Apêndice A - Guilherme Maranhão • Refotografia

Transcrição

Apêndice A - Guilherme Maranhão • Refotografia
Apêndice A
Contribuição ao Estudo
do Avanço Tecnológico,
da Obsolescência e do
Lixo e suas Influências
no Processo Criativo na
Fotografia
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Por:
Guilherme Maranhão
Orientador:
Kenji Ota
São Paulo, 2006.
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Este texto fala de possibilidades e de escolhas, como qualquer outro
relato ou memorial. Possibilidades e escolhas que formam uma trajetória.
Os caminhos seguidos foram escolhidos quase sempre pela intuição, frente
a tantas outras possibilidades. É verdade que possibilidades mesmo só as
financeiramente viáveis. Tivesse tido eu os recursos com os quais eu sonhei
para produzir minhas imagens, dificilmente eu as teria produzido. No
entanto talvez eu tivesse sido capaz de produzir as que perdi por conta
dos equipamentos e materiais que usei. Ou seja, nesses caminhos o que
estava em jogo quase sempre era a própria existência de uma imagem como
resultado de um processo fotográfico. Às vezes funcionava, às vezes não,
mas então eu dava um jeito. Me diverti muito descobrindo se e como isso ou
aquilo me permitiria realizar uma fotografia.
Esse ensaio serve para inspirar e propor idéias para os que daqui em diante
estarão dispostos a se embrenhar nesse caminhada.
Só tenho a fotografia
O resto se perdeu
Por isso fotografo
Junto os restos
Não me incomoda a tecnologia em si, me incomoda o fato dela não conseguir
conviver em harmonia com as práticas individuais de cada fotógrafo. Isso
fica evidente dadas as circunstâncias em que o marketing utilizado pela
indústria fotográfica insere a tecnologia, como solução única, na cultura
fotográfica. O resultado disso pode ser constatado pela existência de
fotógrafos que medem a imagem pela câmara que foi usada para fazê-la
e não pelos atributos da imagem em si, dentre eles: processamento, grão,
ruído, montagem, manipulação, composição, matéria, suporte, tamanho,
referente, resolução, formato, momento, dificuldade, luz, foco, profundidade
de campo, bidimensionalidade, perspectiva, reprodutibilidade, degradação,
acaso, intencionalidade, intervenção, gradação de tons e contraste. Espero
que os produtores de imagens percebam que a indústria vende uma imagem
da fotografia em alto contraste: ou funciona porque é novo ou não funciona
porque é obsoleto. Na verdade há milhares de meios tons nessa imagem.
Esse texto não oferece uma proposta específica de como lidar com esse
problema, mas apenas de como as sobras ou subprodutos desse processo de
produção de tecnologia podem e devem ser aproveitados (esse é o hardware
livre). Essas sobras são instrumentos completamente capazes de produzir
imagens (um computador velho, uma câmara quebrada, um filme vencido,
um papel fotográfico mofado, um scanner com a lâmpada queimada).
As imagens, o mais importante, produzidas com ou através dessas sobras
ficam, como ficariam quaisquer outras imagens, circunscritas a conjuntos
enormes e finitos de imagens, como disse Flusser. Conjuntos de imagens
que cada aparelho é capaz de gerar assumindo todas as possibilidades de
input (modos e maneiras de operação). Se o aparelho é uma sobra ou não, o
conjunto de imagens possíveis se torna diferente, mas nunca pior ou melhor,
como se a precariedade encurtasse o conjunto em um lado e o expandisse
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em outro.
Para descobrirmos os conjuntos de imagens possíveis com diferentes
aparelhos devemos explorar e a exploração do aparelho é aprender a
técnica. A técnica, como colocou Heidegger, na sua essência é uma forma
de desencobrimento. Desencobrimento da verdade. Ao aprender a técnica,
a câmara deixa de ser caixa preta. O fotógrafo desencobre o que está oculto
no aparelho, sua simplicidade que nos é velada. A técnica se constitui e se
cumpre na produção das imagens, mas em momento algum Heidegger ou
mesmo Flusser entram no mérito de quantos megapixels são necessários
para isso.
A evolução das ferramentas
A fotografia é uma linguagem que foi explorada desde a sua criação há mais
de 160 anos e para a qual foi desenvolvido um extenso corpo de conhecimento
técnico. A indústria participou dessa exploração criando tecnologia ligada à
produção de ferramentas para a execução de fotografias. Não que estas
inovadoras ferramentas fossem absolutamente necessárias para que as
imagens continuassem sendo feitas, mas foram muito úteis, de fato. Ao
longo dos anos essa pesquisa foi sendo direcionada à solução dos problemas
mais comuns na realização de fotografias visando a valorização comercial da
ferramenta e a padronização da qualidade técnica das imagens. Na verdade,
quando o próprio Niepce decidiu buscar uma maneira de gerar uma nova
matriz a partir de uma gravura impressa e orfã, ele também queria valorizar
a sua ferramenta comercialmente.
Na época da invenção do daguerreótipo a exposição à luz era exageradamente
longa e a cada mês ou mesmo semana avanços nas pesquisas tornavam
possíveis exposições cada vez mais curtas. Nos anúncios dos comerciantes
da fotografia esse tempo de exposição (cada vez mais curto) figurava sempre
em destaque. Assim se media o avanço da técnica. Hoje é o megapixel que
mede o avanço tecnológico da fotografia. E de lá para cá a história se repetiu
exaustivamente. Não é difícil se imaginar a queda de preços que cavaletes e
pincéis sofreram na década de 1840. Depois disso a quantidade de processos
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que foram inventados e sumiram em questão de cinco anos foi enorme, a
fotografia estava nascendo com várias faces. Enfim surgiu o filme flexível
que, de certa forma, unificou o caminho da pesquisa na fotografia. Veio a
câmara de telêmetro, leia-se Leica, o filme ganhou resolução e o negativo
diminuiu, depois vieram as câmaras reflex. O filme colorido de uso comum
surgiu 100 anos depois do próprio surgimento da fotografia. E aos 160 anos
a fotografia analógica começou a parecer menos interessante. A fotografia
digital ainda não tem uma face bem definida, ainda há muita discussão
entre CCD, Foveon e CMOS, mas como cavaletes e pinçéis as câmaras de
filme vendem bem barato no centro da cidade e mesmo algumas digitais
mais pioneiras inundam ferro-velhos. Existe um número de possibilidades
crescentes: a lista de processos/técnicas difirentes e possíveis dentro da
fotografia é enorme. Os custos continuam decrescentes, já que a fotografia
se tornou tão popular e tão praticada. Sejam processos novos ou obsoletos.
É o processo de impressão offset que fica mais acessível com a fotografia
digital e o C2P (computer-to-plate, que acabou com o fotolito), é o preto-ebranco tradicional que ainda pode ser feito com materiais produzidos quase
artesanalmente.
Nesses anos todos as ferramentas da produzir imagens ficaram superadas e
foram para o lixo: em 2005 a câmara de 2MP não é mais rentável (mas será
mesmo?). E muita sucata foi produzida desde as câmaras de Niépce. Não
são só os equipamentos que são perdidos, o conhecimento necessário para
operá-los também vai embora. E o fotógrafo que fazia retratos em estúdio,
usando filme em chapa 13x18cm, luz contínua, retocava o negativo a lápis,
entregava a cópia de contato com sua logomarca gravada em relevo na parte
inferior da imagem? Dele só restam algumas imagens perdidas em caixas de
papelão pelas feiras de antiguidades. E essas imagens não são capazes de
contar todos detalhes do que foi feito para que elas existam.
Então, como produzir imagens?
Primeiro, conhecendo o que está disponível materialmente. É ai que aponto
para dois tipos diferentes de lixo: o lixo-objeto (o pedaço de madeira de
lei que retiro da caçamba frente a uma construção para usar em uma de
minhas câmaras) e a técnica-lixo (a que descubro na leitura do livro de Jacob
Deschin, escrito em 1936, e que tento usar nos dias de hoje). A arqueologia
do reaproveitamento é a base do meu processo de trabalho, encontro o
objeto-lixo e tento descobri qual a técnica-lixo que se esconde dentro dele.
Experimento. Observo cada peça e descubro qual o papel dela no sistema,
imagino como posso usar aquele sistema para criar uma imagem.
Gasto meu tempo nessa empreitada e o relato que acompanha esse texto
pode fazer jus a isso. Esse é meu trabalho, o de garimpar, o de descobrir o que
se esconde nas dobras de um fole de uma câmara antiga. Tento guardar isso
que foi um dia perdido, tento manter registros de como as coisas podiam ser
feitas, não repugno o Photoshop e tudo que ele representa, me jogo nessa
direção também, me apaixono pela tecnologia digital e tento misturá-la em
tudo que faço, mas reconheço as limitações dessas soluções, como reconheço
as dos processos aos quais tento dar uma pequena sobrevida. Limitações não
faltam em qualquer direção. Vejo limites, vejo possibilidades, vejo imagens,
vejo processos, vejo soluções, vejo consertos a serem feitos e sobretudo
vejo que outros olham para mim espantados com as possibilidades das coisas
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decrepitas que tenho em
minhas mãos.
Me disponho a sentar e
aprender como fazer, me
disponho a olhar para essas
coisas e imaginar o que
elas podem fazer por mim,
me disponho a buscar uma
solução que se apoie nessa
tecnologia
obsoleta.
Me
disponho a ver o óbvio.
Em segundo lugar, ou talvez
durante todo o processo,
me pergunto: mas quais
são as razões ou desejos
que poderiam levar um
outro fotógrafo a querer
se utilizar de métodos e
técnicas de produção de
imagem obsoletos? O que
pode esse tipo de material e
equipamento influenciar na
sua produção que justifique
essa opção?
O que muita gente vê
primeiro
é
o
aspecto
financeiro que pode ser um
peso no momento da escolha
do material ou equipamento
no caso de aquisição. Um
filme vencido é mais barato do
que um filme dentro do prazo
de validade e no nosso país às vezes essa é a única maneira de se produzir.
Portanto encontrar uma razão para utilizar esse tipo de material é simples: um
filme mais barato permite produzir mais com menos. Não é só isso, o aspecto
financeiro tem mais significados, um filme mais barato não traz consigo
tanta responsabilidade, oferece uma espécie de alívio, de tranquilidade.
Oferece um convite ao risco. O filme mais barato permite “arriscar-se” a
perder a foto ou todo o filme. O risco por sua vez tem propriedades muito
interessantes, o risco quase sempre leva a uma descoberta. A produção de
imagens não é em alto contraste (ou funciona ou não), há muitas áreas
cinzas e várias maneiras de produzir imagens que fogem a noção vendida
pela indústria. O risco presente nesses materiais quase sempre nos leva a
maneiras de produzir imagens que ainda não conhecemos. Dai a maravilha
de se arriscar com filme bem barato, por exemplo, e descobrir maneiras
inusitadas de ver o mundo.
Outro aspecto de reaproveitar as coisas que tenham ido parar no lixo é
poder contar com a ajuda de outras pessoas. Ou porque alguém guardou um
lixo para você, ou porque alguém lembrou de você e disse para outra pessoa
que ia jogar um bagulho fora. Ou seja, a ação de buscar algo que sirva para
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uma atividade artística não precisa ser uma ação isolada, outras pessoas
precisam ser incluídas (tendo em mente aquelas pessoas que observam
espantadas quando desmonto um scanner e depois o faço funcionar aos
pedaços).
Realizada em maior escala essa atitude pode ter algum efeito no sentido de
evitar que os fotógrafos saiam em busca de materiais nas lojas e comprem
coisas desencessárias, refreando assim a produção industrial, de uma maneira
mínima que seja e portanto diminuindo a produção de lixo. O fato é que se
é possível a produção de imagens com o que é encontrado no lixo, logo há
um excedente de produção de materiais e equipamentos para a geração de
imagens no mundo.
Para que isso aconteça o produtor de imagens precisa acreditar que é
possível criar imagens com material reaproveitado. Essa clareza pode partir
de outro produtor de imagens. Eis que ai se insere uma função didática, de
espalhar essa clareza perante a técnica.
Mas que clareza exatamente é essa? Para analisar essa questão, vamos
primeiro começar com um exemplo de uma informação típica do mundo
fotográfico: a data de validade de um filme. O que é essa data? O fabricante
de filmes fotográficos cria uma emulsão, aplica sobre uma base e testa o filme
produzido, chega a várias conclusões, imprime uma data sheet e embala o
filme para venda. O data sheet contem informações de como o filme se
comporta, qual é sua curva característica, qual a sua sensibilidade e é isso
que as pessoas compram, um filme com atributos conhecidos, testados e até
certo ponto garantidos pelo fabricante. Mas o filme muda com o tempo, por
isso o fabricante estipula, baseado em seus testes, qual a data limite para a
garantia por ele oferecida, essa é a data de validade. Durante a vigência da
validade do filme seu valor comercial é maior. Ora, o filme continua sendo
filme, continua dotado de uma curva característica, por mais desconhecida
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que ela seja e continua sensível à luz. A clareza que buscamos é exatamente
a separação das questões mercadológicas das questões imagéticas, por
exemplo, demostrar que a data de validade é apenas isso. Após esse prazo
o filme continua sendo capaz de gerar imagens de qualidade, necessitando
eventualmente um maior conhecimento por parte do fotógrafo (uma
pequena modificação no revelador pode ser necessária eventualemente)
como compensação pelo menor valor comercial do filme.
Clareza, conhecimento, valor comercial. Pensando essa relação em termos
da caixa preta de Flusser: um maior conhecimento técnico por parte do
fotógrafo propicia ficar mais clara a caixa preta e menores recursos em
geral são gastos com programas mais novos, complexos e completos para
desencobrir as imagens desejadas.
Em terceiro lugar, o fazer de fato. Não adianta catar o lixo, descobrir o
que é isso ou aquilo e deixar que tudo apodreça. Tem que tentar, tem que
experimentar fazer funcionar. Voltando ao exemplo do filme vencido: esse
filme exige que seja feito um teste para sua utilização, mas o filme novo
também, porque utilizar os tempos na tabela do fabricante significa aceitar a
visualidade que o fabricante acha que se adequa ao seu trabalho fotográfico.
O que siginifica então testar um filme? Expor o filme de maneiras diferentes,
revelar com reveladores diferentes, fazer algumas ampliações, olhar para
elas e se perguntar: o que eu quero para o meu trabalho? Na verdade, ali
se escolhe não só o filme, mas todo o processo a ser utilizado e a aparência
que tal processo gera, porque isso é o mais importante, porque representa
a intenção do fotógrafo. Por exemplo, existem reveladores solventes e nãosolventes, conhecer as características desses dois grupos de reveladores
pode ajudar na escolha dos produtos a serem testados.
Um óbvio: para se utilizar uma ferramenta é necessário conhecer o efeito
que ela causa e saber se ela é adequada ao efeito pretendido. O que não é
óbvio é acreditar que a bula de um filme pode saber qual o efeito pretendido
pelo fotógrafo nas fotos que ele fizer com aquele filme. O que não é óbvio
é acreditar que a data de validade pode ajudar o fotógrafo nessa mesma
empreitada, por exemplo. Isso deve ficar claro.
A TV Cultura produz uma série infantil chamada Cocoricó que se passa em
uma fazendo onde os personagens centrais são um menino, uma menina,
3 galinhas, um papagaio e um cavalo. Um episódio é especialmente
interessante nesse momento: o Desconhecido. Lá pelas tantas, Júlio - o
personagem principal da série, um menino - revela aos amigos que não gosta
de abobrinha, mas a verdade é que ele nunca nem sequer provou a tal da
abobrinha. Papo vai, papo vem, as galinhas conseguem convercê-lo de que
a salada de abobrinha da Zazá é uma maravilha. Júlio se rende e acaba
provando a salada. Júlio vê sua disposição para provar o desconhecido ser
recompensada com a oportunidade de descobrir que ele adora abobrinha
crua! Mais ou menos como descobrir, por exemplo, que a gente gosta mesmo
é de filme subexposto. Imagino que chegar a essa conclusão não deve ser
fácil.
A exposição do filme é só uma etapa de um processo. O processo, em si, de
obtenção da imagem depende de um sistema mais complexo composto de
várias etapas. A formulação desse sistema é o que define o modo de formação
da imagem mais tarde. Nesse momento ecoa em minha mente a frase que
minha vó sempre me disse: “A técnica é que dá a liberdade”. Pois bem, para
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formular um sistema de criação de imagens é preciso conhecimento técnico
de alguma espécie que liberte um desejo pela criação de uma imagem. Logo
complemento a frase de minha vó com: “para o que há dentro de você”.
