jogos de mãos apresentados por crianças de Florianópolis
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jogos de mãos apresentados por crianças de Florianópolis
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE ARTES - DEPARTAMENTO DE MÚSICA LICENCIATURA EM MÚSICA UM ESTUDO SOBRE BRINCADEIRAS CANTADAS DA INFÂNCIA: JOGOS DE MÃOS APRESENTADOS POR CRIANÇAS DE FLORIANÓPOLIS ALUNA: GABRIELA FLOR VISNADI E SILVA ORIENTADORA: VIVIANE BEINEKE Florianópolis, dezembro de 2004 TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO apresentado e aprovado como prérequisito parcial para a obtenção do título de licenciada em música pela comissão de avaliação composta pelos seguintes professores: ______________________ Profa. Viviane Beineke ______________________ Prof. Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas ______________________ Profa. Cleidi Marília Carvalho Pedroso de Albuquerque E se quisermos verdadeiramente fazer justiça às crianças, teremos que desafiálas em sua graça e poder, através de sua própria cultura. (Lydia Hortélio) As fotografias deste trabalho foram tiradas pela autora e por Viviane Beineke. Dedico este trabalho a todas as crianças, especialmente àquelas que me ensinaram estes jogos de mãos. Agradeço às professoras das escolas que eu visitei, que tanto colaboraram tanto nas entrevistas como no espaço das suas aulas que me cederam. Agradeço também às crianças da Escola de Educação Infantil Flor do Campus, em Florianópolis, pela colaboração com as fotografias ilustrativas para este trabalho. Agradeço em especial à minha amiga Viviane Beineke, que foi uma grande orientadora não só neste, mas em muitos outros trabalhos que já fizemos juntas. 5 SUMÁRIO RESUMO ________________________________________________ 7 COMO SURGIU A IDÉIA... __________________________________ 1 1. BRINCADEIRA DE CRIANÇA... ____________________________ 4 1.1 O que é brincar? 1.2 A importância do brincar na formação da criança 4 9 2 MÚSICA E BRINCADEIRA _______________________________ 18 2.1 A música da cultura infantil 2.2 Que características possuem as brincadeiras cantadas? 2.3 Sobre os jogos de mãos 2.4 Contribuições das brincadeiras cantadas na formação integral da criança 2.5 As crianças ainda brincam com música? 18 20 25 30 32 3 COMO ACONTECEU A PESQUISA ________________________ 36 3.1 Seleção das escolas a serem pesquisadas 3.2 Como foi o encontro e a negociação com as escolas selecionadas 3.2.1 Escola Básica Vitor Miguel de Souza 3.2.2 Associação Pedagógica Praia do Riso - APPR 3.3 Conhecendo as crianças 3.3.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza 3.3.2 Associação Pedagógica Praia do Riso - APPR 3.4 Câmera, ação! Chegou o dia da gravação 3.4.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza 3.4.2 Associação Pedagógica Praia do Riso - APPR 3.4.2.1 Turma da 3.ª série 3.4.2.2 Turma da 4.ª série 3.5 “Bônus”: mais um encontro com as crianças da escola Vitor Miguel 3.6 Transcrição e análise dos jogos de mãos 3.6.1 Código dos gestos 36 39 39 40 41 41 42 43 43 45 45 45 46 47 48 4 OS JOGOS DE MÃOS ___________________________________ 51 6 4.1 Jogos apresentados por crianças da 2.ª série da Escola Vitor Miguel de Souza 51 4.1.1 Batom 51 4.1.2 O ‘Viado’ 54 4.1.3 O Trem Maluco 56 4.1.4 Tim, Tim 59 4.1.5 Lá em cima daquele morro 61 4.1.6 Cecerece Cecê 62 4.1.7 O Mateus não lava o pé 64 4.1.8 Adoleta 65 4.2–Jogos apresentados por crianças da 3.ª série da Associação Pedagógica Praia do Riso APPR 68 4.2.1 Parara 68 4.2.2 O Trem Maluco 69 4.2.3 Babalu 71 4.2.4 Adoleta 72 4.2.5 Fui ao Cinema 73 4.2.6 Fui à China 74 4.2.7 Fui no cemitério 76 4.3 Jogos apresentados por crianças da 4.ª série da Associação Pedagógica Praia do Riso – APPR 77 4.3.1 Com Quem? 77 4.3.2 Popeye 80 4.3.3 Olívia 81 4.3.4 Catchup 82 4.4 Jogos apresentados no segundo encontro com as crianças da Escola Municipal Vitor Miguel 82 4.4.1 Ana Banana 83 4.4.2 Soco, soco, bate, bate 83 4.4.3 Tim, tim castelo 84 4.4.4 Xuxinha 86 CONCLUSÃO ___________________________________________ 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________ 92 ANEXO 1_______________________________________________ 94 ANEXO 2_______________________________________________ 95 RESUMO Este trabalho é um estudo sobre as brincadeiras cantadas infantis, desenvolvido com o objetivo de conhecer jogos de mãos praticados por crianças de escolas do Ensino Fundamental de Florianópolis. Os dados foram coletados em turmas de séries iniciais de duas escolas – Escola de Educação Básica Vitor Miguel de Souza e Associação Pedagógica Praia do Riso. Foram realizadas filmagens dos jogos de mãos apresentados pelas crianças, os quais foram posteriormente transcritos para partitura, tomando-se o trabalho de Gainza (1996) como referência. Cada jogo de mão é analisado segundo a parte estrutural ou versos, rítimica realizada com as mãos, forma, combinações e particularidades dos diferentes jogos. Palavras-chave: 1) Educação Musical 2) Brincadeiras cantadas 3) Jogos de mãos COMO SURGIU A IDÉIA... A idéia para este trabalho surgiu em certa fase do projeto “Produção de Material Didático para o Ensino de Música na Escola”, projeto do Programa NEM – Núcleo de Educação Musical, do Departamento de Música da UDESC, que consiste na pesquisa, estudo e produção de arranjos e composições de peças e atividades voltadas para sala de aula, a partir de cantigas infantis e do folclore brasileiro. É um projeto de extensão permanente, no qual podem participar alunos, ex-alunos e professores do Departamento de Música. No começo do projeto, as atividades propostas enfocavam principalmente o uso da flauta doce em arranjos de canções de poucas notas. Também foram feitos trabalhos voltados para exploração da flauta doce, usando-a de diversas maneiras não-convencionais. Depois, com maior uso da voz e percussão na sua produção de arranjos, incluindo percussão corporal e o uso de instrumentos não-convencionais, o grupo se interessou também por brincadeiras cantadas como jogos de mãos e copos. Reunimos alguns trabalhos publicados em livros e cds que encontramos sobre o assunto, e em pouco tempo surgiu no projeto um capítulo inteiro de arranjos de brincadeiras cantadas em geral, resultando em um caderno de atividades. Como participante do grupo, percebi então a riqueza dessas brincadeiras, tanto musicalmente como culturalmente. Pensei: “Como seriam úteis nas aulas de música, além de bonitas e prazerosas, essas brincadeiras podem abrir várias possibilidades!”. Aí então surgiu a idéia de pesquisar mais sobre brincadeiras cantadas e descobrir um pouco do que as crianças estão fazendo atualmente. A maneira mais eficiente e verdadeira seria buscar com as próprias crianças. 2 Assim, decidi que o meu trabalho seria sobre esse aspecto da cultura infantil, buscando conhecer um pouco da música realizada nas brincadeiras infantis. Lembrei-me então, dos recreios da escola de primeiro grau onde estudei em São Paulo, que eram repletos de jogos de mãos. Assim, me propus a visitar os recreios de algumas escolas de Ensino Fundamental de Florianópolis em busca de brincadeiras cantadas. Acredito que esse conhecimento também venha a complementar a minha formação como professora de música, me aproximando mais de um saber musical que seja significativo para a criança. A brincadeira é o caminho que percorremos felizes, expressando o que nos vai no coração, revelando o nosso eu autêntico, nosso modo livre e criador de curtir a vida; viramos crianças quando já não o somos mais. A diferença para as crianças é que vivem ainda um tempo mesmo de ser criança, de brincar. (Maluf, 2004) 1. BRINCADEIRA DE CRIANÇA... 1.1 O que é brincar? O termo “brincar” tem um universo de significados. Uma criança quando convida “vamos brincar?”, pode estar representando inúmeras idéias e possibilidades que o termo abrange. Jogos, brincadeiras, faz de conta, brinquedos, criação, mágica... tudo pode se tornar brincadeira ou brinquedo para uma criança. Um exemplo clássico são as linhas da calçada, que se transformam em jogo no olhar da criança. Eugênio Tadeu Pereira, professor de música do Centro Pedagógico da UFMG e coordenador do Grupo Rodapião, explica que a criança tem à sua volta inúmeras possibilidades de formar uma brincadeira, seja com um brinquedo tradicional, com um pedaço de madeira, uma folha de árvore, uma tampa plástica, um som, uma pessoa, muitas pessoas... e todos estão cheios de possibilidades e sugestões que podem virar brinquedo, que vai ser diferente de acordo com cada indivíduo. Essa maneira de lidar com a realidade - transformar objetos, lugares, inventar coisas, é “uma forma da criança se descobrir, compreendendo o mundo que a cerca, (re) inventando-o e se encontrando nele; (...) e isso tem aspectos de brincadeira”. O autor cita ainda, que é muito difícil encontrar uma criança que não brinca, sendo algo até preocupante (Pereira, 2002). Segundo Gildo Volpato, professor em cursos de graduação e pós-graduação na área de Educação Física, o jogo, a brincadeira e o faz de conta são as atividades que predominam na infância, como parte do desenvolvimento da criança. “Nos parques, nas ruas, em casa, ou em qualquer lugar, a criança quase sempre está jogando ou brincando de alguma coisa” (Volpato, 2002, p. 11). E é só olhar com atenção para uma criança brincando que 5 percebemos o quanto o brincar é natural e significativo para ela, faz parte da sua linguagem. Sempre que uma criança seleciona algo com a intenção de brincar, e cria uma situação de brincadeira com este objeto (ou pessoa), ela cria uma situação que a faz sair do seu mundo, abrindo-se para as relações. “Brincar, então, é estar em relação com algo diferente em nós e/ou fora de nós” (Pereira, 2002). E essa relação com o outro, leva a criança a um universo diferente daquele que costuma estar, abrindo janelas para outras possibilidades. O brincar para a criança é algo altamente “sério”, no sentido de importância, compenetração. Sobre isso Volpato cita Piaget: “Nada mais sério do que uma criança brincando” (Piaget apud Volpato, 2002, p 85). A criança quando brinca está concentrada, totalmente envolvida com a brincadeira. “Brincar, não é uma mentira, é uma atitude em que tudo está presente” (Pereira, 2002). E quando está brincando, a criança fica num estado entre o imaginário e o real, um estado intermediário. Sobre isso, Ângela Cristina Munhoz Maluf, citando Vygotsky, explica que o brincar difere de outras atividades porque cria uma situação imaginária. A autora coloca o brinquedo como “a riqueza do imaginário infantil” (Maluf, 2003, p 48). Froebel, considerado por Blow (1991) o psicólogo da infância, “concebe o brincar como uma atividade livre e espontânea, responsável pelo desenvolvimento físico, moral, cognitivo, e os dons1 ou brinquedos, objetos que subsidiam atividades infantis” (Froebel apud Kishimoto, 2004 e Maluf, 2003). A brincadeira, de maneira geral, além de espontânea, também é vista como uma atividade prazerosa (Maffioletti, 1992; Teles, 1999; Volpato, 2002; Maluf, 2003, 2004; Friedmann, 2004; Gainza, 1996). “As crianças têm prazer em todas as 1 dons – pequenos objetos de material e formas variadas, usados nos programas froebelianos, para serem utilizados em atividades orientadas (Kishimoto, 2004) 6 experiências de brincadeira física e emocional” (Winnicott apud Maluf, 2003 p. 20). Para a educadora e terapeuta Maria Luiza Silveira Teles, o que move a criança no brincar é unicamente a paixão. Teles também fala no poder que possui o brinquedo para uma criança, citando como exemplo, uma cena em que crianças brincam nos escombros de uma guerra. Segundo a autora, quando está brincando, a criança está imune a qualquer medo de conseqüências sérias. “É como se estivesse de ‘férias’ com relação à realidade social” (Teles, 1999, p.18). Uma característica histórica dos brinquedos, jogos e brincadeiras, é a ligação com os costumes, tradições e transformações sociais de um povo. O desenvolvimento de tais atividades e objetos acompanha o próprio desenvolvimento cultural, muitas vezes surgindo a partir de rituais ou objetos de crença religiosa, por exemplo. A educadora Adriana Friedmann considera as brincadeiras e jogos tradicionais infantis como “um patrimônio lúdico-cultural que pertence ao nosso folclore” (Friedmann, 2004 p.13). Para Volpato (2002), “a criança e seus jogos e brinquedos, necessariamente, se constituem e fonte de saber e conhecimento”. O autor faz um levantamento histórico sobre o assunto, mostrando como o brinquedo é um elemento cultural revelador dos valores e crenças de cada povo em diferentes tempos históricos, cheio de simbolismos e significados, muitas vezes tendo sido criado para o uso em atividades religiosas ou outros tipos de rituais, alguns aparecendo primeiramente como objetos de culto, para depois se tornarem brinquedos de crianças. Os jogos e competições, que sempre tiveram grande papel social desde a sociedade antiga, se faziam muito presentes em festas sazonais e tradicionais. Nestes tipos de atividades, participavam crianças, jovens e adultos em pé de igualdade, sendo que as crianças e jovens desempenhavam, nas festas, importantes papéis tradicionais. Ao olhamos para os brinquedos e brincadeiras da 7 atualidade, perceberemos também características e valores do nosso tempo e cultura. Afinal de contas, é normal que a criança acompanhe as transformações que ocorrem no ambiente que a cerca. Algumas brincadeiras, porém, como o jogar, o correr, o lutar, entre outras, continuam fazendo parte da vida das crianças, apesar das mudanças que tenham ocorrido. (Volpato, 2002) O brincar é, de fato, a atividade predominante da infância, estando muito além de ser apenas um entretenimento na vida da criança. O brincar é um aspecto fundamental para se chegar ao desenvolvimento integral da criança. (Maluf, 2003) 9 1.2 A importância do brincar na formação da criança Muitos autores colocam o brincar como uma das necessidades básicas para o desenvolvimento sadio da criança. “Brincar”, segundo Maluf, “é uma das necessidades básicas da criança, essencial para seu bom desenvolvimento motor, social, emocional e cognitivo”. A autora considera que, através do brincar, é possível formar indivíduos mais motivados e com maior autonomia, também “sendo uma forma de desenvolver a capacidade de manter-se ativo e participante”, pois o brincar exige participação e engajamento (Maluf, 2003, p 19-20). Para Teles, “criança que não brinca, não tem condições de se desenvolver de maneira sadia”. A autora também coloca o brincar como uma das necessidades básicas da criança, sendo indispensável para uma infância saudável. Para a autora, as brincadeiras também desenvolvem na criança a compreensão da realidade, o sentimento de grupo, o respeito pelo outro, a imaginação e a criatividade. “A criança reproduz na brincadeira a sua própria vida. Através dela, ela constrói o real, delimita os limites frente ao meio e o outro e sente o prazer de poder atuar ante as situações e não ser dominado por elas” (Teles, 1999, p15-16). Froebel (apud Kishimoto, 2004) refere-se ao brincar como: a fase mais importante da infância – do desenvolvimento humano neste período – por ser a auto-ativa representação do interno – a representação de necessidades e impulsos internos, a atividade espiritual mais pura do homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquanto um todo. