foram colocadas como molduras de Am 3-6,
ou seja, 1-2 é abertura e 7-9 é conclusão. Aos cinco oráculos, correspondem as
cinco visões.
3) Uma antiga escola de Amós faz a redação dos textos anteriores e insere o relato
de Amasias (7,10-17) e as admoestações (5,14-15).
Obs.: as três fases anteriores vêm do séc. VIII a.C.
4) Nos tempos de Josias (640-609) um grupo acrescenta as doxologias (4,13; 5,8;
9,5s) e as críticas a Betel (4,4-12; 5,21-27), pois Josias havia destruído os templos (2Rs 23,15).
5) Redação deuteronomista (Exílio) acrescentou os oráculos contra Tiro (1,9-10),
Edom (1,11-12) e Judá (2,4-5).
6) No Pós-Exílio se acrescenta uma escatologia para amenizar o negativismo do livro (9,11-15)40.
Assim, pode-se definir como:
Sujeito 1: o item 1, ou seja, os cap. 3-6 – a crítica de Amós às estruturas injustas;
Sujeito 2: os itens 2, 3 e 4, ou seja, os cap. 1-2 e 7-9 com os referidos acréscimos;
Sujeito 3: os itens 5 e 6, ou seja, a redação deuteronomista e o acréscimo da escatologia (9,11-15).
Pode-se afirmar que o texto reflete a situação trágica do século VIII, a reforma de Josias
(séc. VII), a situação deuteronomista do Exílio (séc. VI) e as esperanças do pós-exílio (séc. VI
e V). Ou seja, o texto castiga os abusos do século VIII, serve aos josianos na reforma deuteronomista e principalmente aos reconstrutores pós-exílicos41.
O livro é fruto de um longo processo formativo:
“No início havia os ditos e as visões de Amós, que foram complementados pelo relato na terceira pessoa
(7,10-17) e talvez ainda por outras palavras de um grupo de amigos ou discípulos do profeta. Por fim são
acrescentadas diversas complementações posteriores”42.
d) Conteúdo central
Amós é agricultor e pastor (1,1; 7,14s). Não sobrevive às custas da profecia ou dos serviços do templo, nem se considera profeta profissional. Por isto é independente e fala em nome
de Javé. É profeta porque foi coagido por Javé (3,8; 7,14s). Mostra que Israel é mais culpado
do que as nações (1,3-2,16), pois o oráculo contra Israel é o mais extenso e mais detalhado. A
crítica se dirige contra as injustiças sociais. Justamente por Israel ser escolhido, é que será castigado com mais rigor (3,2).
Os demais povos são censurados pelas guerras (1,3ss). Israel é censurado pelas transgressões do direito (3,10; 5,7.24; 6,12): Vendem o justo por dinheiro (2,6). Muito luxo (8,4s).
39
Os oráculos contra Tiro, Edom e Judá são acréscimos posteriores.
Ibidem, 337.
41
Ibidem, p.338.
42
SCHMIDT, W. Introdução ao Antigo Testamento. p.190.
40
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Distorcem o direito 5,10.12.15; 3,9s.15. Seu tema preferido, mas não único, é a justiça social.
Polemiza com a falsa segurança (6,1s.8.13; 8,7). Ataca o altar (3,14; 5,5; 7,9; 9,1). Ataca os
sacrifícios e as festas (4,4s; 5,21ss; 8,10) 43. O profeta ataca a reação conservadora patriótica e
piedosa das classes superiores no tempo de Jeroboão II.
“As cobiçosas classes superiores, com cumplicidade governamental e jurídica, expropriavam sistematicamente a terra dos plebeus, a fim de poderem elas acumular riquezas e ostentá-las”44.
A riqueza também se expressava no culto e nos templos ricamente ornados. Diante disto, Amós ataca o fervor religioso como disfarce fraudulento. Critica a excessiva religiosidade
sem compromisso. Esta prática deve acabar (8,1-3).
Amós conhece bem a situação do povo e a proposta de Javé. Esta experiência, Amós a
tem como reminiscência do antigo sistema tribal. Ainda havia vestígios na memória do povo.
As leis tribais estavam na mente do povo.
“Esta leis se praticavam mais ou menos fielmente sob seus olhos em aldeias como Técua, enquanto eram
ridiculamente ignoradas e atropeladas pelas mesmas pessoas que tributavam os mais ruidosos louvores a
Jahweh”45.
Assim, a vida fiel da aldeia tribal e sua experiência de Deus, forneceram a estrutura de
sua análise crítica.
Conclusão
O profeta Amós é porta-voz do movimento tribal, fiel à aliança, que vê, aos poucos a
religião javista sendo avacalhada pelos abusos das elites, principalmente a partir da monarquia.
Os representantes do javismo nada podem fazer, pois dependem da monarquia (Amasias). Neste contexto, as duas grandes bandeiras do profeta são, a luta contra as elites e a luta contra a
idolatria, que servia de cimento para a estrutura do sistema monárquico e injusto. Amós, como
homem independente, pois não depende do sustento do estado, nem dos favores da elite, enfrenta o estado lamentável religioso em que Israel se meteu. Ele quer refazer a experiência do
êxodo.
3.2 – O Profeta Oséias
a) Introdução: O profeta Oséias é talvez o único profeta do norte. Supostamente nascido em Siquém46. Sabe-se pouco dele. Provavelmente era camponês. Tem parentesco com o
deuteronomista e também com o eloísta. Há um consenso de que houvesse uma cadeia traditiva
que liga Elias e o eloísta com Oséias e este com o deuteronomista e com Jeremias47. Não se
pode afirmar sua procedência com certeza, nem sua profissão. Seu pai chamava-se Beeri (1,1),
sua mulher, Gomer (1,3), seus filhos têm nomes simbólicos (1,4ss). O profeta sofreu resistência (9,7ss).
Sua atuação se situa por volta de 750-725 a.C. no reinado de Jeroboão II e talvez até
sobrevivesse à queda da Samaria 48.
43
Idem, p.192.
GOTTWALD, N. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. p.338.
45
Idem, p. 339.
46
ASSURMENDI, J. Op. cit. p.32.
47
SCHMIDT, W. Op. cit. p.194.
48
GOTTWALD, N. Op. cit. p.340.
44
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“Em meio à desmoralização e falta de direção, Oséias depara-se com uma geração de líderes resolvidos a
proteger seus próprios interesses mesquinhos apoderando-se de toda circunstância favorável à custa de
outros. Iahweh torna-se para eles o adjudicador e o garante de benefícios pessoais. A linha entre javismo e balismo transformou-se com o tempo”49.
Oséias denuncia a idolatria, que ele chama de prostituição. A prostituição vai além da
idolatria, chega às alianças políticas (Os 7,8-12; 8,9-10). Já se pressente o poder da Assíria que
emerge como grande força política em expansão. Isto provoca mal-estar e insegurança em Israel. Cada vez mais a monarquia do RN pede trabalhos e gente para as guerras. Tudo isto afetou
a vida familiar, desintegrando-a50. É neste universo que Oséias prega através de suas metáforas
(Os 1-3; 11,1-7, etc.).
b) Camadas: O livro de Oséias não saiu pronto das mãos do profeta. Ele é fruto de
diversas fases redacionais.
1) Os 1-3: trata-se de um conjunto construído sobre Os 2,2-15 e 3,1-5, que provavelmente é do próprio Oséias. O conjunto foi completado por um discípulo.
2) Os 4,1-11,11: é a transcrição da pregação pública do profeta. Neste sentido fica evidente que, sendo pregação pública e não texto escrito, os redatores apresentam Oséias com as
suas próprias tintas, isto é, deve-se ver, no texto, a pregação do profeta, mas também o trabalho
dos seus redatores. Inicia com: “Ouçam a palavra de Javé” e termina com: “Oráculo de Javé”.
3) Os 12,1-14-9: comunicações públicas. Reflete liturgia (12,6).
“Todos os três conjuntos passam da acusação e julgamento para promessa de salvação, como também todos os três mostram marcadas afinidades lingüísticas e conceituais com o pensamento deuteronômico” 51.
c) Gênero literário: o gênero literário é confuso, muito misturado. Faltam formas estilísticas de interligação. É difícil dizer o que é original e o que é redacional. Os redatores finais
fizeram bastante confusão 52. O profeta se vale da alegoria do casamento para descrever a situação de Israel. Apresenta a relação Deus e Israel como a relação marido e mulher. O profeta,
como Deus, é o marido fiel e Israel, como a esposa, é infiel, ou prostituta. “O profeta apresenta
a relação entre Deus , sempre fiel e cheio de amor, e seu povo que o abandonou e preferiu correr ao encontro dos ídolos”53.
Não obstante à mistura estilística, Oséias é um livro que se apresenta sob a roupagem
das metáforas. Assim, destacam-se as metáforas do casamento infiel (Os 1-3) para ilustrar a
relação entre Deus e Israel, e a metáfora do Pai e do Filho (Os 11,1-7) para ilustrar a mesma
relação.
