Desenvolvimento do Embrião de Pinto

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Desenvolvimento do Embrião de Pinto
Ciência em Três
Desenvolvimento do
Embrião de Pinto
Guia do Professor
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Desenvolvimento do Embrião de Pinto
Este Manual pretende auxiliar o(a) professor(a) na preparação prévia
da atividade Desenvolvimento do Embrião de Pinto e na posterior execução
em sala-de-aula/laboratório. Encontra-se organizado de forma a que o(a)
professor(a) possa:
1) RECORDAR alguns conceitos de Biologia que estão na base da atividade;
2) tomar nota do material que deverá PREPARAR e procedimentos que deverá
ter em conta antes de executar a atividade;
3) CONHECER os procedimentos experimentais que dizem respeito à atividade.
Pretende-se com esta atividade envolver ativa e autonomamente os
alunos na aprendizagem. Assim, sugerimos que o(a) professor(a) utilize métodos análogos aos do processo científico, de modo a:
ENVOLVER
Envolva os seus alunos, trabalhando as questões-chave que estão na origem
da atividade experimental, e que refletem os objetivos pretendidos. Capte os
conhecimentos prévios da turma, identifique potenciais erros de conceito e
incite a curiosidade para a descoberta de respostas às questões-chave.
SIMBOLOGIA
Chamada de atenção
EXPLORAR
Explore as questões-chave, experimentando com os alunos a atividade que
lhe propomos. Crie na turma um ambiente de aprendizagem por si-próprio,
garantindo que os alunos fazem realmente algo e participam ativamente
em todo o processo de experimentação. O(a) professor(a) não deve ser o
demonstrador mas o mediador/orientador das várias etapas de cada atividade.
Sugestão
Conceito teórico
Nota
Para pensar
Nota explicativa
Exercício
EXPLICAR
Num diálogo direto com a turma, dê lugar à discussão sobre os resultados
obtidos individualmente ou em grupo. Elabore formas para a apresentação
geral dos resultados permitindo que os alunos observem e expliquem os re-
Informação adicional
Website/ link
Referência bibliográfica
sultados da turma e, deste modo, elaborem conclusões finais, e as comuniquem à turma.
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Desenvolvimento do Embrião de Pinto
Nesta atividade os alunos observam diferentes estádios do desenvolvimento embrionário de vertebrados, recorrendo à galinha
como organismo modelo.
Objectivos:
ANO(S) ESCOLAR(ES)
11º e 12º ano do Ensino Secundário
LIGAÇÃO AO CURRÍCULO
Biologia
ÁREA CIENTÍFICA
Biologia do Desenvolvimento
Embriologia
1. Solidificar conceitos de desenvolvimento embrionário transmitidos nas aulas (crescimento, morfogénese, diferenciação
celular), através da observação experimental de um modelo
biológico;
2. Integrar os alunos em contexto de laboratório, e desenvolver
técnicas experimentais;
3. Desenvolver capacidades de observação, de registo, interpretação e comunicação de resultados.
Material necessário:
Palavras-chave
Desenvolvimento
Embrião
Pinto
Morfogénese
• Ovos de galinha fertilizados;
• Suporte para ovos (p.ex., caixa em que são vendidos nos supermercados, ou suporte de frigorífico);
• Pinça de ponta fina (1/grupo)
• Pinça de ponta grossa (1/grupo);
• Fita-cola;
• Tesoura de pontas aguçadas (1/grupo);
• Caixa de petri (1/grupo);
• PBS (tampão fosfato, em inglês Phosphate Buffered Saline, à
temperatura ambiente);
• Seringa com agulha;
• Tinta-da-china;
• Saco para recolha do lixo.
Duração
Equipamento necessário:
Compra e incubação dos ovos:
• Frigorífico (15 ºC);
• Incubadora ou estufa (35-40,5 ºC, humidade relativa);
• Lupas de disseção.
1 mês antes de realizar a atividade
Preparação do material e introdução da atividade aos alunos:
Algumas escolas não dispõem do equipamento acima referido. Nesse caso,
10 minutos
encorajamos à improvisação desde que se mantenham as condições ótimas de
Atividade
armazenamento e incubação.
30 minutos
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SABER SOBRE...