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com o mundo (...). Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação. (Froebel apud Kishimoto, 2004) Maluf (2004) considera que as brincadeiras são “admiráveis instrumentos de realização para o ser humano”, pois desenvolvem iniciativas, potencialidades e capacidades, desempenhando “um papel decisivo para converter as crianças de 10 nossos dias em adultos maduros, com grande imaginação e autoconfiança” (Maluf, 2004, p 13-14). Tizuko Morchida Kishimoto, professora da faculdade de educação da USP, acredita que, o cotidiano infantil deve estar repleto de contos, lendas, brinquedos e brincadeiras, para formar seres criativos, críticos e aptos para tomar decisões (Kishimoto, 2004). É interessante essa relação que alguns autores fazem do adulto resultante de uma criança que brinca ou não brinca. Teles comenta: “Não existe adulto criativo sem criança que brinque” (Teles, 1999, p 24). O desenvolvimento da inteligência criativa na criança também aparece muito ligado ao brincar. Teles considera que o indivíduo criativo é muito importante para o funcionamento efetivo de uma sociedade, “o impulso criativo é uma das molasmestras do ser humano. Ele o impulsiona à ação construtiva e eficiente, gera prazer e traz a auto-realização” (Teles, 1999, p. 21). A autora considera que o desenvolvimento da imaginação e a compreensão da realidade são condições básicas para o ser criativo, muito estimuladas através das brincadeiras. A brincadeira é, “além dos muitos motivos de importância na vida da criança, o verdadeiro impulso da criatividade” (Teles, 1999, p. 22). Maluf também valoriza o brincar como ferramenta para o desenvolvimento do pensamento criativo. Para a autora, a criatividade é necessária para o indivíduo tornar-se pleno e sincronizado com a vida. Ela acredita que a criação de uma brincadeira só é possível se houver um poder criativo, já que a brincadeira está cheia de criatividade. (Maluf, 2003). Segundo Teles (1999), é brincando que o bebê e a criança pequena vai aprendendo a separar o “eu do não-eu”. Maluf (2003) coloca também a importância do brincar para a criança como um meio para ela desenvolver a imagem de si e do mundo que a cerca a partir de relações cotidianas, que vão se organizando através das brincadeiras. Comenta, através de citação de Bettelheim, que brincar “estimula o 11 desenvolvimento intelectual da criança, também ensina os hábitos necessários a esse crescimento.” Segundo a autora, a própria natureza curiosa e imaginativa da criança faz com que ela explore todas suas possibilidades, adquirindo experiências e exercitando suas potencialidades através das brincadeiras. Kishimoto (2004) explica que, quando brinca, a criança explora os objetos que a cercam; movimenta-se em busca de parceria, comunicando-se com seus pares; se expressa através de múltiplas linguagens; descobre regras e toma decisões. Podemos dizer que o brincar tem sido alvo de estudos e investigações nas mais diversas áreas, principalmente nas últimas décadas (Volpato, 2002; Pereira, 2002; Kishimoto, 2004), e é unânime a importância atribuída a essa experiência no desenvolvimento sadio da criança, de maneira completa, como explica Maluf: A criança, através das brincadeiras, assimila valores, assume comportamentos, desenvolve diversas áreas de conhecimento, exercita-se fisicamente e aprimora habilidades motoras. No convívio com outras crianças aprende a dar e receber ordens, a emprestar e tomar emprestado, a compartilhar momentos bons e ruins, a ter tolerância e respeito, enfim, seu raciocínio é desenvolvido de forma prazerosa. A criança também encontra nas brincadeiras equilíbrio entre o real e o imaginário, alimenta sua vida interior, descobre o mundo. (Maluf, 2003, p. 94) Para Volpato, os diferentes enfoques das diversas áreas do conhecimento acerca do brincar nos propiciam uma visão mais ampla sobre o tema, nos ajudando a compreendê-lo melhor, mesmo que possam parecer contraditórios. “A multiplicidade de olhares, por sua vez, pode também se complementar, contribuindo para uma visão da totalidade que envolve a singularidade do jogo e do brinquedo” (Volpato, 2002, p. 9). Pereira também considera importante a contribuição de diversas áreas para a melhor compreensão do brincar e das suas várias situações. Cada área elege alguns pontos de seu interesse e aponta para uma direção, interpretando a brincadeira a seu modo. Como exemplifica Pereira, 12 (...) a Psicologia cuida dos significados que a brincadeira tem na formação da pessoa, e cada gesto e palavra observados trazem em si um tanto de elementos que dizem sobre quem está brincando. É como se o brincar de casinha refletisse a maneira como a criança enxerga o mundo e como ela gostaria que fosse. Assim ela repete e também reorganiza uma possível realidade. A Antropologia e Sociologia observam os conteúdos presentes numa brincadeira que mostram a organização de uma cultura. Ali estão expostos os mitos, os ritos, as relações de autoridade, dentre outros muitos aspectos. Já na educação, as brincadeiras têm sido alvo de muitos estudos, principalmente como instrumentos pedagógicos. Em outros campos do saber humano, as brincadeiras também ocupam importantes lugares. Nas Artes, por exemplo, o brincar é visto como algo semelhante ao fazer artístico, pois é na atitude lúdica que se concebe e se faz uma música, um quadro ou um conto (...) (Pereira, 2002). Volpato (2002) faz uma análise das características da brincadeira e do jogo infantil e das diversas formas de interpretá-los, levando-os para o âmbito da escola. Considerando o jogo/ brincadeira como possibilidade de ser mediador no processo de aprendizagem, o autor faz um levantamento de diferentes concepções sobre a brincadeira e a escola. Conta também, que em vários países o brincar tem sido visto como uma poderosa ferramenta para o aprendizado, pois contribui para que a criança se aproprie do conhecimento de maneira significativa e prazerosa, sendo recomendado nos currículos de ensino básico. As brincadeiras e os jogos são as formas mais originais que a criança tem de se relacionar e se apropriar do mundo. É brincando que ela se relaciona com as pessoas e objetos ao seu redor, aprendendo todo o tempo com as experiências que pode ter (Volpato, 2002, p. 100) Para o autor, os jogos e brincadeiras infantis devem ser concebidos como recursos didáticos importantes, sem que se faça distinção entre o que é jogo e o que é sério. O autor fala da importância de se manter as características de brincadeira e o caráter lúdico nas atividades propostas pelo professor, para que estas não deixem de ser significativas para a criança. “Quando perde sua dimensão lúdica, a brincadeira esvazia-se (...). Isso se dá quando, em vez da criança aprender 13 brincando, a criança é levada a usar o brinquedo para aprender” (Fontana e Cruz apud Volpato, 2002, p. 97). Teles (1997) concorda que o ato de brincar é uma importante fonte de promoção do desenvolvimento sadio da criança, pois faz parte da sua natureza. “Logo, o que não é lúdico não é próprio para a criança” (Teles, 1997, p. 37). Teles baseia-se em Piaget e Vygotsky quando explica o papel do brincar no desenvolvimento da criança. A autora conta que é através da brincadeira que a criança vai construindo o próprio saber, de acordo com as necessidades de cada etapa do seu desenvolvimento. Sobre a questão da interação social defendida por Vygotsky, onde fala que o desenvolvimento das estruturas mentais humanas só vão se desenvolver pelo relacionamento com o outro, o ato de brincar com outras crianças entra como principal atividade para este desenvolvimento. Sobre isso, Maluf (2004) explica que, entender a brincadeira como uma estratégia de ensino e aprendizagem é compreender que a criança administra a sua relação com o outro e com o mundo permeada pelo uso de brinquedos. A autora considera que o lúdico é o parceiro do professor. Para ela, o brincar deve ocupar um lugar especial na prática pedagógica, tendo espaço privilegiado na sala de aula. “Brincar é a forma mais perfeita para perceber a criança e estimular o que ela precisa aprender e se desenvolver” (Maluf, 2003, p.31). Tanto o brincar livre como o brincar dentro de uma atividade orientada pode ser rico no processo de aprendizagem. Contrariando uma das características sobre o brincar que levantou de alguns autores, Volpato considera que uma brincadeira proposta pelo professor possa ser tão significativa quanto uma escolhida pela criança. O que faz do jogo um jogo e o que caracteriza uma brincadeira é a possibilidade que a criança tem de tomar decisões, de combinar regras, de negociar papéis, de agir de forma transformadora sobre conteúdos significativos para ela, de ter liberdade e prazer. Isso possibilita que a 14 criança torne-se cada vez mais autônoma, mais consciente de suas ações. (Volpato, 2002, p.98) Maluf (2003) considera que é de responsabilidade do professor oferecer oportunidades para que aconteçam momentos lúdicos dentro da sala de aula. Para ela, o educador deve estabelecer uma conexão entre o prazer, o brincar e o aprender. “É preciso que os professores se coloquem como participantes, acompanhando todo o processo da atividade, mediando os conhecimentos através da brincadeira, do jogo e outras atividades” (Maluf, 2003, p. 33). Para Teles (1997), a atuação do educador é fundamental para que as brincadeiras tenham lugar garantido na escola. A autora explica que é importante que a criança tenha para isso um bom espaço disponível, com possibilidades de mudar a organização; além do tempo suficiente para que as brincadeiras possam surgir e se desenvolver. Kishimoto também defende que um é dever da escola proporcionar para a criança a oportunidade de conhecer outros elementos da cultura que não a escolarizada – como o acervo cultural dos contos, lendas e brincadeiras tradicionais, para que beneficie e enriqueça o repertório imaginativo da criança. “Aprendizado esse, que começa com brincadeiras em que se aprende a criar significações, a comunicar-se com outros, a tomar decisões, decodificar regras, expressar a linguagem e socializar” (Kishimoto, 2004). Volpato faz uma queixa sobre as práticas escolares, dizendo que a importância do brinquedo e do jogo no desenvolvimento cognitivo e corporal da criança, apesar de ser defendida por estudiosos da Educação e da Psicologia, não são efetivamente aplicados nas práticas escolares. O ensino dos conteúdos escolares geralmente é maçante, sério e desvinculado da natureza da criança, não valorizando-a como produtora de conhecimento. O que acontece é um 15 descontentamento por parte das crianças e também dos professores que, na tentativa de manter a “ordem” para transmitir os conteúdos de maneira séria, frustram-se com a ineficiência destes métodos. “Diante de uma escola que oferece pouca alegria, os jovens dão provas de crescente impaciência, e a resistência manifesta-se por meio da rebeldia, da apatia e até mesmo na recusa em freqüentála” (Volpato, 2002, p. 115). Sobre isso, Kishimoto (2004) conta que, apesar da valorização do brincar como principal atividade para o desenvolvimento infantil, as instituições de ensino não se preocupam em oferecer oportunidades para que aconteçam tais atividades, tampouco se utilizam efetivamente do brincar na construção de um saber significativo para as crianças. “Poucos são os espaços para brincadeiras livres. Os horários são rígidos, com turmas homogêneas, atividades padronizadas e pouca escolha da criança” (Kishimoto, 2004, p.). Para Teles (1997), o modo de vida moderno, marcado pela pressa e pela competitividade acaba refletindo de maneira negativa na educação. As crianças são preparadas para as responsabilidades da vida adulta cada vez mais cedo, e o tempo de brincar vai ficando cada vez menor. O resultado é uma escola triste, que não motiva a criança para estudar. Volpato (2002) citando Paulo Freire explica sobre a importância da alegria dentro da escola. Se o educador e os educandos contam os minutos para sair da monotonia da sala de aula, é porque a escola está deteriorando a alegria de viver. “A alegria que a escola promete à criança é uma alegria que só pode ser desfrutada depois de muito esforço, muita disciplina, muitas lições de casa, provas e brincadeiras não brincadas” (Volpato, 2002, p. 114). E do outro lado, quando olhamos para uma criança brincando concentrada, inteira na sua brincadeira, sempre vai haver motivação e um sorriso no rosto. “Diante da necessidade de se 16 apropriar do mundo, as crianças se motivam a jogar e a brincar. E nós, professores, o que estamos fazendo diante dessa necessidade?” (Volpato, 2002, p. 112). Entendendo-se cultura infantil como a experiência, as descobertas, o fazer das crianças entre elas mesmas, buscando a si e ao outro em interação com o mundo, ou seja, toda a multiplicidade e riqueza dos brinquedos de criança – teremos que buscar a compreensão da música da cultura infantil dentro deste mesmo contexto, como parte que é de um mesmo corpo de conhecimento, nele incluídas, naturalmente, a sensibilidade, a inteligência e a vontade como dimensões da vida na sua complementaridade e inteireza. (Lydia Hortélio) 2 MÚSICA E BRINCADEIRA 2.1 A música da cultura infantil A música da cultura infantil, como define a pesquisadora musical Lydia Hortélio, “é uma música para ser brincada, o que quer dizer, uma música com o corpo, que vive na inter-relação de palavra, música, movimento e o outro” (Hortélio, 2002). Por esse motivo, seria difícil representá-la através apenas da dimensão sonora. Hortélio considera a música tradicional da infância como um importante patrimônio cultural de um povo, onde encontramos “arquétipos, características estruturais e poéticas da língua mãe e da língua mãe musical em seu nascedouro” (Hortélio, 2002). Reconhecendo então a criança como produtora de cultura e considerando a cultura como “o conjunto de significações produzidas pelo homem” (Bougère apud Maffioletti, 2004, p37) seus brinquedos e fantasias ganham forte significado dentro da história de sua sociedade. Afinal de contas, a capacidade de simbolizar seus medos, sentimentos e conhecimentos através da música e do brinquedo é exclusiva dos seres humanos (Maffioletti, 2004). Valorizar as atividades espontâneas infantis e perceber a criança como produtora de cultura, implica em oferecer subsídios para que ela se desenvolva na sua própria natureza, produzindo e reproduzindo a sua cultura, que atenda suas necessidades psicológicas, intelectuais e sociais. Na ausência dessas atividades, “o processo de desenvolvimento seria orientado exclusivamente do ponto de vista dos adultos. Ao invés de compreender a vida por si mesmas, as crianças teriam apenas os adultos como referência” (Maffioletti, 2004, p. 38). Precisamos reconhecer que a cultura musical infantil existe e cumpre o importante papel de promover aprendizagens essencialmente humanas, 19 porque estão apoiadas no desenvolvimento das interações sociais e na musicalidade que nos caracteriza (Maffioletti, 2004, p. 38). Para a educadora musical Teca Alencar de Brito, a criança está sempre interagindo com o ambiente sonoro que a cerca e conseqüentemente, com a música. A autora considera que desde o berço a criança começa seu processo de musicalização, através do contato com os sons do cotidiano, incluindo a música. Neste sentido, as cantigas de ninar, as canções de roda, as parlendas e todo o tipo de jogo musical têm grande importância, pois é através dessas interações que os bebês desenvolvem um repertório que lhes permitirá comunicar-se pelos sons (Brito, 2003, p. 35). Brito (2003) também explica que esse envolvimento do bebê e da criança pequena com a música, proporcionando momentos de comunicação e troca, favorece o desenvolvimento afetivo e cognitivo, bem como a criação de vínculos fortes tanto com os adultos quanto com a música. Mais especificamente se tratando do dia a dia da criança pequena, percebemos grande utilização da música para muitos fins, seja na mídia, na escola, em casa, nos parques, nas ruas ou em lojas de produtos infantis, ou seja, sem dúvida que existe grande produção musical voltada para a criança. Então, podemos chegar à conclusão que a criança, desde cedo, vivencia uma série de experiências de vários tipos com a música, entende diferentes tipos de expressões musicais, reconhece inúmeras melodias e também faz uso disso nas brincadeiras, naturalmente. Cantando e recitando versos, a criança compreende a estrutura da língua materna, e aprende a reconhecer o significado das nuanças na sonoridade das palavras. Aprende que a entonação pode mudar o sentido e que o sentido é importante na comunicação (Maffioletti, 2004, p. 38). 