A técnica fotográfica, pressupõe uma vontade de expressão, um desejo
pela realização de uma fotografia e pode ser observada como uma série de
sistemas de criação de imagens, que vão da captação à impressão (sendo
essas duas palavras usadas de modo figurativo). Cada sistema equivale a
uma possível saída de um enorme labirinto, uma solução possível para um
problema com inúmeras soluções, não só a proposta feita pela bula do
filme. Escolher uma, no entanto, é bem difícil, sendo todas as opções tão
sedutoras. Mas nada disso é exclusivo do lixo, ou algo semelhante, isso vale
para toda a fotografia, existem várias maneiras de fazer imagens e cada
uma propicia um resultado diferente que pode ser ou não adequado ao seu
problema. O fato é que o lixo exige maior cuidado para com a escolhas
de um sistema a ser usado. Um filme mais antigo por exemplo pode gerar
negativos muito suaves, logo um papel mais contrastado ou um desejo por
fotos mais cinzinhas pode ser a solução.
Por enquanto vamos voltar atrás um pouco e pensar sobre as propostas
de Ansel Adams quando ele escreveu sobre o que chamou de visualização
(no início de seu primeiro livro da trilogia: Câmara, Negativo e Cópia).
Adams era capaz de estando de pé frente a uma montanha conseguir
imaginar a foto que seria possível realizar ali com as lentes, filmes e papéis
de que dispunha. Na verdade ali ele tomava decisões importantes sobre
o que estava prestes a fazer e que alteravam o aspecto visual da imagem
mais tarde. Adams formulou vários sistemas parecidos para a construção
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de imagens, que ele agrupou e chamou de sistema de zonas, e a principal
característica do sistema da Adams era a previsibilidade que ele era capaz
de obter podendo partir das leituras do fotômetro e determinar com qual
tom determinado elemento da imagem apareceria na fotografia final. Adams
tinha total controle dos materiais que usava e estes respondiam a seus
sinais. Por exemplo, ao colocar um elemento da imagem na Zona 5, Adams
dava a esse elemento a posição média da escala antes mesmo da luz atingir
os sais de prata na emulsão e assim ele era capaz de visualizar a imagem. Se
tivessemos que escolher entre engenheiro e bricoleur, Adams com certeza
seria um engenheiro.
Já Levi-Strauss colocava a arte a meio caminho entre a bricolage e a ciência
ou engenharia. E, afinal de contas, não é possível realizar uma fotografia a
partir de matérias-primas. A fotografia parte de estruturas existentes, do
aparelho. Já o lixo pressupõe um ser, que se assemelha mais ao bricoleur,
o operando. O material velho não responde tão fielmente aos sinais, não
oferece mais tanto controle ao fotógrafo. O lixo convida à experimentação,
à aceitação de uma imagem que já está ali para se somar à que será captada
pelo fotógrafo, convida à descoberta do que pode acontecer lá no fim. O lixo
não oferece a possibilidade de visualização, o lixo não oferece a certeza.
O bricoleur de Levi-Strauss precisa fazer um inventário das suas
possibilidades, ele é um handyman. E trabalha com o que está à mão. Seu
estoque são as possibilidades que ainda restam às coisas de que dispõe.
Os universos de imagens dos aparelhos que rodeiam um fotógrafo que lida
com o lixo estão desfalcados, os aparelhos não estão mais completos. Um
aparelho não é só a câmara fotográfica. Cada tipo de câmara depende de um
conjunto de coisas para funcionar. Um sistema, o filme que serve na câmara,
o laboratório que revela aquele filme, e tudo mais, até o papel para ampliar
aquela fotografia. A câmara pode até ainda existir, mas e o filme específico
dela? O universo de imagens que essa câmara pode oferecer a seu operador
fica restrito, é necessário reprogramá-la talvez (dai a necessidade de um
bricoleur com um “q” de programmeur).
Feito o inventário, o estoque é conhecido. Entra em cena uma espécie de
navegador que vai propor uma solução de saída do labirinto. O navegador
imagina como conectar as coisas que ali jazem em seu estoque. E liga os
pontos, joga dominó com os restos de aparelhos e materiais. Ele formula
o sistema, mencionado acima, de criação da imagem. E talvez o que mais
me instigue a trabalhar com coisas velhas e problemáticas é não conseguir
visualizar o que elas podem fazer e sim imaginar sistemas onde elas possam
se encaixar. E deixar que as coisas no estado em que se encontram imprimam
suas características nas imagens.
Cheguei a pensar em “coisas quase mortas”. Cheguei a pensar em
respigados, que é o plural particípio passado do verbo respigar (apanhar
aqui e ali as espigas caídas no chão após a ceifa), graças ao documentário de
Agnes Varda entitulado “Les Glaneurs et la Glaneuse” - inspirado pelo quadro
de Jean Millet de 1857 chamado Les Glaneurs ou As Respigadeiras – que
trata de pessoas que sobrevivem catando lixo na França. As respigadeiras
catam os restos da colheita, que é uma atividade prevista na lei francesa.
Qualquer indivíduo pode adentrar propriedade privada para isso sendo que
deve permanecer no mínimo 10 jardas atrás daqueles que colhem para o
proprietário das terras, segundo Varda. A idéia de usar essa palavra acabou
ficando de lado, o filme prefere focar o orgulho de quem prefere catar do
lixo ao invés de pedir ajuda. Se por um lado é interessante perceber que a
França reconhece a atividade dessas pessoas (há muito tempo, a unidade
de medida jarda está ai para provar), por outro as respigadeiras modernas
reforçam a idéia de que são excluídas da sociedade.
Mas chame como quiser, são essas coisas que estão por ai, cujo dono já não
tem mais interesse em seu uso e que acabam encontrando um caminho até
mim para que eu as use.
E assim, as imagens são produzidas: avaliando o que está disponível
e tentando formular um sistema a partir disso. Clic! Daqui parto para as
histórias dos diversos sistemas que formulei e visitei com meu lixo, mas
antes uma Digressão rápida
A palavra lixo ainda é um inconveniente nesse texto, afinal vem carregada
de muitos outros significados. Pensei por vezes em chamar essas coisas que
reaproveito de elementos (objetos ou idéias) adquiridos de ninguém ou do
lixo de alguém. Começava a surgir uma sigla muito complicada, então ficou
a palavra lixo.
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Histórias
Ali na Cinótica o que era um gosto pela fotografia se tornou uma paixão
pela exploração dos métodos de criar imagens. Seu Carlos me atendia lá.
Conheci ele quando entrei lá pela primeira vez e comprei um ampliador
Krokus polonês. Nas outras vezes que voltei sempre pedia a opinião dele
sobre minhas pequenas aquisições e aos poucos fui achando tranqueiras e
mais tranqueiras na Cinótica: papéis uruguaios e filmes tchecos vencidos. A
Cinótica me oferecia problemas e desafios e aos 17 anos de idade isso era
minha diversão e como ainda é.
Com medo da radioatividade
A história do filme Fomapan é engraçada, em tcheco a expressão “pretoe-branco” se escreve algo como “cernobily” (com algumas acentuações
que meu teclado não permite), que lembra o nome da cidade Chernobil,
onde ocorreu o acidente radioativo. O fato é que na Europa ninguém queria
comprar o Fomapan, todo mundo achava que ele poderia estar contaminado
pela radioatividade. A Cinótica adquiriu vários quilos do filme vencido em
Março de 91 e vendia os rolos de 30m por 10 Reais em 92. Lembro de comprar
pelo menos 10 rolos de uma vez. Já os filmes 120 não eram tão baratos, mas
valiam a pena. Eu devo ter perdido muitos filmes com problemas de exposição
e colados inúmeros outros aprendendo a colocar o filme no espiral. Assim o
Fomapan encontrou a sua grande utilidade, eu aprendi muito com esses
primeiros 300 metros de filme 35mm. Posso garantir que era muito fácil
fotografar com Fomapan, não me preocupava com nada, tentei as coisas
mais absurdas e quase todas deram errado. As primeiras tentativas com
revelação em D-76 não renderam bons resultados, o filme estava bem velho
e o contraste ficava muito baixo para um filme ISO 100. Para usar o Fomapan
F21 (o 21 se refere à sensibilidade na escala DIN, equivalente a ISO 100)
era preciso expor o filme em EI 25 e revelar durante 5 minutos, a 20 graus
centígrados, em Dektol diluído 1:2. Usava também o RCO-12, revelador de
papéis de uma empresa nacional já líquido, que era bem prático. Depois de
descobrir os segredos da sua revelação, cheguei a fazer alguns trabalhos
comerciais com Fomapan, já que eu o conhecia tão bem.
O índice de exposição 25 para que adotei para esse filme me levava a
usar velocidades baixas do obturador, acabava deixando que coisas que se
moviam borrassem nas cenas que eu fotografava. Sem muita opção comecei
a experimentar com isso e fiz inúmeras imagens com carros que quase
desapareciam, pessoas das quais só se viam os pés. Usei as últimas quatro
bobinas desse filme em 97 em cenas noturnas. Fotografei a quermesse que
acontece todo Outubro na rua Clodomiro Amazonas. Usei o tripé e exposições
longas como de costume. Ali eu terminava o que seria o grande ensaio que
fiz com o Fomapan: registros do movimento.
Em 93 dei início a outro ensaio fotografado nesse filme, um sobre um
chapéu de palha. O chapéu chegou a mim embrulhando um vaso de flores que
ganhei da minha avó no meu aniversário. Achei aquilo quase um desperdício
e resolvi dar uma outra vida ao chapéu. Carreguei-o para cima e para baixo,
levei-o ao Rio, Niterói e o fotografei pela estrada. Pedi a um rapaz que
jogava bola na praia que o vestisse, pedi que o segurassem na rua, deixei-o
sob um orelhão, no meio da relva, junto a uma bolacha-do-mar. Fiz inúmeros
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auto-retratos vestindo o chapéu.
O chapéu na maioria das fotos está só, abandonado. Dessa época lembro
de escutar “Wish you were here” do Plink Floyd. Sentado na varanda do
escritório de meu pai na casa de Camboinhas. A tempestade passava ao
largo da enseada de Itaipu. O vento balançava o mato, o verde ficava sem
contraste, denso. Ouvia a música em um walkman antigo.
“So you think,
So you think you can tell heaven from hell...
...
Do you think you can tell?
...
How I wish
How I wish you were here
We’re just two lost souls
swimming in a fish bowl
Year after year...”
O chapéu me levava por ai. Isso era importantíssimo. Os dias de Camboinhas
foram curtos e foram poucos no final das contas. Eu tinha que aproveitar os
dias inteiros, acordava com o Sol invadindo o quarto. Via ele se erguer atrás
do morro que dava para Itaipuaçu. Caminhava pela enseada, recolhia isso
ou aquilo que a maré trazia. Ouvia música, pegava jacaré, fotografava tudo
usando o chapéu de pretexto.
Em 94 recebi da minha tia-avó a câmara que havia sido de meu bisavô, uma
Leica IIIa. Comecei a me entender com a máquina e fiz várias fotos. O couro
que recobria a máquina caiu, ressecado e despedaçado. O som do obturador
dava indícios de malfuncionamento. Não me passava pela cabeça outra coisa
senão usar a câmara da família e descobrir como seriam as imagens feitas
por ela com uma lente sem coating.
Em 95 meu pai ficou doente. Comecei a ir frequentemente ao Rio visitá-lo,
levando a Leica, com a lente escamoteável dentro da mochila. Fotografei
minhas visitas à casa de minha vó, para ver meu pai doente. Isso eventualmente
se tornou o trabalho chamado Casa da Vó, que virou uma exposição no Centro
Cultural São Paulo, em 96. O ato de fotografar essas viagens era grande
parte em função de eu de fato não entender o que acontecia. Hoje em dia
essas fotos falam mais para mim do que minhas próprias lembranças daquela
época. Falam também sobre o que eu já fotografava e sempre fotografaria,
meu dia-a-dia. Para apresentar a exposição de 96 escrevi o seguinte:
“A Casa da Vó
Esse ensaio é ambientado no Rio de Janeiro e em São Paulo, foi realizado
entre agosto e outubro de 1995. Todo o ensaio foi feito com uma Leica IIIa,
e sua lente 50mm/2,0 Summar, há 61 anos na família e com filme FomaPan
F21, vencido em março de 1991.
Tudo surgiu quando passei a visitar meu pai no Rio, ele estava doente,
na casa da minha vó e acabei indo lá periodicamente, de ônibus, só com a
‘pequena’ Leica. Ia tudo bem, a cura parecia possível.
No entanto, em novembro sua situação piorou e ele morreu.
Dedicado a ele fica esse ensaio.”
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Seu Carlos sempre achava que tudo podia funcionar. A essa altura eu
também acreditava nisso. Só não sei até hoje qual o verdadeiro nome dele.
Por outro lado aprendi o óbvio: experimentar é essencial. Não é só porque o
Foma vinha em uma embalagem de papel paraná vagabunda que eu deveria
deixar de usá-lo.
Esse filme era muito mais acessível que os outros e precisava descobrir
algo para fazer com ele. Hoje percebo que é o processo básico de trabalho
pelo qual passo quase todas as vezes que inicio um ensaio. Posso descrevêlo como: descobrir do que cada ferramenta é capaz. Como um mecânico de
automóveis, vou enchendo uma caixa de ferramentas, mas uso cada uma
para o que me convém. Tudo tem a sua utilidade, cabe a você descobrir se
é pertinente às suas intenções e como.
Velatura total
Passeava pela feira de antiguidades da Praça Benedito Calixto em 93
quando encontrei uma pilha de três ou quatro caixas de papel Kodak bem
velho. Perguntei se o vendedor havia aberto as caixas para ver o que havia
dentro, fez-se silêncio. Virei as costas, mas o sujeito me pediu que levasse
aquilo embora, percebendo o engano que havia cometido. De fato os papéis
estavam completamente velados. Olhava para os testes no laboratório,
negros. Compreendi que papel velado ou fica branco se fixado, ou preto se
revelado e fixado. A única maneira de criar uma imagem diferente disso era
controlar quando e como o revelador entra em contato com a superfície do
papel.
Acendi a luz e alcancei um pedaço de vidro retangular, molhei em revelador
e apoiei (como um carimbo) sobre uma das folhas de papel já amarelada sob
a luz branca.
Repeti o gesto com mais umas vinte folhas deleitado com o resultado,
retângulos marrons com bolhas brancas, fixei todas as folhas rapidamente.
(E eu nem sabia quem era Moholy-Nagy). Recortei de outra folha as letras
t, a, m e o. Assim formei a expressão “t amo” que eu devia ter lido em
alguma parede de banheiro ou muro do meu bairro: eu prestava muita
atenção às pixações. Revelei essas letras também e as usei como carimbo
em uma última folha de papel. Com o papelão de duas caixas de leite fiz
um painel de quase um metro quadrado e com tinta spray prateada dei um
acabamento. Colei as folhas de papel fotográfico formando um mosáico,
assinei. Meu deleite provinha da experiência de compor com objetos ao
alcance das mãos. Transformar textura em imagem bidimensional. Isso tudo
em um papel dito perdido.
Em 2006, repeti a empreitada revelando folhas veladas com uma folha de
palmeira ao invés de retângulos de vidro. Obter imagens de um papel velado
produz mais espanto no olhos alheios do que de um papel apenas velho
ou mofado. Quimeogramas, nomeou o professor Wladimir. Esses trabalhos
nascem tão facilmente.
Não há muito mais que se possa fazer com um papel nesse estado, além de
tentar algo como usar o papel como se fosse um POP sob o Sol. Essa limitação
do que se pode fazer reintera a condição de estrutura pre-existente desse
papel, como colocou Levi-Strauss. Afinal esse papel não é matéria-prima
com possibilidades infinitas. Eu poderia repetir incessantemente a expressão
39
“não há muito o que se possa fazer”
durante o texto, me referindo às
mais diversas coisas que apareceram
no meu caminho. O fato é que fiz
a única, ou uma das únicas, coisas
que me apareceram na cabeça ao
olhar para cada câmara, lente ou
filme. Quanto maior o número de
possibilidades mais difícil ficava o
trabalho, escolher é sempre algo
difícil dentro de mim. Quanto mais
precária a situação do papel ou da
câmara fotográfica, mais fácil é
escolher o que fazer com aquilo, pois
menores são as possibilidades.