“Javé é também descrito como médico (6,1ss), caçador de aves, leão (5,14), leopardo, ursa despojada,
orvalho, árvore luxuriante, pus (ou traça? – 5,12), e podridão (5,12). Israel é visto como pessoa enferma,
rebanho, pombo volúvel, novilha treinada, mas teimosa, jumento selvagem errante, videira e uvas, vinho
do Líbano, figo prematuro, lírio, mulher nas dores de parto, um filho não nascido, bolo cozido demais no
forno, neblina e orvalho de manhã cedo e palha carregada pelo vento” 54.
49
Idem, p. 340.
TUA Palavra é vida, vol. 3, p. 98-99.
51
GOTTWALD, N. Op. cit. p.341.
52
SCHMIDT, W. Op. cit. p.195.
53
BÍBLIA Sagrada Edição Pastoral, Introdução a Oséias, p.1166.
54
GOTTWALD, N. Op. cit. p.341.
50
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d) Estrutura55
Num primeiro momento pode-se dividir o livro de Oséias em dois blocos:
1) Os 1-3: metáfora do casamento e da esposa infiel
2) Os 4-14: uma coletânea de desgraça e salvação, de ameaças e promessas. A segunda
parte se subdivide em duas subunidades
a) 4,1-11,11
b) 12,1-14,9
1) Caps. 1-3
2) Caps. 4-14
Desgraças
1,2-9
2,4-15
3,1-4
4,1-11,7
12,1-14,1
Salvação
2,1-3
2,16-25
3,5
11,8-11
14,2-9
Num segundo momento pode-se ver as subunidades:
I – Os 1-3
1 = Incumbência de casar com uma prostituta e os três filhos
2 = Ditos isolados:
2,1-3 = Transformação dos nomes dos filhos: salvação
2,4-15 = Ameaça
2,16-25 = Promessa, retorno ao deserto (2º Êxodo).
3 = Incumbência de amar uma mulher adúltera
3,4 = Sem rei, sem sacrifício
3,5 = Retorno a Deus e a Davi
II – Os 4-14
a) 4-11
4 = Contra os sacerdotes e contra o culto
5,1-7 = Contra os líderes do povo
5,8ss = Guerra siro-efraimita
6,1-3 = Cântico de arrependimento
6,4 = Israel sem cura
6,6 = Conhecimento de Deus em vez de sacrifícios
7,8 = Efraim se mistura com os povos
8,4ss = Contra a monarquia e o culto
9,10ss = Retrospectiva histórica
11 = Israel, filho apóstata
b) 12-14
12 = Israel como o astuto Jacó (Gn 27ss)
13 = Ruína de Israel
14 = Chamado à conversão
e) Conteúdo
55
A estrutura é inspirada em W. Schmidt, p. 195/196.
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Oséias quer de volta sua mulher infiel. Deus quer reatar a aliança com Israel. A prostituta é o símbolo de Israel, é a figura da prsotituta do culto a Baal. Assim, o casamento do profeta com a prostituta reflete a mistura e confusão existente em Israel, pois neste tempo até Javé
era adorado como Baal (podia ser manipulado. Casar com a prostituta era cortar o baalismo e
suas manifestações dentro do javismo, pela raiz. Os filhos refletem esta situação:
a) Jesrael = vale onde Jeú inicia e termina (2Rs 9s);
b) Lo-Ruhamah = Não compadecida: é a situação de Israel;
c) Lo-Ammi = Não meu povo: Israel bastardo.
No século 9/8 Javé era adorado como Baal e tinha uma esposa por nome de Asherah. Isto serviu de base para o casamento de Oséias. Esta mistura está descrita em Os 4,1-3; 5,3-4 e
8,1-3.
Assim, a Segunda parte (4-14) ainda se encontra no mesmo tema teológico, ou seja, a
apostasia. Tudo gira ao redor do tema da idolatria que vem apresentada como prostituição e a
sua conseqüente injustiça.
f) Conclusão
O livro de Oséias é uma colcha de retalhos de diversas etapas. É difícil estabelecer uma
estrutura. No entanto, pode-se dizer que seu livro é uma chamada de atenção aos perigos dos
desvios religiosos patrocinados, principalmente pela monarquia e pelas elites de Israel. Oséias
quer refazer a aliança, para isto ele enfrenta a idolatria e as injustiças sociais, combate a religião faustosa, mas sem compromisso.
3.3 – O Profeta Isaías (1-39)
a) Introdução: O atual livro de Isaías, como se apresenta na Bíblia, é na realidade uma
justaposição de três livros. O primeiro Isaías, também conhecido por Proto-Isaías, compreende
os capítulos 1-39. Este livro reflete os anos 740-701 a.C. Pode Ter por tema a santidade de
Deus56.O segundo Isaías, ou também chamado Dêutero-Isaías, compreende os capítulos 40-55.
Agora o cenário histórico já é bem outro. Estamos no Exílio da Babilônia e o livro quer consolar os deportados, incutir esperanças nos neles. É uma mensagem de esperança, um novo Êxodo. O terceiro Isaías é formado pelos capítulos 56-66. Este é reflexo do período da volta do
Exílio, quando se quer reconstruir Jerusalém e o templo. É um projeto de reconstrução. Aqui,
neste capítulos, no entanto, o estudo se refere unicamente ao primeiro Isaías, ou seja, aos capítulos 1-39. A partir de agora, só nos referimos ao primeiro Isaías, simplesmente como Isaías.
Isaías é do Reino do Sul, ou seja, de Jerusalém, talvez fosse homem da corte, ou próxima a ela. O rei e a nobreza vivem alheios à vida do povo, a religião é faustosa, mas a justiça é
esquecida. A Assíria está em plena expansão 57. Neste período ocorre a Guerra Siro-efraimita
(2Rs 16,7ss). Trata-se de uma conspiração entre o rei de Damasco (Síria – não confundir com
Assíria) e o rei da Samaria (Efraim = Israel) contra o Rei da Assíria.
56
57
Introdução a Isaías, Bíblia Sagrada, Ediçào Pastoral. p.947.
ALONSO-SCHÖKEL, L. Profetas (I). p.97ss.
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“Damasco e Samaria, irritadas por terem de pagar tributo à Assíria, resolvem revoltar-se; mas seus exércitos são muito pequenos para se oporem ao assírio. Pensam então em fazer aliança com Judá. Acaz, porém, não vê esta aliança com bons olhos, considera a revolta uma aventura louca. Por este motivo, Rasin
de Damasco e Pecá de Samaria decidem declarar guerra contra ele, destroná-lo e nomear rei o filho de
Tabeel, partidário da coligação antiassíria”58.
O rei Acaz (Judá) pede auxílio a Teglat-Falasar (Assíria). Isto lhe valeu a submissão à
Assíria, devendo pagar tributos.
Por ser de Jerusalém, encontram-se nele dois temas fortes: a eleição de Jerusalém e a
dinastia de Davi. Deus se comprometera com a cidade e com a dinastia (2Sm 7). Ele é filho de
Amós (não confundir com o profeta Amós). Sua teologia apresenta alguns pontos que merecem
destaque: 1) A santidade de Deus; 2) A consciência do pecado; 3) A necessidade do castigo; 4)
A esperança da salvação. “Estes quatro temas, unidos às tradições de Sião e da dinastia davídica, deverão ser levados em consideração para compreender a fundo a pregação de Isaías” 59.
Como o profeta Oséias, também Isaías casa (8,3). Sua esposa é profetisa e seus filhos
têm nome simbólico: Sear Jasub (um resto que voltará) e Mather Salal Has Baz (pronto ao saque, rápido aos despojos).
O Talmude conta que Isaías foi assassinado por Manassés que mandou cortá-lo ao
meio, mas isto não é confirmado. “Isaías que era personagem aristocrática, políticamente conservador, inimigo de revoltas sociais profundas” 60.
O livro de Isaías não é um bloco monolítico escrito por um mesmo escritor. Existem muitas partes interpoladas e acrescidas. Algumas mudam inclusive de gênero. Ex.:
os capítulos 24-27; 34-35 deixam de ser profecia, são apocalípticos. Os cap. 36-39 são
história que falam do profeta na 3º pessoa.
b) Visão de conjunto61
1) Oráculos ao Povo de Deus (1-12)
Fundamentalmente a pregação do profeta Isaías no tempo de Joatão e da Guerra Siroefraimita:
a) 1,1-3,1
b) 2,1-4,6
c) 5,1-30 +9,7-10,4
d) 6,1-9,6 (rompe com 5 e 9,7)
e) 10,5-12,6
f) 12 Hino (acréscimo).
2) Oráculos contra as nações estrangeiras (13-23)
Usa muito o termo hebraico (masha) = oráculo: 13,1; 14,28; 15,1; 17,1; 19,1;
21,1.11.13; 22,1; 23,1.
Oráculos contra:
Babilônia 13,1-14,23 e 21,1-10
Assíra 14,24-27
Filistéia 14,28-30
Moab 15-17
Damasco 17,1-11
Egito18-20
58
Idem, p.97.