No texto seguinte abordamos algumas temáticas e conceitos-chave que achamos
necessários para a realização desta atividade.
I. Biologia do Desenvolvimento
A Biologia do Desenvolvimento é uma disciplina que estuda os mecanismos
celulares e moleculares subjacentes à transformação do ovo fertilizado (uma única
célula) num organismo adulto (constituído, no caso do Homem por 10 biliões de células, de 200 tipos diferentes).
São vários os animais modelo utilizados em Biologia do Desenvolvimento: a
mosca da fruta (Drosophila melanogaster), o verme (Caenarhabditis elegans), o sapo
africano Xenopus Laevis, o peixe zebra (Danio rerio), a galinha doméstica (Gallus
domesticus), o ratinho (Mus musculus). Cada modelo tem as suas vantagens. Alguns,
como o ratinho e a mosca da fruta, são poderosos modelos genéticos, pois permitem
manipulações na linha germinal transmissíveis de geração em geração. Outros,
como o verme C. elegans e o peixe zebra, pela transparência do embrião, permitem
acompanhar o nascimento de novas células e as suas migrações no embrião, ao vivo.
Já muitos dos mecanismos celulares e moleculares (i.e. genes) envolvidos nas primeiras fases do desenvolvimento embrionário (do ovo à mórula, e ao blastocisto), foram
desvendados nos embriões gigantes do sapo Africano.
Descrevemos aqui apenas algumas utilizações de cada animal modelo em Biologia do Desenvolvimento, não sendo esta listagem de todo exaustiva: hoje são possíveis manipulações genéticas em peixezebra e existem vários métodos de regular (aumentar ou diminuir) a expressão de genes em galinha,
apesar destas alterações genéticas não serem ainda transmissíveis de geração em geração. Na verdade,
as potencialidades dos modelos sobrepõem-se, de modo que, em laboratórios de Biologia do Desenvolvimento, recorre-se muitas vezes a dois ou mais modelos complementares (por exemplo: galinha e ratinho,
ou mosca da fruta e peixe-zebra).
A espécie de galinha mais conhecida do ser humano, Gallus domesticus, tem
sido frequentemente utilizada em estudos de embriologia de vertebrados, por várias
razões:
1. Como as galinhas se reproduzem ao longo do ano, facilmente se obtêm ovos
fertilizados em qualquer altura, sendo apenas necessári uma deslocação ao aviário
mais próximo.
2. Os embriões de galinha, por se desenvolverem fora do corpo da progenitora, são
muito acessíveis (em comparação com mamíferos, por exemplo, que se desenvolvem no útero da progenitora).
3. A forma pela qual é possível obter embriões vivos de galinha em diferentes estádios de desenvolvimento é muito simples: consiste em armazenar os ovos fertilizados a 37,5-38 ºC, durante diferentes intervalos de tempo. Este processo, ao qual
chamamos de incubação artificial, permite simular as condições de desenvolvimento do embrião de galinha na Natureza, desde a fertilização até ao nascimento
do pinto - com a duração total de 21 dias.
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De facto, o embrião de pinto tem muitas vantagens, principalmente em relação aos embriões de outros amniotas como o ratinho:
• no início do desenvolvimento embrionário, o embrião de pinto é plano, ao contrário do de ratinho, que se enrola sobre si próprio;
• o embrião de pinto é facilmente acessível dentro do ovo - basta fazer uma abertura na casca e o embrião fica logo visível e acessível para cirurgias e manipulações; o embrião de ratinho, pelo contrário, desenvolve-se dentro do saco
uterino da mãe;
Desde os anos 90 que se realizam manipulações in utero de embriões de ratinho, e desde os anos
70 que se cultivam embriões de ratinho in vitro, durante as primeiras fases do desenvolvimento embrionário. Estes estudos têm permitido elucidar os processos celulares e moleculares que ocorrem durante
as fases de gastrulação e fases iniciais da organogénese em ratinho.
• é possível crescer, em cultura, tecido dissecado do embrião de pinto, para a
realização de estudos in vitro (estudar se duas populações diferentes de células se
misturam ou não, por exemplo).
