André Ferraz de Arruda Musegante

Transcrição

André Ferraz de Arruda Musegante
Sintomas urinários e achados urodinâmicos em pacientes com
Ataxia de Friedreich
Tese de Doutorado
André Ferraz de Arruda Musegante
Salvador-Bahia
Brasil
2013
André Ferraz de Arruda Musegante. RSHR. Sintomas urinários e achados
urodinâmicos em pacientes com Ataxia de Friedreich. 2013.
M 986
Musegante, André Ferraz de Arruda
Sintomas urinários e achados urodinâmicos em
pacientes com Ataxia de Friedreich. André Ferraz de Arruda
Musegante. – Salvador. 2013.
45 f.il.
Tese (Pós-Graduação) apresentada á Escola
Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Programa de PósGraduação em Medicina e Saúde Humana
Orientador: Prof. Dr. Ubirajara Barroso Jr.
Inclui bibliografia
1. Ataxia de Friedreich. 2. Urodinâmica. 3. Disfunção do
trato urinário baixo. 4. Bexiga neurogênica. I. Título.
CDU: 616.62
Sintomas urinários e achados urodinâmicos em pacientes com
Ataxia de Friedreich
Tese apresentada ao curso de PósGraduação em Medicina e Saúde Humana
da Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública para obtenção do título de Doutor
em Medicina
Autor:
André Ferraz de Arruda Musegante
Orientador:
Prof. Dr. Ubirajara Barroso Jr.
Salvador-Bahia
2013
ii
Sintomas urinários e achados urodinâmicos em pacientes com Ataxia de
Friedreich
André Ferraz de Arruda Musegante
Folha de Aprovação
Comissão Examinadora
1. Prof.ª Dra. Patrícia Virginia Silva Lordêlo Garboggini
• Doutora em Medicina e Saúde Humana pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública,
EBMSP - 2009
• Professora Adjunta da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, EBMSP – 2003.
2. Prof. Dr. José de Bessa Júnior
• Doutor em Urologia pela Universidade de São Paulo, USP – 2007
• Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana, UEFS - 2012
3. Prof. Dr. Carlos Roberto Alves de Oliveira
• Doutor pela Universidade Federal da Bahia, UFBA – 1998
• Médico urologista do Hospital Aliança
4. Prof.ª Dra. Kátia Edni Fonseca de Albuquerque
• Doutora pela Universidade nacional de Nagasaki-Japão - 1997
• Médica Geneticista do Hospital Sarah Salvador
5. Prof. Dr. Márcio Josbete Prado
• Doutor em Medicina (Clínica Cirúrgica) pela Universidade de São Paulo, USP - 1994
• Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia, UFBA - 2009
iii
"A nossa maior fraqueza reside na
tendência que temos em abandonar. A
maneira mais segura de conseguir os
objetivos é sempre tentar mais uma vez."
Thomas A. Edison
"Não basta saber, é preciso aplicar. Não
basta querer, é preciso fazer.” Goethe
iv
DEDICATÓRIA
À minha esposa, família, amigos e colegas
de trabalho pela contribuição na realização
deste trabalho.
v
INSTITUIÇÕES ENVOLVIDAS
EBMSP – Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
RSHR – Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação
FONTES DE FINANCIAMENTO
André Ferraz de Arruda Musegante
vi
EQUIPE:
André Ferraz de Arruda Musegante, doutorando
Ubirajara Barroso Jr., orientador
vii
AGRADECIMENTOS
À minha esposa, pela paciência, apoio, carinho, afago e compreensão nos momentos
de desânimo e cansaço. Também, pela certeza de que o tempo distante não seria em vão.
Aos meus pais e irmão, pelo apoio e compreensão inestimáveis, pelos diversos
sacrifícios suportados, pelos muitos momentos distantes fisicamente e pelo constante
encorajamento à minha vida
Aos colegas de trabalho, por compreenderem as minhas faltas, pela amizade e
espírito de entreajuda. Em especial à Marilene da Conceição Felix da Silva e Alfredo Carlos
da Silva.
Ao meu orientador, pela disponibilidade em orientar esse trabalho, pela incansável
orientação científica, pela revisão crítica dos textos, pelos esclarecimentos, opiniões e
sugestões.
