do alcoólatra - existe uma solução

Transcrição

do alcoólatra - existe uma solução
OS MIJITOS
ASPFCTQ5 DO
ALCOOLISMO
por
DONA LD M. LAZO
(U M A
C O M P ILA Ç Ã O
DE AR TIG O S
PUBLICADOS NA REVISTA "AVE M A R I A " )
Um estudo sério* uma p@sqrdm psresvctw
cansoranfe nos tratamentos do
.* pedido de m uitos leijorfe esíamos reiniciando um a série de arr r : : sobre um flagelo que estim am os
1 Í Í . 3.T um a em ca d a três ÍEmuias
::o ::.:ir a s , independentem ente de
£ue ii:x& social; o ^alcoolismo. .
P ara abord? - o assunto, trazem os
ce ro lta às pág :ias d a AVE M A R IA
; Dr, D onald M . Laso, sociólogo e
engenheiro in d u s triíi. E m bora não
i i :ã m éáico, o D r. Lezo, u m norte-E—encano rad icad a nc Brasil h â 18
íz o : tem dedicado cs últim os 17
o n :; de sua vida — desde o dia, em
= et ; 3 de 1965, em que ss conscientizou de que ele m esm o era alcoólatra
e p arou de b eb er — ao estudo inten­
sivo do alcoolism o.
Ele e su a esposa Sônia fizeram
rursos e estágios em clínicas especíaiôzaáas em alcooiis io n a A rgentina,
Colômbia, C osta F.;ca e nos Estados
■ '_r.:dos. A ssistiram , em oito países
oüereníes, a centenas áe reuniões de
; isociações de aju d a m ú tu a, com (in*
nusrve) as que existem no Brasil: a
Assoei oão A ntialcoóiica do Estado
z í Sãc Paulo, Alcoólicos A nônim os,
: In sr uto F ratern al de L aborterapía. Neuróticos A nônim os, Al-Anon,
. : .een, ARA (A m bulaíório de Rec_peração de A lcoólatras), o C entro
de Com bate ao Alcoolismo da Polícia
N íüitar e outros.
D urante m uitos anos, recolheram
n o có latras em sua casa, cuidando
:;íe s até que estivessem em condirões de voltar a trab a lh ar e dirigir
5-=£ p ró p rias vidas. P ara am bos foi a
mais gratificante experiência de sua
Tida.
Alguns anos atrás, surgiu a opor7_r.:dade de realizar um antigo sonho
s colocar em p rá tic a o que haviaiv
aprendido. O sonho: ju n ta r os m ais
- l i e m o s conhecim entos científicos
o i M edicina aos princípios espirituais
empregados pela Irm a n d ad e de Aícoó'.::os Anônim os (os famosos Doze
Fasscs}, num trata m e n to integral do
i ooólaíra. E sta com binação, quando
te r- id a pela integração do paciente a
'-ma das organizações de ajuda m ú-
uma pratica
m e
s.
f I «ms»
^Les 11
dal (a sigla R eíndal significa R ecupe­
ração In teg ral do D oente A lcoólatra)
daqueles a que a m aioria dos alcoóla­
tras está acostum ada no B rasil” ,
explica o D r. Lazo. “ Todos são con­
seqüência, .da m aneira diferente com
q u e . encaram os a dosnea do alcoo­
lismo.
‘‘No Brasil, com . ai. im as felizes,
exceçc.,s, o alcoolism o a in d a é tid o ,'
de um. m odo geral,, com o sintom a de
p r o b le m a s
p s íq u ic o s
p ro fu n ­
dos e, p o rtan to , tra ta d o em clínicas
psiquiátricas. Nos -Estados U nidos,
porém , o alcoolism o esíá sendo en ca­
rad o cada vez m ais como. u m a do en ­
ça em si, de raízes orgânicas e não
pfsíqmcas. E ste é o conceito q u e 'a d o ­
tam c r n a C hácara. Assim ' sendo, n ão
m isturam os os nossos, pacientes com
doentes m entais, pois estes últim os
■;devem se-;r tratados em clínicas p si­
q u iátricas, e alcoólatras em centros
de trata m e n to especializados em
alcoolism o, como é o caso d a C h áca­
ra R cindal.
’
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“ H á o u tras diferenças. P o r exemp
lo
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p o r considerar o r oolismo u m a
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T
dependência de um a tí:oga psicotrópíca, nós procuram os evitar o uso de
tua, está levando a índices de recupe­ calm antes e tranqüilizantes, que
ração im pressionantes nos E stados tam b ém são psicotrópicos. N a fase.
Unidos — m uito superiores aos índi­ ag u d a da desintoxicação, os tra n q ü i­
ces obtidos p o r clínicas de tra ta m e n ­ lizantes são freqüentem ente necessá­
to ou entidades como Alcoólicos rios — o m enor de dois m ales, pois
Anônim os, quando atu am indepen­ eJes evitam as convulsões e o perigoso
estado de “ deíirium írem en s” . P o ­
dentem ente.
Convertendo a chácara em que rém , n a fase do trata m e n to p ro p ria ­
m oravam num am biente fam iliar m ente dito, eles são contraproducen-^
tes, podendo criar um a; depender ria i
onde podem hospedar até 15 pessoas,
j T~
convidaram um médico, um religioso
• f m setem bro do ano passado, o
e u m á alcoólatra recuperado a em b ar­
car com eles n a aventura de cria r o D r. ..azo t - que, além de te r p u b li­
prim eiro centro p artic u la r de tra ta ­ cado artigos em várias revistas, j á
m ento residencial no Brasil, dedica­ trad u ziu dois livros e u m a dezena de
do exclusivam ente à recuperação de folhetos sobre, o alcoolism o p a ra a
alcoólatras. O sistem a de tratam en to lírígua portuguesa — foi convidado
usado, que im plica n u m a estada d e. pelo M inistério da Saúde, ju n to com
duas sem anas, é copiado dos que outros peritos em alcoolism o, p a ra
vêm florescendo nos Estados U nidos p artic ip a r de um encontro em B rasí­
lia, a fim de desenvolver m edidas de
nos últim os anos.1
:
“ H á v á rio s 'a s p e c to s 'q u e distin­ com bate aos problem as causados
guem o tratam ento;na C hácara R ein-' pelo abuso do álcool no Brasil.
ove morta 17
Se lige», Brosií í
D onald L azo
Está na hora de abrirmos os olhos
e admitirmos que o alcoolismo permeia
nossa sociedade minando cada vez
mais a vida física, emocional e espiritual
da família brasileira.
T
odos sabemos que am ericano be­
be demais. A gente vê na televi­
são. Quase não existe cena nas nove­
las am ericanas, como Dalias, em que
não se encontre alguém com copo na
m ão. A gente tam bém lê que os artis­
tas e cantores americanos bebem e
tom am drogas o tempo todo. Depois,
a gente lê que, nos Estados Unidos,
considera-se que 10% da folha de pa­
gam ento de to d a empresa é alcoóla­
tra, e. que as últim as estimativas indi­
cam que o alcoolismo está custando
à indústria norte-am ericana (em aci­
dentes de trabalho, horas perdidas,
desperdício de m aterial, baixa p ro ­
dutividade, etc.) nada menos que 47
bilhões de dólares por ano. Basta
ligar a televisão por lá — num a des­
sas viagens a O rlando para visitar a
Disney W orld — e, não passou uma
hora, aparece um reclame.sobre o al­
coolismo. Sim, senhor, esses am eri­
canos bebem p ra chuchú. Graças a
Deus não temos esse problem a no
Brasil.
Eu acho que o problem a é p io r no
Brasil. Só que aqui quase ninguém
emende o que é o alcoolismo. E o
resto esconde. Não me surpreenderia
nada se descobrisse que existem 12
milhões de alcoólatras neste país.
A negação é um fenôm eno que
e com panha todo caso de alcoolismo.
O alcoólatra nega que é alcoólatra.
Diz que bebe porque gosta, e que p á­
ra a h o ra que quiser. Só que nunca
:_er. Chega em casa bêbado quatro
ezes por sem ana e adm ite que “ às
s í s ” toma “ um pouquinho a mais” .
E quando exagera, é sempre culpa
dos outros. Tudo isso é negação.
Como se não bastasse, a família
: : ilcoólatra tam bém nega. Esconde
e encobre os vexames do pai (ou da
— lê ajcoólatra. Os m em bros da fa­
doença gera. Podia se supor que es-^
sas pessoas estariam desesperada­
mente buscando um a solução para
seu problem a em todo quanto é
lugar. Sabem quantas pessoas com ­
pareceram à conferência? T rinta e
oito.
Também,, o mês passado, o M a­
nagem ent Center do Brasil aprovei­
tou a vinda dos Estados Unidos de
um grande perito no assunto para
oferecer um curso sobre alcoolismo
na empresa. Ora, presume-se que o
Brasil não foge da regra: aqui, tam ­
bém , um em cada dez funcionários
deve ser alcoólatra (em bora as assis­
tentes sociais com quem eu falo insis­
tem que o núm ero de funcionários
alcoólatras é bem m aior). Em todo
caso, o alcoolismo é de longe o m aior
problem a de pessoal das empresas
brasileiras. Porisso, para esse curso
foram enviados convites para mais
de 1.000 empresas, congregando aci­
m a de 1 milhão de funcionários. Sa­
bem quantas empresas enviaram al­
guém ao curso? Oito.
Em outras palavras, não são so­
mente o alcoólatra e os m em bros de
sua família que negam a existência de
um grave problem a de alcoolismo no
Brasil. As escolas, as empresas, e
simT tam bém o governo, querem fa­
zer de conta que não existe. M as,
está na hora de abrirm os os olnos.
Porque se não adm itirm os que o al­
coolismo permeia nossa sociedade, a
doença continuara a se alastrar, mi­
nando, cada vez m ais, a vida física,
emocional e espiritual da fam ília bra­
sileira. Se liga, Brasil!
*■
m ília não tocam no assunto. É mais
fácil fazer de conta que não existe. É
com o se houvesse um entendim ento
entre eles: não devemos falar do que
está acontecendo nesta casa, nem en­
tre nós mesmos.
M as, a negação não funciona. O
problem a existe e cresce. Querem ou­
vir um as estatísticas alarm antes?
Existe um caso de alcoolismo em ca­
da três famílias. De cada quatro estu­
dantes n a escola, um vai mal porque
está sendo prejudicado pela convi­
vência com um alcoólatra em casa.
Mas tam bém não se ensina qualquer
coisa sobre alcoolismo nas escolas,
porque elas não querem dar a enten­
der que seus alunos possam ter pro­
blemas de alcoolismo em suas fam í­
lias. É preferível não tocar no assunto
— não educar os futuros alcoólatras
do país, em bora talvez as estatísticas
mais alarm antes sejam estas: 58% de
todos os alcoólatras têm um pai ou
um a m ãe alcoólatra e outros 30% ca­
sam com alcoólatras. Os restantes
12% passam pela vida com m uitos
problem as que provavelm ente nunca
resolverão sem ajuda adequada. E
essa ajuda não existe no Brasil p o r­
que tam bém não se ensina alcoolis­
m o nas escolas de medicina do país.
O
mês passado m inha esposa e eu
fom os convidados a fazer um a con­
ferência sobre alcoolismo. P ara essa
conferência foram enviados convites
a 3.000 famílias. Deve-se entender
que, das famílias que receberam o
convite, m il tinham um caso de
alcoolism o. E não esqueçam que o
alcoolism o é progressivo e 100% fa­
tal para os que não param de beber.
Mil dessas famílias, aglom erando
talvez 5.000 pessoas, estavam viven­
do com um alcoólatra em casa e so­
frendo todas as angústias que essa
m
a
ítí
C H ÁC AR A REINDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
Iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Posta! 20.896
01498 São Paulo, SP
' (Fone: (011) 520-9514)
o v e m a r ia 29
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) 0j
Donald Lazo
O REMEDIO QUE NAO CURA
MAS PODE AAATAR
trabalho sobre o alcoolismo pode
Nenhum
deixar de fazer referência a certos rem é­
dios que são receitados em grande volume
para milhares de alcoólatras através de seus
familiares, que chegam à farm ácia com este
apelo: “ Vocês teriam algo que fará meu m ari­
do (pai, esposa, irmão, irm ã, filho, filha)
p a rar de beber? ’
Freqüentem ente, o farm acêutico ou seu
funcionário dará ao freguês um produto (os
nomes mais comuns são Antabuse e Antietanol) que contêm uma substância química cha—ada disulfiram, e lhe aconselhará a “botar
aquilo na sopa dele quando não estiver olhan­
do". Com disulfiram no seu corpo, a próxima
vez que a pessoa beber terá um a reação
violenta. O coração disparará, terá dificuldade
em respirar, sentirá um grande calor, poderá
com eçar a vomitar e talvez saiam m anchas
•ercnelhas na pele. Teoricam ente, o bebedor
a d ia rá que a bebida está causando estes
ntam as e decidirá abandoná-la de vez.
Só que a teoria tem dois poréns. Primeiro.
: bebedor invariavelmente descobre a verdade
er.tre seus amigos de botequim , podendo aban­
donar a esposa em vez da bebida! Segundo, a
reação pode m atar.
Existe um papel legítimo p ara os remédios à
: ase de disulfiram no tratam ento de alcoóla:-is . Sabemos que um só drinque é suficiente
p ara levar o doente a um estado de descontrole
;_e. não raro. além de estragar o tratam ento,
p : áerá fazê-lo desistir do mesmo, com consepüências imprevisíveis. A fim de evitar tal
acontecimento, o disulfiram pode ser um a
ferram enta útil. Mas somente quando é tom a­
' í : , e m a r ia
do conscientemente pelo alcoólatra, sabendo
que se beber logo após — ou até mesmo dias
após — sofrerá um a reação m uito incôm oda e
talvez perigosa.
Quando eu penso que um paciente nosso
poderá ter dificuldade na m anutenção de sua
abstinência, eu lhe falo um pouco sobre disul­
firam . Descrevo o remédio como um tipo de
apólice de seguro contra o beber compulsivo
para aqueles que sinceramente querem absterse do álcool. Afinal, este bebedor compulsivo
tem que tom ar dezenas de decisões por dia:
cada vez que passar por um botequim , tem
que decidir se entra e tom a “ um zinho" ou
não. Mas aquele que está usando o Antabuse
ou o Antietanol só tem que fazer um a decisão
por dia, e o faz “ de cuca fresca” , quando
PROBLEMA
DE
BEBIDA?
O tratam ento, ou internação, na-REINDAL emprega
as mais avançadas técnicas utilizadas em conceitua­
dos centros de reabilitação norte-americanos
REINDAL - Recuperação Integral do Doente Alcoólatra
Rua Augusta, 2676 - C x. Postal 20.896 - T e ls.: 520-9514 e
63-5437 - São Paulo - SP.
r~ ——r:—.. mamM M M W i
acorda: “Tomo o comprimido ou não?” Se
decidir tomá-lo, sabe que não poderá beber. O
alcoólatra que fizer isto diariam ente enquanto
estiver se tratando (com um psiquiatra ou em
Acoólicos Anônimos, por exemplo) terá com ­
prado o tem po necessário para se reabilitar
integralm ente. Passado alguns meses, poderá
abandonar o remédio com melhores possibili­
dades de não voltar a beber.
O problem a é que a m aioria dos alcoólatras
que concordam em tom ar disulfiram , não se
tratam concom itantem ente. Assim, sua com ­
pulsão não desaparece e acabam largando o
rem édio para poder voltar à bebida alguns
dias depois.
Parece-me que a melhor m aneira de supe­
rar esta eventualidade é sugerir ao alcoólatra
que concorde em deixar sua esposa adm inis­
trar-lhe o remédio em forma de pó m isturado
com algum líquido que toma na presença dela.
(Se ela adm inistrar o remédio em form a de
com prim ido, ele poderá botá-lo debaixo da
língua, beber em cim a e depois cuspir o com­
prim ido quando ela não estiver olhando). O
acordo entre ele e ela seria apenas mais um a
apolicezinha de seguro para o dia, mais tarde,
que ele eventualm ente começar a titubear.
Resum indo, convém frisar dois pontos im ­
portantes no que se refere ao uso de remédios
que contenham disulfiram . Prim eiro, nunca
devem ser administrados a um alcólatra sem
ele saber. Segundo, estes remédios de forma
algum a servem como substituto para um pro­
gram a de crescimento espiritual que, afinal de
contas, é a única solução defintiva e duradou­
ra p a ra a doença do alcoolismo.
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e\^M:k y ktsÿ'É t Nfcir^ti' V tD onald Lazo (Diretor da R E IN D A L )
de m anhã recebi um telefo­
H oje
nema da esposa de um alcoóla­
tra que se tratou na nossa Chácara
rito meses atrás. Ela estava desespe: 2 da. contando que ontem ele havia
:l:a d o a b e b e r“ e ficou quase doido” ,
quebrando vidros, pratos e móveis
e~ casa e jogando a filha repetidas
veies contra a parede até que ela e a
—ale conseguiram fugir de casa.
Perguntei a ela se o marido havia
i z f - i z o nossos conselhos, integrando-se a algum grupo de Alcoólicos Anô­
nimos. Lembrei a ela que, na últim a
r alestra que faço p ara nossos pacien­
tes antes de dar-lhes alta, explico
:_e. ao sair da Chácara Reindal, não
de--em pensar que já foram tratados
e sim que seu verdadeiro teste — o
de não voltar a beber — estava para
ccmeçar. Acrescento que eles são os
■~r-.:cos responsáveis pela m anutenção
de sua saúde e sobriedade e que de­
veriam dar prioridade a três coisas:
1 a prática do program a de cresci— erro espiritual/em ocional conheci
do como os Doze Passos sugeridos
por Alcoólicos Anônimos; (2) o iniresso em algum a organização de aju­
da m útua e (3) o afastam ento de todo
medicamento que altere o hum or. Deto explicar que aqui, na Chácara
P.eirdal, não tratam os aqueles raros
: a:os de alcoólatras que tam bém são
doentes m entais e precisam de medilan en to s psicotrópicos. Quando dep aramos que temos um paciente nessa categoria, ele é encam inhado para
_ n a clínica psiquiátrica.
A esposa, aflita e chorando, me
respondeu que o m arido havia corne­
a d o a assistir a reuniões mas havia
de: istido após algumas semanas “porcue sentiu que não precisava mais” .
Çmando perguntei se ela o havia in­
centivado a voltar ao grupo, ela me
respondeu que não parecia necessá­
rio: "Ele estava tão bem ” .
Ela continuou: “ Se bem que, ulti­
m amente. ele tem-se m ostrado bas­
ta r :; nervoso e irritadiço e disse-me,
várias ocasiões, que estava consi­
derando voltar ao grupo” .
Não precisava ela dizer mais na-
que fatalmente havia acontecido. Por
não estar praticando o program a dos
Doze Passos e usando a organização
de ajuda m útua para ajudar outros
alcoólatras, ele começou a sentir-se
nervoso. (M uitas vezes dem ora um
ano ou mais para o sistema nervoso
voltar a seu estado norm al.) N atural­
mente, come; ou a pensar na bebida,
lembrando-se de que o álcool sempre
o havia acalmado em circunstâncias
semelhantes no passdo. Contudo, sa­
bia, através da educação que nós lhe
havíamos dado, que jam ais poderia
voltar a ingerir um a bebida alcoólica
sem reativar a sua dependência. De­
ve ter concluído que existem certos
comprimidos que tam bém acalm am
e, esquecendo o que lhe havíamos
ensinado a respeito, certam ente ra ­
ciocinou que comprimidos não são
álcool. Além do mais, são prescritos
por médicos e portanto não podem
ser prejudiciais. Sua esposa me con­
firmou que ele havia procurado um
médico e, sem dizer-lhe que era al­
coólatra, descreveu seus sintomas: ir­
ritabilidade, nervosismo, etc. O mé­
dico receitou-lhe uns calmantes e ele
passou a tomá-los, despertando de
novo a sua dependência química e
levando-o, mais um a vez, ao copo.
Os m edicamentos que alteram o
hum or podem ser valiosos na desin­
toxicação de alcoólatras, durante os
prim eiros 3 ou 4 dias. Tornam este
breve período, de extrema agitação,
mais cômodo. E como eles têm um
efeito similar ao do álcool no sistema
nervoso central, servem como substi­
tuto e evitam as perigosas convulsões
e o perigosíssimo estado de delirium
tremens. Mas estas drogas — sobre­
tudo os tranqüilizantes menores (Valium. Librium, Psicosedin, etc.), b a r­
bitúricos e hipnóticos não-barbitúricos são prejudiciais para o alcoólatra
em qualquer outra ocasião. A pessoa
que já tenha desenvolvido um a de­
pendência do álcool não poderá —
sem correr o risco de agravar essa
dependência — experim entar qual­
quer droga que altera o hum or (m u­
dando a m aneira de a pessoa sentir).
Tam bém corre o risco de criar um a
segunda dependência. Existe a cha­
m ada “ tolerância crüzada” entre es­
tes produtos químicos ;e, se o uso de
um deles tiver levado a conseqüên­
cias danosas, o uso de qualquer ou­
tro corre grande risco de levar a re­
sultados semelhantes. Isto significa,
portanto, que, se um a pessoa tiver
um problem a com o álcool e estiver
sendo tratada, o uso subseqüente de
soporíficos, tranqüilizantes, sedativos
ou qualquer outra coisa que altere o
hum or (como maconha) envolve alto
risco de (a) levar a pessoa de volta ao
álcool, (b) tornar a pessoa dependen­
te da outra droga tam bém , ou (c)
ambos. Assim, para ser bem-sucedido um tratam ento, o alcoólatra pos­
teriorm ente precisa evitar não somen­
te o álcool mas tam bém toda outra
substância que altere o hum or.
C H ÁC AR A REINDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.836
91498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
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/' •- / x i
CUIDADO COM OS MEDICAMENTOS
(Em ss íraíando d® alcoólatras)
r -u itas pessoas — inclusive muitos
I y ^profissionais — não distinguem
entre motivos para beber e causa do
alcoolismo. Para elas, alcoolismo é
um sintoma secundário de “ proble­
mas psíquicos profundos” . Estas pes­
soas concluem que, se forem elimina­
dos ou aliviados os “problemas psí­
quicos profundos” , o alcoolismo ten­
derá a ceder por si só. Assim sendo,
:entam resolver o problem a de bebi­
da do alcoólatra atacando o que
consideram a raiz do problema: as
causas” psíquicas. E p ara isto se
utilizam demasiadamente de tranqüi­
lizantes.
Este conceito do alcoolismo (que
entende que motivos para beber são
as causas do alcoolismo), junto com
os tratam entos baseados nele, fazem
parte de um dos maiores infortúnios
no campo de saúde da Nação. Pois
motivos para beber existem milhares,
e servem tanto para alcoólatras como
para não-alcoólatras. Mas as causas
do alcoolismo podem ser reduzidas a
duas: o álcool, e um organismo com
predisposição à doença chamada “ de­
pendência” .
Na realidade, o organismo do
alcoólatra está predisposto a se tor­
nar dependente não só do álcool mas
de toda substância que altera sua
forma de pensar, sentir e comportarse, enfim, que altera seu humor.
Esse fato é de suma importância
porque sugere que alcoólatras não
devem ser tratados com psicotrópicos.
Certas drogas que alteram o h u ­
mor — especificamente os tranqüili­
zantes menores — são valiosas nos
primeiros três ou quatro dias da
desintoxicação. Neste período crítico
em que é necessário evitar o perigosíssimo estado de “ delirium trem ens”
(que m ata um em aproxim adam ente
oito), estes medicamentos têm um a
função muito útil, pois tornam a
desintoxicação do álcool mais segura
e cômoda. Isto porque sua ação no
sistema nervoso central é muito p are­
cida à do álcool. Porém, os tranqüili­
zantes são prejudiciais em qualquer
outro ponto do tratamento do alco­
olismo.
Isto significa que se um a pessoa
tiver um problem a com o álcool e
estiver sendo tratado do mesmo, o
uso — após a fase aguda da desinto­
xicação — de soporíficos, tranqüili­
zantes, sedativos ou qualquer outro
medicamento que altere o hum or,
envolve um alto risco de levar a
pessoa de volta ao álcool, de torná-la
dependente do medicamento tam ­
bém, ou de ambos. Assim, para ser
bem sucedida a reabilitação, o al­
coólatra precisa evitar — durante o
tratam ento e depois — não só o
álcool mas, tam bém , as outras subs­
tâncias que alteram o hum or.
Todos estes psicotrópicos — que
tragicamente são usados em larga
escala na “ desintoxicação” de al-
coólatras — são contra-indicados por
quatro razões bácicos: (1) porque
podem levar a um a dependência que
requer um período de desintoxicação
mais prolongado que o do álcool; (2)
porque, no caso de alcoólatras, agra­
vam o problem a que já existe, em vez
de aliviá-lo; (3) alguns — especifica­
m ente os tranqüilizantes maiores —
são contra-indicados para fins de de­
sintoxicação de alcoólatras porque
são capazes de aum entar a incidência
de convulsões (“ withdrawal seizu­
res” ); (4) finalmente, são contra-indi­
cados porque o alcoólatra que apren- ■
de a apelar para calmantes habituase a usar um paliativo artificial que
substitui o tratam ento mais indicado
para sua doença: um tratam ento es­
piritual capaz de torná-lo um a pes­
soa que não precisa de drogas p ara
enfrentar a vida.
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as mais avançadas técnicas utilizadas em conceitua­
dos centros de reabilitação norte-americanos.
REINDAL - Recuperação Integral do Doente Alcoólatra
Rua Augusta, 2676 - C x. Postal 20.896 - T e ls.: 520-9514.e
63-5437 - São Paulo - S P .
ri y /
g>s
P arte de u m a série de artigos sobre o alcoolism o. O a u to r, D r. Lazo,
sociólogo, en g en h eiro in d u strial e d ireto r d a R E IN D A L (C entro de
educação e tra ta m e n to p a ra alcoólatras), é, ele m esm o, u m alco ó latra
recu p e ra d o h á m ais de quinze anos.
D onald Lazo
Quais os sintomas do
e lc o o lis m o f
-w
2
-%
os sintomas visíveis geralmente aparecerão só
E mbora
depois de 5 a 10 anos, a doença do alcoolismo começa a
desenvolver-se a partir do momento em que determinadas
pessoas — suscetíveis ao álcool — tomam sua primeira be­
bida alcoólica. Processos orgânicos nos corpos dessas pes­
soas — que representam 10% a 20% de todas as pessoas
que bebem — produzirão os seguintes efeitos: (1) Quando
ingerirem bebidas alcoólicas, elas se sentirão altamente
estimuladas e, ao mesmo tempo, desinibidas. Em festas,
se sentirão como se fossem os convidados mais simpáticos,
engraçados, bonitos e inteligentes. Esta sensação maravi­
lhosa as motivará a beber o quanto puderem . (2) Ao pas­
sar dos anos, seus organismos se adaptarão às grandes
quantidades de álcool que bebem, obrigando-os a (e, mais
importante e trágico, permitindo-lhes) beber quantidades
cada vez maiores, sem sofrer os efeitos normais da em­
briaguez, ressaca, etc. (3) Eventualmente, perderão esta
extraordinária capacidade de tolerar o álcool. Os efeitos
tóxicos da droga acabarão deteriorando todos os órgãos e
tecidos do corpo — comprometendo, em particular, o cé­
rebro. As reações físicas do organismo — e principalm en­
te do cérebro — aos efeitos tóxicos do álcool causarão
aberrações psicológicas, da mesma forma que um tumor
cerebral causa a depressão, a paranóia e a confusão men­
tal. Assim, embora a progressão do alcoolismo seja princi­
palmente um processo químico/físico, os sintomas visíveis
da doença (salvo o primeiro) são psicológicos.
O primeiro sintoma do alcoolismo já foi mencionado:
o alcoólatra bebe “melhor” que os demais. Passa a tom ar
quantidades maiores, com.maior freqüência, sem cam ba­
lear, sem enrolar a língua, sem ficar tonto e sem ter ressa­
ca no dia seguinte. Quem se imaginaria que é justam ente
este “bom copo” que eventualmente será dominado pelo
álcool?
Alguns anos mais tarde, o alcoólatra perderá a capaci­
dade de tolerar a bebida. Embriagar-se-á com cada vez
menores quantidades de álcool. Comprometerá seus valo­
res morais quando estiver embriagado e, como conseqüên­
cia, terá fortes sentimentos de remorso. Reagirá a estes
sentimentos mentindo, minimizando as quantidades que
bebeu e justificando as ocasiões (cada vez mais
freqüentes) em que passou da conta: “Demoraram muito
em servir o jan tar” ; “ Não é todo dia que se casa uma
filha” , etc. Quanto mais envergonhado se sentir, mais
apelará para a bebida para anestesiar seus sentimentos de
culpa.
Começará a procurar maneiras de beber sem criar pro­
blemas. tomando só cerveja, ou só nos fins-de-semana, ou
1B a v e m a ria
Como posso saber se sou alcoólatra ?
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um dia sim, um dia não, ou só depois das 18 horas, ou só
na com panhia da esposa, ou nunca na com panhia da es­
posa. Nada funciona. Enquanto continuar bebendo, con­
tinuará piorando.
Chorará bastante e gradativam ente se tornará agressi­
vo, projetando nos outros a decepção e ódio que sente de si
mesmo. Perderá o gosto pela vida, a motivação de trab a­
lhar, a capacidade de externar seu amor pela família, a fé
em Deus. Sofrerá repetidas perdas de memória.
Tudo por causa do efeito nocivo do álcool — que agora se
tomou o remédio para as angústias que ele mesmo cria — ao
ao sistema nervoso
.......... r™ —
central. Esta pes­
pes- ESSE
soa precisa urgen­
temente abando­
nar a bebida. A es­
ta altura, porém, a
BE
bebida alivia tanto
BEBIDA?
o seu sofrimento
que não irá querer,
de forma alguma, O tratam ento, ou internação, na REINDAL emprega
viver sem ela. Ca­ as mais avançadas técnicas utiiizadas em conceitua­
centros de reabilitação norte-am ericanos.
berá a outras pes­ dos
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soas convencê-la Rua Augusta, 2676 (S P )
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da necessidade de
se tratar.
PROBLEMA
Donald Lazo
OS DIFERENTES
EFEITOS DO ÁLCOOL
(Nos organismos de alcoólatras)
á m uitas definições de alcoolis­
mo e existem, aparentem ente,
irios tipos de alcoolismo. M as estes
detalhes interessam apenas aos estu­
diosos. O que interessa ao leitor (e o
que m ais interessou a mim nos últi­
mos 17 anos) é como ajudar aquela
pessoa cuja maneira de beber, com o
p i;sar dos anos, vem prejudicando a
e ic __e aos que convivem com e la __
cada vez mais. Esta pessoa tem um a
doença progressiva, irreversível e que
term ina na morte prem atura ou na
loucura perm anente. Trata-.se do tipo
mais comum de alcoolismo, aquele
que foi classificado pelo Professor E.
M. Jeliinek como alcoolismo gama.
P ara saber como ajudar esta pes­
soa. é preciso primeiro saber o que
ela tem. E é aqui que começa a
confusão, pois, embora as grandes
associações médicas do m undo (in­
clusive a do Brasi), definam o alco­
olismo como doença, a maioria das
pessoas o consideram ou “ sem-ver­
gonhice e ponto” , ou então o sintoma
de uma doença (doença psíquica, no
caso). Ambos os enfoques estão er­
rados.
-A
<a r r o
j
O prim eiro sque estas pessoas co­
metem é o de julgar o alcoólatra com
base nas suas próprias experiências
com a bebida, “Eu, graças a Deus,
não bebo em exagero, mas esse meu
primo não sabe se controlar” . As
pessoas cometem este erro porque
pensam que o álcool afeta a todos da
mesma forma, e esse é um grande
equívoco.
Diferentes comidas afetam dife­
rentes pessoas de maneiras diferen­
tes. Alguns não podem comer mo­
rango — saem manchas na pele de­
les. M inha esposa não pode beber
eoca-cola sem sofrer um a terrível dor
de cabeça. Eu não consigo comer
lagosta: me dá um a cócega esquisita
na garganta. Existem muitos tipos de
14 a ve m a r ia
alergias: reações bioquím icas anor­
mais às substâncias ingeridas.
Estim ulante e sedativo — Em bo­
ra a literatura da Irm andade de Al­
coólicos Anônimos sugira que o alco­
ólatra tem “um tipo de alergia” pe­
rante o álcool, parece-m e mais com ­
preensível dizer que o alcoólatra se
encontra num a m inoria de 10% a
15% da população que não está prote­
gida por um a alergia ao álcool.
P ara entender o que quero dizer,
é preciso saber duas coisas im portan­
tes: (1) O álcool é um a substância
enganadora. Em pequenas quantida­
des, ele funciona como estim ulante.
Em maiores quantidades, seus efeitos
sedativos e tóxico superam o efeito
estim ulante. (2) Existe um a condição
química nos organismos de alcoóla­
tras que lhes dá maior capacidade de
ingerir bebidas alcoólicas que as pes­
soas não-alcoólatras.
P ara 85% a 90% da população,
o efeito eufórico do álcool não é tão
acentuado. Com um ou dois ou três
drinques, estas pessoas poderão sen­
tir-se um pouco desinibidas e relaxa­
das, alegres até — mas não conse­
guem beber muito. Se tom arem um
pouco mais, ficarão tontas e enjoadas
— um a sensação desagradável. Estas
pessoas aprendem cedo em suas vi­
das que, em bora o álcool funcione
como estim ulante em pequenas
quantidades, para elas (devido à sua
lim itada capacidade), dois ou três
drinques constituem um a grande
quantidade de álcool, e, com essa
quantidade, elas sentem os efeitos
desagradáveis ao álcool.
Com o alcoólatra, a coisa é dife­
rente. Sua capacidade perante o ál­
cool (repito: devido a algum fenôme­
no químico no seu organismo) é
maior. Para ele (ou ela), dois ou três
drinques é uma pequena quantidade
de álcool e, portanto, ele sente o
efeito estim ulante da bebida. Sente-se muito bem e até eufórico. Q uan­
do ele bebe, o efeito é m uito parecido
ao efeito de alguns narcóticos: seus
problemas, suas dores (emocionais),
suas mágoas desaparecem ... p o r al­
gumas horas. Suas dívidas “ são p a ­
gas” ... por algumas horas. As inim i­
zades somem e sente-se integrado ao
m undo. Todos são seus am igos... por
algumas horas. (Um aparte: mais
adiante, poderá desenvolver um ódio
de si mesmo — devido à sua frustra­
ção por não conseguir controlar a be­
bida — e projetar esse ódio naqueles
que mais estão tentando ajudá-lo (er­
radam ente, é claro, porque tentam
aconselhá-lo a controlar a bebida
quando isto é fisicamente impossível
para ele).
No alcoólatra, além do mais, um a
pequena quantidade de álcool (nos
primeiros estágios da doença), lite­
ralm ente lhe faz bem: pensa melhor
e funciona melhor. Testes psicotéc­
nicos já provaram que pequenas
quantidades de álcool aum entam a
capacidade mental e m otora do alco­
ólatra, em bora as mesmas quantida­
des dim inuam a capacidade do não-alcoólatra.
Assim sendo, a próxim a vez que
você for tentado a dizer ao alcoólatra
na sua família: ‘‘Por que você não
bebe como eu?” , lembre-se: o alcoó­
latra não é como você. Ele é quim ica­
m ente diferente, e essa diferença no
seu corpo faz com que ele seja bene­
ficiado pelo álcool, enquanto você é
prejudicado. Não é justo, portanto,
querer com parar o com portam ento
do alcoólatra perante a bebida com o
com portamento dos demais.
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A L C O O L IS M O
O organismo
anormal do
alcoólatra
chamado aldeído acético. A ntes de
ser covertido, por sua vez, este al­
deído acético é levado pela corren­
te sanguínea até o cérebro, onde
uma pequena parte, segundo Mumey,
permeia um neurotransm issor cha­
mado dopamina. Logo ocorrem m ui­
D onald Lazo
tas reações quím icas com plicadas
que resultam na form ação de alca­
lóides, um dos quais sendo a TIQ.
té meados dos anos 70, a
Uma das características in tri­
área predom inante de ingantes da TIQ é que, uma vez fo r­
estigação no cam po do alcoolism
o
mada,
ela nunca desaparecerá en­
era a pesquisa psicossocial. Já não
quanto a pessoa viver. Permanece
e ~ a is . Hoje, a ênfase está sendo
no encéfalo até o alcoólatra morrer.
colocada na área geral da neurobioOs cientistas sabem disso, explica
3-gia. As diferenças entre os organis­
M um ey, porque injetaram TIQ nos
mos do alcoólatra e do não-alcoócérebros de m acacos e sete anos
sira que estão sendo descobertas
mais tarde, quando m ataram e au­
são fascinantes, com o são tam bém
topsiaram estes macacos, encontra­
as teorias — baseadas nessas diferam exatam ente a mesma quantida­
=nças — que visam a explicar por
de de TIQ que havia sido injetada an­
cue os alcoólatras se tornam depenteriorm ente nos seus encéfalos.
centes da substância e os não-alcoóUma segunda característica in­
atras não se tornam .
trigante da TIQ é que parece conver­
Existe cada vez mais evidência
te r em bebedores vorazes os que
de que alguns dos fatores que cons­
normalmente não gostam da bebida.
tituem a chamada "pre disp o siçã o
Diz M um ey: "F oram conduzidos
orgân ica" ao alcoolism o são transm uitos e m uitos testes durante um
~ ltid o s geneticamente. Estes fo rn e ­
longo período de tem po nos quais a
cem a base para considerar o alcooTIQ foi injetada nos cérebros de ra­
smo uma doença hereditária.
to s que eram absolutam ente aversiGostaria de mencionar uma área
vos ao álcool. Isto é, os ratos che­
de pesquisa que ilustra por que os
gavam a morrer de sede antes de ex­
oesquisadores estão cada vez mars
perim entar água com uma mínima
tteressados em investigar os pro­
quantidade de á lc o o l". A pós injetar
cessos bioquím icos no corpo do al­
a TIQ nos encéfalos dos ratos, co n ­
coólatra
tudo, os mesmos animais antialcoóUm exem plo dos petiscos fa s c i­
licos passaram a beber vodca pura.
nantes que o leitor curioso encontra
E bebiam até morrer!
aparece no livro de Jack M um ey,
A terceira característica intrigan­
com o títu lo S ittin g in the Bay
te da TIQ é que esta quím ica é en­
.Vindo w .
contrada exclusivam ente nos cére­
bros de alcoólatras (e dependentes
Jack M um ey escreve sobre um
fa to r T H IQ " (a maioria dos cie n tis­
da heroína). Não se encontra no cé­
tas o chamam " T IQ ” ), uma abrevia­
rebro de qualquer bebedor social, diz
tura de tetraidroisoquinolina, "ta lve z
M um ey. A parentem ente, existe no
a substância mais viciadora que o
corpo de certos bebedores algum
nomem co n h e c e ". Ela é form ada
processo, geneticam ente influencia­
quando o fígado do alcoólatra co n­
do, que — através de uma série de
verte o álcool que encontra na co r­
reações químicas — converte uma
rente sanguínea em um subproduto
parte do álcool que bebem em uma
Â
21
a v e m a r ia
substância (TIQ) que os leva a um
desejo insaciável por mais álcool.
No folheto publicado pelo Insti­
tu to Nacional de A lcoolism o e A b u ­
so do Álcool (NIAAA) do governo
norte-americano e intitulado Alcoholism : an inherited disease (A lcoolis­
mo: uma doença herdada), Peter L.
Petrakis menciona a TIQ, explican­
do que, quando esta substância,
"parecida com a m o rfin a ", foi in tro ­
duzida no encéfalo, "e la levou ani­
mais que norm alm ente evitam o ál­
cool a escolher o álcool em doses
moderadas, com efeitos sem elhan­
tes em m aca co s".
No livro A lcoolism o — Os m itos
e a realidade, Jam es R. Milam, o fa ­
moso pesquisador norte-americano,
tam bém se refere ao produto da in­
teração do aldeído acético com a do­
pamina, dando-lhe o nome de tetraidropapaverlina (THP). Diz Milam:
"Q u a n d o a THP era injetada nos en­
céfalos dos ratos, faziam com que
aqueles que normalmente rejeitavam
álcool passassem a beber em quan­
tidades excessivas. Os ratos injeta­
dos com THP bebiam até embrigarse e sofriam os sintom as da síndrome de abstinência quando paravam
de beber. Continuavam a beber co­
m o que para evitar os sintom as de­
sagradáveis e penosos da síndrome
de abstinência. Em suma, o com por­
tam ento dos animais im itava o com ­
portam ento de beber dos alcoó­
la tra s” .
Tudo isso deve ser de especial
interesse para aqueles membros de
A A que vêm advertindo aos recémchegados a essa irmandade que,
m esmo após 4 0 anos de abstinên­
cia, não poderão experim entar o ál­
cool novam ente sem, mais cedo ou
mais tarde, encontrar-se bebendo
descontroladam ente de novo. Será
por causa da TIQ, que se encontra
som ente entre bebedores alcoóla­
tras, que clama por álcool e que per­
manece no encéfalo a vida toda?
G
D onald M . L a z o
Parte de um a série de artigos sobre o alcoolism o. O a u to r. D r. Lazo. sociólogo, engenheiro
industrial e diretor da REIN DA L (Centro de educaçào e tratam ento p a ra alcoólatras), é. eie
m esm o, um alcoólatra recuperado h á m ais de quinze anos.
Quais
as causas do alcoolismo?
*
o discutir as causas do alcoolis-Porém, um estudo feito em um hos­
M m o . convém primeiro definir a pital em Texas (nos Estados Unidos)
doença. Das m uitas definições que provou exatamente o contrário. Ana­
existem, me parece mais prática a lisando as vidas, as personalidades e
seguinte: determina-se que um a pes­ os problemas emocionais de 5.000
soa é alcoólatra quando ela perde — alcoólatras antes de terem começado
j com cada vez mais freqüência — a a beber, e comparando-os com 5.000
capacidade de controlar a bebida pessoas aparentem ente não-alcoólaalcoólica e, conseqüentemente, esta tras, descobriu-se que existiam em
lhe causa problem as crescentes em
ambos os grupos o mesmo núm ero de
um a ou várias áreas de sua vida.
pessoas tímidas, inibidas, sensíveis,
É im portante distinguir entre be­ etc. Também existiam em ambos os
ber e ser alcoólatra. Aproxim ada­ grupos os mesmos índices de distúr­
bios psíquicos, neuroses, problemas
mente m etade da população toma
bebidas alcoólicas e a outra metade
emocionais e problemas mentais.
nunca tom a bebidas alcoólicas. Da
Em bora os cientistas mostram ex­
m etade que bebe, 10% a 20% tom am - traordinária relutância em aceitar a
se alcoólatras e os demais bebem a evidência, h á enorme e crescente nú­
rida inteira sem se prejudicar. Em
mero de estudos apontando para fa­
números mais compreensíveis:
tores genéticos como sendo im por­
tantes contribuintes p ara a doença do
De cada 100 pessoas, 50 nunca
alcoolismo. Um dos muitos estudos,
bebem bebidas alcoólicas, 40 a 45
por
exemplo, iniciou-se há mais de
bebem a vida inteira sem problem a,
25
anos
atrás na Escandinávia. E n­
5 a 10 bebem e desenvolvem a doença.
volve grande número de gêmeos gera­
Estima-se que no Brasil existem,
dos por alcoólatras e divididos em 3
no mínimo, 6 milhões de homens e categorias: a prim eira categoria inclui
mulheres alcoólatras. Como é que um grupo de gêmeos criados pelos
eles desenvolveram esta doença? Qual próprios pais; a segunda categoria
a causa do seu alcoolismo?
inclui gêmeos entregues — logo de­
No que diz respeito às causas do pois de nascer — a pais adotivos,
alcoolismo, apenas três coisas podem
com cada casal de gêmeos criado
ser afirm adas definitivamente:
pela mesma família; a terceira cate1) Não existe um a única causa.
Mas é difícil — talvez impossível —
isolar muitas das possíveis influências
para então poder afirm ar que são
causas e não efeitos.
2) Problemas psíquicos préalcoólicos, ou determ inados tipos de
personalidade, já foram eliminados
como causas do alcoolismo, em bora
possam motivar tanto alcoólatras
quanto não-alcoólatras a beber.
3) Acumulam-se as provas de que
fatores genéticos (quer dizer, heredi­
tários) estão envolvidos.
Incontáveis são as teorias sugerin­
do que pessoas com determinados
problemas psíquicos/em ocionais ou
determinados traços de personalida­
de (os tímidos, os inibidos, os sensí­
veis, os muito mimados, os carentes
de afeto, etc. etc. etc.) são mais
propensas a se tornarem alcoólatras.
goria envolve grupos de gêmeos tam ­
bém adotados, porém separadam en­
te, sem haver contato entre os irmãos.
Depois de 25 anos, os resultados
do estudo vêm m ostrando que o
índice de alcoolismo — 65% acima
do normal, por sinal — é quase
idêntico em todas as três categorias.
O raciocínio indutivo leva à conclusão
de que existe um fator genético nes­
tes gêmeos que lhes causou uma
predisposição ao alcoolismo, inde­
pendentem ente do ambiente em que
foram criados.
Resumindo, entende-se hoje que
certas pessoas aparentemente nascem
com predisposição ao alcoolismo,
bastando tom ar bebidas que conte­
nham álcool para desenvolver a doen­
ça. Além do mais, trata-se de um a
doença primária. Isto quer dizer que
ela não é causada por “problemas
psíquicos profundos” , como muitos
afirmam. Cada nova pesquisa no
campo fortalece a idéia de que se
trata de enfermidade, vários aspectos
da qual são transmitidos genetica­
mente. Parece ser um a reação consti­
tucional — e progressivamente pato­
lógica — à ingestão do álcool. O
im portante é frisar que não são p ro ­
blemas emocionais ou mentais que
levam ao alcoolismo. Muito pelo con­
trário, é o álcool que — devido a sua
ação nociva no sistema nervoso cen­
tral e especialmente no cérebro — vai
criando problemas emocionais e men­
tais. E levando, eventualmente, à
loucura ou a um a morte prem atura.
Próximo Artigo: Q U AIS OS S IN T O ­
M A S DO ALCO O LISM O ?
0
&
PROBLEMA
0E
BEBIDA?
O tratam ento, ou internação, na REINDAL em prega,
as mais avançadas técnicas utilizadas em conceitua­
dos centros de reabilitação norte-americanos.
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a v e m a r ia 13
bebo. É este fato que esclarece o
ponto de vista p artic u la r dos AAs.
P a ra eles, eu não sou um alcoólatra
4‘curado” (ou um ex-alcoólatra) p o r­
que, p ara eles, um alcoólatra “cura­
do” seria um alcoólatra que tenha
readquirido a capacidade de voltar
a beb er controladam ente. Os AAs
sabem (e eu sei) que eu não readqui­
ri essa capacidade. Se eu ten tasse
v o ltar a b eb er algum a bebida alcoó­
lica hoje, m esm o após e s ta r afas­
tado dela por quase 20 anos, eu aca­
baria — m ais cedo ou m ais ta rd e —
reativando a m inha dependência,
que me levava a b eb e r desbragadam ente.
Mas isso não quer dizer que não
estou recu p erad o ou que o alcoolis­
mo não tenha solução. E le tem solu­
ção. sim, senhor. Os àlcoólatras que
p aram de b eb e r se recuperam . E
seu alcoólatra poderá se re cu p erar
tam bém ! R epito: o alcoólatra que
passa por um a internação onde o
tra ta m e n to é especiálizado, e de­
pois se in teg ra em um g rupo de aju­
da m útua, tem 80% de probabilida­
de de se recu p erar.
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alcoolismo
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•
.fj.
^
^
ff r — f..
*\ ' I f í \ j C L
E RECUPERÁVEL
D onald L a zo (D iretor da R E IN D A L )
Q uerer e pensar que
é possível parar de
beber é o grande
passo para a
independência da
bebida alcoólica.
uitos fam iliares me p erg u n tam
se realm en te podem os recu p e­
ra r um alcoólatra nas duas sem anas
apenas em que nossos pacientes fi­
cam intern ad o s na C hácara Reindal. Afinal, o nosso anúncio afirm a
que "... em 2 sem anas a nossa equiDe re sta b elece a saúde física e em o­
cional do alcoólatra...”
As pessoas que me fazem esta
p e rg u n ta são céticas porque estão
acostum adas a in te rn a r seus alcoó­
la tra s por períodos que variam de
um m ês a té trê s m eses, seis m eses
e mais. E depois estão acostum adas
a v er seus alcoólatras vo ltarem a
b eb er d esbragadam ente d en tro de
pouco tem po após receberem alta.
A cabam concluindo que "o nosso
sem -vergonha realm en te não tem
jeito ”.
A conclusão está errad a . 0 al­
coólatra volta a b eb e r desb rag ad a­
m ente após um a internação prolon­
gada por m uitas razões, todas elas
conseqüência da ignorância que
prevalece no nosso B rasil com re s ­
peito ao processo chamado alcoolis­
mo. P reten d o abordar estas razões
nos próxim os artigos.
Um fa to r prejudicial que leva o
alcoólatra a beber de novo (quer di­
zer, b eb er desbragadam ente) após
uma internação é a atitu d e da famí­
lia que, sem dúvida, não te rá m uda­
do nada nesse ínterim , enquanto o
alcoólatra esteve internado (a não
ser que ela tam bém esteja se tra ta n ­
do e educando sobre o alcoolismo).
P a rte im portante da atitu d e
prejudicial da família é que, no fun­
do, ela não acredita que o caso de
| seu alcoólatra tenha realm en te
uma solução, logicam ente tra n sm i­
tindo e ste ceticism o e desconfiança
p ara o próprio alcoólatra. (0 alcoó­
la tra que p en sa que não pode p a ra r
de b eb e r, não p á ra mesmo!!.
E não é por m enos que a família
pense d essa m aneira. A m aioria dos
profissionais que “tra ta m ” de alcoó­
la tra s no B rasil tam bém não acred i­
tam nas suas recuperaçõ es e, n a tu ­
ra lm e n te , tra n sm ite m esta d es­
crença aos fam iliares de seus p a­
cientes. Dois m eses a trá s , por
exem plo, a esposa de um alcoólatra
me disse que ela havia feito uma
p esquisa e n tre m uitas clínicas na
á re a da G rande São P au lo onde
alco ó latras e ram c o stu m eira m e n te
intern ad o s. A cabou decidindo expe­
rim e n ta r a C hácara R eindal porque
“vocês foram os únicos que m e d e­
ram algum a esp e ran ç a de que m eu
m arido p o d eria s e r re c u p e ra d o ” ,
me disse ela. “E m todos os dem ais
lu g a re s fui in fo rm ad a que o alcoo­
lism o não tem solução” .
Nós dam os esp e ran ç a aos que
nos pro cu ram p orque sabem os que
o alcoolism o tem solução. Aliás,
quando o tra ta m e n to é ap ro p riad o
E A F A M ÍL IA COOPERA, alcoo­
lismo é um a das doenças crônicas
de m ais fácil solução.
A lguns m em bros de Alcoólicos
A nônim os in a d v e rtid a m e n te con­
trib u em p ara d issem in ar a idéia de
que o alcoolism o não tem solução.
E sta sem ana receb i um a c a rta de
um a esposa d e se sp e ra d a em B rasí­
lia. E la m e disse: “D esejo que o se­
nhor m e ajude na resolução d este
g ra v e problem a, pois m em bros de
AA já me inform aram que o alcoo­
lismo não tem c u ra ”.
O
te rm o “c u ra ”, como ele é em ­
preg ad o pelos A A s, tem um signifi­
cado todo especial p ara eles, o qual
a v a sta m aioria das pessoas não en­
tende. A s pessoas norm alm en te en­
ten d em que um alcoólatra e s tá “cu­
ra d o ” do alcoolismo quando ele não
sofre m ais as conseqüências n eg ati­
vas do beber, isto é, quando a bebi­
da Hão lhe causa m ais problem as.
E ste é o meu caso, por exemplo.
E m b o ra eu chegasse a um estágio
bem adian tad o do alcoolismo anos
a trá s, há m ais de 18 anos que a be­
bida não me cria qualqu er proble­
ma. A c o n te c e que o álcool não m e
causa m ais problem as po rq u e não o
D onald Lazo
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Raramente conseqüência, mas sempre
causador de problemas psíquicos profundos.
o Brasil, com pouquíssimas ex­
ceções, quando um alcoólatra
precisa ser hospitalizado, ele acaba
; sendo internado em clínica psiquiát trica. Se ele ( ou ela) desconfiar que é
i alcoólatra e se for um dos raros alco! óiatras que quer se tratar, a prim eira
coisa que lhe ocorrerá é procurar um
psiquiatra. No entanto, o Dr. Harry
Tiebout, conhecido como um dos psi■ quiatras que mais entendia de alcoo­
lismo na sua época, reconhecia que
a psiquiatria era muito falha no cam ­
po do alcoolismo, conseguindo aju­
dar apenas 3% destes doentes. Qual
a razão desle paradoxo?
A razão é que, de um modo ge­
ral, o alcoolismo aind;> é considerado
mais um sintoma de problemas psí­
quicos profundos do que um a doença
em si.
O curioso é que raram ente o alco­
olismo é causado por problemas psí­
quicos profundos ou por um a perso­
nalidade defeituosa. Muito pelo con­
trário, o alcoolismo (causado princi­
palm ente por processos bioquímicos
peculiares ao alcoólatra) sempre
CAUSA problemas psíquicos profun­
dos. deformando a personalidade do
bebedor. Há várias coisas que expli­
cam o paradoxo entre o que se pensa
e a realidade.
A prim eira é que as velhas teorias
psiquiátricas (de que o instinto da
morte induz o alcoólatra a um sui­
cídio lento; de que o alcoólatra se
fixa no estágio oral da desenvoltura;
de que o alcoólatra é um homossexual
latente, etc.) chegaram primeiro e
são difíceis de remover. Até relativa­
mente poucos anos atrás, não exis­
tiam a evidência biológica e os estu­
dos sobre hereditariedade que nos
ilum inam hoje e que provam haver
diferenças orgânicas (algumas trans­
m itidas geneticamente) entre alcoóla­
tras e não-alcoólatras.
A segunda coisa que explica por
que tantos pensam que o alcoolismo
é conseqüência ao invés de causador
de pròblem as psíquicos, é que o alco­
olismo raram ente é diagnosticado
nos estágios iniciais, antes de apare­
cerem os sintomas psicológicos. Os
conhecimentos existentes não estão
sendo disseminados am plam ente e a
sociedade, portanto, não está educa­
da para diagnosticar o alcoolismo
nos primeiros anos de sua progres­
são. quando os sintomas são orgâni­
cos e ainda não existem sintomas
psíquicos.
Resultado: o alcoólatra é geral­
mente visto por um médico só quan­
do já tenha chegado a um estágio
bem adiantado da doença. E nesse
estágio, ele já desenvolvera proble­
mas psicológicos (angústia, nervosis­
mo, insegurança, medo, etc.) e um a
personalidade defeituosa e distorcida
(egocentrismo em torno da droga, hip e rs e n sib ilid a d e , p erfec cio n ism o ,
pensamentos obsessivos, etc.) como
conseqüência de seu beber exagera­
do. São estes os sintomas que o mé­
dico vê, e ele conclui (corretamente)
que o paciente está bebendo demais
porque os tem. O erro que o médico
normalm ente comete é ir um pouco
mais longe e concluir que, se o alcoó­
latra está bebendo por causa desses
problemas, então esses problem as
devem ser a causa de seu alcoolismo.
Ë a velha história do ovo e da gali­
nha. Ele não só confunde motivos
para beber como causas do alcoolis­
mo, mas tm bém confunde causas
com conseqüências. Vamos ver' se
conseguimos acabar com a confusão.
Devido a seu organism o singular,
o alcoólatra (a) é beneficiado m ais
pelo álcool que o não-aleoólatra e (b)
consegue beber mais que o não-alcoólatra. Com o tem po, seu corpo se
adapta e ele tem que beber cada
vez mais p ara obter os mesmos bene­
fícios. Com o passar dos anos, as
grandes quantidades de álcool que
bebe (e que não-alcoólatras não con­
seguiriam beber) vão afetando todo o
seu corpo, sobretudo o cérebro (con­
trolador do sistema nervoso). Come­
çam, só então, a aparecer os sinto­
mas psicológicos da doença, e estes
sintomas desagradáveis o levam a be­
ber mais (já que o álcool, além de ser
um tóxico que envenena o cérebro e
causa problem as psíquicos, tam bém
é um sedativo que alivia os sintomas
que ele mesmo causa). E quanto
mais bebe, o alcoólatra mais proble­
mas psíquicos cria, mais necessidade
tem de alívio e m ais recorrerá a seu
sedativo predileto — o álcool, crian­
do assim o círculo vicioso que ca­
racteriza a progressão da doença.
Mas o im portante em toda essa
história é reconhecer que, no alcoo­
lismo, processos biológicos peculiares
ao alcoólatra quase sempre antece­
dem os aspectos psicológicos da
doença. E o psiquiatra que se dedi­
car a tentar elim inar os problemas
psíquicos, sem alertar seu paciente
para a necessidade de abandonar o
álcool, está quase sempre fadado a
fracassar, porque estará tentando
aliviar os sintomas de um a condição
que continuará gerando esses sin­
tomas.
D onald Lazo
Alcoolismo - Pecado ou doença?
Alcoolismo é um problema de saúde,
não um problema moral.
Nos dois artigos anteriores (AM
r. - 6 e AM n.° 7), expliquei que
familiares de um alcoólatra não de­
vem se permitir ser dominados ou
intimidados por ele. Nem devem tole­
rar. passivamente, qualquer comporramento irresponsável por parte dele.
N Io devem aceitar suas mentiras óbvias ou suas promesí ^s vazias. Não
devem fazer por ele o que ele deve
fazer por si mesmo. Não devem en­
trar num carro que ele vai dirigir
alcoolizado. Não devem beber com
ele. Não devem quebrar seus galhos.
Não devem facilitar-lhe a vida. Tudo
aquilo só irá garantir que ele contir.uará bebendo, cada vez mais.
E mais: em lidando com alcoóla­
tras ativos, as palavras não valem
nada. Aceite no mais profundo de
sua alma: seus argumentos, seus ape:os. suas implorações, seus sermões,
suas críticas, suas ameaças, seus gri­
tos são totalmente contraproducen­
tes. Colocados na balança com a
necessidade dele de beber pesam
pouco. Preciso repetir: as meras p a­
lavras não vão fazer seu marido ou
sua esposa, seu pai ou sua mãe, seu
irmão ou sua irmã, seu filho ou filha
parar de beber. Muito pelo contrário.
Vão fornecer-lhe justificativas para
beber mais ainda: “ Puxa, você bebe­
ria tam bém se estivesse rodeado de
gente te enchendo o tempo todo!”
O alcoólatra só vai querer parar
de beber quando as conseqüências do
seu beber se tornem intoleráveis para
ele. E quanto mais cedo isso aconte­
cer, melhor. Cabe aos familiares do
alcoólatra permitir que aconteça. Pa­
ra isto, as pessoas que convivem com
o alcoólatra precisarão se desligar
emocionalmente da doença (para não
se tom arem parte do problema em
T4
ove
m a rie
vez de parte da solução), sem se
desligar afetivamente do doente.
Isso certam ente não quer dizer
tugir da doença.
E im portante entender que, no
desenvolvimento do alcoolismo, o be­
bedor vai se afastando cada vez mais
da realidade que vive. Vai criando
uma m uralha de defesa psíquica
(usando, como tijolos, a m entira, a
justificativa, a minimização, a su­
pressão e a projeção) para poder
suportar um a situação emocional que
para ele vem se tornando dolorosa
demais. Por que dolorosa para ele?
Porque, ao contrário do que tantos
pensam, longe de ser um “ sem-ver­
gonha” , o alcoólatra vive envergo­
nhado pelo conflito entre seu com­
portamento e seus valores. Se não
tivesse vergonha, não teria esse confli­
to. É esse conflito doloroso que o
obriga a m entir,Justificar suas bebe­
deiras, minimizar a quantidade que
bebeu, suprim ir a lem brança de seus
atos vergonhosos e projetar nos ou­
tros o ódio que tem de si mesmo.
Toda essa defesa psíquica o protege
da am arga realidade de sua vida e de
seus atos. Ele não percebe a gravida­
de de sua situação. Mas, é preciso
que ele a veja.
Por isso, o conflito interno que
ele vive deve ser aproveitado. Eu
disse que não se deve fugir da doen­
ça. Ela não deve ser incoberta ou
escondida, como se fosse um a vergo­
nha. Alcoolismo é doença, e doença é
um problem a de saúde, não um
problema moral. Não tenham medo
de discutir a doença abertam ente.
Ela está presente, tem nome e preci­
sa ser eliminada.
Assim, toda vez que suija um a
conseqüência negativa causada pelo
beber exagerado de alcoólatra (um
tombo, um vexame, um acidente, um
prejuízo qualquer), deve ser discuti­
do com o alcoólatra, mostrando-lhe a
ligação entre seu alcoolismo e o acon­
tecimento. Por sinal, é sempre bom
falar-lhe em termos de sua “ doença”
e não de sua “ teimosia” , sua “ estupi­
dez” , sua “fraqueza” ou sua “irres­
ponsabilidade” .
E claro que essas conversas preci­
sam ser tidas com carinho e preo­
cupação responsável, nunca com rai­
va. Se elevar a voz (“T á vendo?!!”)
não só terá perdido um a oportunida­
de de m ostrar ao alcoólatra um a
realidade que ele não está conseguin­
do enxergar (devido àquela m uralha
psíquica protetora), mas terá dado a
ele mais um a bela justificativa para
beber.
Finalmente, devo dizer que se
você depende financeiram ente do al­
coólatra, você está quase autom atica­
mente desqualificada como um a das
pessoas que poderá ajudá-lo, pois
fatalm ente será um de seus maiores
“ facilitadores” , por medo que ele per­
ca o emprego e deixe de trabalhar.
P ara as esposas que dependem finan­
ceiramente de um marido alcoólatra,
tenho um conselho im portante: co­
mecem im ediatam ente a aprender
um a profissão e a tornar-se financei­
ram ente independentes. Só então é
que terão condições emocionais de
ajudar seu marido em vez de preju­
dicá-lo.
@ CS
PROBLEMA
BE
BEBIDA?
0 tratam ento, ou internação, na-REINDAL emprega
as mais avançadas técnicas utilizadas em conceitua­
dos centros de reabilitação norte-amencanos.
REINDAL - Recuperação Integral do Doente Alcoólatra
Rua Augusta, 2676 - Cx;. Postal 20.896 - T e is.: 520-9514 e
63-5437 - São Paulo - SP.
BS
ALCOOLISMO:
DOENÇA, NÃO
'VERGONHA
Parte tíe uma serie de artigos
sobre o a lc o o lis m o . O autor,
Dr. Lazo, s o ció íog o, engenheiro
in d u s tria i e d irato r da R E IN D A L
(C entro de e d u c a ç io e
tra tam e n to para a ic o ó iatras ), é,
e ie m esm o, um aícoólatra
recuperado há m ais de
quinze anos.
Ignorância, o grande inimigo que mais
dificulta uma reabilitação.
Quando se trata do alcoolismo —
_ n i ca? três doenças que mais adulzn2ia no mundo ocidental — o
ç z n c c inimigo é o desconhecimen:: Veia bem...
Ao ouvir a palavra “ alcoólatra” ,
r_a_ é a imagem que surge na sua
- tz : ‘ ~ Para a maioria das pessoas, é
i z t ta s vagabundo sujo, jogado na
;,u:aia, segurando um a garrafa meia
i ~-í Contudo, o “ bêbado de sarjerepresenta uma pequeníssima
r>: Msntagem de todos os alcoólatras
— :zr» ez menos de 5 %. Para o Brasil
■; : istem estatísticas, mas l o s Es:i í ; í Unidos, 85% dos alcoólatras
âo empregados, trabalhando temrc integral. Mais da metade estão
: u a i os e ganham acima da média.
--------------------------------------------------------------J
A maioria dos alcoólatras sabe
que no fundo são “ normais” , embo­
ra se tornem fisicamente doentes e
psicologicamente perturbados com
maior freqüência que seus amigos e
vizinhos. Isto explica por que as
esposas e maridos não abandonam
seus cônjuges alcoólatras. Não são
masoquistas ou mártires como a lite­
ratura popular dá a entender. Não os
abandonam porque sabem que seus
cônjuges são basicamente pessoas
boas (“ Quando ele não bebe é um
santo!” ).
O alcoolismo é uma enfermidade
que p o d e . vitimar qualquer um, a
partir do momento que comece a
beber. Podem ser alcoólatras a esposa
do gerente do banco, o psiquiatra
que tratou seu amigo, até o p ad re da
paróquia. Betty Ford, a esposa do
Ex-presidente dos Estados Unidos,
admite publicamente ser uma alco­
ólatra, agora recuperada. Joan Kennedy, esposa do Senador Edward
Kennedy, também. Billy Cárter, ir­
mão do atual Presidente, também.
Quem confessar ser dom inade pela
bebida está em boa companhia.
Aproximadamente um a em cada
dez pessoas que bebem desenvolve
esta enfermidade, caracterizada pela
progressiva perda de controle sobre a
bebida e a conseqüente deterioração
do corpo, do. sistema nervoso, do
cérèbro e, conseqüentemente, da per­
sonalidade. No Brasil, estima-se que
existem 6 milhões de alcoólatras —
600.000 apenas na Grande São Paulo.
Onde estão? Por que não os ve­
mos por toda parte? Por que relutam
tanto em admitir que se tornaram
dependentes ao mesmo tempo que
perderam o controle sobre a bebida?
Por que suas famílias se empenham
em escondê-los em vez de tratá-los?
A resposta a estas útimas pergun­
tas é simples, embora trágico e cho­
cante. Na oitava década do Século ¥r
Vinte, o alcoolismo ainda é conside­
rado um a vergonha em vez de uma
doença, como também eram no pasr
sado a tuberculose e a epilepsia. Isso
precisa mudar.
DO NALD M. LAZO
PROBLEMA
0E
BEBIDA?
.
^
| Geralmente, o bebedor exagerado nega que tem
um problema. Enquanto isso, crescem os conflitos
- no lar. Para aprender como ievar o bebedorproblema a querer se tratar, faça o CURSO DE
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sociedade do Brasil Império, costume
imnortado d a França, no século XIX,
razão pela qual a sua m arcação é em
iraricês. Popularizando-se, a dança
influenciou bailes da roça, onde a
marcação francesa foi deturpada. A
iesia junina realizada atualm ente
não tem mais conteúdo folclórico: a
quadrilha é dançada em iê-iê-iê, os
instrumentos são elétricos e as rou­
pas não são mais aquelas. As pala­
cianas “quadrilhas” que eram o to­
que de beleza nos salões imperiais,
com sua coreografia, sua “ marcação”
em voz alta, popularizaram -se e pas­
saram a ser constituídas de bailarinos
matutos ou caipiras, com trajes que
caracterizam os sertanejos... roupas
de aspecto ridículo, de cores berran­
tes. chapéus de palha, fitas no cabeí lo. etc.
Esta dança de pares que se tro­
cam lembra ainda, apesar da comi­
cidade, o cavalheirismo das autênti­
cas quadrilhas francesas. M as a d an ­
ça, os cantos proferidos pelo povo,
variam conforme a região. Nc Nor­
deste, por exemplo,, dança-se coco,
coco-de-praia, o bambelê, o boi-de-são-joão, sambas, m archas, roda-pagode, xote, etc.