20 Então, podemos dizer que a criança é capaz de construir sua própria cultura musical a partir das vivências e experiências significativas que tenha vivido, além da natureza criativa e da necessidade de comunicação que é própria da criança. Fatalmente, por culpa do processo de globalização e “desculturização”, as brincadeiras mais antigas, ricas em folclore popular, as cantigas de tradição oral e os contos e lendas vão deixando de existir para dar espaço aos modelos de brincadeiras e músicas importados, que pouco tem a ver com a cultura brasileira. “Observa-se, no entanto, que as crianças jamais pararam de cantar, apenas cantam outras coisas” (Maffioletti, 1992, p. 11). Inclui-se aí todo o tipo de experiência musical que a criança tem contato: os sucessos do rádio e da televisão, a música tocada na escola, as suas improvisações e também canções folclóricas. Segundo Maffioletti (1992), a atividade folclórica ainda é um fator de identidade entre as crianças, que constatamos quando elas estão agindo espontaneamente. “A necessidade de se expressar continua; mudam as letras, variam os movimentos e encenações, mas o que as crianças fazem hoje, muito se parece com o que outrora faziam” (Maffioletti, 1992, p. 11). Mais um motivo para prestarmos mais atenção nas manifestações espontâneas das crianças, ou seja, nas suas brincadeiras. 2.2 Que características possuem as brincadeiras cantadas? As brincadeiras cantadas fazem parte das brincadeiras tradicionais da infância. Geralmente realizadas entre duas ou mais crianças, essas brincadeiras podem conter melodias, versos, canções folclóricas, parlendas, improvisos, ritmos feitos com o corpo, gestos, etc. São diversas as maneiras de se brincar com a música, podendo esta assumir diversos papéis dentro da brincadeira, sendo por vezes o elemento principal, por vezes não. Pode ter papel determinante na 21 realização de uma brincadeira, quando a letra dita suas regras, determinando uma ação; como pode não influenciar nas suas ações. Estas brincadeiras são, geralmente, de tradição oral e de caráter folclórico, havendo então variações de acordo com o contexto em que se encontra, já que, de acordo com Brito (2003 p. 94), “cada região do nosso país tem suas próprias tradições (...), com características e significados legítimos”. Das brincadeiras cantadas mais comuns, podemos citar jogos de mãos, de copos, brincos, parlendas, adivinhas, acalantos, rimas, trava-línguas e brincadeiras de roda, que, de acordo com Maffioletti (1992), figura entre os brinquedos cantados mais difundidos entre as crianças. A relação lúdica com a música faz parte da vida da criança desde a mais tenra infância, considerando que os acalantos e canções de ninar também fazem parte desse universo sonoro infantil. “A cantiga de berço, o suave embalo e aconchego nos braços das mães ou amas carinhosas, foi sempre, em todos os povos, o primeiro gesto de solidariedade ao recém-nascido.” (Melo apud Brito, 2003, p. 97). Os “brincos” e parlendas são as brincadeiras rítmicas que, junto com os acalantos, costumam ser as primeiras canções apresentadas para os bebês e crianças pequenas. Brito faz uma diferenciação entre as duas brincadeiras, explicando que as parlendas, geralmente, possuem rima sem música, enquanto que os brincos são cantados, mas com poucos sons (Brito, 2003 p 101). Nely Alves de Almeida, no caderno Folclore Brasileiro – Goiás (1999), faz uma classificação interessante sobre as parlendas: Significam palavreado, palavrório, e a cujo ramo pertencem as travalínguas, os brincos e as fórmulas de escolha. São rimas infantis, imperfeitas, divertem e ajudam, muitas vezes, a memorizar nomes ou números. Embora não tenham música, as parlendas, em sua arrumação de palavras, oferecem a possibilidade de obedecer a um ritmo que vem 22 justamente das sílabas, numa espécie de metrificação (Almeida, 1999, p. 13-14). Quanto aos brincos, Almeida comenta que “trazem melodia de voz materna e recordações de infinita e ingênua alegria”. Ao compararmos com a definição feita por Brito, fica reforçada a idéia de que os brincos e parlendas fazem parte do repertório da criança pequena, e geralmente são aprendidas através de um adulto próximo. Lydia Hortélio também coloca os brincos e parlendas como os “primeiros gestos da melódica infantil” (Hortélio apud Brito, 2003). Existem brincadeiras com música cujo caráter é mais parecido com o do jogo, nas quais as crianças desafiam uma(s) à(s) outra(s). Aqui podemos citar as brincadeiras onde existirá um ou mais vencedores; também aquelas que podem ser usadas como ritual de seleção para uma outra brincadeira, chamadas de fórmulas de escolha, que são preliminares para alguns jogos. Este último caso, Adriana Friedmann (2004) comenta que “são ao mesmo tempo um jogo em si, que implica a escolha para incluir ou excluir os companheiros dos grupos. Podem ter diálogos ou monólogos, a partir dos quais as crianças, num tom ritmado, permanecem atentas à chance de serem escolhidas” (Friedmann, 2004, p.19). É claro que essas mesmas brincadeiras podem ser realizadas com o fim nelas mesmas, sem necessariamente ser preliminar para outra brincadeira; como também existem diversas outras fórmulas de escolha que não são cantadas. Podemos relacionar o caráter dos jogos e outras brincadeiras cantadas com o que apresentou Volpato (2002), citando Huizinga, sobre os jogos infantis: - é uma atividade voluntária e prazerosa - as crianças brincam porque gostam de brincar e o prazer por ele provocado o transforma numa necessidade; 23 - possui caráter não sério - não no sentido de julgamento de valor, mas sim ao estado de espírito de quem está brincando, sendo que a brincadeira pode ser bastante séria, já que “a criança, quando brinca, faz de forma bastante compenetrada” (Kishimoto apud Volpato, 2002, p85); - é uma atividade livre, com liberdade de ação – se imposta deixa de ser jogo. O que importa para a criança é o processo em si de brincar, sem visar resultado final, sem preocupações pedagógicas; - há uma separação da vida cotidiana – evasão da vida real para uma atmosfera temporária de atividade com orientação própria. “A criança atua no real, mas a partir de um distanciamento do próprio real” (Fantin apud Volpato, 2002, p86); - limitação do tempo e do espaço – o jogo possui um caminho e um sentido próprio; - existência de regras; - caráter fictício. Existem também as brincadeiras cantadas que são puramente brincadeiras, sem intenção competitiva – como, por exemplo, muitas das rodas, que, segundo Renata Meirelles, educadora e criadora do projeto BIRA, ocupam um espaço muito importante no repertório lúdico popular brasileiro. Fazem parte da chamadas brincadeiras tradicionais que, passadas de pai para filho, carregam fortes traços culturais característicos da região de origem (Meirelles, 2004) Encontramos muitas definições acerca das brincadeiras de roda, cantigas de roda e cirandas. No projeto “Canções do Brasil”, Paulo Tatit e Sandra Peres registraram um exemplo de brincadeira de roda, com a música “Igrejinha”, no estado do Tocantins. 24 Os brinquedos de roda existem há muito tempo. As pessoas, adultos e crianças, brincam e cantam em roda de muitos jeitos: rodas com gente ao centro, rodas só em roda, roda aos pares, duas rodas, uma de dentro, outra de fora e até brincadeiras que não têm roda que algumas pessoas as chamam de brinquedos de roda (Peres, Tatit, 2002) Adriana Friedmann classifica as brincadeiras de roda como “jogos nos quais as crianças, ao som de uma música, cantiga ou rima, viram, mexem-se, falam e representam. No ritmo das cantigas, diálogos e ações, as crianças giram em rodas” (Friedmann, 2004 p. 125). Sobre as cantigas de roda, Maffioletti diz : As cantigas de roda são canções utilizadas em brincadeiras de roda cantadas, realizadas como forma de recreação por adultos ou crianças. Sua formação clássica consiste em formar uma roda de mãos dadas, com o rosto voltado para o centro, movimentando-se para a direita ou para a esquerda, em andamento eleito pelo grupo. A roda figura entre os brinquedos cantados mais difundidos entre as crianças, embora a formação em fileiras ou pares também seja praticada. (Maffioletti, 1992 p. 15) Também encontradas com o nome de rondas, as brincadeiras de roda são populares em todo o Brasil, e como todo tipo de brincadeira tradicional, como cita Meirelles, recebe influências culturais de acordo com a região e o contexto em que se encontra. Alguns autores associam também as diferentes formas de se brincar de roda com influências estrangeiras, como vemos no Referencial Curricular Nacional para a educação Infantil: “as rondas ou brincadeiras de roda integram poesia, música e dança. No Brasil receberam influências de várias culturas, especialmente da lusitana, africana, ameríndia, espanhola e francesa” (BRASIL, 1998, p. 71). Sobre isso, Maffioletti explica que: Muitas cantigas conservam resquícios de sua origem portuguesa, francesa ou espanhola. Fragmentos de romances, histórias, poesias, quadrinhos e relatos do cotidiano foram incorporados ao repertório infantil e, devidamente aculturados, passaram a representar o folclore tipicamente brasileiro. De tanto ouvir e repetir os ritmos característicos destas rodas cantadas, as crianças vão assimilando e marcando com traços regionais a 25 sua musicalidade e a produção musical de sua região ou país (Maffioletti, 1992, p. 15). Nos jogos de mãos, percebemos características bastante singulares. São marcados pela mistura de ritmos, gestos e canções ou versos, executados em forma de um jogo que envolve bastante troca com o outro, pois é uma brincadeira realizada necessariamente por duas crianças ou mais. 2.3 Sobre os jogos de mãos Sobre os jogos de mãos, também chamados de brincadeiras de mãos, temos como referência o bonito trabalho de Violeta Hemsy de Gainza, intitulado Juegos de Manos – 75 rimas e canciones tradicionales com manos y otros gestos. O jogo com mãos, mímicas e outros gestos se executam geralmente a partir de uma rima ou de uma canção. Em alguns casos, constitui um aspecto inerente à canção, tendo sido originado de maneira simultânea. Outras vezes, os gestos são agregados pelas próprias crianças a certas canções tradicionais (Gainza, 1996, p. 13). As crianças executam com entusiasmo na rua, no recreio escolar, em todo lugar. Geralmente realizados em pares, os jogos de mãos também acontecem em roda ou em formações específicas - existem alguns que são criados especificamente para serem realizados em par e outros para quatro crianças. “Certos jogos incluem saltos no lugar, com diferentes formas de pés, giros com todo o corpo e também alguns breves deslocamentos”. (Gainza, 1996, p. 15) Gainza conta ainda que os jogos de mãos e similares contendo canções e rimas possuem caráter universal, aparecendo “em quase todos os países e culturas e apresentando, em alguns casos, características assombrosamente similares porque respondem a certas necessidades funcionais comuns a todas as pessoas” (Gainza, 1996, p. 9). De acordo com a autora, a faixa etária das crianças que 26 praticam jogos de mãos é muito relativa. É mais comum entre crianças de cinco a dez anos, porém em muitos casos essa prática pode se estender a crianças bem maiores de dez anos, que desenvolvem gestos cada vez mais rápidos e complicados. Gainza (1996) relaciona algumas características próprias dos jogos de mãos: - a sincronia entre o gesto e a palavra; - o realismo ou o cômico da mímica e das onomatopéias; - os desafios de coordenação motora; - a velocidade rápida ou crescente; - a finalização: bela, engraçada ou inesperada. A estrutura da maioria dos jogos de mãos obedece a alguns padrões. Gainza (1996) conta que existem introduções que podem ser comuns a vários jogos. Nas finalizações percebemos fatos inesperados ou engraçados, e também são comuns os “sorteios”, quando as crianças mostram os dedos num número qualquer para tirar a sorte. Também se repete em vários jogos o recurso de tirar rapidamente a mão ao final dos versos recitados, “para evitar ser palmeado pelo companheiro e, deste modo, perder a partida e sair do jogo” (Gainza, 1996, p. 15). A autora também fala de fórmulas pré-estabelecidas em relação a posições dos pés (saltos com pernas abertas e cruzadas); além do costume de somar vários jogos independentes, formando assim um “pot pourri”. Sobre os textos utilizados nas canções ou versos recitados pelas crianças nos jogos de mãos, Gainza (1996) faz um levantamento de alguns temas encontrados nestas brincadeiras: - personagens de estórias infantis; 27 - personagens humorísticos; - personalidades do mundo do entretenimento; - personalidades do mundo da política local; - modismos; - ciclo da vida e da morte, desmistificados através do humor; - o desconhecido e o terror, como o diabo; - transgressões, vistas através da ótica infantil - como namorar, beijar, dar um tapa no “bumbum” do colega; - produtos do mundo do consumo; - o exótico, representado pela China e pelo Japão; - fantasia pura - o sentido lingüístico submetido à rima e ao som das palavras; - o insólito, a aventura. A autora explica que muitas vezes o texto “consiste em palavras sem sentido ou um idioma inventado. Também encontramos palavras, frases e versos que nos remetem a ‘restos’ de um inglês passado de boca em boca” (Gainza, 1996, p. 16). Sobre a parte gestual, Gainza explica que o repertório é muito grande. Registrou em seu trabalho mais de quarenta gestos, incluindo as diferentes combinações feitas com as mãos, dedos, pés (saltos e giros), cabeça, cabelos, ombros, etc. “Os gestos sonoros que propõe Orff em seu ‘Schulwerk’, comparados com esse riquíssimo arsenal estritamente tradicional, resultam pobres e estereotipados” (Gainza, 1996, p. 18). A autora também conta que a maior parte das canções e rimas são bem movidas ou aceleradas progressivamente e se encontram em compasso de dois ou quatro tempos, muitas vezes podendo ser acompanhadas por gestos de três tempos. “Os jogos mais ‘modernos’ apresentam ritmo de swing e 28 a combinação dos gestos pode produzir um efeito de contratempo sonoro” (Gainza, 1996, p. 18). Sobre a transmissão dos jogos, Gainza explica que as crianças aprendem de maneira direta, por imitação e repetição – a criança aprende na própria ação, praticando com outra que já sabe. “Simplesmente imitam e repetem o modelo até que os movimentos e as palavras se ajustem naturalmente” (Gainza, 1996, p. 8). Crianças de uma escola aprendem jogos praticados por crianças de outra escola, e assim introduzem o novo jogo em sua escola. “As crianças, ente elas, sabem ensinar e aprender com surpreendente eficácia” (Gainza, 1996, p. 19). A exatidão dos gestos e palavras dependerá de sua capacidade de memória, porém nenhuma criança tem problemas com isso, pois se lhe faltar alguma parte ou detalhes de um jogo, ela o completa à sua maneira. A autora conta que para os adultos, os jogos de mãos geralmente são muito difíceis de se realizar, como se fossem um emaranhado de dificuldades. Isso se dá pela maneira analítica de aprendizagem característica dos adultos, que para estes casos não rende bons frutos. A observação prévia de partes separadas de um jogo só provoca confusão e perda de tempo. Brincar de roda, ciranda, pular corda, amarelinha, etc., são maneiras de estabelecer contato consigo próprio e com o outro, de se sentir único e, ao mesmo tempo, parte de um grupo, e de trabalhar com as estruturas e formas musicais que se apresentam em cada canção e em cada brinquedo (BRASIL, 1998, p.71). 