A Deus, acima de tudo, por ter me dado forças, garra e perseverança para vencer
mais este desafio.
viii
SUMÁRIO
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS .................................................................................... x
I RESUMO ............................................................................................................................... xi
II INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12
III REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................................ 14
IV OBJETIVO ........................................................................................................................ 17
V CASUÍSTICA, MATERIAL E MÉTODO ....................................................................... 18
VI RESULTADOS.................................................................................................................. 22
VII DISCUSSÃO .................................................................................................................... 30
VIII LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS ............................................................................ 35
IX CONCLUSÃO ................................................................................................................... 36
X ABSTRACT ........................................................................................................................ 37
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 38
ANEXOS ................................................................................................................................. 40
ix
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS
Gráfico 1 - Frequência de achados não urológicos em 28 pacientes portadores de AF com
LUTS ........................................................................................................................................ 24
Tabela 1 - Respostas dos 158 pacientes para as questões do questionário para investigação de
LUTS ....................................................................................................................................... 25
Tabela 2 - Frequência de sintomas urinários dos 28 pacientes que realizaram estudo
urodinâmico ............................................................................................................................. 26
Tabela 3 - Achados urodinâmicos de 28 pacientes com AF.................................................... 27
Tabela 4 - Hipocontratilidade detrusora/Acontratilidade detrusora/Dissinergismo vésicoesfincteriano x resíduo urinário ............................................................................................... 28
Tabela 5 - Escala FIM alterada (dependente + independente parcial) x alteração da contração
detrusora .................................................................................................................................. 28
Tabela 6 - Alteração da contraçãodetrusora/Dissinergismo vesico-esfincteriano x sinal de
Babinsk .................................................................................................................................... 28
Tabela 7 - Hiperatividade detrusora x urgência miccional ...................................................... 28
Tabela 8 - Escala FIM alterada (dependente + independente parcial) x resíduo..................... 29
Tabela 9 - Dilatação renal x alteração da contração detrusora ................................................ 29
Tabela 10 - Dilatação renal x escala FIM alterada (dependente + independente
parcial)....................................................................................................................................................................31
x
I RESUMO
SINTOMAS URINÁRIOS E ACHADOS URODINÂMICOS EM PACIENTES COM
ATAXIA DE FRIEDREICH
Objetivo: Descrever os sintomas urinários e achados urodinâmicos de pacientes com Ataxia
de Friedreich (AF) com sintomas do trato urinário inferior (LUTS). Métodos: Estudo
prospectivo que avaliou 258 pacientes com diagnósticos de AF confirmados geneticamente.
Cento e cinquenta e oito (61%;N258) pacientes responderam a um questionário para avaliar
LUTS. Pacientes com LUTS foram convidados à uma investigação com exames de função
renal, ultrassonografia e estudo urodinâmico. Resultados: Cento e vinte e nove (82%;N158)
pacientes apresentaram LUTS. Apenas 35(22%;N158) pacientes afirmaram que os sintomas
urinários interferiam na qualidade de vida, apesar de 40% da amostra referirem alguma forma
de incontinência. Vinte e oito (21 mulheres) realizaram estudo urodinâmico. A média de
idade e de tempo de início da doença foi de 32 (±11.2) e 16 (±7) anos, respectivamente. O
sintoma mais frequente foi urgência, 21 (75%;N28) pacientes. Incontinência foi relatado por
17 pacientes (61%;N28). Estudo urodinâmico foi normal em 4 (14%;N28) pacientes.
Hipocontratilidade foi o achado urodinâmico mais comum. Pacientes com urgência, 81% não
apresentavam hiperatividade detrusora. Creatinina estava normal em todos os pacientes e
ureia estava aumentada em 1 (3%;N28). Ultrassom encontrou discreta/moderada dilatação do
trato urinário superior em 4 (14%;N28) pacientes. Em 7 (25%;N28) a bexiga apresentava
irregularidade e espessamento da parede. Conclusão: Disfunção do trato urinário baixo foi
encontrada em um grande número de pacientes com AF, porem sem interferir na qualidade de
vida. O risco para o trato urinário superior é baixo, pois não foi encontrada alteração da
complacência e a hiperatividade não possui pressões elevadas.