II. Descobertas científicas em Biologia do Desenvolvimento
A investigação que tem sido desenvolvida, utilizando a galinha como modelo
animal, tem contribuido marcadamente para o conhecimento sobre o desenvolvimento dos vertebrados, incluindo mamíferos como o Homem. Alguns processos que
ocorrem durante o desenvolvimento embrionário, elucidados recorrendo ao embrião
de pinto são: (Wolpert, 2004):
1. a distribuição assimétrica esquerda-direita dos órgãos do corpo;
2. a origem e desenvolvimento do sistema nervoso central e periférico;
3. a origem e formação do esqueleto do crânio;
4. os processos pelos quais são especificados e formados os músculos intercostais,
dos membros e das costas, a cartilagem entre as vértebras e entre as costelas e a
parte superficial (a derme) da pele;
5. o desenvolvimento dos membros.
Em alguns casos, entender como se desenvolve o embrião de galinha, tem
contribuído para uma melhor compreensão de malformações em humanos, abrindo
caminho ao desenvolvimento de terapias que as evitem.
1. Assimetria esquerda-direita no embrião
A aparência exterior de qualquer vertebrado é simétrica (com ligeiríssimas
variações entre o lado esquerdo e direito de um indivíduo). No entanto, no interior,
a distribuição é assimétrica: do lado esquerdo encontra-se o estômago, o pâncreas,
o baço e grande parte do coração; do lado direito está grande parte do fígado e a
vesícula biliar. Ademais, o pulmão esquerdo tem menos lóbulos que o direito, e o
intestino enrola-se em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.
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Dentro de cada espécie, esta distribuição assimétrica é mantida entre indivíduos, de tal forma que desvios na distribuição (quer parcial quer de inversão total
da posição dos órgãos) resultam em doenças e malformações graves. Compreender de que forma é estabelecida esta assimetria esquerda-direita durante
o desenvolvimento embrionário é uma das questões base da biologia do desenvolvimento.
Foi no embrião de galinha, em 1995, que se identificaram os primeiros
genes que controlam a assimetria esquerda-direita (Levin, et al., 1996). Cientistas do grupo de Clifford Tabin (na Universidade de Harvard, EUA), mostraram
que no embrião de estádio HH5 (com 19 a 22 horas de incubação), há uma
distribuição assimétrica da expressão (atividade) de vários genes em torno do
nó de Hensen, em relação ao eixo de simetria anterior-posterior: os genes sonic
hedghog (Shh), Nodal e Pitx2 são expressos do lado esquerdo; FGF8 (Fibroblast
Growth factor 8) e SNR (snail-related) do lado direito. A expressão assimétrica
do gene Nodal é comum a todos os vertebrados estudados até ao momento
(ratinho, peixe-zebra, coelho, sapos), como se mostrou em estudos posteriores.
A distribuição assimétrica do gene Nodal estende-se depois a toda a parte
esquerda do embrião (concretamente à placa lateral da mesoderme), despoletando cascatas de genes “de direita” e genes “de esquerda”, que transferem a
informação esquerda-direita aos primórdios dos órgãos, assegurando que estes
se desenvolvam apropriadamente: quer o tipo de órgão, quer a orientação do
órgão (Raya e Belmonte, 2006).
Desde a década de 90 que os estudos sobre os mecanismos que coordenam a assimetria esquerda-direita se têm multiplicado e os conhecimentos têm
acumulado de forma espantosa. No entanto, falta ainda conhecer muito sobre
este fenómeno biológico tão fundamental, nomeadamente qual o primeiro passo
que quebra a simetria do embrião, antes do estabelecimento da distribuição
assimétrica dos genes Shh e Nodal (isto é, que está a montante). Será um
mecanismo comum a todos os vertebrados, com pequenas variações entre as
espécies, ou terá cada espécie adotado um mecanismo diferente, ‘desembocando’ todos na expressão assimétrica de Shh e Nodal? (Raya e Belmonte, 2006;
Ibañes e Belmonte, 2009).