30 2.4 Contribuições das brincadeiras cantadas na formação da criança Da mesma forma que as outras brincadeiras, as brincadeiras cantadas também são valorizadas por seu papel na formação da criança, satisfazendo “necessidades afetivas, intelectuais, morais, sociais ou de expressão religiosa. As crianças brincam com as canções e através delas entram no universo dos códigos sociais” (Maffioletti, 2004, p. 36). Possuem grande valor como mediadoras das relações coletivas, envolvendo o sentimento de “estar-com”, favorecendo aprendizagens de conceitos sociais e as construções de sentimentos afetivos, tanto no pequeno grupo familiar como nas experiências coletivas com outras crianças. Maffioletti (2004) cita o exemplo da roda cantada, que para ela é um espaço privilegiado onde a criança consegue criar para si o “espaço do brinquedo coletivo, cuja área não está dentro da criança, nem fora no mundo compartilhado, mas num ‘viver intermediário’, onde os símbolos têm sua origem e as aprendizagens sociais tomam significado” (Maffioletti, 2004). A autora valoriza também a brincadeira de roda como um espaço coletivo onde a criança sente-se única e ao mesmo tempo parte do grupo. “Nas cantigas de roda ela é ora o centro, ora o coro, apresentando o estado onde se fundem a independência e a necessidade do outro” (Maffioletti, 1992, p. 9). A autora também fala que as brincadeiras cantadas ajudam muito no processo de integração da criança com um grupo, diminuindo o tempo de adaptação social, possibilitando interações em outros níveis. O canto em grupo facilita as trocas sociais, aproximando as pessoas. Os textos e as estruturas das cantigas e versos utilizados nas brincadeiras cantadas possibilitam uma vivência muito rica da língua materna, de maneira diferenciada da linguagem corrente. 31 A questão espacial também é bastante trabalhada, principalmente nas rodas. De acordo com Maffioletti (1992), a formação em círculo faz parte das primeiras experiências coletivas de exploração dos espaços. “Os limites da roda funcionam como fronteiras ou alicerces das noções que desenvolvem a partir da distinção de dentro e fora, pertencer ou não pertencer, ser ou não ser” (Maffioletti, 1992, p. 17). Enquanto gira e canta, organiza seus movimentos no espaço, promove o desenvolvimento de estruturas temporais sem as quais não poderia sequer expressar-se de forma coerente. Deslocamento de acentos, seqüências rítmicas de variada composição completam e enriquecem suas experiências. (Maffioletti, 1996, p. 17) Mais especificamente sobre os jogos de mãos, Gainza (1996) explica que através da sua prática, as crianças além de se divertir adquirem uma série de habilidades motoras, lingüísticas e mentais, além dos aspectos afetivos. A autora valoriza também a contribuição dos jogos de mãos no “processo de musicalização: as crianças cantam, movem-se, incorporam padrões musicais, fortalecem seu sentido rítmico e o pulso musical” (Gainza, 1996, p. 14). Os jogos de mãos desmentem as dificuldades de coordenação das crianças muitas vezes levantadas em algumas práticas pedagógicas, explica a autora. Não conceber as brincadeiras cantadas como importantes experiências para a formação completa da criança é perder uma riquíssima oportunidade de compreender mais profundamente a criança, proporcionando a ela que se desenvolva em sua integridade. Deixar de cantar ou cantar pouco as suas canções tem como resultado o “enfraquecimento dos traços culturais e a conseqüente fragilidade nos padrões de identidade social” (Maffioletti, 1992, p. 15). 32 2.5 As crianças ainda brincam com música? Existe certa polêmica sobre o assunto. Alguns autores dizem que as crianças das grandes cidades estão cada vez mais afastadas das canções e brincadeiras tradicionais infantis. Outros falam que as crianças continuam se expressando de maneira muito parecida com o que se fazia antigamente, porém acompanhando as mudanças sociais que vêm acontecendo com o passar dos tempos. De qualquer forma, é impossível fazer algum tipo de classificação generalizada, já que estamos falando de um país tão diversificado em cultura como é o Brasil. Muitas brincadeiras possuem fortes traços folclóricos e culturais, que por serem de tradição oral, vão se modificando conforme os diferentes contextos históricos e culturais, mas sem perder o caráter popular. Existem também aquelas brincadeiras que se modernizaram de tal maneira, através da influência dos meios de comunicação, que acabam tendo poucas características nacionais. Afinal de contas, é natural que a criança aprenda a se interessar pelo que os outros se interessam, observando aquilo que percebe como muito valorizado à sua volta (Maffioletti, 1992). Observa-se, no entanto, que as crianças jamais pararam de cantar, apenas cantam outras coisas. Nestas outras coisas estão incluídas as músicas de sucesso de rádio e televisão, improvisações e canções folclóricas. (...), canções populares são, adaptadas, reinventadas, para serem assimiladas como brincadeira, mesclando-se no folclore já existente (Maffioletti, 1992, p11). Esse trecho retirado do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil explica que: Em todas as culturas as crianças brincam com a música. Jogos e brinquedos musicais são transmitidos por tradição oral, persistindo nas sociedades urbanas, nas quais a força da cultura de massas é muito intensa, pois são fonte de vivências e desenvolvimento expressivo e musical. Envolvendo o gesto, o movimento, o canto, a dança e o faz de 33 conta, esses jogos e brincadeiras são legítimas expressões da infância. (BRASIL, 1998, p. 71). É claro que as brincadeiras realizadas nos grandes centros são diferentes daquelas realizadas em lugares menores, por exemplo. Mesmo dentro de uma mesma cidade encontramos variações na música e na maneira de brincar. De acordo com Renata Meirelles, pesquisadora e criadora do Projeto BIRA – Brincadeiras Infantis da Região Amazônica, brincadeiras tradicionais como as rodas estão cada vez mais raras nos grandes centros urbanos. Maffioletti (1992) coloca que a rotina das crianças, hoje, é muito diferente de tempos atrás. Os modelos são outros – os da televisão – e a falta de tempo livre e espaço acaba por diminuir as brincadeiras coletivas – “poucas têm somente o colégio como ocupação diária, além das mudanças sociais que impossibilitam a expressão das mesmas coisas que foram expressadas tempos atrás”. (Maffioletti, 1992, p. 11). Meirelles (2004) também afirma que falta para a criança urbana um espaço real de brincadeira, onde ela possa se expressar com seus amigos. Na sua opinião, o modo de vida moderno acarreta em mudanças na rotina infantil, sendo a criança “constantemente treinada para encarar a vida adulta, sofrendo um bombardeio de informações. As brincadeiras tradicionais, pelo contrário, têm o propósito único de brincar, permitindo a exploração e o prazer tão característicos da infância” (Meirelles, 2004). Já em regiões mais afastadas, pequenos vilarejos e cidades de interior, a cultura tradicional parece estar mais presente no cotidiano das pessoas em geral, refletindo também nas manifestações infantis, onde as brincadeiras envolvem músicas, personagens típicos e costumes da região. Através da sua pesquisa em vilarejos da Amazônia, Meirelles constatou que as brincadeiras de roda e outras do gênero constituem a principal atividade infantil. A autora conta que em meio às casas de madeira enfileiradas sobre as passarelas de palafitas, moram as famílias 34 cujos valores morais, intimamente ligados aos recursos naturais estabelecem um ritmo de vida determinado pela natureza. As atividades infantis não escapam à influência dessa organização social, e guardam fortes traços dos costumes locais. (...) Por serem transmitidas dessa forma, as brincadeiras têm um forte sotaque regional, como é o caso das cantigas de roda, recheadas de nomes de frutas e animais da região, além de referências a aspectos da vida cotidiana – pedir a benção à avó e dormir na rede, por exemplo (Meirelles, 2004). Sobre os jogos de mãos, Gainza (1996) explica que, além de continuarem sendo bastante praticados por crianças em praticamente todos os países, vêm se desenvolvendo conforme os avanços dos modelos de comportamento e comunicação do mundo da tecnologia. “Os jogos de mãos que realizam as crianças de hoje são incrivelmente mais ricos e complicados do que os aprendidos em nossa infância” (Gainza, 1996, p. 9). A autora comprova, através de sua pesquisa, que as crianças, além de praticar e difundir essas brincadeiras, são também produtoras ativíssimas dos mesmos: começam inventando as partes que não se lembram de um determinado jogo – seja no texto, na melodia ou nos gestos – para continuar propondo arranjos ou variações facilitadas para seus irmãos menores ou complicando certa versão oficial para aumentar a diversão no jogo com seus pares (Gainza, 1996, p. 20). Pelas próprias características dos jogos de mãos – só necessitam da voz e do corpo para serem realizados, estas brincadeiras são feitas em qualquer lugar. Gainza (1996) conta que, em entrevistas realizadas com crianças, percebeu que os jogos aparecem em situações diferentes. Nas escolas, nas ruas, como pura diversão ou desafio e também “para não se aborrecer quando não podem jogar com nada dentro de um carro, por exemplo” (Gainza, 1996, p. 23). Como explica Gabriel Vanasco (apud Gainza, 1996, p. 23), de oito anos de idade: 35 São jogos simples, sem materiais nem nada fabricado por uma fábrica. Só uma melodia. Qualquer canção se pode brincar com mãos... É lindo jogar assim aos 8 – 9 anos (ou aos 4 – 5 anos). Durante uma longa viagem de ônibus, as crianças inventam sons para se divertir... 3 COMO ACONTECEU A PESQUISA Os dados para a realização deste trabalho foram coletados através de observações e filmagens. Para definir as escolas a serem pesquisadas, foram feitas observações dos recreios e foram realizadas conversas informais com professores das escolas. As observações foram do tipo participantes (Estrela, 1994) dentro das salas de aula, quando foram registradas imagens através de filmadora. 3.1 Seleção das escolas a serem pesquisadas Para definição das escolas a serem pesquisadas foram realizadas observações e conversas informais com professoras e coordenadoras pedagógicas. Foi preciso realizar alguns passos para a definição de quais escolas entrariam nesta pesquisa. Achei que seria interessante a participação de realidades diferentes – escola pública e escola particular, além de localidades distintas dentro de Florianópolis, para verificar se há existência de rotinas e comportamentos diferentes, de acordo com essas realidades. Por isso, visitei escolas estaduais, municipais e particulares. Segue abaixo a relação das escolas visitadas durante o período de março a maio de 2004: - Escola de Educação Básica Leonor de Barros, no bairro Itacorubi; - Associação Pedagógica Praia do Riso - APPR, em Coqueiros; - cola de Educação Básica Prefeito Acácio Garibaldi São Tiago, na Barra da Lagoa; - cola de Educação Básica Henrique Veras, na Lagoa da Conceição; 37 - Escola Sarapiquá, no Itacorubi; - Escola Waldorf Anabá, no Itacorubi; - Escola Municipal Vitor Miguel de Souza, no Itacorubi; - Escola Municipal Padre Alfredo Horn, no Córrego Grande. Inicialmente foram feitas conversas informais com a direção e/ou coordenação das escolas, onde me apresentei como formanda do curso de licenciatura, expliquei o tipo de pesquisa, como esta seria feita e onde seria utilizada. Também entreguei uma carta assinada pela orientadora do trabalho (anexo 1), Viviane Beineke, confirmando que a pesquisa se tratava de um trabalho de conclusão de curso, e que para isso seria necessária a realização de filmagens das crianças dentro das escolas. A idéia inicial era conseguir informações suficientes através dos próprios professores/ coordenadores sobre a existência e periodicidade de jogos de mãos ou outros tipos de brincadeiras cantadas presentes nos pátios das escolas, durante os recreios. Dessa forma, eu já teria alguns dados para me apoiar ao fazer a seleção. Porém, as informações a esse respeito não foram muito consistentes, pois a maioria dos professores não assistia aos recreios das crianças, sendo poucos os que conheciam o recreio das crianças. Assim, me foi concedida permissão para observar os recreios matutinos e vespertinos das escolas, verificando a ocorrência dessas brincadeiras. Organizei o tempo de observação para que conseguisse acompanhar pelo menos um recreio em cada período nas escolas que eu havia selecionado para visita. Foi um processo demorado, pois na maioria das escolas o horário do recreio é o mesmo, então ficava difícil de acompanhar mais de uma escola por período. Mas 38 isso foi interessante, pois assim consegui acompanhar todo o processo do recreio – desde o início, quando as crianças vão para o pátio, lancham, caminham pelos espaços da escola, se encontram nos seus grupos e brincam; até o final, quando aos poucos, as crianças retornam às suas salas de aula. A minha intenção era conseguir um repertório de brincadeiras realizadas durante os recreios, de maneira espontânea. Feitas as observações, constatei que as brincadeiras cantadas, naquelas escolas, não estavam muito presentes na rotina das crianças naquele momento, o que me deixou um tanto angustiada. Eram poucas as ocorrências dessas brincadeiras nos recreios, não havendo freqüência suficiente para realizar a pesquisa no tempo disponível, pois elas aconteciam esporadicamente. De acordo com algumas professoras e coordenadoras das escolas, os jogos de mãos apareciam em épocas isoladas, alternando fases de maior ou menor grau de interesse por parte das crianças. Isso também acontece com outros tipos de brincadeiras, que vem e voltam na rotina das crianças, como “febres” do momento. Em uma das escolas visitadas durante este processo de seleção, a escola do Córrego Grande, a informação era que as meninas costumavam brincar mais com jogos de mãos durante o inverno, quando se sentavam ao sol para aquecer-se. Analisando a situação, percebi que a minha primeira idéia seria inviável, mas como eu não pretendia abandonar o trabalho, optei por realizar a pesquisa de maneira a criar um ambiente aonde as brincadeiras viessem à tona na memória das crianças, ao invés de esperar que brotassem espontaneamente. Não havendo nenhum tipo de influência sobre as brincadeiras apresentadas pelas crianças, a pesquisa continuaria sendo verdadeira. Assim, selecionei duas escolas após essa primeira observação nos recreios, que foram: 39 - Escola Municipal Vitor Miguel de Souza, no bairro Itacorubi, por haver grande interesse por parte da escola em participar do trabalho, além de confirmar presença de jogos de mãos nos recreios; - Associação Pedagógica Praia do Riso (APPR), no bairro de Coqueiros, pela receptividade e grande vontade em ajudar na realização da pesquisa, pelo perfil da escola – o qual valoriza o brincar e as artes e pela presença de brincadeiras cantadas na escola; 3.2 Como foi o encontro e a negociação com as escolas selecionadas 3.2.1 Escola Básica Vitor Miguel de Souza A Escola Vitor Miguel de Souza é uma escola pública da rede municipal de Florianópolis e atende crianças de classe média a baixa. Já na primeira visita, houve grande interesse por parte da coordenação da escola para que se fizesse um trabalho em conjunto com a turma da 2.