Ibidem, p.101.
60
Ibidem, p.102.
61
Inspirado em Schökel, p.113.
59
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Duma 21,11-1262
Tribos Árabes 21,13-17
Tiro e Sídon 23,1-18
3) A grande escatologia – grande Apocalipse (24-27)
Refletem um balanço final. “Toda terra, sem distinção de raças nem países, fica submetida ao juízo de Deus”63. Estes capítulos, embora estejam no primeiro Isaías, são do período
pós-exílico. Falam da vitória final do povo de Deus.
4) Oráculos ao Povo de Deus (28-33)
Refletem a ação do profeta nos anos 705-701. O material está bastante confuso. Suas
unidades iniciam com os Ai: 28,1; 29,1.15; 30,1; 31,1 e 33,1. Supõe-se que, juntamente com
10,,5-14 + 18,1-6 formassem o Livro dos Ais”. Predominam três ideias:
- Humilhação da Assíria
- Rebaixamento do orgulho do povo eleito
- Restauração de Sião.
5) Pequena escatologia – pequeno apocalipse (34-35)
Tipicamente escatológico. Representam ser do 2º Isaías.
34 – Javé enfrenta os gentios, arrasando-os
35 – o povo eleito recebe a bênção
6) Apêndice histórico (36-39)
Destacam-se três episódios:
- Invasão de Senaquerib (36-37)
- Enfermidade e cura de Ezequias (38)
- Embaixada do rei da Babilônia (39)
A invasão de Senaquerib é problemática:
A) Mensagem de senaquerib 36,1-22
Reação de Ezequia 37,1-2
Intervenção de Isaías 37,3-7
Desfecho 37,8-9a.37-38
B) Mensagem de senaquerib 37,9b-13
Reação de Ezequias 37,14-20
Intervenção de Isaías 37,21-35
Desfecho 37,36
Há diferenças nas duas coleções, portanto, refletem períodos posteriores, acréscimos ou
retoques.
c) Mensagem: o livro do primeiro Isaías é confuso pelo fato de estar totalmente misturado, ou seja, o livro apresenta muito do sujeito 1 (o profeta Isaías), boa parte do Sujeiro 2 (a
escola de Isaías = discípulos que complementam) e partes do Sujeito 3 (período da redação
62
Cf. Bíblia de Jerusalém, nota j a Is21,11-12: A menção de Duma causa embaraço: é um oásis do norte da Arábia, fora de Edom”.
63
Idem, p.114.
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final do atual livro, talvez em períodos pós-exílicos). Por isto é muito difícil ler o livro de começo ao fim, pois as partes estão completamente misturadas. Mesmo assim, podem-se destacar, no livro de Isaías, alguns temas:
- O problema social – as injustiças (1,10-20; 5,8ss; 10,1ss)
- A política desastrada (1,10ss;21; 7,1ss; 10,1ss)
- O messias (o menino, o rebento) (1,24ss; 3,1ss; 6,13; 7,14ss; 8,1ss; 9,1ss; 11,1ss).
Sua denúncia social sofre forte influência de Amós. Critica a classe dominante pelo luxo e orgulho, pela cobiça e injustiças. Tudo isto vem acompanhado de ritauias religiosos efusivos64.
Na política Isaías sofre influência do davidismo e do sionismo. “Deus tem se comprometido com a cidade e com a dinastia, e é nisto que consiste sua maior segurança” 65. Mas o
profeta não vê esta segurança como algo mágico. Requer resposta. O fiel deve crer na ação de
Deus e não nos pactos internacionais.
Entre o tema da justiça social e da política, insere-se o tema do Messias, aquele que implantará a justiça e o direito. A figura do Messias em Isaías, sempre vem associada ao frágil, o
menino, o rebento, o adolescente, etc.
3.4 – O Profeta Jeremias
O livro do profeta Jeremias é um livro complexo, cheio de alterações, ou seja, um livro
vindo de diversas camadas literárias, ou misturas de gêneros66 Não se deve ver o livro de Jeremias como um livro escrito em ordem, com uma estrutura lógica de início até o fim. Antes,
trata-se de um livro que vem de diversas camadas. O sujeito 1 representa o que o profeta disse
e fez, o sujeito 2 representa a tradição oral levada em frente pelos seus discípulos e o sujeito 3
reflete a redação final, levada a cabo por escribas deuteronomistas que releem, ampliam e dão
uma redação conforme seu tempo. Mas, num primeiro momento vamos estudar a situação do
profeta Jeremias.
3.4.1 – O Momento Histórico
O profeta Jeremias profetiza entre 627-586 a.C67 e tem, a grosso modo, dois períodos,
que marcam seu ministério: Antes do ano 609 (morte de Josias) e depois de 609. Antes o profeta reflete otimismo, depois, tensões, conflitos e a derrocada68.
Josias é posto no poder, como rei de Judá aos 8 anos de idade, pelos am ha arets = povos da terra (2Rs 21,23s). A Assíria se enfraquecera e o rei Josias se fortalece, inclusive se vale
deste momento e faz uma incursão no RN, tentando reconquistar o antigo território. Mas o importante deste rei é a Reforma de Josias (632-422), quando o rei toma medidas de purificação
religiosa e de justiça social (2Rs 23,4-24). Como base desta reforma está a descoberta do livro
da Lei, ou seja, o Dt (2Rs 22). Neste período a Assíria é aniquilada. Desaparece, assim, a grande ameaça de Judá. Porém, em 609, numa batalha de guerra com o Egito, morre Josias (2Rs
23,29ss). Inicia-se o declínio.
64
Ibidem, p.109.
Ibidem, p.110.
66
SCHMIDT, W. Introdução ao Antigo Testamento. p.223ss.
67
GOTTWAKD, N. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. p.372.
68
ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p. 411.
65
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O sucessor de Josias, Joacaz (609) só governa por 3 meses. O faraó Necao do Egito o
depõe e impõe tributos a Judá e, ainda por cima, troca, a seu bel prazer, o rei. Nomeia rei a
Joaquim (irmão de Joacaz (609-598). Este é um rei déspota, inimigo do povo. Ele recebe duras
críticas de Jeremias.
Neste período, Nabucodonosor (rei da Babilônia) bate o Egito e se torna Senhor do
mundo. Judá lhe deve tributo. Porém, passados alguns anos, Joaquim deixa de pagar os tributos
(600), isto faz com que, em 598 Nabucodonosor marche contra Jerusalém. Em meio à confusão, Joaquim morre e sobe ao trono Jeconias (598), permanecendo também 3 meses no poder.
Inicia-se a deportação para a Babilônia. Jeconias é deposto e em seu lugar é nomeado Mataías
(irmão de Joacaz, tio de Jeconias), cujo nome é mudado para Sedecias (597-586). Este rei de
Judá é preso por Nabucodonosor, teve de assistir a degola de todos os seus filhos e por fim teve
seus olhos vazados. Cego foi levado parao Exílio (2Rs 25,1-7). O templo e a cidade de Jerusalém são incendiados, a muralha da cidade é derrubada e acontece a 2º deportação 69.
3.4.2 – Vida e atividade de Jeremias
O profeta Jeremias bate forte na ordem interna de Judá: na corrupção, na idolatria e na
injustiça social. O rei e as elites julgavam que Judá estaria salvo pela santidade do templo. Jeremias se opõe a esta visão.
“Na sua opinião, as tradições da aliança e o culto de Jerusalém não forneciam fundamento algum para
segurança na falta de justiça social, nem a confiança no Egito poupava a Judá de a Neobabilônia fornecer um meio exterior de fuga”70.
Jeremias quer mudanças, conforme fora anunciado por Josias. Vendo que a ameça da
Babilônia se tornava sempre mais forte, sugeriu que Sedecias se rendesse. Imaginava Judá sem
rei e sem templo (40,7-12). Por fim foi levado para o Egito, contra a sua vontade (43,6-7). Lá
ele desaparece.
3.4.3 – Formação do livro de Jeremias
No passado se supunha que Jeremias tivesse ditado seu livro ao seu secretário Baruc e
que este era responsável pela redação do mesmo. Hoje se tem outra idéia: há uma corrente jeremiana que incluiu a poesia do profeta , as narrativas a respeito dele, material reelaborado,
prosa e temas e faz a redação em ambiente do exílio e pós-exílio.
“Sem dúvida, encontramos o autêntico Jeremias dentro do seu livro, porém todos os materiais foram
conservados e juntados por sobreviventes à queda de Jerusalém, os quais liam constantemente, avaliavam e elaboravam as palavras e feitos do profeta como alguém que poderia instruí-los nas atuais condições de vida completamente mudadas”71.
Neste processo, foi posto no livro do profeta, material que, na realidade era de seus seguidores, em ambiente diferente, porém, sempre à luz do profeta.
69
Idem, p.412-413.
GOTTWAKD, N. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. p.373.
71
Idem, p.374.
70
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“No livro de Jeremias devemos contar com um processo de formação mais demorado e uma redação
constituída de várias camadas. Até as passagens deuteronomistas não são uniformes, mas mostram diferenças bastante marcantes na sua intenção”72.