Marcenaria permeando a Fotografia
Na mesma época do Fomapan
encontrei também na Cinótica uma
caixa de filmes em chapa Tmax 400
vencidos. Lançado recentemente,
esse filme não lidava tão bem com
a super exposição e com a revelação
com outros reveladores que não o
dedicado a ele pelo fabricante. Aqui
no Brasil isso o tornou relativamente
inútil. Logo algumas caixas foram
parar nas bandejas de saldo e eu fui
capaz de adquirir uma delas. Não que
eu tivesse câmara de 4x5 polegadas,
mas isso não era problema. O Tmax 400 foi útil nas minhas experiências com
câmaras de orifício. Usando o filme em chapa de alta sensibilidade pude
fazer imagens interessantes na Avenida Paulista, com uma câmara que levava
um obturador mecânico. Feita com uma caixa de madeira onde minha mãe
guardava parafusos, podia ser presa a um tripé. Essa câmara não existe mais,
mas ainda tenho as lembraças de pedir a um rapaz de uma farmácia para usar
a sombra do local para trocar
de filme com meu saco preto
improvisado. Experimentei
com a curvatura do filme
nas câmaras de orifício.
Também usei o mesmo TMax
400 cortado dentro de uma
câmara Zeiss para fazer um
auto-retrato com a técnica
do open flash.
Minha primeira tentativa
de construir uma câmara
para filme 4x5 polegadas
foi usando um porta filmes
40
de minha própria autoria,
que usava tachinhas para
manter o filme no lugar,
mas esse sistema foi logo
substituído. Já o fole da
câmara foi feito a mão,
cópia do fole de uma
câmara menor que eu
possuía. Consegui algumas
lentes interessantes nas
feiras de antiguidades,
normalmente presas a
câmaras dobráveis antigas.
Logo construi câmaras um
pouco mais complexas que
aceitassem o porta filmes
padrão para filme 4x5
polegadas. Além dessas
câmaras construi também
uma para papel 13x18cm, tipo caixote com uma lente 210mm e foco fixo.
Com a parte posterior de uma câmara para filme 120 fiz uma câmara 6x9cm
com lente 65mm. Com uma lente FluroEktar 111mm/f1.5 tentei construir
algo rudimentar para criar uma tele bem clara para a minha Canon Ftd,
rendeu poucas imagens.
Usava as câmaras de madeira para fotografar objetos dentro de casa.
Só com câmaras mais complexas e completas me aventurei com o grande
formato longe das minhas ferramentas.
O ampliador que tinha originado a minha primeira visita à Cinótica acabou
sendo trocado por uma câmara Burke & James Grover 4x5 polegadas toda
em madeira, com o lindo fole vermelho. No
lugar do Krokus eu agora usava um Federal
of Brooklyn 6x9 comprado na Pça Benedito
Calixto debaixo de chuva. Logo em seguida
um amigo me presenteou com uma sacola de
supermercado com as peças de uma Burke &
James Press, em metal, design muito simples,
meio empenada e bem usada. O que eu tive
que fazer foi montar a câmara novamente,
consertar uns dois buracos enormes no fole,
desamassar umas coisinhas e a câmara já
estava por ai fotografando. Descobri que
a lente 90mm era ideal para essa câmara,
já que ela mantinha o fole comprimido,
evitando assim que um pouco de luz que
ainda passava pelos meus remendos velasse
o filme. Na Grover eu usava as lentes mais
longas, como a 300mm/4.5 Meyer, que na
realidade era uma lente para filme 35mm.
Comprei essa lente para usar na Pentax
com rosca M42, rosca universal. Ao abrir a
lente para limpar o diafragma percebi que
41
o círculo de cobertura da lente era muito maior e que toda a parte traseira
poderia ser removida para a lente ser usada em outra câmara. Essa lente
se tornou uma ótima opção para retratos em 4x5 polegadas. E ainda tinha a
lente normal que era o conjunto de lentes da 135mm/4.5 Hektor da Leica
M, retirado do anel de foco e montado também em um lensboard feito em
casa.
Sempre houve muito material e equipamento de grande formato disponível
para mim. Imagino que o alto custo para sua utilização comercial foi o que
ocasionou a grande debandada dos fotógrafos.
Não consigo esquecer o dia em que levei meu caixote 13x18cm de madeira
para mostrar na reunião do Projeto Foto-de-Autor, consegui risadas de uns
e incentivo de outros. Não foi muito antes do dia em que o fotógrafo norteamericano Steve Hart veio visitar uma outra reunião. Esse cara estava há
mais de 3 anos fotografando uma família no bairro do Brooklyn em Nova
Iorque, uma família negra, de baixa renda. O trabalho era e é impressionante
e estava ainda no início. Uns 10 anos depois, Steve publicou um CD-ROM pela
editora Scalo, com o seu Brooklyn Family Album. Mesmo sem saber Steve
plantou na minha mente uma semente de long term documentary project.
Naquele momento lembro de por de lado quase tudo que eu já tinha feito, a
fotografia ganhou um novo significado. Minhas fotos pediam mais significado.
Voltei a perturbar o editor de fotografia do jornal que eu lia e consegui
começar a fotografar lá.
Para onde o jornal me levava
A explosão sob a praça de alimentação do shopping em Osasco foi na
véspera do dia nos Namorados em 96 - lá se vão 10 anos. Nesse dia eu fui
chamado pelo jornal à tarde, já que os fotógrafos de lá estavam ocupados
com o acidente e não podiam fazer as outras fotos do dia. Só dois meses
depois, fui a Osasco fotografar alguns dos sobreviventes que ainda careciam
de atendimente médico apropriado. Senti pena de alguns e considerei que
a situação deles era injusta. Fiquei de voltar e fazer mais fotos. Quando o
acidente completou seis meses eu já havia feito muitas imagens do dia-a-dia
das vítimas esperando o tempo passar. Consegui uma publicação de página
inteira no caderno Cidades do jornal O Estado de S. Paulo. A história em
preto-e-branco, feita com filme vencido ia crescendo apenas com o meu
empenho e dinheiro. Não parei por ali, continuei fotografando e fui em
busca de mais pessoas com mais histórias. Quando o acidente completou um
ano e pouco havia mudado na situação das vítimas, o jornal não deu tanta
importância. Fui buscar a concorrência que ficou feliz em publicar a história
em página dupla no caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo. Continuei o
trabalho de documentação até 1999, cheguei fotografar José em sua cidade
natal Januária, às margens do Rio São Francisco, para onde voltou. Fiquei
desapontado com os acordos que se firmaram e como os desamparados
continuaram desamparados, mas minhas fotos mostram pouco disso. Essa
injustiça e descaso me levaram lá, mas fotografei a vida que ainda existia
naquelas pessoas, a felicidade da superação. De certa maneira fotografei
como eles reaproveitaram suas próprias vidas.
Percebi então o quanto eu era inapto para o trabalho de documentação.
Enquanto eu achava que o trabalho se resumia a ir lá e fotografar aquelas
pessoas, eu me enganava. Acabei criando um trabalho que fala mais da
49
beleza e da felicidade que ainda pode existir em corpos mutilados do que
um documento de uma situação injusta. Comecei a dar mais importância a
meus outros trabalhos.
Doações: por acaso ou não
Em meados de 97 eu já havia desenvolvido uma pequena rede de doações
e algumas coisas bem interessantes chegavam a mim me mantendo bem
ocupado em desvendar mistérios. Houve uma doação completamente
inesperada nessa época. Eu fui fotografar o escritor Marcos Rey para uma
revista e quando entrei em seu escritório percebi uma lente 24mm Nikon
servindo de peso de papel. Aquele objeto me intrigou durante todo o tempo
em que passei ali no escritório dele, até que eu perguntei qual era a razão
para a lente estar ali.
-”Um colega seu deixou rolar para debaixo da minha mesa há alguns anos,
a empregada encontrou e colocou ali achando que era minha, tem utilidade
para você?” - disse Marcos Rey.
-”Sim!”
Após consultar a esposa me entregou o objeto completamente recoberto
do que eu imaginei ser lustra-móveis. Fiz uma limpeza profunda na lente que
havia acumulado pó durante muito tempo e costurei a borracha que ficava
ao redor do anel de foco, que estava rasgando. Usei a lente incessantemente
até 2005.
Em 98 mudei de casa e levei o laboratório. Aproveitei para mudar o jeito de
fazer várias coisas e mudar a disposição do espaço de trabalho, mas a maior
mudança foi causada pela organização de uma pasta que eu tinha até então. Eu
juntava bulas de filmes e papéis com anotações em uma pasta laranja. Ganhei
um caderno e o usei para consolidar todas as informações que eu tinha sobre
tempos de revelação e fórmulas que eu usava. Esse caderno se tornou meu
diário
dentro
do laboratório
e tudo que eu
fazia eu anotava
ali, comentários
sobre
minhas
experiências,
tudo
que
eu
achasse
minimamente
importante para
o
futuro
do
laboratório. Essa
preocupação
nasceu de um
papo com a
Mônica
sobre
cópias viradas em sépia que ela nunca conseguiu fazer com o mesmo tom
novamente porque não lembrava das diluições dos químicos. O caderno
continua comigo até os dias de hoje.
50
Primeiras descobertas sobre câmaras grandes
Durante 2 anos a B&J Press e a 90mm viajaram
um tanto. Fotografias de cachoeiras, rios, árvores
e pessoas. Eu ainda aprendia com o que eu poderia
usar o formato 4x5, a pequena profundidade
de foco e as exposições longas. Me interessava
entender como seria o processo de trabalho dos
fotógrafos que faziam esse tipo de fotografia
com esse tipo de formato. Aprendi muito sobre
a importância de pequenos e inúmeros cuidados
com cada imagem, num ensaio fotografado com
uma câmara 4x5” cada imagem conta muito, por
exemplo perder uma opção de edição por besteira
na hora de fotografar era muito doloroso. Descobri
como o tripé pode afundar na areia durante a foto e como o vento pode
tremer a imagem. Descobri que o tripé enche de água se colocado dentro de
um rio e que isso pode ser uma vantagem. O tempo foi passando e o trilho de
foco da câmara foi cedendo.
O diafragma da lente ficou
duro, até que uma palheta se
soltou e parou de responder ao
controle de abertura e assim a
B&J Press ficou parada.
Uns meses depois enquanto
eu andava por uma feira
de velharias eu achei uma
outra 90mm igual, com um
pouco de fungo e sujeira
na lente, mas o obturador
funcionava. Junto vinha uma
Busch Pressman. Desmontei e
limpei o obturador, montei os
elementos da minha lente nele, perfeito. Na verdade, depois de limpar os
elementos dessa outra lente eu quase tinha duas lentes.
Já o corpo da Busch estava terrível. Feito em alumínio, a oxidação fazia
bolhas sob o acabamento em couro. Por outro lado era perceptível que a
câmara era mais leve, completa e com uma construção melhor do que a B&J
Press, isso me deixou bem entusiasmado.
Percebi que havia uma possibilidade de
ter uma câmara com movimentos mais
interessantes e um foco mais preciso.
O número de série era até engraçado:
112333. Faltavam todas as peças da
parte traseira, molas e etc. O fole podia
funcionar como coador.
Logo descobri que um lensboard que
tinha vindo com uma lente conseguida
anteriormente servia para essa câmara.
A Busch parecia apta a durar mais do que
51
a B&J Press. Usei MicroPore e tinta para tecido para devolver vida ao fole.
Passei toda a parte traseira da B&J Press para a Busch, depois lixei a Busch
todinha, tirando a oxidação e com seladora protegi a câmara para o futuro.
A traseira encaixou fácil, fiz duas roscas e foi possível aparafusá-la no lugar.
Reforcei a pintura preta no interior da câmara e removi tudo que não fosse
necessário para o funcionamento da câmara: range finder, sports finder,
alça. A câmara durou uns dois anos assim, depois começou a vazar luz.
Em 2001, no Canadá encontrei uma caixa de papelão cheia de peças para
a Busch. Montei o corpo que veio nessa caixa e escolhi as melhores peças
das duas câmaras para montar uma câmara só. Cortei um novo despolido de
acrílico mate. O mais complicado foi encontrar a chave Allen correta para os
parafusos da Busch que são métricos! Fosse Busch ou B&J Press, a idéia era
manter funcionando uma 4x5” bem portátil. A quantidade de filme 4x5” que
eu consegui sempre foi boa e era importante poder usá-los mais facilmente
em campo, dai a necessidade da portabilidade. Nesses anos todos o “kit”
incluia algo como a 90mm, a 135mm e uma tele (ou 210mm ou 250mm). E
tudo isso cabia em uma bolsa comum de equipamento fotográfico.
Da série “espécies em extinção”: o ampliador fotográfico
O grande formato já era algo em desuso, dai meu
interesse por essas câmaras e filmes, mas outras
experimentações, em 99, me levaram em busca de
outra espécie em extinção: o ampliador fotográfico.
Nessa busca recebi dois grandes presentes um
Narita 9x12cm do Enio e um Durst M605 do Caio,
ambos em péssimo estado. Ampliadores diferentes
significavam um maior número de possibilidades de
saída para meus sistemas. Da mesma maneira que
eu usava filmes de formatos diferentes nas câmaras
mais variadas, precisaria de ampliadores diferentes
que aceitassem todos esses formatos.
No Durst que o Caio me mandou faltava base,
cremalheira de elevação da cabeça, portanegativo, lensboard e vários parafusos de tamanhos
diversos. Nas andanças
pelo centro encontrei
um
porta-negativo
tão exausto quanto o
resto do ampliador. No Gasômetro providenciei
uns retalhos de compensado e fórmica branca
para a base que eu teria que fazer. A internet
já era útil nessa época. Pesquisei imagens do
ampliador em bom estado para imaginar como
ele era. Desmontei tudo até o último parafuso
e tirei todo o pó ou excesso de graxa e óleo.
Apliquei um pouco de Ferrox (à base de ácido
fosfórico) nas peças enferrujadas. Comecei a
montar o ampliador de novo, vagarosamente.
Comecei pela cabeça colorida, alguns dials
e cremalheiras que controlam os filtros cyan,
52
magenta e yellow estavam girando em falso,
cavei sulcos nos eixos de controle com uma lima
e com epóxi 24h consegui fixar essas peças nas
suas posições originais. Assim os botões coloridos
do lado de fora da cabeça voltaram a controlar
a posição dos filtros coloridos passando pela
frente do feixe de luz.
Na loja de material elétrico aqui do bairro
comprei uma lâmpada dicróica, dessas que
vão direto na corrente alternada, um soquete,
2 metros de fio e uma tomada. Assim refiz a
instalação da luz dentro da cabeça do ampliador.
Dei uma boa limpeza nos guias de foco e o foco
voltou a ser fácil de se conseguir com um simples
toque. Faltava um parafuso que segurasse os
lensboards e acabei achando um que servisse
no meu próprio vidro de maionese. O mesmo
aconteceu com os parafusos que seguram agora
a cobertura quadradona da cabeça no lugar, com
os que seguram a coluna na base e com os que
permitem a troca de cabeças. Esteticamente
não foi das melhores soluções, os parafusos são bem diferentes dos que a
Durst coloca no seus ampliadores, mas para usar no escuro ficou ótimo!
Depois de juntar vários retalhos de compensado para criar um bloco de
madeira bem pesado, cobrir tudo
com fórmica e ao instalar a coluna
foi que eu percebi que umas buchas
que mantém a cabeça alinhada
horizontalmente estavam faltando.
A cabeça do ampliador corre sobre
essas buchas, que fazem ela deslizar
pela coluna. Achei em uma caçamba
de lixo uma gaveta de metal, que
tinha umas buchas redondas parecidas
com uma das que estavam faltando
no ampliador. Uma outra bucha que
faltava teve que ser feita de Massa
Plástica Iberê, moldada no lugar em
15 minutos. Ainda tive que abrir um
buraco na cabeça do ampliador e
passar uma rosca para um parafuso
que substituísse a cremalheira de
elevação.
Assim o pequeno Durst voltou a
funcionar.
Na mesma época um amigo que
avisou que o Enio tinha um ampliador
grande para retirar. O preço segundo
o próprio Enio: “deixar um abraço”.
Era um Narita, do qual eu nunca
tinha ouvido falar, nem ouvi depois,
53
nem nunca achei nenhuma
informação sobre ele. O
nome vinha escrito com
uma letra estilizada em
duas plaquinhas de bronze,
uma na cabeça e uma no
baseboard. O formato era
9x12cm. No chão, com a
cabeça erguida no ponto
mais alto, o ampliador
chegava a ter 180cm de
altura.
Os problemas do Narita
eram basicamente sujeira
e ferrugem. A solução foi
desmontar tudo, lavar a
maioria das peças, aplicar
seladora
para
evitar
a oxidação e motar o
ampliador de novo. O fole
recebeu graxa de sapato
para voltar a ter um pouco
de flexibilidade. Apliquei
um pouco de espuma para
melhorar a vedação de luz
do estágio do negativo,
limpei os vidros do portanegativo.