E como a música é um a das cons­
tantes em todos os festejos juninos,
estão hoje, muito presentes, o baião,
o x a x a d o , a toada, a em bolada, a
ciranda, a m archa sertaneja e outras.
Ainda existe o famoso “Banho de
São João”. Segundo Pereira da Costa.
as pessoas percorriam as ruas de R e­
cife e iam banhar-se no m ar ou nas
águas do Beberibe ejtn homenagem a
São João. Hoje, esta tradição conti­
nua ainda viva nos festejos do campo
e em Olinda (PE) e constitui “refle­
xos do batismo de Cristo, ministrado
pelo santo nas águas do Jordão”.
P ara muitos, esta festa nada tem
que ver com o grande santo, que foi
um santo austero e que trouxe a
mensagem da penitência e do arre­
pendimento, do sacrifício e da entre­
ga a Cristo. “Im porta que ele, isto é,
Cristo, cresça e eu dim inua”, foram
as palavras que São João pronunciou.
Quem se lembra, durante os fes­
tejos, da mensagem São João?
As caipirinhas, as bebidas e os
bailes juninos não nos levam à consi­
deração da penitência e do sacrifício.
Quando é que os católicos serão teste­
m unhas de Cristo, no meio dos fe s te ­
jos populares juninos?
12 a v e m a r ia
Má compreensão por
parte do alcoólatra e
da sociedade gera
confusão e opiniões
preconceituosas.
Donald Lazo
,f í r t 61
Sk
C.
r~ r.Wlã Ir*
r nos atrás traduzi
/--% p ara o português
um folheto que começa­
va assim:
“ Suponhamos que
um a nova doença subi­
tam ente se alastrasse
aqui no Brasil — uma
doença cuja causa não
fosse totalm ente com
preendida, porém que
tivesse um tal efeito no
sistema nervoso que
mais de 8 milhões de
pessoas se tornassem
loucos por períodos «va­
riáveis de algumas ho­
ras até semanas e me­
ses, períodos estes que
se repetissem, cada vez
com maior freqüência,
durante 10 a 30 anos.
Suponhamos, ain­
da, que durante esses
períodos de loucura, es­
tas pessoas cometessem
atos tão destrutivos que
as vidas, material e es­
piritual, de 40 milhões
de brasileiros fossem
cruelmente afetadas, e
o trabalho, no mundo
das profissões, do co­
mércio e da indústria
fosse sabotado ou dei­
xasse de ser realizado,
a um custo incalculável
para a Nação.
n r H fWt *ní vß 's*é Wz
Finalm ente, supo­ Igreja, pela profissão
nhamos que esta doen­ médica e psiquiátrica
ça tivesse a qualidade em sua m aioria, pelas
peculiar de poder alte­ pessoas que convivem
rar o juízo de suas ví­ com alcoólatras e pelos
timas de tal form a que próprios
alcoólatras.
se tornassem incapazes Todo aspecto da doen­
de se reconhecerem ça é confuso e distorci­
doentes, chegando a do por mitos, falsos
querer, a todo transe, conceitos e opiniões
tornarem -se cada vez preconceituadas.
mais doentes.
De um m odo geral,
Um a tal emergência o alcoólatra é conside­
seria classificada como rado um degenerado
um a catástrofe
das moral que escolheu
mais sérias, e bilhões um a vida de degrada­
de cruzeiros seriam gas- ção e, por falta de m a­
:tos para que milhares turidade e força de von­
de cientistas pudessem tade, permite-se perder
pesquisar as causas do o emprego, a família e
mal, tra ta r suas vítimas o auto-respeito. Ou ene evitar que a doença se xtão, é considerado um a
propagasse.
pessoa que sofreu um
Pois a terrível em er­ traum a na infância, ou
gência figurada acima um a decepção profun­
já está conosco. Tal da mais recentem ente,
doença é o alcoolismo. e bebe desbragadamenAfeta um a em cada se­ te para esquecê-lo.
As pessoas que pen­
te pessoas que bebem, e
muitos já o consideram sam cometem três erros
a.p doença que mais básicos: (1) pensam que
adultos m ata no Brasil” . o álcool afeta todos da
O alcoolismo é es­ mesma m aneira; (2)
sencial e tragicam ente não distinguem entre
um a condição mal com­ alcoolismo e o beber
preendida: pelo povo exagerado e (3) confun­
em geral, pelas autori­ dem motivos para be­
dades governamentais, ber com causas do al­
pelos educadores, pela coolismo.
.A L C O O L IS M O
Levando o
álcpol a sério
ou como evitar
derram es de
petróleo na
escola primária
D o n a ld L a zo
uve-se, às vezes, a expressão
"ganhar a batalha, mas perder a
guerra". Contudo, na chamada
contra as drogas, até esta pequena con­
solação poderá estar fora de alcance, se­
cundo Dick Dilion, diretor da Cox Medi­
cai Centers nos EUA.
Uma batalha recente que foi perdi­
da, numa guerra que também está sen­
ão perdida, disse Dick, foi a enorme ca­
tástrofe ecológica causada pelo navio
petroleiro da Exxon que encalhou, na cos­
ta do Alaska. Chamada por alguns "o
maior desastre ambientai da história
americana", pode demorar anos para de­
terminar a magnitude dos danos causa­
dos pelo derrame de petróleo no mar. E
o custo de limpar a área poderá chegar
a ser o menor dos custos a ser pagos,
pois estes incluem as perdas aos pesca­
dores da região, para não mencionar as
perdas ambientais globais.
E que é que tudo isso tem a ver com
o alcoolismo e a guerra contra as drogas?
A ligação está na descoberta de que o
capitão do navio que estava sendo pilo­
tado, na hora do encalhe, por um mem­
bro não-autorizado da tripulação, esta­
va com um nível de álcool no sangue in­
dicativo da embriaguez. O consenso foi
que a embriaguez do capitão levou ao
acidente. Porém, muito mais importan­
te do que isso, é a revelação de que não
foi a primeira vez que o álcool havia cau­
sado problemas para aquele capitão.
Acidentes ligados ao abuso do ál­
cool, embora em escala menor, ocorrem
diariamente... nas nossas estradas, em
O
«%
22
a v e m a r ia
n o v e m b ro /8 9
nossas fábricas e em nossos lares, e até
nas nossas escolas. Estes acidentes fe­
rem e matam pessoas, avariam e destroem propriedades, dissolvem lares e
separam famílias. Entendam bem: estoume referindo a problemas causados pe­
lo álcool, a droga legal (em ambos os
sentidos). Medidos em termos de dóla­
res, o custo destes problemas é tão dra­
mático que, comparado com ele, o der­
rame do petroleiro Valdez teria de ser
considerado uma gota no mar.
Deixe-me tentar tornar o problema
das drogas — e depois o problema maior
do álcool e do alcoolismo — um pouco
mais realístico, já que nas drogas os Es­
tados Unidos vão encontrar, a meu ver,
guerra
um inimigo muito mais poderoso que to ­
dos os países comunistas. E já que as
drogas narcóticas começam a ser — e
o álcool já o é há muito tempo — um pro­
blema seriíssimo no Brasil.
Você sabia que os habitantes da ter­
ra gastam mais dinheiro com as drogas
ilegais do que com a comida? Mais, aliás,
do que gastam com habitação, roupa,
educação, cuidados médicos ou qual­
quer outro produto ou serviço! A indús­
tria internacional de narcóticos é a indús­
tria de maior crescimento do mundo. Sua
renda anual ultrapassa meio trilhão de
dóiares, ou quase dois mil bilhões de cru­
zados novos, (Um bilhão é mil milhões.
Mil bilhões é um milhão de milhões. Es­
tou falando de dois mil bilhões!) São três
vezes o valor de toda a moeda que cir­
cula nos Estados Unidos. Mais que o pro­
duto interno bruto (PIB) de todo país no
mundo menos as 6 maiores nações in­
dustrializadas. É o que a indústria dos
narcóticos rende por ano. Para imaginar
a imensidão de tal riqueza, considerem
o seguinte:
Um milhão de dóiares, em ouro, pe­
saria o que pesa um homem grande.
Meio trilhão de dóiares, em ouro, pesa­
ria mais que a população inteira de
Campinas!
Os iucros da indústria de narcóticos,
estocados secretamente em países que
estão concorrendo para obter o dinhei­
ro, ganham juros em excesso de 3 mi­
lhões de dólares por hora\
Mas agora vem a pior parte da his­
tória. 0 álcool, aquela droga inofensiva
e portanto legai, mata muito mais que to­
das as drogas ilegais do mundo. E sabem
por quê? Porque o álcool é legal. É até
uma boa idéia, não é mesmo? É tido mais
como um lubrificante social do que co­
mo uma droga perigosa. Só que mata
mais do que as drogas cujos lucros ga­
nham juros de 3 milhões de dólares por
hora. Talvez seja por isso que uma com­
panhia de bebidas como a Seagrams te­
nha uma "reserva para eventualidades”
maior do que a reserva do Brasil!
Está na hora de começarmos a le­
var o álcool a sério; a incluir cursos so­
bre o alcoolismo nas escolas de medici­
na, e não só isso mas em toda escola pri­
mária (como está começando a aconte­
cer nos EUA); a ensinar os medicandos
como diagnosticar o alcoolismo e como
levar o alcoólatra a aceitar, ao invés de
rejeitar, o tratamento de que tanto ne­
cessita. E a ensinar as crianças a ter cau­
tela com o álcooi. Para que 85% dos que
morrem de alcoolismo pelo menos sai­
bam o nome da doença que têm (atual­
mente, 85% dos alcoólatras morrem
sem jamais saber que eram alcoólatras).
Para que pessoas, que poderiam ter si­
do recuperadas há anos, não continuem
bebendo e causando todo tipo de proble­
ma, sem sequer saber que são alcoóla­
tras.
*
C H Á C A R A REINDAL
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ATE QUE PONTO
O ALCOÓLATRA ESTÁ
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D o n ald L azo
(Diretor da R E IN D A L )
A palavra chave para toda pessoa
dependente da bebida é o QUERER.
Quando alguém DECIDE parar de beber,
aí, sim, e somente aí, o alcoólatra terá
controle de si.
definir o alcoolismo em
E comum
termos de “ perda de controie” . O
por causa da bebida, alguém (geral­
mente um m em bro da fam ília bemalcoólatra, segundo a definição, é -intencionado) os tirará do aperto.
uma pessoa que não tem mais con­ Na pior das hipóteses, os outros acei­
trole sobre a bebida.
tarão m ais um a bebedeira. “ Que va­
Que significa isso? Significa que,
mos fazer? Ele é doente, coitado” .
quando o alcoólatra começa a beber,
Eu pergunto: se o alcoólatra está fo­
ele é de tal form a ‘beneficiado’,pela ra de controle, com o é que tantos p a­
bebida que quer continuar bebendo.
ram ? Com o é que eu parei?
Em outras palavras, não é que ele não
Q uando começa a beber, o alcoó­
pode parar de beber. É. que, não, quer latra é de tal form a “ beneficiado”
parar. P ortanto, dizer que ele “ per­ pelo álcool que quer continuar. C ada
deu o controle” sobre a bebida é um
drinque que tom a aum enta o “ bene­
pouco enganador. Sobretudo, porque
ficio” , afasta sua sensação de estar
alguns vão mais longe e dizem que o
fazendo algo que não devia e, por­
alcoólatra é um a pessoa que não só tanto, intensifica seu desejo de tom ar
não controla quanto ele bebe senão
mais um .
que também não controla quando vai
Com o se poderia descrever esse
beber.
“ benefício” ? Bem, eu diria que é um
Isso não é verdade (e não esque­ “ benefício” duplo. No alcoólatra, o
çam que é aim alcoólatra que está es­ álcool funciona com o um solvente e
crevendo estas linhas). O único al­ um estimulante.
coólatra que não controla quando
Um solvente é algo que dissolve
vai beber é o doente m ental que não
coisas, fazendo-as desaparecer. Padre
controla coisa algum a. Ou então o | Joseph M artin, o famoso alcoólatra
alcoólatra nos últim os estágios da | cujas palestras cinematográficas têm
doença, que precisa beber para afas­ ajudado milhares de alcoólatras, cos­
tar o delirium tremens. M uito pou­ tum a dizer que o álcool é um dos sol­
cos alcoólatras estão nesse estágio.
ventes mais eficientes que existem.
Eu já vi alcoólatras parar de be­
“ Ele dissolve manchas em tapetes” ,
ber que estavam trem endo tanto que
explica o padre, e continua, começan­
tinham que sentar sobre suas mãos.
do a sorrir. “ Aliás, dissolve os
A diferença é que eles queriam parar.
tapetes. Também (o sorriso desapare­
A bebida chegou ao ponto de estarce) dissolve lares, famílias e vidas” .
lhes trazendo mais desvantagens do
Q uando o alcoólatra bebe, o ál­
que vantagens. Infelizm ente, estes
cool dissolve suas m ágoas, suas preo­
são a m inoria.
cupações, seu sentido de responsabi­
A vasta m aioria dos alcoólatras
lidade e até suas dívidas. Ele pode ter
não precisa p arar de beber. Bebem
entrado no botequim pendurado até
porque podem . Sabem que, se acon­ o pescoço. Um a hora depois está
tecer qualquer coisa desagradável
com prando drinques para meio m un­
2 8 a v e m a r ia
do. C ontinuando a beber, perde a
censura. P ara que parar? Está tudo
bem!
A outra coisa que o álcool faz pa­
ra o alcoólatra é estim ulá-lo. Com e­
ça a sentir-se bonito,, sim pático, inte­
ligente e rico. Não é de se estranhar
que o alcoólatra logo peça mais um ...
e mais um . Quem não gostaria de fi­
car cada vez mais bonito, sim pático,
inteligente e rico? Com o álcool, o al­
coólatra fica.
E tem mais. Nos prim eiros anos,
o álcool nunca decepciona. Sempre
que o alcoólatra bebe, sente-se m ara­
vilhoso. T anto é que, nos estágios
mais adiantados da doença, quando
o alcoólatra não consegue mais atin­
gir esse estado de euforia, ele conti­
nua tentando. “ Quem sabe, se tom ar
mais u m ” .
O im portante em tudo isso é o
que disse antes. N ão é que o alcoóla­
tra não p o d e p arar de beber. É que,
quando está bebendo, não quer pa­
rar. Ele é incentivado a continuar be­
bendo. É forte esse incentivo. Chama-se com pulsão.
Mas essa com pulsão aparece só
depois que o alcoólatra começa a be­
ber. Antes, ela não existe. Ele com e­
ça a beber porque sabe que vai ficar
rico e bonito. Mas não precisa com e­
çar. N ão está fora de controle. Co­
meça p o rque quer ou po rq u e p o d e.
Porque as vantagens do beber ainda
são m aiores que as desvantagens.
Cabe à fam ília convencê-lo de que
não pode começar a beber sem que
isso leve a desvantagens m aiores que
as vantagens.
r
:
'n
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.896
91498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
\ _________________ __ __________________ s
D o n a ld L azo
(Diretor da REINDAL)
Para se tornar adulto é preciso passar por
um estágio de amadurecimento até
doloroso; é nesse estágio que se aprende
que não se pode fazer o que bem se
entende e quando bem se entende.
odos nós que somos adultos sabe­
mos que o ser hum ano sadio pas­
sa por duas fases básicas na vida.
Existe a fase da infância, em que não
somos responsabilizados por nossos
atos. E existe a fase adulta, em que
somos responsabilizados.
P ara o ser hum ano — que, por
natureza, tem um a boa dose de egoís­
mo — a fase da infância é a fase mais
m aravilhosa da vida. A criança faz e
diz o que bem entende e os outros
não só aceitam mas se desdobram
p ara justificar os seus atos. A final de
; contas, é apenas um a criança!
A criança, quando quer beber,
berra. E m am ãe corre para fornecer
o leite. Q uando quer fazer as suas ne­
cessidades, a criança pega e faz — na
h o ra em que quiser e onde quiser. E
os outros correm para lim par e tro ­
car o nenê. A criança fala exatam en­
te o que pensa (“ P or que você usa es­
se vestido feio?” “ Seu nariz é tão
grande!” E u não gosto de você!” ), e
os outros aceitam , sorrindo em baraçadam ente. Afinal de contas, é ape­
nas um a criança!
Q uando qualquer coisinha inco­
m odar a criança, ela solta um grito e
os outros saem correndo para ver “ o
que que foi, queridinho” . Busca-se
com ida, fecha-se a janela, m uda-se a
posição na cam a. Em outras palavras,
a criança é rei e ninguém discute seu
! direito de sê-lo. E um a situação idíli­
ca que d u ra alguns anos e que nunca
é esquecida.
Qual é o ser hum ano que não gos­
taria fazer e dizer o que bem entende,
na ho ra em que lhe ocorra fazer ou
dizê-lo, sem que ninguém cisme de
torná-lo responsável por seus atos?
Gostou daquele Mercedes Benz? Pois,
pegue-o e vá em bora. É o seu direito.
; Gostou daquela moça? Pois, diga-lhe
que a quer para si, e ela virá corren­
do. Não quer trabalhar? Prefere pas­
2 i ove maria
sear? Tudo bem, pode deixar. Passeie
à vontade e os outros trabalharão por
você para pagar os seus passeios. Não
seria maravilhoso aquilo? Pois esse é
o estado idílico em que vive a criança
e que nunca esquece. Aliás, nós adul­
tos passamos o resto da vida pensan­
do muito nesse estado em que éramos
reis. Quantos não passam a vida toda
lutando para am ontoar dinheiro, sa­
bendo que dinheiro é poder e achando
que o poder os levará de novo a esse
estado idílico de poder fazer sempre o
que bem entendem? Quantos não se­
guem uma carreira política porque as­
sociam a política com o poder e
acham que o poder os colocará nesse
estado idílico?
Que é que tem tudo isso a ver com
o alcoolismo. O que tem a ver é o se­
guinte. Quando o alcoólatra bebe, ele
volta para esse estado idílico. Começa
a fazer e dizer o que bem entende e a
tragédia é que todos os demais ime­
diatamente começam a justificar suas
ações e atitudes irresponsáveis. “ Afi­
nal de contas, estava bêbado! Não sa­
bia o que estava fazendo” .
Nos 19 anos em que m inha espo­
sa Sônia e eu estamos lidando com
alcoólatras e suas famílias, h á um a
coisa que vemos constantem ente e
que, no entanto, nunca deixa de cho­
car-nos. É a capacidade da família (a
esposa, os pais em especial) de supor­
tar o com portam ento irresponsável
do alcoólatra, de desculpá-lo e até de
justificá-lo.
O abuso que o alcoólatra im põe à
sua família é inacreditável. E não es­
tou me referindo a um incidente ou
outro. Refiro-me a abusos m orais e
físicos constantes através de um pe­
ríodo de anos e anos. A criança, afi­
nal, passa por um estágio de am adu­
recimento bastante doloroso, porque
é nesse estágio que ela aprende que
não pode fazer o que bem entende
quando bem entende. Se os pais não
ensinarem isto aos seus filhos através
da disciplina, a sociedade em geral se
incum birá de ensinar-lhes por meios
bem mais dolorosos na “ escola da
vida” .
Todo adulto perceptivo olha com
apreensão ao seu redor p ara as vastas
lutas pelo poder que se travam entre
indivíduos, organizações e países —
entre pessoas que continuam crian­
ças. Já pensou o que seria do nosso
m undo se toda pessoa continuasse
criança, se ninguém aprendesse a
frear seu egocentrismo, se ninguém
tivesse que assumir a responsabilida­
de por seus atos?
Pois eu lhes digo com o seria o
m undo. Seria igual ao lar em que vi­
ve um alcoólatra, no qual não há um
m om ento de paz e tranqüilidade. São
24 horas por dia da mais alta tensão
— de m entiras, acusações, justifica­
tivas, gritaria, confusão, enfim, de
inferno.
Certam ente pensam que o alcoó­
latra é culpado por tudo aquilo. E
certam ente pensam que eu concordo,'
porque consideio o alcoólatra o “ nenê-rei” que nunca am adureceu.
Pois não concordo. Eu culpo os
familiares, os pais, as esposas, enfim
“ os facilitadores” que permitem que
continue tudo aquilo por anos a fio.
Q uando irão aprender que essa imen­
sa capacidade de absorver o abuso do
alcoólatra não é um a virtude? É um a
atitude tão irresponsável quanto a do
nenê-rei. E o pior é que é um a atitude
que serve unicamente como passapor­
te para a m orte do alcoólatra.
•
ALCO O U SM O
A Raiva Programada do Alcoólatra
D r. Jo sep h A. P u rsch
alcoólatra feliz é um mito.
Ele pode parecer feiiz
àqueles que o conhecem
superficialm ente, mas. se você
convive com um alcoólatra no
cia-a-dia, sabe que seu humor
credominante é a raiva.
Em termos gerais, todos os
seres humanos conhecem a rai, a. Sentimo-la, nos apegamos a
ela e a m anifestam os quando
estamos fartos de algo ou so­
mos provocados. Para os alcoóatras, contudo, a raiva se torna
até uma ferramenta.
Por exemplo, à noite, quan­
do eu me encontrava em casa e
surgia a vontade de largar mi­
nha esposa e meus filhos e sair
por aí bebendo (sim, eu era um
meninão bem egocêntrico), pro­
curava alguma justificativa, co­
mo a necessidade de comprar
cigarros ou consultar um colega
de serviço. Quando minha espo­
sa argumentava que havia um
pacote de cigarros na sala e que
podia consultar meu colega por
telefone, aí eu apelava para a ig­
norância. Logo ela também fica­
va nervosa e começava a gritar
comigo. Era isso que eu queria.
“ Olha, se você vai gritar com igo
desse jeito, vou refrescar minha
cabeça lá fora, porque aqui não
dá para fic a r!” Saía, então, ba­
tendo a porta e dirigia-me ao bar
mais próximo.
O
É desta form a que alcoóla­
tras se convencem, m ais tarde,
de que não são alcoólatras, não
têm problem a de bebida e suas
bebedeiras são inteiram ente
justifica d a s. Convencem-se de
que beberam porque foram pro­
vocados, aliás praticam ente
obrigados a beber pelas ações
ou atitudes da esposa (ou do
chefe, ou do filho, ou do colega,
ou de qualquer outro bode-expiatório conveniente).
Tomemos outro exemplo, o
de um alcoólatra que chamare­
mos Rodolfo. Após um dia duro
no escritório, sente-se cansado
e frustrado. A cam inho de casa
decide parar num de seus bote­
quins prediletos para tomar
“ uns drinquezinhos para rela­
xar. Em poucos m inutos se en­
contra batendo um papo com
duas pessoas “ fascinantes” .
Ele sabe que já devia estar
seguindo para casa. Mas o pen­
sam ento de filhos gritandojque
precisam de atenção), de brin­
quedos quebrados (que preci­
sam ser consertados) e de uma
esposa a flita (que precisa de
um companheiro) não são ca­
pazes de concorrer com o am­
biente agradável do bar, com o
prazer de bater um papo furado
com dois estranhos ou com a
chance de se lam uriar da vida
dura que leva junto a uns “ ve­
lhos am igos” .
Por meio de um processo
mental que nem ele consegui­
ria explicar, Rodolfo “ sabe”
que esta noite vai se tornar ou­
tra noitada. Mas, por ser um ho­
mem bastante educado, pri­
meiro terá de ju s tific a r a bebe­
deira para si, para sua esposa e
para seus amigos. Assim sen­
do, pede desculpas e se dirige
ao telefone do bar para ligar pa­
ra sua mulher. A conversa vai
mais ou menos assim:
“ Oi, querida. Olha, estou
aqui ocupado com alguns c li­
entes im portantes que chega­
ram na últim a hora” . Com aque­
le suspiro de homem de negóci­
os exausto no fim de um dia du­
ríssimo, ele acrescenta: “ Jan­
tem você e as crianças, que eu
chegarei mais tarde, quando
c o n s e g u ir me liv ra r d e sta
gente” .
Ora, essa canção a esposa
já ouviu mil vezes antes e, sa­
bendo o que significa, ela diz:
“ Rodolfo, pelo amor de Deus
não vá se embriagar de novo es­
ta noite. Por favor, R odolfol”
Pronto! Bastava isso para
Rodolfo m ostrar-se indigna­
do. Fingindo-se chocado, res­
ponde: “ Não acredito no que
acabo de ouvir. Aqui estou eu,
matando-me 60 horas por se­
mana para tentar manter uma
esposa e três filhos, e você me
vem com essa!”
O silêncio no outro lado da
linha incentiva Rodolfo a mostrar-se ainda mais irritado, e aí
ele explode: “ Escute aqui,
Olga, chega de conversa com
você. Eu te ligo para dar-te uma
satisfação e explicar o meu
atraso e você vem com toda es­
sa sua agressividade e com es­
sa de “ Não vá se em briagar de
novo esta noite” . Pois, já que
você falou isso, eu vou fica r fo ­
ra esta noite até a hora que bem
entender. E sou capaz de me
embriagar m esm o!”
Com isso, ele bate o te le fo ­
ne, enfurecido. Agora sente-se
totalm ente ju stifica d o e sem
culpa alguma. E pode voltar a
seus “ velhos am igos” e, com
eles, embriagar-se em paz.
Mais uma vez, a raiva salvou o
dia!
•
m a r ç o /9 1
a v e m a r ia
21
Usando
g
“doença" como justificativa
D onald Lazo
Ouarido um alcoólatra passa por um
tratamento adequado e depois volta a
beber, ele é mais do que um doente.
Ele é um doente sem-vergonha.
muitos séculos, as pessoas
D orante
cae bebiam demais eram trata-
te estão levando ao beber exagerado.
Esse tipo de “ tratam en to ” não resol­
ozí :om o criminosas pela sociedade
ve o alcoolism o. Pelo contrário, os
c como pecadores pela igreja. É muiremédios (se forem calm antes) irão
:: bom que estas idéias vêm mudana g r a v a r a dependência do alcoólatra
oo É m uito bom que cada vez mais e fazê-lo beber mais ainda quando
pessoas estão considerando o alcooreceber alta. Paradoxalm ente, em al­
— o um a doença e não uma vergo- coolismo a solução é d e ix a r de tom ar
ooa. Mas o conceito de alcoolismo
remédios tipo calm ante.
com o doença tem tam bém suas desMas, existe uma conseqüência
aooagens. Vou explicar.
pior. Q uando o alcoolism o é cham a­
M uitos médicos e profissionais — do doença, o próprio alcoólatra po­
e há quase 50 anos, praticam ente to ­ derá tom ar uma atitude que tenho
cos os m em bros de Alcoólicos Anôvisto muitas vezes: “ Tudo bem, dou­
oimos ao redor do m undo — vêm intor, aqui estou em suas mãos. Curendo em que o alcoolismo é uma
-me” . Com o se a recuperação do al­
ooença — que o alcoólatra bebe por
coólatra fosse responsabilidade do
ser doente e não por ser sem-vergomédico. Não é. É do alcoólatra. E o
oha. Esta insistência em cham ar o al­ alcoólatra precisa dessa responsabili­
coolismo doença tem grandes vanta­ dade. O conceito de alcoolismo co­
gens. Um a das maiores é que o al­ mo doença tende a tirar-lhe a respon­
coolismo passou a ser tratado por
sabilidade.
ncédicos em hospitais ao invés de por
Ainda outra desvantagem é que
roliciais em cadeias. Um a segunda
doença geralm ente implica que o
antagem é que a aceitação do alcoodoente é vítima inocente de sua m o­
mo como doença está ajudando a léstia. Até certo ponto, em se tratan­
eliminar o estigma associado à condi­ do do alcoolismo, eu teria de concor­
ção. Pode ser em baraçoso e até ver­ dar com isso. Para mim é difícil cul­
gonhoso ter um “ bêbado sem-vergo­ par uma pessoa por ter-se tornado
n h a” na família, mas não é vergo­ dependente de um a substância não
nhoso ter um “ doente” na família.
só aceita mas quase im posta por nos­
Assim, aum enta a possibilidade de a
sa sociedade. As outras drogas são
família de um alcoólatra procurar
proibidas. O álcool é prom ovido. É
:ratar a pessoa em vez de escondê-la.
inconcebível pensar em um reclame
O utra vantagem extremamente im­ na televisão que diz: “ M aconha ‘X ’ é
portante: ajuda o doente a aceitar e
uma boa idéia” .
ai sumir seu alcoolismo em vez de ne­
C ontudo, quando um alcoólatra
gá-lo. Afinal de contas, admitir-se
passa por um tratam ento que o de­
aicoólatra é precondição imprescinsintoxica e educa e ele depois volta a
dível da recuperação.
beber, ele deixa de ser uma vítima
Mas cham ar o alcoolismo doença
inocente. Q uando um tratam ento de­
'.em tam bém grandes desvantagens.
sintoxica um alcoólatra, colocando-o
A prim eira resulta do fato de que,
em condições de ver, ouvir e com ­
ouândo se pensa em doença, logo se preender, e educa-o sobre o álcool, o
pensa em algo que pode ser curado
alcoolismo, os sintomas da doença e
com remédios. Agora, infelizmente,
as conseqüências do seu beber, então
m uitos consideram que o alcoolismo
se fez por ele tudo o que os outros
è sintom a de problem as psicológicos
podem fazer. A partir de então, cabe
e usam remédios (calmantes) para
ao alcoólatra, e unicamente ao al­
aliviar os problem as que teoricam en­ coólatra, m anter-se afastado da be­
bida. Se o tratam ento for bom , ele
saberá que há m uitas coisas que po­
derá fazer para m anter-se sóbrio.
Poderá freqüentar um a associação
de ajuda m útua. P oderá ten tar.co lo ­
car em prática os Doze Passos sugeri­
dos por Alcoólicos A nônim os. P ode­
rá tentar ajudar outros alcoólatras.
Poderá manter-se afastado dos luga­
res onde sempre bebia antes. P oderá
assum ir sua doença e explicar para
todo o m undo que ele é alcoólatra e
que é por isso que não pode beber
mais. Aliás, “ poderá” talvez não se­
ja a palavra apropriada. “ D everá”
seria melhor. Essas coisas não são di­
fíceis de fazer, nem desagradáveis.
Pelo contrário, são agradáveis. E
gratuitas. E pequeno o preço que o
alcoólatra tem que pagar para salvar
a sua vida e deixar de infernizar a vi­
da dos outros.
Mas alguns alcoólatras não que­
rem se dar o trabalho de fazer essas
coisas. Eles decidem que vale a pena
tentar beber de novo — experim entar
uma só. Mas uma só não lhes dá
aquela euforia que sempre buscaram
na bebida. P ortanto, passam a tom ar
duas, três e, no fim, caem no círculo
vicioso de novo. A estes alcoólatras
eu culpo. Eu os culpo de egoísmo e,
sim, de sem-vergonhice.
Muitas pessoas (inclusive médi­
cos) não concordam comigo. Eles di­
zem: “ Mas ele é doente. Ele não con­
segue se controlar” . E acabam ju sti­
ficando a recaída.
Eu não quero subestim ar a difi­
culdade que um alcoólatra tem de
abandonar a bebida sem tratamento.
Ele não sabe o que tem . P ara ele, a
bebida não é a causa dos seus p ro ­
blemas, é a solução. Não lhe ocorre
parar de beber definitivam ente. Sem
desintoxicação, orientação e am paro
apropriados, é quase impossível um
alcoólatra se recuperar. Mas quando
estas coisas lhe são proporcionadas,
ele ganha as armas suficientes para
controlar sua doença, abandonando
a bebida. Centenas de milhares de
alcoólatras recuperados são prova
disso. Eu sou prova disso. P o r isso,
insisto. Quando o alcoólatra passa
por um tratam ento adequado e de­
pois volta a beber, ele é mais do que
um doente. Ele é um doente sem-vergonha.
H
ave ma ria 31
Alcoolismo: mais desvantagens
do rótulo "doença"
D o n a ld L azo
Como o conceito “ doença” do
alcoolismo leva as pessoas a agirem de
maneira contraproducente perante o
4'doente” alcoólatra.
enho dito que é m aravilhoso que,
cada vez m ais, as pessoas estejam
i encarando o alcoolism o com o um a
doença e não um a vergonha. C ontu­
do, classificar o alcoolism o como
doença tam bém tem suas desvanta­
gens. Porque doença im plica certas
coisas que não se aplicam ao alcoo­
lismo. E como as pessoas agem de
acordo com as implicações, m uitas
vezes tratam o alcoólatra de m anei­
ra contraproducente, ou seja, de m a­
neira a perm itir que continue beben­
do sem se responsabilizar pela sua
saúde, o que só pode agravar o seu
estado.
Senão, vejam . As pessoas rece­
bem a sim patia das dem ais. A noção
aceita é que as pessoas doentes não
decidem ser doentes, não escolhem
ser doentes. São pegas de surpresa
por circunstâncias (acidentes, viro­
ses, etc.) alheias à sua vontade. Além
do mais, entende-se que estar doente
é desagradável e que, durante o pe­
ríodo da doença, tudo se deve fazer
pelo doente para que ele sofra menos
e se sinta m elhor. E tem mais: duran­
te o período da doença, não se espera
do doente que ele assum a suas res­
ponsabilidades norm ais. Considera-se que sua doença lhe tira a capaci­
dade de assumir essas responsabili­
dades. As pessoas que procuram aju ­
dar o doente assumem suas responsa­
bilidades por ele.
Finalmente, pessoas doentes não
são criticadas por m anifestar os sin­
tom as de sua doença. São considera­
das vítimas indefesas de suas aflições,
incapazes de fazer qualquer coisa a
respeito. Seu com portam ento, quan­
do anormal, é justificado como sendo
sintoma da doença. “ Está doente,
coitado. Não podemos culpá-lo” .
A gora vamos à realidade do al­
coolism o. O alcoólatra é um a pessoa
que, geralm ente por m otivos sociais,
começou um dia a tom ar bebidas al­
coólicas. Não dem orou muito para
ele sentir-se extrem am ente beneficia­
do pelo álcool. N ão se sabe com certez^ se o benefício que ele sente é de­
vido ao fato de o alcoólatra sofrer
maiores tensões que o não-alcoólatra
(tensões estas que são aliviadas pelo
álcool) ou se é devido a diferenças
orgânicas no corpo do alcoólatra.
Não acho que aquilo im porta m uito,
a não ser aos estudiosos. O que im­
porta é que o alcoólatra se sente m ui­
to beneficiado quando tom a bebidas
alcoólicas. Entre outros benefícios
que recebe, todas as suas preocupa­
ções desaparecem poucos m inutos
depois de ele com eçar a beber.
Pelo fato de ele sentir esses benefí­
cios sempre que beba, ele acolhe bem
toda oportunidade para beber que se
lhe apresente. (Está iniciando sua de­
pendência psicológica.) Não demora
muito para ele começar a procurar
ocasiões e justificativas para beber.
Gradativamente — porque as células
do seu corpo estão aprendendo a con­
viver com o álcool que ele bebe e que
permeia o corpo inteiro — ele começa
a desenvolver um a tolerância ao ál­
cool. Com o passar do tem po, devido
a esta crescente tolerância, ele terá
que beber cada vez mais para obter os
mesmos “ benefícios” . (E o desenvol­
vimento da dependência física, que
acabará fazendo com que ele se sinta
mal quando não estiver bebendo.)
A doença deste bebedor se cham a
dependência de uma droga. (Sim,
porque p ara 5% a 10% da popula­
ção, o álcool funciona com o droga
poderosa que cria dependência, da
mesm a form a que p ara quase 100%
da população a heroína, m orfina e
cocaína criam dependência.)
A gora, a dependência (conse­
qüência do ato de beber) leva a dois
resultados: (1) leva o alcoólatra a
querer beber cada vez mais; e (2) leva
ao surgim ento de problem as n a vida
do alcoólatra, ou incapacita-o para
resolver os problem as norm ais que
surgem na vida de to d a pessoa.
Estes problemas são bênçãos dis­
farçadas. São justam ente as desvan­
tagens do beber que acabarão se con­
trapondo às vantagens que estão nu­
trindo sua dependência. A cabarão
levando o alcoólatra a entender que,
em bora o beber traga grandes benefí­
cios a curto prazo, tam bém tem
grandes desvantagens a longo prazo.
É imprescindível que o alcoólatra
chegue a esta conclusão. E p ara che­
gar a ela, é imprescindível que ele so­
fra as conseqüências dos problem as
gerados pela sua dependência, antes
de que o álcool, com o tóxico veneno­
so, acabe com suas defesas físicas e o
m ate. P orque, se o alcoólatra não so­
frer as conseqüências negativas do
beber, não cogitará em p arar de be­
ber. E, se não parar de beber, acaba­
rá m orrendo do alcoolismo;
Creio que, se o leitor ag ora reler a
prim eira parte deste artigo, entenderá
facilmente como o conceito “ doença”
do alcoolismo leva pessoas a agirem
de m aneira contraproducente perante
o “ doente” alcoólatra.
e
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C H Á C A R A REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
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o v e m o r/o
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Alcoolismo:
Ik
as desvantagens do rótulo
"doença"
D o n a ld L azo
N o alcoolismo, o
alcoólatra é o terapeuta
principal, participando
ativamente de sua
recuperação integral, não
bastando somente a
medicação prescrita pelo
médico que auxilia na
reabilitação das
conseqüências físicas
produzidas pelo álcool.
médicos para diagnosticar e, muito
menos, para tratar o alcoolismo).
Mas é um engano achar que um médi­
co, ou qualquer outra pessoa, pode
recuperar um alcoólatra sem a partici­
pação total do alcoólatra. A nenhum
alcoólatra deve ser permitido nutrir
esta ilusão.
O conceito de doença pode criar a
falsa im pressão, tam bém , de que o
alcoolismo pode ser trata d o com pí­
lulas (como o é em centenas de clíni­
cas psiquiátricas no m undo inteiro).
Vivemos na época das cham adas
“ drogas m iraculosas” . A toda hora,
na televisão, somos assaltados por
reclames prom ovendo pílulas que
instantaneam ente curam tais males
o meu últim o artigo, eu disse que
com o dores de cabeça, dores m us­
grandes vantagens resultaram do
culares, angústia, nervosism o, insô­
fato de o alcoolismo ser cada vez
mais aceito com o uma doença e não
nia, etc. Estam os condicionados a
um pecado ou um a vergonha. É m ui­ pensar que, para cada m oléstia, deve
to mais lógico e hum ano trata r um
haver um a solução rápida.
dependenje -de um a droga do que
Pouco se fala nas moléstias que
puni-lo, m orm ente no caso de um a
têm recuperação, mas um a recupera­
droga que não somente não é proibi­ ção lenta e que requer m uito esforço
da pela sociedade, mas é aceita por
p o r parte do doente. P or exemplo,
ela e até quase imposta.
com terapia física, m uitas vítimas de
No en tanto, taxar um alcoólatra
acidentes autom obilísticos, aparente­
de doente tem grandes desvantagens
mente paralisadas e sem esperança,
tam bém , porque “ doença” tem cer­
acabam aprendendo a andar de novo.
tas implicações que não se aplicam
M as, nestes casos, a vítima tom ou
parte ativa na sua reabilitação. Para
bem ao alcoolismo. Muitas vezes, o
que sua reabilitação fosse bem-suce­
alcoólatra se aproveita da confusão
dida, a vítima foi obrigada a fazer
para continuar bebendo ou, na me­
horas de terapia física diariam ente,
lhor das hipóteses, para não se esfor­
às vezes durante anos.
çar m uito na sua recuperação.
f. Como mencionei no artigo ante­
O alcoolismo é esse tipo de doen­
rior, um a das implicações infelizes é
ça. É um a doença crônica e, falando
I que, como doença, o alcoolismo deve
em term os médicos, doenças crôni­
ser í ratado por médicos. É ao médico,
cas não podem ser “ curadas” —
corr suas técnicas e seus medicamen­
apenas controladas. Esse controle
tos m odernos, que olhamos para efe­ pode incluir tratam entos específicos,
tuar a recuperação do alcoólatra.
em hospitais e com drogas. Mas sem­
Ora, não discuto que haja um papel
pre têm algo mais, e sempre se requer
im portante para o médico no diag­
a cooperação do doente.
nóstico e tratam ento das conseqüên­
Considere o exemplo da diabetes:
cias físicas do alcoolismo (se bem que
pode-se prescrever a insulina, m as is­
muito poucas escolas de medicina —
so nunca basta. Um nutricionista te­
muito poucas mesmo — habilitam os
rá que elaborar um a dieta especial
N
para o doente. Provavelm ente ensi­
narão ao paciente com o verificar sua
urina. É bem possível que o diabético
também tenha que fazer algumas
m udanças n a sua ro tin a de vida. Em
outras palavras, a pessoa com um a
doença crônica não é o recipiente
passivo de um tratam ento médico. A
vítima de um a doença crônica preci­
sa tornar-se um colaborador ativo do
médico, assum indo um a grande par­
cela da responsabilidade pela conten­
ção de sua m oléstia.
No caso do alcoolism o, tam bém ,
essa colaboração é imprescindível.
Só que os exercícios que o alcoólatra
tem que fazer não são exercícios físi­
cos. São exercícios espirituais. De fa­
to, prim eiro terá de parar de beber, e
às vezes isso requer ajuda médica e
medicamentos para evitar os perigos
maiores da síndrom e de abstinência
(tremores e alucinações não são peri­
gosos mas as convulsões e o delirium
tremens o são). Porém , a parte mais
difícil do tratam ento — e mais p ro ­
longada, pois dura o resto da vida —
não é parar de beber. É não voltar a
beber. E para que não seja tentado a
voltar a beber, o alcoólatra precisa
fazer seus exercícios espirituais. Terá
que trabalhar para desinflar seu o r­
gulho e desenvolver sua hum ildade.
Terá que fazer um a introspecção des­
temida, analisando-se honestam ente
para descobrir seus principais defei­
tos e tentar controlá-los no futuro.
Deverá tentar aproxim ar-se de Deus
e dedicar pelo m enos uma parcela de
sua vida aos outros.
P ara que sua recuperação seja
bem-sucedida e com pleta, quer dizzer, para que o alcoólatra se torne
uma pessoa feliz e útil à sociedade,
ele terá que devotar semanas, meses e
anos à sua terapia espiritual.
Caso contrário, será o que cha­
mamos um “ bêbado seco” , um al­
coólatra que apenas parou de beber,
mas que continua com todos os de­
mais sintomas do alcoolismo: o ner­
vosismo, a irritabilidade, a prepotên­
cia, a angústia, o orgulho, a insônia.
Como aqueles alcoólatras que che­
gam a um centro de tratam ento e di­
zem: “ Aqui estou. Eu vim para ser
curado. P ortanto, curem -m e!” Essas
pessoas não entenderam que o alcoo­
lismo é um a doença diferente, na
qual o alcoólatra é o terapeuta prin­
cipal, participando ativam ente de
sua recuperação integral.
•
a v e m a r ia 2 9
*
%
%
A LC O O LIS M O
%
%
l
Alcoolismo:
iratável em
duas semanas?
Acostumados a internações
áe até meses, que inclusive
não dão certo "porque o
tempo foi pouco", os
brasileiros não concebem ser
possível recuperar um
alcoólatra em apenas duas
semanas.
Tudo isto é explicado, inclusive
com filmes, nos centros especializa­
dos que oferecem, na verdade, mais
um curso educacional e de conscien­
tização do que outra coisa.
É claro que, para se beneficiar de
tal curso, o paciente precisa estar em
condições de ouvir, pensar e apren­
der. E muitos alcoólatras, com os cé­
rebros banhados em álcool há anos,
xistem m uitas pessoas que
não estão nessas condições. Primei­
acham que duas semanas
ro, portanto, precisam ser desintoxi­
o :3m po que um alcoólatra fica in­cados, para remover a droga de seus
ternado na Chácara Reindal) é muito
cérebros e corpos. Essa desintoxica­
pouco para recuperar um doente al­
ção normalmente demora 3 ou 4 dias
coólatra.
apenas e também é feita nos centros
Elas têm essa impressão por cau­
especializados.
sa ne um conceito errado. Acham que
Uma vez que o alcoólatra esteja
c alcoólatra bebe por causa de seus
desintoxicado, estaria em condições
emblemas psicológicos e que estes
de ser educado, não fosse por uma
nemoram m uito mais que duas sema­
coisa: sua negação, que não lhe per­
nas para serem trabalhados e supe­
mite ver a gravidade de sua situação.
rados. Implícita está a suposição de
Assim sendo, a negação também pre­
:_a o tratam ento do alcoólatra visa
cisa ser eliminada, outra coisa feita
desvendar e resolver os problemas
em centros especializados com téc­
psicológicos do alcoólatra. Mas não
nicas especiais que fazem parte da
a sso que se faz em um tratam ento
terapia de grupo.
especializado de alcoolismo.
O alcoólatra tam bém precisa en­
Em primeiro lugar, porque um al­
tender que existem duas fases na re­
coólatra não bebe devido a seus procuperação. A primeira requer parar de
b em as p s ic o ló g ic o s . Ele tem
beber, o que ele fará no centro de tra ­
rro ü e m a s psicológicos porque bebe.
tamento. A segunda (não voltar a be­
- -a:z do problema é o beber e não
ber) tomará o resto de sua vida, como
os problemas psicológicos.
já foi dito. Requererá certas atitudes
Assim sendo, o que tem que ser
e exercícios espirituais por parte do
a — ado é o beber e não os problealcoólatra. Estas atitudes e exercícios
—as psicológicos. Ora, por ser algo
são ensinados nos centros especiali­
: . e a pessoa precisa deixar de fazer
zados. Nestes centros, o alcoólatra
ao nvás de algo que deva fazer, a du­
aprende a entender e pôr em prática
ração do tratam ento mesmo é para
o programa dos Doze Passos sugeri­
o 'esto da vida. Não são duas semado pela Alcoólicos Anônim os. Ele
~as nem dois meses, nem dois anos.
aprende que seu orgulho e egocen­
Se c alcoólatra voltar a beber depois
trism o são seus maiores inimigos e
ne cois anos de abstinência, logo se
que a melhor maneira de combatê-los
encontrará novamente envolvido no
é através da prática dos Doze Passos.
cnnulo vicioso que é o alcoolismo, be­
Quando um alcoólatra sai da
bendo mais do que nunca.
Chácara Reindal ou de qualquer ou­
E
ave m an a
tro centro especializado, ele sai "qui­
lôm etro zero": já está com fom e e
comendo bem de novo; está descan­
sando e podendo dorm ir sem sonífe­
ros; está desintoxicado do álcool e
dos medicamentos; e está educado,
o que quer dizer armado para perma­
necer sóbrio o resto de sua vida. En­
fim , está libertado do álcool e só
voltará a beber se quiser. Se não qui-,
ser (e, comprovadamente, a maioria
não quer), nunca mais beberá. Terá
iniciado sua recuperação do alcoolis­
mo, pois o álcool nunca mais lhe cria­
rá problemas.
Dizem que, para o alcoólatra, um
drinque é muito e cem não bastam.
Algo parecido ocorre no caso do tra ­
tam ento de alcoolismo: duas sema­
nas é bastante e cem semanas seria
pouco. Em outras palavras, para
quem quer parar com o sofrimento do
alcoolismo, duas semanas de interna­
ção bastam. Para quem ainda não
quer parar, cem semanas não bas­
tariam.
m
D o n a ld L a z o
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.836
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-8514)
É
Comentários
sobre centros de tratamento e
o beber controíado
D o n a ld Lazo
A pessoa que acha mais fácil um alcoólatra aprender
a beber controladamente do que abandonar a bebida,
nunca foi alcoólatra.
rr
L -y a cinco dias, saiu de nosso
total. Já se passaram 22 anos maravi­
I
Scentro de tratamento um mé- lhosos.
dico alcoólatra do Rio de Janeiro,
Antes de explicar melhor, quero
aoós uma internação de duas semadizer que, na minha experiência, que
"38. Antes de vir à Chácara Reindal,
inclui meus estudos, concluo que
e e vinha se tratando há vários anos
existem vários tipos de alcoolismo.
com um psiquiatra no Rio. Mas vinha
Mas, nas Américas, existe um tipo
c+orando gradativamente, até chegar
preponderante: o tipo que o Prof. Jelliao ponto de estar tomando 12 comnek taxou de alcoolismo “ gamma".
orimidos por dia de vários tipos de
Normalmente, quando falo ou escre­
-edicam entos psicotrópicos receitavo sobre alcoolismo, estou me referin­
33S peio seu psiquiatra. Quando este
do ao alcoolismo “ gamma” , pois é qua­
~édico disse ao psiquiatra que havia
se o único tipo que a gente encontra
cecidido se internar na Chácara Reine trata no Brasil.
cal. o psiquiatra lhe respondeu: “ DesPois bem. O que as pessoas, in­
c_ oe-me, mas eu não acho que alclusive muitos psiquiatras, parecem
Çuém possa se recuperar do alcoolis­
não entender é que o alcoolismo
mo em duas semanas” .
“ gamma” envolve uma atividade (o
O psiquiatra tem razão. Nenhum
beber) e uma conseqüência (a de­
aícoólatra se recupera em duas se­
pendência). Enquanto o alcoólatra se
manas. Mas, esse não é o objetivo de
entrega à atividade de beber, ele não
se tratar em um centro especializado
poderá controlar sua dependência.
em alcoolismo. Os objetivos são: (1°)
PORÉM, ELE PODE CONTROLAR
a.udar o alcoólatra a parar de beber,
SUA DEPENDÊNCIA, E PORTANTO
o que, às vezes, requer assistência
SEU ALCOOLISMO, SE DESISTIR DA
médica (para eliminar todas as drogas
ATIVIDADE DE BEBER. E O FATO DE­
do seu corpo sem correr o risco de
LE SER ALCOÓLATRA NÃO IMPEDE,
'a ve r reações perigosas), e (2o) dar
EM ABSOLUTO, QUE CONSIGA PA­
ao alcoólatra as armas que necessitaRAR DE BEBER. O pior alcoólatra po­
rá para não voltar a beber até que
de parar de beber, como eu e cente­
eie esteja recuperado espiritual, emo­
nas de milhares de alcoólatras já fize­
cional e fisicamente, o que pode de­
mos. Este deve ser o objetivo princi­
morar um ou dois anos.
pal de um tratamento de alcoolismo:
Eu aposto que esse nosso pa­
Jevar o alcoólatra a parar de beber, e
ciente médico jamais volte a beber e,
depois a continuar parado.
Dortánto, que acabe se recuperando,
Levá-lo a parar de beber é fácil,
como eu me recuperei. E, pedindo
mormente se estiver afastado da be­
descülpas ao psiquiatra do Rio, devo
bida e sob cuidados médicos. É me­
explicar que eu cheguei a ser um al­
nos fácil quando o alcoólatra estiver
coólatra em estágio multo adiantado,
fazendo um tratamento ambulatória!
tive um tratamento que consistiu em
onde, o dia todo, estará exposto aos
CINCO DIAS de desintoxicação e a
bares na rua. Por isso, acredito em in­
leitura do livro A lcoólicos Anônim os,
ternação para alcoólatra, embora de
e saí do hospital para nunca mais be­
curta duração.
ber e para gozar de uma recuperação
O grande problema em alcoolis­
26 ave maria
mo não é levar o alcoólatra a parar de
beber. O problema maior é convencêlo a permanecer parado. Porque isto
freqüentemente requer uma mudança
Total de personalidade e atitudes. Ou,
em outras palavras, uma mudança
espiritual. E esta mudança só pode
ser efetuada pelo próprio alcoólatra.
Como diz o velho ditado: a porta à
conversão espiritual tem maçaneta só
por dentro.
No entanto, é possível motivar
um alcoólatra a efetuar esta mudança
em si. E é exatamente isso que tenta­
mos fazer nas duas semanas em que
nossos pacientes estão hospedados
na Chácara Reindal.
Voltando ao que dizia antes: é fá­
cil levar um alcoólatra a parar de be­
ber, e mais difícil levá-lo a manter-se
parado. Agora, o que é extremamente
difícil, senão impossível, é levar um
alcoólatra a beber controladamente. E
o que todo alcoólatra sonha em poder
fazer e passa anos tentando fazer (e
fracassando).
Além do mais, eu pergunto: que
vantagem existe em levar qualquer
pessoa, seja ou não alcoólatra, a be­
ber uma droga tóxica como o álcool?
Respondam-me essa pergunta. Afinal,
é comparável com o caso do fuman­
te. Igual à bebida, é infinitamente
mais fácil (e, repito, muito mais sau­
dável) um fumante de 3 maços por
dia (o que equivale a um alcoólatra)
largar de fumar do que aprender a fu­
mar, digamos, 3 cigarros por dia. Ele
não vai conseguir por mais do que al­
guns dias. Não consegue mesmo.
Por isso eu digo: a pessoa que acha
que alguns alcoólatras devem ser.levados a beber controladamente “ por
ser isso mais fácil do que abandonar
a bebida” , nunca foraía alcoólatra©:®
CL W
D o n ald Lazo
OS CENTROS DE TRATAMENTO
QUE SE ESPECIALIZAM EM
ALCOOLISMO
O alcoólatra recuperado, muitas vezes, torna-se um
bom terapeuta deste campo.
barreira à recuperação do
A maior
alcoólatra é sua resistência em
aceitar o tratam ento. Afinal, ele (ou
ela) também está influenciado pelo
estigma que prevalece a respeito do
mal: que os bebedores exagerados b e­
bem assim porque são sem-vergonhas
irresponsáveis, porque não têm a for­
ça de vontade que têm os bebedores
sociais ou, na melhor das hipóteses,
porque são casos psiquiátricos com
problemas psíquicos profundos. Até
desaparecerem estes preconceitos fal| sos, as pessoas com esta séria enfer­
midade constitucional relutarão em
adm itir que precisam de ajuda.
Também não é verdade que o al­
coólatra precisa querer p arar de be­
ber antes de poder ser ajudado. A vas­
ta maioria dos alcoólatras que começa
um tratam ento, o faz coagido pelas
circunstâncias intoleráveis de sua
vida. E sua motivação para deixar de
beber emerge durante o tratam ento,
não antes.
Em 1979, minha esposa, Sônia, e
eu visitamos vários dos mais concei­
tuados centros de tratam ento do m un­
do, localizados nos Estados Unidos.
Há certas características que eles têm
em comum, começando pelo fato de
proclamarem um a história de êxito:
neles, a maioria das vítimas desta
doença se recuperam. Milhares de al­
coólatras que passaram por estes cen­
tros, e que até então estavam condena­
dos à morte, agora vivem vidas cons­
trutivas e positivas, livres da depen­
dência do álcool. Apenas precisam
obedecer um regime que não permite
qualquer forma de bebida alcoólica.
Para que os alcoólatras observem
esta única restrição durante o resto de
suas vidas, poderão ser necessários um
modo de vida radicalmente alterado e
mudanças profundas em suas atitudes
pessoais, a fim de reduzir o risco de re­
caídas. Estas mudanças, por sua vez,
requerem um a educação intensiva so­
bre a natureza da enfermidade e seus
efeitos na própria vítima.
Estes centros de reabilitação têm
m uitas outras coisas em com um . Suas
equipes são caracteristicam ente interdisciplinares. Isto quer dizer que lhes
respeitam o papel de todas as discipli­
nas profissionais representadas pelas
suas equipes — a m edicina, a enfer­
m agem, a psicologia, a assistência so­
cial, a teologia e a nova disciplina
cham ada “ aconselham ento em alcoo­
lism o” (um a função geralm ente
preenchida por alcoólatras recupera­
dos). Aliás, é bom frisar o reconheci­
m ento dado ao papel positivo do al­
coólatra recuperado como terapeuta.
Dos 550 estudantes que anualm ente
fazem o famoso curso do Rutgers
University Center of Alcohol Studies,
que habilita p ara trab alh ar profissio­
nalm ente no campo de alcoolismo co­
mo “ conselheiro em alcoolismo” ,
aproxim adam ente 350 são alcoólatras
recuperados.
Todos os centros de reabilitação
incorporam , de um a form a ou de ou­
tra, o program a de Alcoólicos Anôni­
mos (AA). M uito antes que as profis­
sões focalizassem sua atenção na
aquisição de habilidades específicas
no tratam ento de alcoólatras, m em ­
bros recuperados de AA já ajudavam
seus com panheiros doentes a se recu­
perarem , com partilhando com eles a
filosofia e as técnicas incorporadas no
program a dos Doze Passos de A A.
Aliás, muitos desses centros de tra ta ­
m ento foram fundados por membros
de AA, constrangidos pelo tratam en­
to à base de psicotrópicos proporcio­
nado pelas clínicas psiquiátricas
norte-am ericanas. Assim, estes cen­
tros bem sucedidos invariavelmente
adotam o conceito de alcoolismo co­
mo doença prim ária, enfatizando a
im portância da abstinência total do
álcool e dos psicotrópicos. As equipes
dos centros estão em penhadas em
ajudar o alcoólatra a encontrar meios
não-químicos de lidar com as dores e
pressões da vida.
O utro fio com um nestes centros é
o reconhecimento do alcoolismo como
“ doença da fam ília” . Assim sendo,
onde for possível, eles tam bém ex­
põem o cônjuge e os filhos do alcoóla­
tra à educação sobre a enferm idade.
Todos os centros indicam Al-Anon
para os cônjuges e Alateen para os fi­
lhos. E, a fim de salvaguardar o p ro ­
gresso feito no decorrer do tra ta ­
mento, os centros garantem a conva­
lescência de seus pacientes encam i­
nhando-os ao grupo de AA mais p ró ­
ximo de suas casas. Alguns pacientes
podem tem er que seu status profissio­
nal ou ocupacional seja ameaçado se
expuserem-se em reuniões abertas de
Alcoólicos Anônimos. Nestes casos,
os centros os encam inham para g ru­
pos especiais de AA, freqüentados,
por exemplo, exclusivamente por m é­
dicos, padres, advogados ou até pilo­
tos de aviões comerciais.
Sem dúvida a arm a mais poderosa
oferecida por todos esses centros de
tratam ento é a educação sobre o p ro ­
gram a espiritual dos Doze Passos de
Alcoólicos Anônimos. Dedicarei o
próximo — e último — artigo desta
série ao com entário sobre esta m ila­
grosa solução p ara o grave problem a
do alcoolismo. '
m aaBBm m s sm
PROBLEMA
0E
BEBSOA?
O tratam ento, ou internação, na-REINDAL emprega
as mais avançadas técnicas utilizadas em conceitua­
dos centros de reabilitação norte-americanos.
REINDAL - Recuperação integral do Doente Alcoólatra
Rua Augusta, 2676 - C x. Postal 20.896 - T els.: 520-9514 e
63-5437 - São Paulo - S P .
—
a—
maBBmtBBm
a v e m a r ia 17
A L C O O L IS M O
Ajuda mútua e
dozs passos:
duas armas
para
doenças crônicas
No início deste século, talvez
50% das doenças eram do tip o agu­
do. Eram tratadas por m édicos e
s u a s vítim as ou se recuperavam ou
-morriam — em pouco tem po. Os ou­
tr o s 2 0 % das d o e n ç a s eram
crônicas.
Hoje, quase um século mais ta r­
de. as percentagens se inverteram .
~ão dram áticos foram os avanços
Tiédicos nas últim as décadas que,
atualm ente, as doenças agudas le. am a poucos óbitos e constituem
apenas 20% das enferm idades. Em
1988, as doenças crônicas é que
constituem 80% das m oléstias.
As doenças crônicas (tais com o
as doenças mentais, o diabetes e o
alcoolism o) têm uma característica
principal: embora possam ser con ­
troladas, elas são incuráveis. Isso
significa duas coisas. Primeiro, que
eías são caracterizadas pela reinci­
dência ou recaída. Uma pessoa com
uma doença crônica pode se recupe­
rar de tal, form a que fique bem por
semanas, meses ou anos. Mas, de
repente, pode encontrar-se derruba­
da pela doença de novo.
O fato de serem controláveis,
embora incuráveis, tam bém s ig n ifi­
ca que a recuperação das mesmas,
por ser sempre provisória, requer os
esforços ta n to do paciente quanto
do médico. Sim, porque não pode­
mos m anter pessoas em hospitais,
sob os cuidados constantes de um
m édico, para o resto de suas vidas.
Haja hospitais para tantos doen­
tes crônicos! E mesmo que houves­
se, quantos poderiam pagar um tra ­
tam ento hospitalar que vai durar o
resto de sua vida?
O fato de as doenças crônicas
requererem a cooperação do pacien­
te tem deixado a classe médica frus­
trada. Porque o que acontece é o se­
guinte: o médico é chamado para
atender uma crise sofrida por um
doente crônico — digamos um dia­
bético que entra em coma ou um al­
coólatra que está tendo convulsões.
0 médico socorre o paciente,
restabelece seu equilíbrio físico e de­
term ina um regime que ele deverá
seguir daí em diante para evitar uma
nova crise. O diabético talvez tenha
que tom ar insulina regularmente. O
alcoólatra terá de permanecer afas­
tado da bebida.
Superada a crise e estabelecido
o regime apropriado para o doente,
o papel do médico está cum prido.
Mas a doença não está curada —
apenas detida. Agora, caberá ao pa­
ciente seguir o regime indicado pelo
médico.
A í é que está o problema. Por­
que m uitos seres hum anos tendem
a ser relaxados. Basta que o doente
passe algumas semanas sem que
sua moléstia lhe crie mais problemas
e ele provavelm ente começará a se
descuidar. Vai esquecer de tom ar
seu medicamento na hora certa e co­
meçar a tom ar certos riscos (como
fum ar, se sua doença fo r de cora­
ção) e pronto! Logo aparecerá outra
crise.
Dois fenômenos têm ajudado os
doentes crônicos a m anter seus re­
gimes e evitar a reincidência de suas
crises.
Já que não podem ter o médico
a seu lado para o resto da vida, os
doentes descobriram um su bstituto
eficaz: outra pessoa com a mesma
doença. Melhor ainda, várias outras
pessoas. Agrupando-se em irmandades de doentes com a mesma enfer­
midade e, portanto, o mesmo regi­
me, os doentes crônicos descobri­
ram que lhes era m uito mais fácil se­
guir seus regimes quando eram
acompanhados por outros doentes
fazendo a mesma coisa. Não há dú­
vida que tudo fica mais fácil quando
se faz em grupo.
O prim eiro agrupam ento de
doentes que eu conheço fo i o de A l­
coólicos Anônim os, que começou
em 1935 quando um corretor da bol­
sa de Nova Y ork que era alcoólatra
abordou um médico (que tam bém
era alcoólatra) de A kron, Ohio, e lhe
sugeriu seguir o regime que lhe ha­
via sido explicado pelo seu médico
em Nova York. Desde então, quase
1 50 outras irmandades têm surgido,
cada uma abrigando pessoas unidas
por uma mesma aflição.
O segundo fenôm eno que tem
ajudado os doentes crônicos a seguir
seus regimes e assim evitar novos
surtos de suas m oléstias é a prática
de um exercício espiritual sugerido
inicialmente para as pessoas que so­
friam de alcoolism o. A grande arma
que todas as 150 irmandades de
doentes crônicos têm em com um é
o programa de crescimento espiritual
cham ado os Doze Passos. Terei
mais a dizer sobre este programa m i­
lagroso no próxim o núm ero da A ve
M aria.
a
Donald Lazo
{
7
\
C H Á C A R A REÍNDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
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Cx. Postal 20.896
01498 São Pauio, SP
(Fone: (011) 520-9514)
V_______________________________ /
a v e m a r ia
21
sALCOOUSMQ
Despertar
Espiritual:
a diferença
entre
* abstinência e
l sobriedade
D o n a ld L a z o
-
-*
—
_
—*
__
*
P
o r q u e a lg u n s a lc o ó la tr a s
a b a n d o n a m a b e b id a e se
to rn a m não s o m e n te a b s tê m io s
m as fe liz e s , c h e io s de v id a , p e s ­
soas q u e o b v ia m e n te e s tã o d e s fr u ta n d o su a s o b rie d a d e ao m á ­
x im o , e n q u a n to o u tra s la rg a m a
□ebida e c o m ela p a re ce m te r larg a d o a p ró p ria v id a , to rn a n d o -s e
Dessoas fe c h a d a s , a m a rg u ra d a s ,
in ve jo s a s ?
Se p e rg u n ta s s e m a m im , d i­
ria q u e a d ife re n ç a e n tre os d o is
tip o s de a lc o ó la tra s "re c .u p e ra ■ d o s ” é D eus. Os prim e iro s e n c o n ­
tra ra m D e u s , em si e em s u a s v i ­
das. O s o u tro s apena s p a ra ra m
de beb er. Não e n c o n tra ra m D eus.
E o h o m e m se m D eus é m e n o s
que u m h o m e m . N ão e s tá re a li­
z a n d o su a p le n itu d e . E x is te m as
não v iv e .
Em to d o o c a m p o de a lc o o lis ­
m o, u m d o s fe n ô m e n o s m ais fa s ­
c in a n te s é o d e s p e rta r ou tra n s fo rm a ç ã o e s p iritu a l a d q u irid o p o r
a q u e le s a lc o ó la tra s qu e c o n s e ­
g uem as m e lh o re s re c u p e ra ç õ e s .
T ra ta -s e de u m a e x p e riê n c ia que
m u ito s a lc o ó la tra s " r e c u p e r a ­
d o s ” ja m a is tiv e ra m . E c e rta m e n ­
te é u m a e x p e riê n c ia d e s c o n h e c id a p o r a q u e le s a lc o ó la tra s que
não c o n s e g u e m a tin g ir p e río d o s
n o m a is o b s c u ro fu n d o de u m p o ­
ç o . A in d a tin h a a n o ç ã o de u m
P o d e r s u p e rio r a m im m e s m o
a tra v e s s a d a na g a rg a n ta , m a s f i ­
n a lm e n te , a p e n a s p o r u m in s ta n ­
te, o ú ltim o v e s tíg io de m in h a o r ­
g u lh o s a o b s tin a ç ã o fo i e s m a g a ­
d o . S u b ita m e n te m e e n c o n tre i
e x c la m a n d o , " S e e x is te u m
D e u s , q u e se m a n ife s te ! E s to u
d is p o s to a fa z e r q u a lq u e r co is a ,
q u a lq u e r c o is a !”
D e re p e n te o q u a rto se e n ­
c h e u de u m a fo r te lu z b ra n c a .
M e rg u lh e i-m e n u m ê x ta s e q u e
p a la v ra s n ã o c o n s e g u e m d e s c re ­
ver. P areceu-m e, c o m os o lh o s da
m e n te , q u e e s ta v a n u m a m o n ta ­
n h a e q ue s o p ra v a u m v e n to , n ão
de a r m a s de e sp írito . E, de re p e n ­
te, s e n ti q ue era u m h o m e m livre .
L e n ta m e n te , a ê xta se p assou.
D e ite i-m e n a c a m a , m a s a g o ra
p o r u n s in s ta n te s m e e n c o n tra v a
e m o u tro m u n d o , u m n o v o m u n ­
d o de c o n s c iê n c ia . A o m e u re d o r
e d e n tro de m im h a v ia u m a s e n ­
s a ç ã o m a ra v ilh o s a de P re se n ça ,
e p e n s e i c o m ig o m e s m o , 'E n tã o ,
e sse é o D e u s d o s p re g a d o re s !'
U m a g ra n d e p a z to m o u c o n ta de
m im e p e n se i, 'N ã o im p o rta q u ã o
e rra d a s as c o is a s p a re ç a m ser,
a in d a e s tã o c e rta s . E stá tu d o
b e m c o m D e u s e se u m u n d o '. " 1
de a b s tin ê n c ia d u ra d o u ro s —
a qu ele s q ue p a ra m de b e b e r, d e ­
p o is v o lta m a b e b e r, p a ra m de
n o v o , v o lta m de n o v o , se m p re
s e n tin d o -s e p riv a d o s da b ebida
q u a n d o p a ra m , ao in v é s de s e n ­
tir-s e lib e rta d o s de s u a s c o n s e ­
q ü ê n c ia s n o c iv a s .