Até hoje os teóricos não chegaram a um consenso sobre o material autêntico. A redação
final tem um grande papel na elaboração do livro. O Exílio tem influência forte sobre a formação do livro, bem como a teologia deuteronomista.
3.4.4 – Estrutura do livro de Jeremias73
I – Ameaças contra Jerusalém e contra Judá (1,1-25,14)
1 – A vocação de Jeremias
2 – Denúncias do culto à natureza e infidelidade de Israel
3-4 – Retorno de Javé
4-6 – Ameaças do norte
7; 26 – Discurso contra o templo e outros cultos
8-9 – Ditos isolados
10 – Complementação – Idolatria
11 – Aliança
12 – Queixa contra os inimigos
13 – Ação simbólica
14-15 - Liturgia de lamentação
16 - Celibato – sinal
17 – Palavra sapiencial
18 – O oleiro
19-20 – Ação simbólica
21-23 – Palavra sobre a casa real
23 – Palavra sobre os profetas
24 – Dois cestos
II – Ameaças contra as nações (25,15-38; 46-51)
III – Palavras de salvação para Israel (30-35)
30,1-31,30 – O livrinho – consolação para o norte
30,31 – A nova aliança
32 – Compra de campo em Anatot
33 – Promessas
34 – Cerco a Jerusalém
35 – Os recabitas
IV – Biografia (26-29; 36-45)
26 – Depois do discurso contra o temlo
27-29 – Contra os falsos profetas
27 – Submissão a Nabucodonosor
28 – Jeremias e Hananias
72
73
SCHMIDT, W. Op. cit. p.225.
A presente estrutura se inspira em W. Schmidt, Op. cit. p.226-228.
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29 – Carta aos deportados
36 – O rolo do livro
37-39 – Cerco a Jerusalém
40-43 – Morte do governador e fuga para o Egito
44 – Contra o falso culto
45 – Profecia para Baruc
V – Apêndice tirado de 2Rs 24-25 (Jr 52).
Pode-se agrupar os textos de Jr com bastante propabilidade 74:
627/6 – A Vocação de Jeremias (1,4-10)
627-609 – Pregação a Israel (3,6-13)
Silêncio do profeta
609 - Oráculo sobre Joacaz (22,10-12)
608 – Discurso do templo (7,1-15; 26)
605 – Oráculo contra o Egito (46,2-12)
Discurso sobre conversão (25,1-11)
Redação e leitura (36)
Palavra de Baruc (45)
598 – Palavra sobre Jeremias (22,24-30)
Dois cestos de figos ((24)
Carta aos exilados (29)
Oráculo contra Elam (49,34-39)
594-93 – Contra a rebelião (27-28)
Maldição da Babilônia (51,59-64
587-86 – Durante o assédio (21,10; 34; 37-39)
Jeremias preso no átrio (32-33; 39,15-18)
586 – Depois da queda de Jerusalém (39-44).
“Possuímos numerosos dados sobre a vida de Jeremias, mas não podemos reconstruí-la
com todos os pormenores “75. Jeremias nasceu por volta de 650 a.C. em Anatot (perto de Jerusalém. Era da tribo de Benjamin, ou ao menos, viva na região de Benjamin. Era do RS, mas se
vinculava muito ao RN. Filho de Helcias, sacerdote de Anatot, possivelmente descendente de
Abiatar, deportado por Salomão (1Rs 2,26)76. Sua vocação profética se deu por volta de 627
a.C., nos tempos do rei Josias.
Seu ministério profético tem quatro períodos77:
1) Durante o reinado de Josias (627-622) – Reforma de Josias
Pouco se sabe deste período. O profeta estaria ligado à Reforma de Josias, principalmente quando esta começa a esfriar. Jeremias teria criticado a timidez e a superficialidade
74
ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p.414.
Idem, p.414.
76
MAZZAROLO, I. A Bíblia em suas mãos. p.45.
77
ALONSO SCHÖKEL. Op. cit. p.415ss.
75
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da mesma (Jr 8,8). Sabe-se que o profeta elogiava Josias, ao menos depois de sua morte (Jr
22,15ss).
Textos que provavelmente falem da Reforma de Josias:
Jr 3,6-13;11,1-17; 12,1-5; 17,19-27
Vestígios sobre a Reforma:
Jr 2-3; 30-31
Hipótese: Jeremias estaria satisfeito com o êxito de Josias e teria parado de profetizar 78.
2)Durante o reinado de Joaquim (609-598)
Período melhor conhecido.
609 – Jeremias faz seu discurso contra o templo (Jr 7,1-15; 26).
Denuncia a tentativa de Joaquim de construir novo palácio (Jr 22,13-19).
Simbolicamente fala da ameaça do norte – Panela fervendo (1,13-14).
Ameaça de invasão e sua justificação (4-6).
605 – Nabuconosor vence o Egito em Carquêmis (46,2-12).
Os inimigos do norte = Babilônios (20,4-6; 25,11).
Jeremias sofre represálias
- Jarra de louça 19,1-2a.10-11
- Discurso 19,14-15; 25,1-11
- Cárcere 20,1-6
Jeremias exorta o rei à conversão, mas ele corta e queima seu texto e manda prender o profeta Jeremias (36).
Estas perseguições levam Jeremias a desabafar como Jó (Jr 15,10-11.15-21;
17,14-18; 18,18-23; 20,7-11.13-18).
Palavras a Baruc durante a redação (45)
Visita aos Recabitas (35)
Resumo: Jeremias mostra que Deus está descontente com Judá, pois é povo pecador
(9,1-10). Ninguém é fiel (5-6), Apela à conversão (7,3; 25,3-6; 36,7). O templo e a cidade serão destruídos (7,1-15). Jerusalém será quebrada (19). O profeta bate forte:
- Esquecimento de Deus (5,12s);
- Esquecimento da Palavra de Deus (6,10);
- Falso culto (6,20; 7,21-28);
- Falsa segurança religiosa (7,1-15)
- Idolatria (Rainha do Céu) (7,16-20);
- Baal, Moloc (7,29-34)
- Injustiças sociais (5,26-28; 12,1-5).
2) Durante o reinado de Sedecias (597-586)
No reinado de Sedecias se dá a 1º deportação. O povo começa a duvidar de Deus, que
não o defendeu, permitindo o exílio. Nesta época surgiu uma teologia escapista: “os exilados
são culpados, são incrédulos, com quem Deus rompeu. Deus só ama os remanescentes.
- Jeremias reage a tal teologia contando a história dos dois cestos de figos (24; 29,1620).
- Escreve uma carta aos exilados, advertindo contra falsos profetas (29).
78
SCHMIDT, W. Op. cit. p.230.
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Em 593 a.C. os reis de Moab, Edom, Amon, Tiro e Sidon instigam Jerusalém contra a
Babilônia. Jeremias se opõe a tal aventura, por ele vista como suicídio (27).
- Arruma uma briga com o profeta Hananias (28).
- Reage contra a Babilônia (51,19-64).
Em 588 o rei Sedecias se rebela contra a Babilônia:
- Jeremias anuncia, ao rei, a queda de Jerusalém (34,1-7);
“
“
que a Babilônia voltará vitoriosa (37,3-10);
- Jeremias vai a Anatot ver uma herança, mas é preso (37,3-10).
- Com a volta da Babilônia, Jeremias sai da prisão (37,11-21; 38.24-28).
- Jeremias exorta à rendição e à fuga, os príncipes querem matá-lo, jogam-no numa cisterna (38,1-13).
- Em momentos de desespero, o profeta compra uma terra, indicando que ainda resta
uma esperança (32);
- Queda de Jerusalém (39,1-10).
Resumo: Este período se restringe a dois focos:
- Os exilados
- Os remanescentes
Deus entregou Jerusalém ao rei gentio. O retorno não será logo. Os remanescentes não
terão independência. A submissão à Babilônia é castigo pela não conversão. Jeremias foi acusado de ter passado para o outro lado, isto é, para o lado dos babilônios (Jr 37,13), porém isto
não é real. Jeremias, libertado pelos babilônios, poderia escolher ir para a Babilônia, mas ele
preferiu permanecer em Jerusalém, ao lado de Godolias (40,2-6).
3) Após a queda de Jerusalém (586 - ?)
Depois da rendição de Jerusalém, os babilônios foram benévolos com Jeremias, pois ele
havia sido favorável à rendição (32,28; 39,3.14). Por engano levam Jeremias até Ramá. Nabuzardã vem para incendiar o templo (52,12-14) e para soltar o profeta (39,11-12). O profeta podia optar entre ir para a Babilônia, ir morar com governador Godolias ou ir onde bem quisesse
(40,1-6).
Com o assassinato de Godolias, a comunidade fugiu para o Egito e obrigou Jeremias a
ir com ela até Tafnis, onde Jeremias faz a última profecia (40,7-44,30). Depois disto, o profeta
desaparece sem deixar rastros.