Modifiquei
um lensboard para esse
ampliador que tem um
sistema interessante com
dois parafusos para manter
a lente no lugar. O ampliador
era muito prático de usar
graças ao sistema de
contrapeso instalado na coluna: um pote cheio de chumbo corria no sentido
contrário à cabeça, ligado à ela por um cabo de aço (que eu troquei por um
novo). A quantidade de chumbo é variável, são pedaços de chumbo de pesca
soltos dentro do pote. Assim o operador pode variar a intensidade do contrapeso de acordo com sua preferência ou com algum acessório instalado na
cabeça do ampliador. Agora em 2006 o plano é transformar a coluna do
Narita em uma estativa de reprodução. Com o Elwood 5x7 à disposição o
Narita ficou “pequeno” e o fole dele já não está mais aguentando.
Novos rumos, graças ao lixo
Até o início de 99 eu só usava filme vencido para meus trabalhos mais
importantes por questões financeiras. Isso estava prestes a mudar. Eu comprava
filme negativo colorido na Rekodali, na Av 13 de Maio, eles vendiam o propack
bem barato. A Rekodali vivia no meio do fogo cruzado, a loja era distribuidora
da Kodak, mas vendia coisas da Ilford sob o balcão. Tempos difíceis. Durante
54
uma
passada
lá, percebi na
prateleira
do
depósito
no
mezanino
uma
grande caixa de
Supra N 50x60cm
dobrada quase ao
meio, não fazia
sentido. Gilberto,
o gerente, me
disse: “as bordas
estão verdes”. Não
me abalei e ele me
deu aquela caixa
e mais duas em
estado similar.
Do outro lado
da cidade, um
novo laboratório
de 1 hora havia
se instalou na R.
Renato Paes de
Barros. Durante os
primeiros
meses
até
ofereceu
serviço de cópias
preto-e-branco em
processo manual.
O laboratório era
no sotão, o calor
era infernal lá
dentro. Não deu certo. Passados uns meses os papéis que sobraram depois da
desativação desse laboratório vieram ao meu encontro. Entre eles uma caixa
de Ilford 3.24.M tamanho 18x24cm, o grau fixo 3 com acabamento mate.
Com esses dois materiais nasceu o primeiro trabalho que girava em torno
dos experimentos de reaproveitamento. Com o papel 18x24cm fiz cópias
na primeira semana de Abril de 99. Descobri que os fungos, devido ao calor
do sotão, haviam se instalado de tal maneira na gelatina do papel que suas
marcas eram completamente visíveis na imagem. Se sobrepunham as formas
do vestido solto de Juliana, fotografada sob a luz do interior de um bar.
Juliana sentava ao meu lado na mesa do bar, o trabalho ficou Ao Lado. Essas
cópias me deixaram muito entusiasmado, acho que finalmente eu havia
captado as possibilidades do lixo que vinha em minha direção. Acreditei que
o trabalho poderia ganhar com o uso de materiais assim, ao invés de achar
que teria que lidar com as restrições impostas a mim pelos tais materiais e
que isso afetaria sempre o resultado. Nesse dia eu provavelmente deixei de
tentar “visualizar” meus trabalhos, como ensina Adams em sua trilogia. O
procedimento se tornou a aceitação e a busca pela dificuldade.
Comecei a fotografar incessantemente outros torsos de moças sentadas
ao meu lado. Depois, com outros negativos fiz tentativas de usar o papel
55
colorido da Rekodali. Com pincéis e química colorida de um kit RA4 da Kodak
fiz revelação seletiva no papel colorido. Induzi bastante velatura nas bordas
dos papéis para esconder os tais verdes. Passei a aceitar os papéis em piores
condições, não tentava esconder mais nada. Cheguei a embalar papéis em
sacos plásticos com detritos orgânicos da minha cozinha para criar um mofo
diferente, mas não deu certo.
A partir de então experimentei bastante a frustação de não ter algumas
imagens fotografadas. O filme não revelava direito, a câmara às vezes estava
realmente quebrada. Perdi muita coisa tentando usar o que não custava
nada para mim.
Experiências rápidas
Uma amiga me ensinou a usar revelador para fotolito para conseguir uma
aparência interessante com papéis de tom quente, com uns Ektalures antigos.
Imprimi a série dos beijos usando essa técnica, o tons resultantes eram bem
marrons, com as altas luzes puxando para o rosa. Perdi várias imagens dessas
pela inexperiência, os papéis de tom quente como Ektalure têm uma emulsão
mais caprichada, com mais sais de prata e portanto deixam o fixador exausto
mais rápido. Várias imagens ficaram manchadas por fixação insuficiente,
aprendi. (Esses papéis fibra não se perderam, viraram base para impressões
com processos do século XIX, onde eu aplicava a emulsão no verso do papel
que tem uma encolagem muito útil).
Em 2000 passei a ter um emprego fixo numa indústria e dispunha de uma
impressora a laser na minha sala. Essa oportunidade se transformou na
criação do livro ISPR. Eu fotografava peças automotivas de aço danificadas
com uma Mavica (digital primitiva da Sony que gravava as imagens em
disquete). Usando os recursos limitados do software Powerpoint para tratar
as imagens, consegui contrastar algumas imagens do meu próprio serviço.
Depois usava a impressora para dar saída em vinte cópias de cada imagem.
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A tiragem limitada do livro. Fotografava o refugo industrial e para as capas
usei o refugo da copiadora, com pequenas inserções. Furei e encardernei os
livrinhos de maneira bem simples.
Das coisas que aprendi com o Rodrigo
Antes de ir para o Canadá, conversei muito com o Rodrigo sobre técnicas
obsoletas. Ele criou o revelador de papéis Rodrigol (assim apelidado por
mim) e outros tantos produtos químicos para fotografia. Já foi presidente
do Fotocineclube Bandeirantes, ou seja, vem de um ambiente onde durante
muito tempo se discutiu a técnica fotográfica. Não é a toa que ele é grande
conhecedor de diversos equipamentos. Rodrigo tem informações de outra
época, de outro ponto de vista, outra relação com as coisas. Quando ainda
se pensava no equipamento sendo dominado pelo fotógrafo. Rodrigo faz
isso.
Foi ele que me ensinou, por exemplo, a fazer fotos panorâmicas com minhas
câmaras
de
grande formato
e
ainda
“economizar”
filme.
Esse
m é t o d o
consiste
em
cortar
um
darkslide
no
meio de modo
a permitir que
apenas metade
de cada chapa
seja
exposta
de uma vez.
Me abriu as
portas
para
esse formato
novo: o “dois
por cinco” ou o “dois e meio por sete”. Um dia o encontrei no vão do Masp,
onde ele fotografava com os restos de uma Bender, uma lente 47mm e os
tais darkslides cortados.
Quando falamos de pinhole, foi ele quem me ensinou uma outra coisa:
usar o ampliador para medir os tamanhos dos orifícios usados nas câmaras
de latinha. Com uma folha de sulfite, uma régua plástica transparente e um
lapis é muito fácil calcular o tamanho de um orifício em um ampliador. Basta
posicionar a régua no porta-negativos e com a lâmpada ligada fazer dois
riscos que equivalem a um milímetro. Depois troca-se a régua pelo alumínio
com o furo e mais dois riscos onde se projeta o círculo no que equivale ao
seu diâmetro. Com a própria régua agora se comparam as duas distâncias
rabiscadas no papel e por regra de três se chega ao tamanho do orifício.
Essas duas dicas subvertem a funcionalidade da ferramenta fotográfica. O
ampliador é feito para ampliar e não para medir. O darkslide é feito para
esconder e não para mostrar.
66
Papel em rolo
Em março de 2000, quando eu viajava para o FotoFest em Houston, Texas,
encontrei em uma lojinha de material fotográfico um rolo de papel velho,
vencido e abandonado – 9m de Polycontrast II Rapid RC da Kodak, largura de
1m. Cinco dólares e adquiri a caixa com marcas d`água da chuva que havia
inundado a loja no ano anterior.
Ainda sem saber o que fazer com
aquilo, mas entusiasmado com as
enormes possibilidades. Muitas
coisas interessantes já haviam
passado por minhas mãos, mas um
rolo de papel era uma coisa nova
até para mim, e a idéia de criar uma
imagem enorme me veio a mente.
Eu usava os outros papéis que
me eram dados da maneira como
vinham, não cortava, nem refilava,
usava cada centímetro como era
originalmente. Observei isso no dia
em o rolo veio parar na minha mão.
Olhei para aquele rolo e pensei em
continuar a fazer o mesmo de sempre. Fiz disso uma regra, me desafiando a
encontrar uma saída. Meu trabalho não tinha um tamanho determinado. Me
pareceu lógico, me pareceu um percurso interessante. Me pareceu besteira
ter um pedaço de papel tão grande e dividí-lo em pedaços menores sem
tanto impacto.
Tinha uma certa urgência, minguava o meu tempo de fazer a foto no Brasil.
Planejei bastante a ampliação da imagem para que acontecesse em Maio
de 2000. A operação que levaria uma noite inteira. Para revelar a imagem
criei uma pequena piscina com pedaços de plástico na minha sala de estar.
Usei Dektol reutilizado do laboratório de um amigo e plástico do lixo do
meu trabalho. A imagem em preto-e-branco mostra todos os defeitos do
papel velho e as marcas criadas pela revelação irregular, fiquei cativado pelo
resultado obtido, o fazer foi alucinante!
A maneira como a imagem surgiu na época foi cheia de mistérios para mim.
O rolo, ainda na loja onde eu o encontrei, me parecia uma raridade, uma
iguaria sem comparação. Não era nada daquilo que eu estava acostumado a
usar. A mente começou a buscar algo que combinasse com aquilo. Folheando
negativos cheguei a pensar em fazer uma enorme ampliação de imagens da
água escorrendo pela sarjeto de uma rua na Vila Madalena. Pensei em juntar
imagens da sarjeta e da água, lado a lado, remetendo à própria continuidade
da calçada da rua paulistana, o papel é longo, distância a ser percorrida.
Trabalho. Criar uma imagem enorme de uma mera sarjeta, a a água límpida
que o paulista joga fora. O fato é que a página desses negativos estava junto
a outra, tomados no mesmo dia, no mesmo lugar, no mesmo tipo de filme.
Idéias. A água que passa pela sarjeta, suas curvas. Ou uma parede vazia,
uma escada que leva para baixo, uma luz que entra pelo lado. Optei pela
parede aparentemente vazia para ampliar nesse papel, sem cortar o rolo.
Auto-retratos, fotos de uma caveira e de uma escada que leva para o escuro.
Hoje percebo que optei por levar a mensagem sobre o lixo e o desperdício
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adiante através dos materiais e equipamentos e nas imagens carrego alguém,
sempre, oferecendo minha visão sobre essa vida desse alguém.
Nem tive tempo de olhar com calma o meu primeiro rolo de papel
fotográfico, ele ficou guardado e eu fui embora.
A composição das oito imagens parece uma estrutura de soneto talvez, algo
como A-BBB-C-DDD, tentei repetir essa estrutura quando fiz a imagem de
meu pai em papel de rolo. Acho que acabei fazendo algo como AAA-B-CCC-D.
Não faz diferença. As imagens da foto dele nasceram de dois rolos de filme,
um quando ele tentava consertar uma lente para mim, e um outro quando
fomos ao topo de um morro fotografar uma vista panorâmica do bairro de
Itaipu em Niterói.
Ao chegar lá e estar longe de casa senti saudades de São Paulo. Já não
era mais carioca, não gostava mais do Rio. Não morria de amores por São
Paulo, mas ali me sentia seguro. A música do Ira! fez mais sentido. Nostalgia,
urgência. Na verdade, urgência era a palavra de ordem nesse tempo. Ouvia
Rappa, ouvia Cazuza, ouvia aquelas músicas gritadas, desesperadas. Queria
encontrar um novo caminho, tinha medo de parar de trabalhar.
Experimentos em cores
Logo que cheguei ao Canadá comecei a fotografar com alguns filmes
coloridos que eu havia levado e lá pelas tantas tinha 7 filmes para revelar:
uns Velvias expostos em EI 64, uns filmes de cinema (que eu nem sabia
como revelar) e um Kodak SO-279 (um filme para fazer diapositivos a partir
de negativos coloridos, balanceado para tungstênio e para velocidades
bem baixas) exposto em EI 12. Consegui um kit da Agfa para revelar filmes
compatíveis com o C-41. É um kit desses com várias garrafinhas de químicos
em partes A, B, C, etc. O kit era para fazer 500ml e segundo a embalagem só
servia para 6 filmes, revelados de dois em dois com tempos progressivamente
maiores. Porque não revelar os 7 filmes que tinha?
Dilui o revelador e o fixador para 1500ml para poder usar o tanque de 8
espirais e fazer tudo de uma vez só. Imaginei que os filmes slides responderiam
bem a química colorida bem diluída. Para compensar pela diluição excessiva
aumentei o tempo em 50%. Ainda elevei a temperatura aos 38 graus centígrados
pedidos na bula do
revelador.Agitei o tanque
de inox continuamente
por 6 minutos. Mantive
o banho estabilizador
com 500ml.
Os filmes de cinema, que
já vieram rebobinados,
provavelmente
por
subexposição
ficaram
bem
suaves,
as
tentativas de fotografar
com ele foram feitas em
EI 200. Provavelmente EI
25 seria o mais indicado,
alguns
fotogramas
superexpostos
por
71
engano ficaram lindos. Confesso que o carvão que recobre os filmes de
cinema me assustou, mas logo descobri que ele saia facilmente com a ajuda
de uma esponja molhada. Os filmes positivos responderam bem à química
“batizada”. E o SO-279 que é para ser usado com química C-41 veio bem
vermelhão, já que eu tinha usado luz do dia para fotografar com ele.
Depois dos filmes secos resolvi ampliar algumas fotos num papel Kodak
Supra II vencido. E a única química de processos coloridos que eu tinha
eram esses banhos usados para revelar os filmes. Experimentei um pouco de
revelação seletiva usando um pincel para espalhar a química na superfície
do papel. Expus as imagens num ampliador pb comum sem filtragem alguma.
Os tempos variaram entre 5 e 12 segundos. Então passava o papel para uma
bandeja seca e começava a espalhar a química sobre ele no escuro total.
Depois de molhar o papel com revelador esperava em média uns dois minutos
no escuro antes de acender por uns dois segundos a luz de segurança (âmbar,
para pb) e averiguar o que havia ocorrido. Se a cópia estivesse mais escuro
que a bandeja branca, imediatamente derrubava algumas gotas de bleachfix nela e espalhava com outro pincel. Se a cópia ainda não estivesse densa
o suficiente apagava correndo a luz de segurança e pincelava mais vezes a
cópia com o revelador usado, aguardava mais um tanto e dai então partia
para o bleach-fix. Depois era lavar e secar como de costume. Bom, o kit que
era para revelar 6 filmes já havia revelado 7, mais umas 8 cópias 20x25cm e
umas 5 30x40cm... quando me cansei.
Filmes tão velhos que hesitei
O fotoclube de uma cidade onde morei no Canadá era no mínimo interessante:
encontros e projeções aconteciam em uma igreja, um monte de gente, mas
um papo muito careta. Competições, muitas competições. Fui convidado a
participar de algumas reuniões e ver no que dava. Já na segunda conheci
um cara que tinha na mala do carro
uma caixa cheia de cacarecos que ele
ia devolver para um outro figura que
também estava lá na reunião. Acabei
conhecendo esse figura e perguntei
se ele não tinha nenhum filme velho
naquela caixa que ele quisesse se
desfazer. Não deu outra, apareceram
5 tubinhos pretos com tampa cinza da
Kodak. Eram 5 rolos de Ektachrome
bem antigos, com o design original
dos rolos de slide. Quatro rolos de
Ektachrome 160T (filme balanceado
para tungstênio, EI 160) e um rolo
de Ektachrome 400 (filme daylight EI
400).
A época do filme ficou logo clara
pela aparência da bobina, duas cores,
listrada e pelo formato da ponta de filme. O filme 35mm chegou à fotografia
graças à Leica e por causa do sistema de carregamento do filme dessas
câmaras, o estreitamento na ponta do rolo era mais extenso. Diferente dos
filmes modernos que tem uma diminuição da largura na primeira polegada
72
do rolo, para que seja encaixado no carretel que puxará o filme, os filmes
anteriores ao início dos anos 80 tinham essa diminuição da largura nos
primeiros 10 a 12 cm. Isso facilitava a troca de filmes na Leica e ao mesmo
tempo protegia a cortina das câmaras de ser cortava pelo filme quando esse
era carregado na máquina.