ª série, pois havia certa compatibilidade entre o foco da pesquisa e o projeto para aquele semestre da professora da turma, Maria de Lourdes. No primeiro encontro com a professora, trocamos informações sobre os nossos trabalhos - eu falei sobre a minha pesquisa e ela me apresentou seu projeto, que consistia no resgate e valorização de brincadeiras e brinquedos de antigamente, já quase que esquecidos das crianças, como parlendas, adivinhas, contos do folclore brasileiro, piões, pipas e muitos outros. Como o assunto também era de seu interesse, a professora Lourdes ficou bastante entusiasmada em incluir um capítulo sobre brincadeiras cantadas, cantigas de roda e jogos de mãos em seu projeto, fazendo com que a coleta de dados para a 40 minha pesquisa viesse a fazer parte dos conteúdos propostos a serem trabalhados naquele período. Após uma negociação de horários e atividades, ficou estabelecido que o trabalho seria melhor realizado se feito na própria sala de aula devidamente organizada, para que não houvesse dispersão. A turma ficaria totalmente disponível para o trabalho. Em contrapartida, foi prometida uma aula de música para a turma, em outra data a combinar. Era importante explicar para as crianças a natureza do trabalho, como ele seria realizado e qual a sua finalidade, para que as crianças se sentissem à vontade em participar. Assim, numa data anterior à data prevista para a pesquisa, foi feito um encontro para conhecer as crianças da turma da 2.ª série matutina da E. M. Vitor Miguel de Souza. 3.2.2 Associação Pedagógica Praia do Riso - APPR A APPR é uma escola particular com excelentes instalações físicas, situada em bairro nobre de Florianópolis e atende crianças de classe média a alta. Esta escola tornou-se candidata a ser uma das escolas pesquisadas durante uma conversa informal com a sua coordenadora pedagógica, professora Cláudia, que mostrou-se muito interessada na proposta do trabalho, ficando à disposição para qualquer necessidade. Ela me sugeriu uma visita na reunião pedagógica mensal da escola, onde estariam presentes todos os professores, de forma que seria uma boa oportunidade para conversar sobre o trabalho. Realmente foi muito importante essa interação com o corpo docente da escola, no sentido de conhecer a turma cujo perfil fosse mais adequado para realização da proposta. Em certo momento da reunião pedagógica, me apresentei e 41 expliquei a todos os professores da escola um pouco do meu trabalho e o que eu pretendia com a pesquisa, de forma que duas professoras se adiantaram, dizendo que seria interessante realizar o trabalho com as suas turmas. Assim, o trabalho ficou marcado com as professoras de 3.ª e 4.ª séries (vespertino), já com uma data para conhecer as turmas e explicar sobre o trabalho (28 de abril de 2004) e uma previsão para as filmagens, que seriam nos dias 5 de maio - para a turma de 4.ª série e 11 de maio - para a 3.ª série. 3.3 Conhecendo as crianças 3.3.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza Na data combinada para o primeiro encontro com a turma, compareci na escola após o recreio das crianças. O grupo era composto por vinte e quatro alunos, na maioria entre oito e nove anos e alguns já com dez anos de idade. Após prazerosas conversa na sala de aula, mostraram-se muito receptivos e interessados no trabalho proposto. Expliquei também que, se houvesse interesse, faríamos juntos uma atividade musical na escola, onde eu levaria alguns instrumentos e propostas de músicas para tocarmos juntos. Todas as crianças ficaram muito interessadas, aceitando a idéia na mesma hora. Um garoto me perguntou se eu levaria uma guitarra, outros dois me contaram que estavam na aula de música do NEM – Núcleo de Educação Musical da UDESC e sabiam tocar a música do “Peixinho” (Peixinhos do Mar, domínio público). Combinamos então que faríamos as gravações numa data e a aula de música em outra. Foi entregue a cada criança uma carta onde pedia a autorização dos pais para que ela pudesse realizar a gravação (anexo 2). Somente com a carta assinada 42 a criança poderia participar da atividade. Dessa forma, ficou marcada para 05 de maio de 2004 a data para realização das gravações. 3.3.2 Associação Pedagógica Praia do Riso - APPR Na data marcada, fui até a escola conhecer as crianças das turmas de 3.ª e 4.ª séries. Cheguei no horário do recreio e esperei até que os alunos voltassem para suas salas, aproveitando para observar as brincadeiras que aconteciam durante o recreio. Algumas crianças vieram falar comigo, pois as turmas já sabiam que haveria “visita” naquele dia. Comecei pelo grupo de vinte crianças da 3.ª série - que estavam na faixa dos nove anos de idade, explicando o trabalho e como ele seria feito. Eu considerava sempre muito importante esse primeiro contato com as crianças, tanto para nos conhecermos um pouquinho, como também para eu ter uma noção do grau de interesse das crianças em me mostrar o que sabiam sobre jogos de mãos. Perguntei aos alunos se conheciam alguma brincadeira de mãos e se poderiam me ajudar na pesquisa. A maioria das meninas mostrou interesse, dizendo que conheciam várias brincadeiras e que concordavam em mostrar o que sabiam. Por parte dos garotos, não houve interesse, pois achavam que aquilo era “coisa de menina”. Sobre a aula de música, toda a turma gostou da idéia e quis participar. Entreguei a carta para autorização dos pais (anexo 2) e combinei a data para gravação. O grupo da 4.ª série, com quinze alunos de dez anos de idade, me pareceu mais disperso, mas algumas meninas gostaram da idéia e fizeram questão de me mostrar na hora alguns jogos de mãos que lembravam. Essa segunda turma, neste 43 primeiro contato, teve uma atitude mais desafiadora, não se envolvendo muito com a idéia e nem todas as crianças optaram por participar do trabalho. 3.4 Câmera, ação! Chegou o dia da gravação 3.4.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza Na data combinada - 05 de maio de 2004, às 8:00h, chovia intensamente, de forma que remarquei esse encontro para o dia 10 de maio. Não seria conveniente percorrer na chuva todo o trajeto até a sala de aula com os equipamentos para filmagem, além do que, segundo a professora Lourdes, os alunos costumavam faltar bastante nos dias de chuva. No dia 10 de maio, o tempo estava bom e a atividade pode ser realizada. Foi combinado que as filmagens seriam feitas nos últimos períodos, após o recreio. Cheguei na escola por volta das 10:00 h e me dirigi à sala da 2.ª série, junto com a professora Lourdes. Os alunos foram entrando curiosos com o que ia acontecer. Alguns já se sentiram à vontade para falar comigo e vieram fazer perguntas ou contar alguma coisa. Fui montando a filmadora no tripé enquanto a professora da classe conversava com as crianças e pedia que ficassem sentadas em seus lugares. As carteiras estavam arrumadas em pequenos grupos de três a quatro crianças. Achamos que o melhor lugar para a filmadora seria no fundo da sala, de modo que as crianças apresentassem os jogos de mãos na parte da frente, perto do quadro negro, onde havia mais espaço. A filmadora foi algo que despertou muita curiosidade entre as crianças. Toda a turma queria saber como funcionava, se amontoando em volta da câmera na tentativa de “dar uma espiadinha” no visor. Expliquei para toda a turma que seria necessário muito cuidado com aquela 44 filmadora e fiz um rodízio entre as crianças para que todas pudessem olhar um pouquinho, matando a curiosidade. A minha relação com as crianças era muito boa e elas me travavam com bastante respeito. Nesse sentido, não foi preciso chamar a atenção em nenhum momento. Deixei livre para as crianças se organizarem com as brincadeiras, perguntando quem gostaria de começar. A turma parecia muito feliz com a situação, todos querendo participar da gravação. Conversei com a turma, pedindo apenas que, durante cada apresentação, o resto da turma fizesse silêncio, pois todos os sons produzidos na sala iriam aparecer na gravação. Duas garotas já se organizaram para começar, realizando alguns ensaios antes de me mostrarem seus jogos de mãos. As brincadeiras foram sendo mostradas uma após a outra, algumas saíram bem na primeira gravação e outras foram gravadas mais de uma vez por motivos de erros das crianças ou quando a voz estava muito baixa. Algumas crianças iam treinar no corredor, outras queriam aprender na hora alguma brincadeira para poder participar, e alguns meninos adaptaram canções que conheciam com algumas batidas de mãos e assim se apresentaram. Uma das brincadeiras, Adoleta, era conhecida de toda a turma, de modo que todos queriam apresentá-la. Combinei com as crianças que faríamos aquele jogo por último, com a participação de todos numa grande roda no meio da sala. Neste dia, foram apresentados oito jogos de mãos. 45 3.4.2 Associação Pedagógica Praia do Riso - APPR 3.4.2.1 Turma da 3.ª série Na data combinada, 11 de maio, cheguei na escola perto das 14:00h. as crianças já sabiam da atividade, mas nem todas iriam participar. Achamos melhor fazer as gravações dentro da sala, pois havia barulho no pátio e as crianças poderiam ficar desconcentradas. Aqueles que não tinham interesse foram dispensados, ficando livres para brincar no pátio. Dos meninos, apenas um ficou na sala, o restante saiu para brincar. A professora da turma me contou que naquela semana as meninas começaram a brincar mais com os jogos de mãos no pátio, provavelmente treinando para a gravação. Algumas crianças se interessaram em aprender mais brincadeiras, mas os meninos não se entusiasmaram com a idéia. Esta turma apresentou quatro jogos de mãos. 3.4.2.2 Turma da 4.ª série No dia 5 de maio, data marcada para realizar as filmagens com a turma de 4.ª série, compareci na escola por volta das 17 horas, horário combinado. Neste dia o trabalho não pôde ser feito, pois a maioria das crianças não havia trazido a autorização dos pais para as filmagens. Marcamos então para a semana seguinte, dia 12 de maio, no mesmo horário. No dia 12 de maio, então, a filmagem pôde ser realizada. Resolvemos fazer o trabalho no pátio, pois havia crianças que não queriam participar. Reuni as meninas 46 que queriam mostrar as brincadeiras e fomos juntas até um canto do pátio. Ali elas começaram a brincar com os jogos de mãos, sem muita inibição. Algumas faziam com mais entusiasmo, outras mais desinteressadas. Foram quatro brincadeiras diferentes, todas feitas em duplas, as quais as próprias garotas iam organizando e escolhendo. O trabalho com essa turma foi bem rápido, não teve muitas brincadeiras e a dinâmica de troca dos pares foi rápida. Nenhuma foi preciso gravar de novo. Neste dia, aconteceu algo interessante: algumas garotas da 3.ª série me chamaram, contando que haviam lembrado de mais jogos de mãos e que queriam me mostrar. Assim, me dirigi à sala da 3.ª série e filmei mais três brincadeiras. 3.5 “Bônus”: mais um encontro com as crianças da escola Vitor Miguel No momento em que transcrevia os jogos de mãos apresentados pelas crianças da 2a. série da escola Vitor Miguel, senti necessidade de realizar mais um encontro para conferir algumas palavras de jogos que eu havia ficado com dúvidas. Eu não tinha idéia que esse encontro poderia render mais jogos de mãos! Assim, em meados de setembro resolvi fazer nova visita à escola na tentativa de encontrar as garotas que haviam me ensinado aquelas brincadeiras. Conversei com a coordenadora pedagógica da escola, explicando minha situação. Falei que seria uma conversa rápida e que eu não queria tirar as crianças da sala de aula, por isso aguardaria o horário do recreio. A coordenadora fez questão de chamar as garotas na sala, dizendo que talvez no recreio elas não quisessem conversar. As garotas ficaram muito felizes ao me ver e me acompanharam até o pátio, onde sentamos no chão e eu comecei falar sobre minhas dúvidas em alguns jogos de mãos. As crianças não só me esclareceram as dúvidas, como também realizaram 47 uma porção de jogos novos, que não haviam apresentado no dia da filmagem. Como eu já havia adquirido certa habilidade em entender e escrever os jogos, consegui passar rapidamente as brincadeiras novas para o papel, aumentando então, o repertório de brincadeiras para o meu trabalho. 3.6 Transcrição e análise dos jogos de mãos Após a coleta de dados, o próximo passo foi fazer uma análise dos jogos de mãos apresentados pelas crianças. Para isso, transcrevi todas as brincadeiras, baseada no trabalho de Gainza (1996), que foi muito útil e facilitou bastante essa parte do trabalho, no sentido de me ajudar com uma grafia bem específica para representar os gestos contidos nos jogos de mãos. A autora explica que na sua pesquisa teve de elaborar uma maneira eficiente para registrar os jogos que ia conhecendo. Ela conta que muitas vezes se encontrava em lugares onde não dispunha de papel e caneta, ou ainda que havia pouco tempo para registrar um novo jogo que aprendia. Por isso, conta que foi muito importante o trabalho de criação de uma escrita própria para os gestos dos jogos. São mais de quarenta símbolos diferentes para representar os gestos realizados pelas crianças nas brincadeiras, de forma que, para a escrita dos jogos de mãos que eu coletei, não precisei me preocupar com a criação de um código próprio, pois a grande maioria Gainza (1996) já havia criado, sendo que foram poucos os que não estavam contidos no seu trabalho. Depois de transcrever as brincadeiras, analisei a parte estrutural das canções ou versos junto com a parte rítmica realizada com as mãos; a forma das brincadeiras e as combinações e particularidades dos diferentes jogos. 