2. Desenvolvimento do sistema nervoso central
O sistema nervoso central (SNC) de vertebrados é constituído pela
espinal medula, o cérebro, o nervo ótico e a retina. Desenvolve-se a partir do
tubo neural - um epitélio derivado da ectoderme, constituído inicialmente por
uma camada pseudo-estratificada de células com elevada capacidade proliferativa - são as células progenitoras dos neurónios e das células da glia do sistema
nervoso central adulto. A formação de um SNC adulto, funcional, envolve uma
série de etapas (que ocorrem sequencialmente, com alguma sobreposição):
1. Proliferação das células progenitoras;
2. Migração das células progenitoras para regiões específicas do SNC;
3. Diferenciação (maturação) das células progenitoras.
Nó de Hensen: estrutura embrionária transiente,
localizada na extremidade
anterior da linha primitiva
em embriões de amniotas
(aves, répteis e mamíferos).
O nó funciona como um
centro organizador do
embrião, regulando o
estabelecimento dos eixos
de simetria do embrião:
antero-posterior (A-P),
dorso-ventral (D-V) e
esquerda-direito (E-D).
Placa lateral da mesoderme: zona mais lateral
da mesoderme no embrião
em estádio de neurulação
(formação do tubo neural,
precursor do sistema nervoso central). Dá origem a
várias estruturas, incluindo
o coração, os vasos sanguíneos e células do sangue, o
revestimento das cavidades internas do corpo e
componentes dos membros
excluindo os músculos.
Ectoderme: uma das
três folhas germinativas
do embrião. No embrião
forma a camada mais exterior. Dá origem à epiderme
e aos nervos no adulto. As
outras folhas germinativas
são a endoderme e a mesoderme.
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Placa ventral do tubo
neural: zona mais ventral
do tubo neural. Tem
propriedades sinalizadoras:
é fonte de sonic hedgehog
(SHH), uma das principais
proteínas sinalizadoras no
embrião. .
Placa dorsal do tubo
neural: zona mais dorsal
do tubo neural. Tal como a
placa ventral do tubo neural, também tem capacidades sinalizadoras.
Mesoderme: uma das
três folhas germinativas
do embrião. No embrião,
a mesoderme localiza-se
entre a endoderme e a
ectoderme. Dá origem ao
sangue, osso, coração, rim,
gónadas e tecido conectivo.
Faça este pequeno exercício com os seus alunos.
Observação: Os patos têm
membranas interdigitais. As
galinhas (e os humanos)
não têm. Porque será?
Os alunos respondem
colocando uma hipótese
testável.
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Estudos realizados no embrião de galinha têm elucidado os mecanismos
celulares e moleculares subjacentes a cada uma daquelas etapas.
Durante o desenvolvimento embrionário, na espinal medula estabelecese uma distribuição bem definida de subtipos de neurónios, ao longo do eixo
antero-posterior e do eixo dorso-ventral. Este ‘mapa’ de neurónios reflete-se
depois, e serve de base, à rede de projeções neuronais (nervos) que entram e/ou
saem da espinal medula, enervando músculos e outros órgãos do corpo (Ulloa e
Briscoe, 2007).
Hoje sabe-se que a distribuição dos subtipos de neurónios ao longo
do eixo dorso-ventral é estabelecido por ação de dois gradientes opostos de
substâncias difusíveis: a proteína SHH (sonic hedgehog) libertado pela placa
ventral do tubo neural induz a formação de neurónios ventrais (maioritariamente neurónios motores somáticos, que enervam músculos esqueléticos); as
proteínas WNT e BMP, libertadas pela placa dorsal do tubo neural, induzem
populações dorsais (maioritariamente neurónios sensoriais). A identificação
destes gradientes foi feita, em grande parte, no embrião de galinha, em estudos
realizados nos anos 90 (Price e Briscoe, 2004; Ulloa e Briscoe, 2007).
3. Formação dos membros (anteriores e posteriores)
Praticamente tudo o que hoje se sabe sobre o desenvolvimento dos
membros provém de estudos feitos no embrião de galinha. Os primeiros sinais
visíveis do desenvolvimento de membros são pequenas protuberâncias que
surgem ao longo do eixo principal do corpo, no estádio 17 de desenvolvimento
(52 - 64 horas de incubação) em posições correspondentes às futuras asas e
patas (no caso da galinha). Estas protuberâncias, de origem mesodérmica , formam botões que se vão alongando, afastando-se do corpo. Na base dos botões
começam-se a formar o esqueleto do membro, de forma sequencial: primeiro os
ossos mais próximos do corpo como o húmero ou o fémur, e por fim os dígitos,
nas extremidades.