A tra n s fo rm a ç ã o e s p iritu a l a
q u e me re firo às ve ze s o c o rre s u ­
b ita m e n te , c o m o a c o n te c e u co m
BiII W ils o n , c o -fu n d a d o r de A l­
c o ó lic o s A n ó n im o s , e c o m M a rty
M a n n , a p rim e ira m u lh e r a se re ­
c u p e ra r d o a lc o o lis m o a tra v é s
d essa irm a n d a d e . C o n tu d o , na
m a io ria d o s ca so s, ela o c o rre ao
lo n g o de p e río d o de m e s e s ou
a nos, in v a ria v e lm e n te a tra v é s da
p rá tic a de um fa m o s o p ro g ra m a
de c re s c im e n to e s p iritu a l c h a m a ­
d o os D oze P assos.
N a tu ra lm e n te , a e x p e riê n c ia
s ú b ita é m a is d ra m á tic a . C o n tu ­
d o , a de lo n g o p ra zo n ã o é m e ­
nos e fe tiv a . Em a m b o s os ca so s,
o re s u ita d o fin a l é o m e s m o : o a l­
c o ó la tra , q ue a n te s era d e s c rito
c o m o um a pessoa in s tá v e l, n e r­
vosa, te n sa , a m e d ro n ta d a , e n ve r­
g o n h a d a , in s e g u ra , p re s s io n a d a
e in d ig n a , to rn a -s e u m a p e ssoa
ca lm a , serena, c o n te n te , a g ra d e ­
cida, re ce p tiva , em paz, p u rg a d a ,
sã e p ie d o sa . S ua a n te rio r e g o ce n tric id a d e e o n ip o tê n c ia cedem
lu g a r à h u m ild a d e e u m c la ro re ­
c o n h e c im e n to de suas lim ita ç õ e s
h u m a n a s.
Bill W ils o n s o fre u su a e x p e ­
riê n c ia d ra m á tic a no q u a rto de
u m h o s p ita l, na n o ite d o dia em
q ue seu m é d ic o lhe in fo rm o u que
ele c o n se g u iria se m a n te r a fa s ta ­
d o da b e bida u n ic a m e n te -s e se
colocasse atrás das grades de um
m a n ic ô m io para o re sto de sua v i­
da. É a ssim qu e B ill d e s c re v e u
sua e x p e riê n c ia :
A p ó s p a s s a r p o r essa e x p e ­
riê n c ia re lig io s a d ra m á tic a , Bill
a c h o u q u e p o d e ria a ju d a r o u tro s
a lc o ó la tra s a se re c u p e ra r d o a l­
c o o lis m o se, de a lg u m a fo rm a ,
p u d e s s e le v á -lo s a p a ssa r p o r
um a e xp e riê n cia s e m e lh a n te . D u ­
ra n te seis m eses, c o m esse in tu i­
to , a b o rd o u d e ze n a s de a lc o ó la ­
tra s in te rn a d o s , m a s não c o n s e ­
g u iu c o m qu e q u a lq u e r u m d e le s
e x p e rim e n ta s s e ta l d e s p e rta r e s ­
p iritu a l.
M in h a d e p re ssã o se a p ro fu n ­
d o u de fo rm a in s u p o rtá v e l, a té
que fin a lm e n te m e p a re c e u e s ta r
1. A lc o ó lic o s A n ô n im o s atinge a m aioridade,
publicado no Brasil pela CLAAB, Cx. Postal
3 .1 8 0 , CEP 0 1 0 0 0 São Paulo (SP).
a v e m a r ia
%
15
A LC O O U SM G
Dependência é
dependência.
Seja'
de cocaína,
do álcool ou
do cigarro
D onald Lazo
o d e ser q u e os n o rte -a m e ri­
ca n o s a in d a não e s te ja m g a ­
n h a n d o a íu ta c o n tra m u ita s d r o ­
gas p e rig o s a s (c o c a ín a , h e ro ín a ,
c ra c k ” , e tc .) , m as o s E sta d o s
U n id o s e s tã o c o n s e g u in d o u m a
v itó ria n o tá v e l s o b re u m a das
d ro g a s m a is v ic ia n te s e n o c iv a s
que e x is te : a n ic o tin a . U m a p e s ­
q u isa re c e n te m o s tra q ue o n ú ­
m e ro de n o rte -a m e ric a n o s a d u l­
to s q ue ain da fu m a já fo i re d u z i­
do para 2 4 % , e não e s tá fo ra de
c o g ita ç ã o q ue o v íc io de fu m a r
seja p ra tic a m e n te e rra d ica d o nes­
se país d e n tro de 1 0 a 15 a n o s .
De qu e fo rm a essa c o n q u is ta
sobre um d o s h á b ito s m a is e n ra i­
zados na s o c ie d a d e v e m s e n d o
o b tid a é u m a s s u n to q u e d e v ia
ser e s tu d a d o a fu n d o , já q u e , t a l­
ve z, te n h a m o s nela o m o d e lo
c o m o qual p o s s a m o s c o m b a te r
a dependência de o u tra drog a que
m a ta 2 5 ve ze s m a is a m e ric a n o s
p o r a n o qu e to d a s as o u tra s d r o ­
gas ju n t a s : o á lc o o l.
P ois a v e rd a d e é q ue e x is te m
paralelos n o tá v e is e n tre o v íc io de
fu m a r e o v fc io de b e b er.
E stou p e rfe ita m e n te c ô n s c io
de que m u ita s p e sso a s — m o r­
m ente os m e m b ro s de A lc o ó lic o s
A n ô n im o s — não g o s ta m de usar
P
a p a la v ra " v í c io ” em se re fe rin ­
d o ao b e b e r do a lc o ó la tra , p o rq u e
ela c a rre g a um a c o n o ta ç ã o p e jo ­
ra tiv a . Os   c o s tu m a m d ize r
q u e fu m a r é u m " v í c io ” m a s o
b e b e r d o a lc o ó la tr a é u m a
"d o e n ç a ” .
Na ve rd a d e , " v í c io ” te m d o is
s ig n ific a d o s . U m é " p e c a d o ” , e
n e s te s e n tid o é p o s s ív e l a rg u ­
m e n ta r que um a pessoa qu e n a s ­
ce (sem saber) c o m um a p re d is ­
p o s iç ã o o rg â n ica ao a lc o o lis m o e
q u e em a lg u m m o m e n to passa a
fa z e r o q u e a so c ie d a d e q u a se
e x ig e dele (beber), não p o d e ser
c o n s id e ra d o um " p e c a d o r ” , a
n ã o ser q ue p e rte n ç a a u m a das
m u ita s re lig iõ e s q u e , in te lig e n te ­
m e n te , c o n d e n a m a in g e s tã o de
b e b id a s a lc o ó lic a s .
M a s " v í c i o " ta m b é m s ig n ifi­
ca "d e p e n d ê n c ia de um a d r o g a " ,
e n e s te s e n tid o ta n to o b e b e r
q u a n to o fu m a r d o d e p e n d e n te
são v íc io s , m e sm o q ue e n v o lv a m
a in g e s tã o de d ro g a s que são p e r­
fe ita m e n te le g a is. A s s im s e n d o ,
se os A A c o n s id e ra m o a lc o o lis ­
m o um a doença, d e via m c o n s id e ­
rar a d e p e n d ê n cia do c ig a rro um a
d o e n ç a ig u a lm e n te séria (pois ela
é re s p o n s á v e l p o r m a is m o rte s
q u e o á lco o l, in c lu s iv e a m o rte do
c o -fu n d a d o r dos A A , Bill W ils o n ),
e in c e n tiv a r seus m e m b ro s a e v i­
ta r o p rim e iro c ig a rro ta n to q u a n ­
to são in c e n tiv a d o s a e v ita r o p ri­
m e iro g o le .
Na re a lid a d e , os m e m b ro s
d o s A A são n o to ria m e n te d e p e n ­
d e n te s d o c ig a rro . T a n to é q ue a
p ró p ria re v is ta in te rn a c io n a l d o s
A A p u b lic o u um a c h a rg e m o s ­
tra n d o u m a p e ssoa e n tra n d o n u ­
m a sala de A A o n d e h a via ta m a ­
nha fu m a ç a que não se p o d ia ver
o s ro s to s dos p a rtic ip a n te s da
re u n iã o , e a pessoa e s ta va d iz e n ­
d o : " A g o r a e n te n d o p o rq u e v o ­
cê s são c h a m a d o s 'a n ô n im o s '!”
Em to d o ca so , é líc ito p e rg u n ta r
c o m q u e m o ra i u m a p e sso a q ue
e s te ja a lim e n ta n d o sua d e p e n ­
d ê n c ia q u ím ic a , fu m a n d o u m c i­
g a rro a trá s d o o u tro , c o m b a te a
d e p e n d ê n c ia q u ím ic a d a q u e le s
q u e e s tã o b e b e n d o . É a lg o p a re ­
c id o ao c o c a in ô m a n o q ue c o n d e ­
na o u s o da h e ro ín a , e m b o ra c o n ­
tin u e u s a n d o c o c a ín a .
E x is te m m u ita s o u tra s s e m e ­
lh a n ç a s e n tre o s d e p e n d e n te s do
á lc o o l e d o c ig a rro . N em to d a
p e s s o a qu e b e b e o u fu m a se t o r ­
na d e p e n d e n te . M a s , o s q u e se
to rn a m d e p e n d e n te s (seja d o á l­
c o o l o u do c ig a rro ), se ilu d e m
q u a n to à g ra v id a d e de seu v íc io
e v iv e m d iz e n d o : " E u p re te n d o
la rg a r... a lg u m d ia " . (T ra d u ç ã o :
" E u n ão v o u la rg a r a g o ra ” ).
P ro v a n d o q u e la rg a r de b e b e r
o u fu m a r n ã o é tã o d ifíc il a ssim
(aliás, a q u e le s de n ó s q u e s u p e ­
ra m o s a m b o s os v íc io s g e ra lm e n ­
te c o n c o rd a m o s que é m u itís s im o
m ais d ifíc il la rg a r de fu m a r do que
la rg a r de b e b e r), o s fu m a n te s e
b e b e d o re s d e p e n d e n te s c o s tu ­
m a m p a ra r p e rio d ic a m e n te . A p ó s
ç e rto te m p o , c o m e ç a m a s e n tirse tã o b e m q u e d e c id e m v o lta r a
fu m a r (b e b e r). " M a s n ão c o m o
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V
______________J
a v e m a r ia
21
apagar o estigma de sem-vergonha
associado à pessoa que bebia exageradamente.
Contudo, ao dar esse grande pas­
so para frente, a Associação Médica
Norte-Americana imediatamente deu
um passo maior para trás quando
classificou o alcoolismo como doença
mental. Não consigo lembrar-me des­
se momento histórico sem pensar na
estória do moço que se apresentou ao
médico. “ Pois não, meu filho” , disse o
médico, “ conte-me quai é o seu pro­
m 1935, penetrou um raio de
blema” .
luz no mundo escuro dos al­
“ Puxa, doutor", diz o moço,
coólatras. Foi fundada a ir­
“ acho que seria mais fácil enumerar
mandade de Alcoólicos Anônimosose,problemas que não tenho, porque
os!a primeira vez, começou a espa­
são tantos os que tenho! Tenho pro­
nar-se a maravilhosa notícia de que
blemas em casa com minha família,
alcoólatras podiam se recuperar. Até
problemas na empresa com meu che­
então raríssimos alcoólatras, geralfe, tenho problemas emocionais, estou
mente por causa de alguma decisão
endividado até aqui, estou bebendo
cessoal ou experiência religiosa, habarbaridade e estou perdendo todos
. am se livrado das garras do alcoolis­
os meus amigos. Dizem que sou um
mo. De repente — lentamente ao iní­
bêbado e estão me chamando de páu
cio e, depois, cada vez mais aceleradágua, cachaceiro, sem vergonha...”
camente — alcoólatras começaram a
“ Pare ai mesmo” , disse o médi­
se recuperar. E, a partir de 1935, os
co. “ Nunca mais quero ouvir você
que se recuperavam começaram a di­
usar essa palavra ‘sem-vergonha’. Tire
zer ao mundo que o alcoolismo não
isso de sua cabeça. Seu problema é
era um problema moral, era uma doen­
bebida, meu filho, e você não é um
ça. A Alcoólicos Anônimos evitava di­
sem-vergonha, você é um doente” .
zer qual era a causa da doença (“ Es­
“ Nossa, doutor” , disse o moço,
queça a causa’ ’, costumavam dizer,
“ quer dizer que nada disso é verdade?
“ o importante é se recuperar” ), é difí­
Puxa, que alívio para mim! Quer dizer
cil estudar a literatura de AA sem con­
que sou doente e não sem-vergonha?
cluir que, para a AA, as causas do al­
Nossa, que bom! E que tipo de doente
coolismo eram os defeitos de caráter
sou eu, doutor?"
— como, por exemplo, o ego inflado
“ Você é um doente mental” , res­
— que o alcoólatra manifesta. Em to­
pondeu o médico.
do caso, oficialmente, a AA não tem
O moço refletiu, por alguns instan­
opinião a respeito das causas do al­
tes e disse ao médico: “ Olha, doutor,
coolismo.
com todo respeito, eu acho que prefiro
Vinte-e-um anos depois, em 1956,
ser sem-vergonha” .
a Associação Médica Norte-AmericaEssa estória seria engraçada se
na tornou-se a primeira organização
não fosse tão trágica. Porque a verda­
médica a confirmar a opinião de AA,
de é que, até hoje, a vasta maioria dos
quando reconheceu o alcoolismo co­
médicos no mundo ainda vêem no al­
mo doença. Evidentemente, foi de um
coólatra um tipo de doente mental. Na
enorme passo para a frente, pois deu
maioria das vezes, quando um alcoó­
ao conceito de alcoolismo como doen­
latra é visto por um médico (e quase
ça, o carimbo da ciência médica. A im­
sempre por um psiquiatra, pois é ele
que cuida de “ doenças mentais” ele é
plicação era de que alcoólatras de­
viam ser tratados em hospitais por mé­
diagnosticado como esquizofrênico,
dicos e não em cadeias por policiais.
paranóico, maníaco-depressivo, de­
pressivo, epilético ou coisa parecida.
De uma só vez, ajudou grandemente a
0 maior e mais
orejudicial
dos mitos
em alcoolismo
E
L
26 ave maria
Acontece que os sintomas do alcoolis­
mo são parecidos aos sintomas des­
tas doenças mentais e os médicos
não estão preparados para diagnosti­
car o alcoolismo, pois (com a feliz, ex­
ceção dos esforços da Dra. Jandira
Masur na Escola Paulista de Medicina)
não se ensina alcoolismo nas escolas
brasileiras de medicina. Aliás isso não
é só no Brasil, mas no mundo inteiro.
Até nos EUA, somente começaram
mesmo a ensinar alcoolismo nas es­
colas de medicina — e apenas em
muito poucas — cinco a dez anos
atrás. Pensem um pouco. Aqui temos
uma das doenças mais comuns que
existem, uma das que mais matam
(embora seja uma doença altamente
tratávei quando se sabe tratá-la), e não
se ensina alcoolismo aos estudantes
de medicina. Em seis anos de medici­
na, um estudante poderá ter uma ou
duas aulas sobre alcoolismo onde irá
estudar os efeitos do álcool no orga­
nismo. Mas nada sobre como diagnos­
ticar o alcoólatra ou como tratá-lo.
Não é de estranhar que o alcoóla­
tra ainda seja tratado, na maioria dos
países, em clínicas psiquiátricas, junto
com doentes mentais e por métodos
que se aplicam às doenças mentais.
Isso prejudica multo os alcoólatras,
porque não são doentes mentais. Eles
criaram uma dependência de uma dro­
ga legalizada pela sociedade. Se não
for tratada adequadamente, essa de­
pendência pode levá-los à doença
mental... ou à morte. É o que acontece
na maioria dos casos.
Graças aos esforços de médicos
psiquiatras brasileiros que organiza­
ram a ABEAA (Associação Brasileira
de Estudos de Álcool e Alcoolismo) —
e aos centros especializados de alcoo­
lismo que começam a aparecer neste
país — o conceito de alcoolismo co­
mo doença mental está cedendo à
conceitos mais modernos. Mas o pro­
gresso ainda é lento para os milhões
de alcoólatras que irão morrer devido
ao maior e mais prejudicial mito no
campo do alcoolismo: que o alcoolis­
mo é uma doença mental.
%
Donald Lazo
ALCOOUSM O
O psiquiatra pode
ajudar um alcoólatra
(mas só descartando
teorias ultrapassadas)
Não se recuperarão números sig­
nificativos de alcoólatras neste país
enquanto persistirem duas idéias que,
embora falsas, são mantidas por qua­
se toda pessoa — inclusive a maioria
dos médicos e psiquiatras — no Brasil.
A primeira idéia falsa sobre os que
consistentemente bebem demais é
que o beber exagerado do alcoólatra
é um sintoma de aigum outro proble­
ma do bebedor, externo ou interno. A
segunda idéia falsa é que esse beber
exagerado é temporário e o alcoóla­
tra voltará a ser um bebedor normal
tão logo as "causas" do seu beber fo ­
rem descobertas e eliminadas.
Aqui está um trecho de uma das
cartas que recebo quase diariamente
de pessoas que estão tentando com­
preender o beber exagerado de algum
membro da família:
"M eu marido é filho adotivo, mui­
to embora criado com todo o carinho
pela família que o adotou. Ele não
aceita muito bem esta condição de vi­
da e não tem como e nem quer pro­
curar uma aproximação com os pais
verdadeiros que são desconhecidos.
Não sei se é este o m otivo que o leva
a beber". (Minha resposta: não é, não.)
Tenho um livro intitulado Ajuda-te
pela psiquiatria!, escrito por um psi­
quiatra e psicanalista norte-americano chamado Frank S. Caprio. Foi pusblicado inicialmente nos EUA em
1957, mas suas idéias são amplamen­
te aceitas hoje no Brasil (infelizmente).
Entre outras coisas erradas, o li­
vro diz o seguinte: "Os psiquiatras ad­
quiriram grande conhecimento sobre
as pessoas que bebem excessivamen­
te. Hoje em dia nós sabemos que o al­
26
a v e m a r ia
coólatra é um indivíduo doente que
sofre de má adaptação da personali­
dade". (Com isso, o Dr. Caprio quer dar
a entender que o alcoólatra bebe por
sofrer dessa má adaptação de perso­
nalidade, quando a verdade é o con­
trário.)
Aí, o Dr. Caprio passa a explicar
as várias teorias que, segundo a psi­
quiatria, explicam por que determ i­
nadas pessoas "são impelidas ;por
uma compulsão íntima a beberem em
excesso", mencionando a teoria do es­
capismo (o alcoólatra supostamente
bebe para fugir da vida), a teoxia do
suicídio psíquico (ele quer se matar e
por isso bebe) e a teoria da libertação
das inibições. O Dr. Caprio esqueceu
de mencionar duas outras teorias —
a do homossexualismo latente (uma
teoria bolada presumivelmente porque
nos botequins se encontram na maio­
ria homens!) e a da fase oral de de­
senvolvimento do alcoólatra (segundo
a qual ele não mamou direito quando
era criança e agora é que está com ­
pensando a falta anterior, mamando
na garrafa!) Todas estas teorias já fo ­
ram relegadas à categoria de concei­
tos ultrapassados pelos novos conhe­
cimentos no campo de alcoolismo.
Finalmente, Dr. Caprio conclui: "A
experiência demonstrou ao psiquiatra
que, se ele alcançar a cura dos confli­
tos de personalidade de seu paciente
alcoólatra, o sintoma (o desejo irrepri­
mível e excessivo pelo álcool) subse­
qüentemente desaparecerá".
São idéias como estas que levam
alcoólatras — ao considerar buscar
uma solução para os problemas psi­
cossociais que os afligem — a procu­
rarem profissionais de saúde mental.
E são idéias como estas que levam os
profissionais de saúde mental a diag­
nosticar seus pacientes de forma er­
rada (pois os sintomas de alcoolismo
são também os sintomas de certas
doenças mentais como paranóia, psi­
cose maníaco-depressiva, esquizo­
frenia, depressão etc.) ou a tratálos erradamente se porventura forem
diagnosticados corretamente como al­
coólatras.
Há mais de quinze anos tais idéias
vêm sendo progressivamente descar­
tadas nos EUA. Aliás, invertidas. Ho­
je, os especialistas norte-americanos
epn alcoolismo consideram que o al­
coolismo não é uma doença secundá­
ria, isto é, não é sintoma de uma ou­
tra coisa, como conflitos de persona­
lidade. Os conflitos de personalidade
é que são os sintomas do alcoolismo,
hoje reconhecido como doença pri­
mária.
Isto explica por que, no Brasil, os
médicos e o povo acham que o alcoó­
latra é um caso perdido. É que ele qua­
se nunca é tratado por alcoolismo, e,
quando é, o tratamento é mal orien­
tado. Segundo o Dr. Harry Tiebout, fa­
moso perito psiquiátrico em alcoolis­
m o ,^ psiquiatria ajuda a apenas 3%
dos alcoólatras. Com os demais, a psi­
quiatria tem fracassado retumban­
temente.
O psiquiatra que entende de al­
coolismo exigirá, primeiro, que o al­
coólatra pare de beber, caso contrá­
rio recusar-se-á a tratá-lo. Mas, se o
alcoólatra parar de beber primeiro, e
se o psiquiatra não fechar os olhos pa­
ra a necessidade — além de sua re­
cuperação emocional — de um desen­
volvimento espiritual, o psiquiatra po­
derá auxiliar seu paciente a entender
que o beber exagerado foi a causa e
não a conseqüência de seus proble­
mas sociais, maritais, financeiros, se­
xuais, emocionais, físicos, psicológi­
cos e espirituais.
Dessa forma, um psiquiatra pode
ser de grande valia e ajuda para um
paciente alcoólatra. Como a minha foi
para mim.
©
Donald Lazo
ALCOOLISMO:
A doença que
pode aniquilar
AL-ANON:
A irmandade que
pode salvar
lice estava desesperada. Toda
noite seu marido chegava em
casa cambaleando. Batia nela fre ­
qüentemente e aterrorizava as crian­
ças. Chegava ao ponto em que, às
vezes, ela agarrava o marido e
manobrava-o — com seus 98 kilos
— até a porta do porão, empurrandoo para dentro e tentando virar a cha­
ve antes dele se dar conta do que es­
tivesse acontecendo.
Ela havia tentado lidar com o pro­
blema. Havia tentado apelos, am ea­
ças, tudo. Agora, mal conseguia vi­
ver. Estava à beira de um colapso
nervoso. Havia ouvido falar de alcoo­
lismo na televisão e havia lido um fo ­
lheto sobre Alcoólicos Anônimos.
Tentou convencer Jaime a assistir a
uma reunião de AA mas ele recusou,
dizendo: “ Essas reuniões são para
alcoólatras! Que interesse teriam pa­
ra m im ?”
Finalmente, Jaime foi preso, al­
coolizado, depois de uma briga. Na
delegacia, alguém perguntou a Alice
st; ela havia ouvido falar em Al-Anon.
Ha Al-Anon fazem reuniões para fa­
miliares de bebedores-problem a” ,
explicou a pessoa. “ A ajuda de AlAnon é gratuita.”
Vários meses depois, Jaime ain­
da estava hebendo e ainda aprontan­
do..Mas os amigos e vizinhos com e­
çaram a notar algo diferente em A li­
ce. Parecia mais calma, menos per­
turbada, mais em paz consigo m es­
ma. Pouco tempo depois, Jaime acei­
tou se tratar.
A
Doença da família
A aceitação popular da idéia de
que o alcoolism o é uma doença e
não um indício de degeneração mo­
rai tem demorado muito a chegar.
Ainda está longe de ser universal. O
alcoolismo não só é uma doença mas
uma doença da família, que afeta ne­
gativam ente a esposa do alcoólatra,
seus filhos e qualquer outra pessoa
que com ele conviva diariamente.
Alice é uma “ co-alcoólatra” . Não
uma alcoólatra em si, mas é tão afe­
tada peia doença que ela também se
tornou doente.
Existem vários programas para o
alcoólatra que se reconhece doente
e quer se recuperar. Entre eles, o AA
já se tornou famoso no nundo intei­
ro. E a co-alcoólatra? Aonde pode ela
se dirigir?
No fim dos anos 30 e no início
dos 40, quando Alcoólicos Anônimos
estava ainda engatinhando, fam ilia­
res dos alcoólatras no programa re­
conheceram que as esposas e os
m aridos necessitavam de ajuda tan­
to quanto os bebedores-problema.
Acabaram organizando Grupos Fami­
liares de Al-Anon.
dele estrague a sua vida.
Embora o grupo concorde que é
desejável que o alcoólatra procure se
tratar, a finalidade de Al-Anon é aju­
dar os fam iliares de bebedoresproblema, independente de conse­
guir a sobriedade para o alcoólatra.
O program a tenta ajudar o cônjuge
a resolver seus problemas, mesmo
que o alcoólatra continue bebendo,
inclusive porque as coisas que se
aprendem em Al-Anon invariavelmen­
te ajudam a levar o alcoólatra a pro­
curar tratam ento. Estima-se que a
metade dos que freqüentam Al-Anon
convivem com um alcoólatra que
continua bebendo.
Muitas autoridades no campo do
alcoolism o consideram que, se a es­
posa ou o marido de um bebedor-problema conseguiu m elhorar sua atitu­
de perante o problema, isto ajudará
o alcoólatra também. O program a de
Al-Anon é eficaz porque ajuda a mu­
dar o ambiente em que vive o bebe­
dor, o que é m uito im portante para
endireitar o próprio alcoólatra.
Para saber onde fica o grupo de
Al-Anon mais perto de você no Brasil,
telefone para (011) 229-4688 ou (011)
228-7425, em São Paulo. Ou escreva
para:
Aprendendo a não odiar
Enquanto a finalidade dos AA é
conseguir que seus membros parem
de beber e não retomem o vício, o
program a de Al-Anon visa a ajudar o
cônjuge e os filhos a se livrarem de
seus sentimentos de culpa e deixar
que suas vidas girem em torno da
doença do alcoólatra e, acim a de tu ­
do, reconhecer que o alcoolism o é
uma doença. Estes conhecim entos
podem ajudá-los a controlar o que de
outra form a poderia se tornar uma
raiva inútil.
Você não odiaria seu marido se
tivesse tuberculose ou diabetes, di­
zem os veteranos de Al-Anon aos
recém-chegados. Portanto, não deve
odiá-lo por ter uma outra doença que
não é culpa dele. Por outro lado, ex­
plicam os que freqüentam as reu­
niões de Al-Anon, você precisa
aprender a não deixar que a aflição
Al-Anon
Caixa Postal 2034
01000 São Paulo — SP
/c o n tin u a no p ró x im o n ú m e ro )
—
-x
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua methor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.896
01438 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
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ave maria 2 3
A LC O O LIS M O
Esposas:
oro curem
- em Deus e
AL-ANON o amparo que
fortalece
JL
D o n a d L a zo
iza era uma m ulher baixinha,
mas cheia de energia. Mesmo
aepois de 25 anos de casam ento
com seu m arido alcoólatra, Fábio,
ain d a sentia bastante entusiasmo
Dela vida. Talvez porque, durante os
últim os cinco ano.s, havia consegui­
do m anter uma certa distância em o­
cional entro eles. A fin a l, o homem
passava a m aior parte de sua vida
nos bares, fora de casa.
A lguns anos antes, Elza havia
chegado a sentir m uita solidão à noi­
te e, porque não dizer, ciúme ta m ­
bém. A gora, porém, até o ciúme ha­
via desaparecido depois que ela leu,
num artigo de uma revista, que a
maioria dos hom ens que havia bebi­
do durante ta n to s anos quanto Fá­
bio, estava bem mais apegado à gar­
rafa do que às mulheres. E mesmo
que o m arido encontrasse alguma
outra m ulher em suas andanças por
aí, dizia o artigo, provavelm ente não
conseguiria se m anter cônscio o
tem po su ficie nte — ou potente o
bastante — para chegar a ter uma
relação sexual. Essa parte da vida de
Fábio, e seus esforços meio pa téti­
cos de assustar Elza, falando de
suas "c o n q u is ta s ” , já não tinha
mais o desejado im pacto para ela.
Mas Elza havia esquecido de
uma coisa: a doença do alcoolismo
é progressiva. A bem dizer, às vezes
ela pensava sobre algo que lhe ha­
viam dito: que o alcoolism o era uma
doença fatal se o alcoólatra não pa­
rasse de beber. Mas quando pensa­
va nisso, ela vacilava entre sentir pe­
na dele (e medo de que ela talvez t i ­
E
vesse que passar seus últim os anos
sozinha), e sentir o desejo de que ele
morresse de uma vez para ela poder
ter um pouco de paz na vida.
Contudo, Elza não se detia m ui­
to com esses pensamentos. A maior
parte do tem po, ela o vivia com a es­
perança de que as coisas, por desa­
gradáveis que fossem , pelo menos
não iriam piorar. Continuariam como
estavam . 0 que Elza não entendia
era que seria bom se as coisas fo s ­
sem piorar para Fábio. Só assim
existiria a possibilidade de que talvez
piorassem o suficiente para ele que­
rer parar de beber e procurar uma so­
lução, antes que a bebida o matasse.
Foi nessa hora que Elza procurou
um grupo de A l-A non pela primeira
vez na vida. E foi no Al-Anon que ela
aprendeu algumas lições que lhe fo ­
ram de grande ajuda.
A primeira foi que ela deveria
aceitar que o fu tu ro lhe guardava só
amarguras até que o marido ou pa­
rasse de beber ou morresse da bebi­
da. Longe de as coisas ficarem co­
mo estavam, só poderiam ir pioran­
do. Portanto, convinha que ela se
preparasse bem, em ocionalm ente,
para o que lhe esperava. E.uma par­
te im portante dessa preparação se­
ria começar a cuidar de si mesma,
com amor e carinho, ao invés de v i­
ver essa vida de autopiedade, se cul­
pando por coisas que não eram de
sua culpa. Convinha, por exem plo,
que ela começasse a comprar as coisinhas para si mesma que até agora
vinha recusando com prar por errô­
neo sentim ento de culpa.
Em segundo lugar, ela aprendeu
em Al-Anon que lhe era im portante
ten tar lembrar que quanto p io r as
coisas ficavam para seu marido, m e­
lhor era para ele. Essa é uma das rea­
lidades em alcoolismo que mais cus­
ta às esposas aprenderem. Mas elas
precisam lembrar que, afinal, as pa­
lavras nunca convenceram alcoóla­
tra algum a parar de beber. O A lco ó ­
latra só pensa em parar quando as
circunstâncias de sua vida com a be­
bida se tornam insuportáveis.
A terceira coisa que Elza apren­
deu fo i o quanto lhe era im portante
o apoio de um grupo. As pessoas —
todos nós — precisam os da reafir­
mação constante, m orm ente quan­
do nos é necessário fazer algo que
não é fácil para nós. No caso de El­
za, estavam lhe dizendo que ela pre­
cisava se desligar do problema do
m arido. Em todas as reuniões, di­
ziam a ela: "D e ixe que Fábio sofra
as conseqüências do seu beber. Não
o socorra. Deixe que as crises acon­
te ç a m ". E quando Elza respondia
que aquilo não era tão fácil assim, os
A l-A nons respondiam: "É claro que
não é fácil. É por isso que nós esta­
mos aqui tentando a ju d a r!"
Finalm ente, os com panheiros e
as com panheiras de A l-A non e xpli­
caram para ela: "Elza, enquanto Fá­
bio estiver bebendo, nunca jogue fo ­
ra a bebida que está em casa. A pró­
xima garrafa que você jogar fora po­
derá ser justamente a garrafa que iria
torná-lo tão doente que teria que ir
a um hospital. Deus nos livre que vo ­
cê fosse evitar uma conseqüência
tão im portante — uma que talvez o
levasse a entender a gravidade e as
conseqüências do seu b e b e r".
•
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chancè de se
recuperar do alcoolismo, e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
V
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a v e m a r ia
21
COMO
OS FAMILIARES
CONSPIRAM
CONTRA
O ALCOÓLATRA
Donald Lazo
No último artigo mencionei que,
-= minha opinião, quase todo alcoólatra morre de sua doença altamente
tratável por ser vítima não de um e
sim de dois adversários. O primeiro é
5 doença em si, que o torna adorador
de uma substância que paulatinamen­
te acaba com sua saúde, envolvendoo num círculo vicioso do qual não
consegue se livrar sem ajuda externa.
Poder-se-ia supor que essa ajuda
externa viria de seus familiares e ami­
gos. Mas acontece o contrário. Ao in­
vés de juntar esforços para tirá-lo do
círculo vicioso, estes acabam conspi­
rando para mantê-lo dentro dele.
E de que forma conspiram? Eles
conspiram, engolindo as justificativas,
projeções, minimizações e mentiras
do alcoólatra - aceitando e amparan­
do toda a sua negação.
Quando é óbvio, por exemplo, que
um alcoólatra precisa de tratamento,
cismam de perguntar a ele se quer
se tratar. Nunca se deve perguntar a
um alcoólatra se ele quer se tratar,
pois a resposta vai ser sempre a mes­
ma (com raras e felizes exceções).
Como aconteceu meses atrás. Telefo­
nou-me o Sr. Felipe para inscrever
seu irmão ao nosso grupo de pacien­
tes. (O médico havia dito ao irmão
que se continuasse bebendo desse
jeito, iria morrer logo). O Sr. Felipe me
ligou de novo para dizer que. o irmão
26
ave maria
não iria se tratar. “ Por que?” indaguei.
“ Porque lhe perguntei se queria se
tratar e me disse que não” .
Ora, claro que não quer se tratar.
Ele quer beber. Mas a bebida o está
matando. Ele precisa se tratar. E sa­
be porque não quer? Porque não está
sentindo a necessidade de parar de
beber. A bebida não lhe está causan­
do sofrimento. Toda vez que a bebida
promete causar-lhe sofrimento, os
pais resolvem. Como quando perdeu
o emprego. Sem emprego, não pode
pagar o apartamento. Adivinha o que
estão fazendo os pais. Acertou! Estão
pagando o apartamento. E ainda lhe
dando uma mesada enquanto não tra­
balhar. E permitindo que ele coma na
casa deles. E ainda lavando sua rou­
pa. E continua bebendo. Os pais vão
matá-lo se não pararem de conspirar
contra ele.
Conheço uma esposa cujo marido
passou a reunir-se com os amigos no
fim da tarde após o serviço, para to­
mar uns golezinhos. (Alcoólatra não
toma drinques, goles, cervejas, aperi­
tivos. Toma “ drinquezinhos", “ golezi­
nhos” , “ cervejinhas” , “ aperitivozinhos” . Sempre minimiza!) Essas ho­
ras de socialização com os amigos
foram se prolongando. Depois de al­
guns meses, encontrando-se sempre
sozinha em casa à noite, a esposa ar­
ranjou umas amigas que gostavam de
jogar cartas e passou a reunir-se com
elas quase todas as noites.
Depois de um ano, o marido che­
gou em casa bem tarde, e totalmente
embriagado, encontrando a esposa
vendo televisão. Ela: "Nossa, que ho­
ra de chegar em casa! E bêbado de
novo. Não sei porque você bebe tan­
to !” Para que foi falar isso?! O mari­
do explodiu: “ Pois, quer saber porque
estou bebendo tanto lá fora? Porque
não adianta voltar para casa, você
nunca está aqui. Você está sempre
fora, jogando cartas com suas amiguinhas. É por isso que eu bebo tanto!”
Querem saber o que fez a espo­
sa? Ligou para suas amigas, dizendo
que não iria mais jogar cartas com
elas, pois achava melhor ficar em ca­
sa. Quer dizer, aceitou a racionaliza­
ção toda do marido. Ele a convenceu
que a culpa era dela mesma, dele
beber tanto. Ele colocou as saídas de­
la para jogar cartas (que era conse­
qüência do beber dele) como se fos­
sem a causa, e ela aceitou a raciona­
lização toda.
Só que ela errou. Ele continuou
bebendo. Não mudou nada. Havia ar­
ranjado uma justificativa para explicar
a s i m esm o porque bebia tanto e, ao
aceitar a justificativa, ela confirmou a
racionalização, fortalecendo mais a
negação do alcoólatra e convencen­
do-o que não era dependente do ál­
cool, que bebia por motivos legítimos.
É difícil saber quais dos dois gran­
des adversários do alcoólatra - sua
dependência ou a conspiração de
seus familiares e amigos - é mais pre­
judicial. O primeiro o condena à mor­
te se não parar de beber. E o segun­
do garante que não vai precisar parar
e, portanto, não vai querer parar.
Mas, sabe-se, isto sim, que os
dois fatores juntos são co-responsá­
veis pela trágica morte de tantos que
seriam tão fáceis de recuperar se as
pessoas entendessem melhor como
proceder com o alcoólatra, para leválo ao tratamento de que tanto preci­
sa.
•
C H Á C A R A REÍNDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
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V
________________ s
A LC O O LIS M O
À família (toda)
do alcoólatra
está doente
Donald Lazo
m quase todo grupo de pacien­
tes que tratam os na Chácara,
encontram -se um ou dois homens
que se enquadram na seguinte des­
crição: 25 a 45 anos de idade, se­
parados ou divorciados (o que quer
dizer que suas esposas não aguen­
taram conviver com eles e se afas­
taram ), desem pregados (ou trab a­
lhando esporadicam ente na em pre­
sa de algum membro da família), m o­
rando com os pais. Soubem os deles
pela prim eira vez quando a mãe nos
cham ou para saber o que fazer com
o seu " filh in h o " ... de 42 anos de
idade!
Nestes casos, se me fosse dada
uma opção entre tra ta r o filho alcoó­
latra ou os pais dele, eu preferiria tra ­
tar os pais. Honestamente, acho que
assim teria mais chance de salvar a
vida do filho. Porque pais que sabem
lidar com um filho alcoólatra têm
condições de levá-lo a parar de be­
ber e perm anecer parado. Porém,
tra ta r um filh o alcoólatra na nossa
Chácara e depois devolvê-lo a uma
situação em que ele voltará a morar
com pais facilitadores que desco­
nhecem o alcoolism o equivale a darlhe poucas chances de m anter-se
afastado da bebida após o tratam en­
to. A razão é que ele sabe, caso vo l­
te a beber e se encontre em apuros
como conseqüência, que sempre te ­
rá papai e mamãe para tirá-lo dos
seus apertos. E isso é um fo rte in­
centivo para que ele volte a experi­
m entar a bebida quando a o p ortu n i­
dade se apresente.
Em 1980, uma senhora cham a­
da Toby Rice D rew s escreveu um
guia para aqueles que convivem com
um alcoólatra. Uma das coisas que
ela explica é que a fam ília que está
sempre socorrendo um alcoólatra e
E
30
a v e m a ria
fazendo coisas por ele (dando-lhe,
por exemplo, casa, com ida e roupa
lavada quando ele tem idade bastan­
te para conseguir estas coisas por si
só), está minando sua a u to co n fia n ­
ça e dignidade, coisas que ele preci­
sará para parar de beber e m anterse parado. Os pais que m im am um
filho alcoólatra enfraquecem as ar­
mas que ele mais necessita. E o que
é pior, ao invés de sentir-se agrade­
cido, o filho se sentirá hum ilhado e
passará a m altratá-los.
No livro da Sra. D rew s, cham a­
do G etting Them Sober (Tornandoos Sóbrios), ela explica que o alcoo­
lismo é uma doença da fam ília que
leva a esposa e os filhos (ou então
os pais) de um bebedor a se to rn a ­
rem tão dependentes do co m p o rta ­
m ento errático do alcoólatra quanto
o alcoólatra é da bebida. Enquanto
o bebedor passa uma boa parte de
sua vida meio anestesiado, os fa m i­
liares são obrigados a vive r esses
anos de angústia, medo e inseguran­
ça absolutam ente sóbrios. A vida
deles em nada se assemelha à vida
de uma família sã. É uma vida de
contradições.
Eles passam a acreditar em m en­
tiras, a esperar m ilagres, a mandar
prender o alcoólatra para depois,
cheios de sentim ento de culpa, m an­
dar soltá-lo de novo, a querer vê-lo
m orto ao mesmo tem po que rezam
para ele conseguir chegar em casa
são e salvo.
Não é de se admirar que o alcoo­
lismo seja chamado a doença da fa ­
mília. A família de um alcoólatra é
barbaramente afetada pelo percurso
da doença, e precisa de ajuda da
mesma form a que o alcoólatra pre­
cisa. É preciso que — ao hospedar
alcoólatras na Chácara Rendai (pre­
firo usar a palavra "h o s p e d a r” do
que " in te rn a r" porque a Chácara é
m uito mais uma casa particular do
que uma clínica) — queremos que o
cônjuge do alcoólatra, sempre que
fo r possível, tam bém venha passar
os 14 dias do tra ta m e n to conosco.
A liás, o certo seria que viesse a
família toda — todas as pessoas que
convivem com o alcoólatra e estão
sofrendo em ocionalm ente por cau­
sa dessa convivência. Todos preci­
sam dos conhecim entos que ofere­
cem os e que lhes podem trazer
im enso alívio. Pois a verdade é que,
se as pessoas que convivem com
um alcoólatra não mudarem, será di­
fícil o alcoólatra efetuar a mudança
da qual ele precisa, de uma vida com
o álcool para uma vida sem ele. Mas
se a fam ília de um alcoólatra mudar
seu próprio com portam ento e a titu ­
des, o alcoólatra terá m uito maior
chance de ser bem sucedido na m u­
dança que ele precisa fazer na sua
vida.
Nos próxim os artigos vou tra n s­
m itir, aos que convivem com um al­
co ólatra, os conselhos da Sra.
D rew s que poderão seguir para m u­
dar seu próprio com portam ento e as­
sim aum entar as possibilidades de
recuperação de seus alcoólatras. Por
exem plo, no próxim o artigo, o pri­
m eiro conselho dela será: não se
considere culpado pelo beber dele.
Sabemos que ele vive culpando vo ­
cê. Mas você não precisa e não de­
ve aceitar a culpa, pois ela não é sua.
CHÁCARA REiNDAL
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J. .I.... Ir.
V -'.s.
1.1
:L € ÍO
ícoólatra
Pi
Çj*~
D o n a ld L a zo (D iretor da R E IN D A L )
A situação do cônjuge
do alcoólatra é sempre mais exigente
que nos casos normais. Ele é solicitado a ter mais
compreensão, mais carinho, mais paciência
e mais persistência.
P,a ra lidar com um alcoólatra de
m aneira construtiva, é necessário que
a esposa esteja disposta a sofrer a
curto prazo para ser bem-sucedida a
médio ou longo prazo. Ora, a capa­
cidade de se sacrificar, hoje, para
obter um benefício am anhã já requer
um grau de m aturidade que muitas
pessoas “ norm ais” não têm (aqueles
que querem p arar de fum ar, por
exemplo). E a esposa de um alcoóla­
tra ativo está muito longe de ser um a
pessoa normal. Em termos emocio­
nais, ela tam bém é um farrapo hu­
mano.
As pessoas emocionalmente afli­
tas só pensam num a coisa: como ali­
viar suas tensões constantes. M as, aí
é que surge o conflito. Diariam ente o
alcoólatra cria situações que deixam
a esposa angustiada, e ela tem duas
maneiras de lidar com essas situa­
ções. Ou ela pode agir de form a a
diminuir sua própria ansiedade (o
que invariavelmente significa ceder
aos desejos do alcoólatra ou então
resgatá-lo de um a situação em bara­
çosa), ou pode agir de forma a deixar
patente que o marido está bebendo
de m aneira anorm al (o que certa­
mente aum entará — a curto prazo —
a tensão na vida da esposa).
Daí a necessidade de a esposa se
Jratar também. Sem que ela se equiM-bre emocionalmente, ela sempre
jirá de forma a aliviar seu próprio
■ “spero.
Vejamos um exemplo dos mais
t'(-‘- os. O casal é convidado a festas
nas quais a esposa sabe muito bem
que vai “ chover” bebida. Tam bém
sabe, por experiência longa e dolo­
rosa, que há grande possibilidade de
o marido exagerar na festa e criar
vexame. Que fazer? Ir à festa e pas­
sar a noite em tensão, fiscalizando o
m arido (“ Roberto, queridinho, você
não acha que está bebendo um pou­
quinho a m ais?” )? Recusar o convi­
te? Ou ir à festa e... seja o que Deus
quiser? A única opção válida é a
últim a, por motivos que explicarei no
próximo artigo. Mas é a última
opção geralm ente escolhida.
Nos primeiros anos de um casa­
mento em que um dos cônjuges é al­
coólatra, a opção invariavelmente es­
colhida é a de aceitar os convites e, a
partir desse momento, começar a re­
zar, esperando acontecer o pior.
Um a vez na festa, é aquela angústia!
Onde está meu m arido? Q uantas já
terá tom ado? Que estará fazendo?
Vou procurá-lo e ficar do seu lado.
Com o passar dos anos, após de­
zenas de esperiências desagradáveis,
a esposa finalmente aprende o que
poderia ter aprendido anos antes de
um bom especialista em alcoolismo:
que não adianta m anipular o ambiente e tentar controlar o beber do
marido. Toda tentativa fracassará. É
garantido! Por mais resolvida, atrati­
va, inteligente e sutil que seja, ela
não conseguirá superar a força da
dependência psicológica e física do
alcoólatra.
Aí, então, a esposa começará a
recusar os convites, justam ente para
evitar as situações em baraçosas que
tanta am argura trazem à vida dela.
Porém, a conseqüência desta opção é
de aum entar a am argura, isolando o
casal e privando tanto o marido
quanto a esposa de um a vida normal
e saudável entre os amigos. Agora a
esposa se encontrará lutando com o
problem a, sozinha e sem amparo.
Aliás, por algum tem po terá o am pa­
ro de seus familiares, cujos conselhos
— baseados em emoções em vez de
em conhecimento de causa — serão
os piores e mais contraditórios possí­
veis. (“ Fique em cim a” . “ Faça de
conta que não viu n ad a” . “ M ostre-lhe
mais carinho” . “ Largue dele” .)
A terceira opção é a única viável,
em bora seja a mais difícil de colocar
em prática. A esposa, afinal, am a
este homem. R eluta em expô-lo à
derrisão, desdém ou ostracismo dos
outros. Ela hesita em revelar o que
lhe parece ser um a fragueza de cará­
ter por parte do m arido. Ê hum i­
lhada pelo com portam ento dele
quando alcoolizado. Assim, por mo­
tivos de vergonha e protecionismo,
ela se tom a a conspiradora do m ari­
do (na nossa profissão, cham am o-la
de “ co-alcoólatra”), ajudando-o a ca­
m uflar o problem a de saúde que ele
tem.
D esta forma, a esposa — a pes­
soa que mais tem a ganhar com o
desm ascaram ento do alcoolismo do
m arido — é geralm ente a pessoa que
mais teme perder com esse desm as­
caram ento. Mas é um a moléstia p ro ­
gressiva. Mais cedo ou mais tarde, o
próprio alcoolismo o desm ascarará.
M elhor que seja mais cedo, evitando
anos de desgaste. No próxim o artigo,
explicarei como a esposa devia agir
neste caso.
«
REINDAL
ESPECIALIZADA EM
TRATAMENTO DE
ALCOOLISMO
Seguindo os métodos mais
avançados dos EUA,
em 2 semanas a nossa
equipe restabelece a saúde
física e emocional do
alcoólatra através de
cuidados médicos,
palestras educacionais,
filmes e terapia.
Fone: 520-9514
Cx. Postal 20896
São Paulo, SP
av®maria ï7
Donald Lazo
Como os familiares e
principalmente a esposa de um
alcoólatra não devem agir.
P
arece-me que um a m aneira de
explicar como se deve lidar com
um alcoólatra (isto é, com um a pes­
soa cujo beber descontrolado esteja
causando problem as cada vez m aio­
res) é m ostrando os erros que um
familiar — usarei, como exemplo, a
esposa — norm alm ente comete no
trato diário do probelm a.
A esposa de um alcoólatra que
reage à enferm idade dele sozinha,
sem a ajuda de pessoas que enten­
dem do alcoolismo, está fadada a
fracassar. Só pode perder, e não so­
mente ela como tam bém seus filhos e
o próprio m arido. Pois ela age de tal
m aneira que, sem querer, invariavel­
mente ajuda o marido a continuar
bebendo. Suas ações são tais que ela
mesma se torna emocionalm ente de­
sequilibrada e acaba criando filhos
tam bém desequilibrados.
(Estou convencido de que a maior
ajuda que um casal pode dar a seus
filhos — m aior que um a boa educa­
ção, m aior que qualquer ajuda m ate­
rial — é m ostrar-lhes o respeito e
carinho que o m arido e esposa sen­
tem um pelo outro. Claro que o rela­
cionamento entre os pais e os filhos
tam bém é im portante. Contudo,
muito mais im portante para a saúde
emocional e espiritual dos filhos é
o relacionamento entre os pais. Q uan­
do este começa a deteriorar, os filhos
começam a sentir a insegurança e
angústia que poderá m inar o seu
equilíbrio emocional futuro).
Voltando à esposa do alcoólatra
ativo, posso dizer que tenho recebido
dezenas e dezenas de cartas de espo­
sas de alcoólatras testem unhando a
16 a v e m a r ia
sua necessidade desesperadora de
obter ajuda. Pelas cartas, percebe-se
que elas vêm suportando um a vida
quase intolerável há muitos anos.
(Em média, os familiares de um alco­
ólatra tomam os primeiros passos
construtivos para lidar com o proble­
ma sete a oito anos depois que sua
forma de beber já se evidencia como
anormal.)
O comum é a esposa adiar a pro­
cura de ajuda até que o alcoolismo
do m arido se tenha agravado de tal
forma que já não há outra alternativa.
Parece haver algo dentro de todos
nós que nos perm ita ficar de braços
cruzados, sem tom ar medidas positi­
vas e construtivas, até finalm ente ser­
mos obrigados a tom á-las. Afinal, a
ação construtiva geralm ente implica
em desconforto, e o ser hum ano p a ­
rece estar disposto a quase tudo para
evitar o desconforto.
Mais que qualquer outra pessoa,
porém, a esposa de um alcoólatra
não pode se dar o luxo de esperar
para tom ar as medidas apropriadas,
porque a doença do m arido dela —
sua dependência da droga álcool — é
progressiva. A situação deteriorante
dele exige que a esposa supere seus
instintos normais e comece a agir em
vez de esperar para ver se, quem
sabe, ele acaba se corrigindo espon­
taneam ente (o que quase nunca ocor­
rerá).
A tarefa da esposa de um alcoóla­
tra — sobretudo no Brasil — é mais
difícil ainda, pois existem barreiras
adicionais a serem superadas. Na
nossa sociedade, por exemplo, a m u­
lher tradicionalmente se encontra
num a posição de dependência. Em ­
bora esta situação esteja m udando à
m edida que a mulher brasileira se re­
define, o “ status” da esposa, de mo­
do geral, ainda depende do que faz o
m arido e do êxito dele. Conseqüente­
mente, ela se sente em perigo im i­
nente toda vez que o desempenho do
papel do m arido esteja ameaçado. E
sua reação natural de sobrevivência é
a de salvar a situação. Ela sente u r­
gentemente a necessidade de contro­
lar o m arido, de manipulá-lo, de en­
cobrir suas deficiências. Mas, ao fa­
zer o que é natural e humano, ela
estará criando o ambiente perfeito
para que o m arido continue bebendo.
Estará assegurando exatamente o
que ela mais teme. E stará garantindo
que a situação irá piorar.
Afinal, a esposa estará fazendo o
que ela aprendeu durante toda a sua
vida: que o papel da esposa é de
cuidar, de nutrir, de servir — às
vezes — como médica e enfermeira,
de ser gentil, compreensiva e toleran­
te, de evitar as situações desagradá­
veis, sobretudo se tiver filhos presen­
tes.
Desde a infância ela foi progra­
m ada a pensar que, quanto mais ela
fizer estas coisas, melhor estará de­
sem penhando o papel de esposa.
Acontece, porém, que, se o marido
dela for alcoólatra (e um em cada
dez é), quanto mais ela fizer estas
coisas, mais doente ficará o marido,
e pior ficará a situação da família.
REINDAL
ESPECIALIZADA EM
TRATAMENTO DE
ALCOOLISMO
Seguindo os métodos mais
avançados dos EUA,
em 2 semanas a nossa
equipe restabelece a saúde
física e emocional do
alcoólatra através de
cuidados médicos,
palestras educacionais,
filmes e terapia.
Fone: 520-9514
Cx. Postal 20896
São Paulo, SP
Que d@¥© lener uma pessoa
casada com alcoólatra?
D onald Lazo
E ste artigo é a terceira e últim a parte
de um diálogo entre o Reverendo
R obert H . Schuller, líder da igreja protestante
“Garden Grove C om m unity C hurch” e o
sacerdote da Igreja Católica Rom ana, Padre
Joseph C. M artin, inicialmente publicado na
revista ‘‘A lcoholism - the national m agazine”,
editada p o r A lcom , Inc., P.O . B o x 19519,
Seattle, W ashington 98109 (E V A ).
Reverendo Schulier: Muitas pes­
soas que estão ouvindo este progra­
ma neste m om ento têm o problema
do alcoolism o. Alguns, e não são
poucos, estão aqui hoje nesta igreja.
Eles nunca tiveram a consciência de
que são alcoólatras. Eles são alcoóla­
tras e não sabem que são. Mas, se eles
aceitassem o fato de terem um proble­
ma ou de estarem-se encaminhando
rapidamente nessa direção, que po­
dem fazer? Que deveriam fazer?
Padre Martin: Bem, a m inha res­
posta seria dirigida não somente
àqueles que têm o problem a mas
também àqueles que conhecem um
alcoólatra ou vivem com um alcoóla­
tra. Meus am igos, é difícil encontrar
uma família que não tenha sido toca­
da por este problem a. Se você — ca­
da um de vocês nesta igreja — se vo­
cê não conhece um alcoólatra na sua
família, entre seus amigos e conheci­
dos ou entre seus colegas, eu diria
que você está cego. Porque existem
milhões neste país.
E que é que você deve fazer? P ri­
m eiro, educar-se sobre a natureza da
doença para que você possa ajudar.
Alcoólicos A nônim os têm literatura
que é gratuita. (No Brasil, basta es­
crever para Alcoólicos Anônim os,
Cx. Postal 3180, São Paulo, SP —
C EP 01000). Tam bém existe a ir­
m andade de Al-Anon, para fam ilia­
res e amigos de alcoólatras, e a de
Alateen, para filhos de alcoólatras.
| Existem tam bém centros especializai d o s de tratam ento de alcoolismo.
34 ove m a r ia
Se sua filha tivesse esclerose múl­
tiplo, você telefonaria para um médi­
co dentro de 15 segundos. No entan­
to, muitas pessoas vivem 15 anos
com um a pessoa que está m orrendo
do alcoolismo (sim, porque alcoolis­
mo é progressivo e fatal) e não me­
xem um dedo para sequer aprender o
mínimo a respeito de sua enferm ida­
de. Por favor, gente, estamos falan­
do de uma doença term inal. O alcoó­
latra que não pára de beber, morre da
doença. Procurem inform ar-se sobre
o alcoolismo.
Reverendo Schufler: Mas veja, há
uma esposa aqui que sabe que seu
m arido está às voltas com esse pro­
blema. H á um m arido aqui que sabe
que sua esposa tem esse problem a.
Provavelm ente vivem brigando e,
portanto, prejudicando o desenvolvi­
mento dos filhos. Então, que é que a
esposa deve fazer se o m arido tem o
problem a? Deve pegar o telefone e li­
gar para alguém?
Padre M artin: Sim, para AlAnon. (No Brasil, o telefone central
nacional de Al-Anon é em São Paulo,
229-4688). Ele deve filiar-se à AlA non. Assim se reuniria com outras
pessoas que estão no mesmíssimo
barco, e com elas aprenderia o que
deveria e o que não deveria fazer.
Provavelm ente descobrirá que não
deveria estar fazendo muitas das coi­
sas que está fazendo, e deveria fazer
muitas coisas que não está fazendo.
A frequência às reuniões gratuitas de
Al-Anon tem m udado m uitas vidas,
senhores e senhoras. M uitas vidas.
Reverendo Schulier: C erto. E este
program a é visto através de 150 esta­
ções de TV nos Estados Unidos, C a­
nadá e A ustrália. O Senhor diria que
em quase todas as cidades desses paí­
ses é possível encontrar o telefone de
Al-Anon ou de Alcoólicos A nônim os
na lista telefônica?
Padre M artin: Sem dúvida. O nú­
mero de AA é geralm ente um dos
primeiros 3 ou 4 núm eros telefônicos
relacionados na lista.
Reverendo Schulier: Uma últim a
pergunta, Padre M artin. De que for­
ma o Senhor o tem ajudado neste
trabalho?
Padre Martin: Q uando um a pes­
soa que nunca vi na m inha vida che­
ga perto e diz, “ O brigado por salvar
a m inha vida” , sim plesmente porque
viu um dos meus filmes, isso faz algo
que nenhum a outra experiência pode
fazer. Este é o trabalho mais gratificante que eu já fiz. T odo o meu sa­
cerdócio, toda a m inha vida esteve
me encam inhando para exatam ente o
que estou fazendo hoje.
«
íí&;
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.896
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
sinois ac ta
D o n ald Lazo
A gente se preocupar com o alcoolismo
para saber se ele é ou não é
o próprio problema, é porque já se é alcoólatra.
(Este artigo é a segunda parte
de um diálogo entre o Reverendo
Robert Schuller, líder da Igreja da
Comunidade de Garden Grove, e o
Padre Joseph C. Martin, sacerdote
da Igreja Católica Romana e al­
coólatra recuperado. O diálogo
saiu publicado na revista “Alcoholism — the national magazine”,
editada bim ensalm ente pela
Alcom, Inc., P.O. Box 19519,
Seattle, Washington 98109 (EUA).
A primeira parte fo i publicada na
última edição da Revista A VE
MARIA).
Reverendo Schuller: E quais
seriam alguns destes sinais (atra­
vés dos quais o alcoolismo se m a­
nifesta)?
^
Padre Martin: Eu afirmo que
uma criança de três anos de idade
pode diagnosticar o alcoolismo
num ex-advogado que, digamos,
estivesse hoje mendigando na rua.
Ele é um caso terminal; o homem
está quase morto. Qualquer um
poderia diagnosticá-lo nesse está­
gio adiantado. Mas, como pode­
mos diagnosticar esta doença hor­
rível, debilitante, destrutiva e
complexa quando está nos seus es­
tágios iniciais? Eu faço uma per­
gunta, uma só, para diagnosticar a
doença. Eu olho para o com porta­
mento que estou vendo e me per­
gunto: “ Um bebedor normal faria
isso?”
Por exemplo, eu acredito que
qualquer um que mente a respeito
da quantidade que bebe definitiva­
mente tem um problema de bebi­
da. E normal um bebedor social
mentir a respeito do quanto bebe?
Um bebedor normal não tem m o­
tivo algum para mentir. Mas o al——
coólatra é um dependente. Ele
precisa da bebida para funcionar
normalmente, e fará qualquer coi­
sa para proteger seu “ direito” de
beber. Obviamente, não se trata
de uma atitude consciente e bem
pensada. É instintiva. É a sobrevi­
vência que está em jogo. Portanto,
mentir é um dos sintomas iniciais
da doença do alcoolismo. E, se me
permite, Reverendo Schuller, gos­
taria de compartilhar com vocês
um dos incidentes que aconteceu
comigo e que ilustra bem a dife­
rença entre o que é normal e o que
é anormal em um bebedor.
Alguns anos atrás eu me en­
contrava na cidade de Anchorage,
no Alaska. Estava sendo entrevis­
tado num desses programas de rá­
dio que era difundido das 22 até as
24 horas da noite. Era um desses
programas em que pessoas telefo­
nam para a estação de rádio e fa­
zem suas perguntas, e eu estava ali
para responder perguntas a respei­
to do alcoolismo. Quase no fim do
programa, um jovem telefonou
para o programa. Ele foi muito di­
reto e disse logo, “ Quero falar-lhe
sobre meu modo de beber” . Eu
lhe perguntei quanto bebia e me
respondeu que costumava beber
seis a doze latas de cerveja por
noite. E acrescentou que bebia
bem mais pesadamente nos fins de
semana, porque não tinha que tra­
balhar. Agora, quero que enten­
dam bem o quadro. Aqui tínha­
mos um moço, disse-me que tinha
22 anos de idade. Era jovem e era
forte. Disse-me que jamais havia
perdido um dia de trabalho. Tam ­
bém me disse: “ Eu tenho ressacas,
às vezes, mas elas duram pouco
tempo. Eu me recupero rápido.
........
Nunca faltei ao serviço. Jamais al­
guém me chamou a atenção por
causa de qualquer problema liga­
do à bebida” . No entanto, ele
acrescentou, “ Estou me pergun­
tando se sou — quer dizer, por
causa da quantidade que eu bebo
— se sou, ou se existe a possibili­
dade de eu chegar a ser, um alcoó­
latra” .
E eu, então, respondi a ele,
“ Olha, meu filho, eu não o conhe­
ço. Nunca o vi com copo na mão.
Contudo, de uma coisa eu tenho
certeza. Eu gosto de puré de bata­
ta, compreendeu? Mas nunca na.
minha vida inteira peguei o tele­
fone às onze e meia da noite para
telefonar a uma estação de rádio
para perguntar a uma pessoa to­
talmente estranha se ela acha que
eu tenho um problema de puré de
b atata” .
Você, vê, o óbvio se torna ób­
vio. É claro que esse jovem tem
um problema de bebida. Como eu
disse antes: o que cria problemas é
um problema porque cria proble­
mas. Quando o álcool cria proble­
mas para alguém, então o álcool é
um problema para essa pessoa. Se
o álcool não fosse um problema
para esse moço, ele não teria tele­
fonado para aquele programa às
onze e meia da noite. A gente não
pergunta a outros sobre proble­
mas que não existem.
•
(Continua no próximo número)
N
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
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(Fone: (011) 520-9514)
v
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_____________________________ J
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- J
ave m a r ia 33
D o n ald Lazo
Se perguntarmos a uma criança de
10 anos o que gostaria de ser quando for
adulto, nenhuma diria “ alcoólatra”
ou “ bêbado” . No entanto,
um em cada 5, 6 ou 7 pessoas que bebem
se tornam dependentes da bebida.
os próximos números de
AVE MARIA, gostaria de
reproduzir um encontro extraordi­
nário que reuniu duas das mais
proeminentes figuras religiosas
dos Estados Unidos num diálogo
sobre a doença que mais adultos
mata nesse — e neste — país. O
diálogo foi entre o Reverendo Robert Schuller, líder mundial de
uma denominação protestante, e o
Padre Joseph C. Martin, um padre
que, bem provavelmente, afetou a
recuperação de mais alcoólatras e
suas famílias que qualquer outro
indivíduo nesta década. O Reve­
rendo Schuller convidou o Padre
Martin a participar de seu progra­
ma de televisão, “ A H ora do P o­
der” , transmitido para milhões de
televidentes nos Estados Unidos,
Canadá e Austrália. O diálogo foi
publicado na revista “ Alcoholism
— the national magazine” , edita­
da bimensalmente por Alcom,
Inc., P.O . Box 19519, Seattle, ■
WA 98109 (EUA). O Reverendo
Schuller começou por apresentar o
Padre M artin como “ cristão devo­
tado, um sacerdote ordenado, um
padre da Igreja Católica Romana,
e um alcoólatra recuperado” . O
que estes dois homens tinham em
comum era uma preocupação hu­
m ana pelas vítimas do alcoolismo.
^A conversa prosseguiu assim:
34 a v e m a r ie
Reverendo Schuller: Antes que
o Presidente e a Sra. Ford entras­
sem no centro de reabilitação, não
muitos quilômetros daqui, onde a
Sra. Ford recebeu sua terapia e foi
recuperada do alcoolismo, a pri­
meira coisa que o médico do cen­
tro de Long Beach fez foi mostrar
à Sra. Ford e seu marido o filme
“ Bate-papo com Giz” , do Padre
Joseph Martin.
Por causa do anonim ato que
cerca a maioria dos alcoólatras re­
cuperados, não posso sequer come­
çar a dar-lhes os nomes das pessoas
que hoje são alcoólatras recupera­
dos graças ao Padre Joseph M ar­
tin. Bem-vindo à Igreja da Comu­
nidade de Garden Grove à “ Hora
do Poder” .
Padre Martin: Muitíssimo obri­
gado.
Reverendo Schuller: Diga-me,
como é que o senhor entrou para o
campo do alcoolismo e seu estudo?
Padre Martin: Bem, foi muito
simples. Foi principalmente atra­
vés de minha própria recuperação
22 anos atrás. Porém , não tive ne­
nhuma noção, nenhuma idéia, se­
quer qualquer desejo de entrar
profissionalmente para o campo
do alcoolismo. Eu era professor
de seminário; ensinava jovens da
escola secundária na cidade de
Baltim or, e depois de minha re­
cuperação, voltei a dar aulas. Mas,
como o Senhor resolve as coisas a
sua maneira, depois de 12 anos o
seminário menor foi encerrado e
me deram permissão para traba­
lhar profissionalmente no campo
do alcoolismo. É isso que eu faço.
É minha designação principal.
Reverendo Schuller: Como po­
de uma pessoa saber se ela tem um
problema de alcoolismo?
Padre Martin: Devido a sua
natureza química, o álcool é um
sedativo e cria dependência facil­
mente. O alcoolismo é, nada mais
e nada menos, do que a dependên­
cia desta droga. Agora, ninguém
decide tornar-se um alcoólatra. Eu
costumo perguntar aos auditórios:
Voltem para a idade de 10 anos e
escrevam, mentalmente, num pe­
daço de papel, o que vocês gosta­
riam de ser quando forem adultos.
Reverendo, não existe uma única
pessoa nesta catedral magnífica
que escreveria “ alcoólatra” ou
“ bêbado” . No entanto, uma em
cada cinco, seis ou sete pessoas
que bebem se torna dependente da
bebida.
E como se sabe que se tem esta
doença? Como pode você saber se
é um alcoólatra? Basicamente, a
minha própria definição é muito,
muito simples. O que causa pro­
blemas é um problema porque
causa problemas. Quando o álcool
causa problemas, trata-se de um
problema de álcool, e eu o chamo
alcoolismo. Manifesta-se através
de certos sinais que são muito fá­
ceis de perceber — para qualquer
um que conheça um mínimo sobre
o assunto.
Reverendo Schuller: E quais
seriam alguns destes sinais?
(Continua no próximo número), j
D o n ald Lazo
Aceitar as “ explicações” do alcoólatra
está facilitando a progressão da doença
chamada dependência.
a m inha opinião, a m aior barrei| \ J r a ao progresso rápido na re­
cuperação de alcoólatras é a idéia ge­
neralizada de que o alcoólatra bebe
exageradamente por causa de algum a
pessoa ou circunstância externa.
Recebo cartas e telefonem as dia­
riam ente de esposas cujos m aridos
são alcoólatras. Quase sempre relu­
tam em usar a palavra “ alcoólatra” ,
que parece ser tão chocante. E sen­
tem sempre necessidade de am enizar
o caso do m arido, explicando por
que ele bebe desse jeito. “ É que,
quando era jovem , o pai dele era
m uito rígido” . Ou então: “ É que
perdeu o pai quando era jovem ” . Ou
ainda: “ Ele está assim desde que m u­
damos p ara São P aulo. Sabe, ele não
se acostum a. Foi criado no interior” .