48 Achei importante realçar as células dos padrões de acompanhamento antes de algumas partituras, para facilitar o entendimento do ritmo executado pelas mãos, já que muitas vezes este não está no mesmo compasso da parte falada ou cantada. 3.6.1 Código dos gestos A partir da notação musical desenvolvida por Gainza (1996) para escrever os gestos dos jogos de mãos, neste trabalho foram utilizados os códigos relacionados abaixo para as transcrições das brincadeiras coletadas. Legenda: : bater palma. : a mão direita, com a palma voltada para baixo, desce e bate na palma esquerda do companheiro – que está voltada para cima. Ao mesmo tempo, a mão esquerda voltada para cima, sobe e bate na palme direita do companheiro – que está voltada para baixo. : as duas palmas, paralelas e verticais – com os dedos apontando para cima, batem contra as palmas do companheiro. : bater com as costas das mãos, paralelas e verticais – dedos apontando para cima – nas costas das mãos do companheiro. e : de mãos dadas com o companheiro, balançar os braços para um lado e para o outro. : os dois polegares apontam para trás, por cima dos ombros. 49 e : levar o polegar até à boca, como se estivesse bebendo algo – direito e esquerdo. : levar as duas mãos na cabeça, imitando as orelhas de burro. fazer o gesto de escrever com uma caneta. e : com as mãos dadas com o companheiro, puxar-se de um lado para outro, como se estivessem dando beijos no rosto. d : a palma da mão direita bate na palma da mão direita do companheiro. e : a palma da mão esquerda bate na palma da mão esquerda do companheiro. : fazer uma volta completa, parando no mesmo lugar. : com as duas palmas unidas – dedos apontando para frente, bater nas mãos do companheiro (em posição idêntica), indo para um lado e para o outro. : com as duas palmas unidas – dedos apontando para frente, encostar as costas das mãos nas costas das mãos do companheiro (em posição idêntica), formando assim um “conjunto”. : no mesmo conjunto descrito acima, bater uma palma com a mão que está livre (direita), sem desencostar as costas das mãos do companheiro. e : mantendo a posição do conjunto, bater palmas com a mão direita na mão direita do companheiro, acima e abaixo do conjunto. : fazer um arco com o braço direito, subindo e descendo para ... : dar uma palmada na coxa. 50 : estalar os dedos. : com a mão direita, bater na mão direita do companheiro. : com as costas da mão direita, bater nas costas da mão direita do companheiro. : levar a mão direita no ombro esquerdo e a mão esquerda no ombro direito. e : dar um salto para frente ou para trás. : balançar os quadris. : pisar com o pé direito à frente : balançar os braços, imitando uma galinha : com os dedos indicadores, puxar o canto dos olhos. : girar as mãos, uma atrás da outra. : dar um salto, caindo com as pernas abertas. : com as mãos fechadas, bater nas mãos do companheiro, como se estivessem dando “soquinhos”. 4 OS JOGOS DE MÃOS 4.1 Jogos apresentados por crianças da 2.ª série da Escola Vitor Miguel de Souza 4.1.1 Batom O primeiro jogo de mãos foi apresentado por duas garotas, Larissa e Bárbara. Resolvi chamar de Batom, que é a chamada para a música, mas não sei qual é realmente o nome deste jogo. A letra é uma brincadeira que conta uma estória engraçada sobre uma velha que caiu e um velho que viu sua calcinha verde e amarela. A turma toda ficou em silêncio, respeitando a apresentação das colegas. As meninas realizaram a brincadeira com bastante desenvoltura nos gestos, mas cantaram os versos em voz baixa. Pedi às outras crianças que ajudassem a cantar, para que pudéssemos ouvir melhor as canções. Alguns me responderam que aquela eles não conheciam. Após essa primeira apresentação, a turma ficou entusiasmada, batendo palmas e vibrando com a performance das colegas. A célula rítmica utilizada no acompanhamento de mãos desta música está logo abaixo, sendo que esta é repetida até o fim da brincadeira, quando as crianças fazem um breque. 52 Batom Introdução 1ª estrofe 2ª estrofe Coda Um dia desses Velha caiu Batom, Eu conheci O velho viu Quem bater palma Batom Uma velha Calcinha dela Imita/vai ser Tira o ba, Que se chamava Verde e amarela a velha Fica tom Dona Lea Cor do Brasil A canção utilizada nesta brincadeira é formada por versos com rima e sem melodia, acompanhada por um ritmo em compasso quaternário, que permanece o mesmo por toda a brincadeira. Possui uma introdução de quatro compassos, para depois começar a estória. Depois, seguem duas partes, com momentos diferentes – 53 a apresentação da velha e o momento em que ela cai, quando o velho vê suas calcinhas, ambas formadas de cinco compassos, o que podemos chamar de forma irregular. Temos ainda uma finalização de dois compassos, que faz um breque e é um tipo de “pegadinha” para quem não estiver atento. É interessante que a introdução e a coda possuem um movimento melódico diferente do restante da música, que é toda falada, sem melodia, o que nos dá a idéia de que se tratam de partes distintas. O acompanhamento realizado pelas mãos é um padrão utilizado em outras canções, como Flai si, si olá, citada por Maffioletti (1992), brincadeira popular nos recreios de minha escola; também a canção argentina Ritmo, e a espanhola Em la calle 24 (cuja letra é muito parecida com a brasileira Rua 24), citadas por Gainza (1996). Este mesmo padrão também é muito utilizado nas introduções de algumas brincadeiras, como por exemplo, Xuxinha, brincadeira criada pelas meninas da escola Vitor Miguel, Popeye, também apresentada pelas meninas da escola e a qual eu brincava muito na infância; Com Quem, apresentada por crianças na escola Praia do Riso e as argentinas Mensú e Me está persiguiendo um Chico, ambas citadas por Gainza (1996). Nestes casos, é comum que a introdução - que geralmente cita algumas palavras da letra da música, como uma chamada; venha seguida da canção num andamento mais rápido, acompanhada pelo padrão rítmico ternário muito comum nos jogos de mãos. 54 4.1.2 O ‘Viado’ Esta música talvez não fosse apresentada se eu não insistisse um pouco. Percebi que a turma estava pedindo alguma brincadeira que as meninas estavam relutando em fazer. Uma das garotas não queria de jeito nenhum, e elas ficaram por algum tempo discutindo qual seria a próxima música. Eu fiquei bastante curiosa em conhecer a canção “proibida”; percebi que havia algo envolvido, do tipo “palavrão”, ou alguma brincadeira estranha. Fiz questão que elas realizassem a brincadeira, dizendo que não havia problema. Tentei deixá-las bem à vontade para mostrar aquela música, mas não foi preciso muita insistência, pois logo já começaram a cantar e toda a classe acompanhou cantando junto, todos bem entusiasmados. A música se tratava de um “viado” no ônibus, que faz uma confusão com o cobrador e o motorista. Como na brincadeira anterior, a última frase da música é uma “pegadinha”, e quem não estiver atento pode ser alvo de gozação. Foi muito interessante a execução dessa brincadeira, o quanto todas crianças participaram e levaram a sério. Tanto é que resolvemos gravar duas vezes, com as duas versões de finais diferentes – uma delas a letra fala que o “viado” quer ficar sentado, então todos têm que se levantar rapidamente; a outra diz que o “viado” quer ficar em pé, aí todos se sentam (na versão em que o “viado” tem que ficar em pé, toda a turma se sentou rapidamente e morreu de rir de mim e da professora, pois éramos as únicas que estavam em pé). O Viado 1 – passar a mão na barriga, fazendo movimentos circulares 2 – movimento do volante do carro Introdução 1ª estrofe 2ª estrofe 3ª estrofe Tinha um viado lá O viado se alevantou, Cobrador deu de Motorista deu a ré, no banco de trás E disse que o viado surfista, E disse que o viado era o cobrador E disse que o viado quer ficar sentado/ em era o motorista pé! Esse é um dos muitos exemplos de melodia quaternária sobre um ritmo ternário. As mãos executam um padrão ternário bastante comum nos jogos de mãos, que fecha com o quaternário da melodia a cada doze tempos, ou seja, de três em três compassos: 56 Esse padrão, que geralmente segue igual até o fim da música, possui poucas ou nenhuma intervenção de gestos diferentes. Neste caso, as crianças fazem alguns gestos diferentes no decorrer da música, de acordo com o que sugere a letra. A frase dos dois primeiros compassos nos dá uma idéia de introdução, pois não encaixa na estrutura formal do restante - que fica então dividida em três partes de quatro compassos cada; além de ser uma apresentação do enredo que vem a seguir. A estória acontece em um ônibus, apesar de ficar subentendido, pois a palavra “ônibus” não é dita nem uma vez. Toda a letra é recitada, com rima de duas em duas frases, mas sem melodia. Existem dois finais possíveis na letra da música (em pé ou sentado). O interessante é que as crianças não combinavam qual o final que iriam cantar, mas o faziam de acordo com a situação – se todos seus colegas estivessem sentados, o final escolhido era justamente aquele em que todos teriam de se levantar; e no contrário, cantavam a outra opção. 4.1.3 O Trem Maluco Mal acabavam de mostrar uma brincadeira, as duas meninas já iam selecionando a próxima, pois eram tantas que sabiam! Quando começaram a cantar O trem maluco, toda a turma acompanhou cantando junto, com bastante alegria. Nesta brincadeira, as meninas aceleraram o andamento da música, como se a proposta daquele jogo fosse mesmo a agilidade. 57 O Trem Maluco ? o tom transcrito é aproximadamente o cantado pelas crianças. A parte transcrita com notas de percussão é falada com alturas aproximadas. O Trem Maluco, também conhecida por O Trem de Ferro, é uma canção bem popular entre as crianças, cantada por todo o país. Trata-se de uma embolada infantil, que possui diversas variáveis na letra e na maneira de brincar. O número de estrofes também varia, podendo haver alterações na melodia (Brito, 2003). Brito faz 58 um comentário interessante sobre essa canção - conta que, por volta de 1987, em Fortaleza, registrou um exemplo desta brincadeira onde as crianças incluíram a coca-cola e o guaraná, o que lhe chamou atenção. Percebemos, através deste exemplo, que o nome dos refrigerantes permaneceu na letra e se espalhou por mais regiões... Nesta execução, temos quatro estrofes, sendo que a última possui duas frase a mais. A melodia, de divisão quaternária, apresenta trechos com versos falados. A construção das rimas é diferente em cada estrofe. O acompanhamento de mãos executa o padrão ternário já citado, permanecendo igual na primeira, na segunda e na quarta estrofe. Na terceira estrofe as crianças fazem outros gestos de acordo com a letra. No final da música, acontece uma brincadeira: enquanto falam – na boca, as crianças dão as mãos e, como se estivessem dando beijinhos no rosto, se puxam para um lado e para o outro, até que tentam dar um encontrão no meio, imitando o beijo na boca. Fazem isso com força, de modo a quase cair no chão, se divertindo muito. 1ªestrofe (cantada) 2ªestrofe (cantada) O trem maluco Rebola pai, Quando sai de Pernambuco Mãe, filha, Vai fazendo chique-chique Eu também sou da família Até chegar no Ceará Também quero rebolar 3ªestrofe (falada) 4ªestrofe (falada) Um “pouquim” de coca-cola, Professora muito burra Um “pouquim” de guaraná, me ensinou a namorar Dois burrinhos foram à escola Namorei um garotinho 59 Aprender o beabá da escola militar O danado do garoto só queria me beijar... na bo-ca! 4.1.4 Tim, Tim Essa brincadeira foi a mais trabalhosa e mais demorada para ser gravada. Larissa e Bárbara começavam a executar, mas em certo ponto da brincadeira não se acertavam - insistiram várias vezes, mas não estavam conseguindo realizá-la. Parecia que uma delas conhecia melhor a brincadeira, mas ambas estavam com dificuldades e uma ficava brava com a outra. As outras crianças da turma conheciam a brincadeira, pois tentavam ajudar cantando junto, mas depois de algumas tentativas começaram a achar graça. A brincadeira realmente parecia bastante complicada, com gestos diferentes e variados. As meninas resolveram chamar um garoto (irmão de uma delas) que conhecia o jogo, e ele, muito timidamente, tentou realizar os gestos com as duas, mas sem sucesso. Pedimos que fossem ensaiar o jogo no corredor, enquanto outras crianças apresentavam mais jogos de mãos. Depois do treino no corredor e de mais algumas tentativas, o jogo saiu. A parte rítmica foi realizada pelo garoto com sua irmã, sendo que a outra menina ficou por perto ajudando na canção. As crianças ficaram muito felizes em conseguir realizar a brincadeira. A turma toda também vibrou e cantou junto, foi um momento bonito. 60 Tim, Tim ? o tom transcrito é aproximadamente o cantado pelas crianças. As palavras no início da música são uma aproximação do que as crianças cantaram. Introdução 1ªestrofe 2ªestrofe Era um castelo A coitadinha Mau assombrado Da princesinha Que tinha rato Tomou veneno Também lagarto E a bruxinha Coda Tim, Tim “mau évan” “I want seven” Tim, Tim “mau évan”! 61 Esse jogo é diferente dos outros apresentados até aqui, no sentido de que explora outros tipos de gestos, como bater com o dorso das mãos, por exemplo. O padrão rítmico feito com as mãos é maior do que os apresentados até agora, com dois compassos, ou oito tempos. Acompanha a divisão quaternária da música, que é uma melodia de poucas notas, e vai se repetindo igual até o final. Possui duas partes de quatro frases cada uma, mais uma introdução e uma coda. A letra fala de um castelo mal assombrado que tem uma princesinha que tomou veneno e uma bruxinha. No começo, as crianças cantam algumas palavras provavelmente em inglês, mas de difícil entendimento. Gainza (1996) fala sobre isso, explicando que às vezes as crianças inventam palavras e também utilizam frases ou palavras que remetem a ‘restos’ de um inglês, passado de boca em boca. A autora cita um exemplo que pode ser algum tipo de precursor deste jogo – o nome é Chin Chin Mamerri e vem lá da Argentina. O início da letra é semelhante, mas não igual. O gestual também é parecido, mas tem menos batidas e o ritmo que resulta fica diferente. No exemplo argentino, a canção é bem pequena, não constando a estória do castelo e da bruxinha. 