Também nos membros ocorrem as etapas de proliferação, migração
(reduzida) e diferenciação celular. Estas etapas são coordenadas por sinais
intrínsecos e extrínsecos às células, muitos destes provenientes de zonas sinalizadoras, que conferem informação posicional às células ao longo de três eixos:
antero-posterior (do polegar ao dedo mindinho, numa mão humana), próximodistal (do ombro à ponta dos dedos) e dorso-ventral (das costas à palma da
mão). Tudo isto foi identificado no embrião da galinha, e depois estendido ao
desenvolvimento embrionário de mamíferos.
O membro embrionário foi um dos sistemas modelo em que foi descoberto o processo de morte celular programada (apoptose). A apoptose ocorre
em várias fases do desenvolvimento do membro, sendo mais espetacular (por
ser em grande escala) na eliminação das membranas interdigitais no embrião de
galinha. No embrião de pato, a apoptose interdigital não ocorre, como seria de
esperar.
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5. Desenvolvimento das vértebras, dos músculos e da pele
No embrião de galinha no estádio 7, surgem dois blocos de tecido, um
de cada lado do tubo neural - são os primeiros sómitos. À medida que o desenvolvimento progride, surge, em cada 1.5hrs, um novo par de sómitos, até se
formarem 50 pares de sómitos, estendendo-se ao longo do eixo antero-posterior
do corpo do embrião (não existem sómitos ao longo da cabeça do embrião). Os sómitos são blocos de tecido de origem mesodérmica, e dão origem
à cartilagem das vértebras e costelas, à derme da pele, aos músculos intercostais, dos membros e das costas.
Todo o processo pelo qual um bloco de tecido homogéneo, o sómito
recém-formado, se diferencia de modo a produzir populações de células com
funções diferentes foi elucidado em estudos realizados no embrião de galinha.
Através de experiências de transplantação galinha-codorniz, identificaram-se
regiões especializadas dentro do sómito maduro, em que se diferenciam determinadas populações de células que depois adotam o seu fenótipo final e/ou
migram para os seus destinos finais. Foi também graças a estudos no embrião de
galinha que se identificaram os genes envolvidos na regionalização dos sómitos:
Shh (sonic hedgehog), produzido pelo placa ventral do tubo neural e pela notocorda, atua sobre a parte ventral do sómito; Wnt e BMP (Bone Morphogenetic
Protein), expressos na zona dorsal do tubo neural, especificam as populações
dorsais do sómito (Gilbert, 2000).
As múltiplas
funções dos genes Shh,
Wnt e BMP durante
o desenvolvimento
embrionário: no sistema
nervoso, nos membros,
nos sómitos…São, de
facto, atores centrais no
desenvolvimento embrionário de vertebrados
e invertebrados, tendo
sido sucessivamente
recrutados, ao longo da
evolução, para inúmeros
processos de sinalização.
Bibliografia:
• Wolpert, L. (2004) Much more from the chicken’s egg than breakfast - a wonderful
model system. Mech. Dev. 121: 1015-17
• Raya, A e Izpisúa Belmonte, JC. (2006) Left-right asymmetry in the vertebrate embryo: from early information to higher-level integration. Nature Reviews Genetics. 7:
283-293.
• Ibañes, M e Izpisúa Belmonte, J C (2009) Left–right axis determination. Wiley Interdisciplinary Reviews: Systems Biology and Medicine. 1: 210–219.
• Price, S e Briscoe, J. (2004) The generation and diversification of spinal motor neurons: signals and responses. Mech. Dev. 121: 1103-115
• Ulloa, F e Briscoe, J. (2007) Morphogens and the control of cell proliferation and
patterning in the spinal cord. Cell Cycle 6:2640-2649
• Gilbert, SF (2000) Developmental Biology. Sinauer Associates. (http://www.ncbi.nlm.
nih.gov/books/NBK10085/)
III. O Ciclo de Vida da Galinha
Desde que a galinha “põe o ovo” até que o pinto nasce, o embrião
demora 21 dias a desenvolver-se. Logo após a fertilização do ovo, as células
embrionárias dividem-se, crescem e diferenciam-se em vários tecidos. Tudo isto
ainda dentro do oviducto da galinha-mãe e durante cerca de 20 horas. Quando
a galinha “põe o ovo”, o embrião deixa de se desenvolver permanecendo num
estado inativo até que se estabeleçam as condições favoráveis, características do
processo de incubação. A partir daqui, e durante 21 dias, os diferentes tipos de
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células embrionárias dão origem às diferentes estruturas do pinto: umas dão origem
aos diferentes órgãos vitais (p.ex., o coração), outras aos membros (isto é, asas e pernas), e outras estruturas do pinto. Ao fim de 3 semanas o pinto está pronto para nascer
e, passados 2 meses, é já uma galinha adulta.