Palavras-chaves: 1. Ataxia de Friedreich; 2. Urodinâmica; 3. Disfunção do trato urinário
baixo; 4. Bexiga neurogênica.
xi
12
II INTRODUÇÃO
Ataxia de Friedreich (AF) é a forma mais frequente das ataxias hereditárias, sendo
sua prevalência estimada em 2 a 3 pacientes por 100.000 habitantes (1). Consiste em uma
enfermidade neurodegenerativa associada a uma mutação dinâmica do trinucleotídeo guaninaadenina-adenina (GAA) no primeiro íntron do gene x25, localizado no braço longo do
cromossomo 9 (9q11). A expansão da repetição de trinucloetídeos determina uma redução na
síntese da proteína frataxina, cuja redução nas mitocôndrias leva a um dano oxidativo e
degeneração neuronal progressiva. (2)
O diagnóstico clínico é confirmado por um teste genético que demonstra a expansão
da repetição GAA. Indivíduos normais apresentam a sequência GAA repetida entre 7 a 22
vezes, enquanto naqueles com AF essa repetição ocorre de 200 a mais de 1000 vezes. Em
geral, quanto maior a repetição GAA mais precoce e mais severa é a doença (3). Até agora
quase todos os pacientes estudados com a ataxia tem a repetição GAA extra em ambos os
cromossomos (número 9), contudo os segmentos da repetição não têm o mesmo comprimento
em cada um deles. Recentes evidências indicam que quando as duas cópias do gene da AF são
mutações contendo as repetições GAA, é a de menor número de repetições que parece ditar o
início e a severidade da doença (3).
O quadro clínico inicia-se entre os 8 e 15 anos de idade com uma ataxia da marcha e,
com 10 a 15 anos de evolução, os pacientes são incapazes de andar. A expectativa de vida
após o início da doença é estimada em 35 a 40 anos (1). O principal sinal é a ataxia
progressiva afetando o caminhar e a postura, mais tarde os movimentos dos braços.
Aproximadamente 50% dos pacientes têm deformidade esquelética (escoliose, pés cavos e
equinovaros). Desordens oculomotoras incluem nistagmo durante a fixação e ganho de
13
redução do reflexo vestíbulo-ocular, os quais apontam para uma disfunção cerebelar. Perda da
visão só ocorre em 10 a 20% dos pacientes. Doenças cardiológicas aparecem em 60% dos
portadores de AF, sendo as arritmias, inversões de onda T e miocardiopatia hipertrófica
concêntrica as mais conhecidas. Diabetes mellitus está presente em 10 a 30% dos pacientes
(4).
Disfunção do trato urinário baixo vem sendo relatada em diversas ataxias, porém não
estudada com maior profundidade (2, 5). Na AF estima-se uma frequência em torno de 50%
de LUTS, no entanto há um número limitado de estudos, não há questionários específicos e
nem sempre há confirmação molecular (5). Sabemos que bexiga neurogênica leva à LUTS, o
que pode acarretar piora da qualidade de vida, porém seu efeito mais grave está na
deterioração da função renal. O objetivo deste estudo é avaliar a frequência de alterações
clínicas e urodinâmicas no trato urinário baixo em pacientes com AF. Diferentemente do que
foi previamente publicado, avaliou-se um número mais significativo de pacientes com AF,
sendo todos previamente confirmados com avaliação molecular.