Sempre há um a explicação.
Acontece que as explicações estão
todas erradas. Um alcoólatra bebe
exageradamente porque se tornou
dependente da bebida. A bebida faz
um bem danado para ele e, toda vez
que bebe, vai gostando cada vez mais
do seu efeito. Com os anos, essa de­
pendência, que inicialmente é psico­
lógica (o que simplesmente quer di­
zer que ele gosta do efeito), acaba
sendo física. É que o álcool é um a
substância que, por causa de sua es­
tru tu ra m olecular, consegue penetrar
o corpo todinho. C ada drinque que
se bebe dem ora um a hora para “ sair
do corpo” . Quem tom a oito goles
vai ter álcool no corpo por oito
horas. E quem tom a vinte e quatro
goles por dia (menos de um litro),
como todo bom alcoólatra chega a
fazer, se viver, tem sempre álcool no
corpo.
Ora, quando as células do corpo
entram em contato com o álcool —
que é um tóxico venenoso — ou m or­
rem ou aprendem a conviver com ele.
As células que aprendem a conviver
com ele se tornam iguais peixes num a
jarra de água. Q uando a água desa­
parece, os peixes ficam pulando. No
alcoólatra mais dependente, quando
o álcool sai do corpo, as células fi­
cam pulando. E quando as células
pulam , o alcoólatra pula. (Olhe para
as mãos dele.)
A essa altura, está instalada tam ­
bém a dependência física (além da
psicológica). Inicialmente, o alcoóla­
tra aprendeu que, bebendo, se sentia
bem. Agora, ele tem que beber para
não sentir-se mal.
Aprendam isto: o alcoólatra bebe
exageradamente (quer dizer, quando
não devia beber ou em quantidades
exageradas) única e exclusivamente
porque está dependente do álcool. O
resto é justificativa. E com o qual­
quer um sabe, justificativas aceitas
permitem que um alcoólatra conti­
nue bebendo (e, portanto, agravando
sua dependência).
T oda pessoa que aceita as justifi­
cativas do alcoólatra está ajudando-o
a continuar bebendo e, p o rtanto, a
ficar cada vez mais doente. M orreu o
pai de um alcoólatra? Vamos apro­
veitar, pensa ele. A gora posso beber
à vontade e todo o m undo me dará
razão. M elhor ainda: vão pensar que
estou bebendo porque eu am ava meu
pai m ais que meus irm ãos. Dupla
vantagem : ganho a sim patia de todos
e ainda posso beber à vontade.
Gente, não entrem no jogo do al­
coólatra. Ele não bebe desse m odo
porque tem um chefe chato ou uma
pessoa incompreensível. Ele não be­
be desse m odo porque perdeu um
pai, um cliente ou um emprego. Ele
não bebe desse m odo porque nin­
guém o com preende. Ele não bebe
desse m odo por causa do Delfim
N etto. Ele bebe desse m odo porque
p ara ele o álcool é um a droga e ele se
tornou dependente dessa droga. D e­
pendência de drogas é um a doença
progressiva e 100% fatal.
P or isso, não convém “ explicar”
suas bebedeiras, ou concordar com
ele quando inventa um a explicação.
(Nisto ele se tornou perito. Aprende
a chorar e a fazer um dram a danado.
Eu o fiz durante m uitos anos.) Essas
“ explicações” todas fazem parte da
N EG A ÇÃ O do alcoólatra, ajudan­
do-o a negar que se tornou depen­
dente da bebida. E quem aceitar as
“ explicações” está FACILITAN DO
a progressão da doença cham ada de­
pendência. Não com etam esse erro.
NÃO EN TREM NO JO G O DO AL­
C OÓLATRA. A sua dependência
basta para explicar o beber exagera­
do do alcoólatra.
•
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C H Á C A R A REINDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se
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V
____________ — J
a v e m a r ia 25
Mão é o mundo, miem
os-problemas que
fazem o alcoólatra beber
Donald Lazo
C
lu an d o um alcoólatra bebe,
4 ele se sente maravilhosamente
bem. E o alcoólatra que bebe mi­
lhares de vezes — e se beneficia
toda vez que bebe — acaba gra­
vando uma lição na sua mente:
“ Quando me sinto mal. conheço
uma substância que posso ingerir e
que me faz sentir bem. E quando
me sinto bem, basta ingerir essa
substância para me sentir melhor
ainda” . O processo de criar depen­
dência de uma substância é um
processo de aprendizagem. Primei­
ro, a pessoa descobre a substância,
quando a ingere pela primeira vez e
encontra que o efeito é agradável.
À medida que vai experimentandoa, ele aprende que a substância é
confiável. Quer dizer, nunca lhe
falha. Toda vez que a tom a, sentese melhor. Mais adiante ele passa
a buscar a substância. Em bora an­
tes ele perdia festas de vez em
quando, agora não perde uma.
Ele está em todas e pensa que é
porque virou uma pessoa mais so­
ciável. Na verdade, ele está em to ­
das porque em todas tem bebida,
e é isso que ele quer. A esta altura,
ele já se tornou dependente da be­
bida e nem sabe disso. Se alguém
o acusasse de ser dependente, ele
ficaria zangado. Ele acha que não
é dependente porque não bebe to ­
do dia. Mas ele é dependente, sim,
e quanto mais beber, mais depen­
dente se tornará. Até chegar ao
ponto em que esteja bebendo todo
dia mesmo, e sua vida inteira gira­
rá em torno da bebida. Agora ele
acha que bebe por mil razões, mas
L está enganado. Bebe por uma úni­
ca razão: porque se tornou depen­
dente. O resto é justificativa.
Uma esposa me disse que o
marido dela queria que ela deixas­
se seu filho (de cinco anos de ida­
de, de um casamento anterior)
com os pais em São Paulo, e se
mudasse para o Ceará com ele.
“ Ele diz que bebe por causa da vi­
da agitada desta cidade gigantes­
ca... e também por causa de meu
filho mal com portado. Que é que
o senhor me recomenda? Devo
deixar meu filho aqui e segui-lo
para Fortaleza, onde a vida é mais
calma e ele não tenha mais razão
para beber tan to ?”
Eu expliquei que ele não bebia
por causa do filho dela nem por
causa da vida agitada de São Pau­
lo. Expliquei que ele bebia porque
era dependente do álcool. E expli­
quei que se mudassem para Forta­
leza, ele ia levar sua dependência
junto com ele e portanto conti­
nuaria bebendo lá, e cada vez
mais. E então lá, em Fortaleza, ele
começaria a dizer que agora esta­
va bebendo demais por causa do
calor, ou por estar numa cidade
onde a vida é pacata demais com­
parada com São Paulo. Seria ca­
paz até de dizer que anda exage­
rando “ um pouquinho” por sen­
tir falta daquele filho que ela dei­
xou com os pais!
Quantas vezes as esposas cho­
ram: “ Eu tentei eliminar todas as
coisas que faziam ele beber!” Elas
precisam aprender que não é o
mundo externo que fa z o alcoóla­
tra beber. Não são os problemas
que o fazem beber. Se fossem, to ­
do o m undo seria alcoólatra, pois
não me consta que exista alguém
re s ta terra que não tenha proble­
mas. Não são os sogros que fazem
o alcoólatra beber. Se fossem os
sogros toda pessoa casada seria al­
coólatra. Não é a sensibilidade de­
le que o faz beber. É a bebida que
o to rn a sensível. E é a bebida que
faz ele beber, pois é dependente
dela.
Você que é esposa de um al­
coólatra, não pode eliminar todas
as pessoas do mundo.
Você não pode destruir todos
os bares.
Você não pode resolver todos
os problemas.
O m undo nunca estará perfei­
to para ele.
Q uanto antes você aprende es­
tas coisas e deixa de tentar contro­
lar o beber do seu m arido, arru­
m ando o m undo direitinho para
ele, antes ele terá chance de se re­
cuperar. Você já imaginou a espo­
sa de um diabético tentar eliminar
todo lugar na cidade onde existe
açúcar, ou querer mudar-se para
alguma parte do país onde o açú­
car não existe?
N ão seria mais lógico simples­
mente insistir que o diabético pa­
rasse de comer açúcar e passasse a
tom ar sua insulina? O alcoólatra
precisa parar de beber álcool. E a
insulina do alcoólatra são os Doze
Passos sugeridos por Alcoólicos
Anônimos.
•
---------------------------------------------
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.896
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
eir© m aria 29
O
uase vinte-e-dois anos atrás me mente que, com esse gesto generoso,
internei no Hospital Samaritano aquele padre salvou minha vida. Pois,
nas páginas desse livro maravilhoso,
logo de manhã, bêbado e chorando
descobri que eu era alcoólatra e que
desesperadamente. Eu não sabia qual
era o meu problema e mais ninguém alcoólatra não pode beber sem criar
sabia. Considerava-me uma pessoa problemas. Descobri que o que eu
totalmente inútil, que mais gostava vinha tentando fazer há muitos anos
do lazer e das diversões do que do tra­ — beber sem criar problemas — era,
balho. Estava muito perturbado. Já para o alcoólatra (ou seja, para mim),
havia capotado quatro carros, des­ impossível.
truído dois casamentos, perdido três
Havia entrado no hospital no tér­
empregos e prejudicado a vida de um mino de uma bebedeira de seis dias,
bocado de gente. Por causa de tudo durante os quais não havia comido
aquilo, pensava eu, é que eu bebia. E sequer um pedaço de pão. Entrei
não só eu pensava assim. Todas as num estado físico e emocional deplo­
pessoas que me conheciam achavam rável. Saí do hospital cinco dias de­
que eu bebia por causa dos problemas pois — desintoxicado, descansado e
que tinha.
com fome de novo — para nunca
mais ter o mínimo problema com a
No Hospital Samaritano me desin­ bebida. Mas também saí com uma
toxicaram em cinco dias. No segundo imensa curiosidade, despertada pelo
dia de minha internação, um padre padre quando me disse que até padres
que costumava fazer as rondas do desenvolviam essa doença, e aguçada
hospital visitando os pacientes entrou pela leitura do livro Alcoólicos Anô­
no meu quarto e, na conversa comigo, nimos (disponível através dos fones
tomou-se a primeira pessoa a diag­ 228-3804 e 227-5601 erri São Paulo,
nosticar meu caso corretamente. Em­ Capital). Se a solução do alcoolismo
prestou-me, então, o livro Alcoólicos era tão simples assim — se apenas
Anônimos que ele vinha lendo. “ Não bastava parar de beber — por que tão
que eu seja alcoólatra” , ele me disse. poucos alcoólatras se recuperam?
“ Puxa, padre, o Sr. não precisava
Aí então, comecei a estudar minha
me explicar isso. O Sr. é padre. Como doença, e continuo estudando-a até
podia ser alcoólatra?”
hoje. E a maior lição que tenho
“ Não, não se engane” , ele me ex­ aprendido é que em ALCOOLISMO,
plicou. “ Eu estou lendo o livro justa­ não somente tudo é diferente do que
mente porque o alcoolismo é o maior as pessoas pensam, TUDO É O
problema de saúde que existe entre os CONTRÁRIO DO QUE AS PES­
padres nos Estados Unidos (este pa­ SOAS PENSAM. Assim sendo, todo
dre era norte-americano) e eu estou mundo (o alcoólatra, os membros de
querendo entender melhor esse pro­ sua família, os médicos, a sociedade
blema. Mas eu lhe empresto o livro” . em geral) agem de modo a prejudicar
Sem dramatismo, acredito sincera­ os alcoólatras ao invés de ajudá-los.
Nos próximos artigos, explicarei o
que eu quero dizer com isso.
Houve época em que o alcoólatra
era julgado pelo seu comportamento
quando alcoolizado. Já que seu com­
portamento era vergonhoso, ele era
tido como um sem-vergonha. Quan­
do aprontava, era preso.
Hoje já se sabe que, ao contrário
do que se pensava, a vergonha (e não
a falta de vergonha) agrava o alcoolis­
mo da vítima. Em outras palavras,
quanto mais vergonha um alcoólatra
tiver, mais remorso .sentirá pelos atos
que comete quando estiver alcooliza­
do. E para aliviar o sentimento de
vergonha, mais beberá. Assim, sua
vergonha se tom a parte de um círculo
vicioso que inclui o beber, o compor­
tamento irresponsável -devido ao be­
ber, a vergonha que resulta do com­
portamento irresponsável (no alcoó­
latra que tem vergonha) e o beber que
o alcoólatra repete para aliviar a ver­
gonha que sente.
Comecei este artigo explicando que
eu achava que bebia por causa dos
problemas que tinha. Até certo ponto
isto era verdade, pois eu havia chega­
do a um estágio bem adiantado do al­
coolismo. Mas, durante muitos anos,
a verdade era o contrário. Eu não be­
bia porque tinha problemas. Eu tinha
problemas porque bebia. A idéia de
que o alcoólatra bebe porque tem
problemas é o maior mito em todo o
campo de alcoolismo. E é o mito que
mais prejudica os alcoólatras, como
explicarei nos artigos futuros.
®
Donald Lazo
ave maria 27
A LC O O L ÍS M O
Alcoolismo:
doença ou
"desvio de
conduta
intencional"?
Donald Lazo
x is te um a lei nos EUA que
o b rig a o g o v e rn o n o rte -a m e ric a n o a pagar os e s tu d o s de
do v e te ra n o de guerra d u ra n te 1 0
a n o s após ele v o lta r da g u e rra .
P assou do s 10 anos, o g o v e rn o
não paga m a is ... a não ser q u e o
v e te ra n o te n h a alg u m a d o e n ç a
não ca u sa d a po r " u m d e s v io de
c o n d u ta in te n c io n a l" .
Q uem ad m in istra esses p a g a ­
m e n to s de e s tu d o s para os v e te ­
ra n o s é um a a gê ncia do g o v e rn o
cha m ad a A d m in is tra ç ã o de V e te ­
ra n o s (V A ). E, a c o n te c e q u e , na
o p in iã o da V A , o a lc o o lis m o é
c a u s a d o p o r u m d e s v io de c o n ­
d u ta in te n c io n a l. Ou seja, a V A
c o n s id e ra que o beber do a lc o ó
la tra (que le vou -o ao a lc o o lis m o ),
é quase sem pre in te n c io n a l e não
um a to in v o lu n tá rio re s u lta n te de
u m a c o m p u ls ã o in c o n tro lá v e l.
A lg u n s anos a trá s, do is v e te ­
ranos de guerra do V ie tn ã , am bos
a lc o ó la tra s re c u p e ra d o s , que h a ­
v ia m c o n tin u a d o a e s tu d a r além
dos 10 anos, d e cidiram c o b ra r do
g o v e rn o esses e s tu d o s , a firm a n ­
do que tin h a m esse d ire ito porque
o a lco o lism o é um a d oença e p o r­
ta n to eles eram pessoas d o e n te s.
A V A re cu so u -se a pag ar, d iz e n ­
do que, na sua o p in iã o , seu a l­
c o o lis m o era c a u sa d o p o r um
d e s v io de c o n d u ta in te n c io n a l. A
V A g a n h o u a cau sa; os d o is v e ­
te ra n o s a p e laram ; a V A g a n h o u
de n o v o ; os dois a pelaram de n o ­
v o e c o n tin u a ra m a p e la n d o até
qu e o ca so , fin a lm e n te , fo i p a ra r
E
»
na C o rte S u p re m a . M u ita s p e s ­
soas interessada s no caso c o n fia ­
ram que agora, fin a lm e n te , a C o r­
te S u p re m a iria d a r o a va l da lei
à a firm a ç ã o de q ue o a lc o o lis m o
é um a doença.
A o in vé s d is s o , a C o rte S u ­
p re m a se re c u s o u a d e c id ir se o
a lc o o lis m o é d o e n ç a o u n ã o , e x ­
p lic a n d o que isso c a b ia aos m é ­
d ic o s e que os m é d ic o s ainda não
e s ta v a m de a c o rd o so b re o a s ­
s u n to . É v e rd a d e . M u ito s m é d i­
c o s d ize m q ue o a lc o o lis m o é
u m a d o e n ç a , m a s m u ito s o u tro s
d iz e m que não é. E a C o rte S u ­
p re m a disse q u e até qu e os m é ­
t o ­ d ic o s não e s tiv e s s e m de a co rd o ,
ela m e sm a não iria se p ro n u n c ia r
s o b re a p o lê m ic a . P o rta n to , d is ­
se a C o rte S u p re m a , a V A tin h a
d ire ito à sua o p in iã o : a de que o
a lc o o lis m o , d o e n ç a ou não, era
c a u s a d o p or u m d e s v io de c o n ­
d u ta in te n c io n a l.
Os jo rn a is e a te le v is ã o do
m u n d o in te iro e x p lo d ira m c o m
m a n c h e te s d a n d o a e n te n d e r que
a C o rte S u p re m a h a v ia d e c id id o
q u e o a lc o o lis m o n ã o era u m a
d o e n ç a . E sta va m u ito lo n g e da
verd a d e , m as to d o s sabem os que
o s e n s a c io n a lis m o v e n d e jo rn a is
e p ro g ra m a s de te le v is ã o . Q ue
tra g é d ia que o m u n d o te n h a sid o
le v a d o a te r um a idéia to ta lm e n ­
te d is to rc id a da re a lid a d e so b re
u m a s s u n to de ta m a n h a im p o r­
tâ n c ia !
O que e s ta v a em d is c u s s ã o
n ã o era se o a lc o o lis m o era ou
não doença. O que esta va em d is ­
c u s s ã o era se, q u a n d o um a lc o ó ­
latra bebe, o fa z im p e lid o p o r um a
c o m p u ls ã o in c o n tro lá v e l ou o faz
in te n c io n a lm e n te .
É fu n d a m e n ta l d is tin g ü ir e n ­
tre o beber de um a lco ó la tra e seu
a lc o o lis m o (sua d e p e n d ê n c ia ao
á lc o o l). Pois é u m fa to q ue o a l­
c o ó la tra que bebe não c o n s e g u e
c o n tro la r a p ro g re ssã o de sua d e ­
p e n d ê n c ia . E ta m b é m é v e rd a d e
que o a lco ó la tra não pode c o n tro la rs e u beber (is to é, o q u a n to ele
b e b e ). M as o a lc o ó la tra — q u a n ­
do q uiser — po d e d e c id ir a b a n d o ­
n a r a b e b id a para s e m p re , e a s ­
sim d e te r (isto é, re cu p e ra r-se ) de
sua d o e n ç a .
N um p ro g ra m a de T V q u e eu
v i, u m p s iq u ia tra e x p lic o u a d ife ­
re n ça e n tre o b e b e d o r n o rm a l e
o a lc o ó la tra , d iz e n d o q u e q u a n ­
do o b e b e d o r n o rm a l v a i a um a
fe s ta , ele po d e e s c o lh e r e n tre b e ­
b er ou n ã o , e n q u a n to o a lc o ó la ­
tra não te m e s c o lh a — ele te m
q ue beber.
Q u e ro d is c o rd a r em v o z a lta .
O a lc o ó la tra te m e s c o lh a ! (Os ú n i­
co s a lc o ó la tra s q u e nã o tê m são
aq u e le s p o u c o s — em te rm o s de
p e rc e n ta g e m — que e stã o em es­
tá g io a v a n ç a d o da d e p e n d ê n c ia
fís ic a .) A v a s tís s im a m a io ria p o ­
de recusar-se a beber. (É o que eu
fa ç o há 2 3 a n o s ). A liá s , se q u i­
se r s o b re v iv e r à d o e n ç a , te rá de
re c u s a r. O p ro b le m a é q ue q u a ­
se to d o a lc o ó la tra não só não s a ­
be d is to m a s, e s c o n d id o a trá s de
sua m u ra lh a de n e g a ç ã o e p r o te ­
g id o por se u s fa c ilita d o re s , s e ­
q u e r sabe q u e é u m a lc o ó la tra .
A A d m in is tra ç ã o de V e te r a ­
n o s do g o v e rn o n o rte -a m e ric a n o
c o n s id e ra q u e o a lc o o lis m o q u a ­
se se m p re re s u lta de um d e s v io
de c o n d u ta in te n c io n a l e a C o rte
S u p re m a d e te rm in o u que até que
os m é d ic o s se p o n h a m de a c o r­
d o , essa p o lític a da V A é a c e itá ­
v e l, a c re s c e n ta n d o q ue " o c o n ­
s u m o de á lc o o l (por um a lc o ó la ­
tra ) não é c o n s id e ra d o in te ir a ­
m e n te in v o lu n tá r io " .
P a re ce -m e q ue e s to u e n tre a
pe q u e n a m in o ria de a lc o ó la tra s
qu e c o n c o rd a p le n a m e n te c o m a
C o rte S u p re m a a m e ric a n a . U m
dia o u v i u m a lc o ó la tra d ize r qu e
h a v ia re ca íd o (v o lta d o a beber)
porque, afinal, " s o u um d o e n te ".
Eu disse a ele que esta va se a p ro ­
v e ita n d o do ró tu lo " d o e n ç a " p a ­
ra ju s tific a r sua v o lta à b e b id a . E
a c re s c e n te i q u e , d e p o is de d e s ­
c o b rir que eu era um a lc o ó la tra ,
e ju s ta m e n te p o r sê -lo , eu n u n c a
m a is e x p e rim e n te i a b e b id a . Eu
te n h o essa e s c o lh a .
.
A L C O O L IS M O
Perdendo o controle sobre a
bebida... controladamente
-essoalmente, não gosto da ex: essão "perda de controle sobre a
ir:'d a ". Acho mais acertado dizer
:_e cuando cria dependência do ál: : : , o alcoólatra perde a vontade de
: : ~:'Oiar a bebida. Na minha opinião
e~Drem-se de que sou alcoólatra
-ecuperado), a chamada “ perda de
controle” do alcoólatra tem muito de
- = 'z\a. O verdadeiro processo é ex: :ado mais acertadamente — e
"aciosamente — pelo dr. Joseph
- „ rsch em seu livro Dear Doc.
De acordo com um velho ditado,
se um alcoólatra tomar apenas um
copo, ele perderá o controle e sairá
zescambando na bebida” . Ora, isto
não é literalmente verdadeiro. Não
quer dizer que, após um copo, ele
sempre continuará bebendo até ficar
e~briagado.
Se você vive com um alcoólatra,
s sabe disso. O que você provavel~ente está se perguntando é outra
coisa: “será que ele pode voltar a be:er sem que, mais cedo ou mais tar­
de. tenha problemas novamente?” A
resposta a esta pergunta é: “ Não!”
Seu beber poderá parecer normal du­
rante algum tempo, mas, no final, lhe
causará problemas outra vez.
Vamos tomar como típico exem:lo o caso de um homem que cha­
garemos Henrique. Ele estava outra
.ez afastado da bebida porque sua
esposa, Suzana, vinha resmungando.
Então, uma noite ele tomou uma cer•eja. Quando Suzana chegou em ca­
sa e viu á lata vazia, teve um acesso.
“ Não esquenta” , disse Henrique.
Eu bebi essa cerveja há duas horas.
Ainda há cinco latas na geladeira,
sobrando do pacote que comprei hoje à tarde. Agora” — disse ele, er­
guendo um dedo lógico — “Você me
. ê embarafustando pela cozinha em
busca de outra cerveja, hein? Bem,
isso basta para provar como é ridí­
cula a teoria de sua mãe ds que se
eu tomar um copo, vou descambar
na bebida.”
Na noite seguinte, Henrique dis­
se: “ Ouça, se eu fui capaz de parar
com uma cerveja ontem, posso pa­
rar com uma hoje” . Suzana não po­
dia argumentar contra. E assim ele
tomou uma. Suzana observava-o ner­
vosamente, enquanto ele lia o jornal.
Duas horas mais tarde, ele sorriu pa­
ra ela: “ Querida, vou para a cama.
Estou cansado de esperar pela com­
pulsão incontrolável que dizem que
essa bebida causa” . Suzana sen­
tiu-se como uma tola. “ Talvez esteja
me preocupando a troco de nada” ,
pensou ela, sorrindo para si mesma.
Seja como for, Henrique agora
estava de volta a sua cervejinha diá­
ria. Duas semanas mais tarde houve
um almoço de despedida para um
colega na empresa. “ Que diabo” , ra­
cionalizou Henrique, “ eu simples­
mente tomarei minha cervejinha no­
turna no almoço — e é tudo” . Mas,
voltando para casa naquela tarde, ra­
cionalizou um pouco mais. “ Qual­
quer pessoa que possa parar com
uma cerveja por dia, pode parar com
duas” , garantiu a si mesmo. Por is­
so, entrou sorrateiramente pela por­
ta dos fundos e rapidamente apa­
nhou uma cerveja antes que Suzana
pudesse sentir-se o Hálito. “ Aprecio
o gosto dessa primeira cerveja do
dia", disse ele, fazendo um brinde a
Suzana com uma segunda cerveja
quando ela entrou na cozinha. Ele já
estava mentindo de novo; talvez não .
tinha “ descambado” ainda, mas cer-’
tamente estava a caminho.
Após o jantar, o cunhado apare­
ceu inesperadamente. “ Henrique” ,
disse a ele, “ vamos tomar uma cer­
veja e resolver aquele problema do
Campeonato Mirim” . Suzana fez uma
cara feia e entrou na cozinha. Henri­
que seguiu-a. “ Preciso tomar uma
cerveja com ele” , implorou. “ Você
bem sabe como ele dá com a língua
nos dentes. E afinal” , acrescentou
: logicamente, “ se posso controlar
uma cerveja, posso controlar duas.
Não há nada de mais. Que tal?”
Bem, pensou ela, Henrique esta­
va certo a respeito do seu irmão lin­
guarudo. “ Está bem” , cedeu ela. “Vo­
cê pode tomar a segunda — mas so­
mente desta vez”
Agora estavam os dois no pro­
cesso, porque ela já sabia, subcons­
cientemente, que amanhã Henrique
diria: “ Ontem consegui controlar-me
com duas cervejas — hoje posso
controlar duas também” , e ela teria
de concordar. E Herinque já sabia
que amanhã ele beberia uma cerve­
ja no almoço, e se ela sentisse o ba­
fo quando ele voltasse para casa, ele
diria: “ Querida, tomei umas das mi­
nhas duas cervejas durante o almo­
ço” . Mas, se ela não sentisse bafo al­
gum, ele teria uma cerveja no almo­
ço e duas em casa, porque se você
pode parar com duas, também pode
parar com três. E ela teria de con­
cordar.
E aí, então, os dois estariam des­
cambando.
Quando você estuda o padrão de
beber do seu alcoólatra com objeti­
vidade e a opinião posterior de um
tarapeuta, compreenderá o verdadei­
ro significado de “ descambar na be­
bida” . Verá o auto-engano, a raciona­
lização, os truques, o teatralismo e
a chicana que o bebedor tem de usar
para fazer com que seu beber pare­
ça casual. Você também ouvirá a
destreza verbal que ele usa para en­
volver você no seu processo de vol­
tar à bebida. Finalmente, você pas­
sará a ver o papel ativo que você es­
tá desempenhando, não como um
espectador inocente, mas como uma
pessoa envolvida diretamete com o
problema.
•
D onald Lazo
a g o s to /9 0
a v e m a r ia
21
I------------------------- — — ---------------------------------------------------------------------------------------------------------
Chega eío cooperar cora
c Rcsaçjfo efc c ieoólatra!
D o n ald L azo
u p or medo, ou por inseguranv_: ça» ou por desconhecimento, ou
m esm o p or conveniência, os mem ­
bros de um a família que tem um al­
coólatra (e uma em três famílias o
tem!) hesitam em falar às claras com
o doente. Na hora de convencê-lo a
aceitar o tratam ento de que tanto pre­
cisa, mesmo as pessoas que já apren­
deram que o alcoolismo é uma doença
RESPEITÁVEL, mas progressiva e
fatal, costumam fazer rodeios.
Seria o caso de, na frente da fa­
m ília inteira, com carinho mas tam ­
bém com absoluta firmeza, dizer ao
bebedor exagerado algo assim:
Q uerido, mais uma vez você che­
gou em casa embriagado ontem à
noite. É a quarta vez este mês. Isto
não é norm al. Tudo que temos lido e
aprendido nos convence de que você
tem a doença do alcoolismo (dito
com a naturalidade de quem confia
no que está falando. Em muitas fa­
mílias, um filho é mais indicado para
falar estas coisas do que a esposa do
alcoólatra).
E u sei: você insiste em que não é
alcoólatra. Que você bebe quando
quer e p ára quando quer. Que vem
exagerando um pouquinho ultim a­
m ente porque a situação não está
b oa. M as nós aprendemos que todo
alcoólatra fala essas coisas. Aquilo
faz parte do que apelidaram N EG A ­
ÇÃ O . E não é verdade. É exatam en­
te a negação da verdade.
É verdade que você bebe quando
quer, como você costum a dizer. E
talvez seja até verdade que pára
quando quer. Mas acontece que, ulti­
m am ente, com cada vez mais fre­
qüência, toda vez em que você come­
ça a beber você não quer parar. Pelo
menos até que tenha bebido demais.
E isso é sintomático de alcoolismo.
Bebedores norm ais não fazem isso
com a freqüência com que você o
vem fazendo. Bebedores norm ais fa­
zem isso um a vez ou ou tra. Você faz
constantem ente.
Tam bém temos aprendido que
quando um bebedor diz que vem exa­
gerando ‘um pouquinho’ — e todos
nós podem os ver que está exageran­
do m uito — esse bebedor está evi­
denciando outro aspecto da negação
do alcoólatra: o que cham am de ‘minim ização’. Você já notou, querido,
que você nunca diz que tom ou um
drinque, um gole ou um chope? Com
você é sempre ‘um drinquezinho’,
‘um golezinho’ ou ‘um chopezinho’.
Isto é minimizar o que se bebe e é sin­
tom a de alcoolismo. Bebedores n o r­
mais não minimizam. Dizem o que
bebem . “ O ntem , n a festa, tom ei dois
uísques com soda” . O alcoólatra,
não. Ele diz que tom ou “ apenas uns
(provavelmente doze) uisquezinhos” .
Você tam bém costum a dizer que
vem exagerando um pouquinho ulti­
m am ente po rque a situação não está
boa. Pois, acredite ou n ão, meu
bem , mas isso tam bém é sintom ático
do alcoolism o. O alcoólatra não con­
segue ver as coisas com o elas são. Ele
vê tudo ao inverso, e sua racionaliza­
ção o convence de que o que ele vê é
a realidade.
Pois não é verdade que você vem
bebendo demais porque a situação
não está boa. A realidade é que a si­
tuação não está boa porque você vem
bebendo dem ais. É o contrário do
que você pensa. A final, está lem bra­
do da vez em que você ganhou a lote­
ria? N unca tivem os um a situação tão
boa. E nunca você bebeu tan to .
O lha, querido, agora estou lhe
falando sério. Eu aprendi que a pes­
soa que ajuda um alcoólatra a fugir
da realidade é um a facilitadora — fa­
cilitando a progressão da doença que
acabará, com absoluta certeza, m a­
tando a pessoa que ela está querendo
proteger. N esta fam ília não vamos
fazer isso m ais.
A partir de agora, você terá que
resolver sozinho qualquer problem a
em que se m eter por causa da bebida.
Nós o iremos aju d ar só em caso de
você estar ferido ou fisicamente
doente. E é claro que o ajudarem os
de to d a form a possível tão logo você
se decida tratar-se. A té então, nos re­
cusarem os a cooperar para a p ro­
gressão de sua doença.
•
CHÁCARA REfNDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20,896
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514}
V
______________ J
a v e m a r ie 31
A L C O O L IS M O
Quando o Alcoólatra diz:
'Eu quero parar de beber".
c brigue-o
e
não
a mostrar esse desejo com ações,
com palavras)
Donald Lazo
Quantas vezes alguma esposa
desesperada, que veio me consultar
- respeito do marido alcoólatra, me
d;sse: “ Não entendo esse meu ma'ido. Eu sei que ele quer parar de beoer. Ontem chegou em casa
bastante alcoolizado e chorando
adoidado. Começou a bater a cabe­
ça contra a parede, gritando; ‘Que
ná comigo? Por que faço essas coi­
sas? Meu Deus, me ajude a parar de
beber’. Coitado, está sofrendo tan­
to. Ele quer parar de beber e não
consegue. Que maldita doença es­
sa, que obriga as pessoas a beber
contra^ua própria vontade?”
Na minha opinião — e é bom
lembrar que sou um alcoólatra recu­
perado que já fez cenas semelhan­
tes inúmeras vezes — não só a
mulher está enganada, mas o alcoó­
latra também. Ele convenceu a si
mesmo, e à mulher, que está louco
para parar de beber e não consegue.
Na realidade, ele não está louco pa­
ra parar de beber. Ele está louco pa­
ra parar com as conseqüências
ruins da bebida, sem ter que parar
de beber. Ele nunca pensou seria­
mente em abandonar a bebida para
sempre, pois nunca lhe foi dito que.
essa seria a única solução para seu
alcoolismo. Aliás, com toda proba­
bilidade, sequer lhe tenha sido ex­
plicado que é alcoólatra. Assim
sendo, há anos ele vem tentando be­
ber igual aos outros, sem se criarem
tantos problemas. Jamais lhe foi di­
to que ele não é igual aos outros —
que quando ele bebe, acontecem
coisas (em seu cérebro) que o levam
a querer beber mais, até o ponto em
que seu beber lhe crie problemas.
Aí, então, é que vem o desespero de­
le. Mas quando ele faz essa cena
teatral toda, com o choro e as bati­
das de cabeça contra a parede (e
qualquer alcoólatra recuperado e
honesto admite que são mesmo ce­
nas teatrais), gritando “ Deus, me
ajude a parar de beber” , o que ele
quer mesmo é parar com as conse­
qüências negativas do seu beber,
sem ter de parar de beber.
Vou lhes contar um segredo de
alcoólatra. Acontece que quando o
alcoolismo foi definido como doen­
ça (e eu concordo com essa defini­
ção), muitos alcoólatras perceberam
que o rótulo de “ doença” levava a
maioria das pessoas a concluir que
o alcoólatra é forçado a beber, pela
doença, contra sua própria vontade.
E isto simplesmente não é verdade.
Quando se diz que o alcoolismo é
doença, está-se dizendo que o beber
de certas pessoas leva essas pes­
soas a desenvolver uma dependên­
cia ao álcool que, por sua vez. as
leva a apelar cada vez mais para
aquela substância que pensam
fazer-lhes sentir-se melhor. A mes­
míssima coisa acontece com pes­
soas que fumam ou que tomam
outras drogas (embora o cigarro crie
uma percentagem de dependentes
bem maior que o álcool;.
Mas chamar alcoolismo de
“ doença” não quer dizer que o al­
coólatra ingere sua droga contra
âua vontade. Contra seu melhor juizo, talvez. Mas não contra sua von­
tade. Quando uma pessoa levanta o
copo à sua boca, mesmo que tenha
dito mil vezes que quer parar de be­
ber, é porque nesse momento ele es­
tá querendo beber. Toda vez que
uma pessoa bebe, seja alcoólatra ou
não, ele bebe porque quer. Se for al­
coólatra, então, a sua dependência
o fará querer beber muito.
A chave da solução do alcoolis­
mo é fazer o alcoólatra querer parar
de beber o suficiente para que supe­
re esses momentos de tentação.
Porque o alcoólatra que quer parar
de beber mesmo, já tem 95% da ba­
talha ganha. Aquele que quer parar
de beber, busca ajuda. E hoje exis­
tem, por todo Brasil, centenas de
grupos de AA onde essa ajuda é dis­
ponível, e gratuita.
Talvez, para parar de beber ele
precise, como eu precisei, de uma
desintoxicação com ajuda médica.
Certamente precisará de informa­
ções sobre sua doença. Terá de
aprender sobre a necessidade abso­
luta de se manter afastado da bebi­
da e outras drogas, não por algum
tempo mas sim. para o resto de sua
vida. Precisará de dicas sobre como
se manter sóbrio. Mas, repito, a cha­
ve de sua recuperação é ele querer
parar de beber. Sem isso, não vai pa­
rar por muito tempo. Querendo, ele
vai descobrir como é fácil superar
sua “ doença” .
Por isso, o conselho que dou às
esposas de alcoólatras que me pro­
curam, pedindo para saber como fa­
zer seus alcoólatras pararem de
beber, é o seguinte: “ Não perca seu
tempo tentando fazer seu marido pa­
rar de beber, pois você não vai con­
seguir. Ele é a única pessoa no
mundo que pode fazer isso. Você de­
ve utilizar sua inteligência e sua
energia no esforço de fazer ele que­
rer parar de beber. Porque isso é al­
go que você pode fazer. Como?
Deixando de ser faciliíadora.
«
ju lh o / 9 0
a v e m a r ia
21
A LC O O LIS M O
Ajudar um
alcoólatra a
"negar" sua
realidade é
mantê-lo
iludido... e
bebendo
D o n a ld L a zo
Um dos fenôm enos mais fa sci­
nantes e menos compreendido do al­
coolism o é a chamada "n e g a ç ã o ".
Quando um alcoólatra chega em ca­
sa às 4 da manhã, cambaleando, ca­
misa rasgada, apoiando-se nas pare­
des, cheirando a pinga e dizendo:
"A m o rz in h o , eu juro que só tom ei
duas cervejinh as", está ele "n e g a n ­
d o "?
Não. Ele está m entindo. D ific il­
m ente um alcoólatra que tom ou uma
garrafa de pinga pensará que só to ­
mou duas cervejas. Não é a isso que
a gente se refere quando fala n3
" n e g a ç ã o " do alcoólatra. A "n e g a ­
çã o ” do alcoólatra não tem nada a
ver com as suas mentiras. Refere-se
à maneira de se iludir, o que lhe per­
m ite ver as coisas de frente para
trás.
Há uma cena maravilhosa num
dos film es que mostram os aos nos­
sos pacientes na Chácara Reindal.
Nela há um médico deitado na cama
com uma expressão facial de gran­
de preocupação. Sua amante, a seu
lado, pergunta se alguma coisa está
errada. "A lg u m problema em ca­
s a ? ", indaga ela. Ora, para quem es­
tá vendo o desenvolvim ento do al­
coolism o do médico e para onde o
está levando, é óbvio que ele tem
m uitas e boas razões para estar
preocupado. (Entre outras coisas,
deve estar preocupado que os cole­
gas com quem montou um consul­
tó rio , e os administradores do hos­
pital onde interna seus pacientes,
para não mencionar sua esposa, vão
descobrir que ele vem passando to ­
da segunda-feira no apartam ento da
am ante, fugindo de suas responsa­
bilidades.) Mas, sua resposta à
am ante é um longo m onólogo que
pronuncia como se fosse um homem
exageradamente preocupado com
suas responsabilidades: " N ã o " , diz
ele, "m e u s problemas são outros. É
que a gente cresce e se m odifica.
Puxa, há tantas coisas que nunca
nos ensinaram. Não nos falaram das
fru stra çõ e s que iríamos passar.
Quando você quer ajudar alguém e
não pode (o m édico tem um pacien­
te que está m orrendo de câncer).
Não nos falaram da angústia de pen­
sar: 'Será que eu sei o suficiente?
Será que aprendi o bastante?' E não
nos contaram sobre a m orte. Nós
não fom os preparados para a m or­
te " .
As pessoas que estão vendo a
cena pela primeira vez fatalm ente
reagem com em patia. "C o ita d o ",
devem pensar, "a g o ra entendo por­
que ele bebe ta n to ."
Mas a cena não está no filme pa­
ra explicar porque o médico bebe.
Está ali para m ostrar um belo exem ­
plo de negação. E mostra como é fá ­
cil aceitar e sim patizar com a nega­
ção do alcoólatra.
A realidade da situação é que es­
se médico vem bebendo demais e is­
so o incomoda. Assim para aliviar
seu desconforto, ele racionaliza. Is­
so é negação: negação da realidade.
O médico está convencido e conven­
ce os outros, que ele bebe porque
sua barra é pesada demais. A cena
é m uito clara. As pessoas pensam
que compreendem m uito bem o
com portam ento do abnegado m édi­
co. Mas a verdade é que nem as pes­
soas e nem o próprio médico com ­
preendem seu com portam ento. Ele
não está bebendo porque sua barra
é pesada demais. Sua barra é pesa­
da demais porque está bebendo, e
ele está vendo as coisas de frente
para trás. Esse m édico não está
m entindo. Ele, honestam ente, crê
que sua pesada carga de responsa­
bilidade é que o deixa num estado
que só a bebida consegue aliviar. Ele
está sinceramente iludido, devido às
centenas de vezes que ele racionali­
zou seu com portam ento nos últimos
anos.
Estou convicto de que a grande
barreira à recuperação da maioria
dos alcoólatras é a facilidade com
que eles levam as pessbas ao seu re­
dor a tam bém acreditaVem nas suas
ilusões. Outro modo de dizer isso é
dizer que a melhor maneira de aju­
dar um alcoólatra é não se deixar le­
var por suas ilusões. (Traduzidas em
cenas d ra m á tic a s co m o a do
médico.)
A s pessoas que convivem com
alcoólatras precisam aprender que o
alcoólatra só bebe por duas razões,
dependendo do estágio em que ele
se encontra: 1.a) antes de tornar-se
dependente, o alcoólatra bebe por­
que gosta. Gosta do ambiente. Gos­
ta quase sempre do sabor. Mas, aci­
ma de tudo, gosta do efeito. Gosta
do que o álcool faz por ele; 2.a) de­
pois que o alcoólatra se torna depen­
dente, bebe porque está dependen­
te. É só isso. Esqueça todas as te o ­
rias psiquiátricas e todas as ju s tifi­
cativas do alcoólatra. O resto é pa­
po furado.
•
N
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo, e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
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o u tu b r o /8 9
a v e m a ria
J
27
Donald Lazo (Diretor da R EIN D AL)
Conhecer as causas que favorecem ou
dificultam o alcoolismo é dever de toda
família responsável por um familiar
alcoólatra.
Po ano passado, tive a oportuni­
dade de tom ar café de m anhã
com o Dr. James R. M ilam, psicólo­
go clínico e fundador do Hospital
Alcenas em Seattle, W ashington.
EUA. Esse hospital se dedica exclu­
sivamente ao tratam ento de alcoóla­
tras e tem um índice de recuperação
que chega quase aos 90% (em con­
traste com as clínicas psiquiátricas
norte-americanas, onde o índice de
recuperação dos alcoólatras não che­
ga a 5%).
Dr. Milam é um a das maiores
autoridades em alcoolismo nos E sta­
dos Unidos, autor de um livro que a
REINDAL pretende lançar no Brasil.
O argumento principal do livro: que
o alcoolismo é uma doença fisiológica
e não psicológica; que o alcoólatra
não tem “ um a personalidade predis­
posta” , como argum entam alguns, e
sim, um organismo predisposto.
Perguntei ao Dr. Milam se ele
considerava imprescindível tratar a
família do alcoólatra junto com o
alcoólatra. “ Tão im portante é” , me
respondeu, “ que, se eu fosse obriga­
do a tratar o alcoólatra OU sua fam í­
lia, às vezes acho que optaria por
tratar a fam ília” .
Por quê? Porque, com o desco­
nhecimento de causa que existe, os
; familiares são grandem ente respon­
sáveis pelo agravamento dessa doen­
ça progressiva. Tudo que eles tentam
fazer para que o alcoólatra “ tome
jeito” só serve para acelerar sua
doença.
Deixe-me dar um exemplo típico.
Alguns anos atrás, fui procurado pe­
la mãe de um alcoólatra. Após meia
76 a v e m a r ia
hora de lamúrias em que ela chegou
a chorar porque seu filho fazia pouco
caso de suas implorações (e, real­
mente, conselhos não eliminam mes­
mo a dependência orgânica de um a
droga!), a conversa foi mais ou m e­
nos assim:
Eu: “ Senhora, que idade tem seu
filho?"
Ela: “ Trinta e seis” .
Eu: “Trinta e seis? Puxa, então
já é adulto! E onde trab alh a?”
Ela: “ Ora. o senhor acha que ele
poderia trabalhar do jeito que ele
bebe? Ele não trabalha há mais de 8
anos” .
Eu: “Mas, então, como é que tem
dinheiro para beber? Afinal, pode se
filar um drinque ou dois aqui e ali.
Mas eu sei de experiência própria
que ninguém paga bebidas para a
gente eternam ente” .
Ela: “ Ah, não sei. Não sei quem
paga as bebidas dele” .
Eu: “Mas. como é que ele vive?
Já que não trabalha e não ganha,
como consegue comer, vestir-se,
com prar cigarros? Onde m ora?”
Ela: “ Bem, ele m ora conosco” .
Eu: “Ah, bom, agora começo a
entender. É a senhora que o sustenta
na bebida” .
Ela: “Absolutam ente. Eu jam ais
lhe pagaria um a bebida” .
Eu: “ Mas, então, onde consegue
dinheiro? A senhora com pra cigarros
para ele?”
Ela: “ Bom. isso sim. Eu lhe dou
um dinheirinho para cigarros e ou­
tras necessidades, coitado. Mas bebi­
da eu não pago” .
Eu: “ Mas a senhora não entende
que a bebida é sua maior necessida­
de? Não será que ele pode estar gas­
tando o ‘dinheirinho' dos cigarros na
bebida?”
Ela: “Ah, isso não sei. Eu sei que
bebida para ele eu não com pro” .
Eu: “ Desculpe-me, senhora, mas
preciso lhe dizer um as verdades um
pouco desagradáveis. A senhora está
m atando seu filho. Por eie estar morando na sua casa, ele não precisa
trabalhar para sobreviver, certo? O
desemprego não lhe traz qualquer
conseqüência negativa porque a se­
nhora supre todas as suas necessida­
des. Assim sendo, ele não tem m oti­
vos para p arar de beber. Mas tem
um a dependência forte como motivo
para beber” .
Ela: “ M as, então, que é que o
senhor me aconselha?”
Eu: “ Aconselho a senhora a dar a
seu filho um a opção. Diga-lhe que
abandone a bebida ou saia de casa, e
depois cum pra. Se ele não largar a
bebida, ponha-o na rua e diga-lhe
que, por mais que a senhora o ame,
não se disporá a continuar ‘facilitan­
do’ seu acesso à bebida” .
Ela: “ Ah, eu não posso fazer isso.
É meu filho” .
Realmente, ela não seguiu meu
conselho, e menos de um ano depois
o filho morreu da cirrose provocada
pelo álcool. Q uando fui visitar a fa­
mília para dar-lhe meus pêsames, o
único com entário que a mãe me fez
foi: “ Pois é. E muito triste. E depois
de tudo que fizemos por ele” !
REiNDAL
ESPECIALIZADA EM
TRATAMENTO DE
ALCOOLISMO
Seguindo os métodos mais
avançados dos EUA,
em 2 semanas a nossa
equipe restabeiece a saúde
física e emocional do
alcoólatra através de
cuidados médicos,
palestras educacionais,
filmes e terapia.
Fone: 520-9514
Cx. Postal 20896
São Paulo, SP
Donald Lazo (Diretor da REIN D AL)
(Crie as condições que nêo lhe
deixem alternativa}.
f sem ana passada apareceram na
1
C hácara Reindal três cavalhei­
ros: um era marido de um a alcoóla­
tra; o segundo era o irmão da mulher
que bebia, e o terceiro era médico e
grande amigo dela e do marido. Vie­
ram , evidentemente, para conhecer a
chácara, m as também para expor o
caso dela. Em bora fosse claram ente
um caso bastante avançado de alcoo­
lismo, disseram que seria difícil con­
vencê-la a se tratar.
Contamos ao marido que o alcoo­
lismo é um a enfermidade muito gra­
ve que, no Brasil, m ata mais de 97%
das pessoas que a desenvolvem. (Um
em cada dez brasileiros a desenvol­
ve.) Explicamos que a dependência
do álcool se intensifica gradativamente e que, quanto mais tempo
passa, m ais dependente — e, portan­
to, mais difícil de recuperar — se
torna o alcoólatra. Em outras pala­
vras, é um a doença fatal na ausência
de tratam ento apropriado, e convém
que o tratam ento se faça quanto
antes.
Sugerimos ao marido que, para
incentivá-la a se tratar, ele deveria se
propor a acom panhá-la durante as
duas semanas em que ela estaria co­
nosco. Áfinal, o nosso tratam ento
consiste somente em desintoxicação
(sob cuidados médicos) e educação
(com palestras, filmes e reuniões de
grupo). Portanto, com a exceção da
desintoxicação, ele aproveitaria a
parte educativa tanto quanto ela e
estaria infinitam ente melhor prepa­
rado para ajudá-la quando ela saísse
daqui.
“ Faça o possível para incentivá-la
a vir” , explicamos ao m arido, “ mas,
em últim a instância, obrigue ela a
vir” !
“ O brigá-la?” perguntou. “ Co­
12 a v e m a r ia
mo? Devemos dar-lhe um a injeção
que a fará dormir para depois acor­
dar aqui dentro? Ou devemos trazê-la à força?”
“Nenhuma das duas coisas” , res­
pondemos, “ inclusive porque o por­
tão da Chácara Reindal fica aberto e
o paciente que quer ir em bora pode
ir. Só que a nossa experiência é que,
chegando aqui e sendo recebido da
m aneira carinhosa com que nós o
recebemos (afinal, vários de nós tam ­
bém somos alcoólatras), ele acaba
ficando” .
“Mas, como obrigá-la, então?”
“ Bem” , explicamos, “ prim eiro é
necessário entender um a coisa. A n a­
tureza da doença alcoólica é tal que o
alcoólatra raram ente quer se tratar.
Trata-se, afinal, de um a dependência
de um a droga da qual o dependente
tem medo de ser privado. Aliás, é
um a das raras enferm idades em que
o doente quer ficar cada vez mais
doente. Reconhecendo isso, vocês te­
riam que adm itir que é, no mínimo,
injusto — e, na m inha opinião, até
cruel — perm itir que um a pessoa,
dom inada por sua necessidade perió­
dica de beber e já sem a capacidade
de lutar sozinha contra sua droga,
continue sem tratam ento apropriado.
Considerando que se trata, nada
mais e nada menos, de salvar a vida
de um a pessoa que perdeu sua capa­
cidade de decisão devido à sua cres­
cente dependência orgânica, VALE
TUDO, ou quase tudo.
É necessário fazer tudo p ara levar
essa pessoa a querer se trata r. Neste
esforço, é impossível ir longe demais,
porque a alternativa — o não trata­
mento em tempo — significá a morte
(lenta, porém garantida) dessa pes­
soa.
Mas, como forçar um a pessoa a
querer se tratar? Explicarei em m aio­
res detalhes em futuros artigos. Em
resumo, aqui, posso responder o se­
guinte: força-se um alcoólatra a que­
rer se tra ta r oferecendo-lhe um a al­
ternativa pior. Para entender a lógica
deste enfoque, precisa saber jduas
coisas: (a) o alcoólatra só p á ra de b e­
ber quando as desvantagens d<j> seu
beber são maiores que as vantagens
(que são imensas); (b) o alcoólatra é
um a.pessoa dependente, não só de
sua droga mas também da fonte do
dinheiro que lhe paga essa droga, e
das pessoas que o ajudam a evitar as
conseqüências do beber exageradamente. Em muitos casos, os fam ilia­
res do alcoólatra preenchem as duas
necessidades: lhe dão o dinheiro p ara
poder com prar bebida (ao mesmo
tem po que lhe oferecem casa, com i­
da, roupa lavada, etc., etc.) e correm
para tirá-lo dos seus apertos toda vez
que bebe demais e cria algum tipo de
crise.
No campo do alcoolismo, estas
famílias têm nome. Nós as cham a­
mos de “ facilitadores” . Vivem im plo­
rando ao alcoólatra que m aneire a
bebida (o que para o alcoólatra já é
um a impossibilidade orgânica), ao
mesmo tem po que facilitam seu aces­
so a ela.
RESNDAL
ESPECIALIZADA EM
TRATAMENTO DE
ALCOOLISMO
Seguindo os métodos mais
avançados dos EUA,
em 2 semanas a nossa
equipe restabelece a saúde
física e emocional do
alcoólatra através de
cuidados médicos,
palestras educacionais,
filmes e terapia.
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Uma açSo vai© por mil palavra s
D o n ald L azo
Basta um elemento da família que tenha
dentro de si a capacidade para reagir
de maneira construtiva, para que a
família do alcoólatra mude
completamente a sua situação.
existe, em um lar, um hoC|irauando
e m alcoólatra, sua esposa e,
digamos, quatro fiihos, existem seis
pessoas doentes nessa casa. São pes­
soas que, devido ao aicoolismo de
uma delas, pararam de crescer, espiri­
tual e emocionalmente. Não se com u­
nicam mais, a não ser através de
agressões. Não há diálogo constru­
tivo. Os membros da família deixa­
ram de procurar compreender um ao
outro, de cooperar entre si, de se
am ar. Enfim , não existe mais uma
“ fam ília” . Existem apenas seis pes­
soas que, sofridam ente, convivem
ju n tas, todas desnorteadas. É por is­
so que o alcoolismo é cham ado a
doença da família. A “ fam ília” , co­
mo instituição, adoeceu. E quando
um a fam ília está doente, ela não po­
de ajudar o alcoólatra no seu meio.
Só pode prejudicá-lo.
Às vezes, contudo, um dos m em ­
bros da família encontra dentro de si
a capacidade para agir de m aneira
construtiva.
Alguns anos atrás eu andava ten­
tando aju d ar um a família dessas. O
pai era o típico alcoólatra na ativa,
resistindo ao tratam ento de toda for­
m a. O resto da família vinha se en­
contrando comigo uma vez por se­
m ana, m as chegou um m om ento em
que senti que não estava havendo
mais progresso. Parecia que estáva­
mos apenas repisando o mesmo ter­
reno a cada encontro. T anto a m ãe
quanto os quatro filhos estavam
sempre zangados, menos a mais jo ­
vem. E la tinha uns sete anos de idade
e era a predileta do pai. E gostava
desse papel. E la gostava de ser “ a
m enina do coração de papai” . JaV
mais se havia m ostrado ressentida
com o com portam ento dele. Ao mes­
m o tem po, nas conversas que eu
m antinha com a família, a m enina
quase nunca abria a boca. Ficava lá
sentadinha... e silenciosa.
Toda vez em que o pai se em bria­
gava, ele abusava verbalmente de sua
família, xingando-os para cima e para
baixo. Mas o seu bode expiatório pre­
dileto era o filho m aior, um rapaz que
tinha seus dezessete anos. Quase sem­
pre, quando o pai se embriagava e se
tornava violento, era o filho maior
que mais apanhava. E quase sempre o
pai acabava expulsando-o de casa. Os
demais saíam correndo para se escon­
der. A mãe se sentia totalm ente inca­
paz de lidar com a situação. N ão sa­
bia o que fazer. O pai alcoólatra ti­
nha a todos muito bem controlados,
aterrorizados diante dele. Nenhum se
atrevia a fazer-lhe frente.
Nos meus encontros com a mãe e
os filhos, uma de minhas metas, ob­
viamente, era tentar inculcar neles um
pouco de autoconfiança, para que al­
gum dia pudessem ter a confiança de
agir de maneiras mais produtivas, ao
invés de sempre reagir, simplesmente,
ao com portam ento dele. No entanto,
para dizer a verdade, eu não tinha
m uita esperança de ver m udanças
substanciais nessa família a curto
prazo. N a m inha opinião, poderia
dem orar meses para eles começar a
m elhorar.
Podem se im aginar, então, a sur­
presa que eu levei um dia quando o
pai telefonou p ara saber se podia se
internar e se tra ta r conosco. A próxi­
m a vez em que me reuni com a fam í­
lia, me contaram o que havia acon­
tecido.
O pai se havia em briagado e, co­
m o de costum e, am eaçara o filho
m aior, forçando-o a sair de casa. Só
que, desta vez, a m enina de sete anos
havia olhado p ara o pai e dito: “ Se
Carlos vai, eu vou tam bém ” . Vestin­
do seu casaco, ela saiu atrás do ir­
m ão. E, então, um por um, o resto
da família havia saído ta m b é m .Ju n ­
tos foram p ara um a pensão onde não
tiveram que ficar mais que alguns
dias. Pois, quando o pai percebeu
que não estavam blefando e que real­
mente não pretendiam voltar até que
ele aceitasse tratar-se, ele ligou para
nóc e veio se trata r. Bem-sucedidam ente, por sinal. Neste caso, o fim
da história é um fim feliz. E deveu-se
a essa m enina de poucas palavras
que, quando decidiu falar, falou o
que precisava p ara salvar um a vida...
e um a fam ília.
•
CHÁCARA REÍNDAL
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aicoolism o
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a v e m a r ia 2 9
A L C O O L IS M O
Os Alcoólatras
Precisam Ser Forçados
a Se Tratar.
D onald L a zzo
e você tives­
se um marido alcoólatra e fosse
procurar algum intergrante de Al­
coólicos Anônimos para que abor­
dasse seu marido e o levasse ao
AA, com toda probabilidade ele se
recusaria a ajudá-la, por uma ra­
zão muito simples. Os AAs sabem,
de longa experiência, que é prati­
camente impossível convencer
uma pessoa estranha (como seu
marido seria para o companheiro
de AA) a procurar ajuda para seu
alcoolismo, utilizando-se apenas
de conversa. Os AAs sabem que é
muito mais provável seu marido
mandar esse companheiro tomar
banho e não se meter na vida dos
outros, acrescentando que ele não
tem problema de bebida, que be­
be só para agüentar a esposa.
Os AAs sabem que o alcoóla­
tra não se convence apenas com
palavras, e palavras são a única
arma que eles têm. Falta-lhes uma
alavanca mais poderosa para for­
çar seu marido a procurar ajuda.
Por isso, o AA declara que não
“ angaria” ou “ recruta” alcoóla­
tras. Não o faz, porque sabe que
não adianta.
Os AAs não têm alavancas,
mas você tem. E deve usá-las.
Um alcoólatra, envolvido no
círculo vicioso do seu alcoolismo,
é cegado pela sua própria nega­
ção. É uma pessoa sinceramente
iludida a respeito do seu beber.
Acha que não bebe tanto assim e
que, quando bebe, o fãz por cau­
sa de problemas externos (como a
mulher incompreensível, o chefe
injusto, o serviço demasiado, a
chuva que não pára, a situação
econômica do país etc.) Na verda­
de, contudo, ele não bebe porque
tem problemas. Ele tem problemas
porque bebe. Porém, as únicas
coisas que vão convencê-lo de que
a bebida o domina e que precisa
de tratamento são os probiemas
que a bebida lhe traz. Esses pro­
blemas constituem a sua alavan­
ca. Você precisa fazer uso deles.
Você não deve nunca resolvê-los
ou aliviá-los. Deixe que aconte­
çam. Depois, mostre a seu alcoó­
latra como seu beber os criou e co­
mo isso prova que ele precisa de
ajuda.
É muito importante lembrar
que todo alcoólatra tem 3 depen­
dências, sendo uma delas a sua
dependência do álcool. Mas, além
do álcool, ele tem duas outras de­
pendências igualmente podero­
sas. Ele depende do seu emprego,
que não só porque é o emprego
que nos dá “ status” no mundo dos
homens, mas porque o emprego
também paga a bebida que o al­
coólatra consome. E também de­
pende, muitíssimo mais do que ele
admitiria, da família (esposa, pais,
filhos). Afinal, é a família que vive
tirando-o dos apertos que ele ar­
ranja constantemente.
Estas necessidades do alcoó­
latra dão poder (ou seja, alavanca)
aos empregadores e aos fam ilia­
res. Em contraste com os AAs, es­
tes sim podem forçar um alcoóla­
tra a se tratar, simplesmente
ameaçando privá-lo de suas ne­
cessidades caso não aceite trata­
mento.
Por exemplo, em última análi­
se, o empregador pode (e deve) di­
zer ao alcoólatra que, se não se
tratar, será dispensado. (Supõe-se
que a empresa já tenha documen­
tado faltas e problemas do funcio­
nário em número suficiente para_
justificar uma dim ensãojderntsr?
Também, em última instância,
a esposa poderá dizer ao marido
alcoólatra que, se não se tratar, irá
perder a família. Logicamente, a
esposa precisa estar absoluta­
mente disposta e preparada para
levar essa ameaça a cabo, caso
seja necessário. Ameaçar e depois
não cumprir é a pior coisa que se
pode fazerl Prova ao alcoólatra
que a força está com ele. É um
convite para que contunue beben­
do à vontade.
Parece cruel, não parece? Pois
de cruel não tem nada. Porque, da­
das essas opções irredutíveis, não
existe um alcoólatra em mil dis­
posto a perder o emprego e a fa­
mília antes de aceitar um trata­
mento. Dadas essas condições,
todo alcoólatra aceita tratar-se,
tornando desnecessárias a demis­
são e a separação.
Cruel mesmo é não forçar o al­
coólatra a se tratar. Cruel é ficar
de braços cruzados, vendo seu al­
coólatra se afundar cada vez mais
num beco sem saída, um beco que
lhe trará cada vez mais sofrimen­
to até que, finalmente, a morte ali­
vie sua dor. Isso é que é cruelda­
de. E isso é o que a maioria das fa­
mílias e das empresa fazem.
a b r il/ 9 1
a v e m a r ia
19
Donald Lazo (Diretor da R EIN D AL)
Os fam iliares dos alcoólatras são os prim eiros que não
devem cruzar os braços diante dos problem as gerados
pela bebida. Não esperem o doente ped ir ajuda, ajam
antecipadamente com compreensão e sem
esmorecimento.
os últimos dois artigos de.sta sé­
rie, espero ter convencido o lei­
tor de que o alcoolismo é um a doen­
ça que deixa emocionalmente enfer­
mas todas as pessoas que convivem
com um alcoólatra. Devido à sua en­
ferm idade — e tam bém a seu desco­
nhecimento de como lidar com um
alcoólatra — estas pessoas, por me­
lhor intencionadas que sejam, inva­
riavelmente agravam a doença do al­
coólatra.
Toda vez que um alcoólatra bebe,
sua doença progride. Q uanto mais
bebe, mais dependente se torna. E
quanto mais dependente se torna,
menos chance existe de ele querer se
tratar. O tratam ento é um a am eaça à
necessidade crescente do alcoólatra
de beber quando e quanto quiser.
Além do mais, quanto mais tempo
passa e mais dependente ficar o alco­
ólatra, mais difícil será recuperá-lo.
O utra infeliz realidade é que, devido
à natureza da doença, o alcoólatra é
geralm ente a últim a pessoa a perce­
ber que está bebendo demais. Ele se
convence de que seu beber é norm al.
Por todas estas razões, cabe às
pessoas que am am um alcoólatra,
convivem com ele e querem ajudá-lo,
tom ar certas iniciativas. O quanto
antes possível. Quero contar-lhes um
incidente que aconteceu uns treze
anos atrás.
Uma noite a esposa de um alcoó­
latra, aflita com o com portamento do
m arido, procurou um grupo de Alco­
ólatras Anônimos (um a organização
de pessoas que se reconhecem alcoó­
latras e se reúnem regularm ente a
fim de am parar-se m utuam ente no
seu esforço comum de manterem-se
afastadas da bebida). Dirigiu-se a
um a das pessoas que estava na sala e
a conversa foi mais ou menos assim:
16 ove maria
Esposa: O senhor é alcoólatra?
Pessoa: Sou, sim, senhora.
Esposa: E conseguiu p arar de
beber?
Pessoa: Sim, graças a Deus, já
não bebo há quatro anos.
Esposa: Então o senhor precisa
me ajudar. Eu gostaria que o senhor
fosse à m inha casa e convencesse
meu marido a fazer como o senhor
fez. O senhor me faria esse favor?
Ora, há duas coisas que todo
membro de Alcoólicos Anônimos sa­
be: (1) que, para abandonar a bebi­
da, o alcoólatra precisa estar conven­
cido de que as desvantagens do beber
superam as vantagens; e (2) que é
praticam ente impossível convencer
um alcoólatra disso com m eras p a ­
lavras.
A conversa continuou.
Pessoa: Normalmente, senhora,
nós não visitamos um alcoólatra a
não ser que o próprio peça a nossa
visita. Caso contrário, sabemos por
experiência que não adianta falar
com ele. O seu m arido pediu a visita
de um membro de AA?
Esposa:: Nunca! Ele diz que não
tem problem a com a bebida, que
bebe quando quer e p ára quando
quer. Aliás, acho que ele me m ataria
se soubesse que eu estive aqui procu­
rando ajuda.
Pessoa: Pois é, senhora. Essa ati­
tude é típica. Norm alm ente o alcoó­
latra não quer ajuda porque, no
fundo, ele não quer p arar de beber.
E, até ele querer, não adianta a gen­
te fazer-lhe um a visita. Ele não vai
nos ouvir.
Esposa: (agora mais desesperada
do que nunca): Mas então que posso
fazer?
Pessoa: Nada. Não há nada que a
senhora possa fazer, a não ser come­
çar a freqüentar, a senhora mesma,
as reuniões de Al-Anon (um a organi­
zação paralela ao AA que am para
familiares de alcoólatra). Aconselho
a senhora a ter paciência. O alcoolis­
mo é um a doença progressiva. Por­
tanto, fatalm ente seu m arido irá pio­
rar, até que algum dia chegue ao
fundo do poço, quando então irá pe­
dir ajuda. Nessa hora, a gente estará
às suas ordens. Mas até então, não
há nada que a senhora possa fazer
por ele.
Foi o conselho mais errado que
um a pessoa poderia ter dado àquela
esposa. Se existe um a coisa que o
fam iliar de um alcoólatra não deve
fazer, é nada. Pois, na verdade, há
m uitas coisas que os familiares de
um alcoólatra não só podem fazer
mas devem fazer, precisam fazer p a ­
ra levá-lo a um tratam ento e recupe­
rá-lo. A única coisa que não devem
fazer é esperar, aguardando o dia em
que o alcoólatra venha a reconhecer
espontaneam ente que precisa p arar
de beber. Porque na m aioria das ve­
zes esse dia não chegará nunca. Na
vasta m aioria dos casos, o alcoólatra
que não for pressionado a se tratar,
acabará m orrendo antes de chegar ao
fundo do poço.
Essa orientação, dada aquela noi­
te por essa pessoa bem -intencionada,
ainda é dada constantem ente em reu­
niões de AA 6 Al-Anon, por pessoas
igualm ente bem-intencionadas. Mas
é lam entável. Porque a orientação
dada aquela noite talvez tenha resul­
tado na morte do m arido daquela
m ulher aflita. De todo o coração es­
pero que não. Porque a pessoa que
deu a orientação foi eu mesmo.
(Meus futuros artigos explicarão o que os fam iliares de um alcoólatra
devem — e não devem — fa zer para levá-lo a uma recuperação.)
Donaid Lazo
Primeira lição para a fam ília do alcoólatra:
Não sejam "faciiitadores"
entender o que um a família
Para
deva fazer a fim de levar o bebedorproblema no seu meio a querer se tra ­
tar, é necessário compreender bem a
situação real. Existe um membro da
família, envolvido por um a condição
progressiva, que, inevitavelmente, o le­
vará à loucura ou à morte prem atura,
se não abandonar o álcool totalmente
e para sempre. Contudo, é caracterís­
tico desta doença que a vítima não
perceba sua condição e não queira sa­
rar. Quanto mais beber, mais doente
ficará, e mais quererá e precisará be­
ber. Se deixar por conta do alcoólatra,
m orrerá da bebida.