4.1.5 Lá em cima daquele morro Para esta execução, se apresentaram dois garotos que já haviam ensaiado no corredor. Estavam ansiosos por mostrar o jogo que sabiam, e por duas vezes começaram a dar gargalhadas, parando a brincadeira logo no início do jogo. A maneira como executaram mostrou que eles não tinham muita intimidade com este tipo de brincadeira, e os gestos escolhidos deram a impressão de terem 62 sido adaptados pelos garotos especialmente para a apresentação. Foi interessante ver a alegria dos meninos ao conseguir realizar a brincadeira. Lá em cima daquele morro Lá em cima daquele morro Também passa o (Fulano) Passa boi, passa boiada Co’a cueca rasgada Estes versos fazem parte de uma canção do repertório tradicional infantil de tradição oral – Aí vem a chuva. Aqui, foi utilizada no jogo apenas uma estrofe, entoada sem melodia, na qual uma frase foi adaptada pelos meninos para fazer uma brincadeira com um colega da sala. O gestual que os meninos utilizaram é bastante simples, com apenas dois movimentos de mãos acompanhando a pulsação da música. 4.1.6 Cecerece Cecê Essa brincadeira foi apresentada em forma de roda, por um grupo de três crianças – as duas meninas do começo e o irmão de uma delas, que também já 63 havia se apresentado. As três crianças pareciam ter experiência com aquele tipo de jogo, pois realizaram toda a brincadeira com bastante alegria e agilidade. Cecerece Cecê ? o tom transcrito é aproximadamente o cantado pelas crianças. 1ªparte 2ª parte Dá a caneta, a lapiseira Meia volta, “vamo ver”! O chinês arrebentou Vou falar com você! Esperando nenê! Para o mês de abril! Nome dele vai ser! Cecerece cecê! 64 Este é um jogo que era bastante conhecido na minha infância, mas com algumas variações na letra. Possui duas partes distintas, tanto na melodia quanto no gestual, sendo que a primeira parte – mais curta, utiliza o acompanhamento rítmico ternário sobre os versos quaternários, como outros jogos já apresentados, só que neste caso as crianças permanecem em círculo e não em duplas uma de frente para outra. Na segunda parte a música quebra o padrão do início, trocando a voz falada por cantada e o ritmo feito com as mãos passa a ser quaternário, incluindo voltas no lugar. 4.1.7 O Mateus não lava o pé Dois garotos se apresentaram para realizar a brincadeira. Estavam ansiosos para participar, mas não pareciam ter muita prática com jogos de mãos. Cochicharam bastante antes de começar e já haviam treinado no corredor. Cantaram e brincaram com as mãos com bastante concentração, num andamento bem lento no começo que foi aos poucos acelerando. Ficaram bem felizes no final, quando fizeram um trocadilho na letra usando o nome de um colega da sala, mas a turma não achou muita graça, não houve muita reação. 65 O Mateus não lava o pé ? melodia aproximada da cantada pelas crianças. (Fulano) não lava o pé Não lava porque não quer Ele mora lá na lagoa Não lava o pé porque não quer. Este caso parece ser como aqueles que citou Gainza: “gestos agregados pelas próprias crianças a certas canções tradicionais” (Gainza, 1996, p. 13). Os dois meninos adaptaram a canção do “Sapo não lava o pé”, colocando o nome de um colega no lugar do sapo. O gestual ficou bem simples, com dois movimentos marcando a pulsação da música. 4.1.8 Adoleta Esta foi uma brincadeira bastante esperada: Adoleta. Como toda a turma conhecia este jogo, havia ficado combinado que todas as crianças iriam participar e que esta seria a última brincadeira. Afastamos as carteiras de modo que as crianças conseguissem fazer um círculo no chão, todas sentadas. Demorou um pouco até 66 que todos se ajeitassem, pois as crianças estavam inquietas naquele momento. Havia certa ansiedade por parte do grupo, pois muitos ainda não haviam participado de nenhuma brincadeira. A professora chamou a atenção da classe algumas vezes, principalmente de alguns alunos mais ativos. Formamos uma grande roda no centro da sala. Todas as crianças estavam felizes na brincadeira. Foi preciso realizar o jogo duas vezes, pois a primeira não saiu muito bem. Por fim, o jogo deu certo e todos brincaram bem alegres, atentos e cantando juntos. Adoleta A B C Adoleta Puxa o rabo do tatu Lá em cima do piano Le peti peti polá Quem saiu foi tu Tem um copo de veneno Nescafé com chocolá Puxa o rabo do diabo Quem bebeu, morreu Adoleta Quem saiu foi o coitado O azar foi todo seu! Adoleta é um jogo bastante conhecido, muito usado como “fórmula de escolha”, isto é, as crianças usam-no como ritual de seleção para outra brincadeira. 67 Geralmente é jogado entre três crianças ou mais; porém, nesta pesquisa foi registrado o jogo sendo realizado por duas crianças. Não se sabe se as crianças realmente brincam em pares ou se apenas o fizeram para participar da gravação. A brincadeira consiste em dar as mãos em roda, de modo que o dorso de cada mão direita fique sobre a palma da mão esquerda do companheiro que está ao lado direito. Quando começa a canção, um dos participantes leva sua mão direita até a mão direita do companheiro à sua esquerda, dando uma “palmada”. Assim que receber a palmada, a criança deve bater na mão direita da próxima criança, sempre à sua esquerda; e assim sucessivamente. As crianças devem estar atentas no final da brincadeira, pois quem levar a palmada na última palavra da canção perde o jogo, saindo da brincadeira. A canção não possui melodia, seus versos são todos falados de maneira ritmada, com as mãos acompanhando o ritmo das palavras. Esta escrita foi feita tentando se aproximar ao máximo da métrica executada pelas crianças, o que não é fácil, pois ocorrem várias acentuações diferentes dando a idéia de mudança de compasso. Podemos encontrar variações na letra e na quantidade de versos, dependendo da execução. Neste caso, as crianças incluíram uma terceira parte (C) que pertence a outra brincadeira. É comum o jogo terminar na frase: “puxa o rabo do tatu, quem saiu foi tu”. 68 4.2 Jogos apresentados por crianças da 3.ª série da Associação Pedagógica Praia do Riso APPR 4.2.1 Parará A primeira brincadeira apresentada foi Parará. A sala estava bem tranqüila, com poucas crianças em volta. Os meninos haviam saído para brincar no pátio, apenas um ficou na sala. Esta brincadeira foi apresentada seis vezes, por duplas diferentes. Todas mostraram bastante agilidade com os gestos da brincadeira, o que deu a impressão que todas já conheciam bem aquele jogo. Não foi registrada nenhuma versão diferente, sendo obedecido sempre o mesmo padrão. Parará ? Esta brincadeira foi apresentada por várias crianças diferentes. O tom transcrito é aproximadamente o tom cantado em uma das apresentações. Repetições: 2 – Perere pereti, perere pereti, perereré 3 – Piriri piriti, piriri piriti, piririrí 4 – Pororo... 5 – Pururu... 6 – Parara pereti, piriri poroti, purururú 69 Esta parece ser uma das brincadeiras favoritas das meninas da APPR. A parte cantada é bem simples, uma curta melodia de poucas notas que faz uma brincadeira com as vogais. O que mais impressiona neste jogo, sem dúvida, são os gestos feitos com as mãos. Gainza (1996) registrou um jogo de mãos cujo gestual é muito parecido com o executado pelas meninas. Chama-se Añejo, e vem da Argentina. O interessante é que, além dos gestos, a letra também tem uma semelhança: foi feita a partir das vogais; porém a melodia não de parece em nada com a brasileira. É interessante a quebra do último compasso ao voltar para o primeiro, o que aconteceu em todas as execuções. O resultado pode ser um 5/4 ou um 3/4 mais um 2/4. Optei pela segunda opção, pois achei que assim ficaria mais fiel à execução das meninas. 4.2.2 O Trem Maluco Na APPR registrei quatro apresentações do Trem Maluco, todas por meninas da 3.ª série. As versões aqui apresentadas foram um pouco diferentes daquela registrada na escola Vitor Miguel, apresentando uma estrofe diferente em um caso; alguns versos a mais em outros; um gesto diferente em outro caso... As meninas pareciam gostar desse jogo, brincavam com agilidade e rapidez nos gestos, mas algumas duplas não pareciam se divertir ao realizar os jogos de mãos, pois executavam sem muito entusiasmo. A turma que assistia também não cantava junto, como na escola Vitor Miguel, apenas esperavam por sua vez de mostrar as brincadeiras. 70 O Trem Maluco 1 – imitar o movimento de puxar a cordinha que faz o apito do trem 2 – rebolar 3 – abanar-se com as mãos 4 – dar um tapa no bumbum da pessoa que está à sua frente Nessa versão misturei todos os elementos novos que surgiram nas quatro apresentações da brincadeira. Algumas foram muito parecidas com a versão 71 apresentada na outra escola, incluindo apenas o movimento do apito do trem ou o rebolado, por exemplo. Optei por usar todas as novidades que apareceram numa mesma versão, pois as diferenças eram sutis. Nestas apresentações as crianças incluíram a “cervejinha” junto com os refrigerantes e fecharam a estrofe de forma a não sair do tema (bebidas), o que foi diferente da outra versão: APPR Vitor Miguel Um pouquim de coca-cola, Um pouquim de coca-cola, Um pouquim de guaraná, Um pouquim de guaraná, Um pouquim de cervejinha, Dois burrinhos foram à escola Pra refrescar. Aprender o beabá 4.2.3 Babalu Duas duplas apresentaram esta brincadeira naquele dia. Este jogo inclui saltos para frente e para trás, sendo que as crianças em determinado momento permanecem afastadas e continuam a brincar dessa forma, até que novos saltos aproximam-nas novamente. Os versos são falados, sem melodia. Sua estrutura é formada de uma pequena introdução – uma espécie de chamada para a brincadeira; seguida de três partes de quatro compassos cada. A primeira parte é marcada por palmas com a mão direita das duas crianças alternando para cima e para baixo, com o dorso das mãos esquerdas unidos no centro. Na segunda parte, as crianças soltam as mãos cruzando-as sobre o peito e fazem um balanço com o corpo, como sugere a letra. A terceira parte é marcada pelos saltos, para trás e para 72 frente. 4.2.4 Adoleta Registrei algumas brincadeiras Adoleta em pares, mas pela maneira como brincaram, não me pareceu muito comum o jogo feito daquela forma. Talvez tenham feito assim apenas para a filmagem. O único menino que participou foi justamente 73 nesta brincadeira, e ele não pareceu muito seguro. As frases cantadas foram as mesmas das crianças da escola Vitor Miguel. Para acompanhamento, tivemos o padrão ternário: e aquele em que as crianças apenas batem as mãos juntas, para cima e para baixo, marcando a pulsação da música: Um detalhe que dificultou a realização da brincadeira em duplas foi a finalização. Principalmente quando o acompanhamento era feito usando o padrão ternário, a brincadeira do final não dava muito certo, pois a idéia era conseguir bater na mão do colega, e daquela forma não tinha muito sentido. 4.2.5 Fui ao Cinema Esta brincadeira possui duas partes bem distintas. A primeira, acompanhada pelo padrão ternário já citado, é toda falada de maneira mais pausada, marcando bem cada sílaba. Possui três frases e, após cada uma delas, as crianças fazem um gesto de acordo com a letra. Optei por escrevê-la usando mudanças de compassos, para acentuar as marcações feitas pelas crianças com a voz. A segunda parte, também falada, é mais ligeira, as crianças giram e dançam – desta vez sem tocar as mãos, conforme sugere a letra. 74 parte A: 1 – Fui ao cinema assistir um filme de terror (levantar os cabelos com as mãos, dando um grito de terror) 2 – Fui ao cinema assistir um filme de amor (levar as duas mãos à boca, dando beijinhos) 3 – Fui ao cinema assistir um filme de caubói (imitar um revólver com os dedos indicadores, uma mão de cada vez , dizendo: ”bang, bang”) parte B Pisa no chiclete, Dá uma rodadinha, Imita uma galinha, A dança da “bundinha” 4.2.6 Fui à China Esta brincadeira é bastante popular entre as crianças, praticada em vários lugares do Brasil. Encontramos algumas variações de letra e de gestos, mas a forma 75 da brincadeira é a mesma. Foi divulgada no trabalho de Hortélio (sem data) e por Gainza (1996). ? Esta brincadeira foi apresentada por várias crianças diferentes. O tom transcrito é aproximadamente o tom cantado em uma das apresentações. 1 – Fui à China-na, saber o que era China-na, todos eram China-na, ligue-ligue-ligue China-na. 2 – Fui ao Halley *, saber o que era Halley, todos eram Halley, ligue-ligue-ligue Halley. 3– Fui ao clips*, saber o que era clips, todos eram clips, ligue-ligue-ligue clips. 4- Fui à dança-ça*, saber o que era dança-ça todos eram dança-ça, ligue-ligue-ligue dança-ça. 5 – Fui à china-na, saber o que era Halley todos eram clips, ligue-ligue-ligue dança-ça. ? muda o gesto: Halley: jogar o braço direito para cima, e o esquerdo para baixo; Clips: estalar os dedos da mão direita; Dança: com as mãso na cintura, dar uma requebradinha 76 Este jogo é formado de cinco frases, sendo que a última é uma mistura das outras quatro, tanto na letra quanto nos gestos. Possui uma melodia de poucas notas que sempre se repete, mudando apenas a letra. Os gestos vão aparecendo de acordo a letra – cada palavra tem seu próprio gesto, China, Halley, Clips e Dança. 4.2.7 Fui no cemitério Esta é outra brincadeira bastante conhecida pelas crianças. Podemos encontrar frases diferentes, provavelmente incluídas pelas próprias crianças, como explica Gainza (1996). Fui no cemitério 1 – Virar de costas e bater o “bumbum” no “bumbum” do companheiro 2 – Bater com o peito no peito do companheiro 3 - Bater com as costas nas costas do companheiro 77 4 – Fazer um gesto como se estivesse penteando os cabelos 5 – Fingir que vai tirar as calças do companheiro Fui no cemitério, tério, tério, tério Olha o respeito, peito, peito, peito Era meia noite, noite, noite, noite Olha a resposta, costa, costa, costa Tinha uma caveira, veira, veira, veira Olha o presidente, pente, pente, pente Que era vagabunda, bunda, bunda, bunda Olha a mentira, tira, tira, tira Neste exemplo, percebemos duas partes distintas: a primeira leva o tema do castelo com a caveira, e faz uma brincadeira com as palavras. Os gestos nesta primeira parte são sempre os mesmos – mãos e saltos, com exceção da última frase, onde a letra perde o caráter de terror para virar piada, e as crianças batem com o “bumbum” uma na outra. A segunda parte nos dá a impressão de ser uma continuação da brincadeira da letra com as partes do corpo – peito, costa. A finalização também é cômica, quando as crianças tentam tirar as calças uma da outra. 4.3 Jogos apresentados por crianças da 4.ª série da Associação Pedagógica Praia do Riso – APPR 4.3.1 Com quem? Esta foi a primeira brincadeira apresentada pelas garotas da 4a. série. Começaram já bem à vontade, cantando em voz alta a letra da brincadeira que eu chamei de Com quem?. 78 Com quem? 1 – Com quem, com quem? Com quem a Carolina vai casar? Loiro, moreno, careca, cabeludo, rei, ladrão, polícia, capitão 2 – Com o quê, com o quê? Com que roupa a Carolina vai casar? Sutiã, vestido branco, calcinha, sutiã, vestido branco, calcinha 3 - Com qual, com qual? Com qual aliança a Carolina vai casar? Ouro, prata, bronze ou lata, ouro prata, bronze ou lata 4 - Aonde, aonde? Aonde a Carolina vai morar? Casa, apartamento, chiqueiro, galinheiro, castelo, mansão 5 – Qual o carro, qual o carro? 