14
III REVISÃO DA LITERATURA
Existe uma grande variedade de ataxias descritas na literatura que recebem variadas
formas de classificação. Muitas baseadas na apresentação clínica e etiológica, sendo
denominadas por epônimos e números. Mesmo algumas tendo sido descritas há mais de 150
anos, como a de Friedreich ou ataxia tipo 7, suas distinções clínicas parecem ainda um pouco
controversas, principalmente quando estamos diante de suas forma atípicas. Em 1976 e 1981,
The Québec Collaborative Group (6) e Harding (7), respectivamente, definem critérios
clínicos essenciais para o diagnóstico de AF (8), tentando, assim, uma maior precisão no
diagnóstico. Após o surgimento de métodos genéticos, pode-se identificar o locus e mutações
de muitas ataxias, propiciando um aumento no número de diagnósticos, principalmente nos
casos iniciais e atípicos. O gene da AF está localizado no cromossomo 9 e sua mutação mais
comum é a repetição do trinucleotídeo GAA. Na maioria dos trabalhos revisados o
diagnóstico de ataxia dos pacientes foi dado apenas levando-se em conta características
clínicas (2, 5, 9). Como o diagnóstico de cada ataxia especificamente pode ser confundido,
mesmo por pesquisadores experientes, isso compromete a uniformidade da amostra, sendo,
então, observados achados urológicos não relacionados necessariamente ao tipo de ataxia
estudada. Não há na literatura trabalhos que comprovem a semelhança dos sintomas urinários
e alterações urodinâmicas causados pela bexiga neurogênica nos diversos tipos de ataxia.
Segundo Rodriguez et al.(5), esta heterogeneidade fica marcada na disparidade de resultados
clínicos encontrada pelos autores, tendo apenas Caraceni et al.(11) estudado pacientes
exclusivamente com diagnóstico de ataxia de Friedreich, porém sem confirmação molecular.
Assim, fica clara a importância de realizar o diagnóstico genético em todos os pacientes,
15
podendo, com isso, ter certeza de que a amostra em questão não contém outros tipos de
ataxias, e que os achados urológicos são exclusivos de AF.
Mesmo sendo a ataxia hereditária mais comum, sua forma autossômica recessiva faz
com que a prevalência da AF seja baixa, 1:50.000 (1). Talvez por isso a literatura apresente
trabalhos com um número reduzido de pacientes com AF, em média 20 pacientes (9, 10, 11,
12), salvo o de. Diez Rodrigues et al. (5), com 138 pacientes. Observando-se os trabalhos que
avaliam a função do trato urinário inferior com o estudo urodinâmico, o número de pacientes
nas amostras é ainda mais baixo, sendo novamente o trabalho de Diez Rodrigues et al. (2) o
maior, com 34 pacientes, contudo apenas 14 apresentavam diagnóstico clínico de AF.
Amostras maiores, comprovadas geneticamente, poderiam ratificar os dados já relatados ou
acrescentar novos achados à literatura. Além da baixa prevalência da doença, o
comprometimento clínico dos pacientes é outro fator que contribui para amostras pequenas.
Muitas vezes, a gravidade e o difícil deslocamento dos pacientes com maior
comprometimento neurológico e cardiológico, além do maior risco de vida, fazem com que os
sintomas urinários possam ser negligenciados, mesmo com os pacientes referindo que sua
qualidade de vida referente aos sintomas urinários está ruim (5).
Apesar da teoria de que a piora do comprometimento neurológico acarreta
aparecimento ou piora dos sintomas urinários (11, 12), estes dados não podem ser
comprovados nos trabalhos, já que não há descrição dos achados neurológicos dos pacientes
com ataxia. A inexistência da descrição neurológica dos pacientes impede uma comparação e
melhor avaliação de uniformidade entre os resultados dos diferentes estudos.
Outra limitação da literatura é a inexistência de um questionário validado para
avaliação dos sintomas de bexiga neurogênica. Em muitos trabalhos, a forma de
questionamento dos sintomas urinários não foi apresentada (9, 10, 12). O international
prostatic symptoms score (IPSS) tem sido o questionário mais utilizado nos estudos (2, 5).
16
Este questionário foi idealizado para avaliação de homens com sintomas do trato urinário
baixo, mais especificamente de origem prostática. Nos trabalhos de Rodrigues et al. (2, 5), no
qual se avalia a presença de bexiga neurogênica em pacientes com ataxia, em que o IPSS foi
utilizado, há 56% de mulheres em sua amostra. Incontinência, um importante sintoma
urinário, relatado por 27,6% dos pacientes no trabalho de Rodrigues et al. (2, 5), não é
avaliada pelas questões do IPSS (5). Este pode ser mais um motivo para dados díspares na
literatura, já que Vezina et al. (9) encontraram 41% de incontinência.
Percebe-se, pelo que foi exposto, que a frequência dos achados urológicos em
pacientes com AF pode sofrer influências múltiplas, sendo muito importante a clareza e
adequação dos meios e modos de investigação.