Cabe aos que não estão dependen­
tes da droga — os membros da famí­
lia do alcoólatra e/ou seus superviso­
res na empresa onde trabalha (se ain­
da trabalha!) — forçá-lo a querer se
tratar, pois a cruel alternativa seria
deixá-lo progredir por esse caminho
tortuoso em direção à morte.
Que devem fazer? Obviamente,
não ficar de braços cruzados, pacien­
temente aguardando enquanto o al­
coolismo corrói as finanças, o moral,
o espírito, a saúde e a mente da
vítima. Devem fazer algo, enquanto
houver tempo. Algo não, várias
coisas. Mas, a prim eira delas é obri­
g ar o alcoólatra a responsabilizar-se
por sua própria vida.
E im portante entender que, até o
alcoólatra abandonar a bebida, toda
“ajuda dada a ele será uma ajuda a
continuar bebendo. Casa, comida,
roupa lavada, emprego garantido na
firma do parente, dinheiro em presta­
12 a v e m a r ia
do — tudo aquilo é terrivelmente con­
traproducente. O dinheiro que a fa­
mília lhe poupar fornecendo-lhe essas
necessidades, ele gastará na bebida.
Além do mais, essas “ ajudas” privam
o alcoólatra de sua dignidade. Servem
somente para minar sua autoconfian­
ça, tornando-o cada vez mais depen­
dente dos que o estão am parando. E,
ao invés de agradecer, o alcoólatra se
revoltará, justam ente contra aqueles
que estão tentando salvá-lo. Essa re­
volta o levará a beber mais ainda.
Estou me dirigindo especialmente
aos pais que, com o intuito de evitar
situações desagradáveis ou até crises
perigosas, acolhem o filho alcoólatra,
suprindo todas as suas necessidades.
Acham que amar é ajudar, mas isso
depende. Amar é ajudar a crescer,
material e espiritualmente. Sobretudo,
espiritualmente. O amor não pode
existir sem responsabilidade, discipli­
na e justiça. Dar “ ajuda” sem exigir
essas qualidades é acabar por destruir
o amor.
E um mito pensar que alcoólatras
chegam a concluir, espontaneam ente,
que estão correndo perigo e devem se
tratar. As vítimas desta enfermidade
rarissimamente se submetem a tra ta ­
mento espontaneam ente. Tipicam en­
te, eles chegam a reconhecer a neces­
sidade de m udar o rum o de suas vidas
através da acumulação de crises que,
no fim, não suportam mais. São for­
çados a procurar ajuda e quando não
o fizerem, morrem miseravelmente.
As crises que todo o m undo tenta evi­
tar são justam ente as experiências
que acabam levando o alcoólatra a re­
conhecer sua situação. Volto a frisar
aos pais: é necessário am ar seus filhos
alcoólatras o suficiente para perm itir
que sofram as conseqüências destas
crises que resultam de seu alcoolismo.
Evitar as crises poderá ser mais cômo­
do para vocês, porém garantirá a p ro­
gressão da doença fatal de seus filhos.
Se o alcoólatra fosse meu filho, eu
lhe falaria desta m aneira: “ Você afir­
m a que não tem um problem a de b e­
bida, que o álcool não te faz mal, que
você bebe quando quer e p ára quando
quer. Mas, por tudo que eu tenho
aprendido, me parece que você tem
um a doença cham ada alcoolismo, e
para esta doença a única solução é
deixar de beber definitivamente. Até
agora pensei que m inha ajuda finan­
ceira e meus conselhos o levariam a
compreender isto, mas estou vendo
que não é o caso. Meus conselhos te
magoam e m inha ajuda m aterial só
serve para alimentar tua dependência.
“Não me disponho a continuar
prejudicando-o. Vou lhe dar até o fim
do próximo mês para arrum ar um
emprego — um emprego qualquer — ,
conseguir um lugar para m orar e sair
desta casa. Não quero mais ser cúm ­
plice de tua destruição. Eu te amo de­
mais para fazer isso. Do momento
que você sair de casa, a única ajuda
material que estarei disposto a te
prestar será o financiam ento de um
tratam ento para seu alcoolismo, tão
logo você sentir que precisa dele” .
PROBLEMA
DE
BEBIDA?
0 tratam ento, ou internação, na-REINDAL emprega
as mais avançadas técnicas utilizadas em conceitua­
dos centros de reabilitação norte-am ericanos.
REINDAL - Recuperação Integral do Doente Alcoólatra
Rua Augusta, 2676 - Cx. Postal 20.896 - T e ls.: 520-9514 e
63-5437 - São Paulo - SP.
D onald Lazo
As armas do alcoólairci
P a rte de u m a série de artigos sobre o alcoolism o. O a u to r, D r. Lazo,
sociólogo, engenheiro in d u strial e d ireto r d a R E IN D A L (C entro de
ed u cação e tra ta m e n to p a ra alco ó latras), é, ele m esm o, u m alco ó latra
recu p e ra d o h á m ais de quinze anos.
alcoolismo é um a doença progres­
O siva.
Ao passar dos anos, as ressa­
cas após as bebedeiras se tornam cada
vez mais dolorosas, física e emocional­
mente. E o veneno que causa as ressa­
cas — o álcool — se torna um remédio
cada vez mais necessário para aliviálas. Está criado o círculo vicioso do
qual pouquíssimos alcoólatras fogem:
mais bebida, mais deterioração e an­
gústia, portanto, mais bebida, e assim
até a morte prem atura ou a loucura
permanente.
Para assegurar-se de que pode ape­
lar para seu “remédio” toda vez e na
hora que precisar, o alcoólatra necessi­
ta dominar as pessoas que o rodeiam.
Para isso, ele se utiliza de duas armas:
a confusão e o medo. A capacidade do
alcoólatra de m anipular os membros
de sua família — sobretudo a esposa e
a mãe — com estas duas armas é ex­
traordinária.
A primeira arma do alcoólatra é
sua habilidade de provocar nos outros
a raiva, a gritaria, as ameaças — en­
fim, a confusão. No momento que um
membro da família ou um amigo se
enfureça, perde sua capacidade de
ajudar o alcoólatra. Consciente ou in­
conscientemente, o alcoólatra projeta
nos outros o ódio que sente de si mes­
mo. Se este ódio for retribuído por ata­
ques furiosos, o alcoólatra encontrará
as justificativas de que precisa para
beber novamente. É o que queria fazer
em primeiro lugar.
A segunda arma do alcoólatra é
provocar a ansiedade nos membros de
sua família. Isto os obriga a fazer pelo
alcoólatra aquilo que deveria ser feito
por ele mesmo. O cheque sem fundos
ilustra bem o caso. Quando a ansieda­
de da família (sobre o que acontecerá
se o cheque não for resgatado) se torna
suficientemente intensa, eles arranjam
o dinheiro e cobrem o cheque. Isto ali­
via a ansiedade da família mas piora o
problema do alcoolismo. Aumenta o
sentimento de fracasso e culpa do al­
coólatra, para não falar na hostilidade
da família. Tudo isto fornece o motivo
e as justificativas para que o alcoólatra
beba mais ainda. E enquanto a família
continuar “ quebrando seus galhos” e
fornecendo uma saída automática p a­
ra as conseqüências do seu beber, o al­
coólatra continuará negando que a be­
bida lhe faz mal.
A confusão e a ansiedade precisam
ser evitadas pela família, senão a famí­
lia contribuirá para a progressão da
doença. A família do alcoólatra deve
procurar a ajuda fora do círculo de
seus parentes, amigos ou vizinhos. A
ajuda deveria vir de pessoas com bas­
tante conhecimento de causa.
Se você quiser ajudar um alcoóla­
tra na sua família, precisará primeiro
encontrar as forças para resistir às m a­
nipulações do bebedor. Recomendolhe procurar o Grupo Familiar de AlAnon mais próximo e aconselhar-se
com os membros experientes desse
grupo. Os endereços dos Grupos Fa­
miliares de Al-Anon no Brasil podem
ser obtidos escrevendo para:
Grupos Familiares de Al-Anon
Rua Capitão Salomão, 40 - Sala 904
Caixa Postal 2034, São Paulo, Capital.
PROBLEMA
DE
BEBIDA?
O tratam ento, ou internação, na-REINDAL emprega
as mais avançadas técnicas utilizadas em conceitua­
dos centros de reabilitação norte-am ericanos.
REINDAL - Recuperação Integral do Doente Alcoólatra
Rua Augusta, 2676 - Cx. Postal 20.896 - Tels.: 520-9514 e
63-5437 - São Paulo - SP.
o v e m a r ia 15
O papel da fam ília
que tem um alcoólatra
Parte de uma série de artigos sobre o alcoolismo. O autor, Dr. Lazo,
sociólogo, engenheiro industrial e diretor da REINDAL _(Centro de
educação e tratamento para alcoólatras), é, ele mesmo, um alcoólatra
recuperado há mais de quinze anos.
é um a das maiores fontes
A família
de bem -estar, carinho e apoio
que existem. Em muitos de nossos la­
res há alegrias e momentos inesquecí­
veis que nos unem: as gargalhadas
das crianças quando a família inteira
está junta; a ocasião em que fizemos o
piquenique no campo; o dia que feste­
jamos o batismo da caçula.
Em alguns lares, porém, estas ale­
grias são afogadas porque um mem-
o o
PROBLEMA
DE
BEBIDA?
0 tratam ento, ou internação, na REINDAL emprega
as mais avançadas técnicas utilizadas em conceitua­
dos centros de reabilitação norte-americanos.
REINDAL - Recuperação Integral do Doente Alcoólatra
Rua Augusta, 2676 - C x. Postal 20.896 - T els.: 520-9514 e
63-5437 - São Paulo - S P .
E
16 ave maria
bro da família tem um problem a sério
— um problema de bebida. E um
problema da família inteira, porque o
alcoolismo é um a doença que “conta­
gia” todos que convivem com o bebe­
dor descontrolado. Felizmente, junto
— como família — o problem a pode
ser resolvido.
Como outras doenças, o alcoolis­
mo é tratável. E quanto antes for tra ­
tado, maior será a chance de recupe­
ração. Em contraste com outras doen­
ças, porém, o alcoolismo não se cura
com remédio. A reabilitação do alcoó­
latra requer sua própria cooperação,
mas antes requer a compreensão, de­
dicação e coragem de sua família.
Infelizmente, neste campo existe
muito desconhecimento e muitos m i­
tos que impedem a adoção das m edi­
das apropriadas por parte da família.
Por exemplo, é comum ouvir frases
como estas: “Não adianta tentar aju­
dar um alcoólatra que não quer ser
ajudado. Ele precisa querer p arar de
beber, e para isso precisa chegar ao
fundo do poço — quer dizer, perder o
emprego, o lar, a saúde e a família.
Até chegar a esse ponto, nada se pode
fazer” .
Eu mesmo disse essas frases du­
rante muitos anos. Hoje sei que não
somente são erradas, senão imorais.
•Porque devido a sua crescente depen­
dência psicológica e física da bebida,
a vasta maioria dos alcoólatras morre­
rá antes de chegar ao fu n d o do poço.
E preciso elevar o fundo do poço para
que este atinja os alcoólatras. Eles te­
rão que ser obrigados a se tratar.
M as, como? Como obrigá-los, se
não querem? A resposta é esta: exis­
tem maneiras de levá-los a quererem.
E estas maneiras não só podem senão
devem ser postas em prática.
O fato é que, com raras exceções,
o alcoólatra decidirá procurar um a
solução para sua situação somente
quando esta se torne insuportável. E
cabe à família — junto com as outras
pessoas que gostariam de salvar esta
vida — perm itir que ela se torne insu­
portável, por cruel que isto possa p a ­
recer. Existem, afinal, diferentes m a­
neiras de aplicar o amor pregado por
Cristo. Deixar que um a pessoa —
presa a um a droga — continue seu ca­
minho lento mas inexorável em dire­
ção à um a morte horrível certam ente
não é um a delas.
Primeiro, porém , é preciso que
mudem m uitas coisas dentro do lar.
Porque, como já foi dito, num lar on­
de existe um alcoólatra, todas as pes­
soas estão doentes. E pessoas doentes
são fáceis de m anipular. E justam ente
isto que o alcoólatra faz, por ter um a
necessidade imperiosa de usar — na
hora que precisar — a droga à qual
está preso. Para isso, ele se utiliza de
duas arm as principais. Os demais
membros da família precisam se de­
fender contra estas armas ou se to rn a­
rem, eles mesmos, escravos da d o en ça..
Próximo artigo:
A S A R M A S DO A LC O Ó L A TR A
D onald Lazo — Diretor da REIN D AL
:
F322
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llï t c
fcí S3
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Sa.
As recaídas em
alcoolismo são coisas
que acontecem com
freqüência. Por isso,
os familiares não
devem esmorecer ou
perder a esperança.
artigo eu disse que to­
N odasúltimo
as pessoas que convivem por
alguns anos com um alcoólatra aca­
bam sendo “contagiadas” pela doen­
ça. Tornam-se em ocionalmente tão
doentes quanto o próprio alcoólatra e
passam a exibir (sem ser elas mes­
mas alcoólatras) quase todos os sinto­
mas do alcoolismo: a angústia, irrita­
bilid ad e, depressão, fru straçã o ,
agressividade, incapacidade de se co­
m unicar adequadam ente, culpa, ver­
gonha, ressentimentos, etc.
A m edida que os demais m em ­
bros da família de um alcoólatra fo­
rem sentindo toda a gam a de emo­
ções negativas associada ao alcoolis­
mo, irá se deteriorar a saúde m ental e
emocional dessas pessoas. E à m edi­
da que o alcoólatra perceba (mesmo
que apenas vagamente) o sofrimento
que o seu beber está causando, ele
também se sentirá cada vez mais cul­
pado.
Esforçar-se-á p ara controlar a be­
bida (coisa que alcoólatra algum p o ­
de fazer por m uito tempo) ou para
desistir dela (que todo alcoólatra p o ­
de fazer... por algum tem po, que va­
ria de poucos dias até um ano ou
mais). D urante os períodos de absti­
nência do alcoólatra, seu cônjuge e fi­
lhos sentirão um alívio profundo, es­
perando que finalmente tenha sido
resolvido o problem a de um a vez por
todas. (“ Parece que, desta vez, Re­
nato finalmente tom ou vergonha na
cara” .)
Porém, se não for adequadam en­
te tratado — e, no Brasil, quase nun­
ca o é — o alcoólatra fatalm ente vol­
tará a beber, pois se trata de um a
12 ave maria
doença caracteristicamente m arcada
por relapsos (ou “recaídas” , como fa ­
lam os AAs).
A palavra sobriedade significa
mais do que abstinência: ela significa
abstinência com serenidade, um esta­
do espiritual sumamente desejável no
alcoólatra. E a sobriedade perm a­
nente raram ente ocorre em alcoóla­
tras que não compreendem a gravi­
dade de sua doença e que não p ro ­
curam o desenvolvimento espiritual e
emocional necessário para detê-la. ■
Assim sendo, quando ocorre a re ­
caída, há um a sensação fulm inante
de decepção por parte de todos os
membros da família, incluindo o p ró ­
prio alcoólatra. A esposa se sente
traída. Seu marido havia prom etido
que, desta vez, ia p arar mesmo. Que
nunca mais iria pôr um a gota sequer
de álcool na boca. Falou com tan ta
sinceridade que a esposa acreditou
nele (pensando, erradam ente, que
bastaria seu desejo nesse m om ento
para que ele se mantivesse afastado
da bebida). Acreditou nele, renasce­
ram suas esperanças e, mais um a
vez, as esperanças foram frustradas.
Esse processo de esperanças reno­
vadas e frustradas se repete m uitas
vezes na família de um alcoólatra.
Até que chega a hora em que nin ­
guém mais se atreve a ter esperanças.
Ao desaparecer a confiança na fa­
mília, as comunicações entre os
membros se tornarão cada vez mais
difíceis. Q ualquer intim idade que
possa haver existido esvanecerá à m e­
dida que cada pessoa na família tente
conviver com suas próprias aflições,
dúvidas e insegurança.
Como já disse, a pessoa que bebe
magoa justam ente as que mais a
am am . E sente remorso quando p er­
cebe que está causando sofrimento.
Por sua parte, os outros m em bros da
família reagem às mágoas causadas
pelo alcoólatra e tentam fazê-lo so­
frer. No fim, as reações se tornam a
norm a. Todo o m undo vive reagindo
e criando um a tensão constante.
Talvez a emoção mais devastado­
ra que todos experim entarão é a soli­
dão. Tanto os que am am um alcoóla­
tra quanto o próprio acharão que
ninguém com preende o que estão
sentindo, e que ninguém poderá
ajudá-los.
Mas existe ajuda. De todas as
doenças crônicas, 0 alcoolismo —
quando tratado apropriadam ente —
tem um dos mais altos índices de re ­
cuperação. Esse tratam ento “ apro­
priado” forçosamente inclui tra ta ­
m ento de pelo menos o cônjuge tam ­
bém . Idealm ente, deveriam se trata r
todos os membros da família, pois
volto a repetir: estão todos doentes.
Que nenhum a esposa de um al­
coólatra jam ais diga: "Eu me tratar?
Por que eu? O doente é ele, não eu!”
Essa frase, que eu já ouvi dezenas de
vezes, prova que o cônjuge exibe os
mesmos sintomas do alcoolismo que
o alcoólatra. Pois m ostra que ela
tam bém não pode ver o quão doente
está.
REINDAL
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palestras educacionais,
filmes e terapia.
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Cx. Postal 20896
São Paulo, SP
Donald Lazo (Diretor da R E IN D A L)
0 alcoolism o afeta
também aqueles que
fazem parte do círculo
m ais íntimo do
alcoólatra. Por isso ,
todos os da família
devem ser ed ucad os
para lidar com a
enfermidade.
7 a últim a semana de maio deste
ano assisti a uma conferência
em Valley Forge, Pensilvânia, sobre
"o Alcoolismo e a Fam ília” . Pales­
traram nessa conferência dez das
maiores autoridades do m undo em
alcoolismo, incluindo as duas m ulhe­
res que mais entendem dos proble­
mas familiares provocados pela doen­
ça (Sharon Wegscheider e Stephanie
Abbott Leary). A opinião que se re­
petia vez após vez durante toda a
conferência, e que começa a ser cada
vez mais aceita entre os que estamos
procurando salvar as vidas de alcoó­
latras, é a de que o cônjuge do alco­
ólatra precisa e merece ser tratado
tanto quanto o alcoólatra.
Falaram -m e que é no mínimo
cruel, e muitos o consideram até inú­
til, tratar o alcoólatra sem tam bém
trata r seu cônjuge. Muitos centros de
tratam ento nos Estados Unidos vão
mais longe: eles tratam a fam ília in­
teira, inclusive toda criança acim a de
quatro anos de idade. O utros se re­
cusam a trata r o alcoólatra, se não
for acompanhado de pelo menos um
membro da família durante algum a
parte do tratam ento. (Na Reindal,
por enquanto, somos os únicos no
Brasil que recebemos casais para se­
rem tratados. Q uando não têm onde
deixá-los durante duas semanas, tra ­
zem os filhos tam bém . Vamos mais
longe, até. Reconhecendo como o al­
coolismo afeta todos os membros da
família, nos casos em que o alcoóla­
tra se recusa a se tratar — que é
quase sempre — recomendamos que
venha fazer o tratam ento prim eiro o
cônjuge. Já tratamos duas esposas
cujos maridos alcoólatras vieram de­
pois, graças às m udanças percebidas
em seu conjugues).
O raciocínio é o seguinte. Pouco
adianta tratar e educar um alcoólatra
para depois devolvê-lo a um lar onde
continuam vivendo quatro ou cinco
pessoas emocionalmente doentes (do
alcoolismo do alcoólatra) que não
aprenderam a lidar com essa enfer­
midade. Devido ao desconhecimento
dos demais membros da família, é
quase inevitável que conseguirão levai
o alcoólatra de novo à bebida, pondo
a perder todo o esforço que foi feito
com ele.
A verdade inegável é de que toda
família que tenha no seu meio um
alcoólatra se torne uma fam ília doenic e desajustada. Toda pessoa que
convive por alguns anos com um al­
coólatra, “ contagia-se” e fica engaja­
da na doença, desenvolvendo a mes­
ma deterioração emocional que o
próprio bebedor exagerado. Os sinto­
mas da doença dos demais membros
da família, curiosamente, são os sin­
tomas do alcoolismo: angústia, irrita­
bilidade,
depressão,
nervosismo,
frustração, agressividade, insônia,
tremedeiras, etc. — enfim, todos os
sintomas associados com o alcoolis­
mo, salvo o beber descontrolado.
Dois anos atrás conheci um a m u­
lher cujo m arido era alcoólatra. Sabe
qual dos dois perdeu o emprego? Ela!
Devido a seu estado emocional, ela
não conseguia dorm ir à noite. Seu
cansaço começou a afetar seu desem­
penho no escritório (era secretária
executiva) e, no fim, não conseguia
trabalhar mais. O utra esposa que co­
nheço começou a tom ar tranqüilizan­
tes e soníferos para suportar o dia e
dormir à noite. Aos poucos descobriu
que era necessário tom ar cada vez
maior quantidade de calmantes para
obter o mesmo efeito (sintoma de
uma dependência que vai se instalan­
do). No fim, ela precisou ir a um
hospital para se desintoxicar e se tra ­
tar de sua dependência.
Muitos anos atrás, quando minha
esposa e eu nos reuníam os sem anal­
mente com as presas no Presídio Fe­
minino de C arandiru (SP), conheci
uma moça maravilhosa que estava
casada com um alcoólatra. Um a noi­
te ele havia chegado em casa alcooli­
zado e arm ado, e aprontou um a b ri­
ga. Apavorada, ela tentou tirar-lhe a
pistola e, naquela confusão toda, a
arm a disparou e o m arido ficou feri­
do. Quem foi presa foi ela! E, en­
quanto ela cum pria a sua pena, o
m arido continuava bebendo e apron­
tando lá fora. Sequer ia visitá-la.
Às vezes, em reuniões de Alcoó­
licos Anônimos a que tenho assistido,
ouço algum alcoólatra dizer: “Graças
a Deus eu nunca atingi mais ninguém
com o meu alcoolismo. A única pes­
soa afetada foi eu mesmo. Inclusive
porque em casa nunca faltou nada.
Tem carro na garagem, televisor em
cores, geladeira nova” . E eu pensava
com meus botões: “ Seu alcoolismo só
não afetou mais ninguém se você
passou os últimos vinte anos sozinho
em algum a ilha. Na sua casa não
faltou nada, salvo um marido e um
p a i”.
Sim, o alcoolismo de um membro
da fam ília afeta todos os que convi­
vem com ele e muitos que não fazem
parte de seu círculo mais íntimo. A
reação dos demais membros da fam í­
lia à m aneira de beber do alcoólatra
leva-os a um a perturbação emocional
desgastante. (M uitos acham que o
tum ulto é particularm ente severo
quando o alcoólatra da família é m u­
lher.) C ada alcoólatra destrói emo­
cionalmente no mínimo três ou qua­
tro outras pessoas. E isso significa
que m etade da população desta g ran­
de Nação está sendo seriamente afe­
tada por esta doença devastadora.
REINDAL
ESPECIALIZADA EM
TRATAMENTO DE
ALCOOLISMO
Seguindo os métodos mais
avançados dos EUA,
em 2 semanas a nossa
equipe restabelece a saúde
física e emocional do
alcoólatra através de
cuidados médicos,
palestras educacionais,
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ove m a r ia 13
ALCOOLISMO:
A doença que
pode aniquilar
AL-ANON:
A irmandade que
pode salvar
D o n a ld Lazo
(c o n tin u a ç ã o )
ma das premissas mais difíceis
de aceitar por parte dos recémchegados a um grupo fam iliar de AlAnon é a de que o cônjuge do alcoó­
latra também está doente. “ Ele é que
tem o problema, eu não” é o refrão
ouvido constantemente. E, de fato, o
cônjuge ou fam iliar não está doente
da mesma form a que o alcoólatra.
Mas as aflições que a “ co-alcoólatra ” tem de suportar podem muitas
vezes produzir uma form a de doen­
ça — psíquica, emocional e até físi­
ca — que é tão real quanto a do al­
coólatra. Em alguns casos, poderá
requerer tratam ento até mais urgen­
te. "O alcoólatra, pelo menos, é
anestesiado uma parte do te m p o” ,
explica uma autoridade, “ mas a coalcoólatra sofre o peso inteiro do pro­
blema 24 horas por d ia ” . (Se bem
que é extrem am ente com um encon­
trar a esposa de um alcoólatra já vi­
ciada nos calm antes ou soporíficos
que lhe foram receitados pelo m édi­
co que ela procurou para aliviar seu
nervosismo.)
Uma das opiniões de Al-Anon é
que o cônjuge de alcoólatra precisa
ter sua sanidade restaurada, e isto às
vezes deixa os recém-chegados per­
plexos, pois eles não percebem que
precisam daquilo. Do jeito que elas
vêem o problema, é o alcoólatra que
se com porta irracionalm ente, ce rta ­
mente não elas. Mas os participan­
U
26
ave maria
tes mais antigos de Al-Anon lhes per­
guntam, gentilmente: “ Alguma vez
você jogou toda a bebida em casa
pela pia? Não lhe ocorreu que o al­
coólatra simplesmente sairia e com ­
praria mais? Quer dizer, você não
entendia que estava m eram ente jo ­
gando dinheiro pela pia? Considera
isso um com portam ento são?
Ou alguma vez ficou tão furiosa
e enojada que esvaziou a garrafa na
cabeça de seu alcoólatra que dormia
no sofá? Ou jogou alguma coisa que
quebrou e depois teve que recolher
os pedaços sem ter conseguido qual­
quer resultado positivo?
Está perm itindo que sua vida se­
ja governada inteiramente pela doen­
ça de seu alcoólatra. Você fica
censurando-o e fazendo-lhe ser­
mões, perdendo tem po e energia na
tentativa de forçá-lo a parar de be­
ber? Nunca deu para ver o quão inú­
teis são todas essas manobras?”
Aos poucos, os iniciantes com e­
çam a inclinar a cabeça. “ Nunca vi
a coisa desse ponto de vista” , dizem,
admirados.
O programa de Al-Anon tenta ex­
plicar por que um com portam ento
são, equilibrado e consistente é tão
necessário. Explica que a esposa que
age por ignorância e desespero só
conseguirá prolongar os anos de be­
bida e a agonia que os acompanha.
Toda vez que ela grita, xinga, chora
e joga coisas, ela dá ao alcoólatra a
justificativa que ele quer para sair e
beber. “ Se você tivesse que viver
com aquela doida, você beberia tam ­
bém ” , ele explica para os amigos.
Com certeza, a esposa deveria
aprender a desligar-se do problema
do alcoólatra (já que não adianta dar
sermões, xingar etc.) e deixar que ele
aceite a responsabilidade pelos seus
atos.
to do alcoólatra é tempo perdido. Por­
que aí os dois estão tentando fazer
o impossível: o marido está em pe­
nhado em controlar a bebida, e a es­
posa está empenhada em controlar
o marido. Como já tenho explicado
em inúmeros artigos: não adianta
tentar fazer o alcoólatra parar de be­
ber. Todo o seu esforço e toda a sua
energia deveriam ser despendidos
para fazer o marido QUERER parar
de beber, o que é algo muito di­
ferente.
Mesmo depois de aceitar que o
alcoolismo é uma doença, muitas coalcoólatras ainda não adm itirão o
quanto elas mesmas têm sido afeta­
das. “ É difícil para as pessoas reco­
nhecer como nós alcoólatras 'trans­
m itim os' nossa doença a nossos fa ­
m iliares” , diz um ex-bebedor que já
está sóbrio há muitos anos. “ Não que
elas cheguem a beber, também. Mas
se tornam psicologicam ente em pe­
nadas. Na A l-A non, te n ta -s e
endireitá-las.”
Ninguém duvida que exista uma
necessidade deste tipo de ajuda no
nosso país. Estima-se que o número
de alcoólatras no Brasil chegue a 12
milhões, e que cerca de 60 milhões
de brasileiros são co-alcoólatras. •
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
60 m ilhões de b rasileiros
Acim a de tudo, a co-alcoólatra
precisa entender que o tem po gasto
tentando controlar o com portam en­
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01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
V
________________ /
A LC O O LIS M O
%
%
'%
''Uma vez que
casar comigo,
não beberá
tanto ' 7
(pensa e lã )
D o n a ld L a zo
T“ I
y
m um de meus artigos anterio*_=J res, mencionei um fato inacre­
ditável, porém verdadeiro: 70% das
■ lhas de alcoólatras, quando cres­
cem, ou se tornam elas mesmas al­
coólatras (apesar de jurar que "eu
nunca vou ser como mamãe") ou ca­
sam com alcoólatras (apesar de insis­
tir que "eu nunca vou cometer o erro
que mamãe com eteu").
E fácil explicar porque tantas fi­
lhas de alcoólatras se tornam deoendentes também. É que a pre­
disposição orgânica ao alcoolismo
tem aspectos genéticos. Quando
jm a filha herda a predisposição e,
mais tarde, passa a beber (e, no Bra­
sil de hoje, cada vez maior número de
moças estão passando a beber), é só
questão de tem po e ela começará a
mostrar os sintomas da doença que
estará desenvolvendo. Se um dos
oais for alcoólatra, quase 25% das fihas le filhos) se tornarão alcoólatras.
Se ambos os pais forem alcoólatras,
aproximadamente 50% das filhas de­
senvolverão a dependência ao álcool.
E as outras? Como explicar a al­
ta percentagem (20% a 45% ) que,
contra todo bom senso, acabam ca­
sando com alcoólatras? Será que es­
tão cegas? Será que não podem ver
que o beber de seu namorado está
he criando problemas, tanto emocio­
nais quanto sociais, econômicos, esCirituais e de personalidade?
Não, não estão cegas. M uito pe­
io contrário: são justam ente os pro­
blemas que o rapaz têm que atraem
f
%
24
a v e m a r ia
ja n e ir o /9 0
a filha do alcoólatra. Ela é atraída a
m oços que têm problemas. Ela sen­
te uma necessidade m uito grande de
resolvê-los!
A explicação é interessante.
Quando ela era jovem, vivia em um
ambiente em que ter problemas era
o normal. Ela nunca conheceu uma
vida sem problemas. Papai costum a­
va chegar em casa alcoolizado e mal­
humorado, sempre procurando en­
crenca. Por sua vez, mamãe passava
o tem po todo ou gritando ou choran­
do. Cada um dos filhos se adaptava
a essa situação à sua maneira. O m o­
do que a filha encontrou de lidar com
a situação era sempre tentar fazer a
vontade de papai, corisolar mamãe,
cuidar dos irmãozinhos, limpar a ca­
sa, tirar boas notas na escola, etc. Em
outras palavras, ela virou a assisten­
te social da família, correndo o te m ­
po todo para resolver os problemas
dos outros. Este era o papel que ela
aprendeu a representar. Era nesse pa­
pei, e só nesse papel, que ela se sen­
tia útil e cômoda.
E um belo dia ela conheceu um
moço problemático — o tipo que pre­
cisa de uma mãe, enfermeira, consoladora e assistente social (mesmo
que se conforme de forma a escon­
der estas suas necessidades). Ela co­
meça a cuidar dele, aconselhá-lo,
ajeitar sua gravata, resolver seus pro­
blemas, enfim, representar o papel no
qual ela se sente bem. Aos poucos,
os dois passam a acreditar que nas­
ceram um para o outro. E, de uma for­
ma doentia, nasceram mesmo!
Quando a "assistente social" da
família de um alcoólatra acaba casan­
do com outro alcoólatra, ela natural­
mente continuará exercendo seu
papel de assistente social. Só que ago­
ra o papel tem outro nome. Ela se to r­
na uma "facilitadora", a pior esposa
possível para um alcoólatra.
Em grande número de casos, o
casamento termina... ou pelo divór­
cio ou pela morte do alcoólatra. E sa­
be o que vai acontecer com a
divorciada viúva? Passados alguns
anos, ela conhecerá outro homem e
sentir-se-á atraída por ele tam bém ,
até acabar casando pela segundo
vez... com outro alcoólatra. Acreditem
ou não, conheço filhas de alcoólatras
que tiveram três maridos, todos os
três alcoólatras.
Estas mulheres também estão
doentes. Sua doença é apelidada
"co-alcoolismo". Curiosamente, o tra­
tamento para elas é o mesmo tra ta ­
mento que recupera alcoólatras: parar
de tomar drogas (grande número des­
tas esposas se viciou em tranqüilizan­
tes ou soníferos), praticar os doze
passos e tentar servir a Deus ajudan­
do outras pessoas.
É por isso que, na Chácara Reindal, costum am os tratar o casal e não
somente a alcoólatra. E é por que
existe uma irmandade para esposas
de alcoólatras (Al-Anon) igualzinha à
irmandade de Alcoólicos Anônimos.
É difícil encontrar uma esposa de
um alcoólatra que não esteja, ela
mesma, bastante doente em ocional­
mente. Em m uitos casos, sua doen­
ça foi causada pelo alcoolismo do
marido. Mas, no maior número de ca­
sos, ela já estava doente quando o
conheceu, percebeu que bebia de­
mais e disse a si mesma: "Eu vou cui­
dar dele. Uma vez que casar comigo,
não beberá ta n to ” .
«
C H ÁC A R A REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo . e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
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01498 S ão Pauío, SP
(Fone: (011) 520-9514}
A LC O O LIS M O
que tu d o transcorre sem m aiores
probiem as, e é durante esses perío­
dos de tranqüilida de que a esposa
se perm ite com eçar a pensar:
"Q u e m sabe desta vez ele pare
m esm o. Ficou tão passado ontem
à noite, coitado. C om o dói vê-lo
chorar. Sim , te n h o certeza que es­
sa fo i sua últim a b e b e d e ira ". E, de
repente, o m arido apronta o utra e
é com o se a esposa tivesse esque­
cido o quão horríveis as coisas po­
dem ser. Aí, ela grita " A h não! C o ­
D onald Lazo
m eçou tu d o de n o v o ? "
N esta hora, o nosso alcoólatra
vira um verdadeiro artista . (Eu que
uitas pessoas acham que
sei. Eu já fiz esse pape! dezenas'de
vezes para me safar de um a s itu a ­
aquele m em bro da família que
ção d ifícil perante m inha esposa).
anda bebendo dem ais não é a lco ó­
latra porque alcoólatra (pensam
Ele explica que não teve a intenção
eles) é uma pessoa que está e te r­
de beber, que não sabe com o acon­
nam ente bêbada — que bebe o dia
tece u, que lam enta m u ito te r fe ito
aquilo (agora os olhos dele enchem
inteiro, to d o s os dias.
e duas lágrim as rolam por sua fa ­
Essa d e fin iç ã o do beb ed o r
ce), que ama dem ais a sua esposa,
co nsta nte se aplica a não m ais que
que ela não m erece, que nunca
2 ou 3% dos alcoólatras: àqueles
m ais vai acontecer, que quer pedir
que já perderam sua capacidade de
trabalhar, perderam o apoio de seus
m il desculpas, etc. e tc. etc.
fam iliares e estão literalm ente joga­
A representação dele é m a g is­
tral (tam bém , com to d o s esses en­
dos na rua. Ou então àqueles que
têm ta n to dinheiro (por ser de fa ­
saios!). R esultado: a esposa, que
mília tradicional) que seus fa m ilia ­
m om entos atrás estava fu rio sa e
res lhes forn e ce m to da a bebida
deprim ida, se sente com o se tiv e s ­
que querem , co n ta n to que fiquem
se batido numa criança. A prom es­
auietinhos lá no sítio e não incom o­
sa que ela tinha fe ito para si m es­
dem os dem ais. M as estes, in fe liz­
ma — que nunca m ais p erm itiria
m ente, são a m inoria.
que aquilo voltasse a a co n te ce r —
A vasta maioria dos alcoólatras
com eça a perder fo rça . C om eça a
vive uma vida aparen te m e nte n or­
pensar que talvez a louca é ela m es­
mal. Tem seu lar (em bora esteja
ma. Enche-se de sentim ento de cu l­
atrasado no pagam ento do aluguel),
pa por tê -lo " p u n id o " tã o severa­
uma linda esposa e três belos filhos
m ente. E deixa passar. Só m ais es­
ítodos em ocionalm e nte desequ ili­
ta vez, pensa iludida.
brados) e tem um bom em prego
Esta cena se repete vez após
(10% da folha de pagam ento de to ­
vez, durante anos, em centenas de
da em presa está em algum estágio
fam ílias. Quero me d irig ir às espo­
de alcoolism o. Dez por ce n to !) Pa­
sas sofredoras, angustiadas, depri­
ra a sociedade que o rodeia, pare­
midas, perdidas, desesperadas, que
ce ser um lar norm al, ch e fia d o por
vêm passando por esta experiência
um pai e m arido exem plar. Entre­
um a, duas ou m ais vezes por m ês,
ta n to , o que acontece atrás das
há m u ito s e m u ito s anos.
cortinas é uma história bem diferen­
V o cê não vê, senhora? V ocê e
te da percebida pelos outro s.
seu m arido estão presos de n tro de
A s crises vêm acontecendo
um círculo vicioso. V ocê está sem ­
com bastante regularidade neste lar
pre reagindo da m esm íssim a form a
" n o r m a l" . É claro que há dias em
a uma ocorrência que se repete
Outra dica p ara
a esposa do
alcoólatra:
mude você
primeiro
M
24
a v e m a ria
eternam ente. M as nada m uda. Teu
m arido sabe que por pior que seja
a crise gerada por sua bebedeira,
ta lve z tenha que pássar por m o ­
m entos desagradáveis (sendo alvo
de suas gritarias), e ta lve z tenha
que se hum ilhar e fazer aquele pa­
pel de arrependido de novo, m as
tam bém sabe que, no fim , nada vai
m udar. E am anhã poderá beber e
re p e tir a dose tu d o de novo.
S enhora, não fiq u e esperando
que ele m ude. Ele não vai m udar
porque não precisa m udar. A se ­
nhora é que precisa m udar p rim e i­
ro. Saia você do círculo vicio so p ri­
m eiro. Pare de viver reagindo a ele.
C om ece a se co m p o rta r de m a n e i­
ra com p le ta m e n te diferente.
A próxim a vez que ele aprontar,
ao invés de gritar-lhe e xingá-lo, f i ­
que quieta. Vá para seu q u a rto ,
cham e uma am iga, com bine com
ela ir ao cinem a, e saia de casa. Ou
vá para uma reunião de A i-A n o n .
Ou leve os filh o s ao parque zo o ló ­
gico. Seja o que fo r que d e cid ir fa ­
zer, não discuta e não peça perm is­
são. S im plesm ente faça-o. E a p ró ­
x im a vez que seu m arido aprontar,
faça tu d o de novo.
Se a senhora quebrar o círculo
vicio so , não só estará g a ra n tin d o
sua própria sanidade m ental, m as
ta m b é m estará ajudando seu m a ­
rido. M ude você, e faça com que
ele tenha que reagir à sua m udança.
C H ÁC AR A REíNDAL
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__________________________ ___ /
D onald L a zo (D iretor da R E IN D A L )
A esposa que se recusa a adaptar-se ao
alcoolismo do esposo, assegura para si
um caminho para o equilíbrio
emocional no lar.
alcoólatra tem um a dependência modificar com o tempo, sempre para
4 J ? fortíssima que o leva a beber ca­ pior. Sua personalidade e seus hábi­
da vez mais. Quando bebe, o álcool o tos irão se acomodar à sua dependên­
engana duas vezes: fá-lo sentir-se cia crescente, igual a limalhas em um
bem à m edida que o vai envenenando; ■ campo magnético. C ada vez mais,
e o faz sentir-se em controle à m edi­ procurará ocasiões (jogos esportivos,
da que o tom a um bebedor descon­ festas) para beber, evitando aquelas
trolado. Com o passar dos meses e (cinema, teatro, piqueniques com a
anos, irá exagerar na bebida, cada família), em que não se bebe. C ada
vez com m aior freqüência, gerando vez mais se apegará aos “bons copos” ,
em baraços crescentes para a esposa.
afastando-se dos amigos que bebem
D urante esses anos todos, ela ten­ pouco ou nada. C ada vez mais, o be­
ta controlar o com portam ento dele ber se tornará o pensam ento e a ati­
por todos os meios possíveis. Mas to­ vidade centrais de sua vida.
da tentativa de controlar o marido ou
à medida que o com portam ento e
seu am biente fracassa. Ela precisa as atitudes do alcoólatra gravitam ca­
aceitar a realidade. A esposa de um
da vez mais em torno da bebida, o
I alcoólatra precisa aceitar o fato de
comportamento da fam ília do alcoó­
não poder modificar o m arido, em ­ latra se ajusta a essa m udança des­
bora possa evitar que ele modifique
trutiva. O m arido, que um a vez cos­
a ela. E la precisa aceitar que não po­ tumava chegar em casa todas as noi­
de obrigar o alcoólatra a se com por­ tes às 19 horas para encontrar a co­
tar adequadam ente,, em bora possa
mida n a mesa e ja n ta r com a família,
evitar que ele a obrigue a se com por­ passa a tom ar um aperitivinho de
ta r inadequadam ente. Ela precisa
quando em quando ao sair do escri­
aceitar que não pode controlar a vida tório. Com o tempo, a hora do aperi­
do m arido, em bora possa readquirir
tivo se torna sagrada e o marido pas­
o controle sobre a sua própria vida.
sa a chegar tarde em casa, atrasando
Existe um a lei natural que parece
o jantar. Resultado: a família fica
governar a vida íntim a entre duas
esperando, com fome e impaciência.
pessoas: se um dos cônjuges m uda, o Os demais não podem planejar suas
outro invariavelmente se acom odará
atividades depois do ja n ta r porque
a essa m udança, m udando tam bém .
nunca sabem a que horas será servi­
Caso contrário, o relacionam ento en­ do. Vez após vez, a esposa im plora o
tre os dois deixará de existir.
marido a chegar em casa na hora
O ra, se a m udança feita por um
certa. As implorações term inam em
dos cônjuges é para melhor, será be­ briga e começam os desentendim en­
néfica p ara ambos. Se a m udança
tos. Alguns dos filhos deixam de ja n ­
for p ara pior, prejudicará a pessoa,
tar em casa. Há um a deterioração
efetuando a m udança e — dependen­ gradativa deste im portante ritual da
do da reação da outra — poderá prefamília (o jantar), tudo por causa de
| judicar o cônjuge tam bém .
um a dependência que cresce.
Além do mais, quando um a das
Não seria melhor se, ao invés de
i duas pessoas é alcoólatra, ela irá se tentar m udar o com portam ento do
16 o r s m a r ia
I m arido, a esposa simplesmente se
recusasse a perm itir que ele m ude o
com portamento dos demais? Creio
que seria melhor dizer ao m arido:
“Querido, o jan tar em casa é servido
às 19 horas. Não pode ficar na de­
pendência de sua chegada. Se você
não puder chegar na hora certa, ire­
mos ja n ta r sem você” .
Afinal, a decisão de tom ar seus
aperitivos em vez de ja n ta r às 19 ho­
ras é do m arido. É justo que os de­
mais tenham que m udar um costume
apropriado p ara acomodar-se ao no­
vo costum e inapropriado do chefe da
família?
Obviamente, a esposa deve se re­
cusar a adaptar-se ao alcoolismo do
m arido. Se ela insistir em continuar
servindo o ja n ta r na hora certa, é o
m arido que terá de m udar, ou sofrer
as conseqüências (de não ter o conví­
vio da fam ília na hora de jan tar, de
não ter um ja n ta r pronto n a hora de
chegar em casa).
Á esposa que recusa perm itir que
sua vida seja governada pelo alcoolis­
mo do m arido estará assegurando a
m anutenção de seu próprio equilíbrio.
Sentir-se-á m ais forte e menos inse­
gura. E, ao mesmo tempo, estará
obrigando o marido a ajustar o seu
com portamento anormal ao com por­
tam ento norm al da família. Ou, en­
tão, a arcar com as conseqüências
adversas do seu hábito de beber.
CHÁCARA REINDAL
ESPECIALIZADA EM
ALCOOLISMO
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91498 SÃO PAULO. SP
v _________________________________ s
A LC O O U S M O
%
m,
Uma boa dica
para a esposa
do alcoólatra:
w
viva e
deixe viver i i
': - a l d Lazo
U
m a boa regra para as e s p o ­
sas de a lc o ó la tra s é a re g ra
dos trê s " C e s " : " V o c ê não p o de c a u s a r o beb er de o u tra p e s ­
soa. V o c ê nãó pode c o n tr o la r o
c e b e r de o u tra pessoa, V o c ê não
p o d e c u ra r o be be r de o u tra
oessoa” .
E sposas de a lc o ó la tra s p a s ­
sam anos te n ta n d o c o n tr o la r e
c u ra r o b e b e r de seus m a rid o s .
Em a lg u m m o m e n to ou o u tro de
s ja s v id a s de to ta l e a b s o lu ta
■ 'ustraçã o, to d a esposa de a lc o ó síra acaba fa z e n d o um a da s sec u in te s c o is a s no seu e s fo rç o de
c o n tro la r o b e b e r do m a rid o :
1. P ro c u ra lim ita r ou e s c o n ­
der a b e b id a que te m em ca s a ,
c h e g a n d o às vezes a jo g a r fo ra
:o da a b e b id a em casa. C u rio s a ­
m e n te , ta lv e z seu m a rid o t a m ­
bém e s te ja e s c o n d e n d o b e b id a
em casa para te r c e rte z a de q u e
n u n ca se e n c o n tra rá se m s u p r i­
m e n to , n um a hora de n e c e s s id a ­
de. E se ele d e s c o b rir, u m b e lo
dia, que não há b eb ida em ca s a ,
s im p le s m e n te irá até o b o te q u im
da esquina. T oda esquina te m um
D o te a u im .
2. Ela x in g a o m a rid o v io le n ­
ta m e n te q ua n d o ele chega em c a ­
sa a lc o o liz a d o (após te r p r o m e ti­
do, a lg u m a s h o ra s a n te s , q u e
n u n c a m ais iria c o lo c a r u m a g o ­
ta de á lc o o l na b o ca !) Só q u e , ao
x in g á -lo , ela e sta rá a p re s e n ta n d o
para o m a rid o um a ju s tific a tiv a
o e rfe ita para sua p ró x im a b e b e ­
deira no dia s e g u in te , q u a n d o ele
se e n c o n tra rá no bar da esq u in a
c o n ta n d o para os co legas: " G e n ­
te , se v o c ê s e s tiv e s s e m ca sa d o s
c o m m inha m ulher, beberiam ta n ­
to q u a n to eu. Não dá para a güen­
ta r essa fe r a !"
3. Em alg u m m o m e n to , ela
d e c id e m u d a r de tá tic a e passa a
tra ta r o m arido co m to d o carinho.
R e ceb e-o em casa c o m b e ijin h o s
e p a la v ra s d o ce s, c o rre para p ro ­
c u ra r seu jo rn a l e c h in e lo s e fic a
a te n ta para to d a s as suas n e ce s­
s id a d e s. Em o u tra s p a la vra s,
tra ta -o c o m o o s u ltã o q ue ele se
ju lg a ser. E o te m p o to d o o m a ri­
do está pensando: "N ã o sei o que
a c o n te c e u co m C lara m a s, pelo
je ito , não se in c o m o d a m a is co m
o m eu beber. F in a lm e n te v o u p o ­
d e r b e b e r à v o n ta d e ."
4 . N ão d a n d o c e rto essa t á ­
tic a — ou m e lh o r d iz e n d o , não
te n d o a p a c iê n c ia de e s p e ra r até
q ue desse c e rto — a e sposa p a s­
sa a b a n c a r a s a n ta s o fre d o ra ,
c h o ra n d o e se la s tim a n d o c o m
to d a p essoa d is p o s ta (ou o b rig a ­
da) a o u v ir suas la m ú ria s in fin d á ­
v e is . In fe liz m e n te , as c o n d o lê n ­
c ia s das a m igas ("R e a lm e n te ,
H e lo is a , v o c ê é um a v e rd a d e ira
h e ro ín a " ) não c o n s e g u e m a liv iá la. E n q u a n to isso , o m a rid o não
e stá nem aí. Q u a n to m ais ela c h o ­
ra, m ais ele c o n ta para os a m ig o s
de b o te q u im : " P o is é, g e n te , se
v o c ê s e s tiv e s s e m c a s a d o s co m
essa m in h a m u lh e r ..."
5. M a is a d ia n te , ela d e cid e
q ue a m e lh o r m a n e ira de c o n tr o ­
lar o beber do m arido é beber com
ele. T a lve z assim ele irá a c o m p a ­
n har o ritm o dela e m a n e ira r seus
tra g o s . Só que, ao p a ssa r a be­
ber co m ele, a m en sa g e m que ela
lhe está passa n d o é: " N ã o faz
m al v o c ê beber, q u e rid o . Eu até
v o u te a c o m p a n h a r " .'
D om inada por s e n tim e n to s de
culpa e inadeq uação, a esposa se
c o n v e n c e q ue o m a rid o e stá b e ­
b e n d o p o r c a u s a d e la , um a id é ia
fa is a q ue ele v e m e x p lo ra n d o ao
m á x im o . M a s , e sp o sa , eu p e r­
g u n to a v o c ê : pen se bem , a c u l­
pa é sua m e sm o? P erg unte -se : se
é v e rd a d e q ue v o c ê te m ta n to p o ­
d e r para le v a r te u m a rid o a b e b e r
e x a g e ra d a m e n te , p o r que não
te m o p o d e r para fa z ê -lo p a ra r de
b eber? N ão será que ele e s tá
u s a n d o v o c ê para ju s tific a r su a s
bebedeiras? A fin a l, as pernas que
o le v a m ao b o te q u im são d e le . A
v o z q ue pede o d rin q u e é a v o z
d e le . O d in h e iro que paga a b e b i­
da sai d o b o ls o d e le . Â m ão q u e
s e g u ra o c o p o é a m ã o dele, e é
le va d a à b oca dele pelo b ra ço d e ­
le. Será m e sm o que a culpa é sua,
espo sa ?
Q u e é q u e v o c ê po d e fa z e r
q u a n d o te u m a rid o te acusa de
le v á -lo a b eber? Eu s u g iro o s e ­
g u in te . T ã o lo g o v o c ê c o n s ig a
d izê -lo c o m v o z calm a, diga a seu
m a rid o : " E u não sou re sponsáve l
pe lo b e b e r de q u a lq u e r o u tra p e s ­
so a . Se v o c ê d e cid e beber, c o m o
v o c ê in s is te , p o r m in h a ca u sa ,
h a v e rá de c o n c o rd a r q ue a d e c i­
sã o fo i s u a " . E, e n tã o , fe c h e a
b o c a e saia da sala. S aia da c a ­
sa, se fo r n e c e s s á rio . N ão há
m a is o q u e d is c u tir. Fim de p a p o .
U m a v e z q u e v o c ê passe a
c o m p re e n d e r q ue v o c ê não po d e
s e r re s p o n s a b iliz a d a peio c o m ­
p o rta m e n to de um h o m e m a d u l­
to q u e p ro v a v e lm e n te te m o d o ­
b ro do seu ta m a n h o , ele não t e ­
rá m a is c o n d iç õ e s de c h a n ta geá-Ia e m o c io n a lm e n te . Seu se n ­
tim e n to de cu lp a desaparecerá. E
ta lv e z , pela p rim e ira vez em sua
v id a , a m e n s a g e m que seu m a ri­
do re c e b e rá se rá : " Q u e rid o , te
re s p e ito o s u fic ie n te para d e ix a r
v o c ê a s s u m ir as re s p o n s a b ilid a ­
des de tu a v id a , e n q u a n to eu c u i­
d o das m in h a s " .
®
ave
mm
m ana
21
ALC O O U SM O
Dicas para
familiares de
alcoólatras
não se
preocupe em
saber se ele é
realmente um
alcoólatra
D o n a d L azo
r r iã o iogo se identifique um alcoó-
(D
r'
(O
rh
r"
O
1 atra, ele deverá ser encam inhaéo =o A A (se estiver querendo parar
3 5 zeber) ou forçado a se tra ta r em
centro especializado (se não estiver),
z : rque quanto antes se tra ta r, mais
~ac mente se recuperará. Porém,
~ _ : o s fam iliares demoram em to mar estas medidas, porque não saD e m "s e ele é realmente um alcoóa :ra ". A melhor resposta a essa dú, ' z a é " S e você se está fazendo es­
sa pergunta é porque, provavelm en­
te é” . Se não fosse, a ninguém lhe
ocorreria levantar a dúvida. Os bebedores sociais não preocupam suas
~am'lias com seu modo de beber.
_ando um fam iliar me pergunta, eu
aralmente respondo com outra perjn ta : " 0 que faz você pensar que
tave z não seja alcoólatra?”
"B e m ", costumam responder os
fam iliares, "e le está no m esm o em; _rg o há 8 anos e nunca perdeu um
d!a de serviço. Seus amigos se em:':a g a m ta n to quanto ou mais que
e e. Ele passa dias sem beber e uma
ez parou por 4 meses! Será que um
aicoóiatra conseguiria fazer isso?
1 u dizer que alcoólatra é a pessoa
z ja bebe todos os dias. Foi um m é­
dico que me explicou isso” .
E eu respondo: "S enhora, o m é­
dico que lhe disse isso é, provavel-
menre. e e m esm o
a coe atra” .
0 fa to as um aicoó atra _ _nca
te r perdido um dia de serv co não
significa absolutamente aus ~ão seja
alcoólatra. Significa apenas cus não
é um alcoólatra nos últimos estágios
da doença. Em média, alcoólatras
aprontam durante 8 anos em casa e
fora do em prego antes de começar
a m ostrar sinais de alcoolism o no
serviço. Eles se cuidam m uito mais
na empresa que em qualquer outro
lugar porque na empresa geralmen­
te não estão alcoolizados e é fácil se
com portar. Só um alcoólatra em es­
tágio bem avançado pensaria em
aparecer alcoolizado na sua em pre­
sa ou trabalho.
Outra razão que é relativam en­
te fácil ocultar os sintomas do alcoo­
lismo no em prego é que os outros
não estão educados para identificálos com o tal. Por exem plo, mesmo
que um alcoólatra costum e chegar
tarde, após o alm oço, sempre che­
gará com uma desculpa. E se, além
de atrasado, estiver mais alegre do
que o normal, será porque recebeu
uma notícia boa m uito im portante.
Se o alcoólatra estiver se m antendo
afastado dos demais na fábrica, se­
rá porque deve te r problemas em ca­
sa, coitado. M elhor não mexer com
ele. (Terá mesmo problemas em ca­
sa... causados por seu alcoolism o).
Idem, se ele andar meio irritadiço e
briguento. Ou se tenha que sair ce­
do no fim do dia. Ou se tenha caído
bastante sua produção e teve dois
acidentes nas últim as semanas.
Todos estes acontecim entos
são sintom as de alcoolism o e, para
o supervisor conscientizado, servi­
riam com o alerta ao invés de gerar
nele pena e proteção de seu fu n cio ­
nário. Em todo caso, por causa do al­
coólatra se cuidar m uito no empre­
go, e porque os outros não estão su­
ficientem ente educados sobre o al­
coolism o para desconfiar de certas
atitudes, o últim o lugar onde apare-,
cerá o alcoolism o de uma pessoa é
no seu serviço. Pode crer: quando
seu alcoolismo lhe cria problemas na
empresa, o alcoólatra está em está­
gio m uito avançado de sua doença.
Q l s ~ío à sua capacidade de
mar.ier-se abstém io por dias segui­
dos e até por meses, tam bém não
significa absolutam ente nada. É en­
gano pensar que alcoólatra é aquele
que bebe todos os dias. 0 típico al­
coólatra raram ente bebe todos os
dias. A o mesmo tem po, existem m i­
lhares de pessoas que bebem diaria­
m ente e jamais poderiam ser ta x a ­
das de alcoólatras (porque seu beber
não lhes cria problemas crescentes).
É im portante saber que qualquer
alcoólatra pode parar de beber por
determ inados períodos e m uitos fa ­
zem justam ente isso com certa re­
gularidade. Aliás, a verdade é o con­
trário. Quando uma pessoa
pára de
o*
beber por certo período, seja por
duas semanas ou seis meses ou dois
anos, a parada é um fo rte indício de
que a pessoa é um alcoólatra. Se
não fosse, jamais pensaria em parar
de beber para provar que não é. Pen­
se um pouco. Você alguma vez pa­
rou de tom ar Coca-Cola por duas se­
manas? É claro que não. E sabe por
quê? Poque ninguém desconfia que
você está se tornando Coca-Cólatra.
Portanto, se você está preocu­
pada em saber se seu m arido (espo­
sa, pai, mãe, irmão, irmã, filho, filha)
é alcoólatra, pare de se preocupar,
aceite a realidade que você está que­
rendo negar e passe im ediatam ente
a empenhar-se na recuperação dele.
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CHÁCARA RÉINDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se'
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Donald Lazo (Diretor da R EIN D AL)
Arcar com as
conseqüências dos próprios atos
e assumir responsabilidades: eis a boa
lição para os alcoólatras.
começar por resumir al­
G ostaria
gumas coisas que já tenho escri­
Porém, se preferir continuar beben­
do, esse apoio será retirado.
to. Para 90% da população, o álcool
Parece cruel? Não, quando se
não passa de um lubrificante social.
compreende que a alternativa é dei­
Para os outros 10% — pessoas cujos
xar sua- doença progredir até
organismos reagem a essa substância
matá-lo. E que ninguém se iluda: o
química de forma muito particular
alcoólatra que continua bebendo
— o álcool é uma droga poderosa ca­
morre antes do tèmpo.
paz de torna-las dependentes e, com
Coloquemos o problem a em ou­
o tempo, de escravizá-las.
tros termos. Imaginem, por um m o­
Isso não significa que essas pes­
mento. um a balança com um prato
soas bebam todos os dias, o dia todo.
de cada lado. No prato esquerdo es­
Muito poucos alcoólatras fazem isso.
tão uns pesos que representam as
Durante um longo período, eu — co­
vantagens da bebida para o alcoóla­
mo alcoólatra ativo — bebia só nos
tra: o alívio que lhe traz, a'coragem
fins de semana. E nem sempre per­
que lhe dá, a euforia, etc. Quanto
dia o controle.
mais doente fica, quanto maior sua
Com dependentes do álcool, não
dependência, mais será o alívio que a
adianta conselhos, e nem convém
bebida lhe dá. Em outras palavras,
perguntar-1'nes se querem se tratar.
os pesos colocados neste prato estão
Não querem. E necessário obrigá-los
sempre aum entando. a se trata r... ou deixar que piorem.
No outro prato, que representa
Como obrigá-los? Oferecendoas desvantagens do beber, estão as
-lhes um a opção que não podem re­
conseqüências negativas do hábito:
cusar.
os problemas monetários, familia­
Mas a família do alcoólatra nor­
res, empregatícios, morais, físicos,
malmente faz o contrário. Ao alcoó­
emocionais, etc.
latra que tem família, casa, comida,
Sabemos que o alcoólatra só co­
roupa lavada e bebida, pedem que
meçará a pensar em abandonar a be­
abandone a bebida. Quer dizer, a
bida quando as desvantagens do be­
opção que lhe sugerem escolher é a
ber superem as vantagens. Quer di­
de ficar com família, casa, comida e
zer, somente quando a balança cai
roupa lavada sem bebida. O ra, ne­
mais p ara o lado direito.
nhum dependente da bebida esco­
O
problem a é que, enquanto os
lherá a segunda opção quando puder
pesos do lado esquerdo continuarem
ter a prim eira.
aum entando, a família do alcoólatra
O
que é necessário é oferecer-lhe norm almente estará em penhada em
a seguinte opção: família, casa, co­
remover os pesos do lado direito.
m ida e roupa lavada ou bebida.
Quando um filho alcoólatra escreve
Quer dizer, se ele aceitar se tratar
um cheque sem fundos (acrescente
(pois recuperar-se do alcoolismo sig­
um peso do lado direito), papai corre
nifica p arar de beber que, por sua
ao banco para cobrir o cheque (tire
vez, geralmente significa um tra ta ­
um peso do lado direito). Quando
mento especializado), terá todo o
um m arido acorda com um a ressaca
apoio que um a família pode ofertar.
que não lhe perm ite ir à fábrica
(acrescente um peso do lado direito),
a esposa telefona p ara o chefe dele
para explicar que seu m arido está
acam ado com gripe (tire um peso do
lado direito). Quando um alcoólatra
chega às três horas da m anhã, esta­
ciona seu carro no meio do jardim do
vizinho, entra em casa, tropeça no
tapete e cai, prostrado, na sala
(acrescente dois outros pesos no lado
direito), a esposa (ou mãe) o levanta,
leva para cima, tira-lhe a roupa, dá
um banho nele, bota-lhe pijam as e o
põe na cama. Depois, pega a chave
do carro, tira p carro do jardim do
vizinho e o mete na garagem (tire pe­
lo menos três pesos do lado direito).
Nessas condições, teria o alcoóla­
tra algum a razão para p arar de be­
ber? Certamente que não! A bebida
não lhe está criando problem a
algum! No dia seguinte, ele acorda
na cam a, de pijam a e até talvez des­
cansado. Sequer se lem brará dos
acontecimentos da noite anterior, e a
esposa tam bém não os m encionará
por medo de que ele fique chateado e
saia para beber.
M as ele vai beber de qualquer
forma. Porque gosta da bebida. E
dependente dela. Precisa dela,- cada
vez mais. E não precisa parar de be­
ber.
Os familiares "facilitadores” não
deviam ter feito qualquer das coisas
mencionadas acima. Deviam ter
obrigado o alcoólatra a arcar com as
conseqüências do seu beber. Se não
se dispõem a fa zer isso, não devem se
queixar. A meu ver, são mais culpa­
dos que o alcoólatra.
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a v e m a r ia 13
Per que
"perder a esperança"?
D onald Lazo
Não se deve desesperar,
mas aceitar que o
alcoólatra não pode
parar de beber por si só.
Ele precisa de ajuda.
f o n? 14 de 1983 (3 1 /7 ), a re_ V vista AVE MARIA publicou
um artigo meu intitulado “ A Pa­
lavra Mágica: Aceitação” . Nele eu
havia escrito: “ Deve a esposa de
um alcoólatra continuar apegada
à esperança ou deve ela abandonar
o marido? A solução é abandonar
a esperança, nao o m arido” . E
mais embaixo havia acrescentado:
“ Ou, melhor dito, deve substituir
a esperança pela aceitação” .
r
Depois de sair publicado o ar­
tigo, duas esposas me escreveram,
dizendo estar confusas com meu
conselho. Uma delas me disse:
“ Eu não posso abandonar a espe­
rança. Acho que, se eu perdesse a
esperança, morreria” . Talvez mi­
nha colocação deixasse outras es­
posas confusas também. Por isso,
decidi tentar explicar melhor a mi­
nha idéia.
Comecemos por mencionar al­
guns fatos. Para o alcoólatra, be­
bidas que contenham álcool (in­
clusive o vinho e a cerveja) funcio­
nam como drogas que criam de­
pendência. Ele (ou ela) se torna
cada vez mais necessitado delas e,
portanto, bebe cada vez mais. É
bastante raro um alcoólatra cor­
tar essa crescente dependência so­
zinho, por conta própria. Geral­
mente precisa de ajuda externa, na
forma de um tratamento que o
afaste da bebida e o mantenha
afastado.
Mas o alcoólatra só cogita se
2 6 a v e m a r ia
tratar e parar de beber quando as
desvantagens do seu hábito se tor­
nem maiores aue as vantagens. E
ISTO SIGNIFICA QUE, AO IN ­
VÉS) DE PROTEGÊ-LO CON­
TR A AS DESVANTAGENS,
SUA! ESPOSA DEVERIA PER ­
M ITIR QUE ELAS ATINGIS­
SEM O MARIDO.
Colocados estes fatos, vejamos
como se com porta a esposa que
ainda não perdeu a esperança de o
marido parar de beber esponta­
neamente, por conta própria. Su­
ponhamos que ele esteja ao ponto
de perder o emprego por causa da
bebida e um dia o seu chefe liga
para a esposa para dizer que o m a­
rido está sendo procurado na fá­
brica para assistir a um a reunião
importante. O chefe pergunta se
ela tem alguma idéia de onde ele
poderia estar. Ora, ela sabe muito
bem onde ele deve estar: no bote­
quim perto da fábrica. Mas ela
tem medo de que o m arido possa
perder o emprego. E, já que ela
também depende desse emprego,
ela provavelmente arranjará um a
mentira, dizendo que o marido ti­
nha uma consulta médica m arcada
para essa tarde.
Isso é justamente o tipo de coi­
sa que ela não devia fazer.
Porque, se for bem-sucedida e
convencer o chefe desta mentira,
evitará precisamente a crise (aque­
la desvantagem necessária) que
poderia ter convencido o marido a
se tratar. Evitando a crise, seu m a­
rido não sofrerá as conseqüências
negativas do seu beber, não perce­
berá que a bebida está lhe fazendo
mal e não aceitará a idéia de se tra­
tar. A “ ajuda” da esposa lhe terá
servido apenas para superar uma
crise, o que lhe permitirá conti­
nuar bebendo, aum entando sua
dependência e chegando mais per­
to da morte.
Mas, se a esposa já tiver perdi­
do a esperança de o marido parar
de beber por si só, ela estará agin­
do de forma bem diferente... e
bem mais acertada.
Provavelmente já teria procu­
rado seu próprio emprego, para
assegurar-se de poder sobreviver
sem os ganhos dele. E, se ela já ti­
vesse perdido a esperança, tam ­
bém não perderia seu tempo e
energia tentando salvar o emprego
do marido, sabendo que algum dia
iria perdê-lo de qualquer jeito. À
pergunta do chefe sobre onde p o ­
deria estar o marido, ela seria ca­
paz. de responder: “ Provavelmen­
te no botequim da esquina” . Esta
seria a maneira correta de lidar
com o problema do alcoolismo do
marido. Pois a crise criada poderia
levá-lo a entender que seu proble­
ma é bem mais sério do que se
imaginava. Talvez o levasse a con­
cluir que deva procurar ajuda. Se
fosse assim, seria uma bênção.
Pois, quanto antes se tratasse,
mais chance teria de salvar a sua
vida.
A minha experiência no Brasil
me disse que o brasileiro ainda
não leva muito a sério o problem a
do alcoolismo. Até chegar a tal
ponto de o alcoólatra estar extre­
mamente comprometido fisica­
mente. Ou m orto.
Para
a esposa
amedrontada
do alcoólatra
(Antes de ler esta carta, recomen­
do ao leitor que releia a carta da última
e:;ção de AVE MARIA, para a qual es­
ta é a resposta.
Prezada Amiga:
Gostaria muito poder responder à
sua carta simpática com outra, dizen­
do-lhe que está no caminho certo e que
tudo irá acabar bem, como os mem­
bros de AA lhe dizem: “seu marido tem
tudo para ser um AA, é só questão de
dar tempo ao tempo". Mas eu seria de­
sonesto se assim procedesse. Porque
do jeito que eu vejo as coisas que você
me contou na sua carta, parece-me que
2 situação na sua casa só pode piorar
até que você mude de atitude e comece
a tomar certas medidas.
A pior coisa que você poderia fazer
seria “dar tempo ao tempo”., esperando
“este milagre acontecer” para que al­
gum dia seu marido “ venha mudar de
idéia e acabar aceitando a filosofia de
AA". A indecisão, afinal, é uma deci­
são... errada. A probabilidade é que, co­
mo a vasta maioria dos alcoólatras, a
não ser que vocêcomece a tomar atitu­
des e medidas certas, seu marido irá
morrer de alcoolismo antes de o mila­
gre acontecer.