Ver imagem ilustrada do interior do ovo da galinha, fornecida no documento anexo.
IV. As Fases do Desenvolvimento Embrionário da Galinha
Dois cientistas, Victor Hamburger e Harold Hamilton, publicaram, em
1951, uma série de imagens de microscopia através da qual fizeram uma análise
morfológica detalhada do embrião de galinha, em diferentes estádios de desenvolvimento. Este estudo tornou-se uma referência para os investigadores da área e ainda
hoje a comunidade científica utiliza a notação por eles elaborada para classificar e
estudar os embriões de galinha.
Segundo Hamburger e Hamilton, as fases de desenvolvimento embrionário
classificam-se em função de determinadas marcas morfológicas que vão surgindo ou
se alterando desde o início da incubação até ao nascimento do pinto. Analisemos a
sequência de algumas alterações importantes na morfologia do embrião apenas durante a primeira semana de incubação, período durante o qual o embrião sofre maior
número de transformações num curto espaço de tempo (acompanhar a leitura com a
Figura 2, fornecida no documento anexo):
• Nos estádios mais precoces do embrião, a forma e tamanho da linha primitiva são
usados para classificar desde o estádio 1 ao estádio 6 do embrião.
• A partir do estádio 5, começa a formar-se a notocorda ou corda dorsal, as pregas
neurais e o tubo neural. Estas estruturas darão origem, ao longo do desenvolvimento, às várias partes que constituem o sistema nervoso.
• A formação de sómitos (blocos de tecido que se formam aos pares, um de cada
lado do tubo neural), surge no estádio 7 com o aparecimento do primeiro par de
sómitos. O número de sómitos é comummente usado para identificar os estádios
6 a 14: cada novo estádio corresponde à adição de 3 novos pares de sómitos. Por
exemplo: um embrião no estádio 8 tem 4 pares de sómitos, no estádio 10 tem 10
pares de sómitos.
• No estádio 14, é já visível a flexão do tronco e a formação dos primeiros arcos
branquiais (que darão origem às mandíbulas, faringe e laringe). Nesta altura, são
já visíveis os vasos sanguíneos que ligam o embrião ao ovo e que tiveram origem
nos ilhéus sanguíneos.
• As primeiras evidências da formação dos membros superiores (asas) e membros
inferiores (patas) surgem no estádio 16 e, até ao final do desenvolvimento, são
marcas morfológicas muitos importantes.
• No estádio 20, o embrião tem 40 pares de sómitos (dificilmente contáveis, pois
o tecido do embrião é já demasiado denso e opaco), os maxilares estão a desenvolver-se e já completou a rotação; regiões específicas do cérebro estão também
bastante diferenciadas e é notório o aparecimento da pigmentação do olho.
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PROTOCOLO
Antes de começar a experiência, contacte a quinta ou o aviário mais próximos da
sua escola e encomende ovos de galinha fertilizados. Para saber a quantidade de
ovos a comprar, deve prever 1) o número de pessoas para o qual a atividade será
preparada, 2) a possibilidade de aborto dos embriões e 3) o número de estádios
de desenvolvimento a observar.
Devido às condições climatéricas e/ou de transporte, quanto mais ovos encomendar,
menor é o risco de perda da amostra experimental!
I. Período pré-incubação
Uma vez entregues na sua escola, guarde os ovos num frigorífico a 15°C, durante
todo o tempo, até serem incubados.
As leis de experimentação em vertebrados são
muito restritas quanto à utilização de embriões em estádios superiores ao último
terço da gestação normal
(i.e. depois dos 14 dias de
incubação). Por isso, esta
atividade foi desenvolvida
apenas para estádios na primeira semana do embrião.