17
IV OBJETIVO
Descrever os sintomas urinários e achados urodinâmicos de pacientes portadores de
Ataxia de Friedreich com LUTS.
18
V CASUÍSTICA, MATERIAL E MÉTODO
Trata- se de um estudo de corte transversal envolvendo os 262 pacientes com
diagnóstico de AF cadastrados na rede Sarah de Hospitais. Foram excluídos os pacientes sem
confirmação com biologia molecular para AF, pacientes com alterações do cognitivo, outras
doenças neurológicas associadas, pacientes com antecedente de cirurgia urológica no trato
urinário inferior, pacientes que fizeram ou estavam em tratamento de sintomas urinários e os
que se recusaram em participar do estudo. Os incluídos deverão assinar um termo de
consentimento livre e esclarecido para continuarem a pesquisa.
Inicialmente foi aplicado, pelo autor, via telefone, um questionário sobre os sintomas
urinários (Anexo A). Os pacientes que não conseguiram responder completamente ao
questionário foram excluídos. Os pacientes com quaisquer alterações clínicas do trato urinário
inferior foram convidados a comparecer ao hospital para continuar a investigação do trato
urinário com exames séricos de função renal, ultrassonografia de rins e vias urinárias e estudo
urodinâmico. No estudo urodinâmico (realizado com Duet da medtronic, Minneapolis,
Minnesota, EUA®) foi inicialmente realizado uma urofluxometria quando o paciente referia
desejo habitual de urinar. A posição adotada para a micção levava em consideração o hábito e
a condição física do paciente. Foi considerado volume urinado adequado >150 ml ou < 300
ml, sendo o fluxo dependente da idade e do sexo: Homens < 40 anos >22 ml/s, 40-60 anos >
18 ml/s e > 60 anos > 13 ml/s. Mulheres < 50 anos > 25 ml/s e > 50 anos > 18 ml/s (15). Após
esta fase o paciente adotava o decúbito dorsal horizontal e era sondado, via uretral, com sonda
de nelaton 8F, para o enchimento vesical, sendo medido primeiramente o volume residual da
primeira fase. Outra sonda de nelaton 6F era introduzida, via uretral, para a medida da pressão
intravesical. Após o cateterismo e o esvaziamento vesical o balão retal, feito com dedo de
19
luva sobre uma sonda de nelaton 14F, era posicionado para avaliar a medida da pressão
abdominal, assim como o eletrodo anal (realizado com disposable anal sphincter sponge
eletrctrode - Medtronic ®), responsável pela captação dos dados eletromiográficos do
esfíncter anal e da musculatura perineal. O balão retal era insuflado com 10 ml de água
destilada. O enchimento vesical foi realizado com soro fisiológico utilizando velocidade de
infusão entre 20ml/s e 30 ml/s, estando o paciente na posição de maior conforto. Ao ser
determinado o término do enchimento, o qual não ultrapassava 600 ml, a sonda de calibre 8F
era retirada e o paciente liberado para a micção, podendo ser a posição novamente modificada
para maior conforto do paciente. Os métodos e definições para a avaliação urodinâmica dos
pacientes seguiram as diretrizes da sociedade internacional de continência. Mudanças nas
contrações detrusoras foram definidas como: hipocontratilidade (contrações com força e/ou
duração reduzida, o que resulta em um esvaziamento vesical prolongado e/ou uma falha para
atingir o completo esvaziamento vesical dentro de um intervalo de tempo normal);
hiperatividade (contrações involuntárias do detrusor durante a fase de enchimento que pode
ser espontânea ou provocada); acontratilidade (quando não se pode demonstrar uma contração
durante o estudo urodinâmico). Dissinergia detrusor-esfíncter foi considerado como uma
contração do detrusor com uma concomitante contração involuntária do músculo uretral e/ou
peri-uretral estriado (13). Capacidade vesical foi considerada reduzida quando apresentava
volume final de enchimento menor que 350 ml (13) e resíduo pós-miccional, ao final do
estudo urodinâmico, foi considerado insignificante abaixo de 100 ml (16). Observamos os
achados ultrassonográficos (realizado com Philips IU 20®) do trato urinário levando em
consideração a espessura e a morfologia da parede vesical e as alterações morfológicas na via
excretora em relação ao trato urinário superior (14). Os níveis de ureia e creatinina realizados
no mesmo período do estudo urodinâmico foram escolhidos para estimar o funcionamento
renal.