Toda vez que um alcoólatra bebe,
ele piora — emocional, física e espiri­
tualmente. Assim sendo, a primeira
prioridade é levar seu marido a um tra­
tamento que o faça parar de beber. E,
pelo que me consta, nem você nem os
membros de AA estão fazendo qual­
quer coisa para indicar a ele que tem
que parar de beber. Muito pelo contrá­
rio. Ele vai ao AA e os AAs permitem
que ele participe das reuniões alcooli­
zado. (Eu presumo que, como toda pes­
soa alcoolizada, ele insiste em falar
26 ave maria
nas reuniões e os AAs o deixam falar
— caso contrário ele não gostaria tan­
to deles). Mas deixá-lo participar alcoo­
lizado, da reunião de AA, equivale a di­
zer-lhe que não faz mal ele beber. E é
porisso que ele gosta dos AAs. Porque
o deixam beber, quando deveriam proi­
bi-lo de falar numa reunião, estando al­
coolizado. (Ao contrário do que muitos
AAs pensam, esta proibição é perfeita­
mente permissível dentro de um grupo
de AA).
É pela mesma razão que seu mari­
do a agrediu naquela ocasião. Para vo­
cê saber que poderá acontecer de no­
vo. Assim, você fica com medo e, con­
seqüentemente, também lhe permite
beber à vontade, toda vez que ele qui­
ser. Tudo isso se chama "facilitação" e
é extremamente contraproducente. En­
quanto o alcoólatra continuar bebendo,
todo aspecto de sua doença — inclusi­
ve sua agressividade — irá progredir
progressivamente. Se ele só a agrediu
uma vez, por enquanto, algum dia isso
passará a ser um hábito. E não se iluda
quanto ao crescente número de fregue­
ses que ele tem. Se não parar de beber,
irá perdê-los todos.
O importante é você saber o se­
guinte: nunca irá poder ajudar seu ma­
rido até que você desloque suas preo­
cupações dele para você mesma. Co­
mo a maioria das chamadas “co-alcoólatras", você anda totalmente preocu­
pada com seu marido e vivendo a vida
dele.
E você? Você não tem valor? Você
não é uma criatura de Deus, também?
Porque não se preocupa consigo mes­
ma umtpouco mais? Você também está
doente, e sua doença (emocional) não
lhe permite proceder de maneira cons­
trutiva com seu marido. Ou por medo
ou por raiva, que certamente está au­
mentando dia a dia, suas reações só
servem para levar seu marido a beber
cada vez mais e botar a culpa em você.
Neste momento, todas as suas ati­
tudes e ações facilitam a progressão
da doença de seu marido. Sua meta, a
longo prazo, deveria ser parar de facili­
tar (de cobri-lo quando dorme no sofá,
de esquentar o jantar quando chega
tarde em casa, etc.). Isso significa que
você terá que inverter todas as suas
atitudes e ações. Você terá que apren­
der a contrariar todos os seus instin­
tos. Para isso, pergunte-se sempre,
“ Que é que eu quero fazer?” e depois
faça exatamente o contrário. Por exem­
plo, se, por medo, você acha que deve
fazer companhia para seu marido al­
coolizado na mesa faça o contrário. E
não aceite suas agressões. Saia da sa­
la ou, se não houver outra alternativa,
do casamento. Marido violento não é
marido. Essa seria a única maneira de
ajudar seu marido de fato. Mas, obvia­
mente, para poder fazer isso, você terá
que se recuperar antes.
Portanto, meu conselho para você
é que pare de viver em função de seu
marido e comece a cuidar de si. Ao in­
vés de fundar a AA para seu marido, de­
veria ter fundado a Al-Anon para si. Fa­
ça-o agora. Comece a praticar os Doze
Passos para si. Compre a literatura de
Al-Anon e siga seus conselhos. Você
me escreveu "Embora conhecendo a AlAnon, eu sinto que não tenho coragem
de me desligar do problema”. Senhora,
não é questão de coragem. É que você
quer resolver o problema do seu jeito. E
seu jeito nunca funcionou até agora.
Por que não segue a orientação da or­
ganização mais experiente do mundo
nesses problemas — a Al-Anon?
Toda vez que escrevo cartas para
pessoas aflitas como você, sinto-me
frustrado porque há tanto que explicar.
É porisso que a Chácara Reindal tem
trazido para o Brasil livros sobre o as­
sunto, tais como “Alcoolismo - Os Mi­
tos e a Realidade”, “ Como Proceder
com o Alcoólatra" e “ Como Me Libertei
do Alcoolismo”. Estes livros estão à
venda na Chácara Reindal para quem
quiser se beneficiar de suas orienta­
ções.
Em todo caso, se quiser me escre­
ver de novo, farei o possível para ajudála. Mas saiba que a única pessoa que
realmente pode lhe ajudar é você mes­
ma. E é agindo, em vez de dizer que não
sente coragem de agir. Nesse esforço,
espero que Deus lhe dê as forças que
precisará.
Um abraço fraternal,
Donala
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A faciliíação
da esposa
amedrontada
de um alcoólatra
Uma senhora que é assinante da
Revista AVE MARIA me escreveu
jm a carta alguns meses atrás. Achei
que muitos outros leitores da AVE MA­
RIA poderiam se beneficiar, não
somente com a carta dela (que ilustra
até onde uma esposa com medo po­
de chegar a facilitar a progressão do
aícoolismo do marido) mas com a mi­
nha resposta (que será publicada na
próxima edição de AVE MARIA). Eis a
carta simpática — embora trágica —
da senhora:
Caro Amigo:
Considero-o meu amigo porque to­
do mês espero com muita ansiedade a
sua palavra sobre alcoolismo na AVE
MARIA, que tem me ajudado muito a
entender sobre esta terrível doença.
Sr. Donald, eu sou uma das cente­
nas, ou melhor, uma das milhares entre
as esposas de um alcoólatra.
Não foi nada difícil conhecer um
grupo de AA, e fiquei encantada com o
trabalho deles. Consegui até mesmo le­
var o meu marido a assistir duas reu­
niões. Na primeira, ele ingressou, mas
estava bem embriagado. E na segunda
também. Depois, mudamos de cidade,
e como aqui nSo existia um grupo ain­
da, tive a idéia de fundar um grupo,
contando com a ajuda dos meus ami­
gos de grupos de fora. Não pensei só
nele não, mas pensei também em aju­
26
ave maria
dar outros alcoólatras, a entender o
que é o alcoolismo.
Pois bem, o grupo já existe na cida­
de há sete meses, com dois alcoólatras
ingressados e vivendo com sobriedade,
só que nenhum dos dois é meu marido.
Mas eu não desisto. Tenho fé que um
dia ele ainda venha a mudar de idéia e
acabe aceitando a fiiosofia de AA.
Ele vai às reuniões. É bem verdade
que vai quando quer, às vezes mais em­
briagado, às vezes menos. Gosta do
que ouve nas reuniões, do pessoal do
grupo. Alguns deles já vieram em casa
e eu sinto que ele gosta de estar em
companhia deles.
Eles me animam, dizendo que ele
tem tudo para ser um AA, é questão de
dar tempo ao tempo para ele se cons­
cientizar. Às vezes um alcoólatra leva
mais tempo que outro. E eu fico na es­
pera de ver este milagre acontecer, pe­
dindo a Deus que traga a luz da razão a
e/e.
Conheço também um pouco sobre
a Al-Anon, pois já tenho amigas que
são membros da Al-Anon. É agora que
entra o propósito da minha carta. Tal­
vez o senhor e sua esposa possam me
esclarecer uma coisa que está se pas­
sando comigo.
Embora conhecendo a Al-Anon, eu
sinto que não tenho coragem de me
desligar emocionalmente do problema.
Sofro quando meu marido demora para
chegar em casa, pois não sei o que es­
tá se passando com ele, fico sempre
pensando o pior. E quando chega, fico
tremendo de medo que ele comece a
brigar comigo por qualquer motivo bo­
bo.
Sinto medo dele. Não que seja ex­
tremamente agressivo, mas já aconte­
ceu dele me agredir.
Outra coisa: se ele deita e dorme
no sofá, corro e cubro-o, porque nova­
mente entra o medo dele, quando acor­
dar e ficar zangado comigo. Às vezes,
quando chega, já estou dormindo. Fica
buzinando para que eu vá abrir o por­
tão. Depois dou seus chinelos e roupas
para ir ao banho e esquento o jantar. E
tem mais: ele quer que eu faça compa­
nhia a ele na mesa.
Ajudem-me, por favor, a entender
este meu medo. Temos 4 filhos e eles,
embora pequenos, também já senterrf o
problema.
Materialmente não falta nada aqui
em casa, pois ele trabalha todo dia. Ele
é mecânico — diga-se de passagem,
um excelente profissional. Tem muitos
fregueses. Mas, se de um lado temos
tudo, do outro que eu considero, a paz
de espírito, não temos não.
Talvez, através da revista, o senhor
possa me dar uma resposta, que estará
me ajudando e também a outros que
estão na mesma situação.
Peço m il perdões pela carta tão
longa. Encerro agora contando com a
sua ajuda e pedindo a Deus para que
possa ajudar muitos igual a mim. Obri­
gada e atenciosamente.
Sugiro ao leitor que guarde esta
carta para poder reiê-la antes de ler a
minha resposta no próximo número de
AVE MARIA.
•
C H Á C A R A REfNDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.895
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
V
Às vezes, smsr significa deixar soírer
D o n a ld L azo
Não se deixe ser vítima das manipulações
do alcoólatra. Desligue-se da doença e
não do doente. Responsabilize-o por
todas as conseqüências do seu beber sem
— se possível — se exaltar.
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sta semana recebi carta de uma assi­
qüência com que ele bebe para a|iiviar-se
nante da Revista AVE M ARIA na
da interferência intolerável dos ojitros na
. qual me diz que, em um grupo, estiveramsua vida. Enfim, essa ajuda “ bon d o sa”
discutindo as minhas críticas à “ bondade”
acaba gerando ódio ao invés de agradeci­
da família para com o alcoólatra. “ Porm ento, servindo apenas para que o alcoó­
que inclusive” , diz a carta, “ um pastor
latra possa justificar futuras bebedeiras.
que tem comparecido a algumas reuniões,
Convencido de que bebe por causa dos
tentando conhecer melhor o assunto para
problem as que vive, dificilmente será ca­
poder nos ajudar de alguma form a, tinha
paz de entender que a realidade é o con­
dúvidas a esse respeito. Ele achava, ou
trário: tem os problemas porque bebe
talvez ainda ache, que muitas vezes é
anormalmente.
através da bondade, do carinho, da dedi­
A segunda parte de m inha resposta
cação que se consegue salvar o doente em
seria que, às vezes, o am or nos obriga a
questão” .
fazer o am ado sofrer. É como o caso da
A minha contribuição a essa discusmãe que leva seu nenê a ser injetado con­
são seria em duas partes. Prim eiro, não
tra poliomielite. A mãe sabe que a inje­
quero dar a entender que se deve privar o
ção dói e sofre quando a criança solta um
alcoólatra de carinho e am or, pois carigrito ao ser picada. Mas a mãe também
nho e am or são remédios poderosíssimos
sabe o risco de vida que a criança corre se
para tudo que aflige o ser hum ano. O que
não for devidamente inoculada.
digo é que não se deve resolver os proble­
Em alcoolismo, não é nem questão de
mas que o alcoólatra cria. Isso não é
correr um risco. É absolutam ente garan­
amor! Com o diz a literatura de Al-Anon,
tido que o alcoólatra que não parar de
devemos “ desligar-nos dos problem as do
beber irá morrer precocemente da bebida.
alcoólatra sem desligar-nos dele” . (E sou
E é garantido que o alcoólatra que não
obrigado a acrescentar: a não ser que éle
tenha fortes motivos para querer parar de
esteja se tornando violento e perigoso,
beber, não irá parar. Finalm ente, é ga­
quando então devemos desligar-nos dele
rantido que o alcoólatra cujo beber não
mesmo.) Em outras palavras, deve-se res­
crie sérios problemas para si, não irá que­
ponsabilizar o alcoólatra pelo andam ento
rer parar. Precisa-se de mais argumentos?
equilibrado de sua vida. Já que a progres­
Tem os, na Chácara Reindal, um filme
são do alcoolismo acaba fatalm ente pre­
que usamos para educar os familiares dos
judicando esse andam ento equilibrado, é
alcoólatras que vêm se tratar aqui. No fil­
somente quando ele mesmo é responsabi­
me, L oretta, a esposa de um alcoólatra,
lizado pelos seus atos que poderá acabar
assiste à sua primeira reunião de Al-Anon
reconhecendo que se tornara “ impotente
e, depois da reunião, põe-se a conversar
perante o álcool” e que tenha “ perdido o
com Maggie, a coordenadora do grupo.
domínio sobre sua vida” , como diz o pri­
A conversa vai assim:
meiro passo no processo de recuperação
Loretta: Maggie, se eu fizer tudo que
sugerido por Alcoólicos Anônimos.
está escrito neste folheto que m e; deram ,
Mas se outros estão resolvendo os pro­
meu m arido irá parar de beber?
blemas do alcoólatra — problemas estes
Maggie: Bem, isso não é fácil de afir­
que, mesmo assim, tenderão inevitavel­
mar. Lembre-se de que se trata de uma
mente a se agravar enquanto o alcoólatra
doença.
continuar bebendo — ele não aprenderá a
Loretta: Eu sei. Mas, se é um a doença,
assumir a responsabilidade por seus atos.
então por que me aconselharam a não jo ­
Por contar sempre com a ajuda “ bondo­
gar fora a bebida em casa?
sa” dõs outros, viverá com a ilusão que
Maggie: Porque é uma doença, mas
todo alcoólatra abraça: que eventos e
você não pode controlá-la. Ele é a única
pessoas externos são responsáveis pelos
pessoa que pode controlá-la.
acontecimentos de sua vida, pelas encren­
Loretta: Mas, então, por que é que eu
cas em que se mete e, portanto, pela fre­
estou aqui?
Maggie: L oretta, todo alcoólatra pre­
cisa de alguém p ara m anipular, alguém
que o mime, que quebre seus galhos e
mesmo que o im portune e critique. Tudo
isso o ajuda a continuar bebendo. Q uan­
do a esposa ou os pais quebram seus ga­
lhos, ele não sente necessidade de parar
de beber, pois seu beber não lhe cria pro­
blemas. (Cria problem as p ara os outros.)
E quando um a esposa grita, chora, chinga ou critica, ele usa isso para justificar
suas bebedeiras. D irá que é a esposa que
está doente e que são os desequilíbrios
dela que o levam a beber. L oretta, quan­
to mais você fizer isso, mais ele vai beber.
P o rtanto, a prim eira regra é: não se deixe
ser vítima das m anipulações dele. Ele está
sempre procurando alguém, ou alguma
coisa, para explicar por que ele bebe. Desligue-se — não dele, mas de sua doença.
Não se deixe envolver nos problem as que
cercam seu m arido. N ão procure resolvê-los. Responsabiiize-o por todas as conse­
qüências do seu beber sem — se possível
— se exaltar.
Loretta: Mas eu não consigo fazer is­
so, Maggie. Eu perco o controle e acabo
esperneando mesmo.
Maggie: Pois é, L oretta. Isso m ostra
que você tam bém precisa de tratam ento,
e é por isso que você está aqui. Continue
voltando às reuniões.
Grupos Familiares de Al-Anon
esíão espalhados por todo
o Brasil. P ara saber o endereço
do grupo m ais perto de você,
escreva para: AI-Anon,
Caixa Postal 2.034, São Paulo,
SP 01000. A ajuda que receberá
é gratuita.
•
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^
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.896
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(Fone: (011) 520-9514)
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sv© rner/cÊ 29
D onald Lazo
A maior obrigação de um pai para com
seu filho é a de se tornar desnecessário
para que o filho possa desenvolver suas
próprifis forças e se tornar responsável
por si mesmo.
o meu último artigo eu defendia
a idéia de que, às vezes, am ar
significa deixar sofrer. Esta lição foi
gravada na m inha memória de form a
dram ática uns dez anos atrás.
Era uma noite em que eu me en­
contrava assistindo a uma reunião de
Neuróticos Anônimos (NA). Havia
umas quinze pessoas reunidas na sala
essa noite quando entrou uma senho­
ra de seus 60 anos de idade, em pur­
rando um a cadeira de rodas na qual
estava sentado um homem de aproxi­
m adam ente 40 anos.
Quando chega uma pessoa nova a
um a reunião de NA, é costume o
coordenador da reunião convidar es­
sa pessoa e se apresentar e explicar o
que a levou a procurar os Neuróticos
Anônim os. Esclarece-se à pessoa que
ela não tem obrigação de falar, se
não quiser. Vendo o homem na ca­
deira de rodas e presumindo que era
ele que sofria de algum problem a
emocional, o coordenador lhe dirigiu
a palavra, convidando-o a explicar o
motivo de sua presença. Mas o ho­
mem não teve chance de responder,
pois a senhora respondeu por ele.
“ Eu trouxe meu filho aqui esta
noite porque estamos vivendo um
problem a sério em casa e me ocorreu
que vocês poderiam nos orientar. O
problem a é que parece que a gente
não está se entendendo mais. Eu vivo
sozinha em casa como este meu filho,
e faço tudo por ele. E ele, ao invés de
me agradecer, me critica e me xinga o
dia todo. Passei a vida toda dedicando-me quase exclusivamente a ele, e
esse é o ‘obrigado’ que ele me d á” .
Percebendo que a mulher era ca­
paz de m onopolizar o resto da reu^nião se lam entando do filho que não
sabia apreciar o am or de sua m ãe, o
coordenador se dirigiu novam ente ao
hom em , perguntando-lhe se queria
explicar ao grupo porque ele se en­
contrava num a cadeira de rodas.
Novamente, foi a mãe que res­
pondeu. “ Foi o seguinte” : “ Quando
meu filho era ainda criança, com uns
dois aninhos de idade, ele tinha um
problem a no quadril. Apareceu ju s­
tam ente quando ele estava com eçan­
do a querer aprender a andar e o
quadril era fraco. Dificultava seu
equilíbrio e eu m orria de medo. Le­
vei-o ao médico e sabem o que aquele
médico me disse? Disse-me que quan­
do meu filho saía dando seus passos
desequilibrados pela sala e caía, que
eu devia deixar ele cair e se levantar
sozinho. Disse-me que isso seria bom
para ele, que só assim ele superaria
seu problem a no quadril e aprenderia
a andar. Imaginem só! Alguma vez
ouviram um conselho mais cruel? E
isso da boca de um médico! Como
podia ele pensar que eu, uma mãe
que am ava meu filho, seria capaz de
deixá-lo cair vez após vêz, com o ris­
co de se m achucar, sem correr para
socorrê-lo? Eu n ão !”
E enquanto essa mãe, que tanto
‘am ava” seu filho, falava, eu olhava
para o objeto de seu ‘am or’, sentado
ali na sua cadeira de rodas, incapaz
de andar e, pelo jeito, até incapaz de
falar por si mesmo. O ‘am or’ dessa
mãe havia tornado este homem de 40
anos de idade um a criatura quase to ­
talm ente dependente dela.
Quantos pais de alcoólatras não
cometem o mesmo erro! Esquecendo
que talvez a maior obrigação que um
pai tem perante seu filho é a de se tor­
nar desnecessário — para que o filho
possa desenvolver suas próprias for­
ças e se tornar responsável por si mes­
m o — , estes pais vivem ‘socorrendo’
os filhos contra as conseqüências ne­
gativas causadas pelo seu beber. O re­
sultado, inteiram ente previsível, é
sempre o mesmo. Prim eiro, embora o
filho tenha a vántagem de nunca ter
que se esforçar m uito, pois sempre
tem quem resolva seus problemas por
ele, ele sabe que se tornara totalmente
dependente das pessoas que vêm ‘aju­
dando-o’, e odeia essa dependência.
Com o tem po, passa a odiar as pes­
soas, o que obviam ente cria um con­
flito sério quando essas pessoas são
seus pais.
O outro resultado é que o filho
alcoólatra nunca aprende o que é ser
responsável por si m esm o. Vive espe­
rando que os outros o tirem de seus
apertos. Infelizm ente, porém , o al­
coolismo é um a doença que só o p ró ­
prio alcoólatra poderá resolver. N in­
guém pode p arar de beber por si. E,
para ele p arar de beber, é preciso que
se sinta responsável por sua vida. Os
que não aprenderam a sentir esse
senso de responsabilidade, m orrem
da bebida. G raças ao ‘am o r’ dos que
sempre resolveram todos os seus p ro ­
blemas.
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©
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
aicooiism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Posta! 20.836
01498 S ão Paulo, SP
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VERDADEIRO AMOR?
D onald L azo (Diretor da R E IN D A L )
O alcoólatra que não sabe que
pode parar de beber, não pára.
anos atrás li um folheto
M uitos
intitulado “HOW TO KNOW
AN ALCOHOLIC” (“ COMO RECO­
NHECER UM ALCOÓLATRA”).
Foi escrito pela Sra. M arty M ann,
fundadora do National Council on
Alcoholism, a organização que mais
literatura sobre alcoolismo dissemina
no mundo. Foi a prim eira mulher
recuperada em Alcoólicos Anônimos
e tomou-se uma das maiores autori­
dades no campo, escrevendo vários
livros e folhetos e viajando por m ui­
tos paises para palestrar sobre o al­
coolismo.
Achei tão maravilhoso aquele fo­
lheto que escrevi para a Sra. M ann,
pedindo-lhe permissão para traduzi-lo p ara o português e distribuí-lo no
Brasil. Ela me concedeu a permissão
prontam ente. No folheto em portugês,
coloquei o título “ALCOOLISMO —
A DOENÇA QUE TODOS ESCON­
D EM ” . Em bora não seja um folheto
de Alcoólicos Anônimos, vários escri­
tórios dessa irm andade o vendem p a ­
ra angariar fundos. O folheto aconse­
lha familiares da seguinte maneira:
“Jamais se deve tratar mal um
alcoólatra. É preciso reconhecer que
é um a pessoa doente e que seu com­
portam ento, por irracional que seja,
é parte da doença. Por outro lado,
devem perm itir que ele se trate mal.
Assim, não devem tirá-lo dos seus
apertos. Não devem, por exemplo,
cobrir seus cheques sem fundos. Sua
esposa não deve telefonar ao seu che­
fe para dizer que o marido está gripa­
do quando, na verdade, está acam a­
do com ressaca. Não devem nem evi­
tar que ele perca seu emprego por
causa de suas bebedeiras. Não devem
evitar que seja preso. Devem come­
çar a aprender a viver sem os ganhos
dele, porque am anhã fatalm ente ele
não estará ganhando mais. E não
devem perm itir que ele viva à custa
dos outros. Se não seguirem estes
conselhos, estarão adiando o dia em
que ele procurará solucionar seu ca­
so. Tudo isto porque ele só vai querer
p arar de beber (e sua recuperação
depende desse desejo) quando sentir
na alm a as conseqüências de suas
bebedeiras” .
No seu número de junho/83, uma
revista médica se refere a esse trecho
e faz o seguinte comentário: “Parece
bastante tem erária um a atitude como
a recom endada no folheto, porque
uma pessoa em crise pode eventual­
mente se recuperar, mas é bem mais
possível que afunde na depressão. As­
sim, o indivíduo que já não conta
com apoio psicológico da família, que
perde o emprego, etc., pode, em lu­
gar de salvar sua vida, tentar acabar
com ela. Sabe-se que é muito elevado
o núm ero de alcoólatras que tentam
o suicídio. Por isso, há um risco ine­
rente em recomendações desse tipo” .
O artigo continua: “ A verdade é
que é muito difícil abordar o proble­
ma do alcoolismo num a sociedade
tão m arcada por preconceitos como a
nossa. Até mesmo as pessoas melhor
intencionadas do país acabam caindo
na arm adilha da intolerância e dos
preconceitos moralistas. Inciüsive, os
próprios médicos não fogem disso.
Segundo o psiquiatra A rthur Guerra
de Andrade, é comum entre estudan­
tes de medicina a visão moralista do
alcoolismo, encarado com problemas
ligados à falta de caráter do indivíduo.
Se esse estudante não for esclarecido
a tem po, vai passar a exercer a pro­
fissão com aquela mesma visão de­
turpada de sua juventude. E é claro
que um médico com preconceito nun­
ca será capaz de trata r eficientemen­
te de um alcoólatra” .
Ê muito interessante e muito n a­
tural a ressalva feita pela revista m é­
dica. Parece estar dizendo que quem
deixar o alcoólatra se tra ta r mal (isto
é, sofrer as conseqüências do seu be­
ber) está “ caindo na arm adilha da
intolerância” ao encarar o alcoolismo
como problem a ligado à falta de ca­
ráter quando, na realidade, é um a
enferm idade não controlada pelo
doente. A lógica do argum ento seria
a seguinte, continua a revista m édi­
ca: reconhecer que o alcoolismo é
um a doença, mas depois “exigir ape­
nas boa vontade do doente p ara curá-la tem o mesmo significado que pe­
dir ao canceroso boa vontade para
curar seu m al” .
Com todo respeito pelo autor do
artigo, parece-me que ele tem um a
visão confusa do que seja o alcoolis­
mo. E a sua visão é tão comum —
quer dizer, a confusão dele é com par­
tilhada de m aneira tão generalizada
por leigos e profissionais — que gos­
taria dedicar vários artigos futuros a
esclarecer este aspecto do alcoolismo:
por que se cham a doença? É mesmo
um a doença como câncer que o doen­
te não pode controlar, ou é um a doen­
ça como diabetes que pode ser con­
trolada pelo próprio doente? Tenho
ouvido muitos alcoólatras justificar
suas bebedeiras, dizendo: “ Afinal,
sou um doente alcoólatra” . Na m inha
opinião — e cabe relem brar-lhes que
eu sou alcoólatra (que não bebe mais)
— quem aceitar esse raciocínio cai,
ele mesmo, na arm adilha que já en­
redou tantos alcoólatras. Porque um a
das maiores verdades em alcoolismo
é que o ALCOÓLATRA Q U E NÃO
SABE Q U E PODE PARÂR DE BE­
BER, NÃO PÃRA. M as aquele que
aceita que não pode beber, consegue
parar e se recuperar.
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C H Á C A R A REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
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ave maria 2?
 ÍEifervençSo • uma
fésniee pera levar o
alcoólatra a tratamento
D o n ald Lazo
Essa técnica na maioria das vezes
surte o efeito desejado, o alcoólatra cai
na realidade e pede ajuda para a sua
recuperação.
esposa, totalm ente desesperada e
^confusa, tentando lidar com a
negação do m arido alcoólatra, com
as garrafas escondidas, seu com por­
tam ento errático, suas ausências de
casa; as crianças, apavoradas e tam ­
bém confusas, às vezes assum indo o
papel de adultos; o em pregador, já
cansado de tolerar tantas “ exceções” ;
os amigos e parentes que, há muito
tem po, vêm se perguntando, “ O que
é que há com Sérgio?” Todo o m un­
do desconfia que o problem a é álcool
mas ninguém sabe o que fazer. Todos
se sentem incapazes, culpados e sozi­
nhos.
Existe um a técnica — cham ada
“ intervenção” — um a m aneira de
ju n tar todas estas pessoas e concen­
trar suas preocupações, frustrações e
recursos. Pois, por serem as pessoas
mais im portantes na vida do alcoóla­
tra, são as pessoas que m ais poder
têm sobre ele. A intervenção é um
meio de unir estas pessoas, e é im por­
tante porque um a das defesas que to ­
do alcoólatra usa p ara proteger sua
liberdade para beber é a de dividir
aqueles que lhe são chegados, pondo
um contra o outro.
A intervenção tem provado ser
um a técnica bem -sucedida para m o­
tivar o alcoólatra a procurar um a so­
lução para seu problem a. Trata-se de
um modelo desenvolvido pelo John­
son Institute em M inneápolis, M in­
nesota, e agora ensinado no P rogra­
ma Residencial Fam iliar da C hácara
Reindal em São P aulo. Ele pode ser
usado com qualquer m em bro de um a
família que esteja gerando proble­
mas com o seu beber. Ele oferece di­
retrizes para confrontar o alcoólatra
com fatos e datas, de m aneira firme,
porém carinhosa.
P ara m uitos alcoólatras, a inter­
/
venção torna-se a crise que pode le­
vá-los à recuperação. Além disso,
através da educação e do apoio m ú­
tuo, tam bém pode m otivar os m em ­
bros da família de um alcoólatra a
adotar medidas que os recupere dos
estragos emocionais causados pela
convivência com um alcoólatra. A
intervenção é norteada por cinco
princípios básicos:
• Deve envolver as pessoas mais im ­
portantes na vida do alcoólatra.
• Essas pessoas fazem listas de fatos e
datas (ou seja, dados objetivos) que
demonstram como o beber exagera­
do do alcoólatra está prejudicando
a vida dele e dos que o cercam.
• Todas essas pessoas contam ao al­
coólatra como se sentem a respeito
das coisas que estão relacionando,
mas sem o intuito de julgá-lo, e
sem raiva.
• São oferecidas ao alcoólatra o p ­
ções de ajuda. Se ele recusar todas
as opções, a família insiste em sa­
ber a resposta à pergunta: “ Que
fará se você não conseguir p arar de
beber por si só?”
• Se a pessoa concordar em buscar
ajuda im ediatam ente, essa ajuda
precisa estar disponível na hora.
G eralm ente, o próxim o passo é
um ensaio do confronto, com o con­
selheiro fazendo o papel do alcoóla­
tra. As listas em que estão relaciona­
das os atos censuráveis e destrutivos
do alcoólatra são discutidas. O que
mais impressiona os participantes
desta sessão é o fato de m uitos dos
sentimentos dolorosos serem expres­
sos aqui pela prim eira vez na vida.
O utra coisa: cada pessoa presente,
que conhece apenas um a parte das
conseqüências do beber do alcoóla­
tra, fica im pressionada ao ouvir as
demais. A dquire um a visão global
das repercussões do alcoolismo —
um quadro sempre chocante quando
percebido na sua totalidade. No fim
da sessão, é com binado o dia em que
irão trazer o alcoólatra para seu meio
a fim de confrontá-lo.
No dia do confronto, quando o
alcoólatra entra na sala e vê as pes­
soas ali reunidas, ele desconfia —
com razão — que estão preparando
um a “ arm adilha” para ele. Só que é
um a arm adilha que poderá salvar
sua vida. O conselheiro começa por
explicar a finalidade da reunião e co­
mo ela se desenvolverá, assegurando-lhe que todos os presente têm uma
única coisa em mente: o bem-estar do
alcoólatra. E ntão, com o conselheiro
agindo de m ediador, cada pessoa lê a
sua lista. Logicamente, o alcoólatra
tenta retrucar com justificativas, minimizações e projeções e, repetidas
vezes, o conselheiro é obrigado a pe­
dir que fique quieto e tente ouvir o
que lhe estão dizendo. É uma sessão
altamente emocional que, não poucas
vezes, term ina com o alcoólatra cho­
rando e dizendo que não sabia (e não
sabia mesmo) que estava causando
tanto sofrimento a tantas pessoas.
No fim, apresentam-lhe as opções
de tratam ento disponíveis e as conse­
qüências que advirão se ele não esco­
lher um a delas. Ele é inform ado de
que todas as providências necessárias
já foram tom adas e, se a intervenção
fora bem-sucedida (o que acontece na
maioria das vezes), ele aceitará uma
das opções de tratam ento, iniciando
assim a sua recuperação.
•
---------------------------------------------
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
V
Cx. Postai 20.896
01498 S ão Paulo, SP
' (Fone: (011) 520-9514)
__________
J
a v e m a r ia 2 9
A LC O O U S M O
A intervenção:
como ajudar
o alcoólatra que
recusa ajuda
Qualquer pessoa que convive
com um alcoólatra (ou dependente
de outra droga) confirm aria este fa ­
to: a m aior barreira à recuperação do
alcoólatra é sua incapacidade de re­
conhecer que está dom inado pela
bebida e sua relutância em aceitar
tra ta m e n to . É característico do
doente alcoólatra dizer a todos que
absolutam ente não precisa da bebi­
da e não costum a exagerar, que be­
be porque gosta e não por necessi­
dade, que a bebida não lhe faz mal,
que as circunstâncias de sua vida ou
as pessoas que o rodeiam são os res­
ponsáveis pelo seu beber ("S e você
estivesse casado com minha mulher,
você bebia ta m b é m !"), e que pode
largar a hora que quiser.
Claro que nada disso é verdade.
A s afirm ações não passam de racio­
nalizações e ju stifica tiva s visando
perm itir que o alcoólatra continue
abusando da bebida, fortalecendo
sua dependência e infernizando a vi­
da dos que com ele convivem . En­
tre os profissionais no campo de al­
coolism o, essa atitude tem nome:
nós a cham am os de NEGAÇÃO. 0
alcoólatra se utiliza dessas defesas
para negar sua realidade e assim
continua r bebendo.
Mas o alcoolism o é um proces­
so progressivo e 100% fatal! O al­
coólatra que não se trata, que não
pára de beber, morre da bebida. E
até m orrer, gera aquele inferno ca­
da vez m aior para os que estão te n ­
tando ajudá-lo. E o pior é que o al­
coólatra não só não percebe que se
to rn o u dependente da bebida mas
tam bém não percebe que está ne­
gando sua realidade para poder con­
tinua r bebendo. Sua defesa psíqui­
ca consegue rebater todo esforço
26
a v e m a r ia
para levá-lo a reconhecer que está
bebendo demais e que precisa de
ajuda. Os outros im ploram , xingam,
choram, ameaçam e se tornam to ­
talm ente desesperados. Quando f i­
n a lm e n te te le fo n a m para nós,
dizem-nos que já tentaram tudo. Não
sabem o que fazer.
Tentaram tudo — menos a mais
aprimorada técnica jamais desenvol­
vida para levar o alcoólatra relutan­
te a reconhecer-se dom inado e a
aceitar tratam ento. É a INTERVEN­
ÇÃO, um m étodo de ajudar aqueles
que não querem ajuda e que funcio­
na em 80% dos casos, mesmo com
os alcoólatras mais teim osos! Você
está dizendo, "P ode ser, mas com
o meu aquilo não vai funcionar. V o ­
cês não conhecem o m e u !" Pois eu
respondo, "C onhecem os, sim. E
aposto que funciona com o seu
ta m b é m ".
O m étodo consiste em: (1) jun­
ta r em um grupo as pessoas mais
im portantes na vida do alcoólatra:
seus fam iliares, parentes e amigos;
(2) conscientizar estas pessoas da
gravidade do alcoolism o e da neces­
sidade de tratar o alcoólatra quanto
antes; (3) explicar-lhes o que de er­
rado fizeram até agora; longe de le­
var o alcoólatra a aceitar ajuda,
levaram -no a afundar-se cada vez
mais na bebida; (4) treiná-los na ma­
neira correta de se com unicar com
ele, e por fim (5) ensiná-los como
convencê-lo a aceitar um tratam en­
to , usando com o instrum entos não
a raiva e a agressividade e sim o
amor, a compreensão e a unidade e
força do grupo.
Se você achar que já fez de tu ­
do para convencer seu alcoólatra a
procurar ajuda e/ou a parar de beber,
e não teve êxito, não desanime. Sai­
ba que ainda lhe resta usar a té cn i­
ca mais eficiente que existe para
conseguir o que você quer. A inter­
venção, bem planejada e correta­
mente usada, é, sem dúvida, o maior
avanço no campo de alcoolism o dos
últim os cinqüenta anos.
Temos observado que o alcoó­
latra cria uma situação de " d ita d u ­
ra " na sua fam ília, am edrontando a
esposa e os filhos de maneira a
deixá-los virtualm ente paralisados,
sem individualidade e sem condições
de levar o doente a aceitar o tra ta ­
m ento que salvará sua vida. E com
as intervenções que tem os feito, te ­
mos observado a quebra do medo
fam iliar, a moralização do am biente
e o retorno a uma vida digna para to ­
dos os membros da fam ília, in clusi­
ve para o alcoólatra.
Repetimos: estamos conseguin­
do um resultado positivo em mais de
80% das intervenções que tem os
fe ito com, no máximo, 3 a 5 sessões
por caso. Temos absolutamente cer­
teza que este m étodo, cuja prática
estam os introduzindo no Brasil (ele
vem sendo largamente usado nos
EUA há vários anos), chegará algum
dia a ser considerado a maneira —
carinhosa, rápida e eficaz — de le­
var o alcoólatra ao tratam ento de
que ta n to precisa. C olocam o-nos à
sua disposição para maiores escla­
recim entos. Basta ligar para a Chá­
cara Reindal em São Paulo: telefone
(0 1 1 )5 2 0 -9 5 1 4 .
b
Donald Lazo
r
-----------:
:
\
CHÁCARA REINDAL
Especializada em •
alcoolismo
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
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V
_______________ J
COMO LEVAR O
ALCOÓLATRA AO TRATAMENTO
D o n ald Lazo
Todo alcoólatra precisa de uma força
motivadora que o faça procurar auxílio
a fim de abandonar a bebida.
- |0 livro “ ALCOOLISM O — Os
p jM ito s e a Realidade” , pelo Dr.
Jam es M ilam e a jornalista Katherine
Ketcham, que tanto tenho recomen­
dado e que pode ser adquirido atra­
vés da C hácara Reindal, gostaria de
transcrever um trecho do capítulo in­
titulado “ Com o Levar o Alcoólatra
ao T ratam en to” .
“ Sem auxílio a m aioria dos al­
coólatras não pode abandonar per­
m anentem ente a bebida. A tua uma
com binação de fatores para aprisio­
nar o alcoólatra em sua dependência.
No estágio inicial, de adaptação, an­
tes de se desenvolverem os problemas
sociais e psicológicos, nem o alcoóla­
tra nem os que estão ao seu redor
percebem qualquer razão pela qual
ele deva deixar de beber. Q uando os
problem as começam a se desenvol­
ver, a bebida em demasia é, em geral,
vista com o um mero sintoma, e o al­
coólatra pode ser aconselhado a ob­
ter auxílio para seus “ problemas
subjacentes” . Mais tarde, quando o
próprio excesso de bebida está con­
tribuindo claram ente para seus pro­
blem a/, é mais provável que ele e ou­
tros concluam que deva diminuir a
bebida, não que a deixe de uma vez.
Tipicam ente, só quando os sinto­
m as mais espalhafatosos do alcoolis­
m o se desenvolvem é que alguém su­
gere que o alcoólatra deve parar de
beber completamente. Nessa ocasião,
seus processos mentais estão sob a
firme influência da dependência, e
sua necessidade de beber encobre to ­
das as preocupações a respeito das
conseqüências nocivas de continuar a
beber. Ele talvez com preenda que de­
va p arar e, sob pressão, pode até to r­
nar-se abstêm io por uns tempos.
M as, sem nova perspectiva quanto
ao problem a e um a força sustentadora suficientem ente poderosa para so­
b rep u jar a dependência, todos esses
22 a v e m a r ia
períodos de abstinência são tem po­
rários.
Com maior freqüência, o alcoó­
latra rejeitará qualquer idéia de que
deve parar de beber. Com o que nu­
ma penum bra, ele pode com preender
que seus problem as estão ligados à
bebida, mas a dependência cega-o
para o fato de ser o álcool o causador
desses problem as. O álcool é seu pri­
meiro socorro e seu rem édio. É o re­
médio efetivo para o sofrim ento psi­
cológico e físico que sente, aliviando
im ediatamente sua angústia e tensão,
fazendo suas m ãos pararem de tre­
mer e seu estômago de dar voltas,
permitindo-lhe pensar mais clara­
mente e agir com mais norm alidade
e, particularm ente nos últim os está­
gios da doença, provendo-lhe os úni­
cos m om entos em que consegue ali­
viar seu sofrim ento. Q uando ele pára
de beber, o verdadeiro problem a co­
meça. Tensão, frustrações, trem ores,
irritabilidade e náuseas se tornam
por fim tão insuportáveis que ele tem
de beber porque o álcool é a m aneira
mais rápida de aliviar o padecimento.
O alcoólatra necessita de auxílio,
e necessita o mais rápido possível.
Tem sido de todo desacreditada nos
últimos anos a crença am plam ente
aceita de que os alcoólatras precisam
“chegar ao fu n d o do p o ç o ” antes
que possam ser ajudados. Esperar
que o alcoólatra com preenda que ele
necessita de tratam ento é simples­
mente um engano, porque, entregue
a si mesmo, é provável que ele se to r­
ne menos propenso a procurar tra ta ­
m ento. Se o tratam ento for retarda­
do até o alcoólatra estar tão devasta­
do por sua moléstia que o fígado e o
encéfalo apresentem danos perm a­
nentes, que sua esposa o tenha aban­
donado, que seu em pregador o tenha
demitido e que ele está vivendo da
caridade governam ental, esse atraso
pode ser fatal.
O alcoólatra que ainda se firma
em seus pés, que mantém um em pre­
go e cujo casam ento está intacto po­
de insistir em que não tem problemas
e obstinadam ente se recusar a buscar
auxílio. Ele mente, rouba e trapaceia
para proteger seu direito de beber.
Porém , suas fraudes e recusas não
são indicações de que o tratam ento*
falhará. Não im porta o quão acirradam ente o alcoólatra com bata os que
desejam auxiliá-lo a parar de beber;
ele pode com m aior freqüência ser
ajudado do que não. Bem mais da
m etade dos alcoólatras atualm ente
em tratam ento bem-sucedido foi for­
çada a isso contra sua vontade; eles
não queriam parar de beber, mas cer­
tas crises em suas vidas puseram-nos
contra a parede e os forçaram a p ro­
curar ajuda. P ara um alcoólatra, a
força m otivadora pode ter sido a es­
posa, com a ameaça de fazer as m a­
las e ir em bora, caso ele não p ro­
curasse auxílio; outro pode final­
m ente ter concordado em entrar em
tratam ento depois de ficar em briaga­
do e destruir o carro. Os alcoólatras
dos estágios iniciais e intermediários
têm sido impelidos a tratam ento por
cônjuges que planejam divórcio, em­
pregadores que ameaçam demissão,
juizes que oferecem a escolha de tra ­
tam ento ou prisão, senhorios que
am eaçam despejo e médicos que pre­
vinem sobre as conseqüências fatais
de continuar bebendo” .
*Presume-se que estamos falando de tra ta ­
m ento apropriado.
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolismo
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A LC O O L IS M O
Um novo livro
destinado aos
familiares dos
alcoólatras
D onald Lazo
odo familiar de alcoólatra é um "facilitador" cujo comportamento e
reações protegem o alcoólatra das con­
seqüências prejudiciais do seu beber. As
coisas que o "facilitador" faz por amor,
preocupação ou medo do alcoólatra só
servem para ajudar o bebedor a evitar a
dor, o embaraço ou o sentimento de cul­
pa que ele precisa sentir para ser moti­
vado a parar de beber.
Eis algumas das maneiras que côn­
juges, colegas de trabalho, empregado­
res e até profissionais de saúde "fa c ili­
ta m " a progressão do beber do al­
coólatra.
T
Cônjuges facilitam quando:
• mudam seus próprios hábitos pa­
ra acomodar o hábito de beber do alcoó­
latra. Por exemplo, quando o alcoólatra
demora no bar e chega em casa atrasa­
do para jantar, a facilitadora corre para
a cozinha para esquentar sua comida.
• se responsabilizam por acordá-lo
de manhã quando estiver de ressaca, pa­
ra assegurar-se que chegue ao serviço
em tempo.
® cuidam dele toda vez que seu be­
ber o deixa doente. Limpam a cama, sua
roupa, o chão e o próprio alcoólatra
quando vomita.
® consolam-no quando se sente cul­
pado por algum problema que criou de­
vido a seu beber.
*
• ajudam-no a justificar suas bebe­
deiras e a mentir para seu empregador,
amigos e até filhos.
Colegas de serviço facilitam quando:
• encobrem os erros, comporta­
mento anormal e mau desempenho do al­
coólatra que está alcoolizado ou ressacado.
• bebem junto com ele e depois o
levam para casa quando não consegue
chegar sozinho.
Empregadores facilitam quando:
e permitem que um empregado com
um padrão consistente de ausências fre­
qüentes continue faltando ao serviço
sem ser investigado.
• diminuem a carga de trabalho de
um funcionário suspeito de ter um pro­
blema de bebida, transferindo-o para ou­
tro menos estressante.
P rofissionais d e S a ú d e fa cilita m
quando:
» fazem um diagnóstico baseado
em fatos apresentados exclusivamente
pelo dependente, sem consultar sua fa­
mília.
9 interpretam o abuso de álcool co­
mo sintoma de outro problema quando
provavelmente se trata da doença primá­
ria do alcoolisrrlo.
• concentram os esforços da tera­
pia nas conseqüências do beber abusi­
vo e não no próprio beber. Isto é comum
entre conselheiros matrimoniais que fi­
cam tentando melhorar a comunicação
entre os dois casados o i^ - jo suas dis­
cussões quase sempre se iniciam por es­
tar um deles embriagado.
• receitam tranqüilizantes ou outras
drogas para ajudar o dependente a con­
viver com seus problemas.
Desde que a Chácara Reindal abriu
suas portas, nove anos atrás, temos si­
do visitados por não sei quantas famílias
aflitas. Alguém da família bebe demais
e os que nos procuram não sabem o que
mais fazer para ajudá-lo. "Já tentamos
tudo", dizem eles. Naturalmente, eu lhes
pergunto o que fizeram para ajudar o al­
coólatra e, à medida que vão explican­
do, percebo que tudo que fizeram até es­
se momento estava errado, fatalmente
destinado a levar o dependente a beber
cada vez mais ao invés de levá-lo a que­
rer parar de beber.
E toda vez que conversava com uma
família destas, acabava sempre pensan­
do: "Que pena! Como faz falta no Brasil
um livro dirigido aos familiares dos alcoó­
latras” !
Agora, finalmente, esse livro apare­
ceu. Publicado pelas Edições Paulinas e
entitulado: "Alcoolismo — O Que Você
Precisa Saber". Ele pode ser adquirido
ou nas livrarias das Edições Paulinas, ou
através da revista AVE MARIA, ou por
intermédio da Chácara Reindal.
Recomendo o livro por duas razões.
A primeira é que, sinceramente, acho
que irá esclarecer e ajudar muitas famí­
lias que sofrem por conviver com um al­
coólatra. A segunda é que ele engloba,
com mais detalhes, todos os artigos que
têm aparecido na revista AVE MARIA, já
que fui eu quem os escrevi.
a v e m a ria
31
mam m
l ib iít ip d © m c g o lc s m o
D o n ald L azo
Um simples gesto quando motivado pelo
Espírito Santo desencadeia outros
milhares de gestos bons que constroem
um mundo melhor.
uando era criança, eu passava os
@„verãos
em umjpequeno povoado
nos Estados Unidòs, cham ado N or­
folk, no Estado de Connecticut. Lá,
em 1940, tornei-me amigo de uma
menina cham ada Pinky que eu consi­
derava a menina de m aior sorte do
mundo. É que o pai dela não só era
muito simpático mas tam bém milio­
nário (em dólares) e, mais do que is­
so, ele havia casado com um a mulher
(a mãe de Pinky) que era igualmente
simpática e também m ilionária. Ti­
nham tudo para ser pessoas felizes e
criar filhos felicíssimos. Mas Pinky
não teve tan ta sorte, não. Am bos os
pais m orreram de alcoolismo antes
de chegar aos 45 anos de idade. As­
sim, Pinky herdou todos os seus
milhões, mas também herdou o seu
alcoolismo. Só que Pinky se recupe­
rou de seu alcoolismo em Alcoólicos
Anônim os.
Dois anos atrás, Pinky soube que
eu pretendia levar minha esposa Sô­
nia e minhas duas filhas aos Estados
Unidos, e convidou-nos a passar al­
guns dias em Norfolk, na sua casa de
hóspedes. Sim, eu disse casa de hós­
pedes. Pinky não tinha um quarto de
hóspedes em sua casa. Tinha uma ca­
sa de hóspedes — com piscina, mesa
de bilhares, piano, órgão, banheiras
submersas — na sua propriedade.
Na nossa primeira noite nessa ca­
sa de hóspedes, quando fui deitar,
descobri que Pinky havia deixado
um livro na mesa ao lado de minha
cama. O autor do livro era um fam o­
so juiz de direito norte-am ericano, e
o título do livro era “ A AGONIA
DO ALCOOLISM O E COM O ME
LIBERTEI D ELA ” .
Comecei a lê-lo e não consegui
dorm ir até term iná-lo, lá pelas duas
horas da m anhã. Tinha trechos que
me fizeram rir e outros que trouxe­
ram lágrimas aos meus olhos. No li­
vro, cheio de lições espirituais m ara­
vilhosas e anedotas em ocionantes, o
juiz conta como superou o alcoolis­
mo através das coisas que aprendeu
com seus companheiros de Alcoóli­
cos Anônimos.
No dia seguinte, na mesa de café,
li trechos do livro para minha esposa.
Ela disse: “ Donald, esse livro precisa
ser traduzido para o português. Você
já pensou quantos membros de AA e
Al-Anon poderiam se beneficiar com
os seus ensinamentos? Já pensou
quantas famílias, que vivem a agonia
do alcoolismo, encontrariam alívio
nas suas páginas?”
Quando chegamos de volta ao
Brasil, escrevi à editora do livro nos
Estados Unidos para pedir os direi­
tos autorais para o Brasil. A resposta
à m inha carta veio do próprio juiz!
Nela, ele me cedeu os direitos, gra­
tuitam ente, dizendo-me que havia es­
crito o livro em gratidão ao AA pela
sua sobriedade.
Poucos meses depois, internou-se
na Chácara Reindal um dos maiores
advogados de São Paulo. D urante
sua estada conosco, sabendo que ele
gostava de ler e entendia o inglês per­
feitam ente, emprestei-lhe ó livro do
juiz. Ele gostou tanto que m andou
sua esposa lê-lo. Q uando ela term i­
nou, prontificou-se á traduzir o livro
para nós, também gratuitam ente.
Q uando Guiom ar term inou a tra ­
dução, a esposa de outro paciente
nosso leu a tradução e im ediatam en­
te ofereceu-se para datilografar o li­
vro inteiro, um trabalho ao qual de­
dicou várias horas por dia e term inou
em menos de um mês. Levei o m a­
nuscrito, então, às Edições Paulinas
que, devido a seu rico conteúdo espi­
ritual, concordaram em publicá-lo.
É assim que o Espírito Santo tra ­
balha. Foi assim que um gesto bonito
de uma alcoólatra norte-am ericana
(deixar o livro ao lado de m inha ca­
ma) se transform ou em um a bela lei­
tura para toda família brasileira que
sofre com o problem a do alcoolismo.
Um juiz de direito, que se recupe­
rou do alcoolismo, escreveu o livro
em gratidão. A esposa de um advoga­
do paulistano, que também se recupe­
rou do alcoolismo, traduziu o livro
em gratidão. O utra esposa de outro
alcoólatra, que tam bém se recuperou
do alcoolism o, datilografou o livro
por eratidão. Sob o título “ COM O
ME LIB ER TEI DO A LCO O LIS­
M O ” , o livro se encontra na Livraria
“ Ave M aria” , nas livrarias das Edi­
ções Paulinas e na Chácara Reindal.
Q uando você ler o livro, com preen­
derá por que m inha esposa achou
que deveria ser colocado à disposição
das famílias brasileiras que vivem
com o problem a do alcoolismo. Deve
ter despertado um sentim ento de gra­
tidão dentro dela, tam bém . Afinal,
seu m arido tam bém se recuperou do
alcoolism o, graças ao mesmo Deus
que ajudou o juiz, autor do livro.
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C H Á C A R A REINDAL
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alcoolism o
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ove m o r /c 31
(Se fiver um bebedor-problemo em sys família)
D onald Lazo (Diretor da R E IN D A L )
xiste, no Estado de Michigan
(EUA), um centro de tratam en­
to cham ado “ Guest House” (Casa de
Hóspedes) para sacerdotes que so­
frem do alcoolismo. (O fato de o
alcoolismo ser um sério problem a de
saúde entre padres norte-americanos
é mais um a prova de que, como a
diabetes, o alcoolismo é um a doença
respeitável, de origem orgânica.)
Alguns anos atrás tive ocasião de
escrever p ara o diretor desse centro
para fazer-lhe algumas perguntas.
Junto com sua resposta, ele teve a
gentileza de me enviar — como pre­
sente — o livro mais fascinante sobre
o alcoolismo que eu li até hoje, inti­
tulado “ The Emerging, Comprehensive Concept of Alcoholism” (O Con­
ceito Emergente, Compreensivo do Al­
coolismo), escrito pelo conhecido pes­
quisador e psicólogo clínico James R.
Milam. Obviamente, não fui o único
que pensei: “ Eis aqui, pela prim eira
vez, alguém que sabe realmente o
que é alcoolismo” . Esse livro, escrito
em linguagem relativamente técnica
e sem o benefício de m arketing, pro­
paganda ou patrocínio de um a edito­
ra, já vendeu mais de 50.000 exem­
plares. A dem anda e aceitação das
idéias de M ilam foram de fato feno­
menais.
Poucos meses depois, m inha es­
posa e eu fomos aos Estados Unidos
e fizemos questão de procurar o autor.
Na conversa, quando pedi ao Dr.
Milam permissão para publicar seu
livro no Basil, ele me sugeriu aguar­
dar. Ê que ele estava reescrevendo o
livro com um a jornalista, em lingua­
gem bem mais simples e clara, p ara
o público leigo.
Aguardei, com a im paciência que
me é característica, sabendo que esse
livro provocaria uma im portante e
necessária discussão dos conceitos de
alcoolismo que se têm no Brasil e que
orientam os tratamentos aos quais
são submetidos a maioria dos alcoóla­
tras neste País.
2 4 a v e m a r ia
— a relação da hipoglicemia no
alcoolismo e no processo de recupe­
ração;
— por que certas drogas usual­
m ente prescritas para alcoólatras são
perigosas — e algumas vezes fatais;
— um a orientação específica para
levar um alcoólatra ao tratam ento,
bem como um program a modelo de
tratam ento;
— o profundo im pacto causado
na família do alcoólatra e como os
membros da família podem ajudar-se
m utuam ente e tam bém ao alcoólatra;
— que m udanças devem ser feitas
nos program as sociais, nas pesquisas
e na própria classe m édica de modo
que o alcoolismo seja reconhecido e
tratado pelo que na verdade ele é:
um a doença fisiológica, não um a fra­
queza psicológica” .
Quero anunciar agora que esse
livro finalmente saiu e já está dispo­
nível, em português, no Brasil. O
título do livro em português é “AL­
COOLISMO — Os Mitos e a Reali­
dade” . Os autores são James R. M i­
lam e K atherina Ketcham.
A orelha da capa explica: “ Ainda
que exista um a substancial quantida­
de de fatos científicos, muitos mitos
continuam a distòrcer nosso conceito
de por que um a pessoa se torna um
alcoólatra — tal como o pensamento
de que um alcoólatra é um a pessoa
emocionalmente fraca. A L C O O L IS­
M O __Os M itos e a Realidade elimi­
na o estigma de culpabilidade do al­
coolismo e proporciona um a clara e
fácil explicação sobre:
No prefácio da edição norte-am e­
ricana, Mel Schulstad (co-fundador
e ex-presidente da Associação Nacio­
nal de Conselheiros em Alcoolismo)
disse: “A L C O O L IS M O _Os mitos
e a Realidade fará avançar em anos-luz o entendim ento do alcoolismo e
o processo de recuperação. O trabalho
de M ilam e Ketcham em pesquisar,
docum entar e escrever este livro colo­
cou a todos nós como seus devedores.
Esperam os que este livro lance luzes
na escuridão e nos leve p ara mais
perto de um entendim ento completo
da moléstia do alcoolismo e, através
deste novo entendim ento, alcance m i­
lhões de nossos irmãos homens e m u­
lheres que hoje estão sofrendo — e
m orrendo — por causa da ignorância
da sociedade” .
Em bora teoricam ente disponível
em todo o território nacional, sei que
m ilhares e milhares dos leitores de
AVE MARIA m oram em pequenas
cidades onde o livro não se encontra.
Estas pessoas podem adquiri-lo, es­
—
a importância capital da nutri­crevendo para Revista A VE M A R I A ,
ção tanto na progressão da doença Rua M artim Francisco, 656 (CEP
como no seu tratam ento;
01226) São Paulo, SP.
Donald Lazo
sta semana recebi uma carta,
rda esposa de um alcoólatra,
que é tão típica da situação que vi­
vem milhares de mulheres neste
país, que achei por bem reproduzila aqui, devidamente guardando o
anonimato das pessoas envolvidas.
Faço isto para que a carta seja lida
por outras esposas com problemas
idênticos, para que sintam que,
longe de estarem sozinhas no
m undo, compartilham uma expe­
riência extremamente comum com
milhares de outras mulheres viven­
do com um marido cujo alcoolis­
mo o leva a maltratar os outros
enquanto se ilude de estar bebendo
igual aos demais e de poder parar a
hora que quiser. Esposas nesta si­
tuação ficam desesperadas, mas
aguentam firme (às vezes por anos
e anos) e, por não entender o al­
coolismo, facilitam a progressão
da doença do marido até que este,
por fim, morre dela. E os filhos
que passam sua infância e adoles­
cência num lar onde um dos pais é
alcoólatra, são os que mais sofrem
— marcados (provavelmente para
sempre) pela convivência aterra­
dora com um fenômeno que abso­
lutam ente não com preendem .
Prestem atenção a esta carta:
“ Lendo a reportagem na Re­
vista “ Ave M aria” sobre o proble­
ma do alcoolismo e sendo eu es­
posa de um alcoólatra, gostaria de
receber maior orientação sobre o
assunto.
“ Q uando nos casamos, ele be­
bia pouco e à medida que os anos
foram passando o problema foi se
agravando, chegando até a perder
emppego. E- cada vez que isso
acontece, é um motivo a mais para
se afogar cada vez mais na bebida.
‘Ele é... e ganha pouco. Eu
sou... e ganho pouco também,
tendo que colocar todo o meu or­
denado no orçam ento da casa.
“ Temos uma filha com ... anos
(adolescente) e ela agora está se re­
voltando com o ambiente de bri­
gas dentro de casa. Nossas brigas
são horríveis e quase que diárias.
“ Q uando ele não bebe ele tem
um grande amor por nós, nos tra­
ta com muito carinho e sempre
promete parar de beber, mas isto
dura alguns dias ou às vezes pou­
cas horas. Estando embriagado,
ele nos odeia e a ele também.
“ Eu estou sentindo que não
tenho mais forças para viver. Pre­
ciso de ajuda de alguém. Já tentei
ajudá-lo. Fizemos encontro de ca­
sais. Uma vez consegui que ele
frequentasse reuniões de AA mas
foram só umas duas ou três sema­
nas, depois desanim ou.
“ Já conversamos m uito sobre
o assunto, sentados à mesa de casa
em diálogo amigável, mas ele não
aceita que o nosso problem a seja
porque ele bebe demais. Ele diz
que o nosso problem a é a falta de
dinheiro. Ele age assim justamente
porque a partir do momento em
que adm itir que precisa parar de
beber, terá de fazê-lo.
“ Eu estou com esgotamento
nervogo, muito abalada e ando fa­
lhando nas minhas obrigações em
casa e também no meu serviço. Es­
tou fazendo uso de calmantes por
ordem médica. Estou desesperada
e penso que a única solução seria
uma separação, m uito em bora eu
não esteja preparada psicologica­
mente para isso, pois sei que uma
separação definitiva entre um ca­
sal traz conseqüências dolorosas e
profundas para todos. Não sei co­
mo vocês poderão me ajudar mas
peço, pelo amor de Deus, façam
alguma coisa” .
Há coisas que podem, e devem,
ser feitas — pela própria esposa.
Mas prim eira é necessário enten­
der o alcoolismo. As Edições Paulinas acabam de publicar um livro
para esta esposa, e para as milha­
res que, neste instante, estão na
mesmíssima situação que ela. O li­
vro se cham a “ COMO PR O C E­
DER COM O ALCOÓLATRA” ,
e pode ser obtido nas livrarias das
Edições Paulinas espalhadas pelo
Brasil, ou através da Revista AVE
MARIA. Mas não adianta ler o li­
vro sem colocar em prática os conselhor nele contidos. Pois a ado­
ção de medidas acertadas, por
parte da esposa do alcoólatra, fará
com que ela se sinta cada vez me­
nos desesperada, os filhos se sin­
tam cada vez menos confusos, e o
pai se dê conta de que existe uma
saída para todos os seus proble­
mas, (parar de beber), e que deve
procurar essa saída.
•
C 0M 0PR 0C ® ®
CÇMO
ij. T w erslá,
g p
a v ê m a r ia 2 9
 banded©
psra o alcoólatra
D o n ald L azo
(D iretor da REINDAL)
Não deu outra. Três semanas
r cabo de ler um livro escrito
L _jC\Lpelo D r. Abraham Twerski, depois, a uma hora da m anhã, re­
diretor clinico do Departamento de cebeu a chamada. Ele poderia ter
Psiquiatria do Hospital Geral St. recusado a admissão pelo telefo­
Francis em Pittsburgh, Pennsylva- ne. Ao invés disso, levantou-se da
nia (EUA). O livro se chama can^a, vestiu a roupa e foi até o
C AU TIO N — “Kindness” Can hospital. Apesar das implorações
Be Dangerous to the Alcoholic” da mulher, ele foi firme em recu­
(“ CUIDADO — A “ Bondade” sar sua internação. M andou a mu­
Pode Ser Perigosa Para o Alcoó­ lher embora. Depois, passou o res­
to da noité acordado. Não conse­
latra” ).
No prefácio do livro, o autor guia dormir, pensando na mulher
psiquiatra lembra o caso de uma e onde ela poderia estar. N a m a­
mulher que foi internada repetidas nhã seguinte, ligou para seus fami­
vezes em um hospital para ser de­ liares para saber dela.
sintoxicada. Averiguações por
Dr. Twerski enfatiza que há
parte do médico revelaram que a uma diferença muito grande entre
mulher nunca havia seguido o pla­ m andar uma mulher embriagada
no de seguimento pós-internação em bora de uma sala de emergência
recomendado por ele. Toda vez pelos motivos explicados acima, e
em que ela recebia alta de uma de­ recusar a tratar alcoólatras “ por­
sintoxicação, voltava à sua vida que nós não queremos bêbados
rotineira, que incluía beber de vez aqui dentro” . Ele não simpatiza
em quando.
em absoluto com os hospitais que
Tornou-se óbvio para o medi­ se recusam “ sujar suas mãozinhas
do que ela se permitia voltar a be­ brancas com pessoas embriaga­
ber porque sabia que, quando fi­ das” , como ele mesmo o coloca.
casse doente por causa da bebida, Ele acha que talvez o melhor teste
sempre poderia procurar o Dr. seja o seguinte: se você não se sen­
Twerski. Ele restauraria sua saúde tir mal e preocupado ao m andar
e a faria sentir-se bem de novo. um alcoólatra embora, então você
Dr. Twerski percebeu que ele se não tem o direito de fazê-lo.
havia tornado parte do sistema de
O Dr. Twerski não estranhou
apoio à crescente dependência da absolutamente nada que a mulher
mulher. Havia-se tornado parte acabou se preocupando consigo
do problem a em vez de parte da mesma. Quando escreveu seu livro,
solução!
ela já estava sóbria há quatro
P ortanto, antes de dar-lhe alta anos.
do hospital, o médico explicou à
Não canso de repetir: o alcoo­
sua paciente que, se ela não seguis­ lismo é uma doença diferente. Ele
se suas instruções relativas ao se­ quebra todas as regras. O alcoóla­
guimento do tratamento, ele recu­ tra cria dependência da bebida,
saria admiti-la de novo. Ele deixou mas não é um doente mental e não
instruções também na sala de está fora de controle. Vai me dizer
emergência, pedindo que o cha­ que o homem que entra no seu bo­
massem imediatamente, se a mu­ tequim predileto (estou descreven­
lher aparecesse aí de novo.
do o caso da grande maioria dos
alcoólatras) cumprimenta todos
os companheiros, pede sua marca,
m anda pôr dois dedos de água mi­
neral “ e bastante gelo” , e depois
bota o troco exato no balcão —
não sabe o que está fazendo?
Sabe, sim. Eu fiz isso milhares de
vezes. Sabe o que está fazendo e
sabe que está errado. Que tem es­
posa e filhos e que não tem o direi­
to de andar gastando todo o seu
dinheiro no botequim . Sabe que,
quando chegar em casa, vai levar
uma bronca danada. A esposa
provavelm ente vai chorar de
novo. Isto o preocupa. Ele carrega
um tremendo sentimento de culpa
pelas milhares de vezes que já fez
aquilo.
Mas também sabe que não vai
levar mais do que um a bronca. A
esposa acabará aceitando. Ela
sempre acaba aceitando. Também,
se o negócio engrossar, alguém
sempre chegará para interná-lo de
novo. Então, fica o conflito.
“ Bebo ou não bebo? Realmente,
não devo. Mas, poxa, um a só não
vai me fazer mal. P or outro lado,
se beber agora, vou gastar mais
dinheiro e criar mais problem as
com Silvinha” . ELE ESTÁ P E ­
SANDO AS O PÇ Õ ES. Acaba
decidindo pela bebida. Sempre.
Até que as desvantagens prom e­
tem ser piores que as vantagens.
Ou até m orrer.
q ueiram ; é preciso que ele queira).
E para ele querer, é necessário que as
desvantagens do beber sejam para ele
— e co ntinuem se p ro n u n cian d o para
ele — consistentem ente m aiores que
as vantagens.
Felizm ente, a dependência que leva
o alcoólatra a querer co n tin u ar
b eb en d o tam bém lhe cria problem as
crescentes de to d o tip o : problem as na
fam ília, no em prego, problem as
financeiros, em ocionais, psicológicos,
espirituais e físicos. Estes problemas
ALCOOLISMO.
A “AJUDA”
QUE ATRAPALHA.
DONALD LAZO
D urante décadas, o co m portam ento
inadequado dos que abusavam da
bebida — e não o fato de beber —
n o rteo u a abordagem do alcoolismo.
Quem abusava do álcool era
considerado u m m au elem ento que
m erecia ser punido pelas transgressões
com etidas. Isso encerrava o assunto.
N este século, graças à nova visão de
alguns profissionais e à cruzada
entusiasta dos m em bros da Alcoólicos
A nônim os, aqueles que por beberem
dem ais resultam nocivos a si m esm os e
a ou tro s passaram a ser considerados
doentes, não maus. D efensores do
con ceito do alcoolismo com o doença
argum entam que o com portam ento
inadequado do alcoólatra ocorre
contra sua vontade, porque ele perdeu
o controle da bebida.
A solução óbvia não seria evitar a
bebida, tal com o a Alcoólicos
A nônim os sugere a quem procura a
irm andade? E quando o alcoólatra
o p ta p o r não evitá-la, a conclusão
lógica não seria a de que ele é m esm o
u m a pessoa m á, ou pelo m enos
irresponsável, já que escolhe beber
sem im portar-se com as conseqüências?
N ão — respondem os que consideram o
alcoolism o um a doença. P orque sua
falta de controle atinge inclusive sua
capacidade de escolha entre beber ou
evitar a b e b id a Assim, o alcoólatra
vem sendo cada vez mais acolhido
com o v ítim a de um a com pulsão que o
condena a beber mesmo co n tra sua
vontade, e o condena a exceder-se a
p artir do m o m en to em que bebe.