Quanto maior for o tempo de armazenamento, menor é a probabilidade dos embriões
se desenvolverem normalmente. Por isso, os ovos não devem ser comprados muito tempo
antes da primeira incubação prevista - recomendamos que sejam adquiridos na semana
antes da observação.
II. Incubação
1. Retire os ovos do frigorífico e deixe-os à temperatura ambiente durante o
tempo necessário para que a sua temperatura corporal normalize.
2. Incube os ovos a 37,5°C, colocando-os de pé no suporte apropriado, com o
pólo mais rombo virado para cima.
O embrião desenvolver-se-á à superfície da gema, permitindo facilmente manipulálo, pois estará imediatamente por debaixo da superfície da casca que estiver virada para
cima.
3. Nesta atividade, propomos que os alunos observem o embrião de galinha
durante a primeira semana do seu desenvolvimento. Para tal, aconselhamos a
observação dos seguintes estádios de desenvolvimento embrionário: I) estádio
10, que corresponde a um tempo de incubação de 33 horas; II) estádio 20,
que corresponde a um tempo de incubação de 72 horas.
Não esquecer de identificar sempre os ovos com
a data da incubação e o estádio a observar. Usar uma
caneta de feltro e marcar
na própria casca do ovo.
Para que a taxa de desenvolvimento do embrião seja normal, isto é, nem demasiado
lenta nem demasiado rápida, a temperatura da incubadora deve manter-se entre os 35ºC e
os 40,5ºC. É também importante manter os ovos numa atmosfera húmida (55% de humidade relativa), de forma a evitar a sua desidratação: deve certificar-se de que a incubadora
(ou outro equipamento) inclui um recipiente com água.
III. Observação
1. Retire os ovos da incubadora e coloque-os num suporte apropriado (p.ex.,
caixa de ovos de supermercado).
2. Faça um pequeno furo no centro do pólo mais rombo, com a ajuda da pinça
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de pontas finas; depois, utilizando a pinça de pontas grossas, faça uma janela
com o tamanho suficiente até conseguir ver o embrião, partindo do furo e a toda
a sua volta.
Defina o tamanho da janela guiando-se pelo tamanho da bolsa de ar que se forma
entre a casca e a membrana externa do ovo (ver Figura 1). Tenha cuidado para não
romper a membrana pois é ela que segura o embrião.
3. Usando a pinça de pontas finas, retire a membrana esbranquiçada que está
junto à membrana externa do saco amniótico.
4. Sem retirar o embrião de dentro do ovo, visualize diretamente sob a luz de
uma lupa de dissecção.
Para embriões com 33 horas de incubação, se adicionar tinta da china terá um bom
contraste para conseguir visualizar melhor a forma do embrião. Com a ajuda de uma
agulha injete, com bastante cuidado, na região imediatamente abaixo do corpo do embrião um pouco da tinta-da-china, previamente diluída de 1:5 em PBS.
PBS, do inglês Phosphate Buffered Saline,
é uma solução tampão
comummente usada na
investigação biológica
por ser uma solução
isotónica e não-tóxica
para as células.
Embora não sejam tão bem observáveis certas funções fisiológicas (como os batimentos cardíacos), é possível estudar o embrião fora do ovo. Neste caso, corta-se a
membrana à volta do embrião assim como os vasos sanguíneos que o ligam ao ovo,
segurando sempre o embrião com uma das pinças; depois, com a ajuda de uma colher,
coloca-se numa placa de Petri contendo PBS.
Para a preparação de 1L de PBS (concentração 1x), use 800 mL de água destilada e a esta adicione a seguinte concentração de sais:
Sal
Concentração (mmol/L)
Concentração (g/L)
NaCl
137,00
8,00
KCl
2,70
0,20
Na2HPO4
10,00
1,44
KH2PO4
1,76
0,24
Não se esqueça de acertar o pH = 7,4
12
Guia do Professor
© Ciência em Três
FOLHA DE REGISTO INDIVIDUAL/ GRUPO
Nome da atividade:
Membros do grupo:
O que sabemos sobre
este tema?
O que ainda não sabemos
e queremos descobrir?
Como podemos
descobrir?
O que observámos?
O que aprendemos?

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