79 Qual carro a Carolina vai ter? Fusca, gol, limusine, fusca, gol, limusine Após cada uma destas frases, as crianças tiram a sorte dizendo: - estrelinha um, estrelinha dois, estrelinha três do meu coração, está nas suas mãos! E assim, cada uma coloca uma quantidade de dedos que as crianças contam dizendo as palavras da frase. A palavra “sorteada” será aquela que acabar no último dedo. Por exemplo: se a soma der seis dedos, as crianças contam para a primeira frase: loiro, moreno, careca, cabeludo, rei, ladrão – então a garota irá casar com um ladrão. Esse jogo possui cinco partes muito parecidas, que mudam de letra de acordo com a pergunta que as crianças fazem. Cada uma das partes é composta de quatro momentos: a introdução, onde apresentam a pergunta, utilizando o mesmo padrão rítmico usado nas introduções de outros jogos; a pergunta completa, falada de maneira bem pausada, utilizando o padrão ternário como acompanhamento; as possibilidades de respostas, faladas num andamento mais rápido com o mesmo padrão rítmico ternário e por fim o sorteio, quando recitam algumas palavras que antecedem o sorteio. Ao final da brincadeira, as crianças relembram todos os resultados obtidos nos sorteios, como por exemplo: A Carolina vai casar com um capitão, de sutiã, sua aliança será de lata, irá morar num castelo e seu carro será um fusca! 80 4.3.2 Popeye Este jogo também é conhecido por crianças de vários lugares, inclusive praticado na minha infância. Possui uma introdução utilizando o padrão já citado seguida dos versos num andamento mais ligeiro, no padrão rítmico ternário. Muitas vezes é acompanhado de uma outra canção, Olívia. A letra é falada e bem humorada, com um final engraçado. Popeye Popeye, Popeye Popeye foi à feira não sabia o que comprar, comprou uma cadeira para Olívia se sentar, a Olívia se sentou, a cadeira esborrachou, coitadinha da Olívia foi parar no corredor! 81 4.3.3 Olívia Este jogo geralmente é feito logo em seguida de Popeye (ver a brincadeira anterior), mas ambos também são realizados individualmente. O ritmo feito com as mãos permanece fazendo o padrão ternário. É interessante que, tanto nesta como em outras brincadeiras que a música é anacruze, as crianças ignoram o acento do primeiro tempo da música e iniciam os gestos ao som da primeira palavra, o que às vezes pode nos dar uma impressão diferente do compasso da música. Olívia ? o tom transcrito é aproximadamente o cantado pelas crianças. Olívia vai ter nenê, Popeye vai ser papai Brutus vai ser titio, ô lêlê, espinafre vai ser mingau! 82 4.3.4 Catchup Esta brincadeira é uma versão de Fui ao cinema (ver brincadeira página 73). O jogo é o mesmo, as crianças apenas incluem uma introdução e uma frase a mais, logo no começo da brincadeira. Os gestos continuam iguais aos da outra brincadeira. Introdução: falado: 1 – Meu sabonete é azul 2 – Fui ao cinema assistir um filme de terror... (...) 4.4 Jogos apresentados no segundo encontro com as crianças da Escola Municipal Vitor Miguel Os jogos de mãos escritos abaixo foram coletados de maneira bem informal durante uma conversa com duas garotas da Escola Vitor Miguel. O objetivo desta visita era tirar algumas dúvidas com relação à letra de algumas brincadeiras, porém o encontro rendeu mais frutos: as garotas apresentaram outros jogos de mãos que não haviam sido mostrados no dia da filmagem, na sala de aula. Além dos jogos 83 descritos a seguir, as meninas também realizaram outros que já constam no trabalho, que foram mostrados pelas crianças da APPR, como Babalu, Parará, Fui no cemitério, Popeye, Olívia e Fui à China. 4.4.1 Ana Banana Este jogo que desafia as crianças possui apenas uma frase que vai se repetindo até um dos participantes se desequilibrar e cair. Não tem melodia e a parte das mãos faz o padrão ternário. Ana Banana As crianças vão repetindo a brincadeira, sendo que a cada vez que falam: ‘clips!’ elas dão um salto e caem com a perna cada vez mais aberta. Aquela que conseguir continuar na brincadeira por mais tempo, sem cair ou se desequilibrar é a vencedora. 4.4.2 Soco, soco, bate, bate Quando mostraram esta brincadeira, as meninas fizeram um comentário que me chamou atenção: “Mas este a gente aprendeu na Xuxa”... Achei interessante que as crianças fizeram uma distinção entre os jogos de mãos que aprendiam entre 84 elas e aquele aprendido no programa de televisão, como se não pertencessem a um mesmo grupo de brincadeiras. Soco, soco, bate, bate Este jogo é diferente dos demais, no sentido de que a letra descreve os gestos - ao contrário de outros jogos onde os gestos descrevem a letra falada, ou são independentes um do outro. A letra é falada e o ritmo das mãos acompanha a divisão binária das palavras. As crianças jogam-no com bastante rapidez, explorando sua agilidade. 4.4.3 Tim, tim castelo Este jogo é muito parecido com outro apresentado pelas mesmas meninas no dia da filmagem, Tim, tim mau évan (ver página 59). Só que neste dia as garotas realizaram as duas brincadeiras uma após a outra, com bastante rapidez e agilidade, o que me deu a impressão de que elas haviam brincado com os jogos de mãos depois do dia da filmagem, pois naquela situação apresentaram bastante dificuldade para realizar este jogo. 85 Tim, tim castelo 1ª estrofe 2ª estrofe Tim, Tim castelo A coitadinha mal assombrado da princesinha que tinha rato caiu da escada pra todo lado toda ‘cagada’ Apesar de ser muito parecido com Tim, tim, mau évan, este jogo tem um movimento melódico diferente e não possui introdução nem a pequena coda como o outro jogo. Os movimentos são iguais, e a letra também fala de castelo e princesinha, elementos muito presentes nas estórias infantis - só que aqui entra o elemento cômico no final da brincadeira. 86 4.4.4 Xuxinha Em certo momento, uma das meninas me falou que tinha uma brincadeira que sua amiga havia inventado. Fiquei bastante curiosa, e elas me mostraram o jogo, que chamaram de Xuxinha. Xuxinha 87 Nesta brincadeira que, segundo as garotas, foi criada por elas, é possível perceber como os padrões rítmicos são utilizados pelas crianças nos seus improvisos mantendo a característica dos jogos de mãos. Neste caso, as meninas criaram uma introdução muito parecida com a de outros jogos, com o mesmo movimento melódico e o mesmo ritmo feito com as mãos, utilizando palavras do texto da brincadeira. Após essa introdução, segue o texto falado com acompanhamento do padrão ternário. É interessante a utilização do compasso de cinco tempos neste jogo, que foi usado provavelmente por causa do tamanho da frase. O texto fala da Xuxa, apresentadora de programas infantis de televisão bastante famosa entre as crianças. CONCLUSÃO Através das observações e do contato com as crianças que participaram do trabalho, pude constatar que a brincadeira é realmente uma atividade de grande importância para aquelas crianças. O recreio me pareceu um momento muito especial para elas, pois era nessa hora que podiam se soltar e brincar à sua maneira. Nos horários de recreios observados, percebi vários tipos de brincadeiras, mas o que predominava eram brincadeiras de correr, jogos com bola e brincadeiras de luta. Os jogos de mão também fazem parte do repertório de brincadeiras infantis, porém, como outras brincadeiras, aparecem em épocas isoladas. Pude perceber também que, pelo menos entre as crianças das duas escolas pesquisadas, os jogos de mãos estão bem difundidos, sendo que muitos deles eram conhecidos por crianças de ambas as escolas. Conforme Gainza (1996) já havia mencionado, constatei grande predominância de meninas nos jogos de mãos, porém muitos dos meninos demonstraram bastante interesse em participar do trabalho, até fazendo questão de aprender algumas brincadeiras para poder participar das filmagens. Era muito perceptível a vontade dos meninos em participar das gravações, sendo que nesses momentos, sua postura era de grande envolvimento, sem constrangimentos ou preconceitos, o que nos faz chegar à conclusão de que é possível realizar um trabalho eficiente dessa natureza em um grupo heterogêneo, de forma lúdica e significativa, a partir de elementos próprios do universo infantil. Foi muito interessante observar a postura das crianças ao transmitir suas brincadeiras. Percebi uma mistura de orgulho por estarem sendo valorizadas como 89 produtoras de conhecimento e também de bastante surpresa por alguém se interessar por algo tão “delas”, que a princípio não é valorizado como os conteúdos escolares. A maneira como as crianças lidavam com os jogos de mãos era bastante espontânea. A alegria e a naturalidade percebidas durante as execuções me leva a crer que as brincadeiras cantadas se fazem presentes na vida daquelas crianças de maneira significativa, sendo próprias da cultura infantil. O modo como as crianças lidam com esses jogos, confirma aquilo que Gainza (1996) explica sobre a nãoseparação da brincadeira em partes – as crianças concebem que a música/ verso, o ritmo e os gestos são uma coisa só, não fazendo sentido executá-las separadamente. Isso ficou bastante claro no momento em que eu questionava alguma parte da letra de uma brincadeira e as crianças me mostravam todo o jogo, inclusive com os gestos. Acredito que uma característica como esta deve ser levada em conta nos processos de ensino nas escolas, que muitas vezes podem falhar por não conhecer a natureza do aprendizado musical da criança. Isso também confirma a idéia de alguns autores (Volpato, 2002; Maluf, 2003; Teles, 1997; Kishimoto, 2004) de que o lúdico deve ser um aliado do professor. Mais especificamente sobre o ensino de música, o conhecimento de como as brincadeiras cantadas se fazem presentes na vida das crianças, só tem a contribuir, pois nos ajuda a entender um pouco mais sobre o pensamento musical da criança. Comparando os jogos de mãos que eu coletei com os apresentados por Gainza (1996), pude perceber que, apesar de algumas variações nas letras e da liberdade dos gestos, eles obedecem a padrões muito semelhantes, feitos em vários países. Os ritmos executados com as mãos possuem características próprias que irão funcionar com determinado tipo de melodia ou verso. As próprias crianças têm 90 essa consciência, adaptando padrões rítmicos em músicas ou versos; ou inventando introduções para os jogos já conhecidos, sem que percam a característica de jogos de mãos. O padrão ternário apresentado abaixo, por exemplo, é o mais comum e pode acompanhar muitos tipos de música, inclusive é muito utilizado pelas crianças quando inventam novos jogos. Para as introduções dos jogos de mãos, as crianças geralmente utilizam uma ou mais palavras da letra da música (se bem que, em alguns casos, as palavras utilizadas podem não fazer sentido com o resto da letra). O modelo mais comum de introdução dos jogos de mãos é: Outra característica importante que eu percebi em muitas das brincadeiras apresentadas, diz respeito à liberdade rítmica. A troca de compassos e a polirritmia eram feitas pelas crianças de maneira muito natural, sem nenhuma dificuldade. Nos jogos falados, muitas vezes as acentuações dos versos eram tão ‘irregulares’ que a transcrição se tornava bastante complicada. Para a minha formação como professora de música, este trabalho foi bastante rico, no sentido de conhecer um pouco mais a música da cultura infantil e a maneira 91 com que as crianças lidam com ela, além do aprendizado que, com toda certeza irei utilizar ao atuar como professora de música. Quero poder devolver às crianças tudo aquilo que elas me ensinaram durante esta pesquisa, na forma de uma aula de música mais significativa e prazerosa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. v. Brasília: MEC, 1998 BRITO, Teca Alencar. Música na Educação Infantil. São Paulo: Peirópolis, 2003. ESTRELA, Albano. Teoria e prática de observação de classes: uma estratégia de formação de professores. 4ª ed. Porto, Porto Editora, 1994. FRIEDMANN, Adriana. A arte de brincar: brincadeiras e jogos tradicionais. Petrópolis: Vozes, 2004. GAINZA, Violeta Hemsy. Juegos de Manos: 75 rimas e canciones trradicionales com manos y otros gestos. Buenos Aires: Guadalupe, 1996. HORTÉLIO, Lydia. Encarte do CD Abra a roda tin dô lê lê.. São Paulo, Brincante Produções Artísticas Ltda., s/data. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. A Brincadeira e a Cultura Infantil. Disponível em: <www.fe.usp.br/laboratorios/labrimp/cullt.htm> Acesso em: 04 abr. 2004. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Escolarização e Brincadeira na Educação Infantil. Disponível em: <www.fe.usp.br/laboratorios/labrimp/cullt.htm> Acesso em: 04 abr. 2004. LACERDA, Regina. Folclore Brasileiro: Goiás. Rio de Janeiro, Funarte, 1977. MAFFIOLETTI, Leda ; RODRIGUES, José Pereira. Cantigas de Roda. Porto Alegre: Magister, 1992. 93 MAFFIOLETTI, Leda de A. Cantigas de Roda. Revista Pátio: Educação Infantil. Porto Alegre, Ano II nº 4 (abril/julho), 2004, p. 36-38. MALUF, Ângela Cristina Munhoz. Brincar: prazer e aprendizado. Petrópolis: Vozes, 2003. MALUF, Ângela Cristina Munhoz. Brincadeiras para a sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2004. PEREIRA, Eugênio Tadeu. Brinquedos e Infância. In: Presença Pedagógica, n.º 44 março-abril / 2002. PERES, Sandra; TATIT, Paulo: Encarte do CD Canções do Brasil: o Brasil cantado por suas crianças. São Paulo, Palavra Cantada, 2002. TELES, Maria Luiza Silveira. Socorro! É proibido brincar!. Petrópolis: Vozes, 1997. VOLPATO, Gildo. Jogo, Brincadeira e Brinquedo: usos e significados no contexto escolar e familiar. Florianópolis: Cidade Futura, 2002. ANEXO 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE ARTES – CEART DEPARTAMENTO DE MÚSICA PREZADO(A) SR(A). DIRETOR(A) Venho por meio desta solicitar que a escola autorize Gabriela Flor Visnadi e Silva, aluna do curso de Licenciatura em Educação Artística - habilitação em Música, da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, para coletar imagens de alunos desta escola no horário escolar. As imagens serão utilizadas na realização do Trabalho de Conclusão de Curso da aluna, que versa sobre brincadeiras cantadas infantis, sob minha orientação. As imagens coletadas permanecerão arquivadas na universidade, sendo utilizadas exclusivamente para a pesquisa citada. Desde já agradecemos a colaboração, atenciosamente, Viviane Beineke Professora do Departamento de Música da UDESC Coordenadora do Núcleo de Educação Musical Florianópolis, 24 de março de 2004. 95 ANEXO 2 UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE ARTES – CEART DEPARTAMENTO DE MÚSICA Prezados Pais Sou aluna do curso de Licenciatura em Educação Artística - habilitação em Música, da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, e estou realizando meu Trabalho de Conclusão de Curso, que versa sobre brincadeiras cantadas infantis, sob a orientação da professora Viviane Beineke. Para isso, necessito coletar brincadeiras e canções trazidas pelas crianças, as quais serão utilizadas na pesquisa citada. O trabalho será feito com crianças de 3 escolas, onde realizarei algumas filmagens dentro do horário escolar. Na escola ---------- a pesquisa será feita com as turmas de --------- séries. Venho então pedir que autorizem seu filho para participar de uma filmagem que será realizada dentro da própria escola. As imagens coletadas permanecerão arquivadas, sendo utilizadas exclusivamente para a pesquisa. Desde já agradeço a colaboração, atenciosamente, Gabriela Flor Visnadi e Silva Autorizo meu filho ____________________________________________________________ a participar de uma filmagem para o trabalho sobre “brincadeiras cantadas”, na escola -----------. ______________________________________________ assinatura pais ou responsável