3.4.5 – Conclusão
O profeta Jeremias é um homem integrado no seu tempo. Pressentiu a derrocada do da
monarquia, do templo e da sociedade. Vendo o fracasso da Reforma de Josias e o avanço de
Nabucodonosor, o profeta assume um papel de combate aos reis, à elite e à religião oficial.
Exorta a povo a se render à Babilônia. Mas ao mesmo tempo conforta os deportados, profetiza
contra a Babilônia. Acaba seus dias deportado para o Egito.
IV – PROFETAS DURANTE O EXÍLIO – 609-538
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A partir de 609 a.C, com a morte de Josias, Judá caminha a passos largos para a desintegração. Reis corruptos e impopulares levam Judá e Jerusalém ao encontro da ruína que se
completa em 586 com o saque de Jerusalém e do templo.
O Exílio deixa o povo numa situação de insegurança, de perda de identidade. A questão
é: “Será que Deus ainda está conosco?”
Os profetas deste tempo ajudam o povo exilado a perceber que ainda pode confiar em
Deus e resistir diante da prepotência da Babilônia. Mostram que Deus está, também, no sofrimento. Mostram o motivo da ruína: as injustiças e a idolatria. Mas também apontam para a
grande esperança do retorno79.
4.1 – O Profeta Ezequiel
O profeta Ezequiel é um homem um tanto misterioso, difícil de ser definido. O presente
estudo fará uma descrição de alguns pontos sobre a pessoa do profeta, a época e o local de atuação, bem como a atividade do profeta e os principais problemas
4.1.1 – Quem?
Ezequiel é filho do sacerdote Busi (1.3)80. Exilado na Babilônia, ele não pode exercer o
sacerdócio, uma vez que este só tinha lugar no templo, em Jerusalém. Segundo Flávio Josefo,
Ezequiel era ainda menino quando se deu sua deportação (598 a.C.). Teria nascido por volta de
610 a.C. Se o ano 30 (1,1-3) se refere à sua idade, então teria nascido em 622 a.C. Era casado,
mas não se sabe se teve filhos. Ficou viúvo antes da queda de Jerusalém 81.
É homem de visões (1,1-3,15; 3,22ss; 8-11; 37,1-14; 40-48. Atua por meio de ações
simbólicas: palavras, danças, etc. (6,11). Desanima, perde a fala. Alguns autores o consideram
de personalidade doentia 82. Klostermann julga que os capítulos 3-24 sejam um diário de um
doente e os capítulos 33-48 seria, um diário de cura. Karl Jaspers chamou Ezequiel de esquizofrênico 83. Mas isto, na realidade, são símbolos que não devem ser lidos como fatos históricos.
4.1.2 – Quando?
Supostamente Ezequiel iniciou seu ministério no ano 593 a.C., ou seja Paulo 5º ano da
deportação (1,1-2). O profeta fala do ano 5º (1,2), do 6º ano (8,1), do 7º ano (20,1), do 9º ano
(24,1), do 10º ano (29,1), etc. culminando no 27º ano (29,17). Assim sendo, pode-se fixar o
ministério de Ezequiel entre 593-57184.
Alguns autores (J. Smith e C. Torrey) julgam que Ezequiel é de outros tempos, mas que
seu livro sofreu uma adaptação aos tempos exílicos. Smith supões ser Ezequie do século VIII.
Enquanto Torrey sugeria o século III. Estas teorias parecem ser sem fundamento sério.
Ezequiel esteve entre os deportados de 598 (1º deportação). Este grupo estava ferido.
Perdeu as referências. Sem pátria, sem terra, sem esperança, nem sequer tem certeza de ser o
povo eleito de Deus. Ezequiel exerce seu papel entre estes desesperançados, incutindo esperança em terras estrangeiras85.
79
TUA Palavra é Vida, v. 3. p.29.
SCHMIDT, W. Op. cit. p.236.
81
ALONSO SCHÖKEL. Op. cit. p.691.
82
GOTTWALD, N. Op. cit. p.457.
83
Idem, p.691.
84
ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p.341.
85
Idem, p. 689.
80
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4.1.3 – Onde?
Ez foi deportado para a Babilônia (1,2), junto ao Rio Cobar (1,3). Ele experimenta o templo profanado e depois volta ao exílio (11,24ss). Terá exercido seu ministério
na Babil6onia entre 593 - 570 a.C. Era sacerdote, certamente da elite sacerdotal de Jerusalém. Parece ser o primeiro profeta fora de Israel. Reunia os líderes em sua casa (8,1;
14,1). Era um líder aglutinador. Seu livro mais parece Compilação da vida comunitária.
No quadro do Exílio o povo caiu no desânimo. Javé, segundo sua crença, era exclusivo de Judá. Em terra estranha só existem deuses estranhos. Como sacerdote de Jerusalém, Ezequiel devia estar contagiado pela Reforma Josiana, que queria restringir
todo culto à Jerusalém. Morar em terra estranha era sinônimo de estar abandonado por
Javé. "Como haveríamos de entoar um canto a Javé em terra estranha?"(Sl 137,4). Neste quadro sinistro só resta desespero. "Os nossos ossos se secaram. Pereceu a nossa esperança. Estamos de todo exterminados" (Ez 37,11).
4.1.4 - Estrutura86
I – Vocação de Ezequiel 1,1-3,15
II – Oráculos contra Judá 4-24
Ações simbólicas 4-5
Contra os montes de Israel 6
Chega o dia 7
Visão do templo profanado 8-11
Para o exílio 12
Falsos profetas 13
Nostalgia dos ídolos 14
Parreira inútil 15
Uma história de amor 16
A águia e o cedro 17
Responsabilidade pessoal 18
A leoa e os cachorros 19
A vinha decepada 19,10-14
História de uma rebeldia 20
O bosque em chamas 21,1-12
A espada – 21,13-37
A cidade sanguinária 22
As duas irmãs 23
A panela no fogo 24,1-14
Morte da esposa 24,15-27
III – Oráculos contra as nações estrangeiras 25-32
Amon 25,1-7
Moab 25,8-11
Edom 25,12-14
Filistéia 25,15-17
86
Ibidem, p.698/99.
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Tiro 26
Tiro 27
Contra o rei de Tiro 28,1-19
Sídon 28,20-24
Restauração de Israel 28,25s
Egito 29
O dia do Egito 30
Contra o faraó 31
Contra o faraó 32
IV – Oráculos de salvação 33-48
O profeta como atalaia (sentinela) 33
Os pastores de Israel 34
Contra o monte de Seir 35
Aos montes de Israel 36,1-15
Castigo e reconciliação 36,16-38
Os ossos e o espírito 37,1-14
As duas achas de lenha 37,15-28
Oráculos contra Gog 38-39
Novo templo e nova terra 40-48
4.1.5 – O que?
O papel de Ezequiel foi levantar de novo o ânimo do povo desanimado. Ele mostrou
que Javé também está no Exílio. Recebeu a vocação no Exílio, em terra estrangeira (Ez 1,3;
3,14s). Vê a Glória de Javé na Babilônia (1,28; 3,12.23). Desta forma, pela atuação de Ezequiel, o povo se sente acompanhado de Javé e por isto mesmo reacende a esperança de voltar à
Terra Prometida. Apesar do desânimo, agora tudo é possível. Ezequiel se torna o Mensageiro
da Boa Notícia, pois transferiu Javé para o Exílio. De tudo isto resultou um projeto de Ezequiel, ou Projeto Ezequielano: Promessa87.
Projeto Ezequielano
Depois de muita denúncia, Ez auncia a Grande Reconstrução(33-48).
- Anuncia uma nova realidade:
"Dar-lhes-ei um só coração, porei no seu íntimo um espírito novo: removerei do seu corpo o coração de
pedra, dar-lhes-ei um coração de carne, a fim de que andem de acordo com os meus estatutos e guardem
as minhas normas e as cumpram. Então serão o meu povo e eu serei o seu Deus"(Ez 11,19-20).
- Denuncia o pecado de Israel (Ez 16)
- Voltarão à terra (Ez 37)
Ez 37,1-14 Assim como outrora Deus criou o homem e soprou sobre ele o hálito de
vida, agora, pela profecia de Ezequiel, Deus cria o homem novo. Javé vai revivificar o povo
sem esperança (37,11ss). Em Ez 37,15-28 Deus vai congregar novamente todos os filhos de
Israel dispersos (37,21).
- Novo Êxodo (Ez 36,16-38 cf. tb. 20,35ss).
87
SCHWANTES, M. Sofrimento e esperança no Exílio. P.73ss.
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Javé irá borrifar água, purificando o povo (v.25 = Êxodo). Então receberão novamente a
terra de seus pais( v28).
- Novo Davi (Ez 34,1-31. Destacar os vv. 23ss. + 37,24).