Usar ou não usar esse tipo de filme? Filme colorido, provavelmente com 25
ou mais anos de existência. Será que serve para alguma coisa? Guardei um dos
rolos de lembrança e joguei os outros 4 na bolsa e fui para a rua. Fotografei
quase tudo com daylight apesar do balancemento dos filmes, mas fiz algumas
fotos com iluminação de tungstênio também. Fiz séries de exposições com
o mesmo assunto para que
pelo menos uma das fotos
tivesse a exposição correta.
Variei velocidades, variei
tipos de luz: contrastada,
suave.
Pensei
bastante
para
decidir como revelar esses
filmes. O processo indicado
para eles pelo fabricante é
o E-6, processo para filmes
positivos coloridos. Eles
poderiam ser revelados
para gerar um negativo
através do processo C-41.
Acabei achando que seria
uma boa tentar o processo
indicado, mas decidi pedir
ao laboratório que puxasse
o filme, ou seja, desse
um tempo de revelação adicional, o que aumenta um pouco o contraste.
O resultado foi 4 filmes em branco: o véu, a velatura natural que ocorre
nos filmes com o tempo foi tanta que quando houve a reversão o filme
perdeu toda a densidade. A puxada que a princípio parecia ser idéia boa
acabou só piorando a situação, tornando o véu mais forte, o que “cobriu” as
imagens. Algumas imagens são visíveis no filme EI 400. Mas é só, ainda assim
apareceram vários pontos vermelhos nesse filme e eu não sei porque.
Todos os meus sonhos de cores psicodélicas viraram um monte de pontinhos
vermelhos que a gente quase nem vê.
Portugal Notícias
Conheci um espanhol chamado Antonio no Canadá. Ele já viveu 5 anos no
Piauí, deu umas voltas por ai e foi parar lá. Ele tem uma gráfica e edita
o jornal Portugal Notícias para o qual eu também escrevia. A Prom-Art,
empresa do Antonio, existe já há um bom tempo e já passou por boa parte
da evolução do processo de impressão em off-set. Hoje em dia eles não
fazem mais os filmes - fotolitos - a chapa sai direto de uma máquina que
lê a imagem de uma arte final em papel. A chapa tem suporte de resina
e não dura tanto quanto a de alumínio, mas para maioria dos serviços a
durabilidade (número de cópias possíveis) é aceitável. Caídos em desuso, a
73
Prom-Art tinha uma pilha de caixa de filmes positivos e negativos e papéis
positivos em uma prateleira na salinha da câmara de processo, filmes que o
Antonio me deu.
Filmes de artes gráficas têm pouca sensibilidade e esses estavam vencidos
desde 91 ou 92,
na
sua
maioria
ortocromáticos
e
em tamanhos pouco
comuns (21x28cm,
25x30cm, 30x45cm).
Os descritivos nas
caixas não ajudam
a saber se tal filme
gera um positivo
ou negativo. Como
com qualquer outro
filme esquisito ou
vencido
comecei
alguns testes para
descobrir o que é o
quê.
Nesse época eu
estava reampliando o meu trabalho de Osasco, um monte de negativos
35mm.
Eu havia preparado química normal para ampliação (revelador de papel em
diluição 1:1, stop e fix). E estava ali no laboratório pronto para começar,
e resolvi testar uns filmes que o Antonio me deu. Posicionei um negativo
no ampliador e comecei com a primeira caixa da pilha (as caixas estavam
empilhadas de acordo com seu tamanho, a maior embaixo de todas). Um
filme tamanho 8,5x11 polegadas (21x28cm aprox.), acertei o marginador,
acertei a altura da cabeça do ampliador, foco, 7 segundos, abertura f/8
talvez, luz de segurança, peguei uma folha. Usei o velho e bom método da
saliva para descobrir o lado da emulsão, que ficou para cima (o método da
saliva é o seguinte: molhando levemente o dedão e o indicador na ponta da
língua, se esfrega bem os dois dedos, um contra o outro, até ficarem quase
secos novamente, com os dois dedos você segura uma ponta do filme e tentar
soltar logo em seguida, prestando atenção para qual lado do filme mais
adere aos dedos, o lado mais aderente tem a gelatina). Disparei. A imagem
apareceu como se fosse a de
uma cópia em papel fotográfico.
O filme era negativo. Repeti isso
com outros 6 negativos, noite a
dentro. Lavei todas as folhas,
fossem boas ou ruins, testes
e etc. Deixei tudo secando
enquanto fui descansar.
No
dia
seguinte
tentei
imaginar uma saída para as
imagens positivas penduradas
no laboratório. Se eu tentasse
uma prova de contato numa
74
folha de papel a imagem sairia negativa. Pensei em repetir o processo,
fazendo contato em um outro pedaço de filme idêntico e obter um negativo,
para depois contatar em papel fotográfico. Desci ao laboratório, preparei
tudo como no dia anterior e comecei a fazer os contatos. O que acontece
é que o filme é bem contrastado e esses negativos que eu estava criando já
não tinham mais nenhum meio tom. Não achei que isso fosse visualmente
interessante para esse trabalho. Decidi parar um pouco. Apaguei as luzes e
fui investigar o que havia dentro de cada caixa e cada envelope vindo do
Antonio: achei um tanto de papel num dos sacos pretos sem caixa. Tirei
uma folha, sob a luz de segurança, pus sob um dos positivos criados no dia
anterior, expus por uns 10 segundos no ampliador, meti na química. Papel
positivo (!?).
Contei o número de folhas: 15. Fechei o envelope, acendi a luz. Parei
tudo para repensar. Era pouco papel para fazer besteira. Sentei na mesa de
luz com meus 7 negativos tamanho carta (o tamanho dos negativos era o
tamanho do papel carta ou letter).
Na cabeça lembranças da Fátima, do que ela me escrevia, de como me
incomodava, das aulas que a gente tinha tido com a Ângela Di Sessa... Fui
buscar estilete, caneta, álcool, tesoura, fita adesiva e todos os positivos e
negativos que tinham ficado ruins também. Tesouradas, estiletadas, riscos,
arranhões, rabiscos e sabe-se lá o que mais. Juntei tudo com fita adesiva.
Voltei para o laboratório, mas dessa vez misturei um pouco do revelador
que eu havia trazido lá do Antonio, era um revelador para alto contraste.
75
Fazer contato num papel positivo é engraçado, você tem que lembrar
que a exposição afeta a densidade inversamente e não diretamente como
estamos acostumados. E que qualquer parte do papel que ficar sob as abas
do marginador ficará preta. Bom, as exposições ficaram em torno dos 8
segundos em abertura f/8. Revelei os papéis por um minuto e meio num
revelador que deve ser próximo ao D-8 (um revelador bem alcalino, ou seja,
bem potente).
Essa foi a primeira vez que retomei um trabalho que eu achava que já
estava terminado. Até hoje questiono o que mudou, da primeira impressão
para essa com os materiais de artes gráficas. Acho que muito se perdeu do
documento e não sei se a nova forma do trabalho trouxe outro tanto de
volta, mas acho que sim. O trabalho perdeu em detalhes, mas ganhou em
força, contraste, vontade. A mensagem é mais visual, depende menos da
legenda e isso se tornou muito importante para mim ao longo do tempo.
Curioso retomar logo o trabalho, Osasco, que me tinha desmontado por
completo alguns anos antes.
Riscos
Durante uma aula de laboratório na KOR no Canadá, achei espremido, entre
a base do ampliador e a bancada, um negativo 4x5” revelado e totalmente
bloqueado (preto, pretinho da silva). Joguei-o no chão e com meu sapato
sujo esfreguei contra o assoalho até conseguir vários meios-tons. Esfreguei
em dois sentidos diferentes. O negativo ficou lindo. Já a cópia proveniente
dele tinha muitas áreas brancas e apenas os riscos pretos, não tinha tanta
graça. Resolvi reproduzir o negativo em filme Kodalith. Dei origem a um filme
que tinha a mesma aparência daquelas cópias não tão interessantes. Já as
cópias em papel que vieram em seguida tinham a mesma cara do negativo
riscado original e ficaram ótimas, impressas num papel antiquérrimo, um
Polycontrast fibra vencido demais. Como os quimeogramas, esse trabalho
saiu rapidamente, já que não haviam muitas outras possibilidades de usar
aquele negativo preto. Alguns anos depois esse foi o trabalho do habitante
secreto do Fotocineclube Leme.
Mais rolos
Em dezembro de 2000 apareceu um super
desconto num rolo de papel colorido Ultra,
compatível com o processamento RA4,
com 30 metros de comprimento e 1.6m de
largura. Ao mesmo tempo ganhei de um
amigo um lote enorme de kits para processo
direto R3000, aquele para cópias em papel
a partir de cromos. Comecei a pensar e
planejar a nova ampliação e logo tive a
idéia de usar essa química estranha com o
tal papel para RA4.
Nessa mesma época ganhei também uma bobina de um filme super
estranho: LPD4 Line Film da Kodak. A sensibilidade que eu encontrei para
ele era de EI 1.5 sob daylight e a bula indica que o filme foi concebido para
reprodução de plantas e desenhos gerando um positivo direto. Comprovei,
91
revelado em processo preto-ebranco o filme gera diapositivos
monocromáticos, com bastante
contraste. Acabei por encontrar
um tempo de revelação desse filme
com Rodinal diluído em 1+70, que
dava uns meios tons adequados
ao que eu pretendia visualmente.
Comecei a fotografar nas estradas
do Canadá, enquanto ia e vinha
do trabalho. Os resultados eram
bastante contrastados. A base
era bem transparente como nos
Technical Pans. E cada vez mais
esse contraste todo e base tão
transparente me faziam crer que esses slides seriam perfeitos para ampliar
em papel negativo cor e fazer o cross-processing. Em um dia, sentei e
escolhi algumas imagens para imaginar como ampliá-las e como processar as
imensas folhas de papel. Resolvi separar alguns pedaços de 1.3 x 1.6m para
ampliar as imagens uma a uma, mesmo indo contra afirmações anteriores.
Deixei metade do rolo intocado, caso resolvesse fazer uma grande imagem
como aquela de 9 metros. Numa noite então foi feita a operação de cortar o
papel num tamanho próximo do final. Como o papel é para cópias coloridas
tudo foi feito em escuro total.
Na imagem de 9 metros cada fotograma aparecia com 80 x 120cm. A lente
50mm foi usada no ampliador que ficou sobre uma bancada, enquanto o papel
estava no chão. Para fazer imagens de 130 x 160cm eu montei uma bancada
ainda mais alta, levando o ampliador a encostar no teto. Ainda assim, com a
lente 50mm a imagem continuava
pequena, seria necessária uma
lente mais curta que oferecesse um
maior coeficiente de ampliação. A
solução foi posicionar a 35mm/2 AF
da Nikon, minha lente de trabalho,
apoiada sobre o lensboard do
ampliador. Com a menor distância
focal dessa lente a imagem ficou
bem maior e consegui alcançar
o tamanho desejado. As lentes
usadas para fotografia podem ser
usadas na ampliação de fotos bem
grandes. É uma espécie de atalho
para quem não dispõe de uma
lente específica para ampliações
grandes. O ideal seria uma lente
para ampliador que seja indicada
para ampliações de 40-60x.
Para que o papel ficasse na
posição correta no chão, espalhei
pelo carpete alguns pedaços
de madeira, que teoricamente
92
ficariam no lugar. Isso serviria
como uma espécie de marginador
para
posicionar
o
papel
adequadamente: sob a lente e
sob a prateleira. Note o tempo
verbal das últimas duas frases.
A posição do ampliador também
era importante, para que a foto
mantivesse a sua característica
retangular: o nível da prateleira
e o do porta-negativos foram
checados várias vezes enquanto
eram feitos os preparativos
para a ampliação. A exposição
do papel ficou em torno dos 30
segundos apesar do tamanho
enorme da foto. Os diapositivos
feitos com LPD4 têm áreas bem
transparentes. Não fiz teste para
descobrir a exposição correta do
papel, prefiri arriscar com as 4
primeiras fotos do que ter que
misturar química só para o teste...
preguiça. Pela preguiça também foi cancelada toda e qualquer tentativa de
corrigir ou filtrar a cor da imagem. A idéia sempre foi deixar a cor brotar
por si só. Assim aconteceu. Com isso pelo menos consegui manter uma certa
unidade entre as fotos, já que todos os slides tinham a mesma tonalidade
puxando para o sépia.
Expostas as 4 imagens e transferi o papel para outro ambiente escuro.
Preparei o laboratório para a sessão de revelação. Posicionei as canaletas sobre
a bancada e antes de sequer abrir as garrafas da química liguei o exaustor e vesti
tanto a máscara contra gases quanto as luvas de latéx. A máscara contra gases
foi escolhida entre muitas outras disponíveis aqui nas lojas de construção:
das que eu encontrei era a única recomendada para uso com amônia. Quando
uma quantidade enorme de papel leva muito revelador para dentro do
fixador ocorre um odor insuportável da amônia devido a contaminação, dai
o cuidado na escolha
da máscara.
As minhas canaletas
eram de filme de
polietileno incolor e
transparente (o famoso
“plástico”)
numa
pequena estrutura de
madeira. O polietileno
era preso com as
mais que conhecidas
tachinhas! O tamanho
de
cada
canaleta
foi medido para ser
suficiente para que eu
93
pudesse desenrolar e enrolar
o papel fotográfico dentro da
química.
A química em solução de
estoque foi novamente diluída
para solução de trabalho com
água em torno de 60 graus
centígrados: eu queria um
processo bem rápido. E cada
banho ficou com um volume
total de 4 litros.
No escuro total, com luvas,
máscara e um óculos contra
possíveis respingos de química,
banhei as 4 folhas, uma por vez.
O processo R-3 possui 4 banhos: primeiro revelador, interruptor, revelador
de cor e branqueador-fixador. Depois de passado um minuto dentro do
revelador de cor (terceiro banho) as luzes do laboratório podem ser acesas.
Com as imagens fixadas era hora da lavagem. Aproveitei que o trabalho já
estava no fim e lá fui eu e as cópias para o chuveiro!
Depois que as cópias secaram estendidas sobre o carpete da casa elas foram
refiladas com estilete. No claro, com toda a iluminação necessária os cortes
ficaram muito melhores.
Como
as
altas luzes da
imagem ficaram
muito
fracas
é possível que
tenha ocorrido
superrevelação
ou
mesmo
superexposição
do papel. Talvez
a idéia de usar
água a 60 graus
centígrados
não tenha sido
a melhor de
todas. Os tons
verdes e azúis
das fotos são
os
resultados
da combinação
d e s s e
determinado
papel com aquele determinado lote de química velha e todos os outros
“erros” cometidos por mim naquela noite. Não há como reproduzir isso com
outros materiais.
As imagens eu registrei enquanto dirigia. Ali no carro, minha mente era só
minha. Ali eu não precisava pensar em embalagens, nem decifrar o que outros
falavam para mim nessa língua estrangeira. Nessa hora eu fotografava feliz
103
da vida, descobrindo como apareciam em filme os tons diferentes dos dias
nublados com a terra coberta de neve. Muita luz, era o que eu encontrava
por ali. As cores que eu criei não existiam, pelo menos naquele no país,
nem no filme. As cores me foram dadas por alguém que achava que aqueles
químicos eram lixo. O alto contraste me deliciou. As texturas canadenses
eram intensas, mas elas se perderam com o filme de ISO tão baixo - as fotos
tremeram todas. Pena! Fica a lembrança da sujeira na neve que beira a
estrada, na grama durinha congelada. Rappa:
“Eu sou guerreiro, vou encarar
com fé em Deus e na minha batalha...”
Cadeiras, objetos que visam o suporte
Na cidade onde morei no Canadá, havia um comitê que dava assistência
às pessoas HIV positivo da região. Esse comitê organizava anualmente um
leilão para arrecadar fundos. Artistas doam obras e o resultado do leilão
é revertido para o comitê. O tema proposto para os trabalhos era sempre
a cadeira, simbolizando suporte. Às vezes um tema definido, como o das
um lote da época em que vinha embalado na lata de metal amarelo). Depois
dos negativos processados e secos comecei a cortá-los com tesoura mesmo,
sem perdão, os arranhava com estilete, faca, lixa, ou qualquer outro objeto
ao meu alcance, alterando a transparência, removendo prata, adicionando
sujeira. Com fita adesiva comum e pedaços de poliéster transparente,
sobre a mesa de luz, fui juntando os retalhos e criando outros negativos
de tamanho similar ao 6x6. Os pedaços de poliéster serviam para dar uma
base para o negativo, inclusive para evitar o manuseio excessivo da área da
imagem e a fita adesiva adicionava uma transparência diferente ao negativo,
ao mesmo tempo que guardava pelos, poeira e às vezes até alguma bolhas.