A m eu ver, os defensores do
conceito de alcoolismo com o doença
o levam longe demais. Se é verdade
que o alcoólatra não p ode co n tro lar
a bebida, e sequer a decisão de beber
ou não, com o se explica que centenas
de m ilhares de alcoólatras já tenham
se recuperado, ab an d o n an d o a bebida?
Infelizm ente, n o seu entusiasm o
hum an ista ao defen d er o alcoólatra, os
apologistas do conceito doença
exageram ao argum entar que o
alcoólatra não co n tro la a decisão de
beber ou não, e que bebe c o n tra sua
vontade. Isso não é co rreto . O
alcoólatra com eça a beber e continua
bebendo porque é essa sua vontade.
E tam bém p o rq u e sabe que, m esm o
que beber o leve a conseqüências
negativas para si e o u tro s, sem pre
haverá alguém p o r p e rto p ara
resolver os problem as causados pela
bebida e ju stificar o beber exagerado.
É preciso en ten d er que essa doença
não consiste em absoluto n a perda
de controle sobre a escolha de beber
ou não, e sim na perda da vontade
de co n tro lar a beb id a q u an d o já está
no corpo (ou na cabeça) d o alcoólatra.
Ou seja, q u an d o com eça a beber, o
alcoólatra perd e a von tad e de parar e,
p o rtan to , co n tin u a bebendo. Mas,
antes de com eçar, ele pode decidir
beber ou não. Se o alco ó latra parece
optar sem pre p o r beber é p o rque, em
prim eiro lugar, n ão sabe que é
alcoólatra e que beber sem problem as,
para ele, é um a im possibilidade. Em
segundo lugar, isso acontece porque
vive cercado de pessoas que assumem
a responsabilidade pelos problem as
causados pelo seu beber, de m o d o que
ele nu n ca é responsabilizado pelos
seus atos. (Os facilitadores fazem isto,
por sinal, p o rq u e pensam que o
alcoólatra bebe p o r causa desses
problem as, q u ando na verdade é o
contrário: ele tem esses problem as
porque bebe).
E fu n dam ental en ten d er a
seguinte lógica: p ara se recuperar, o
alcoólatra precisa p arar de beber.
Para parar, é necessário que ele queira
parar (não adianta que os o u tro s
constituem a maior motivação para o
alcoólatra querer parar de beber.
P o rtan to , devem ser considerados os
m aiores aliados dos que desejam salvar
a vida do alcoólatra. Com exceção
daqueles que constituem risco físico
im ediato, nenhum destes problem as
deve ser resolvido ou aliviado pelos
outros. Q uando se en ten d e que o
alcoólatra é u m a pessoa que está
m o rre n d o devido a u m a condição
progressiva e fatal, pode-se avaliar que
n en h u m problem a criado pelo seu
b eber é mais perigoso ou prejudicial
para ele que o fato de ele co n tin u ar
bebendo.
O conceito de alcoolism o com o
doença gera u m a piedade que, até
certo p o n to , o alcoólatra m erece. Mas
os que sentem piedade dele tendem
a resolver ou atenuar seus problem as e,
agindo assim, tiram -lhe a m otivação
para querer parar de beber. P o r isso,
cham am os estas pessoas de
facilitadoras. Porque facilitam a
progressão da doença que está
levando o alcoólatra à m orte.
O que se deve fazer é explicar ao
alcoólatra que a sua é u m a doença
respeitável, porém progressiva e fatal
se n ão parar de beber, e que ele
m o stra os sintom as da doença. Deve-se
explicar-lhe que a solução é parar de
b eb er e que isso não é difícil se
aproveitar a ajuda disponível
(tra ta m e n to ou AA, ou, m elh o r
ainda, tratam e n to e AA). D adas
essas explicações, o alco ó latra precisa
ser responsabilizado para que decida
se vai parar de beber ou se vai sofrer
todas as conseqüências (salvo, repito,
as que constituem perigo físico
im inente) de seguir bebendo. A p artir
desse m o m en to , não se deve ajudá-lo
de form a algum a até que m ostre —
com ações e palavras — o desejo de
ab an d o n ar a bebida.
E
D onald Lazo, alcoólatra recuperado, dirige
com a esposa, Sônia Maria M anelli, a Oiúcara R eindal - Recuperação Integral do
D oente Alcoólatra.
Convém resolver os problemas
do alcoólatra?
D o n ald L azo
(Ou seria melhor deixá-lo sofrer
as conseqüências do seu beber?)
o é um círculo vicioso.
D alcoolism
Sua causa é o beber, pois, sem o
beber, um a pessoa não se to rn aria al­
coólatra. N o entanto, nem to d a pes­
soa que bebe desenvolve o alcoolis­
m o. Só um a em cada dez pessoas que
bebem en tra no círculo vicioso.
O círculo vicioso é fácil de descre­
ver. A pessoa experimenta a bebida
alcoólica e aprende que um drinque o
faz sentir-se bem , dois drinques me­
lhor ainda e três drinques m uito m e­
lhor. Descobre que este efeito ocorre
sem pre. N ão dem ora m uito para a
pessoa com eçar a procurar o efeito.
É o início da dependência.
É a sua dependência progressiva
que leva o alcoólatra a beber cada
vez m ais, criando o círculo vicioso ao
qual me refiro. Um gráfico ajuda a
entender.
BEBER— > Benefícios—»D ependência
t
J
Este gráfico basta para descrever
o alcoolism o. O alcoólatra é benefi­
ciado porque bebe. Cria dependência
porque é beneficiado. E ntão, bebe
porque criou dependência. O proces­
so é progressivo e (por ser o álcool
um tóxico), no fim, fatal. A única
m aneira de deter a progressão do al­
coolism o e pôr fim ao processo do
círculo vicioso é parar de beber. Se
ab an d o n ar a bebida — totalm ente e
para sem pre — , o alcoólatra se recu­
pera. Se voltar a beber anos depois,
en trará de novo no círculo vicioso e
co n tin u ará sua cam inhada em dire­
ção à m orte.
M as há um fator adicional que
não está neste gráfico. É que, além
de levar o alcoólatra a beber mais
ainda, a dependência tem um segun­
do efeito. Ela gera problem as para o
'alcoólatra (ou não permite que ele re­
solva os problem as que surgem n o r­
m alm ente). Assim, o gráfico poderia
ser com pletado da seguinte form a:
BEBER— »Benefícios— »Dependência
1*f
1
«r
^
V — ---- — ------------------ PRO BLEM A S
Que tipos de problem as são cria­
dos pela dependência? Bem, todo tipo
de problem a. Porque dependência
significa um relacionam ento muito
especial entre o alcoólatra e sua gar­
rafa. Já que ele dá cada vez mais
prioridade à bebida (e cada vez m e­
nos atenção a sua esposa, seus filhos,
seu emprego, suas responsabilida­
des), fatalm ente a dependência leva a
problem as financeiros, familiares,
m orais, físicos, emocionais e psicoló­
gicos.
É aqui que entra em jogo a ce­
gueira parcial da sociedade. A socie­
dade não sabe que o alcoolism o é o
círculo vicioso descrito no prim eiro
gráfico e não vê as partes mais im­
portantes do círculo, ou seja, os be­
nefícios que o alcoólatra obtém e a
dependência à qual eles levam . Os
benefícios e a dependência são invisí­
veis. As únicas coisas que são visíveis
aos demais são o beber do alcoólatra
e seus problem as. A sociedade vê
um a pessoa cheia de problem as que
está bebendo m uito. Quer dizer, só
vê esta parte do gráfico:
coólatra, pois lhe serve com o justifi­
cativa para beber. Ele fará tudo para
fortalecer essa conclusão.
As conseqüências de ver, nos p ro ­
blemas que o alcoólatra tem , a ex­
plicação de seu beber, são desastro­
sas, pela seguinte razão: o alcoólatra
só se recuperará se p arar de beber;
salvo em raros casos, só p arará se se
tratar; só se trata rá, caso se sinta m o­
tivado a isso; e só se sentirá m otiva­
do, se as desvantagens do beber (exa­
tam ente os “ problem as” do gráfico)
são superiores às vantagens (os “ be­
nefícios” do gráfico). Mas todos os
que cercam o alcoólatra acham que
esses problemas são a causa do alcoo­
lismo e que devem ser amenizados!
E é exatam ente o que procuram
fazer, por anos a fio: am enizar os
problem as que consideram a m otiva­
ção do beber do alcoólatra. (Volto a
esclarecer: os problem as são conse­
qüência do beber e não a causa. São,
isto sim, um a bela justificativa para
beber, usada inclusive pelo alcoóla­
tra p ara “ explicar” porque ele bebe
demais.) Tragicam ente, os outros
acom panham essas justificativas,
concordam com o “ coitado” , se em ­
penham em elim inar os problem as,
e, ao eliminá-los, ELIM INAM P R E ­
CISA M EN TE A Q U ILO QUE LE­
V A R IA O A L C O Ó L A T R A A
A CEITA R O TRATAM ENTO DE
QUE PREC ISA .
R esultado: o alcoólatra não sofre
as conseqüências do seu beber, não
sente m otivos para parar de beber,
recusa tratam ento, continua beben­
do e acaba m orrendo.
s
JtHn
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolismo
BEBER
t
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
------------------------------------ PRO BLEM A S
Quem vê só aquilo não irá enten­
der o que está acontecendo. Conclui­
rá, naturalm ente, que os problem as
são a causa do beber do alcoólatra;
um a conclusão absolutam ente errada.
Mesmo assim, é um a conclusão ex­
trem am ente conveniente p ara o al­
V
Cx. Postal 20.896
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
________________ /
ave
maria 29
CONVÉM MIMAR O ÂLCOÓLÂTRÁ?
D o n ald L azo (D iretor d a Reindal)
O que devemos fazer é
levar o alcoólatra a
aceitar um tratamento.
um folheto que traduzi anos
atrás e na seqüência de artigos
que venho escrevendo para os leito­
res de AVE M ARIA, tenho sugerido
desam parar ao invés de am parar,
proteger e constantemente “ quebrar
os galhos” do alcoólatra, com o in­
tuito de levá-lo a tom ar a sério sua
necessidade de abandonar a bebida.
Seria temerária esta atitude? Em
junho, um a revista disse: “ Um a pes­
soa em crise pode eventualmente se
recuperar, mas é bem mais possível
que afunde na depressão. Assim, o
individuo que já não conta com
apoio psicológico da família, que
perde o emprego, etc. pode, em lugar
de salvar sua vida, tentar acabar com
ela” .
Não concordo. As pessoas pen­
sam em acabar com suas vidas quan­
do nâo vêem qualquer solução para
seu problema; quando sentem que to­
das as saídas estão fechadas. Mas esse
caso não se aplica aos meus conse­
lhos. Estava implícito, naquele folhe­
to e nos meus artigos (pelo menos, as­
sim espero), que há uma saída e que
isto deve ser dito ao alcoólatra em ter­
mos mais ou menos assim: “ Há uma
saída: tratam ento. Se você se tratar,
lhe daremos todo o nosso apoio. Con­
tudo, se você não aceitar tratam en­
to, terá que se virar sozinho daqui por
diante” . Os Alcoólicos Anônimos
têm a sua maneira de dizer algo pare­
cido. Eles dizem: “ Se você quer
beber, o problema é seu. Se quiser pa­
rar de beber, o problema é nosso” .
Nos-Estados Unidos aprenderam
a ir bem mais longe. Hoje os empre­
gadores e os familiares de um alcoó­
latra estão sendo treinados a se reu­
nir com ele e colocá-lo contra a pare­
de. O empregador lhe diz: “ Alfredo,
queremos vê-lo bem de novo. P or is­
so, estamos oferecendo-lhe um trata­
m ento. Se você aceitar, a empresa
pagará o tratam ento e seu salário en­
quanto estiver internado. Mas, se vo­
cê não aceitar, será dem itido” . E a
esposa acrescenta: “ Eu também que­
ro vê-lo bem porque o am o verda­
deiramente. Mas não podem os conti­
nuar deste jeito. P ortanto, se você
não se tratar, eu vou em bora com as
crianças” .
Dada essa opção, 99 alcoólatras
em 100 aceitam o tratam ento, mesmo
com relutância. Nâo faz mal que seja
com relutância. Cabe ao centro de
tratam ento convencer o alcoólatra de
que ele é alcoólatra, de que precisa
parar de beber e de que, para isso, es­
tá no lugar certo.
A grande barreira em alcoolismo
é a de levar o alcoólatra a aceitar um
tratam ento. Ele vive dizendo: “ Eu
bebo quando quero e paro quando
quero” (só a prim eira parte é verda­
de); “ Não preciso de ajuda — eu p a­
ro sozinho ... am anhã” (nenhuma
parte é verdade).
Raramente um alcoólatra aceita
tratam ento. E raram ente, sem trata­
m ento, conseguirá abandonar a bebi­
da. Sozinho não irá parar. Vai beber
até m orrer. E m uito antes de m orrer,
todos os que convivem com ele vão
querer vê-lo m orto. Porque viver
com um alcoólatra é um inferno.
Parece-me que o que a revista
não tom ou em conta é que não há al­
ternativa para essa atitude aparente­
m ente temerária. Estam os falando
de um dependente de um a droga. Se
você continuar tirando o alcoólatra
de seus apertos, cobrindo seus che­
ques sem fundos, telefonando para
seu chefe para dizer que ele não irá
trabalhar hoje porque está gripado,
etc., ele continuará bebendo, dizen­
do e achando que a bebida não lhe
faz mal. C ontinuará bebendo e pio­
rando, ficando cada vez mais depen­
dente do álcool. Vai chegar a hora
em que fatalm ente perderá o empre­
go. E continuará bebendo, dizendo
agora que é porque perdeu o em pre­
go. Mais adiante ele perderá a fam í­
lia. E continuará bebendo mais do
que nunca, dizendo que é porque
perdeu a família. No fim, acabará
m orrendo — ou por um acidente, ou
por cirrose ou por suicídio mesmo. E
será porque ninguém quis magoá-lo
ou tratá-lo “ m al” enquanto ainda
havia chance de levá-lo a um tra ta ­
m ento.
®
.
----------------- ^
_
C H Á C A R A REINDAL
Especializada em
alcooiism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Posía! 20.895
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
V _______________ ,_______________J
o v e m a r ia 2 7
A LC O O LIS M O
O caso do marido imaginário
por Stephanie Abbot
uitos casamentos que resistem a
anos de alcoolismo ativo não consegjem sobreviver à sobriedade, porque
cepois que o alcoólatra pára de beber
asscobrem-se incompatibilidades que o
beber havia mascarado. O cônjuge coaicoólatra percebe que a nova personaziade do marido em nada se assemelha
ao ideal imaginado. Assim, ela vê seu
. erdadeiro marido como se fosse um vi­
sitante passageiro, que logo será subs: tuído pelo ideal imaginado. E continua
. vendo uma vida sonhadora, da manei­
ra que fazia quando o marido bebia.
Recentemente, por exemplo, uma
cíiente sentada na minha frente no con­
sultório parecia quase eufórica quando
começou a descrever sua vida com o
marido. "É um pai maravilhoso e um óti­
mo marido, quando não está bêbado'',
disse ela. "A s crianças o adoram e ele
realmente me ouve é gentil e se preocu­
pa comigo.''
Mas aí ela passou a descrever os
particulares da situação em sua família:
seu marido raramente se encontrava em
casa porque passava a maior parte do
seu tempo livre nos bares. E quando es­
tava em casa, geralmente estava dor­
mindo. Ela se havia adaptado a este
comportamento, tomando conta de to­
dos os afazeres de que o marido não con­
seguia se desincumbir, inclusive todas as
obrigações de um pai.
Ao terminar sua história de como es­
tava convivendo com seu "maravilho­
so" marido alcoólatra, ela se inclinou pa­
ra frente e disse: "Eu o amo. Temos um
bom relacionamento quando ele está só­
brio. Jamais poderia deixá-lo porque não
quero viver sem marido".
Fiquei fascinada porque me dei con­
ta, enquanto ela falava, que a mulher ha­
via criado um marido que não existia. O
que ela tinha, na realidade, era um alcoó­
latra extremamente doente, mas havia
criado a ilusão — para si mesma e para
os outros — de um ser humano que fun­
M
cionava. Na verdade, não havia marido
algum nessa família. A mulher já vinha
"vivendo sem marido" há muitos anos.
Toda vez que um membro de algu­
ma família me diz que ama seu alcoóla­
tra "quando está sóbrio", ou então que
ama seu alcoólatra mas não consegue
me dar uma única razão para explicar
porquê, então eu sei que eles estão vi­
vendo no Reino Mágico de suas imagi­
nações.
O sistema pode se manter em equi­
líbrio por muito tempo — o bebedor na
sua fantasia alcoólica e os outros mem­
bros da família nas suas próprias Disneylândias. Eles podem achar que a sobrie­
dade resolverá todos os seus problemas.
Mas a sobriedade — se vier — tem um
efeito colateral inesperado: todos os so­
nhadores acordam!
Conversei recentemente com um
marido zangado que havia marcado uma
hora comigo para discutir o progresso
pós-tratamento de sua esposa alcoóla­
tra. Embora houvesse me contado antes
que se ela pudesse apenas se manter só­
bria não haveria problemas porque sem­
pre se deram bem quando ela não bebia,
agora ele me dizia: "A gente briga o tem­
po todo, ultimamente. E ela critica tudo
que eu faço".
Para mim era uma história conheci­
da. Com freqüência, os alcoólatras são
supercharmosos durante seus curtos pe­
ríodos de abstinência para "compensar"
suas bebedeiras. Poderão não tomar par­
te ativa nas decisões da família,
contentando-se em deixar que o cônju­
ge faça as coisas à sua maneira, contan­
to que o beber não seja ameaçado. A es­
posa do meu cliente havia conseguido
vários meses de sobriedade participan­
do ativamente da Associação dos Alcoó­
latras e havia sido libertada do seu sen­
timento de culpa. Além disso, seu gru­
po de terapia a havia encorajado a de­
fender seus pontos de vista ao invés de
sempre ceder. Seu comportamento ha­
via mudado bastante e o marido confu­
so não estava gostando desta "nova es­
posa". Mas, na realidade, esta era sua
verdadeira personalidade. A esposa imagiijiária havia desaparecido para sempre.
O fim do beber é apenas o início da
recuperação. Somente o primeiro dos
Doze Passos da AA e Al-Anon se refere
•à bebida. Ainda restam onze por prati­
car. Os relaciomentos têm vida própria
e, como os indivíduos, podem demorar
para se restabelecer. Contudo, restabelecer-se-ão mesmo, se os envolvidos ti­
verem a coragem para tentar e o amor
para perseverar. Quando partem as pes­
soas imaginárias, entram em cena pes­
soas reais.
•
Senhor,
o nosso coração
está inquieto...
"
(S ^ A g o g tin h o l
Você não está
inquieto? inquieta?
Jovem, qual o seu ideal?
VIDA RELIGIOSA
AGOSTINIANA:
*
Vida de oração
® Comunidade Fraterna
• Serviço ao povo de Deus:
evangelização, educação,
promoção humana,
missão, CEBs.
INFORMAÇÕES EM NOSSO
SECRETARIADO VOCACIONAL
Irmãs Agostinianas Missionárias
Padres Agostinianos
R. Eng. Figueiredo, 31 - Vila Mariana
04012 - São Paulo - SP
Fone: (011) 571-8959
a v e m a r ia
31
Um bí@¥@programa para orientar
familiares de alcoólatras
D o n ald L azo
É preciso tomar medidas construtivas
para reequilibrar o lar e levar o marido
ao tratamento de que tanto precisa.
uitas pessoas perguntam por
que as esposas de alcoólafras se
sujeitam a tanto abuso, durante tan­
tos anos, por parte de seus maridos.
Percebendo o quanto seus filhos estão
sendo prejudicados pelas atitudes e o
com portamento do pai, por que não
pegam esses filhos e vão embora?
Parte da resposta, sem dúvida,
está no fato de ser o Brasil, com o to ­
do país latino que conheço, ainda um
país dos homens, onde o lugar da
mulher, em grande parte, continua
sendo a cozinha, e sua principal tare­
fa a de cuidar dos filhos. Desde o
berço a mulher latina é treinada a
aceitar esse papel. E, se o marido be­
be demais, apronta e, às vezes, fica
violento, quem é ela para fazer algo a
respeito? Ela ainda está condicionada
a aceitar o papel de vítima sofrida e
inoperante, “ carregando a sua cruz”
até onde for necessário. Além do
mais, quando ela aceitou seu cônjuge
“ como legítimo esposo” , ela prom e­
teu “ amá-lo e respeitá-lo, na alegria e
na tristeza, na saúde e na doença, na
riqueza e na pobreza” . Uma mulher
que fez esse voto de lealdade não dei­
xa de lado o sacramento do m atrim ô­
nio tão facilmente, nem deve fazê-lo.
H á outro fator interessante. Re­
cebo muitas chamadas de mulheres
casadas com alcoólatras. Falam , às
vezes, durante cinco a dez m inutos
sobre as am arguras que estão sofren­
do, nas mãos de seus m aridos. As
histórias que contam são de arrepiar,
'mormente quando o alcoólatra já
chegou ao estágio da violência. Fre­
qüentemente, interrompo e pergunto:
“ Dona Helena, posso fazer-lhe um a
pergunta? Por que a senhora aceita
esse abuso todo?” A resposta é inva­
riavelmente esta: “ Porque eu am o
meu m arido. Quando não bebe, ele é
um san to !” Essas esposas obviam en­
te vivem na esperança de que algum
M
dia o m arido decidirá, espontanea­
mente, abandonar a bebida e virar
santo de uma vez. E mesmo que se
lhes explique que só um em mil irá
abandonar a bebida por conta pró­
pria (e nenhum se tornará santo co­
m o conseqüência!), elas viverão — se
aquilo se pode cham ar de vida —
com a esperança de que seu m arido
será esse um.
Existem outras razões. Algumas
esposas dizem que não abandonam o
m arido “ por causa dos filhos” . Não
querem que os filhos cresçam sem
pai. Esse é um dos poucos argum en­
tos que, para m im, não tem qualquer
fundam ento. Porque eu sei que os fi­
lhos de um alcoólatra são mais p reju­
dicados do que ajudados pela convi­
vência com ele. (Em futuros artigos,
pretendo escrever sobre as desastro­
sas conseqüências do alcoolismo pa­
ra os filhos de um alcoólatra que,
anos mais tarde, ou acabarão sendo
alcoólatras eles mesmos, ou então —
em núm ero surpreendente — acaba­
rão casando com um alcoólatra. E,
em todo caso, serão pessoas desequi­
libradas.)
Claro que a solução p ara o alcoo­
lismo de um m arido não é pegar e
abandonar o hom em . A final, ele é de
fato um a pessoa doente, em termos.
A solução é tom ar medidas constru­
tivas para reequilibrar o lar e levar o
m arido ao tratam ento de que tanto
precisa.
Acontece que os mesmos fatores
que inibem a esposa de abandonar
um m arido que abusa da bebida e de­
la, tam bém impedem que ela tome
medidas construtivas p ara resolver o
principal problem a de sua vida. Com
duas agravantes: (a) ela invariavel­
mente pensa que não h á solução defi­
nitiva para o alcoolismo (o que está
m uito longe da verdade); e (2) ela
não tem a m enor idéia do que deve
fazer. R esultado: em 99% dos casos,
a situação continua piorando até o
alcoólatra finalm ente m orrer e dei­
xar a fam ilia descansar em pesarosa
paz.
Esta situação desesperadora é su­
portada, na m inha estim ativa, por
um a em cada três famílias brasilei­
ras. No m ínim o, 30 milhões de brasi­
leiros estão vivendo, aflitos, com um
alcoólatra n a fam ília, sem ter a quem
recorrer.
Essa situação vai m udar. Em
m arço deste ano, a' C hácara Reindal
inaugurou o primeiro Program a Resi­
dencial Familiar no Brasil, modelado
nos que vêm florescendo, nos últimos
anos, nos EUA. Baseia-se na certeza
de que, se alguém de sua família bebe
demais, VOCÊ precisa de ajuda!
O Program a Residencial Fam iliar
da Chácara Reindal visa ensinar —
às pessoas que têm um alcoólatra na
família — como o alcoolismo afeta a
todos os mem bros da família, e o que
estes devem fazer para (a) voltar ao
equilíbrio emocional e (b) levar o al­
coólatra a aceitar tratam ento. Com
suas palestras e filmes, o Program a é
especialmente interessante para psicó­
logos e assistentes sociais, e também
para as pessoas que já freqüentam
algum G rupo Fam iliar de Al-Anon.
A judá-los-á a com preender melhor o
program a de Al-A non e a estender a
m ão, através da A l-A non, a outros
familiares que estão buscando um
cam inho. P ara m aiores detalhes, po­
dem escrever para C hácara Reindal,
Cx. Postal 20.896, São Paulo, SP
(telefone: (011) 520-9514).
í
~\
C H Á C A R A REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Posta! 20.896
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
V
:_________ _________________ J
a v e m a r ia 31
Como o alcoolismo afeta os outros membros da família.
C 3 alcoólatra gostaria p o d er beber
sem criar problem as p ara si e p ara os
o u tros, m as não consegue. Q u an to
mais ten ta, mais fracassa. Assim ,
acaba tendo um a baixíssim a opinião
de si m esm o, achando que n ão pres­
ta e que o m undo seria m elhor sem
ele.
P o r achar-se um a pessoa sem valor, o alcoólatra é incapaz de tran s­
m itir um sentido de valor a seus fi­
lhos. A pós alguns anos, o crescente
sentim ento de desvalorização c o n ta­
gia a fam ília inteira. Sem a ju d a ex­
terna, esta família com eçará a m os­
trar sintom as psicológicos de um ou
o u tro tip o , m uitos incrivelm ente se­
m elhantes aos sintom as m ostrados
pelo próprio alcoólatra. C om o tem ­
p o, todos seguirão o lento cam inho
da desintegração pessoal, com o indi­
víduos e com o fam ília. E m esm o que
o alcoólatra acabe conseguindo a ju ­
da, provavelm ente será tard e dem ais
p ara evitar os sérios danos em ocio­
nais e espirituais causados ao resto
da família.
N o últim o artigo, descrevi com o o
alcoolism o do m arido leva a um com ­
po rtam en to com pulsivo e d oentio na
esposa facilitadora. V am os agora
passar a ver que tipos de c o m p o rta­
m ento são característicos dos filhos
deste casal.
T odo d ram a tem seu heró i, e o
d ram a que vive a fam ília do alcoóla­
tra n ão poderia ser diferente. N o r­
m alm ente, é o filho ou a filha m ais
velha que faz o papel de H erói. C h a­
m am o-lo Joãozinho. Desde q u e Jo ã o zinho se conhece por gente, ele sente
que as coisas não vão bem em sua ca­
sa. A lgum a coisa d en tro dele faz
28 ave maria
com que se sinta obrigado a corrigir
o desequilíbrio, a com pensar as fa ­
lhas d a fam ília e a sanar as m ágoas
dos pais (para aliviar as suas p ró ­
prias). É um a tarefa praticam ente
im possível, m as o nosso heroizinho
vai dedicar sua vida a ela.
Q u a n d o ainda criança, Joãozinho
com eça a olh ar, ouvir e aprender.
P ercebe que papai m uda de h u m o r
com b astan te freqüência. As vezes,
papai é-barulhento e n ão pára de rir.
Em o u tro s m om entos está com raiva
e fica calado. Estas m udanças de h u ­
m or am ed ro n tam o Joãozinho. Ele
n ão entende p o rq u e papai fica assim ,
m as n ã o se atreve a perguntar. Ele já
aprendeu que as crianças não devem
fazer m uitas perguntas, pois os pais
se chateiam com isso.
Jo ão zin h o tam bern aprendeu que
a m elhor m aneira de evitar encrencas
é se c o m p o rta r m uito, m uito bem .
Q u a n d o se co m p o rta m uito bem , m a­
m ãe o ab raça e papai o elogia. A m e­
dida q u e vai crescendo, certas regras
— que ninguém estabelece m as que
ele ap ren d e de qualquer jeito — to r­
nam -se claras. Jo ão zin h o aprende:
• a g u ard ar seus sentim entos (sobre­
tu d o os ruins) para si m esm o, pois
se extra vazá-los, alguém pode se
m agoar;
• a d a r ás pessoas o que elas
q uerem , pois assim é que se evi­
tam situações desagradáveis;
• a n ã o discutir com pessoas fo r a
da fam ília as coisas que estão
acontecendo dentro d a fam ília. E
m elhor esconder a realidade.
• a n ã o m encionar as bebedeiras do
papai a quem quer que seja, se­
quer aos o u tro s m em bros da fam í­
lia. E assunto tab ú .
Q u a n d o o nosso herói com eça ir à
escola, en co n tra m uitas novas m a­
neiras de agradar. P o d e tirar n o ta A
em to d as as m atérias, se esforçar nos
esportes (se for atleta), can d id atar-se
a tra b a lh a r n o jo rn alz in h o d a escola.
A o passar a fazer essas coisas, ele ga­
n h a a ap rovação n ão só d a fam ília
m as dos professores tam b ém .
M as, a ap rovação n u n ca é sufi­
ciente. A lém do m ais, m esm o suas
m aiores façanhas n ão m u d am as coi­
sas em casa. P ap ai b eb e cad a vez
m ais. M am ãe sofre e se preo cu p a ca­
d a vez m ais. Jo ão z in h o se sente cada
vez m ais incapaz de m elh o rar a situ a­
ção, e cada vez m ais cu lp ad o p o r n ão
p o d er m elhorá-la. P a ra seus p ro fes­
sores e am igos, ele é um ra p az e estu­
d an te form idável. M as p ara ele m es­
m o — d en tro do seu co ração — ele
está p erdendo o único jo g o q ue tem
im p o rtân cia.
C o n fu so e decepcion ad o , m as sem
saber que m ais fazer, Jo ão z in h o c o n ­
tin u a fazendo o papel de h eró i, até
q u e a necessidade de ser b o m em tu ­
d o se to rn a um co m p o rta m e n to co m ­
pulsivo. Q u an d o fo r m aio r de idade
já terá tido m uitos anos de experiên­
cia te n ta n d o ser b o m e a g rad ar os
o u tro s. N ão é surpreen d en te que
m uitos heróis acabem escolhendo
u m a das profissões que lhes p erm i­
tam c o n tin u ar a ju d a n d o os o u tro s,
com o a de p siquiatria, psicologia,
serviço social, enferm agem ou sacer­
dócio. N o 'entanto, a m eta principal
da vida do herói — a de sentir-se
u m a pessoa de valor — p erm anecerá
sem pre além d o seu alcance. N unca
será u m a p e sso a to ta lm e n te
realizada, e n u n ca saberá p o r que. e
mente inimitável, ele é o modelo abso­
luto da língua árabe, sob os pontos de
vista da gramática, do iéxico e do
estilo.
O dogma fundamental do Islam é
a unicidade de Deus, expresso na fór­
mula: “ Não há Deus fora de Allah” .
Deus enviou profetas à humanidade
para ensinar a sua lei e o último é Maomé, o profeta definitivo. Jesus é tam­
bém um profeta. Segundo o Aicorão,
eie nasceu de uma virgem, Maria, e é
a Palavra de Deus, mas a sua mensa­
gem foi deformada pelos homens.
No dia do Juízo, Deus julgará os
homens e recompensará os bons com
o paraíso e punirá os maus com o fo­
go do inferno.
Além dos homens, Deus criou os
anjos e os “dynn” , seres intermediários
entre os anjos e os homens.
Os deveres do muçulmanos são
chamados os “cinco pilares do islam” .
O primeiro de todos é a profissão de
fé” : “ Não há Deus fora de Aüan e Maomé é o profeta de Allah” , que o muçul­
mano deve repetir freqüentemente. É
pronunciando-o diante de testemunhas
que alguém se torna oficialmente mu­
çulmano. O segundo, é a oração ritual
recitada cinco vezes por dia na direção
da Cáaba. O terceiro, é a esmola legal,
que é uma espécie de imposto que o
muçulmano paga à comunidade para
o auxílio dos pobres. O quarto, o jejum,
que dura todo o mês de Ramadan, du­
rante o qual o fiel não come nem bebe
nada desde o nascer até o pôr do sol.
O quinto, é a peregrinação à cidade da
Meca, que todo muçulmano deve fazer
uma vez na vida, desde que tenha pa­
ra isso a po|ssibilidade.
A exparjsão do Islamismo é um
dos prodígios da história: no espaço de
um século, os muçulmanos criaram um
império que ja da Ásia à Europa, pas­
sando pela África. Atualmente o Islamismo é a religião que mais cresce no
mundo.
®
Frei Reginaldo Alves de Sá, OP vi­
veu mais de 30 anos no Oriente (Cai­
ro, Istam bul e Beirute); fo i bibliotecá­
rio no convento dos dominicanos no
Cairo.
ALCOOLISMO
O Comportamento dos Filhos
de Alcoólatra
Donald Lazo
odem-se relacionar peio me­
nos dez tipos de comporta
mento rígido e cojnpuisivo que
caraterizam os filhos adultos de alcoó­
latras. Um dos com portam entos é que
filhos adultos de alcoólatras são obri­
gados a fazer conjecturas sobre o que
constitui o comportamento normal. Â
razão é que fühos de alcoólatras não
têm experiência com comportamentos
■ormais, Foram criados no meio de
sessoas que se comportavam anormal­
mente. Ora o pai alcoólatra estava só­
brio. sério e carinhoso, ora estava bê­
bado, irresponsável e furioso. Â mes­
ma coisa acontecia com a mãe, cujas
emoções flutuavam entre momentos
de exagerada euforia e momentos de
nrofunda fossa. Num momento, a mãe
chingava um dos filhos por ele ter con­
tado uma mentira. “ Não quero ouvir
mentiras nesta casa!” ela gritava. E
cinco minutos depois, quando os fíihos
podiam ver o pai jogado no sofa, aicoozado, a mãe pegava o telefone, liga­
va para a empresa do marido, e conta­
va ao chefe dele que ele “ está la enci­
ma na sua cama com uma gripe medo­
nha. Infelizmente, não vai poder traba­
lhar hoje.” Naturalmente, o filho fica­
va confuso, sem saber quando não se
deve mentir e quando se deve mentir.
Anos mais tarde, ao atingir a maio­
ridade, os filhos olham para comporta­
mentos que acham normais (mais que
podem ou não ser normais) e tentam
imitá-los. Depois se dão mai e ficam
confusos e frustrados. Parece que vi­
vem batendo com o nariz na parede.
Quando jovens, as experiências
deles muitas vezes eram tão esquisitas
que qualquer pessoa normal as consi­
deraria meio ioucas. Mas, para os fi­
lhos de alcoólatras, sem parâmetros
- ___
P
16
a v e m a ria
s e te m b ro /9 1
confiáveis, eram experiências normais.
Um exemplo típico aconteceu com
Cláudia uma amiga minha, filha de al­
coólatra, quando ela tinha seus 14 ou
15 anos de idade. Vivia numa casa fren­
te a um bar, onde trabalhava o pai. Uma
tarde ela se encontrava em casa, sen­
tada na sala, vendo teievisão com seu
namoradinho. A porta de entrada da ca­
sa, logo ao lado da sala onde estavam
os jovens, estava aberta. De repente,
apareceu um homem na porta, aparen­
temente saído do bar do outro lado da
rua. Estava de sapatos e calça, mas
sem camisa. Isto é, nu do cinto para ci­
ma. Chamou, “Tem aiguém em casa?”
Cláudia levantou da sala e foi até
a porta onde o homem estava parado.
“ Pois não?” perguntou ela.
O homem disse, “ Olha, por acaso
você tem algum desodorante em ca­
sa?” A menina respondeu, “Tem!” e le­
vou o homem até o banheiro onde lhe
entregou uma latinha de desodorante
que pertencia a seu pai. O homem pe­
gou o desorante e esguichou um pou­
co debaixo de cada braço. Devolvendo
a lata para a menina, ele agradeceu, vi­
rou e saiu da casa. Com isso, a meni­
na devolveu o desodorante ao armário
do banheiro, voltou para a sala onde
seu amiguinho continuava em frente
do televisor, e sentou-se de novo ao la­
do dele.
O namoradinho não estava mais
vendo a teievisão. A partir do momen­
to que aquele homem havia aparecido
na porta, o menino, um tanto assusta­
do e desconfiado, acompanhou da sa­
la os movimentos dele e da Cláudia.
Depois que o homem havia saído da
casa, e Cláudia havia se sentado de no­
vo a seu lado, o mocinho perguntou a
ela, “ Você conhece aquele senhor?”
Ela disse que não, que nunca o havia
visto antes. Aí o menino perguntou, “ E
você não achou estranho um homem
desconhecido e meio pelado aparecer
na porta e pedir um desodorante? Vo­
cê não ficou com medo?” Cláudia
r e s p on ­
deu, “ Não” .
Cláudia havia mostrado um com­
portamento bastante comum entre
muitos filhos de alcoólatras. Era um ti­
po de compartamento que ela conti­
nuaria a mostrar mesmo anos depois,
quando já era adulta.
Você que foi criado num ambien­
te onde o alcoolismo virava de cabeça
para baixo a vida normal no seu lar, ain­
da se encontra, às vezes, tentando adi­
vinhar o que constitui comportamento
normal?
®
A vulnerabilidade
dos filhos d© alcoólatras
D o n ald L azo
Os filhos de alcoólatras
são mais inclinados à bebida devido
à sua suscetibilidade genética
e ao ambiente em que são criados.
rianças criadas em um iar onde
um dos pais é alcoólatra tem
25% de probabilidade (quer dizer,
uma chance em quatro) de desenvol­
ver o alcoolismo elas mesmas, quan­
do crescerem. Se ambos os pais forem
alcoólatras, os filhos terão 50% de
probabilidade (uma chance em duas)
de tam bém serem alcoólatras quando
adultos.
Duas coisas explicam a extraordi­
nária vulnerabilidade dos filhos de
alcoólatras: sua suscetibilidade gené­
tica, e o ambiente em que são criados.
Filhos de alcoólatras podem her­
dar (receber geneticamente) um ou
m ais dos fatores que constituem a
predisposição orgânica ao alcoolis­
m o. Não é todo filho que vai herdar
esses fatores. Taínbém é possível her­
dar alguns e não outros. Mas aqueles
que herdam um ou mais dos fatores
que organicam ente predispõem um
indivíduo ao alcoolismo, já nascem
vulneráveis. Se passarem a beber (e
poucas são as pessoas que nascem no
Brasil e vivem uma vida inteira sem
jam ais experim entar uma bebida al­
coólica), têm enorme chance de se
tornarem alcoólatras.
A segunda coisa que aum enta a
vulnerabilidade dos filhos de alcoó­
latras é o fato de terem eles m aior
probabilidade de buscar, no álcool,
um alívio para seus problemas. Afi­
nal de contas, o exemplo está aí.
Quer queiram quer não, seus pais são
seus modelos. E seus pais bebem.
Que tipos de problemas têm os fi­
lhos de alcoólatras que os levariam a
buscar a falsa ajuda do álcool? Um
dos problem as é que eles costumam
C
ter pouca auto-estim a. Não se valori­
zam. Isto não é tão surpreendente,
porque a literatura sugere que as
condições básicas que levam os indi­
víduos a se valorizar são geradas na
infância pelos pais. São: a presença
calorosa e carinhosa dos pais; uma
definição bem clara dos limites de
com portam ento dos filhos (ou seja,
o que podem e o que não podem fa­
zer); e o tratam ento respeitoso.
Deixe-me ser mais explícito. Para
que um a criança se torne um adulto
que se dá valor, ê necessário, em pri­
meiro lugar, que os pais estejam pre­
sentes nos prim eiros meses e anos da
vida da criança. Estudos indicam que
estar separada dos mais responsáveis
pela criança por 72 horas ou mais,
quando a criança tem entre 3 a 7 me­
ses e 3 anos, tem um efeito profundo
no psíquico dela — um efeito asso­
ciado de perto com a esquizofrenia.
P ortanto, é de suma im portância que
os pais — am bos os pais — estejam
juntos aos filhos o quanto mais pos­
sível, nessa idade. E não preciso di­
zer que os pais alcoólatras tendem a
estar ausentes.
Mas, não é só estar presente. É
necessário tratar os filhos com muito
respeito e calor. S obretudo, calor fí­
sico (abraços e beijos). Anos atrás,
descobriu-se uma tribo africana na
qual existiam pouquíssim as doenças.
Cientistas do m undo inteiro foram
estudar a tribo para ver o que co­
miam para ter tan ta saúde. Descobri­
ram que não comiam nada de estra­
nho. A única grande diferença que
notaram naquela tribo era que, du­
rante alguns anos, as crianças rara­
mente pisavam no solo. Eram carre­
gadas, o dia todo, nas costas das
mães. Em outras palavras, estavam
em contato físico com o corpo da
mãe praticam ente 24 horas por dia.
E quando a mãe se cansava, a crian­
ça era passada para um dos irmãos
que passava a carregá-la até se cansar
tam bém , quando então era passada
para outro irm ão. Esse contato
físico, contínuo era a razão da ausên­
cia de doenças nessa tribo.
Como é im portante abraçar um a
criança! Que falta fazem os abraços
num a casa onde o alcoolismo tom ou
conta!
Tam bém é im portante a m aneira
de se dirigir ao filho. Se os pais m os­
trarem grande decepção, (“ Que h o r­
ror! Como você podia ter feito um a
coisa dessas?” ); se fizerem com para­
ções depreciativas (“ Por que você
não pode se com portar com o sua ir­
m ã” ); se ridicularizarem a criança,
rindo na cara dela; se estabelecerem
regras inconsistentes e tiverem expec­
tativas irrealísticas (“ Espero que vo­
cê tire as melhores notas da escola” );
a criança pode se to rn ar insegura e
sentir que não presta. As emoções
que sentirá se m anifestarão como
sentimentos de rejeição, de não per­
tencer, de falta de confiança e confu­
são, de imensa solidão. Estes senti­
mentos produzem reações de raiva e
vergonha. A vítima se torna perfec­
cionista, mentirosa, gozadora. Pes­
soas deste tipo não se gostam, querem
fugir de si mesmas, e são exatamente
vulneráveis ao álcool, às drogas, ao
jogo e ao exagero no sexo, no traba­
lho e na religião.
•
r.
Você 6 filho d© cicoólcstra?
D onald Lazo
Por causa da ignorância
que existe sobre o alcoolismo,
todos acham que aquele
membro da família que bebe
demais constitui uma vergonha
para toda a família.
eu pai — ou sua mãe — é alcoóla­
tra? Caso você seja filho ou filha
de alcoólatra, você está em boa com ­
panhia. Existem, no Brasil, um míni­
m o de 25 milhões, e possivelmente
mais de 40 milhões, de filhos de al­
coólatras.
Você não sabia que haviam tan ­
tos. sabia? Pois a razão que ninguém
suspeita que existem tantos é que to ­
do m undo esconde o fato de ter um
alcoólatra na família. P or causa da
ignorância que existe sobre o alcoolis­
m o, todos acham que aquele membro
da família que bebe demais constitui
um a vergonha para a família toda. E
porque todo m undo acha que beber
desse jeito é vergonhoso, você apren­
deu, desde pequenininho, que não se
deve tocar no assunto. É aí que co­
m eçou tua confusão quando você era
criança.
“ Eu não entendo” , você se dizia
na época. “ Todo dia de pagam ento,
papai vinha para casa cam baleando
pela rua, completamente embriaga­
d o ” . Os vizinhos todos podiam vê-lo.
E quando chegava em casa, começava
a gritaria. “ O utra vez!” gritava a
sua m ãe. “ Gastou todo o dinheiro na
bebida de novo?” Os vizinhos que
não viam teu pai chegar bêbado cer­
tam ente ouviam a briga que saía tão
logo pisava dentro de casa. Podia se
ouvir a três quarteirões de distância.
T odo m undo na tua vizinhança sabia
que teu pai era um tremendo beberrão. M amãe passava o dia todo no
telefone se queixando dele para suas
amigas. Mas você não podia m en­
cionar o assunto, porque se tocava
nas bebedeiras de teu pai, você leva­
va um a surra!
S
24 avs m aria
Assim, praticam ente desde o ber­
ço, você'estava confuso. M am ãe po­
dia gritar aos quatro ventos que teu
pai era um bêbado terrível, mas você
não podia tocar no assunto.
Um dia, quando você ainda era
criança, você contou sua prim eira
m entirinha. E ouviu um serm ão que
durou mais de uma hora. “ Não m in­
ta para mim, nunca, ouviu! M entir é
pecado. Não quero que filhos meus
aprendam a m entir, com preendeu?
Agora vá para teu quarto até que eu
te cham e!” E, no dia seguinte, com
teu pai esticado no sofá ao lado dela,
completamente bêbado, você viu tua
mãe telefonando para a fábrica dele
para dizer ao capatáz que teu pai ha­
via apanhado uma gripe forte e não
iria poder trabalhar por causa da gri­
pe, pois o médico o havia proibido
sair da cama.
E outra vez você pensou, “ Eu
não entendo. Quer dizer que eu não
devo m entir porque é um pecado,
mas m am ãe pode m entir à beça” .
Quando filhos de alcoólatras se
tornam adultos, um dos problem as
que eles têm na vida é que se sentem
inseguros. Não sabem o que é certo e
errado. Eles têm m edo. Tom am deci­
sões erradas e sentem-se confusos.
Estou descrevendo teus próprios
sentimentos? Eu sei. Aliás, se você
for filho de alcoólatra, eu sei muitas
coisas a teu respeito, mesmo que
nunca o conheci pessoalmente.
Por exemplo, eu sei que quando
teu pai ou tua mãe bebia até se em­
briagar, você costum ava se dizer,
“ Quando eu crescer e sair desta casa,
eu nunca vou tocar uma gota de ál­
cool, porque nunca quero ser como
papai. Tenho nojo de bêbados” .
No entanto, é provável que hoje
você seja alcoólatra ou pelo menos
casado com alcoólatra. Pois, por in­
crível que pareça, 70% dos filhos de
alcoólatras — sete em cada dez! —
ou se tornam alcoólatras eles mes­
mos ou acabam casando com alcoó­
latras. É espantoso o núm ero de fi­
lhos de alcoólatras que chegam a ca­
sar com alcoólatras.
E se você for filho de alcoólatras,
eu posso contar muitas outras coisas
a teu respeito (que, aliás, é o que vou
fazer nos próximos artigos). P o r
exemplo, não sei se é o seu caso, mas
para m uitos filhos de alcoólatras é
difícil term inar os projetos que eles
começam. Parece que ficam paralisa­
dos, não podendo tom ar as decisões
que deviam. Vivem dizendo, vou fa­
zer isto ou aquilo. Mas acabam não
fazendo.
O utra: com grande freqüência
mentem , quando seria tão fácil con­
tar a verdade. Outra: se julgam mui
severamente. Eram criticados a toda
hora quando eram crianças, e quan­
do se ouve algo constantemente, a
gente acaba acreditando. P ortanto,
convenceram-se que eram muito fa­
lhos. E continuam pensando assim,
mesmo que hoje ninguém os esteja
criticando.
Quando adultos, filhos de alcoó­
latras tam bém não sabem se divertir
— tom am -se muito em sério. Também querem ter relações íntimas sau- i
dáveis, mas é m uito difícil para eles. í
Explicarei estas e outras característi- j
cas de filhos de alcoólatras em futu­
ros artigos.
• ■
A L C O O L IS M O
Renúncia de uma vida dramática
S tephanie Abbott
Quando estamos sentados na pla­
drama pode ser muito agradá­
ele é repugnante e que vai pedir o d i­
téia,
podemos entender isso claramen­
vel, quando apresentado no
vórcio.
te.
Porém,
quando fazemos parte do
:a ao ou numa novela de televisão, 0
humor de João passa da ama­
enredo no palco, sempre nos parece
mas não somos obrigados a vivê-io.
bilidade para a raiva, com contra-acuFui à ópera e assisti a uma peça
sações que descrevem os defeitos de : possível que a nossa vontade prevaleonde um casal. -Siegfried e BrunnhilInês como esposa. Agora é a vez de Li­ | ça sobre a dos outros, ou que os ouoe, expressavam momentos de raiva,
sa, que também começa a gritar, ex­ | tros tenham conirole sobre o nosso
pressando seus sentimentos de repul­ 1 comportamento.
auíopiedade, vingança, medo. reconc ^ação e traição — tudo resultante de
sa por ambos os pais e sua vergonha
0 drama de viver com uma pessoa
_~a bebida que Siegfried havia tom a­
em. ser filha deles. Não seria difícil vi­
dependente, reagindo sempre a eia,
do, levando-o a esquecer que era um
sualizar os três cantando seus papéis
também pode se tornar um vício. Co­
no fecho do primeiro ato, seguido de
homem casado.
nheço um homem que tentou contro­
aplausos entusiásticos da platéia.
Às famílias com parentes alcoólalar uma comilona compulsiva. Sua vi­
Se inês e Lisa tivessem adquirido
iras conhecem bem a bebida que leva
da era um desafio apenas porque ele
algum grau de recuperação num pro­
cs bebedores a esquecerem coisas coachava que parte de sua responsabi­
grama dos Doze Passos, a mesma ce­
mo essas e que cria um tipo de excilidade de marido era manter a esposa
na poderia se desenvolver de manei­
:ação miserável para todos os envolionge da geladeira.
ra bem diferente, com muito menos
v aos.
Ela escondia comida. Ele a encon­
dramatismo.
Abrir mão de uma vida dram ática
trava e confrontava a mulher. 0 ho­
Sendo óbvio que J c '!
conse­
•'az parte da recuperação para os mem­
mem gritava e berrava quando todos
guirá
chegar
até
o
fim
da
noite,
inês
bros da família de um alcoólatra. Emos seus esforços se revelavam inúteis,
poderia simplesmente perguntar a Li­
oora possamos rezar pela serenidade
porque sentia-se um fracasso como
sa o que eia preferia fazer: irem juntas
-ecessária para aceiiar as coisas que
marido.
encontrar com os outros, sem João,
~ão podemos modificar, é possível
No fim, quando ela decidiu procu­
ou Lisa ir sozinha. Poderiam explicar
que não estejamos dispostos a abrir
rar ajuda para seu problema, ele notou
o problema aos outros. Afinal, logo es­
mão de todos os estímulos. Ou talvez
que se sentiu desorientado por algum
tariam fazendo parte da família. Pode­
estejamos verdadeiramente exaustos
tempo. Foram necessários muitos
riam resolver entrar em contato com
e desejando caima, mas não sabemos
“ ensaios” até ele se acostumar a seu
um especialista em intervenções. Po­
como obtê-la.
novo papel não-dramático.
deriam marcar um encontro no café da
Coloquemos uma cena moderna
Abrir mão de uma vida teatral não
manhã, em vez de no jantar.
no palco para analisá-la. João é um al­
significa
negar as verdadeiras trajéUma dessas escolhas significaria
coólatra. Sua esposa, Inês, e sua filha
dias
da
vida.
Nem significa reprimir os
que estariam se comportando como
Usa, estão prontas para sair. Vai ser
sentimentos.
Significa, isto sim, reco­
se compreendessem que são impoten­
uma noite importante, porque irão jan­
nhecermos
que
parte de nosso com­
tes para m odificar o.utras pessoas
tar com o noivo de Lisa e seus pais,
portamento
pode
resultar da necessi­
mas não são impotentes para mudar
oara planejar os detalhes do casa­
dade
de
sentir
excitação
na vida, ou
seu próprio comportamento.
mento.
i
da
crença
de
que
a
nossa
vontade
pró­
Embora qualquer uma destas ce­
João esteve bebendo o dia todo e,
pria
devia
dominar
as
dos
demais.
nas alternativas seria considerada
a esta hora, encontra-se num desses
Inês e Lisa não irão ter aquele jan­
bem enjoada, se fizesse parte de uma
estados em que fala o tempo todo, se
tar descontraído e alegre que espera­
ópera, este artigo é sobre a necessi­
repete constantemente, não diz coisa
vam. Mas, também, não precisava ser
dade de abrir mão do desejo de ter po­
com coisa e está à beira de “ apagar” .
um evento para o qual se vendem en­
der sobre os outros e, ao mesmo tem ­
Na falta de instrumentos para a
tradas. Para os emocionalmente doen­
po, adm itir que eles também não têm
recuperação da família, a cena pode
tes. a vida calma e equilibrada parece
a capacidade de nos modificar. 0 de­
se desenvolver da seguinte maneira,
ser enjoadíssima. Para os adultos
pendente não pode impedir que os
nês tenta tornar seu marido sóbrio à
equilibrados significa uma dádiva de
membros da família se recuperem, da
case da gritaria. Ela chora, procura
Deus — a recompensa por se viver
mesma forma que ninguém pode im­
convencer João a tomar café, esvazia
bem.
•
por a sobriedade ao alcoólatra.
a garrafa de uísque na pia. Diz-lhe que
O
n o v e m b ro /9 0
a v e m a r ia
23
1
*
Como o alcoolismo afeta
os outros ms-mbros da família
D o n ald Lazo
No alcoolismo, a facilitaçâo come­
ça im perceptivelm ente. À medida que
o beber do m arido alcoólotra term ina
— com cada vez mais frequencia — na
embriaguez, a esposa facilitadora se
encontra tentando arranjar explicações
22 ave maría
para as crianças e passando pano quen­
te nos incidentes em baraçosos com os
amigos. D urante m uito tem po ela des­
culpa o alcoólatra ou, peio menos,
recusa-se a adm itir que o problem a de­
le é sério. Pensa ela: “ Com as pressões
que ele tem no em prego, não é de estra­
nhar que ele exagere um pouco'nos fins
de sem ana” .
À medida que o beber do m arido
aum enta, tam bém aum enta a doença
emocional da esposa. No início, o fato
dela constantem ente desculpar o com ­
portam ento do m arido poderia ser con­
siderado ingenuidade da parte deia.
Mas agora temos que dar um outro no­
me às justificativas e racionalizações
inventadas pela esposa. Cham am o-las
“ negação” , um sintom a caraterístico
do alcoolismo, agora aparecendo na es­
posa! Com o tem po, o com portam ento
dela se tornará tão compulsivo e previsí­
vel quanto o do m arido alcoólatra.
A facilitadora assume seu papel prá
valer a partir do m om ento em que ela
decide, pela prim eira vez, assumir as
responsabilidades do m arido. Em bora
ela talves ainda não reconheça a gravi­
dade da dependência do m arido, uma
coisa ela sabe: ele está ficando cada vez
mais irresponsável e cada vez menos
confiável. P ara que a família continue
a funcionar, ela terá de assum ir a che­
fia. Não dem ora m uito p ara ela se en­
contrar fazendo o papel de m ãe e pai.
Além de suas outras responsabilidades,
ela passa a controlar as finanças e to ­
m ar a m aioria das decisões da família.
Neste estágio, m uitas esposas chegam a
se empregar para garantir a situação
econômica.
E nquanto isso, ela continua prote­
gendo o dependente. Na segunda-feira,
antes de ir para seu próprio serviço, ela
telefona ao chefe do m arido para dizer
que “ Joaquim pegou um a gripe dana­
da que o deixou na cam a” . Dessa for­
m a, ela consegue evitar (‘ad iar’ talvez
seja a palavra mais adequada) as medi­
das disciplinares ou até a demissão do
m arido que, na verdade, está em cama
de fato, mas não com um a gripe e sim
com a pior ressaca que já teve na sua
vida. Na quinta-feira, ela recusará um
convite para jantar em casa dos Coelho,
evitando assim que os Coelho vejam o
Joaquim se em briagar bem antes de
servirem a comida.
Ela cuida rigorosam ente do orça­
m ento da casa e deixa de com prar rou­
pa que ela e as crianças presisam — p a ­
ra aliviar o m arido de sua responsabili­
dade financeira. Ela cuida dos filhos,
do carro, do jardim e da m anutenção
da casa, poupando o m arido da neces­
sidade de preocupar-se com estas obri­
gações ou de sentir-se culpado por
negligenciá-las.
Aos am igos, vizinhos e familiares
— aliás, a toda pessoa que não entende
de alcoolismo e de seus efeitos nos o u ­
tros m em bros da fam ília de um alcoó­
latra — a esposa parece estar se desdo­
brando para evitar que o m arido beba
demais- Ela im plora e am eaça. Joga
fora toda a bebida que tem em casa.
Pede para os amigos do m arido não
convidá-lo m ais a ir com eles aos jogos
de Futebol ou ao clube.
Todos os seus esforços serão em
vão, pois o que ela está fazendo, ha
realidade, é possibilitando que o m ari­
do continue bebendo. Ela está evitandò
justam ente as crises que oferecem —
ao alcoólatra e à fam ília dele — a única
oportunidade de m udar a situação.
E m bora a carga da facilitadora seja
pesada, ela tem suas recom pensas.
Desde que a esposa tom ou as rédeas da
família, as coisas estão andando bem ,
pelo menos em casa. Ela pode estar
tendo, com o nunca teve antes, um a
chance de m ostrar o quão capacitada
ela realm ente é. N ão subestim em a si­
tuação. Quem m anda na fam ília agora
é ela. Trata-se de um a recom pensa p o ­
derosa, e reforça seu papel de fa cilita ­
dora.
No entanto, sua vida é longe de ser
o ideal. Seus dias são longos e cansati­
vos. Ela agora passa pouco tem po se
divertindo, e m uito tem po se preocu­
pando. A pesar de todos os seus esfor­
ços, as coisas que dão valor à vida p a­
recem estar se tornando cada vez mais
raras. Ela se sente profundam ente res­
sentida pela cruz que está sendo o bri­
gada a carregar, e esse ressentim ento
começa a aparecer.
A não ser que esta facilitadora con­
siga a ajuda profissional de alguém que
entenda de alcoolism o na fam ília, e
tam bém se torne m em bro de um G rupo
Fam iliar de A l-A non, ela continuará a
fazer esse papel contraproducente para
o resto de sua vida.
6
ALCOOLISMO
(continuação)
Donald Lazo
: ara quem se identificar com as
descrições dos co-dependentes
em meus artigos — e puder ler
em inglês
recomendo o livro
Codependent No More”, por Me:c y Beattie, publicado pela HarDer & Row, Publishers, Inc., 10
East 53rd St., New York, NY10022,
j .S.A. Esse livro constitui a fonte
principal — e, às vezes, frases in­
teiras traduzidas do original de
minhas matérias sobre a co-deDendência.)
—
—
H
á muito tempo os profissionais
desconfiavam que alguma coisa estra- " 2 acontecia às pessoas envolvidas
com os alcoólatras. Os estudos reali­
zados sobre o assunto indicavam que
- ~ a condição física, mental, emocial
e espiritual semelhante ao alcoolismo
sem o beber aparecia em muitas pes­
soas que conviviam com alcoólatras
sem ser, elas mesmas, bebedoras pro­
blema.
Com o tempo, os profissionais coneçaram a compreender melhor os
efeitos que o alcoólatra tinha sobre
sua família e os efeitos da fam ília soo'e o alcoólatra. A seguir, os profissio­
nais começaram a identificar outros
doentes” com distúrbios que tinham
aspectos em comum com o alcoolis~io: pessoas que ou comiam demais
ou comiam muito pouco, jogadores in­
veterados, pessoas com comportamentos sexuais anormais, etc. Os pro* ssionais também começaram a notar
que muita gente relacionada de perto
com estas pessoas compulsivas de­
senvolviam maneiras de reagir a elas
que se assemelhavam às reações dos
cue conviviam com alcoólatras. Algu~ a coisa estranha estava acontecen­
do com estas famílias também.
À medida que os profissionais fo ­
ram compreendendo melhor a eo-deturbadas, pessoas que necessitam de
pendência, cada vez maior número de
ajuda, ou pessoas dependentes. Mas
grupos de pessoas pareciam padecer
um segundo denominador comum en­
dela: filhos adultos de alcoólatras; fa­
tre eles parecem ser as regras (não es­
miliares de pessoas com distúrbios
critas e sim subentendidas) que nor­
m entais e emocionais; pessoas rela­
teiam os relacionamentos entre os
cionadas com doentes crônicos; pais
membros de toda fam ília. No caso de
de filhos com problemas comportafamílias com dependentes e co-depen­
mentais; pessoas ligadas a indivíduos
dentes, estas regras são contraprodu­
irresponsáveis; até profissionais que
centes. Por exemplo, elas geralmente
trabalhavam na área de ajuda, como
proibem uma discussão aberta dos
enfermeiras, assistentes sociais e ou­
sentimentos dos membros da família;
tros. Mesmo alcoólatras em recupera­
proibem a com unicação direta e ho­
ção começaram a se identificar como
nesta; proibem expectativas e emo­
pessoas que haviam sido co-depen­
ções que seriam realísticas e naturais
dentes muito antes de se tornarem al­
num ser humano, como a de sentir-se
coólatras. Enfim, os co-dependentes
vulnerável, imperfeito, com medo ou
começaram a aparecer em todos os
com tristeza. Nestas famílias, as re­
cantos.
gras subentendidas parecem proibir
ter
confiança nos outros e em si pró­
O
interessante era que, quando
prio, como também proibem brincar e
um (ou uma) co-dependente term ina­
divertir-se.
va seu relacionamento com uma pes­
Um últim o denominador comum
soa perturbada, freqüentemente pro­
entre os co-dependentes é que sua
curava outra pessoa problemática e
“ doença” é propagada de geração em
passava a repetir todo o seu compor­
geração (como se fosse um fenôme­
tamento de co-aependência com essa
no genético), mesmo que não apare­
nova pessoa. Como já foi citado em ar­
tigo anterior, por exemplo, não é incoçam mais alcoólatras ou outros de­
mum ver a filha de um alcoólatra —
pendentes na família.
que jurou que jamais iria cometer “ o
erro que mamãe cometeu, casando
com um bêbádo que nem papai” — ca­
sar justam ente com um alcoólatra. E
quando o casamento fracassar, ela é
capaz de encontrar um segundo, e até
um terceiro, alcoólatra e casar com
CHÁCARA REÍNDAL
ele. Este tipo de comportamento ou
Especializada em
mecanismo para lidar com pessoas
alcoolism o
problemáticas parece prevalecer du­
rante a vida inteira do co-dependente,
Sua melhor chance de se
a não ser que a pessoa encontre a ma­
recuperar do alcoolismo, e
neira de mudar de comportamento e
iniciar uma vida nova,
queira mudar.
produtiva e feliz.
Um denominador comum entre os
co-dependentes, como já foi explica­
do, é o de ter um relacionamento pes­
soal ou profissional com pessoas per­
Cx. Postal 20.896
01498 S ão Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
^
m a io /9 0
a v e m a r ia
25
ALCOOLISMO
O co-alcoolismo
— não tratado —
se propaga
D onald Lazo
livro Alcoólicos Anônimos diz que
o alcoolismo é uma doença traiçoei­
ra, desconcertante e manhosa. Quando se
lê esta descrição, logo se pensa no alcoó­
latra vítima.
Deveria se pensar também nos fami­
liares do alcoólatra, pois são elés as maio­
res vítimas. É com eles que a doença é
realmente traiçoeira, porque não se dão
conta de quanto estão sendo afetados.
Muitos percebem que a doença gera mu­
danças de personalidade dramáticas no al­
coólatra, ao longo dos anos. Uma pessoa
que um dia foi calma, extrovertida e gene­
rosa acaba se tornando — com a progres­
são do seu alcoolismo — uma pessoa
agitada ou deprimida, introvertida e pa­
ranóica.
E na esposa do alcoólatra? Ela conti­
nua calma, alegre e equilibrada? É claro que
não. A doença do marido é tão poderosa
qüe gera mudanças de personalidade tão
dramáticas nos familiares do alcoólatra
quanto no próprio bebedor. Eles também
se tornam deprimidos ou agressivos, me­
drosos ou desconfiados, dominados pelo
medo, pela insegurança e pela solidão. E
o pior é que estas características, estes no­
vos "traços de personalidade", não desa­
parecem quando, por uma ou outra razão,
o alcoólatra é afastado do seio da família.
Se os filhos ou a ex-esposa de um alcoóla­
tra não se tratarem (ou em Al-Anon ou com
algum profissional que entenda de alcoo­
lismo), continuarão emocionalmente dese­
quilibrados para o resto da vida.
Não é necessário continuar vivendo
com um alcoólatra para continuar carregan­
do as cicatrizes que sua doença causou.
Embora possa parecer que, após o afasta­
mento do alcoólatra, o familiar tenha se re­
cuperado, é mais provável que continue
com sua doença emocional apenas detida
e pronta para reaparecer de novo com o pri­
meiro revés que a vida lhe apresenta. 0 al­
coólatra não é o único que, na ausência de
O
20
a v e m a ria
um tratamento adequado, poderá ter uma
recaída. Sua esposa e seus filhos, mesmo
afastados do alcoólatra há muitos anos,
continuam com sua doença — o coalcoolismo (ou co-dependência, como al­
guns a chamam) — e com suas recaídas
emocionais. E, por incrível que pareça,
mesmo que não haja contatos prolongados
(como casamentos) com alcoólatras duran­
te as próximas gerações, a doença do coalcoolismo continuará a ser propagada de
uma geração para outra, como se fosse ge­
nética. Os sintomas do co-alcoolismo que são idênticos aos sintomas do alcoo­
lismo — persistirão e reaparecerão nos fi­
lhos a cada nova geração, se os
co-alcoólatras não se tratarem.
Há provas disto. O espantoso cresci­
mento e alastramento dos Grupos de filhos
adultos de Alcoólatras nos EUA nos últimos
anos se deve ao fato destes grupos esta­
rem respondendo a uma necessidade pre­
mente numa enorme gama da sociedade.
Mas existe uma outra prova interessan­
tíssima.
A maioria das mulheres que casam
com alcoólatras e depois se separam dos
mesmos por necessidade, soltam um gran­
de suspiro, dizendo: "Graças a Deus, agora
nunca mais terei que passar por uma ex­
periência semelhante!" E sua filha acres­
centará: "Pois é, mamãe, eu também estou
salva. Eu nunca vou casar com um homem
que nem papai. Deus me livre!"
É o que elas pensam! As estatísticas
contam uma história bem diferente. Se não
for, tratada, pelas marcas que o alcoolis­
mo deixou nela, a ex-esposa de um alcoó­
latra freqüentemente casará com'outro
alcoólatra, sem se aperceber disso até que
seja tarde demais.
E a filha? As estatísticas indicam que
dois terços dos filhos de um alcoólatra ou
casam com alcoólatras ou se tornam, eles
mesmos, alcoólatras. E se ambos os pais
foram alcoólatras, este resultado se dará
com quase 100% dos filhos!
Em outras palavras, afastar-se de um
alcoólatra resolve, na verdade, muito pou­
co. É necessário que os familiares se tra­
tem também.
Por sinal, a razão deste fenômeno fas­
cinante é que os filhos de um alcoólatra de­
senvolveram um tipo de personalidade para
poder conviver com o trauma do alcoolis­
mo. E mais tarde, quando conhecerem aí^
guém compatível com essa personalidade,
sentir-se-ão atraídos a ele. Só que o aiguém
compatível com uma personaiidade molda­
da pelo trauma da convivência com um al­
coólatra geralmente será outro alcoólatra.
-*r
*
«
ÆLCOOUSMO
s Co-Dependentes
Donald Lazo
I - : s nente, o alcoólatra era visto — e
r=*ado — como se fosse uma pessoa
:r:s —ente desligada do resto de sua
a. Aliás, até hoje no Brasil, os al: jó atras, na sua grande maioria, ainda
são os únicos membros da família a
5=rem tratados. Como se tivessem pneu—unia, diabetes, câncer ou alguma
outra doença não contagiosa.
Mas o alcoolismo é uma doença
contagiosa... emocionalmente.