Os maus pastores (reis e condutores de Israel) não souberam conduzir bem o povo de
Israel. Cuidando apenas de seus próprios interesses, levaram o povo à desgraça. Mas, ainda
resta uma esperança: o Novo Davi. Davi era um símbolo. Muito embora se saiba, pela história,
de suas atrocidade (2Sm 11,2ss), Davi é o porta-voz de uma classe pobre que chegou ao poder
(1Sm 16,1-13), isto é, Davi é representante dos pastores, e dos mais fracos, pois seus irmãos
mais fortes, de bela aparência, foram rejeitados. Por que Ez fala de um novo Davi? Os reis de
Judá todos eram davididas e foram os maus pastores denunciados pelo profeta. A estas alturas,
Davi se tornou símbolo messiânico, ou seja, figura idealizada, representante dos pequenos:
pastores e agricultores em contrapartida às elites governamentais. Davi semi-escravos não é
descendente carnal do velho Davi, mas alguém que, como ele encarna o ideal do povo simples
(Por isto Jesus, no NT é apresentado como Filho de Davi - Mt 1). Também Jesus é apresentado
como o Bom Pastor (Jo 10) que substitui aqueles velhos pastores (judaísmo).
- Novo Templo (40-48; Esp. 40,1-5; 43,1-12).
O novo Templo não terá mais lugar para a prostituição (43,9). Ez vê o velho Templo e o
velho culto como abuso dos maus pastores (34). Reconstruir o Templo é sinônimo de novo
culto.
4.1.6 – Atividade profética
A atividade de Ez se divide em dois momentos históricos: antes da queda de Jerusalém
e depois da sua queda.
1º) Do Exílio até a queda de Jerusalém (597-586)
Os exilados julgavam que sua sina fosse um castigo de Deus, temporário. Logo iriam
voltar para Israel e viveriam em paz. Os falsos profetas incitavam o povoa pensar numa rápida
volta. Ez enfrenta esta realidade, mostrando a dura realidade.
Ano de 593
- 1,1-3,15 - A vocação do profeta no ano de 593
- 4-7 - Conteúdo da mensagem = primeira pregação:
- 4-5 - Três visões simbólicas: o cerco (4,1s); A fome (4,9-11); A deportação
(5,1s).
“Diante do otimismo e da esperança dos deportados, Ez anuncia a catástrofe” 88.
- 6 - Até os montes serão destruídos
- 7 – O fim para toda a terra prometida
Ano de 592
- 8-11 – as causas do castigo. Em êxtase o profeta vê os pecados de Jerusalém.
- 8 – Idolatria
- 9 – Injustiças e crimes
88
ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p.693.
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Ano de 591
- 20 – Toda a história de Israel é cheia de pecado. Isto provoca um castigo inevitável
que há de vir.
- 16 e 23 – Olhar ao passado. Denuncia o constante esquecimento de Deus, o que é
caracterizado por prostituição com os egípcios, assírios e babilônios. “Tudo gira em
torno do mesmo tema: o castigo de Judá e de Jerusalém, justificado por meio de espectro cada vez mais amplo de acusações: sincretismo, injustiças, alianças com estrangeiros”89.
Reação dos adversários de Ezequiel:
- 12-14 – Não vai se realizar
- 13,1-16 – Falsos profetas dizem besteiras
- 13,17-23 – Falsas profetisas
- 14,1-18 – o conservadorismo impede de ouvir os apelas atuais. Os ídolos denunciados são: Jerusalém, o templo, a terra prometida;
- 18 – julgam que a intercessão os salva, ou seja, há, no seu passado, algumas pessoas
honestas. Isto lhes serviria de garantia de salvação? O profeta diz que cada um responderá pelos seus pecados. O fato de termos tido pais bons não nos isenta de culpa. Não são alguns justos que vão salvar (14,12-21).
Ano de 588
-
17,1-10 – Alegoria da águia e do cedro: denúncia contra a política errada de Sedecias, pró-Egito.
21,23-32 – Os dois caminhos = Nabucodonosor cerca Jerusalém
24,1-5.9-10 – Panela = fim de Jerusalém
22,1-22 – A injustiça é a causa da desgraça
Ano de 587: Cerco de Jerusalém. O Egito foi instigador de Israel contra Nabucodonosor.
Oráculos contra o Egito:
- 29,1-6 – O orgulho do Egito
- 30,20-26 – A derrota do Egito
- 31,1-18 – Orgulho do Egito
-
24,15-24 – Conclusão simbólica dos anos 597-586. Destaca a ruína de Israel. Assim
como o profeta não pode chorar a esposa, não se pode chorar o templo.
Ano de 586
3,25-26 – Queda de Jerusalém. O profeta fica mudo até receber o mensageiro que lhe
comunica a ruína (24,26s). Só depois recupera a fala (33,21-22).
Tudo neste período, ações simbólicas, pantomimas, alegorias, parábolas, enigmas servem para anunciar a queda inevitável de Jerusalém e acabar com as falsas esperanças entre os
deportados90.
89
90
Idem, p. 694.
Ibidem, p. 695.
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2º Depois da queda de Jerusalém (685 -?)
Em 586 Jerusalém cai e Ezequiel recebe esta notícia algum tempo depois, quando recupera a fala (33,21-22). Inicia-se nova etapa na profecia. Ez sofre evolução. Ou seja, muda completamente sua perspectiva. Antes pregava a ruína, agora anuncia a reconstrução.
a)
-
Reação diante dos colaboradores da destruição
25 – Condena Amon, Moab, Edom e os Filisteus
26,1-6 – Condena Tiro
32 – Condena o Egito
b) Combate uma teologia viciada: os exilados diziam que a culpa era dos pais (18,2).
Eles estariam pagando o que os antepassados fizeram. Ez diz que todos pecaram, pais e
filhos.
- 22,18-22 – Todos pecaram
- 18; 33,12-20 – Cada um será julgado conforme seu pecado.
c) Quem são os responsáveis?
- 22,25-31 – Príncipes, sacerdotes, nobres, latifundiários
- 34 – Pastores (reis e pastores
d) Nova esperança
- 34,11-16 – Depois de denunciar os culpados, Ez mostra o surgir de nova esperança;
- 36 – Surge um mundo novo. Tudo o que foi destruído (cap. 6) ouve agora o consolo. Haverá mudança interior (36,25-28).
- 37,1-14 – O povo não crê nestas promessas (17,11), mas Ez lhe diz que os ossos secos voltarão a viver.
- 37,15-24 – Israel voltará a ser um só.
- 37, 26-27 Deus fará nova aliança
- 40-42 - Um novo templo será construído
- 43,1-5 – A glória de Deus voltará
Inicia-se em Ez um matiz consolador dos exilados, que se estende também ao 2º Is e
aos demais profetas pós-exílicos.
4.1.7 – Conclusão
O livro de Ez sofreu muitos acréscimos e alguns deles, bastante artificiais. Parece que
Ez escreveu sua pregação e sua vida. Às vezes falava antes e depois escrevia (11,25). Também
ele teve uma transmissão oral que mais tarde foi escrita. Ez, em vida, chegou à fase das folhas
soltas (Fohrer). Talvez ele mesmo já iniciasse o colecionamento das folhas soltas. O livro atual
não é obra exclusiva sua 91. “Sua escola, seus discípulos foram retocando numerosas passagens
e acrescentando novas palavras” 92. Alguns biblistas julgam que houve até seis reelaborações do
livro de Ez e que as últimas seriam feitas por volta do ano 300 a.C.
Assim, num texto de diversas camadas, percebe-se a, num primeiro momento a mão do
profeta previne o povo de Israel que foi para o exílio nos anos de 598 a.C. Estes pensam que
91
92
GOTTWALD, N. Op. cit. p. 449.
ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p. 698.
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tudo é passageiro e que logo voltarão para Jerusalém. Num segundo momento Ez incute esperança nos exilados, depois da queda de Jerusalém. Sobre este material se trabalhou em momentos posteriores, resultando no atual livro do profeta Ezequiel.
4.2 – O Profeta Dêutero-Isaías (Is 40-55)
A partir de Is 40 até 55 estamos em ambiente diferente do 1ºIs, ou seja, de Is 1-39. Estes capítulos (40-55) recebem o nome de 2º Isaías ou Dêutero-Isaías.
4.2.1 – Quem?
O biblista alemão Johann Döderlein, em 1788 insinua que a partir de Is 40 começa outro ambiente que nos capítulos anteriores. O texto está quase no fim do Exílio 93. Já supõe Jerusalém destruída (44,26). O povo está no Exílio (42,22). Espera o fim da Babilônia (43,14;
46ss). Confia em Ciro, rei da Pérsia (44,26ss) 94. Pode-se supor o profeta por volta dos anos
553-539.
Ele tem afinidade com o 1º Is, supostamente é discípulo deste, porém difere dele, pois
já supõe Jerusalém destruída (Is 44,26), o povo está no Exílio (42,22). Ele espera o fim da Babilônia (43,14; 46ss) 95. Israel vive de forma catastrófica: sem templo, sem líderes religiosos,
sem pátria, sem culto, sem aliança. Tudo evaporou. Trata-se de um profeta anônimo entre os
exilados, já nos tempos do declínio babilônico e ascensão persa (2° geração dos exilados). Seu
livro tem estilo hínico-sâlmico. Ex.: Is 42,10 lembra o Sl 96 e 98. Assim, pensa-se, ser ele um
dos cantores do templo. O 2° Isaías quer, também, incutir esperança no povo exilado. Já se
fazem sentir os sintomas da repatriação. Quando ele fareja as vitórias da Pérsia, logo se põe a
animar o povo. Javé olhou pelo povo. Isaías tem de insistir em Javé, pois Ciro pregava que fora
Marduk quem lhe dera a vitória sobre a Babilônia e o tornara senhor do mundo 96.