Tentei sempre usar o Neopan e manter a revelação consistente para que
os negativos, quando juntos numa montagem, possuissem uma densidade
semelhante, com a intenção de manter a exposição da cópia o mais simples
possível. Ainda assim foram necessárias algumas máscaras de papel para
queimar e proteger aqui ou ali. De cada negativo criado foram feitas duas
cópias – a edição limitada visava ajudar ainda mais com o resultado do
leilão - e depois os negativos eram desmontados e algumas de suas partes às
vezes usadas em outros negativos criados mais tarde. As cópias foram feitas
em papel Ektalure superfície H, revelado em revelador D-8 super diluído.
Tentei reproduzir a técnica do lithprint com o D-8. Superexpus o papel no
ampliador e depois revelei por meia hora. Algumas cópias passaram por um
banho rebaixador e foi só. O efeito ficou semelhante, mas depois modifiquei
o revelador que eu usei para a série.
Em 2004 voltei a ampliar essa série, em tamanho menor, criando várias PAs
para oferecer de presente a alguns amigos. Achei um bilhete escrito para a
menina do 203 em fevereiro de 2005, de onde extraio a seguinte passagem
que se refere a uma imagem dessa série:
“para mim ela é lixo de todas as formas. As cadeiras ficavam ali abandonadas
nesse galpão, cobertas de poeira, sem ninguém sentar nelas. Eu até levei
umas para casa e elas me acompanham até hoje. (...) e acho que no fundo
fiz isso porque na hora, as cadeiras não eram tão importante para mim.
Ingenuidade minha. E sorte, eu diria.
Eu fico maravilhado com esse tipo de possibilidade: reconstituir a vida em
um monte de coisas
quase mortas.”
cadeiras, facilita a experimentação com novos materiais. Um tema simples
como esse permitiu uma dedicação maior às descobertas com materiais de
artes gráficas. Logo me propus a doar uma imagem e comecei a fotografar
várias cadeiras abandonadas pelos galpões da fábrica onde trabalhava.
E foi pensando nas coisas que o Eustáquio faz que consegui introduzir no
meu dia-a-dia os materiais de artes gráficas que foram aparecendo, quer
dizer, o trabalho dele me mostrou uma maneira de usar esse tipo de material
dentro do laboratório. Criei negativos 35mm em filme preto-e-branco Neopan
400 vencido desde 1995, revelado em D-76 (só usei D-76 porque esse era de
104
Fiquei
tranquilo
mesmo quando anos
mais tarde, batendo
um papo com o
Eustáquio, descobri
que ele também vai
guardando pedacinhos
e sujeiras de prata
para preencher alguns
cantos aqui e ali na
imagem montada. Se
eu era um louco, não
estava só.
105
Outros rolos
A imagem de março de 2000, com 9 metros inaugurou uma série: Plural.
A Plural II nasceu da reciclagem em primeira instância. 2002 foi o ano da
reciclagem e no Canadá há muito lixo cheio de possibilidades. Mais importante
era o conceito de ciclo da vida que se formava dentro de mim ao ver meu
filho Pedro crescer. Tudo isso se juntou em uma imagem gigante.
Um rolo de Fujitrans com 1.27m de largura e 30.5m de comprimento havia
sido doado a mim por um amigo de uma loja de fotografia. Fujitrans é um
material de display, a emulsão é semelhante à de um papel colorido, mas
a base é translúcida e tem aparência leitosa que se presta ao backlight.
Fujitrans como todo material colorido precisa de escuro total no laboratório.
A embalagem era antiga e nem data de validade tinha. Eu queria criar
um negativo comprido o suficiente para ser ampliado naquele material,
inspirado pelas idéias assimiladas na série das cadeiras, ao invés de ampliar
várias imagens de maneira independente.
Comecei a juntar numa caixa as páginas de
negativos que continham as imagens que
eu queria usar: fotos de uma máquina que
moe madeira. Juntei também uns originais
polaroid que eu queria reproduzir para usar.
Lá pelas tantas entrei no laboratório com a
finalidade de copiar todos os negativos em
filme direto (positivo) para com essas cópias
fazer a montagem, ao invés de arriscar
todo esse material original. Essa foi uma
preocupação que não tive com os negativos
das cadeiras, não sei explicar bem porque.
Copiei então todos os negativos com filme
positivo, um Duplicating da Anitec em
tamanho 24x30cm. Usei revelador de papel Multigrade para revelar essa
material e fiz todas as cópias por contato, exatamente como se estivesse
fazendo um contato dos negativos em papel fotográfico. Os negativos
copiados ganharam algum contraste e passaram a estar sobre um filme com
uma base bem mais transparente: isso ajuda muito nas fotos grandes, é mais
luz que passa pelo filme como um todo e reduz o tempo de exposição. Alguns
slides que estavam no meio do que deveria ser reproduzido foram copiados
num outro filme, só que negativo. Os originais polaroid foram reproduzidos
em Technical Pan, revelado em D-76 para acompanhar o contraste mais alto
dos outros negativos.
Cortei uma tira de filme de polyester com 71cm de comprimento e
10cm de largura. Risquei duas linhas de um extremo ao outro, com 3cm
de distância uma da outra. Segundo meus cálculos esta deveria ser a área
do negativo – imaginando as dimensões do Fujitrans, a lente que eu usaria
para a ampliação e distância necessária entre o ampliador e o Fujitrans. Na
verdade, nessa altura eu já tinha vários esquemas e desenhos de como faria
a sessão de ampliação dessa imagem inteira. Pensava em usar minha 35mm
Nikkor-PC no lugar da lente do ampliador e portanto tinha calculado que a
tal lente precisaria ficar a 1.48m de altura do chão: assim os 3cm de largura
do negativo se tornariam 1.27m e os 71cm nos tais 30.5m. Cálculos, cálculos,
eles me davam uma idéía do que ainda teria pra frente de preocupação.
123
Meu maior medo era a frustação de perder um papel desses. Cada passo
era imaginado de olhos fechados e anotado. A imagem, sua construção em
negativo, isso era mais tranquilo de superar no claro. Ver a imagem final
seria tão diferente de olhar para o contato de 78cm, o que eu poderia fazer?
Eu não sabia o que seria uma imagem daquele tamanho.
Com a tesoura separei os pedaços de negativo que me interessavam nas
folhas de filme 24x30cm. Com estilete criei alguns arranhões, suavizei os
cantos e fui montando a minha história. Após os primeiros 50cm cheguei
a fazer um contato em papel fotográfico comum, olhei o resultado, deixei
passar um mês e depois continuei até terminar.
No meu diário de laboratório reli o que tinha escrito durante as outras
ampliações gigantes e lembrei de várias coisas que precisariam estar prontas
antes do apagar das luzes. Acho que foi logo cedo que aprendi que uma
vez que se começa algo como isso, no escuro total, não tem como parar.
Imaginava empilhar duas mesas e sobre elas o ampliador pendurado na
lateral. Tinha de ser capaz de fazer caber a lente 35mm dentro do fole do
ampliador, já que não haveria encaixe possível da maneira habitual. Tinha
que criar um sistema para desenrolar o papel na quantidade certa para
cada uma das 15 exposições previstas. Queria deixar alguns centímetros de
Fujitrans virgem na ponta do final, para assinar a cópia com um contato do
negativo inteiro. Revelar a cópia ainda era algo muito distante, no fim da
sessão de ampliação a idéia era enrolar tudo e recolher a bagunça, dai mais
um mês de planejamento antes de pensar em químicas. Uma coisa que me
pareceu muito importante era começar a ampliação de trás para frente. Na
imagem Plural I as últimas duas fotos estão meio truncadas, mas isso não
havia sido planejado. Dessa vez começando de trás para frente, as fotos que
terminam a história teriam seu espaço garantido, dai o punch da imagem,
enquanto o início fica a critério do comprimento do papel e deixa de haver
problema em cortar um pedaço do negativo.
Toda a sessão de ampliação ficou esquematizada para acontecer durante
a noite. Não só a quantidade de luz que possivelmente entraria na sala do
apartamento – onde havia mais espaço – era menor, quanto o movimento da
casa e a possibilidade de interrupções diminuiam. As janelas foram fechadas
com cortinas opacas e o corredor que dá para os quartos também. Chegado o
dia de expor o Fujitrans os preparativos começaram logo no início da tarde.
Tirei alguns móveis da sala e os escondi pelo resto da casa. Posicionei a mesa
com espaço para o rolo
de material fotográfico
à sua frente e sobre essa
mesa uma outra menor.
Usei fitas de nylon com
fivelas para segurar uma
mesa na outra. Sobre
a mesa superior com a
ajuda de sargentos fixei
uma grande tábua que se
projetava sobre o espaço
na frente da mesa e sobre
a tábua o ampliador com
a coluna virada para trás.
Vários livros funcionaram
124
de contra-peso sobre a tábua. Quando a lente atingiu os 1.48m, a imagem
que era projetada tinha os exatos 1.27m de largura. A lente 35mm Nikkor-PC
usada nesse dia - que normalmente é usada em câmara fotográfica para fotos
com controle de perspectiva - tinha uma grande vantagem que era uma área
de cobertura da imagem maior do que o negativo 35mm (24x36mm) e a área
que eu pretendi ampliar por etapa era de 30x45mm. Inseri a lente dentro
do fole de plástico do ampliador Meopta 6x6, já deixando o diafragma em
abertura f/8.
Durante a noite com as luzes já apagadas, comecei a projetar a imagem
do negativo sobre o carpete da sala para decidir qual seria o tempo de
exposição necessário. Nunca havia usado nada semelhante a esse material
fotossensível, mas de qualquer maneira decidi que usaria 5 segundos para
boa parte da foto e em algumas áreas 10 segundos. A escolha do tempo foi
completamente intuitiva, mas baseada
em algumas anotações também: eu
acreditava que o branco seria essencial
nessa imagem e como o material era
translúcido imaginava que o backlight
poderia ficar esquisito com uma
imagem muito escura, por isso talvez
um tempo aparentemente tão curto,
O tempo curto na ampliação também
se explica pela revelação muito longa
devido a todo o trabalho de desenrolar
o papel inteiro até que ele fique todo
molhado. Abri a caixa do material e
desenrolei o suficiente para a primeira
exposição. Usei as duas partes da
própria caixa do papel para segurar
as duas pontas, evitando assim que
ele enrolasse de novo. Expus o fim da
imagem primeiro, já deixando aquela
pontinha para o contato no final.
Após a primeira exposição enrolei a
ponta de volta para perto da parte
maior do rolo, voltei a cobrir com as
duas metades da caixa e com um pano
preto. Liguei o ampliador e movi o
negativo observando o que já havia
sido ampliado até posicioná-lo para o
próximo fragmento, desliguei o ampliador. Carreguei o rolo maior e a ponta
enrolada para o outro lado da sala, e de lá desenrolei o material sob o
ampliador. Uma parte virgem, sendo que a ponta já exposta ficou sob uma
das metades da tal caixa. E dai em diante continuei repetindo o mesmo
procedimento (o esquema ao lado é um pouco elucidativo). Acho que o mais
complicado dessa parte toda foi encontrar a posição correta para o negativo
dentro do ampliador, para que as imagens estivessem próximas de ter uma
continuidade, ou seja, não ficassem tão separadas ou sobrepostas. Tive que
tomar cuidado também com a coordenação do movimento do papel e do
negativo para que a imagem aparecesse na sequência certa. Como já tinha
imaginado o rolo de 30m de Fujitrans era bem pesado para ficar levando
125
de lá para cá noite adentro. Durante todo o processo que ocorreu nesse
dia, cada vez mais eu me perguntava como seria a revelação. Isso era uma
preocupação cada vez menos distante. Terminei todas as ampliações e voltei
o rolo para o fim da imagem (onde eu havia começado) e lá fiz o tal contato
do negativo. Embrulhei o rolo no plástico preto onde ele veio, reposicionei
as pontas de isopor e mandei tudo para dentro da caixa comprida e bege da
Fuji.
Nessa altura dentro da minha cabeça havia uma discussão enorme. Por falta
de experiência, eu não sabia porque a falta de uniformidade nas minhas
fotos grandes anteriores: ausência de pre-wet (molhar todo o papel antes de
iniciar a revelação) ou pouca química em tanques de formatos irregulares.
Tentei encontrar um laboratório na cidade que possuisse uma pia de aço inox
que eu pudesse transformar em tanque de revelação, mas depois de várias
tentativas não foi adiante essa idéia, ou seja, me restava só a banheira da
minha casa, que apesar do fundo irregular pelo menos tinha o comprimento
necessário para o papel entrar de lado: 1.3 metros. Se não podia tentar um
tanque de revelação mais convencional, estava pelo menos certo de fazer
um pre-wet do rolo inteiro antes de iniciar a revelação. Isso devia pelo
menos remover um tanto daquele pigmento azul que vem nos materiais de
ampliação colorida e que eu não queria definitivamente preso a minha cópia
gigante. Comecei a juntar química colorida: revelador RA-4 em quantidade
suficiente para fazer 7.6 litros de reforço, tinha umas garrafas de química
soltas numa caixa (eram
partes As ou Bs de reveladores
coloridos ou para XP2 da
Ilford, pelos rótulos ali havia
bastante álcali, carbonato de
potássio, eu usaria para deixar
o processo mais rápido), 5
litros de concentrado de
reforço para branqueador,
umas garrafas de fixador para
E-6 (tiossulfato de amônia),
umas outras da marca Beseler
de fixador RA-4 (tiossulfato
de amônia também). Separei
também luvas de latex e
a minha imbatível máscara contra gases. Tomei notas de todas as idéias,
lembranças, tudo. Lia e relia o que havia escrito sobre a revelação da foto
de 9m, imaginava o que seria diferente agora que revelaria um material
colorido.
Meses se passaram. Em um dia fechei as janelas da casa, portas, havia o
mínimo de luz chegando à porta do banheiro, mesmo assim vedei com panos
pretos e o que mais me apareceu na mão. Dentro do banheiro havia a caixa
contendo o rolo a ser revelado, minha máscara, óculos de segurança, panos,
pedaços de plástico (filme de polietileno), lanterna (se tudo mais falhar),
química, balde, graduados, etc. Misturei a química do revelador no balde
já na temperatura certa: bem quente. Tirei o rolo da caixa e o deitei na
banheira, abri o chuveiro e comecei a desenrolar e reenrolar o Fujitrans
debaixo d’água. O rolo inteiro levou alguns minutos – e já foi exaustivo
comigo debruçado dentro da banheira, de joelhos no chão do banheiro.
126
Tinha construído um suporte para que o Fujitrans ficasse mais reto no fundo
da banheira, mas não funcionou e logo não usei. Escoei a água do prewet e
voltei a tampar o fundo da banheira. Virei o balde com o revelador dentro da
banheira! Novamente reenrolei todo o Fujitrans. E foi então que percebi a
primeira coisa que me faltava: algo que protegesse as minhas mãos, porque
eu segurava o rolo pelas pontas e ali os cantos do filme são bem afiados e
cortavam a palma da minha mão! O importante era não parar no meio da
revelação.
Depois de todo o Fujitrans exposto à química deixei passar mais um
minuto e tanto e abri o chuveiro e destampei o ralo da banheira. Tornei a
reenrolar todo o material para que a água retirasse o máximo dos resíduos
do revelador.
Não era viável enrolar e desenrolar o Fujitrans para garanti que a revelação
fosse uniforme em todo o rolo, logo não me preocupei. Durante a parte
de planejamento eu havia calculado que a área que eu conseguiria revelar
com a quantidade de química disponível era menor do que a área do rolo.
Eu contava com o fato da química ficar presa dentro do rolo, assim apenas
a química presa fica exausta e o resto da banheira permaneceria útil
até o fim da revelação. De certa maneira isso servia também para evitar
super-revelação que poderia acabar com os brancos da imagem final. Não
realizei outra imagem nas mesmas condições para fazer a comparação, mas
consegui uma uniformidade muito boa na densidade da imagem de 38.7
metros quadrados, acredito que em função do pre-wet e desse método de
processamento que conta com a exaustão apenas da química que fica presa
dentro do rolo.
Depois da foto lavada voltei a tampar o ralo da banheira, enchê-la de água
e comecei também a despejar os concentrados de fixador. Resolvi não usar
o bleach (branqueador) porque apesar da imagem ter boa densidade sob luz
refletida, fiquei com medo da imagem aparecer muito clara com backlight.
Achei melhor então deixar a prata metálica depositada sobre o material
bloqueando um pouco mais a luz, apesar de perder a possibilidade de ter
cores mais vivas. Em um ato de loucura eu até poderia tentar branquear a
imagem mais tarde. Nessa
altura abri uma fresta da
porta deixando alguma
luz entrar para poder ver
melhor o que eu fazia.