Por isso, com o passar dos anos,
te— havido um reconhecimento crescen­
te de que a convivência com um alcoóetra (ou com muitas outras pessoas de
comportamento anormal que não cabe
acui discutir) leva a um comportamento
por parte dos cônjuges e filhos que se
torna previsível, rígido, ineficaz e con­
traproducente para todos. E assim, na
cfria dos que trabalham profissional­
mente no campo da dependência quími­
ca surgiram palavras como "facilitador",
"co-dependência", "herói", "bode ex­
piatório" etc., dirigidas às pessoas que
convivem com alcoólatras e que são
emocionalmente afetadas pelo compor­
tamento inadequado dos mesmos.
Estas pessoas jos cônjuges e fiihos
de alcoólatras) também passaram a ser
considerados "doentes" — mental,
emocional, espiritual e até fisicamente.
Seria correto chamar de doentes es­
tas pessoas? Tudo indica que sim, pois
são pessoas que se comportam de uma
maneira que não conseguem controlar (a
não ser através de um tratamento bas­
tante específico para a co-dependência)
e que, progressivamente, arruina suas
vidas.
A chamada co-dependência é um
comportamento que surge como uma
defesa contra as dores e angústias de se
viver com uma pessoa em quem não se
pode confiar.
infelizmente, esta atitude defensiva
26
a v e m a r ia
a b r ií / 9 0
não funciona, nem para recuperar o al­
coólatra com querri se está vivendo, nem
para trazer equilíbrio e alívio para os
familiares que desenvolvem o compor­
tamento. Pelo contrário, o alcoólatra,
junto com o comportamento defensivo
do co-dependente, torna o familiar uma
pessoa hostil, controladora, manipuladora, cheia de sentimentos de culpa, de
difícil comunicação, geralmente desagra­
dável, freqüentemente deprimida e, às
vezes, bastante antipática. Reagindo
constantemente ao comportamento im­
previsível do alcoólatra, estes cônjuges
e filhos gritam e xingam, escondem ou
jogam fora suas garrafas, tentam frus­
trar seus esforços de conseguir mais be­
bida e vivem perguntando: "Por que vo­
cê me trata dessa forma?" ou: "O que
há com você, afinal?". Porém, estão
sempre ali para resgatá-lo dos desastres
que seu beber cria.
Vivem ameaçando abandoná-lo,
mas não conseguem cumprir a ameaça.
Bem, às vezes, em total desespero,
acabam abandonando-o mesmo. Mas a
separação raramente dura mais do que
alguns dias. Preocupadas com a incapa­
cidade de se virar sem elas, e cheias de
sentimento de culpa, acabam voltando
com sua primeira promessa de se com­
portar daí em diante. E logo se encon­
tram de novo no turbulento e intolerável
círculo vicioso de sempre.
Poucas pessoas sofrem mais que os
co-dependentes. Ôentem-se responsá­
veis pelo mundo inteiro, mas recusam
responsabilizar-se por viver bem suas
próprias vidas. Estão constantemente se
doando aos outros, mas não sabem re­
ceber. São peritas em cuidar de todos
que as cercam e, no entanto, duvidam
de sua capacidade de cuidar de si
mesmas.
São pessoas totalmente preocupa­
das com seus alcoólatras. Com grande
precisão, conseguem recitar minucio­
samente todas as malandragens deles.
Sabem dizer o que seus alcoólatras pen­
sam, sentem, fazem e dizem. Sabem
exatamente o que seus alcoólatras
deviam e não deviam fazer. Mas não sa­
bem o que elas mesmas estão sentindo.
E, certamente, não sabem o que de­
vem fazer para resolver seus problemas
— se é que consideram ter algum pro­
blema fora o alcoólatra.
Estas pessoas estão tão envolvidas
com seus alcoólatras que já, há tempo,
pararam de viver suas próprias vidas.
Vivem a vida do alcoólatra. Quando ele
está mal, elas estão mal. Quando ele es­
tá bem, elas estão bem. Há uma piada,
mais triste do que engraçada, que diz
que um co-dependente é uma pessoa
que quando morre, vê toda a vida do
cônjuge passar pela sua mente.
Pretendo escrever mais sobre estes
sofredores e sobre o que podem fazer
para se recuperar, em edições futuras
da AVE MARIA, pois sei que muitos lei­
tores desta magnífica revista são co-dependentes.
•
C H ÁC AR A REINDAL
Especializada em
alcoolismo
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo . e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.896
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
" I
-
f
L fc.
D o n ald L azo
São três as fases pelas quais a família
do alcoólatra passa: tende a negar
a realidade; há dependência
dos familiares; há uma aliança entre o
“doente” e a família.
H o últim o artigo, falava sobre os
Rüfatores que imobilizam os fam i­
liares (em especial J as esposas) de
alcoólatras, inibindo-os de adotar
medidas construtivas para levar o be­
bedor ao tratam ento de que tanto
precisa.
Stephanie Leary A bbot, perita no
assunto, tem algumas idéias intrigan­
tes a respeito. Ela com para a esposa
de um alcoólatra ao prisioneiro de
guerra. “ Depois de passar anos ou­
vindo esposas, m aridos e filhos de
alcoólatras descrever seus sentim en­
tos” , diz Stephanie, “ fiquei im pres­
sionada com os com ponentes co­
muns de seus relatos. As mesmas fra­
ses se repetiam , vez após vez: ‘Sen::a-me aprisionada’. ‘Parecia que
não havia saída para m im ’. ”
E, de fato, extraordinária a seme­
lhança entre as experiências contadas
por esposas de alcoólatras e as conta­
das por ex-prisioneiros de guerra.
Nos últim os anos, com o crescente
núm ero de seqüestros por grupos ter­
roristas, estamos aprendendo cada
vez mais sobre as reações, às vezes
surpreendentes, das pessoas ao cati­
veiro. O fenômeno até tem nome.
Chama-se a Síndrome de Estocolm o
(devido ao com portam ento dos re­
féns capturados durante um roubo a
um banco sueco). Os cativos que pas­
sam pelo processo se tornam passi­
vos e, no fim , acabam se identifican­
do com seus apreensores. No caso do
roubo em Estocolm o, um a das reféns
chegou a casar com seu captor!
Os prisioneiros de guerra, ou as
pessoas retidas como reféns, pare­
cem passar p o r três fases. A prim eira
consiste em m ostrar-se totalm ente
descrente do que está acontecendo:
“ Isto não é real. Não pode estar
acontecendo com igo” .
A segunda fase é um a form a de
regressão na qual o refém reverte-se
para um com portam ento infantil
passivo, reconhecendo que se to rn a­
ra totalm ente dependente de seu
apreensor para todos os elementos
da vida: comida, exercício, lazer,
conversa e até amizade. Chegando a
esta fase, não fará qualquer esforço
para fugir da situação, aceitando
sem resistência tudo que lhe for im ­
posto.
N o terceiro estágio, passa a haver
um tipo de aliança entre cativo e cap­
tor na qual o prisioneiro se identifica
com seu carcereiro, chegando a sim­
patizar com sua causa.
Stephanie A bbot identifica três
fases semelhantes na progresão da
doença que tom a conta de um a fam í­
lia que vive o problem a do alcoolis­
mo. N a prim eira fase, por exemplo,
quando o com portam ento do alcoó­
latra é suficientemente anorm al para
qualquer um perceber que ele está
m uito longe de ser um bebedor n o r­
m al, a esposa tende a negar essa rea­
lidade: “ Meu m arido não pode ser
alcoólatra. É um homem inteligente
e nós nos am am os dem ais.” (Com o
se isso tivesse algo a ver com o p ro ­
blem a.)
Na segunda fase, as agressões
constantes do alcoólatra à sua esposa
acabam tornando-a infantil e depen­
dente, ou por causa do abuso físico
ou verbal ou por causa da frustração
dela, já que não consegue alterar o
com portam ento do m arido. Perden­
do gradativam ente o apoio dos de­
m ais, a esposa sente cada vez mais
medo e isolação. No desespero, aca­
ba se entregando a um a atitude de to ­
tal passividade.
Na terceira fase, a esposa parece
entrar em colisão com o alcoólatra.
Sempre que possível, ela esconde os
exageros dele. Passa a minim izar
seus excessos, projetando a culpa de
suas bebedeiras em outras pessoas e
circunstâncias. Q uando a ressaca do
m arido o impede de trab alh ar, a es­
posa telefona para seu chefe para ex­
plicar que ele está acam ado “ com
gripe” . Ela se desdobra para p rote­
ger o m arido das conseqüências ne­
gativas do seu beber. Chateia-se com
a em presa, se ela acabar dem itindo o
m arido: “ Puxa, depois de todos es­
ses anos que ele dedicou à com pa­
n hia!”
Percebem agora com o a esposa
m ostra os mesmos sintom as de al­
coolismo que o m arido, e por que o
alcoolism o é cham ado “ a doença da
fam ília” ? É por isso que os familia­
res de um alcoólatra são apelidados
“ co-alcoólatras” . E é p o r isso que
tam bém eles precisam de um tra ta ­
m ento orientador. Suas próprias ilu­
sões os tornam incapazes de ajudar a
si mesmos — m uito m enos ao alcoó­
latra — sem um a m ão externa.
•
&
©
CHÁCARA REiNDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.896
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
&we maHa 29
ALCOOLISMO
Você entende mesmo de alcoolismo?
(Continuação)
Donald Lazo
ontinuamos, neste número da
As melhores estimativas disponíveis
AVE MARIA, o teste preparado
sobre o número de pessoas que bebem
; ; 2 Dr. Jon R. Weinberg, Ph.D., para
e o número das que são alcoólatras le­
<sr até que ponto os profissionais que
vam a essa conclusão. Aliás, um em
:~a:am de alcoólatras compreendem
quinze é considerada uma avaliação con­
:e ~ as sutilezas da doença que estão
servadora; as estimativas chegam até
Tstando.
um em cada oito. Nos Estados Unidos,
o número de alcoólatras parece ser um
A Associação dos Alcoólicos Anôem cada sete homens que bebem e uma
r i-nos tem sido mais eficiente na ajuda
em cada dezesseis mulheres que bebem.
a recuperação de alcoólatras do que o
A frase é correta.
:ratamento psiquiátrico.
As pesquisas sugerem que, geral­
Quase toda autoridade no campo do
mente, falta ao alcoólatra a força de ca­
s coolismo concorda com essa frase. A
ráter necessária para abandonar o beber
ciíerença no relativo sucesso da AAA e
excessivo.
da psiquiatria poderá ser reduzida à meNão existem, atualmente, pesquisas
c'da que a abordagem psiquiátrica re­
que possam medir "a força de caráter",
conheça a necessidade de tratar o alcooe esse conceito é uma simplificação
smo como doença primária ao invés de
grosseira daquilo que está envolvido na
sintoma de alguma outra coisa.
recuperação. Falsa a frase.
C
A maioria dos alcoólatras que fica
sóbria em AA durante 2 anos, permane­
ce sóbria indefinidamente.
Os períodos mais extensos de so­
briedade estão correlacionados com uma
crescente possibilidade de se continuar
sóbrio. Isto é: quanto mais tempo um
alcoólatra estiver sóbrio, maior será a
probabilidade de ele continuar sóbrio,
embora recaídas possam ocorrer em
qualquer época. A probabilidade de so­
briedade jamais chega a ser 1,0. Após
dois anos, essa probabilidade é, aproxi­
madamente, 0,7. A frase está certa.
A incidência de alcoolismo entre ho­
mens é constante em todas as classes
sociais principais.
Hoje reconhecemos ser um mito a
idéia de que os alcoólatras sejam encon­
trados, em sua maioria, no fundo da es­
cala social. Há evidência, entretanto, que
a incidência do alcoolismo entre as mu­
lheres é mais elevada na classe alta, on­
de o número de mulheres que bebe é
ainda bem maior. A frase é correta.
Pelo menos um, entre 15 bebedo­
res, desenvolve o alcoolismo.
Um alcoólatra não é mais culpado
por sua condição do que um diabético.
O alcoolismo é uma doença que,
com certeza, não foi desenvolvida inten­
cionalmente mais que a diabete, e assim
ninguém pode ser culpado por desen­
volvê-la. Entretanto, uma vez consci­
entes do fato de serem portadores de
suas respectivas doenças, tanto o alcoó­
latra quanto o diabético têm a responsa­
bilidade de detê-la e controlá-la. Afinal,
alcoólatras desintoxicados e conscien­
tizados não são apoderados por uma
"compulsão incontrolável" de beber, co­
mo alguns se justificam após uma recaí­
da. Talvez sintam um desejo, mas este
é superável. Em todo caso, a frase é
correta.
Cerca de um quarto de todos os al­
coólatras está na sarjeta.
As estimativas da proporção de al­
coólatras que se encontra na sarjeta va­
riam de 3% até 8%. A grande maioria
dos alcoólatras vive vida aparentemen­
te normal, trabalha, é casada e sequer
suspeita que é alcoólatra, embora pos­
sa estar bebendo bastante exageradamente. A frase é falsa.
Até agora, as pesquisas não conse­
guiram estabelecer definitivamente al­
gum fator genético, bioquímico ou de
personalidade que seja a causa do al­
coolismo.
A despeito do acervo considerável
de estudos acumulados, ainda não se de­
monstrou claramente um fator etiológico específico. Provavelmente acabarão
descobrindo que uma combinação des­
ses fatores é o que explica a doença do
alcoolismo. A frase está certa.
Obter uma introvisão genuína sobre
as causas dinâmicas do seu beber geral­
mente leva o alcoólatra à recuperação.
Em primeiro lugar, o que leva o al­
coólatra a beber nada tem a ver com o
seu desenvolvimento do alcoolismo, da
mesma forma que o que leva uma pes­
soa a ter uma relação sexual com uma
prostituta nada tem a ver com a doença
venérea que, porventura, desenvolva.
Além do mais, a experiência tem de­
monstrado que os conhecimentos inte­
lectuais sobre o alcoolismo, embora
freqüentemente de valor, não são sufi­
cientes para a recuperação. É preciso
que haja, também, uma mudança posi­
tiva de atitudes, uma assunção emocio­
nal da condição’ de ser portador da
doença e, geralmente, um envolvimen­
to, a longo prazo, com algum grupo de
apoio. A frase é falsa.
•
CHÁCARA REiNDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo . e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
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V_________ ___________ J
m a rç o /9 0
a v e m a r ia
23
ALCOOLISMO
Você entende mesmo de alcoolism o?
alcoólatras. Tam bém alcoólatras,
xiste em São João D el Rei,
em estágio adiantado da doença, po­
MG, uma organização com utária, pioneira no Brasil, chamadaderão chegar à embriaguez com pou­
Associação de Parentes e A m igos
ca quantidade de álcool, devido à
dos Dependentes Q uím icos (APAsua tolerância fisiológica diminuída.
DEQ). Reconhecendo que a depen­
Portanto, a frase é verdadeira,
dência do álcool e das drogas é um
Tranqüilizantes, como Librium e
dos m aiores problem as sociais que
Vaiium, freqüentemente são valio­
qualquer comunidade tem de enfren­
sos para manter o alcoólatra em re­
tar, essa organização, liderada pelos
cuperação durante o primeiro ou
m édicos e m em bros de A lcoó lico s
mais anos de sobriedade.
Anônim os mais responsáveis de São
Os tranqüilizantes, tão com uJoão Del Rei, está prom ovendo cu r­
mente receitados, tendem a alterar
sos sobre a dependência química pa­
o humor de tal form a que constituem
ra educar a população da área e
um grave risco: ou a dependência
organizando um centro de re ab ilita ­
química será transferida do álcool à
ção local para tra ta r dos dependen­
droga tranqüilizante, ou a pessoa
tes dessa parte de Minas.
tam bém voltará ao uso do álcool,
Um dos organizadores da APAcriando assim uma dependência du­
DEQ, meu amigo, Luiz Balbino de
pla... dò álcool e do tranqüilizante.
Souza, teve a gentileza de enviar-me
A frase é falsa.
um folheto dos mais interessantes,
Um alcoólatra com mais de dez
porque se trata de um teste para
anos de sobriedade pode tomar um
descobrir se as pessoas realm ente
drinque social ocasionalmente, sem
entendem de alcoolismo, ou se co n­
perigo.
tinuam aceitando os m itos que cons­
A experiência m ostra que exis­
titue m a m aior barreira ao progresso
te um risco m uito grande de se v o l­
na batalha contra a dependência das
tar ao beber alcoólico, não im portan­
drogas. O teste fo i preparado o rig i­
do quanto tem po durou o período de
nalm ente pelo Dr. Jo n R. Weinberg,
sobriedade antes da tentativa de be­
Ph.D., e terei o prazer de oferecê-lo
ber socialmente. Relatos ocasionais
aos leitores de AVE M ARIA, através
de alcoólatras que conseguiram vo l­
dos próxim os núm eros desta Revis­
tar a beber socialm ente após um pe­
ta. Sugiro-lhes que respondam " ver­
ríodo de sobriedade são extrem a­
dade" ou " f a ls o " para si m esm os a
m ente raros, se é que são verdadei­
cada pergunta, antes de passar a ler
ros. Dezenas de casos, relatados em
a resposta correta. E aposto que fi­
revistas psiquiátricas, foram des­
carão surpresos com o núm ero de
m entidos com o tempo. Falsa.
respostas erradas que darão.
0 alcoolismo deve ser conside­
Vamos lá.
rado o sintoma de um distúrbio men­
tal, ou de personalidade, subjacente.
Alguns bebedores sociais inge­
Em primeiro lugar, o alcoolism o
rem muito mais álcool do que alcoó­
deve ser considerado uma doença
latras em estágio avançado.
primária e não um sintom a de algu­
Alguns bebedores sociais conso­
ma outra doença. Enquanto outros
mem im pressionantes quantidades
distúrbios, com freqüência, coexis­
de álcool sem desenvolver a doen­
tem com ele, o alcoolism o, de m o­
ça do alcoolism o, m anifestada por
do geral, é de longe a doença de
sérios efeitos negativos na vida, em ­
mais grave im pacto. E reconhecido
bora a maioria dos bebedores sociais
como doença pela A ssociação M é­
"30 consiga beber álcool em quandica Americana e outras autoridades
:;dades suficientes para se tornarem
da área da saúde. As te n ta tiva s pa­
E
ra tra ta r do alcoolism o apenas tra ­
tando os supostos distúrbios subja­
centes foram invariavelmente mal
sucedidas. A frase é falsa.
O primeiro passo na psicoterapia
do alcoólatra consiste em determinar
seus motivos inconscientes para
beber.
A primeira medida, no tratam en­
to do alcoólatra por qualquer jnétodo, é procurar deter o seu beber,
ajudando o indivíduo a reconhecer e
aceitar sua condição de alcoólatra e
incentivando-o a ficar abstêm io. So­
m ente após o paciente estar sóbrio
é que podem ser identificados (e tra ­
tados com êxito) quaisquer proble­
mas em ocionais que persistem e
que, porventura, não foram provoca­
dos pelo alcoolism o. A frase é falsa.
0 cônjuge do alcoólatra é, com
freqüência, uma causa primária do
alcoolismo.
Pessoa alguma pode tra n s fo r­
mar outra pessoa em alcoólatra (ou
epilético ou diabético). Na pior das
hipóteses, o com portam ento do côn­
juge pode co n stitu ir um álibi conve­
niente para que o alcoólatra beba. 0
álibi é freqüentemente aceito e refor­
çado erroneamente por profissionais
incautos. A frase é falsa.
Donald Lazo
CHÁCARA REINDAL
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alcoolismo
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a v e m a r ia
19
DONALD LAZO
!
A CMANÇÁ ESQUEODA
D
D
Embora a criança esquecida não crie muitos
problemas, é ela que tem a menor chance de
se realizar na vida quando se tornar adulta.
a hora que aparece o terceiro
filho de nossa família, o drama
do alcoolismo já está se desenvolven­
do a todo vapor e os quatro atores
;..e o precederam (papai o Alcoólatra,
mamãe a Facilitadora, Joâozinho o
Herói e Pedrinho o Bode Expiatório)
estão intensamente envolvidos nele.
igual ao Bode Expiatório, este tercei­
ro filho — apelidado Criança Esque­
cida — se sente por fora, alheia à fa­
mília. Porém, em contraste com o
Bode Expiatório, ela não procura
atrair a atenção a todo custo. Ao con­
trário, ela se retira do palco e se es­
conde nos bastidores.
Desde a infância, a Criança Esque­
cida — que chamarenos Silvinha —
sente as tensões do drama que se de­
senrola ao seu redor, mas não com­
preende o que está acontecendo. Afi­
nal de contas, ela chegou no meio da
peça e ninguém se deu o trabalho de
explicar-lhe o que havia acontecido
antes dela aparecer. Os outros mem­
bros da família estavam preocupados
demais para notar a confusão de Sil­
vinha.
Assim sendo, a nossa Criança Es­
quecida encontra sua própria maneira
de se adaptar à situação. Ela simples­
mente “ desaparece” . Silvinha se afas­
ta dos outros, procurando conforto
na privacidade de sua própria compa­
nhia, longe do caos da família, em cu­
jo meio ela está perdida de toda for­
ma. No sentido de achar-se excluída e
de se afastar dos outros membros da
família, a Silvinha é parecida com o
Bode Expiatório (descrito no último
artigo). Mas existem diferenças fun­
damentais entre estes dois filhos.
Emocionalmente, ambos se sentem
rejeitados e de pouco valor. Porém,
N
dentro do Bode Expiatório existe um
ódio próprio que vai crescendo devagarzinho — o resultado de suas com­
parações desfavoráveis com seu ir­
mão maior (o Herói) e conseqüência
também de seu comportamento anti­
social. Por sua vez, Silvinha, a Crian­
ça Esquecida, tem pouco sentido de
valor, pois é ignorada durante anos a
fio, sendo tratada como se não exis­
tisse. O Bode Expiatório sente-se
amargurado e tem raiva. Silvinha
acha que está sendo excluída merecidamente. Ela sente muita solidão,
mas pouca raiva.
O comportamento dos dois tam­
bém é diferente. O Bode Expiatório
(lembrem-se que alguns o chamam o
Aprontador) quer atenção e age
agressivamente para obtê-la. A Crian­
ça Esquecida cede à sua situação, pas­
sivamente. Enquanto o Bode Expia­
tório procura encrencas para chamar
a atenção, a Criança Esquecida evita
encrencas e quase nunca recebe aten­
ção. Se alguém dizer à mãe dela: “ Sil­
vinha é uma menina tão adorável,
mas ela é muito quietinha, não é?” a
mãe é capaz de responder, “ Pois é. E
como seria bom se seus irmãos fos­
sem tão quietos quanto ela!”
Já que o comportamento passivo
da Criança Esquecida lhe priva de
uma maneira de externar seus senti­
mentos negativos, ela tende a reprimilos. Como resultado, é comum nestas
crianças encontrar sintomas físicos
desta repressão, como alergias e
asma. Elas também têm um número
exagerado de acidentes. Neste grupo
também se encontram muitos filhos
que ainda urinam na cama após che­
gar à adolescência. Comer, para eles,
é uma forma de se gratificarem. Só
que muitos comem com a mesma
compulsividade que caracteriza o
comportamento de quase todos os
membros da família alcoólica. Por­
tanto, freqüentemente chegam à obe­
sidade.
Aposto que existem centenas e cen­
tenas de pediatras que estão tratando
crianças com estes sintomas sem saber
que, atrás dos sintomas, há um pai
(ou uma mãe) alcoólatra e portanto
uma família desestruturada. Quando
esse é o caso (e ninguém conta para o
pediatra que o pai é alcoólatra), o mé­
dico deixará de tratar a causa dos sin­
tomas. E dificilmente a criança irá se
recuperar.
Embora a Criança Esquecida não
crie muitos problemas, é ela que tem
a menor chance de se realizar na vida
quando se torne adulta.
Sem ajuda, nossa Silvinha se tom a­
rá uma Adulta Esquecida, sem a ca­
pacidade, por exemplo, de desenvol­
ver relacionamentos íntimos. É capaz
de casar várias vezes... ou nenhuma
vez. Por algum tempo, poderá se tor­
nar promíscua, até aprender que o
contato sexual não é substituto para a
intimidade. Para compensar sua soli­
dão e desvalorização, é capaz de se
apegar demais aos bens materiais. Se
você se identificar com Silvinha (ou
com Sílvia adulta), recomendo-lhe
procurar a ajuda gratuita de duas ma­
ravilhosas organizações: Al-Anon
(fone em São Paulo é 229-4688) ou
Neuróticos Anônimos (fone em São
Paulo é 229-7523). Esses telefones in­
formarão o grupo de Al-Anon ou
NA mais próximo de você, seja onde
você morar no Brasil.
6
ave maria 25
I
-J-COOUSM o
Mecanismos de Defesa dosFAAs
Donald Lazo
2
—«#
$
%
%
i
ara simplificar, referir~e-e aos filhos adultos de aioociatras (isto é, aos fiihos de
aicoólatras que hoje são adul' os) como FAAs. Estas pessoas
são frequentemente obrigadas
£ reviver experiências que tivee lições que aprenderam,
zoando era crianças.
Por exemplo, FAAs tipica­
mente encontram dificuldade
e~ seguir um projeto qualquer
o o início até o fim. A tendência
tir quando seria iguaimente fácil
oeíes é a de começar um trabacontar a verdade. Este certa­
~io e depois deixar a conclusão
mente é um comportamento
□o trabalho “ para amanhã". É ’ aprendido, pois quando eram jo­
oossívei que esta falta de per­ vens, a mentira (em alcoolismo,
sistência resulta do fato de te­
preferimos usar o termo à nega­
rem presenciado, quando joção’) fazia parte integral da vida
.ens, grandes projetos que, esno lar do alcoólatra. Para dizer a
íavam sempre sendo prometiverdade, a norma era mentir, pa­
dos — porém nunca levados à
ra tornar a vida mais tolerável.
cabo — peios seus pais alcoólaFilhos de alcoólatras VIVEM
:'as. Papai costumava dizer que
uma mentira: a mentira de que
qualquer dia ia largar seu em­
papai não tem um problema de
prego, “ parar de trabalhar pelos
bebida. Uma das primeiras coi­
outros” e partir para um emsas que os filhos de um alcoóla­
oreeendimento que iria trazertra aprendem é que nunca de­
ihes um montão de dinheiro.
vem criticar, ou sequer mencio­
Com esse dinheiro, entre outras
nar, o beber do pai. Numa cena
coisas, iriam mudar-se para
de um fiime que mostramos aos
jm a casa bem maior. Na reali­
nossos pacientes na Chácara
dade, porém, papai só saia dos
Reindal, a filha de um alcoólatra
empregos quando era demitido.
ouve sua mãe telefonando para
E aquele empreendimento tão
vários lugares tentando locali­
faiado nunca saia do papel.
zar o pai. A filha pergunta: “ Que
O pai também vivia prome­
houve, mamãe? Papai sumiu de
tendo consertar a geiadeira que
novo? Vai ver que partiu para
'avia quebrado ou o vidro da jamais uma de suas farras!” A
ela na cozinha. Mas as tarefas
mãe responde: “ Não faiè isso!
jn c a se realizavam. E o filho
Teu pai é médico e isso é uma
endo que os projetos jam ais
das profissões mais exigentes
eram concluídos, só sabia que
que existe” .
evar à cabo um plano prometi­
Depois que os filhos ouvem
do não era coisa importante. Se
algumas admoestações desse
dá para fazer, tudo bem. Se por
tipo, aprendem logo que um as­
qualquer motivo não dá para fa­
sunto que não deve ser mencio­
zer, então “ não deu” e pronto.
nado nunca é o beber do pai, jus­
FAAs têm características in­
tamente o assunto que mais an­
teressante: eles tendem a mengústia lhes cria. A partir daí, pas­
20
a v e m a r ia
ju n h o / 9 1
sam a viver sua grande mentira.
Em outro fiim e que mostramos,
Kátia, a filha de um alcoólatra,
tem uma amiga que quer vir es­
tudar uma a noite na sua casa.
“ Não” , responde Katia, “ é me­
lhor a gente estudar na tua ca sa ,
esta noite porque meus pais vão
ter visitas” . Na verdade, Katia
não quer estudar na sua própria
casa por medo de que aparece­
rá o pai bêbado e fazendo es­
c â n d a l o . Es s a s m e n t i r a s
tornam-se rotineiras em sua vi­
da.
Há um livro excelente sobre
filhos de alcoólatras que traz, na
capa, o desenho de uma família
— mãe, pai e três filhos — sen­
tados no sofá na sala, todos
olhando à televisão juntos. Ao
lado do sofá, dentro da sala,
encontra-se um elefante enor­
me, ocupando metade do espa­
ço da sala. Um dos filhos está di­
zendo aos outros: “ Gente, tem
um elefante na sala!” Mas a fa­
mília continua olhando para a
televisão, fazendo de conta que
não existe elefante algum na sa­
ía. O elefante, naturalmente,
simboliza o problema alcoólico
do pai, que ninguém na família
se dispõe a reconhecer. E o livro,
escrito peia Dra. Claudia Black,
se chama “ Tem um Elefante na
Sala!”
É a s s i m qu e, d e s d e
crianças, os filhos de alcoóla­
tras aprendem que uma manei­
ra de aiiviar as angústias da vida
é mentir e negar a realidade. E
mesmo quando se tornam adul­
tos anos depois, não se darão
conta de que mentir constante­
mente, quando seria muito mais
interessante contar a verdade, é
uma maneira absolutamente
inapropriada de aliviar as an­
gústias da vida.
AL CO O U SM O
Legalizar as drogas?
Você deve estar brincando!
- e t jito s anos se sabe que filhos
re E
a :ras se tornam alcoólatras
e— J ;c maior número do que filhos
: e "ãc-aicoóiatras. Quer dizer, as
:~ e *:s s de se tornar alcoólatra são
: e — E; ores quando se tem um pai ou
. —E ~ãe alcoólatra. E são maiores
a t e :ja n d o ambos os pais são al: : : aras. Será isto por razões heredias ou por razões ambientais?
2„rante muitos anos. a idéia que
: 'E• slecia entre os estudiosos do as5 -n ;o era que os filhos de alcoólatras
~e ::".a v a m alcoólatras por seguirem
: Exemplo dos pais. Como se bastas;e reoer muito para ser alcoólatra.
E :om o se o exemplo da vida de um
E coóiatra pudesse incentivar um filho
E Tiitá-Io!
Hoje já existem estudos em abun; ã_cia que respaldam a idéia de ser
: E coolismo causado, pelo menos em
: = re , pela hereditariedade. Ou seja,
a aoença é, pelo menos parcialmen:e jm a condição adquirida geneticanente.
Por exemplo, para responder à
:ergunta: “ Qual fator tem mais in■ uência, o ambiente ou a hereditarie:Ede?” Os pesquisadores bolaram um
estudo engenhoso. Compararam fi-Qs de alcoólatras, adotados (com
:ouca idade) e criados por pais nãocoóiatras, ’com filho s de nãocoólatras, adotados e criados por
:is alcoólatras (ou seja, em ambien­
te onde existia o problema do alcoo­
lismo).
Se o alcoolismo fosse mais um
problema ambiental, é óbvio que o
~aior número de filhos alcoólatras se
encontraria entre os jovens adotados
e criados por alcoólatras. Por outro la­
do. se fosse principalmente um proble~ a genético, encontrariam-se mais jo­
vens alcoólatras entre os filhos dos al­
coólatras, mesmo que fossem criados
em ambientes onde não existisse o
problema do alcoolismo. E foi este úl­
timo o que descobriram mesmo. São
os filhos de alcoólatras, adotados e
criados por não-alcoólatras, que de­
senvolveram o alcoolismo, em núme­
ro quatro vezes maior, que os filhos
dos não-alcoólatras, criados pelos al­
coólatras.
Mas aí surgiu a pergunta: Seria a
hereditariedade o único fator para o
desenvolvimento do alcoolism o, ou
existem também influências ambien­
tais? A resposta a esta pergunta é
mais do que óbvia. É claro que tam ­
bém existem influências ambientais.
Porque para se tornar alcoólatra e fa­
zer a doença progredir, é necessário
beber bebidas alcoólicas. Na ausência
da bebida, uma pessoa não desenvol­
veria o alcoolismo porque ninguém
nasce alcoólatra. (Nasce-se com a pro­
pensão, ou predisposição, se preferir
essa palavra, ao alcoolismo).
Se subitamente se eliminasse da
terra toda substância que contivesse
álcool — o que seria patentemente im­
possível — nesse instante se elimina­
ria a doença do alcoolismo. Em outras
palavras, o alcoolismo também é um
/
problema ambiental porque o álcool
vem do ambiente. Nas sociedades (is­
lâmicas, por exemplo) onde o álcool
é proibido, o alcoolism o quase não
existe.
Por outro lado, nas sociedades
onde esta droga poderosa não só é
aceita legalmente mas intensamente
promovida na televisão e nas revistas,
o índice de alcoolism o é alarmante.
Porque menciono estes fatos? Por
uma razão muito simples. Hoje em dia
está havendo muita discussão sobre
as melhores maneiras de controlar o
crescente problema das drogas. E um
dos argumentos que se está usando
é que devia-se tornar todas as drogas
legais, pois isto as tornaria menos
atrativas, mais abundantes e, portan­
to, mais baratas, o que, por sua vez,
tornaria seu tráfico e distribuição in­
viável economicamente.
Quanto papo furado! O número de
mortes causado direta ou indiretamen­
te pela droga álcool, é muitíssimo
maior que o número de mortes causa­
dos por todas as outras drogas juntas.
Por que? Porque muito maior número
de pessoas bebem álcool do que to ­
mam as outras drogas. Por que? Por­
que o álcool é uma droga legalizada.
Precisa-se de outro argumento?
•
ju n h o / 9 0
a v e m a r ia
25
ALCOOLISMO
Os Alcoólicos Anônimos
que poucos conhecem
D onald Lazo
oda vez que leio um a rtig o soore A lc o ó lic o s A n ô n im o s em
a gum jo rn a l, me dou c o n ta
: _ão s u p e rfic ia l é o c o n h e c im e n ■: gerai a respeito do AA. Ivariavel- e n í e , a irm a n d a d e é d e s c rita co—3 um a o rg a n iz a ç ã o que re aliza
-e -n iõ e s de te ra p ia para a lc o ó la • ■as. nas q ua is os ex-bebedores se
£ -d a m m u tu a m e n te a m anter-se
-•a s ta d o s da bebida. A lc o ó lic o s
- -lô n im o s é m u ito m ais do que is­
so.
A cre dita -se , em AA, que, para
■ecuperar-se d e fin itiv a m e n te do a l­
c o o lis m o e suas se q üe la s, um a l­
c o ó la tra — além de a b a n d o n a r a
Debida e q u alq u e r o u tra drog a que
a :ere 0 h u m o r (in c lu in d o os tra n ­
qüilizantes, tã o m a c iç a m e n te re­
c e ita d o s por p s iq u ia tra s que p o u ­
co conhecem o alcoo lism o) — pre­
cisa p a ssa r po r um a mudança e s­
p iritu a l.
Em um a ou o u tra re u n iã o de
AA, é co m u m o u v ir alg um c o m p a ­
nheiro c o lo c a r e sta re a lid a d e de
fo rm a um pouco m ais p rá tica . P ro­
vavelm ente dirá: “ Ladrão de cavaio que que r parar de beber, vai te r
de p a ra r de ro u b a r ca v a lo s ta m ­
b é m ” . A id é ia de que 0 a lc o ó la tra
em re cu p e ra çã o te rá de p ro c u ra r
um novo rum o na vid a é ta m b é m
ífle tid a em o u tra fra se o u v id a
om certa freq üê n cia nas reuniões
AA: “ Os ve lh o s c a m in h o s le..n aos ve lh o s iu g a re s ” .
A ind a , de vez em q ua nd o , um
AA dirá: “ A pessoa que eu era, be ­
bi». e a pessoa que eu era, v o lta rá
a b ^ b e r” , dando a entender que ele
com preende a necessida de de to r­
nar-se o u tro tip o de pessoa.
Se o AA não fizesse m a is do
que re c o m e n d a r aos a lc o ó la tra s
T
que parassem d e fin itiv a m e n te de
beber, não te ria 0 su ce sso e cre s­
de
c im e n to que sem pre teve. O AA vai
m u ito m a is longe. A organizaçã o,
que h o je é c o n s titu íd a de m ais de
80 m il g ru p o s ao redor do m undo,
o fe re c e ao a lc o ó la tra um a fórm u•^la p ara e fe tu a r sua m udança.
“ A pessoa que eu era,
bebia; e a pessoa que eu
era3 voltará a beber.”
Trata-se de um program a de vi­
da, de cre s c im e n to e s p iritu a l, cha­
m ado os Doze Passos.
Em o u tra s palavras, A lc o ó li­
co s A n ô n im o s é um a o rg a n iza çã o
que prega (sem serm onizar) o cres­
c im e n to e s p iritu a l por m eio de
um a m u d a n ça de valores. Talvez
fo s s e m a is a c e rta d o s d ize r que o
AA p re g a um a m u d a n ça de vida
p o r m e io de um re to rn o aos valo­
res e s p iritu a is que n o rte ia m o
b e m -e s ta r de toda p e sso a e q u ili­
brada, ú til e feliz. E o fe re ce o in s ­
tru m e n to (os Doze P assos) que
efetua essa m udança nas pessoas
que se em penha m em usá-lo.
Sabe-se que a p s iq u ia tria e/ou
a p s ic a n á lis e são n o to ria m e n te
fra c a s s a d a s no tra ta m e n to do a l­
c o o lis m o (apesar de a in d a serem ,
p or in críve l que pareça, o s tra ta ­
m e n to s m a is p ro c u ra d o s para os
a lc o ó la tra s ). Na m in h a o p in iã o ,
um dos fa to re s que m e lh o r e x p li­
ca este fra c a s s o é o fa to de ta n ­
to s p ro fis s io n a is de saúde m ental
d esp rezare m o lado e s p iritu a l do
a lc o ó la tra . A lc o ó lic o s A n ô n im o s
não c o m e te esse erro. Na su a lite ­
ratura, o AA descreve o a lco o lism o
co m o um a d o e n ça fís ic a , m ental
ou e m o c io n a l, e e s p iritu a l. Com
fre q ü ê n c ia , co m p a ra o a lc o ó la tra
a um b a n q u in h o trip é , com cada
um dos três pés representando um
desses a s p e c to s : o fís ic o , o m en­
ta l/e m o c io n a l e o e s p iritu a l. F ri­
sa-se em AA que não a d ia n ta te n ­
ta r re cu p e ra r um a lc o ó la tra fís ic a
e m ental ou e m o cio n a lm e n te , sem
re cuperá-lo e s p iritu a lm e n te , ta m ­
bém. S eria e q u iva le n te a c o n s tru ir
um trip é com apenas d o is pés. Evi­
d ente que não fic a rá e q u ilib ra d o .
Estará co n sta n te m e n te ca in d o (ou
“ re c a in d o ” , co m o dizem os AAs).
N ão é à to a que A lc o ó lic o s
A n ô n im o s e n fa tiz a ta n to os v a lo ­
res e s p iritu a is que Deus in c u lc o u
em ca d a um de nós ao criar-nos.
Na d e c a d ê n c ia que c a ra c te riz a o
c a m in h o do a lc o ó la tra , à m edida
que m e rg u lh a nas trevas da de­
pe n d ê n cia , ele irá d e sca rta r, um
por um , to d o s os va lo re s que um
d ia o rie n ta ra m sua vida: o re sp e i­
to à fa m ília , a h o n e s tid a d e no tra ­
to com os d e m a is, a m oderação
em tu d o . Q u a n to m ais se a fa s ta r
dos va lo re s e s p iritu a is b á sico s,
m a is in c ô m o d o se s e n tirá e m a is
in fe liz se e n c o n tra rá . H avendo
a p re n d id o que e x is te um a droga
— o á lc o o l — que a liv ia sua an­
gústia, apelará cada vez m ais à be­
bida, ju s ta m e n te a s u b s tâ n c ia que
o está d e s e s p iritu a liz a n d o . E, ao
beber, e s ta rá se e n tre g a n d o a um
dos a to s m a is e g o c ê n tric o s e an­
ti-e s p iritu a is que c o n s ig o im a g i­
nar. Pois, ao e m b riagar-se, e sta rá
se to rn a n d o um a pessoa a b s o lu ta ­
m ente in ú til, im p o s s ib ilita n d o a
a p lic a ç ã o do va lo r m ais apreciado
p e la irm a n d a d e de A lc o ó lic o s
A n ô n im o s: 0 de servir ao próxim o.
f e v e r e ir o / 9 1
a v e m a r ia
21
Como Viver Melhor... E Muito Mais
Donald Lazo
ostumo escrever sobre a de­ cios que fazemos, 0 beber e 0 fumar.
pendência de drogas e mais
As grandes causas de morte prema­
especificamente do álcooi. Este tura
ar- hoje — 0 câncer do pulmão, as
: 30 será ppenas tangencialmente
doenças do coração, os ferimentos
'elacionado a esse assunto. É que adquiridos em acidentes — são ca­
acabo de ler um livro muito interes­ da vez mais evitáveis.
sante e queria compartilhar alguns
Vamos falar um pouco sobre 0
de seus ensinamentos com os leitocigarro. Gostaria que 0 leitor visua­
res da AVE MARIA. O livro, intitula­
lizasse um daqueles grandes aviões
do Everything to gain — making the
da Varig que são capazes de trans­
nost of the rest of your life (Tudo a
portar 340 passageiros de vez. Ago­
ganhar — aproveitando ao máximo
ra imagine se, de repente, quatro
0 resto de sua vida), foi escrito por
desses aviões começassem a cair
J immy Carter, ex-presidente dos Es­
diariamente durante um ano. Se is­
tados Unidos, e sua mulher, Roso acontecesse, morreria 0 mesmo
saiynn, ex-primeira dama. Trata das número de pessoas que morre pre­
coisas que pessoas de idade avan­
maturamente nos EUA anualmente
çada (pessoas aposentadas) podem devido ao cigarro. É isso mesmo. A
;azer para enriquecer os poucos
cada dia, nos EUA, morrem mais de
anos que ihes restam. É óbvio que
1 000 pessoas por causas relaciona­
0 livro foi escrito tendo em mente os
das ao fumo.
dosos norte-americanos, mas a sa­
Em 1985, 0 número de mortes
bedoria que se encontra em suas pá­
nos EUA por causas relacionadas
ginas serve para todo 0 idoso, de
ao
cigarro foi 375 000. Nesse mesmo
qualquer país.
ano,
0 número de mortes, nos EUA,
Afirma 0 casal Carter, baseado
atribuídas
diretamente à cocaína,
em estudos científicos, que a cada
dia as probabilidades de vida (ou se­ heroína e outras drogas foi de ape­
ja, a longevidade) do americano au­ nas 3 562! Tem alguém por aí ainda
achando que 0 cigarro não faz mal?
menta em sete horas! Isto equivale
a dois dias por semana ou a 25 anos
Achei importante alertar os lei­
neste século. Em outras palavras: 0
tores para os perigos do cigarro pe­
norte-americano de hoje vive 25
lo seguinte: por estar começando a
anos mais que 0 americano de 100
cair 0 consumo de cigarros nos
anos atrás, graças, entre outras coi­
EUA, as grande companhias multi­
sas, aos extraordinários avanços da
nacionais de fumo estão colocando
medicina durante este século.
a ênfase de sua propaganda agres­
Igualmente importante, contu­
siva e suas campanhas de venda
do, é que os fatores de risco asso­
dos Estados Unidos para os povos
ciados à morte são coisas sobre os
menos avisados dos países em de­
quais nós — os cidadãos comuns —
senvolvimento, como 0 Brasil. Isto
temos um bocado de controle: os
significa que os brasileiros serão ca­
alimentos que comemos, os exercída vez mais pressionados — pelas
C
empresas que produzem estas “ se­
ringas de câncer” chamadas cigar­
ros — a experimentar seus produtos
viciantes. Serão cada vez mais pres­
sionados a “ levar vantagem em tu­
do” . Quer dizem, em tudo menos a
saúde.
Seria muito melhor que 0 brasi­
leiro fosse aconselhado a seguir no­
ve regras simples que garantiriam
para ele uma vida bem mais saudá­
vel e longa. As regras, mencionadas
no livro do casal Carter, são estas:
1. Não fume.
2. Mantenha um peso apropria­
do.
3. Faça exercícios regularmente.
4. Minimize seu consumo de co­
lid a s com alto teor de colesterol,
gorduras saturadas, açúcar e saí.
5. Não beba em excesso e nun­
ca dirija após beber, mesmo que te­
nha bebido pouco.
6 . Use 0 cinto de segurança do
seu carro sempre.
7. Faça exames médicos, inclu­
sive para pressão de sangue, regu­
larmente.
8 . Se tiver sintomas de depres­
são ou tristeza que perduram, mes­
mo depois de aplicar estas regras,
procure tratamento. Algo está erra­
do.
9. Remova de sua casa todas as
armas. (Foi comprovado que as ar­
mas mantidas no lar têm mais pro­
babilidade de matar seus entes que­
ridos do que de protegê-los).
Seguindo estas regras, você
também passara a acrescentar dois
dias a sua vida, a cada semana que
passa. Que tal tornar isso a sua re­
solução para 1991?
*
ja n e ir o /9 1
a v e m a r ia
19
A L C O O L ISM O
O Pior e Melhor Dia de Minha Vida
Rumo ao Fundo do Poço
(lf Parte)
Donald Lazo
i
íioje é um aniversário im­
portante em minha vida. Neste
mesmo dia, exatamente 26 anos
atrás, eu acordei às 8 horas da ma­
nhã, tremendo incontrolavelmente. Minha segunda esposa me ha­
via largado 6 dias antes e eu tinha
chegado a meu apartamento às 4
horas da manhã, após ter passado
a noite inteira cambaleando de um
bar para outro na “ zona” da Rua
General Jardim em São Paulo. Ao
acordar poucos horas depois, um
horrível sentimento de culpa e re­
morso se apoderou de mim, ali­
mentando as minhas tremedeiras.
Mas eu sabia como aliviar essa an­
gústia.
Fui até a cozinha, enchi um co­
po de rum puro e engoli-o direto.
Enchendo o copo de novo, passei
para a sala do apartamento. O soi já
havia saído e ia ser um dia maravi­ oportunidades que meus pais me
lhoso, sem qualquer nuvem no
haviam proporcionado?
céu. Mas não para mim.
Não podia negar que havia nas­
Pela Milésima vez, comecei a
cido no melhor dos mundos. Meu
me perguntar como ia fazer para
pai era um homem muito rico e
sair do buraco em que me encon­
muito generoso com os filhos.
trava. Deveria arranjar uma nova
Nunca me havia faltado dinheiro.
justificativa para explicar à minha
Quando acabava, era só pedir-lhe
empresa por que não tinha ido tra­
mais. Quando estava de férias das
balhar essa semana (era 5? feira),
escolas e universidades maravilho­
ou seria mais fácil simplesmente
sas que meu pai me havia pago, di­
pedir demissão para não ter que
vidia meus dias entre o Yacht Clu­
dar satisfação a ninguém? Converbe, onde passava a maior parte do
ria ligar par minha mulher e tentar
meu tempo encostado no bar, e o
fazer as pazes mais uma vez, ou se­
CoUntry Clube, onde jogava golfe e
ria melhor mandá-la para as favas e
tênis e também passava a maior
partir para a procura de outra com­
parte do tempo jogando dados no
panheira? Deveria tentar parar de
bar.
beber mais uma vez, ou beber mais
Lembranças de mil momentos
este dia e deixar para amanhã a
felizes passaram pela minha cabe­
idéia de abandonar o álcool para
ça essa manhã no meu apartamen­
sempre? E, afinal de contas, como
to, intercaladas com esforços con­
é que tinha chegado a este ponto
fusos de tentar pensar em como re­
mais baixo de minha vida, aos 36
solver a minha situação atual.
anos de idade, apesar de todas as
Aidéiadesuicídiovoltou apas16
a v e m a r ia
ju lh o / 9 1
sar pela minha mente, mas foi logo
descartada. Eu não tinha coragem
de me matar. Com iágrimas corren­
do pelo meu rosto, fui bebendo
meu segundo copo de rum e me
convencendo, cada vez mais, que
não havia saída para meu caso. De
repente, me veio uma idéia não sei
de onde — a idéia de parar de men­
tir para o mundo. Por ser engenhei­
ro e estar acostumado a ser chama­
do “ doutor” , eu vinha, há anos, ten­
tando mostrar que merecia o título
por ser um homem sério, discipli­
nado e trabalhador. Mas o esforço
havia se tornado cada vez mais difí­
cil, criando um conflito doloroso
dentro de mim, porque eu sabia
que na verdade eu não passava de
um bêbado irresponsável.
Mas agora comecei a pensar:
“ Sabe de uma coisa? Chega de fa­
chadas! A partir deste momento,
não vou mais mentir para quem
quer que seja. Vou abrir o jogo
com o mundo. Vou admitir que es­
tou totalmente perdido na vida e
que preciso desesperadamente
de uma mão” . Decidi, nesse ins­
tante, descer até a rua e implorar,
à primeira pessoa que chegasse
perto de mim, que me levasse para
casa e me desse apenas cama e
comida. Não seria necessário
pagar-me um salário. Eu só queria
sobreviver e passar a ter a vida
mais simples possível. E para isso
estava disposto a lavar pratos, lim­
par banheiros, cortar grama, qual­
quer coisa. Pensei quem sabe se
desta forma eu conseguiria en­
contrar um pouco de paz de espíri­
to. E de fato, só com esta idéia de
mudar completamente devida, co­
mecei a sentir um pouco de alívio.
Porque de uma coisa eu tinha cer­
teza: eu havia chegado emocional­
mente ao fundo do poço. Na hora,
tal situação sempre parece terrí­
vel. Mas eia tem duas grandes van­
tagens. Primeira, quando se che­
ga ao ponto mais baixo da vida, daí
só se pode subir. Segunda, é no
fundo do poço, segundo William
James (o maior filósofo norteamericano), que pessoas agnósti­
cas e orgulhosas como eu,
encontram-se com Deus.
»
(continua no próximo número da AM).
r
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ALCOOLISMO
O Pior e Melhor Dia de Minha vida
Retorno do Fundo do Poço
(continuação)
D o n a ld Lazo
avendo chegado ao ponto
mais baixo de minha vida,
decidi pegar o eievador, aes:er até a rua e entregar-me à primeira
ressoa que chegasse perto de mim.
No elevador, lembrei que a poucos
quarteirões estava o Hospital Samari:ano e que lá havia médicos e enfer-e :ras, pessoas treinadas para cuidar
de desesperados como eu. Também
me ocorreu que, já havia decidido ad~ tir ao mundo (que incluía meus che:es) que havia voltado a beber, teria
—ais chance de obter a compaixão de
minha empresa, e assim talvez preser■ar o meu emprego, se ligasse para
eies de um hospital. Decidi, então, en:regar-me ao pessoal do hospital ao in­
vés de a uma pessoa estranha.
Entrei pela porta da frente do Samaritano ia pelas 9 horas da manhã,
bêbado e em prantos. A mocinha da
recepção, não acostumada a ver um
homem de 36 anos de idade entrar no
problema deles. Posso me apagar” .
hospital às 9 horas da manhã alcooli­
Não podia imaginar, nessa hora, que
zado e fazendo tamanha cena, saiu
eu estava entregue mesmo. Mas não
correndo à procura de um médico, que
só a eles e sim a Ele.
chegou logo.
Dormi imediatamente, um sono
Perguntando-me que precisava,
profundo que durou o resto do dia e
ouviu mais uma imploração: “ Estou
a noite inteira. Na manhã seguinte,
mal, doutor. Alguém precisa me aju­
quando acordei, deparei-me com um
dar’, lhe disse, chorando. Levaram-me
padre que havia batido na minha por­
para um quarto, me tiraram a roupa,
ta e entrado. O padre, que costumava
me puseram pijama e me deram uns
visitar os pacientes nesse hospital, se
L,umprimidos. Arranjaram um tipo de
apresentou e me perguntou o que eu
suporte no.qual penduraram um fras­
estava fazendo ali. Pela primeira vez
co cheio de um líquido claro. No fim
na minha vida, me abri totalmente com
do tubo que vinha do frasco havia uma
uma pessoa estranha. Contei-lhe, da
agulha que inseriram na veia do meu
maneira mais honesta de que era ca­
braço logo depois de deitar-me na ca­
paz, tudo que me havia acontecido.
ma.
Falei da discussão que havia tido na
Nesse momento, com várias pes­
sexta-feira passada com minha espo­
soas me atendendo e deitado numa
sa, que a havia levado a me abando­
cama limpa pela primeira vez em dias,
nar. Expliquei que, apesar de estar
pensei: “ Estou entregue. Agora sou
abstêmio há 6 meses, com a justifica­
H
16
a v e m a r ia
a g o s to /9 1
tiva do abandono, e por ser uma sextafeira (onde poderia beber até domin­
go, depois parar no domingo e voltar
ao serviço segunda, sem que se sou­
besse na empresa que havia voltado
a beber), decidi tomar uns drinques. Só
que bebi sexta, sábado, domingo, se­
gunda, terça, quarta e quinta, e havia
parado na quinta somente por ter en­
trado no hospitai e pedido ajuda. Ex­
pliquei ao padre que vinha bebendo
por causa de todos os problemas na
minha vida. de ordem não só conjugal
mas também financeira, física e emo­
cional. “ E agora” , disse ao padre, “ me
encontro no fim de minha corda” .
Hoje eu sei que não estava beben­
do por causa de todos os problemas
que tinha. Eu tinha os problemas por
causa do meu beber. Também sei que,
naquele momento, estava no início, e
não no fim, de minha corda.
samente. Aguardaria os acontecimen­
tos.
Foi aí que o anjo da anunciação,
em sonho, lhe trouxe a mesma mensa­
gem a título de explicação: "José filho
de Davi, não temas receber Maria por
tua esposa, pois o que nela foi conce­
bido foi por ação do Espírito Santo”.
Era agora a perplexidade diante de
uma proposta de fé. E José, homem
justo e fiel a Deus e à noiva, não vaci­
lou. Acreditou na mensagem de Deus.
Também ele era servo do Senhor
Como para Maria, o anjo lhe deu
o esclarecimento o compromisso: "Ela
dará à luz um filho, a quem tu porás
o nome de Jesus, porque ele salvará o
seu povo de seus pecados”. Assim re­
gistrou em seu livro o evangelista Ma­
teus. A motivação era profética, a efe­
tivação divina: "salvará o seu povo de
seus pecados”.
Despertado do sono, José refletiu
e compreendeu. Era desígnio do Se­
nhor. Hora de humildade e oração, de
fé e disponibilidade. E nisso o coração
de José em tudo sintonizava com o co­
ração de Maria. Dois corações de Deus,
que se amavam num mesmo ritmo de
fé e amor. Verdadeiros noivos para o
mais santo casamento.
E Mateus completa a narrativa
evangélica: "José fez como o anjo do
Senhor lhe havia mandado, e casou
com Maria” (Mt 1, 24).
Assim, por ação do Espírito San­
to, o Amor na Trindade, ia-se forman­
do no útero de Maria as perfeitas for­
mas humanas de uma criança persona­
lizada pelo Verbo, o Filho de Deus. Era
a realidade do grande mistério da ma­
ternidade divina do Coração de Maria.
Coração que amou a Deus acima de tu­
do e, por isso, o Espírito de Amor do
Pai criou nela o seu Filho, JESUS — o
Cristo Salvador.
Coração materno que deu ao filho
toda a natureza e sensibilidade huma­
nas, toda a herança psicobiológica no
corpo de um perfeito homem, unifica­
das, pelo Espírito do Pai, à natureza e
única pessoa do Filho de Deus. Cora­
ção de Maria, coração materno do "Fi­
lho do homem”, coração materno dc
Filho de Deus. Coração templo santc
da Santíssima Trindade.
•
Aqueie padre foi a primeira pes­
soa na minha vida que me diagnosti­
cou corretamente. Disse-me que tinha
um livro (o livro “ Alcoólicos Anôni­
mos” ) que achava que podia me aju­
dar e teria prazer em emprestá-lo pa­
ra mim. Trouxe-me o livro essa tarde
e li-o em um dia. Em suas páginas eu
estava descrito perfeitamente. Só fal­
tava meu nome. Nesse livro aprendi
que eu era alcoólatra e que alcoólatra
hão pode sonhar em beber igual aos
^utros porque alcoólatra não é iguai
âos outros. (Pensei: por que nunca nin­
guém me explicou isso antes?) Alcoó­
latra não pode beber... nada de ál­
cool... jamais.
E nesse livro descobri que os pri­
meiros membros de (AA) Alcoólicos
Anônimos haviam se recuperado atra­
vés da prática de um programa cons­
tituído de Doze Passos. Quando li o
terceito Passo, arrepiei. Dizia: “ Deci­
dimos entregar nossa vontade e nos­
sa vida aos cuidados de Deus, na for­
ma em que o concebíamos” .
Incrível! Sem saber, foi isso que
eu havia feito dois dias antes, no mo­
mento que cheguei ao fundo do poço.
na sala do meu apartamento. Emenos
de 24 horas depois, eu estava com a
solução para todos os problemas que
torturavam. Nunca mais voltei a beber.
Faz 26 anos esta semana. “ Parabéns
a você... Senhor.
•
\
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo . e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.896
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
_____________________ _________J
ALCOOLISMO
Porque, às vezes, os tratamentos
fracassam?
D onald Lazo
/ i
s vezes recebemos chamadas, na Chácara Reindal, de
1
\ i pessoas interessadas em in:e'nar um parente alcoólatra e que nos
: 5-guntam se podemos garantir que o
ra ta m e n to dará certo. Somos obrigacss a responder que a recuperação do
a.coólatra significa que o dependen:e :erá de se abster do álcool e de to­
es outra droga (inclusive dos tranquizantes tão freqüentemente receitag o s por médicos) para o resto de sua
, ida. E explicamos que, na impossibiaade de trancar o alcoólatra numa
ce;a até o dia que ele morrer, não po­
demos garantir que ele nunca mais irá
experimentar a bebida. Ao mesmo
:empo, acrescentamos que, de cada
c.jatro alcoólatras que passam os 13
c;as conosco e, ao sair da Chácara
:cntinuam suas recuperações em Aloólicos Anônimos ou outra organizaão semelhante, três não voltam a becer.
Mesmo assim, todos ouvimos hisrórias de pessoas que passam duas
ou m ais semanas internadas em cenTos de tratamento especializado e que
vD’tam a beber no dia que recebem al:a e retornam para suas casas. Quanco isso acontece, as famílias se per­
guntam: o que aconteceu? Onde foi
cue o tratam ento faihou? Qual foi o
motivo da recaída?
Na verdade, estas pessoas não ti.eram uma recaída. Elas nunca inicia'=.77 sua recuperação! Entraram para
o : ratamento, convencidos de que não
e-am realmente dependentes e que
podiam, com um pouco mais de esfor­
ço. controlar sua ingestão de bebida.
I- ra n te o tratamento cooperaram
com o programa, assistiram direitinho
âs Dalestras e filmes, participaram da
■e'2 pia de grupo, mas em momento al­
a v e m a r is
n o v e m b ro /9 1
gum chegaram a entregar-se inteira­
mente à idéia de que nunca mais iriam
beber. E a recuperação não se inicia
até que o paciente decida se abster do
álcool e outras drogas e queira
entregar-se a um programa de recupe­
ração. Às vezes, estas atitudes nas­
cem no decorrer do tratamento, depois
que a pessoa se internou. Porém, há
mais probabilidade do dependente se
beneficiar de um programa de reabili­
tação, se já tenha passado pelas vá­
rias fases de um estágio que podería­
mos chamar “ pre-tratam ento” .
Completar o “ pre-tratamento” sig­
nifica que a pessoa tenha chegado à
conclusão, por si própria e não porque
lhe foi dito, que ela se tornou depen­
dente do álcool. Precisa ter chegado
à conclusão de que não consegue
sempre controlar a bebida e que, por­
tanto, precisa partir para uma vida de
abstinência completa, apoiada na prá­
tica do programa dos Doze Passos.
Antes que isto aconteça, nós que
trabalhamos com alcoólatra precisa­
mos entender quais os fatores que in­
terferem com a capacidade do pacien­
te de reconhecer que ele tem um pro­
blema de bebida.
O “ pre-tratamento” constitui a úl­
tim a fase do uso ativo do álcool. É
também a primeira fase da recupera­
ção. Durante esta fase, os dependen­
tes começam a lutar com algumas rea­
lidades que se impõem a eles: a reali­
dade de que seu uso do álcool vem le­
vando cada vez mais a problemas; a
realidade de que não adianta co n ti­
nuar tentando controlar o beber; a rea­
lidade de que simplesmente parar de
beber por uma temporada não é o su­
ficiente — a abstinência terá de ser
permanente; a realidade de que ape­
nas a abstinência, na ausência de uma
mudança de vida e de valores, não po­
de ser a meta, porque significaria pas­
sar o resto da vida numa existência es­
téril, improdutiva e sem valor.
As fases do “ pre-tratamento” que
um dependente precisa completar pa­
ra ter a maior probabilidade de ser
bem-sucedido num tratamento são as
seguintes:
1. Deverá ter sofrido uma série de
conseqüências negativas resultantes
do seu beber.
2. Deverá ter tido a capacidade de
reconhecer a ligação entre seu beber
e os problemas sofridos. Isto é, deve­
rá ter tido a capacidade de entende.'
que foi o seu beber que lhe causou os
problemas.
3. Deverá haver tentado controlar
o seu uso da bebida.
4. Deverá ter tentado viver sem a
bebida... e sem a ajuda externa.
5. Deverá ter experimentado uma
crise séria, conseqüência da bebida,
sem que alguém resolvesse o proble­
ma por ela. Em outras palavras, deve­
rá ter chegado ao “ fundo do poço” (ler
AM n.° 7, pg. 16).
6. Deverá ter concordado em acei­
tar um tratamento apropriado.
Repito: para uma pessoa recupe­
rar-se através de um tratamento espe­
cializado, não é imprescindível que ha­
ja passado por estas fases. Mas o su­
cesso será bem mais provável se te­
nha passado por elas. E pode se afir­
mar que os que não se recuperaram
após passar por um tratam ento ade­
quado, é porque não passaram ante­
riormente pelas fases “ pre-tratamento ” .
Donald Lazo é sociólogo pela Universida­
de de Yale, EUA. Diretor da Comunidade Te­
rapêutica da Chácara Reindal.
r
e
I
CHÁCARA REINDAL
Especializada em
alcoolism o
Sua melhor chance de se
recuperar do alcoolismo . e
iniciar uma vida nova,
produtiva e feliz.
Cx. Postal 20.836
01498 São Paulo, SP
(Fone: (011) 520-9514)
V
_______ _________ /
DONALD LAZO
COMO O ALCOOLISMO AFETA OS OUTROS
MEMBROS DA FAMÍLIA.
O Bode Expiatório
o drama vivido pela família que
tem um alcoólatra no seu meio,
uma outra pessoa que encontramos
com bastante freqüência é o Bode Ex­
piatório. Alguns o chamam o Apron:ador da família. Normalmente —
mas nem sempre — é o segundo filho
fou filha).
Quando o Bode Expiatório entra
em cena — vamos chamá-lo de Pedrinho — ele descobre que já tem três
atores no palco: papai (o Alcoólatra)',
mamãe (a Facilitadora) e o irmão
maior (o Herói). O fato de já existir
um Herói na família significa que Pedrinho chegou tarde. O papel de He­
rói já foi assumido por outra pessoa.
É uma pena, porque Pedrinho per­
cebe que ser bonzinho e agradar os
outros geralmente inspira elogios e dá
importância ao Herói (o irmão
maior). Portanto, durante algum
tempo Pedrinho também procurará
usar a mesma tática. Mas, por algum
motivo, parece não funcionar tão
bem para ele quanto para o irmão.
Ele não consegue obter o mesmo grau
de aprovação que seu irmão maior
obtém. Com o tempo, Pedrinho per­
cebe que. í>or bom que ele seja e por
bem que ele se comporte, não conse­
gue competir com o irmão. Parece
que os pais acostumaram elogiar tan­
to o outro que não sobraram elogios
para Pedrinho.
Por outro lado, Pedrinho apren­
deu algo que seu irmão maior tam­
bém já aprendeu: que não convém
mostrar suas frustrações aos pais, seja
em conversas ou através de brigas.
Bem, as conversas nem se consideram
N
porque, em família onde existe o al­
coolismo, não existe o diálogo. As
pessoas se comunicam mais através
de reações, muitas vezes à base de gri­
taria e, em todo caso, nunca revelam
o que realmente estão sentindo. Porisso, Pedrinho sabe que não adianta
externar suas frustrações. Ser belige­
rante só vai gerar beligerância por
parte dos pais, e todos sabemos quem
vai ganhar essa briga. Para Pedrinho,
melhor mesmo é fugir.
Assim sendo, o Bode Expiatório se
afasta dos demais membros da famí­
lia, passando cada vez mais tempo fo­
ra de casa. Com a mesma necessidade
que todos temos de pertencer, de sen­
tir que fazemos parte de um grupo
que nos aceita incondicionalmente,
sejam quais forem nossos defeitos
(uma necessidade geralmente preen­
chida pela família), Pedrinho procura
preencher a necessidade fora de casa,
através de seu grupo de amiguinhos.
Se tiver a experiência típica de hoje
em dia, Pedrinho encontrará uma se­
gunda maneira de fugir das frustra­
ções que sente em casa: experimenta­
rá a bebida, a maconha ou alguma
outra droga.
Ansioso como ele é para atrair a
atenção dos pais — qualquer coisa
que lhe mostre que eles sabem que ele
existe — e com o papel de Herói já
preenchido pelo irmão maior, Pedri­
nho descobre que há outras maneiras
de atrair essa atenção. Ele começa a
aprontar. Claro, tomar-se um filho
problemático não irá conseguir-lhe os
elogios que tanto almeja. Mas qual­
quer tipo de atenção é melhor que ne­
nhuma.
Por causa de suas próprias frustra­
ções reprimidas dentro dele, Pedrinho
sente-se atraído por outros jovens re­
voltados. Começam a aprontar jun­
tos, encontrando que na união existe
a força. Há grandes vantagens em po­
der compartilhar com outros as frus­
trações, a raiva, a revolta da gente
(como descobre todo membro da
AA, Al-Anon, Neuróticos Anônimos
e Toxicômanos Anônimos). Infeliz­
mente, também existem vantagens em
compartilhar um comportamento re­
belde. É mais fácil fazer algo errado
quando outros também o estão
fazendo. E o que começa mal — se
não for corrigido — tende a piorar.
Em algum momento, há grande pro­
babilidade de Pedrinho se encontrar
envolvido em um acidente de auto­
móvel, expulso da escola ou encren­
cado com a polícia. Também existe
grande probabilidade dele ser o próxi­
mo alcoólatra da família. Ou seja, da
mesma forma que os Heróis tendem a
ser os Facilitadores da próxima gera­
ção, os Bodes Expiatórios tendem a
ser os alcoólatras da próxima
geração. Não é de se estranhar, por­
tanto, que estudos apontam para o
fato de 52% dos alcoólatras serem fi­
lhos de pais ou mães alcoólatras. E
agora, conhecendo melhor o Herói
da Família pelo artigo do último nú­
mero de AVE MARIA, e sabendo
que a metade dos Heróis são filhas,
também não. nos deve surpreender o
fato de encontrar, entre as esposas
não-alcoólatras de maridos alcoóla­
tras, que 60°7o delas tiveram um pai
alcoólatra.
*
ave maria 25

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