4.2.2 – O que?
O 2º Isaías dirige-se às vítimas do Exílio, ao resto de Israel (46,3). Vê a desolação do
povo (49,14; 40,27). Por isto o 2ºIs usa linguagem diferente do 1ºIs. Não tem as ameaças e
acusações. Em terra distante, sem templo, sem líderes religiosos, sem pátria 97 um resto de Israel alimenta a esperança de permanecer firme em Javé: trata-se do Servo de Javé. Em meio à
desolação surge um revigoramento da fé. Trata-se da fé à luz do choque da provação. Neste
período surgem muitos dos livros que hoje formam o Antigo Testamento.
O 2ºIs vê no declínio da Babilônia e na ascensão da Pérsia uma brecha de esperança.
Ciro, rei da Pérsia, bate o rei da Babilônia em 539 a. C. e o povo exilado passa para seu domínio. Ciro é chamado de Servo, ou Ungido de Javé (Is 45,1). Este rei permite o retorno dos exilados para sua pátria. Além disto, os persas permitiam que seus subjugados vivessem sua própria cultura e cultuassem suas divindades. Isto permitiu a restauração do culto, do templo e de
Jerusalém. O 2ºIs vê em Ciro o cumprimento do projeto de Javé. O 2ºIs é porta-voz da esperança entre os exilados.
93
Idem, p.269.
SCHMIDT, W. Op. cit. p.550.
95
Idem, p. 550.
96
ALONSO SCHÖKEL, L. Op. cit. p.271.
97
TUA Palavra é vida, Vol. 3, p.170.
94
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4.2.3 – Como?
O 2ºIs não segue muito o estilo dos profetas pré-exílicos. Parece se inspirar em outras
fontes. Suas categorias não propriamente proféticas98:
a) Oráculos de salvação. Lembram o consolo a aflitos (1Sm 17; Gn 21,17). O 2º Is usa
estas categorias para consolar o povo: “Não temas, ó Israel”.
Javé fala em 1ºpessoa: “eu te remi” (41,8-16; 43,7-15; 44,1-5; 49,14; 51,9ss).
Anúncios de salvação, no futuro (41,17-20; 42,14-17; 43,16,21).
b) Controvérsias ou polêmicas. O 2º Is procura se defender de acusações não claras.
“Os que esperam no Senhor renovam as suas forças (40,12-17.21-24.27-31; 46,5ss.
c) Discursos de tribunal. Julgamento junto ao portão
- Convocação ao tribunal (43,22ss)
- Fala diante do tribunal (44,6ss)
- Defesa de Javé (43,22-28)
- Confrontação entre Javé os povos com seus deuses (41,15.21-29; 43,8-13;
44,6-8).
d) Hinos escatológicos. Convocam todo mundo ao louvor pela salvação de Deus que já
se antecipa na história (42,10-13; 44,23; 45,8; 48,20s; 52,9s).
Estrutura99
Talvez haja, no livro do 2º Is, muitos pequenos oráculos independentes. Discute-se se o
2º Is era pregador ou escritor. Não se sabe se ele dispôs seu material desta forma, ou se seus
discípulos assim o fizeram mais tarde.
A – Prólogo (40,1-11) = Palavra de Deus e Novo Êxodo
B – A libertação da Babilônia e polêmicas contra os deuses (40,12-48,22)
a) 40,1-44,23 –28 – o hino como limite
b) 45,1-48,20-22 – o hino é o limite
C – Restauração e glorificação de Jerusalém (49-55)
a) 49,1-52,7-10 - o hino como limite
b) 53,1-55,12-13 – o hino como limite
D – Epílogo (55,6-13) = Palavra de Deus e Novo Êxodo
4.2.4 - Temas
1º - Consolação (40,1-11; 43,1-7).
Is consola os deportados, dizendo que seus pecados foram perdoados (40,2). Devem
abrir novos caminhos (40,3). Javé resgatou seu povo (43,1). Agora Javé será seu único Deus.
2º - Perdão dos Pecados (43,22-44,5)
A deportação foi castigo pela idolatria de Israel, mas Javé já perdoou tudo. Tal atitude
de perdão desmistifica a ideologia dominante, para a qual a deportação não passava do destino.
Era, também novo ânimo para os deportados que já estavam no Exílio há 50 anos.
98
99
SCHMIDT, W. Op. cit. p. 246ss, cf. também GOTTWALD, N. Op. cit. p.459ss.
ALONSO SCHÖKEL, L. Op. cit. p.279s.
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3º - Retorno à Terra (40-45; 48,20; 49,12;52,11-12;55,12-13
A volta será a grande alegria. Até o deserto fará uma estrada para os deportados passarem(55,12-13). Tudo no 2° Is inspira confiança. Tanto assim que Is 40-55 recebe o nome de
LIVRO DA CONSOLAÇÃO DE ISRAEL
Por que o 2°Is podia ser tão otimista?
- O profeta é um homem com profunda experiência de Deus;
- Ciro, rei da Pérsia já faz sentir suas pretensões de invadir a Babilônia;
- A Babilônia está declinando.
4º - Quatro Cânticos do Servo de Javé (42,1-4; 49,1-6; 50,4-9 e 52,13-53,12).
O 2º Is usa 21 vezes o termo ebed = servo. Estes títulos se referem ao povo de
Deus100. Mas há raras exceções onde o servo se contrapõe ao povo (49,5-6 e 53,8). O servo é
modelo de paciência e de fidelidade. Isto difere do povo exilado. O 2°Is não fala do Novo Davi
(messiânico), mas também tem seu personagem messiânico: O Servo de Javé. Quem seria este
Servo Javé? Uma hipótese: Os quatro cânticos vêem no servo derrotado um sinal de vitória.
Seriam, os cânticos do Servo de Javé uma nova mentalidade que induz os deportados a não
verem sua sorte como uma derrota? Israel é sofredor, exilado sim, mas não derrotado? Em outras palavras, apesar da grande deportação, apesar da escravidão e do desespero, o povo deve se
reanimar, pois que, como o Servo arrasado, haverá de reconquistar a liberdade.
"Eis que meu Servo há de prosperar, ele se elevará, será exaltado, será posto nas alturas. Exatamente como multidões ficaram pasmadas à vista dele - tão desfigurado estava o seu aspecto e a sua forma não parecia a de um homem - assim agora nações numerosas ficarão estupefatas a seu respeito, reis permanecerão silenciosos, ao verem coisas que não lhes haviam sido contadas e ao tomarem consciência de coisas
que não tinham ouvido" (Is 52,13-15).
Está, aqui, ao que parece, uma verdadeira imagem de Israel deportado, mas com esperança de vir a se tornar novamente uma grande nação sob a proteção de Javé.
“A figura do „Servo‟ na tradição bíblica, indica aquele indivíduo ou grupo de pessoas que servem a Javé,
o Deus da vida. É o justo identificado com o Filho de Deus! Sofre porque na solidariedade com os irmãos assume sobre si o sofrimento causado pela infidelidade à aliança com Javé (cf. Is 53,4-5)”101.
O Servo é o povo (41,8-9; 42,18-20; 43,10, etc.). É o povo desfigurado sem as mínimas
condições humanas, sem graça, sem beleza. Desprezado como leproso. Mas é por meio deste
servo desprezado que se volta à justiça.
4.2.5 – Conclusão
O 2º Is é um profeta-poeta situado no fim do exílio da Babilônia, que assumiu a missão
de consolar o povo apontando para a iminente volta do povo para sua pátria. Ele mostra o carinho de Deus para com os exilados. Sua missão não é tanto de denúncias de pecado, mas antes,
de encorajamento.
100
101
Idem, p. 277.
TUA Palavra é vida. Vol 3. p.173.
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V – PROFETAS DO PÓS-EXILIO
0 - Introdução
Em 550 a.C., Ciro se torna chefe do exército Medo-persa e começa a expansão de fronteiras. Seu império se alonga da Índia à Grécia. Engole grande parte do Império da Babilônia.
Em 539 a.C. a Palestina cai no domínio persa.
Os persas, uma vez no poder, adotam outra política do que os babilônios. Não impõem
sua religião aos dominados. Cada povo sob seu jugo pode cultivar sua religião e cultura, porém, fica proibida qualquer organização política.
Os judeus exilados na Babilônia (598 a. C.) puderam retornar ao seu país em 538a.C.
(Esd 1). Nesta ocasião a Judéia se torna parte da Samaria. Tinha sua relativa liberdade, mas
anualmente pagava tributo à Pérsia.