Reenrolei o rolo duas
vezes, dando um tempo de
fixação bem longo, até o
banho ficar verde (sinal de
esgotamento do fixador).
Comecei a drenar o fixador
e encher a banheira com
água limpa para lavar a
cópia.
Com as minhas notas
sobre a secagem do rolo de
9 metros lembrei que pude
deixá-lo de pé e enrolado como um caracol sem se tocar, da noite para o dia,
para que secasse. Logo que tirei o Fujitrans da banheira percebi que ele era
127
muito maior, mais pesado e mais mole! Coloquei um pedaço de polietileno
sobre o carpete da sala e ali deitei o rolo enxarcado. Enquanto não desenrolasse
o filme ele não secaria. Começando às 3 da tarde puxei a ponta do rolo,
passei-a por sobre uma mesa e a deixei pendurada do outro lado na frente
de um ventilador.
Sequei o rolo metro a
metro e terminei às
11 da noite. Usei um
secador de cabelo
para
os
lugares
mais
molhados.
Acho que tive sorte,
de não haver um
descolamento
da
emulsão,
porque
essa secagem tão
demorada
não
estava nos planos.
Trinta metros de
fotografia é muita
coisa. Por isso essa
imagem só foi aberta
por completa uma única vez, no MAM de São Paulo, em 2005. No chão, em
um dia em que o museu estava fechado ao público. Depois nunca mais vi
a imagem toda aberta. Já pensei diversas vezes em cortá-la em duas, até
três. Ou diminuí-la. Quem sabe isso a faria mais fácil de ser exibida por ai.
Os pedaços iam perder o sentido do todo. Não que o sentido do todo seja
uma coisa assim muito planejada e inatingível. É o todo. E um pedaço seria
um pedaço.
Essa talvez seja a imagem da série com a qual eu mantenho a maior distância.
Primeiro porque de todas é a que vi menos. Na verdade, pude contemplar
todas elas bem pouco. E as poucas vezes que pude vê-las, foi muito rápido.
Adoraria ter uma em uma parede aqui. Olhar para ela, descobri-la. Mas essa
uminha é a mais complicada, seu peso é enorme, poliéster pesa mais que o
papel.
A Massa plástica sempre útil
A experiência com a Massa Plástica Iberê durante a reforma do ampliador
Durst foi muito interessante. Também naquela época, a minha Nikon 6006s
teve um problema durante uma viagem de trabalho. O gancho que fechava
a tampa traseira se quebrou, velando um filme, e o rapaz que a consertou
também usou massa plástica. Esse polímero é muito útil.
Em dois mil e tanto, a Fátima comprou uma câmara de 4x5 polegadas,
eu pensei em dar de presente uma das minhas 90mm. A câmara dela era
uma Cambo e o recuo da câmara não era curto o suficiente. O recuo é a
posição onde a lente fica mais próxima do filme e para essa lente deveria
ser menos do que os tais 90mm. Logo a câmara não possibilitava usar a lente
com um lensboard comum (plano), seria necessário um lensboard com recuo
(recessed). O lensboard com recuo posiciona a lente para dentro da câmara,
ao invés de ser uma chapa plana como o lensboard comum, ele tem uma chapa
128
que se prende à câmara e um
corpo cônico ou semelhante
que se projeta para dentro
do fole. Como fazer um para
a câmara da Faró?
Madeira seria complicado
demais. Nada cola em
polietileno,
além
dele
mesmo, sob a ação do
calor. E eu tinha muito
polietileno disponível. Logo
eu poderia fazer um molde
para o lensboard. Pensei
em usar a massa plástica.
No Canadá acabei
descobrindo que a
massa plástica só
vende como massa
de funileiro, já
que eles não usam
mármore no banheiro tanto assim.
Para o molde usei polietileno para a base e
uma chapa de acrílico de 4mm para as barreiras
e um bloco chanfrado de polietileno para o
corpo recuado da placa. Cortei as peças na
serra de bancada e montei. Para deixar um
buraco redondo para a lente, aparafusei um
tubinho desses de filme no meio do molde,
coincidentemente o diâmetro da boca do tubo
casava com o diâmetro da rosca que prende a
lente ai lensboard. Apliquei a massa com a ajuda
de um palito de sorvete, tentei espalhar bem
a massa para criar uma espessura razoável em
todo o corpo do lensboard. Sequei rápido com o
auxílio de um secador de cabelo. Com cuidado
129
retirei a peça do molde. Acertei de primeira! Depois misturei mais massa e
fiz uns retoques em alguns pontos onde a massa ficou muito fina, só para ter
certeza. Depois pintei de preto.
Depois fiz lensboards para a minha B&J Grover. Montei o mesmo molde, mas
ao invés de um bloco de polietileno chanfrado usei um pote de margarina
redondo no meio do molde. Funcionou da
mesma maneira, mas no lensboard ficou
gravado um alerta quanto o uso do pote
de margarina em fornos de microondas
que vinha no fundo daquela embalagem.
Divertido.
Na rua, na fila, no frio
A Alt Camera faliu e, em um sábado
tranquilo e gélido, a fila dos interessados
pelo saldo de fechamento dava a volta
no quarteirão, eu era o segundo da fila e
só entravam dez pessoas por vez. Nada
tinha preço, valia a negociação com os
vendedores ali na hora. Achei uma câmara de 8x10 polegadas de madeira em
estado deplorável dentro de uma caixa, negociei por 40 dólares canadenses,
uma pechincha. Levei também uma processadora de inox cheia de cestas e
outras coisinhas.
Pesquisei e descobri que a câmara era uma Agfa-Ansco Commercial, mas
para ser capaz de identificá-la foi preciso muita paciência para descolar os
inúmeros pedaços de fórmica preta que recobriam a corpo de madeira. Os
cantos haviam sido arrematados com perfil de alumínio, muitos parafusos
tinham sido usados para manter tudo isso no lugar, deixando vários furos
na madeira do corpo. A câmara havia sido preparada para trabalho em um
estúdio de retrato, imagino, ao invés de usar chapas de 8x10”, tinha uma
traseira redutora para 4x5” que era capaz de girar oferecendo possibilidade
de composição vertical e horizontal rapidamente. Só o vidro despolido que
estava montado nessa traseira da câmara superava o valor pago em todo a
compra daquela manhã, era um despolido da Sinar. Dentro do fole, escondido
atrás do lensboard havia um obturador Packard dos grandes (operado a ar)
cuja mangueira passava pelo fole e saia pela lateral da traseira. O fole, por
sinal, estava novo.
Assim que tive uma chance comecei a descolar a fórmica da madeira,
percebi que o mecanismo do shift frontal estava rachado, toda a frente
estava abalada. Percebi também que
uma peça importante estava faltando,
parte do mecanismo que mantia a
câmara aberta, em posição de uso.
Enfim, não faltavam desafios. Boa
parte do tempo que gastei com a
câmara foi mesmo retirando os restos
de cola depois de retirar a fórmica
e fechar os furos. Usei um pouco de
cera para devolver vida à madeira e
comecei a pensar como solucionar os
130
dois problemas principais.
Com dois blocos de madeira - que infelizmente não eram de uma cor
apropriada mas eram os que estavam disponíveis - reforcei a frente da
câmara e isso bastou para que pudesse extender todo o fole sem que a
frente se torcesse para trás tirando a imagem de
foco. Cortei os blocos em uma forma apropriada
para encaixar no canto entre as peças soltas
e colei o bloco no lugar. Em seguida coloquei
uns parafusos para garantir a firmeza dessa
montagem. Para o mecanismo de shift usei cola
para juntar os pedaços da madeira que haviam
se quebrado e com dois sargentos deixei secar
sob pressão.
Para manter a câmara aberta pensei em várias
saídas, mas quase todas dependiam de metais
pré-moldados de formas que não seriam de
fácil obtenção. Resolvi que a cabeça do tripé
faria essa função, já que teria que providenciar
uma cabeça para essa câmara de qualquer
forma. Consegui numa sucata um suporte para
computador touchscreen que nada mais era que uma enorme dobradiça.
Prendi uma barra de polietileno nesse suporte e fiz dois furos possibilitando
que dois parafusos se prendessem às duas pontas da câmara. Com a câmara
presa assim ela ficaria aberta e firme para a usar.
A câmara funcionava na teoria. Não havia lente, não havia traseira para
filme de 8x10 polegadas. É verdade que a era digital facilitou a busca pelas
lentes e logo eu havia conseguido algumas
que serviam para cobrir esse formato de
filme, 2 reaproveitadas do mundo das
artes gráficas (uma 209mm Raptar Copy e
uma 500mm Ektanon) e uma 264mm Cooke
softfocus que me havia sido dada por um
fotógrafo canadense que se desfez do seu
estúdio e laboratório. Cortei compensado
para os lensboards (dessa vez sem massa
plástica) e comecei a montar as lentes.
Descartei o lensboard que veio com a
câmara porque este tinha muitos furos.
Para traseira cheguei a fazer algumas
buscas por sites de leilões, mas acessórios para esse tipo de câmara são
muito raros e nada achei. Juntei alguns pedaços de madeira e comecei a
cortar. Achei alguns retalhos de acrílico
fosco em uma caçamba nos fundos de
uma loja de plásticos, o tamanho dos
retalhos não era suficiente, um amigo
me emprestou uma cola e juntei dois
retalhos para conseguir fazer o despolido
da traseira. Achei molas em uma loja de
sucata. Consegui construir uma traseira
que aceitasse o porta-filmes padrão para
o formato 8x10”. A câmara funcionou.
131
De volta no Brasil levei essa câmara e seus acessórios em três mochilas para
Paranapiacaba em uma dia bem quente. Montei a trapizonga no meio da rua
principal em frente a estação de trem e convidei pessoas para posarem para
mim. Usei filme ortocromático de alto contraste com índice de exposição
0.5 (zero ponto cinco), vencido em 1995. Esse filme me foi dado por um
casal de fotógrafos canadenses que também tinham uma pequena gráfica.
O filme estava velho e muito mal cuidado. O fato é que a base ficava muito
cinza quando revelado normalmente, o contraste não existia, se perdia. Era
muito filme e dava dó de jogar fora. Tentei vários approaches para salvar
ele e conseguir algum tipo de imagem com contraste. Um dia revelei em
dois banhos diferentes - o primeiro banho com revelador Kodalith até os
primeiros pretos e depois um revelador tipo Dektol bem diluído para dar
alguns cinzas. Isso resolveu a situação por completo e o filme ficou “usável”
e bem diferente. O contraste ficou surreal, alguns brancos completamente
bloqueados e cinzas escuros no resto da foto com muitos detalhes, pretos
carregados.
O tempo de exposição em Paranapiacaba ficou em 6 segundos e as pessoas
se divertiram tentando ficar imóveis esse tempo todo. Sobre esse ensaio
escrevi:
“Para resolver um problema técnico pedi às pessoas que se encostassem
em uma parede. Nas primeiras imagens usei uma parede que dividia a foto
em duas.”
Minha versão da Lomo Action
As câmaras da marca Lomo
sempre foram famosas por
sua péssima qualidade.
Fabricadas em algum país
da antiga União Soviética,
elas invadiram o mundo com
seus preços muito baixos.
Lá pelas tantas, a Lomo
introduziu no mercado
um modelo bem diferente
(não fosse pela qualidade
persistentemente
ruim)
que dispunha de 4 lentes
para fotos sequenciais. As
quatros imagens ocupavam
o mesmo espaço de uma
imagem normal em um
filme 35mm e portanto os laboratórios revelavam o filme normalmente dando
origem a cópias 10x15cm com quatro fotos lado a lado. Apesar da câmara
continuar quase descartável, a Lomo Action foi e é uma febre mundo afora.
Eu sempre achei a câmara interessante, mas nunca tive a oportunidade de
encontrar uma à venda.
Foi para o aniversário de um ano do meu filho que eu encomendei monóculos
de meio quadro, encomendei um cento. Esses monóculos são típicos no
Brasil e em alguns pontos turísiticos ainda é possível encontrar comerciantes
da fotografia que façam esse tipo de serviço em alguns minutos para o
143
viajante. Eu queria fazer fotos do meu filho para a família e acabei usando
72 monóculos. Os outros 28 ficaram a disposição das minhas idéias.
É necessário lembrar que os monóculos vêm desmontados: um saco com os
cones (nesse caso cor de vinho) com suas lentes e um outro saco com os fundos
difusores de plástico branco. Dispus os cones na mesa e pensando na Lomo
Action logo vislumbrei uma enorme câmara com várias lentes justapostas,
cada monóculo um pequeno fotograma ladeado por outros tantos. Me acalmei
e decidi fazer uma câmara menor, com 16 monóculos, mas que usasse o
filme de 4x5 polegadas, mais fácil de processar e ampliar. Puxei a pistola de
cola quente e comecei
a colar a estrutura dos
16 monóculos, 4 por 4.
Usei papelão do lixo
seco para fazer o corpo
da câmara e emprestei
a traseira da Burke &
James Press que ainda
me
acompanhava.
Dobrei papelão na
frente da câmara e
com uma folha de
papel cartão, com
uma janela cortada,
fiz um obturador de
puxar. Fotografei no
estacionamento
do
supermercado.
Um
lugar tão frequentado por mim durante os anos no Canadá. Usei um Tri-X
vencido em 1981, revelei e havia 16 imagens em cada chapa, impressionante.
Fiquei espantado da câmara funcionar, assim, sem dar trabalho.
Na época juntei esse trabalho a um outro com a câmara pinhole de 4x5
polegadas e também à série em que eu transformava as casas de amigos
em câmaras obscuras e fotografava a luz projetada pelos orifícios. Isso
tudo virou um trabalho maior entitulado “Exploração Lunar”, traçando
um paralelo com esse tais anos no Canadá. Sobre esse trabalho consegui
escrever um pouco do que eu sentia na época a respeito das experiências e
reaproveitamentos que fazia:
“What draws me to art is dealing with losses.
People go away, pass away or move away.
Methods and processes
get forgotten because
they age and become
less profitable. Materials
become part of a city’s
garbage because some
label says they have
expired.
I need to fight this,
with art.
Recycling is a concept
that carries all this
within, this fight for life.
No end, no beginning,
all we need is energy
to use up the resources
that already exist, thus
turning them into a more friendly product, one that may be brought back
into this system later again.”
Hoje percebo que minhas idéias quanto ao que eu fazia estavam muito
presas à idéia de consumo e lucro. Já as associações com a exploração lunar
eram interessantes. As imagens pareciam realmente coisas produzidas pela
NASA. Cada um dos 16 quadros das imagens com a câmara de monóculos
parecia uma cena daquelas de tv transmitida por rádio da Lua. Já o trabalho
com a câmara pinhole de 4x5 polegadas era um registro do dia-a-dia, das
viagens pelo Canadá. Além de usar filme vencido, Velvia e EPP fornecidos
por um amigo que trabalhava em um estúdio de uma agência de propaganda,
eu abusava das duplas ou múltiplas exposições, usando a mesma chapa para
registrar mais de uma imagem. Sempre acreditei que a técnica da câmara
de orifício se prestava a criar imagens com um clima etéreo e as duplas
exposições faziam isso ficar ainda mais evidente para mim. Reaproveitava
o filme que estava sendo reaproveitado e as imagens traziam fantasmas.
Depois imprimi em acetato uma série de riscos em forma de cruz, como os
encontrados nas imagens da Lua feitas com a Hasselblad lunar - graças à
chapa Reseau que era instalada nessas câmaras - e sobrepus o acetato às
transparências coloridas quando fiz os internegativos para ampliação. Por
último, o trabalho de registrar o interior das casas tinha cores e composições
bem esquisitos. Comparei aquilo às imagens que os astronautas fizeram da
Aurora Borealis e Australis do espaço.
Eu reconhecia um planeta diferente e até trouxe algumas pedras de lá.
Rolos mais estreitos e compridos
A KOR era uma galeria cooperativa no Canadá, o espaço era bem cheio de
recursos e eu cheguei a oferecer alguns cursos lá com sucesso. A KOR tinha
recebido da prefeitura dois prédios meio abandonados no centro da cidade
e reformado apenas um, onde era a sede. O outro prédio funcionava como
depósito de algumas doações e em meados de 2003 teve que ser esvaziado
porque a prefeitura o queria de volta. A KOR ofereceu todos os materiais
e equipamentos que estavam naquele prédio aos professores e lá fui eu
144
145
retirar um pouco das coisas que haviam sido abandonadas anos atrás. A
maior parte das coisas que recebi nessa doação eram materiais de artes
gráficas (mais uma vez) e dentre eles vários rolos de um material chamado
Photo Type Setting Paper. Esse material é um papel fotográfico com base
fibra de gramatura muito baixa. O contraste é elevado e nesse caso o véu de
base também era. Ao todo recebi 17 rolos de 45 metros cada, com largura
de 20cm. Em testes preliminares percebi que a luz de segurança OC causava
velatura no papel e passei a usá-lo no escuro absoluto.