5.1 - O retorno
Em 537 a.C. Sassabassar conduz a primeira leva de exilados de volta para a Judéia (Esd
1). Sua primeira tarefa foi retomar o culto e iniciar a reconstrução do templo, isto é, o segundo
templo (Esd 2-3).
Este grupo de repatriados encontra dificuldades, pois os samaritanos querem impedir a
reconstrução, vendo nisto uma reorganização política (Esd 4-5). Só em 520 a.C. Zorobabel
consegue, do rei Dario I, licença para continuar a obra (Esd 6-12). Aqui se situam os profetas
Ageu e Zacarias (520 a.C.). A consagração do novo templo se dá em 515 (Esd 6,19ss). Em 448
a.C. volta uma 2º leva de exilados. Uma de suas tarefas é reconstruir as muralhas de Jerusalém
(Esd 4,8-20). Também estes são bloqueados pelos samaritanos.
Em 445 Neemias vai a Jerusalém para continuar as obras (Ne 1-2). Neemias é nomeado
governador da Judéia (Ne 5,14). Em 428 chega o sacerdote Esdras com muitos judeus e junto
com levitas promulga a lei que regerá a comunidade judaica. Assim começa o judaísmo. Os
samaritanos querem participar, mas os judeus se fecham num exclusivismo fanático.
Nesta época se tem vasta produção literária:
HC: História do cronista, 1-2 Cr, Esd e Ne
Pentateuco: revisão e redação final
Tb, Jn, Rt, 3º Is, Ag, Zc, Jl, Jó, Pv 1-9, Ct.
2 - Propostas de reconstrução
Com a política persa, muitos exilados querem reconstruir sua pátria. Porém, em confronto com os remanescentes, surgem as diversos projetos de reconstrução.
2.1 - Ageu e Zorobabel (Ag 1-2; Zc 4,6-10)
Em 520m volta um número de exilados sob o comando de Zorobabel (descendente de
Davi), portanto, herdeiro da promessa (2Sm 7). Assim sendo, reacenderam as esperanças de
reimplantar a monarquia. Zorobabel chefiou a reconstrução do templo (Esd 3,5). Nesta linha
estão: Ag 1-2; Zc 4,6-10; 6,9-15. Ageu e Zorobabel querem o retorno da monarquia pré-exílica,
davídica.
Em 515, por ocasião da inauguração do templo, não se menciona mais Zorobabel, nem
Ageu (Esd 6,15-22). Provavelmente eles estejam exilados.
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Duas idéias primam em Ageu: O templo 1,1-2,19 e Zorobabel como novo rei 2,20-23.
Estas mesmas idéias se encontram em Zacarias: Zorobabel, novo rei Zc 4,6-10 . Mais tarde
quando Zorobabel morre, Josué, sacerdote, abarca o poder civil.
Os pontos-chave deste projeto são: Reconstrução do templo e reimplantação da monarquia davídica (Zorobabel é descendente de Davi - 1Cr 3,17-19 e Josué é descendente do
sumo sacerdote - Esd 3,2). Este projeto pode ser chamado de Sacerdotal-monárquico.
2.2 - Zacarias e Josué (Zc 3,1-9; 6,9-15; Esd 6,15-18)
O projeto encabeçado por Zacarias e Josué é a continuação do projeto anterior. Porém,
com o fracasso da monarquia (desaparecimento de Zorobabel), põe o poder na mão dos sacerdotes (Zc 6,9-15. Assim, a religião se torna o centro e o poder do povo. Está colocada a origem dos saduceus: a nobreza sacerdotal que assume o poder político. Assim o judaísmo se torna excludente (6,21).
2.3 - O terceiro Isaías (Is 56-66).
Os capítulos acima mencionados são a obra de um grupo de seguidores de Isaías, que
insiste num projeto alternativo de reconstrução. Não quer apenas reconstruir o templo, mas
quer nova realidade, isto é, novo céu e nova terra (Is 65). O 3º Is não quer voltar aos tempos
davídicos (monarquia). Quer voltar aos princípios como nos tempos dos juizes (tribalismo). Ou
seja, quando se vivia a Aliança (Ex 22,20-27; Dt 10,14-22). Ele sonha com nova realidade: a
restauração total 60-62 (62,2-9). Esta nova realidade passa pela justiça ao pobre e pela verdadeira prática religiosa. Ele denuncia:
- A injustiça dos chefes (56,9-12);
- A injustiça do povo (57,14-21);
- Falta de justiça e direito (59,1-21 - dest. v.9);
- Idolatria (57,3-10);
- Culto maldoso (66,3-4);
- Jejum sem justiça (58,1-12).
Destacar: os estrangeiros e excluídos terão parte (56);
Novo céu e nova terra (65,17-25).
Obs.: Os chefes do culto e do templo praticavam a opressão e matavam. Havia luta
entre os diversos grupos de sacerdotes. Com a reforma deuteronomista os sacerdotes do interior perdem sua função. No exílio muitos sacerdotes foram mortos. Entre os remanescentes só
havia alguns sacerdotes interioranos e nortistas. Ao retornar do exílio, travam-se lutas pela hegemonia. Um grupo vence e relega os demais ao segundo plano. Os vencedores foram os aaronitas ou sadocitas, que a partir de então assumem o sacerdócio de forma hegemônica, deixando
para os perdedores, os levitas, apenas um papel de auxiliares (sacristães). O 3º Is pode ser um
membro dos levitas.
“É provável, portanto, que as vozes proféticas/sacerdotais, que falam em Is 56-66, sejam patrocinadoras
de exercício mais amplamente compartilhado (ou alternativo?) do cargo sacerdotal por líderes religiosos
eticamente honestos e comunalmente responsáveis, apoiados pelo mesmo calibre de líderes políticos
(GOTTWALD, 473).
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Os aaronitas, por serem vencedores, corromperam-se com o poder persa. O 3º Is chega
a superar o templo (65,17-25; 66,1-4). O 3º Is quer englobar os judeus do exílio, os remanescentes, os de Judá e de Benjamin. Este projeto pode ser chamado de Profético.
2.4 - Rute
Continuação do anterior. Propõe o direito aos pobres: terra, trabalho, pão. Aceita os
estrangeiros, é da periferia (Belém). Não fala das genealogias como Esdras e Neemias. Vem
dos camponeses e do sistema clânico, ou seja, o clã que reage contra a nova organização.
2.5 - Neemias (Ne 5)
Neemias é nomeado governador da Judéia (5,14). Quer reconstruir a comunidade dividida entre ricos e pobres (5,1-19). Enfrenta oposição externa, da Samaria (2,10.19; 3,33), bem
como oposição interna dos ricos (6,17-19).
Neemias se baseia na antiga lei (Dt 15,1-11; Lv 25) assim quer que também agora devolvam tudo aos pobres (5,11; 10,31-32). Ne 5 tem semlhança com 1Sm 8,10ss.
O que se deve notar é que o agente principal deste projeto é o povo, sobretudo as mulheres (5,1ss). Neemias, o governador, é o executor. Ele é induzido a fazer reforma (5,6). Este
projeto pode ser chamado de popular.
2.6 - Esdras (Esd 9-10; Ne 10;13 - Matrimônios mistos).
Esdras é sacerdote e doutor da lei (7,1ss). Quer reconstruir Judá com base na observância da Lei e do culto (7-8). Nesta tarefa expulsa as mulheres estrangeiras com seus filhos (Esd
9-10). Quer a estrita observância da Lei (Ne 8,1-8).
Esdras deu identidade ao povo, mas meteu o povo num isolamento, separando-o dos
outros povos (Ne 9,1-2; 10,29), criando assim a raiz do farisaísmo.
“Os critérios de seleção: a raça, o culto, a observância da Lei, a canonização das Escrituras acabaram por determinar que apenas uns poucos eleitos, os puros, estavam credenciados para o encontro com Deus no recinto do templo” 102.
Este projeto é misto de popular e de elite sacerdotal e do templo.
3 - Conclusão
Pode-se dividir tudo em dois caminhos:
3.1 - Ageu, Zorobabel, Zacarias, Josué, Neemias e Esdras.
Eles representam a elite. Fincam pé no templo e no país (cf Jo 11,49-50). Acentuam a
observância da Lei. Querem manter a Aliança em suas mãos. Cuidam de seus interesses, caem
no lagalismo sem justiça (Mt 23,1-4;Is 58,1-12).
102
TUA PALAVRA É VIDA, p.194.
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3.2 - 3º Isaías, Rute, Jó, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos.
Representam a resistência popular. Acima da observância da Lei, buscam o pobre, a
mulher, a pessoa humana.
Ou ainda se pode classificar assim:
O que?
Quem?
Projeto
Pobres/periféricos
3º Is e Rt
Volta ao clã, volta à justiça
Poderosos/reis/sacerdotes
Zorobabel, Josué, Ag e Zc
Volta ao culto no templo
Nível médio
Esdras e Neemias
Fidelidade à Lei e pureza das
raças.
A proposta de Esdras e Neemias prevaleceu até Jesus.

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