O primeiro uso que dei para esse material foi a produção de algumas cópias
em escala menor das imagens da série Plural que já existiam. Logo surgiu
a idéia de dobrar a imagem depois de pronta, como um livro chinês, graças
à gramatura do papel isso era fácil. Então algumas imagens passaram a ter
outra maneira de serem vistas, página por página.
Quando voltei a São Paulo, em 2003, usei o laboratório do Senac para
ampliar imagens da série Plural nesse papel, escolhia sempre um canto
escuro do laboratório e apagava algumas luzes de segurança ao meu redor,
isso costumava funcionar bem. Para secar o papel utilizava uma “técnica”
interessante: pendurava o papel nos suportes das lâmpadas do laboratório,
sob a saída de ar dos dutos de refrigeração. Até mesmo os mais tímidos
saiam dos seus cuidados e vinham conversar, indagar sobre o que eram
aquelas coisas compridas penduradas em um local onde quase sempre tudo
era retangular e secava apoiado na tela de nylon. Essa possibilidade sempre
foi muito atraente (papo) e me ajudava a tentar mostrar como as coisas
podem ser diferentes ou renovadas. Às vezes me faltava um argumento, me
parecia que as pessoas com quem eu conversava insistiam em acreditar que
eu tinha sido agraciado com um papel sensacional e raro. Não era verdade.
No cerrado
A ONG Artesanato Solidário me convidou para ir ao cerrado mineiro registrar
o trabalho de donas de casa que plantavam, fiavam e teciam algodão no fundo
de quintal. Na volta fiquei aliviado ao ver o catálogo impresso. Usei negativos
146
coloridos vencidos em todo o trabalho. O filme revelou normalmente. Fiquei
feliz ao saber que as vendas estouraram. Foi o último grande trabalho antes
de vender a Hasselblad. Uma pena. Foi substituída por uma Yashica TLR, cuja
grande vantagem sobre a outra era aceitar o filme 220 além do 120, ainda
mais depois de ir a Unai fotografar as fiandeiras, só sobrava 220 vencido no
meu armário.
Rumo ao programa (de fato)
No Canadá, com leituras de
textos no site do professor
Davidhazy, fiquei interessado
nas possibilidades de reciclar
itens da crescente massa de
sucata cibernética disponível.
Cheguei a recolher do lixo PCs,
máquinas copiadoras, cabos
diversos, até uma Kodak DC50, uma das primeiras câmaras
digitais voltadas para o mercado
amador. Fiz várias coisas
funcionarem, mas nada muito
interessante. Davidhazy falava
na possibilidade de transformar
um scanner em uma câmara
digital de CCD linear e sentado
um dia em uma calçada no
Planalto Paulista vi passar um
carroceiro com três scanners
tirados do lixo. Negociei um
deles e desmontei aquilo tudo,
inspecionei as diferentes peças
e tentei imaginar suas funções.
As peças mais importantes
(suspeitava eu baseados nas minhas leituras) ficaram em um canto meses
até que um dia persegui o driver na internet e consegui instalar os restos
do scanner em um PC rodando Windows 98. O experimento funcionou
maravilhosamente, consegui gerar imagens exatamente como o texto previa.
Registrei movimento ao meu redor graças ao sistema do scanner que estava
ali desmontado. Lentamente aquilo virou um projeto de iniciação científica e
foi evoluindo na minha mente. Em 2005 achei que havia concluido a pesquisa
chegando a uma nova versão da câmara que operava inteiramente à bateria,
147
com diafragma na lente,
aceitando filtros de rosca
52mm, com conexão USB e
compatível com o sistema
Mac OsX. Com esse aparelho
fiz uma matéria sobre o
movimento da cidade para
a revista SuperInteressante,
registrei
várias
cenas
inusitadas de como as coisas
se movem com diferentes
velocidades. Em 2006 com
a ajuda dos alunos de uma
oficina ministrada no SESC construi uma câmara que chegou à marca de
201 megapixels de resolução e isso apontou um novo rumo para continuar a
pesquisa. Admito que - fora os auto-retratos que fiz em 2004 durante uma
época terrível e que foram expostos em 2005 - ainda não vejo esse processo
como algo que me instigue a fotografar, acredito que ainda me prendo à
fotografia que ocorre em um momento apenas. Nesses auto-retratos, série
entitulada Meu Corpo, a passagem do tempo tinha um significado para mim
e eu deixei o tempo transcorrer ingenuamente para realizar as imagens.
Dei continuidade à pesquisa e construi mais e mais câmaras porque o
processo em si chama a atenção das pessoas e eu acredito que isso seja
muito interessante. Estava feliz que havia encontrado um processo que
realmente abria espaço para a função didática descrita no início desse texto.
Em várias oficinas que fiz, creio que tenha sido possível fazer com que as
pessoas tenham perdido o seu pudor com os aparelhos e isso me trouxe uma
satisfação muito grande. Toquei em vários desses ponto quando justifiquei
meu trabalho de iniciação científica e reproduzo o texto aqui:
“Não tão familiar para a maioria dos fotógrafos, a fotografia através de
fenda é um técnica muito interessante e que possibilita a produção de
imagens visualmente muito diferentes das produzidas com equipamento
analógico ou digital comum. Além, é claro, das características temporais que
diferenciam tais imagens
de
quaisquer
outras.
Quando Lászlo MoholyNagy disse que o iletrado
do futuro seria aquele que
não soubesse fotografar,
de certa maneira ele
já corroborava o que o
pessimista Vilém Flusser
diria sobre sua caixa preta
tempos depois. Flusser nos
desafia a entender como
funciona, ou seja iluminar,
o interior da caixa preta
da fotografia, a câmara
fotográfica. A proposta
desse texto é abandonar
161
o cuidado excessivo com os
aparelhos de fotografia digital
e descobrir o que realmente
acontece dentro deles. Para
Flusser a diferença entre um
mero funcionário (que apenas
faz a câmara fotográfica
funcionar) e um fotógrafo é
quão clara está a caixa preta
para ele.
Ao desmontar um scanner e
construir uma câmara digital
de fenda podemos sentir
que estamos entrando fundo
no programa que governa a
câmara fotográfica digital,
estamos subvertendo toda a
utilização que o fabricante
desse
aparelho
planejou
para ele. Além de estarmos
descobrindo
uma
nova
técnica, não tão nova assim e
expandindo a nossa capacidade
comunicativa
através
da
fotografia.”
Dois assuntos me chamaram
mais atenção durante os
estudos que levaram aos
desenvolvimentos
com
as
câmaras-scanner:
o
infravermelho e o software Macromedia Flash. A idéia de fotografar mais
seriamente com infravermelho me levou a ir atrás de uma Kodak DCS
profissional para que eu pudesse fotografar sem o hot mirror. O hot mirror
é o filtro que protege o CCD do infravermelho. Em 2006 achei uma DCS
420 a venda por 20 reais numa feira de antiguidades no Rio de Janeiro,
com o manual de instruções. Depois de uma pequena reforma física e um
novo adaptador para uma bateria externa instalado, a câmara funcionou
normalmente. Ainda faltou coragem para enfiar uma lâmina sob o hot
mirror e mandá-lo pelo espaço fotográfico, isso possibilitaria imagens
em infravermelho absoluto. Das 23 salvaguardas presentes no manual de
instruções da DCS420 rompi com 15, quase dois terços, em breve terei a
coragem para retirar o filtro.
O digital é muito sedutor e eu me entreguei por completo. Já experimentei
até agora cinco câmaras digitais do século passado, com os CCDs mais
primitivos. Cada CCD um jeito de fotografar, cores reproduzidas de uma
maneira única. Tem câmaras que dão ótimas fotos em preto-e-branco.
Me deixei seduzir pela música eletrônica também. Por sua artificialidade
tão próxima da fotografia digital. Câmaras digitais emulam câmaras reais.
Softwares emulam sintetizadores que fingiam ser instrumentos há décadas
atrás. Fui descobrir qual é a música que nasce digital, pensando em conhecer
171
um pouco do que será a fotografia que nascerá dentro do computador, longe
do objeto representado. Criei músicas que não têm letra sonhando com o
dia em que a fotografia não será indiciária. Ouvi de Dave Brubeck músicas
que também não tem letra, mas que brincam com o tempo. Descobri o
Tiefschwarz. Uma dupla de alemães que também reaproveitam o que outras
pessoas já cantaram, letras.
Voltei às fotografias sem câmara (como os quimeogramas) e imprimi os autoretratos feitos em filme 50x60cm com a câmara de tambor de papelão, tanto
em cianótipo como em papel p&b comum. Retomei as câmaras de scanner e
manipulando as imagens feitas para a matéria da Superinteressante cheguei
ao início de um novo trabalho, Pluracidades. Ainda planejo fotografar mais
na Galeria do Rock, nas passarelas do Metrô na Zona Leste e outro locais
onde pessoas e veículos transitam quase ordenadamente.
Ficou claro que a computação já tinha um enorme papel em meus
processos. Comecei a pesquisar sobre os diferentes modelos obsoletos
dos computadores da Apple e em meados de 2006 já dispunha de algumas
dessas máquinas conseguidas através de doações de amigos e conhecidos,
todos PowerPCs. Um desses vinha de um fotógrafo e trouxe consigo um HD
com duas cópias de Photoshop, mais raridades. Com esse pequeno arsenal
e alguns scanners e outros artefatos da última década do século passado
tentei estruturar uma pequena estação gráfica. Os scanners eram um Sharp
para transparências até A4 e um Polaroid para negativos e cromos 35mm.
Na tentativas de instalar esse ou aquele programa, me tornei um expert em
reinstalar sistemas operacionais e clonar HDs.
Paro aqui. Amanhã outras imagens, mais histórias, quem sabe um outro
Macinstosh Performa para consertar. A coleta de lixo continua, o texto é
172
interrompido bruscamente. Para fazer um pequeno balanço, acho que
tive liberdade suficiente para buscar ferramentas e criar imagens: isso é o
mais importante e fica aparente no tamanho das imagens que criei ou nas
distorções das cenas que escaneei. Já sobre o conteúdo das imagens: acho
que consegui deixar muita coisa para trás, dentro delas.
Bibliografia Comentada
ADAMS, A. The Camera, The Negative e The Print. Little, Brown, 1980. – A
trilogia de Ansel Adams é uma referência importante no âmbito da técnica
fotográfica, ele era o “crica” no laboratório e isso se reflete no cuidado e
nos procedimentos inventivos que ele desenvolveu. Por mais que alguém
possa descordar da sua visão da fotografia, esses três livros servem como
base para qualquer trabalho no laboratório fotográfico.
BARRY, M. Pinhole Astrophotography. Disponível em <http://users.erols.
com/njastro/barry/pages/pinhole.htm>
CCD Technology: Technical Overview. Disponível em http://www.kodak.
com/global/en/service/professional/tib/tib4131.jhtml - esse documento
da Kodak conta um pouco da história do CCD e descreve superficialmente
seu funcionamento.
CROMAN, R. Correcting for Unreliable Pixels in a CCD Array. Disponível em
http://www.rcastro.com/resources/UnreliablePixels.htm - o artigo em si é
bem denso, mas é importante a explicação mais a fundo sobre a natureza do
CCD e dos problemas de produção aos quais ele se sujeita.
DAVIDHAZY, A. Basics of Slit Photography. Disponível em http://www.rit.
edu/~andpph/
DAVIDHAZY, A. Better Improvised Digital Camera. Disponível em http://www.
rit.edu/~andpph/ - Esse texto é a continuação do que está relacionado logo
abaixo e aqui eu tive meu primeiro contato com as idéias que me ajudaram
a construir as câmaras-scanner. O texto do prof. Davidhazy é muito didático,
bem escrito e claro, além de conter humor típico norte-americano.
DAVIDHAZY, A. Demonstration Quality Digital Camera. Disponível em http://
www.rit.edu/~andpph/
DAVIDHAZY, A. Streak, Strip and Scanning Photographic Systems - an
overview of historical andcurrent technologies (manuscrito 1978). Disponível
em http://www.rit.edu/~andpph/
DUBOIS, P. O Ato Fotográfico. São Paulo: Papirus Editora, 2003.
FLUSSER, V. A Filosofia da Caixa Preta. São Paulo: HUCITEC, 1985. – Flusser
se aventurou em terreno bem perigoso: o que é a fotografia? Suas idéias
e propostas são muito benvindas nesse aspecto, já que o processo de
reaproveitamento das coisas é um tanto quanto metalinguístico. Uma falha
e pena que o livro não cite referências nem disponha de uma bibliografia.
FLUSSER, V. Writings. University of Minnesotta Press, 2002.
GAICH, A, SEHOVIC, A, WERTH, P e GRUBER, M.On The Positioning of a
Linear CCD Sensor for 3D Object Reconstruction. Disponível em http://
www.icg.tu-graz.ac.at - Esse link e o um outro são relativos a utilização
de CCDs lineares para reconhecimento do espaço e das formas, software e
matemática transformam uma única dimensão em três.
HEIDEGGER, M. Ensaios e Conferências. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
- Em especial o ensaio entitulado “A Questão da Técnica”.
HOWELL-KOEHLER, N. The Creative Camera. Worchester: Danes Publishing,
173
1989. – Foi a primeira publicação onde encontrei o nome do inventor da
câmara de photofinish, Lorenzo Del Riccio, mesmo que escrito incorretamente
(Lodenzo).
Infrared-Sensitive Modification for Color QuickCam camera. Disponível em
http://sunflower.bio.indiana.edu/~rhangart/quickcaminfo/quickcammod.
html - esse artigo é bem simples, mas serve para esclarecer alguns pontos
sobre a capacidade do CCD de enxergar o infravermelho.
KRAUSS, R. O Fotográfico. Editorial Gustavo Gili, 2002.
Lászlo Moholy-Nagy. PHOTOPOCHE, Editions Nathan, 1998.
Les Glaneurs et La Glaneuse. Direção Agnes Varda. Paris: 1999. 1 VHS (47
min), son.,cor. Legendado em inglês. – Esse documentário de Agnes Varda,
filmado por ela mesmo com uma mini DV trata sobre pessoas que sobrevivem
do lixo na França. Inspirador.
MARANHÃO, G. Durst por R$85,50. Disponível em http://www.geocities.
com/coisasdavida/
MARANHÃO, G. Foto Montagens. Disponível em http://www.geocities.com/
coisasdavida/
MARANHÃO, G. Fotografia Digital de Fenda: A Construção de Uma Câmara
de CCD Linear. Bolsa IC Senac, 2004. - Uma pena que esse e outros tantos
trabalhos de IC realizados entre 1999 e o primeiro semestre de 2004 ainda
não tenham chegado à biblioteca da Scipião.
MARANHÃO, G. Positivo, Negativo, Linha, Meio Tom, Que Confusão.
Disponível em http://www.geocities.com/coisasdavida/
MARANHÃO, G. Sobre o Tempo. Disponível em http://www.geocities.com/
coisasdavida/
MARANHÃO, G. Ultra em Tamanho Ultra Gigante. Disponível em http://
www.geocities.com/coisasdavida/
McCULLOUGH, P. Comet Hyakutake Movie with a Pinhole Camera. Disponível
em <http://www.astro.uiuc.edu/~pmcc/comet/pinhole.html>
MEEHAN, J. Panoramic Photography. New York: AMPHOTO, 1990. – O autor
menciona as câmaras de fenda para utilização em fotos panorâmicas, mas
não vai muito além disso.
OMC Technical Brief - Linear CCD 3-D Sensor. Disponível em <http://www.
optical-metrologycentre.com>
OTIS, O. Overhead Finish Camera Slated Next Year in LOS ANGELES TIMES,
25 Julho de1939, p. A9. – Esse recorte de jornal foi conseguido graças a ajuda
de um colega pesquisador da Universidade Boise Estate, Prof. Alan Virta.
PHOTOGRAPHY as a tool. New York: TIME LIFE Books, 1973.
ROSENBLUM, N. A worls history of photography. 3ed. New York:
AbbeVillePress, 1997.
SARAMAGO, J. O Conto da Ilha Desconhecida. Companhia das Letras,
1998.
SWATCH.COM. Disponível em http://www.swatch.com/ - O site da Swatch,
que é o timekeeper oficial dos jogos olímpicos, tem uma série de imagens
feitas com câmaras de fenda, merece uma visita.
THOMAS, A. Beauty of Another Order: Photography in Science. London: Yale
University Press, 1997. – Esse livro retoma uma série de técnicas perdidas
com o avanço tecnológico, é denso, nesse aspecto.
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