20
As variáveis clínicas consideradas na análise foram frequência urinária aumentada,
número de micções durante o dia maior que 6 vezes, noctúria, número de micções durante a
noite maior que 3 vezes, perda urinária, perda involuntária de urina (incontinência),
incontinência diurna e noturna, urgência, jato interrompido, sensação de esvaziamento
incompleto e interferência dos sintomas urinários na qualidade de vida.
Os pacientes que compareceram ao hospital para complementar seus exames foram
avaliados clinicamente, sendo observadas as variáveis: alterações sistêmicas (cardiológicas,
ortopédicas, diabetes, fala e visão), neurológicas (presença de Babinsk e paraparesia),
locomoção (cadeira de rodas, andador, bengalas e sem auxílio) e atividades de vida diária
(independente, independente parcial e dependente) através da escala FIM. Foram
questionados sobre sexo, idade atual, data do início da doença e a data da urodinâmica. No
estudo urodinâmico foram avaliadas as variáveis: fluxo, comportamento do detrusor
(hiperatividade detrusora, acontratilidade detrusora e hipocontratilidade detrusora), pressão
detrusora durante a hiperatividade, complacência vesical, sensibilidade vesical, capacidade
cistométrica, volume residual e dissinergia detrusor-esfíncter.
Dado que se trata de um estudo que utilizou uma amostra de conveniência, de uma
doença rara, não foi estimado o tamanho da amostra. Todas as análises estatísticas foram
feitas no SPSS 15.0. A descrição dos resultados será em forma de frequência (%), em média
+/- desvio padrão. Nós aplicamos o teste de qui-quadrado para a associação entre resíduo e
hipocontratilidade/acontratilidade detrusora/dissinergismo vésico-esfincteriano, alteração da
contração detrusora/escala FIM alterada (dependente + independente parcial), e Fisher para
presença de Babinsk e alteração da contração detrusora/dissinergismo detrusor-esfíncter,
dilatação renal/escala FIM alterada, resíduo/escala FIM alterada (dependente + independente
parcial), urgência e hiperatividade detrusora e dilatação renal/alteração da contração
detrusora.
21
O trabalho foi aprovado pela comissão de Ética na Pesquisa de Estudos Humanos, da
Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, de acordo com as Diretrizes e Normas do Conselho
Nacional de Saúde.
22
VI RESULTADOS
Do total de 262 pacientes, 4 pacientes foram excluídos, sendo um por alteração do
cognitivo, um por falta de confirmação molecular associado a outra doença neurológica
(Doença Parkinson), um por passado de cirurgia urológica no trato urinário inferior e outro
por estar realizando tratamento urológico em serviço externo. Foram incluídos 258 pacientes
com diagnóstico de AF confirmados por avaliação molecular pelos métodos de PCR longo e
Southern blot. Dos 258 pacientes, 45 (17%) não estavam com os números de telefone
atualizados, 7(3%)
se recusaram a participar e 48 (19%) não conseguiram responder
(dificuldade na fala e falta de condições clínicas).
Dos 258 incluídos, 158 deles (61%, N258) responderam ao questionário, sendo que
129 pacientes (82%, N158) apresentaram pelo menos uma resposta significativa para LUTS.
As respostas dos 158 pacientes estão representadas na Tabela 1. Nela observamos que 65
pacientes (41%, N158) relataram uma frequência urinária aumentada, com frequência diurna
superior a 6 vezes referida por 41 pacientes (63%, N158). Setenta e três pacientes (46%,
N158) acreditavam que sua frequência urinária noturna estava aumentada, porem somente 11
pacientes (15%, N158) apresentaram mais de 3 micções no período noturno. Perda urinária
involuntária ou não (dificuldade de locomoção e falta de cuidador), ou seja, reposta positiva
para a questão 3 ou 4 ou ambas, foi encontrada em 62 pacientes (40%, N 158), sendo que 57
pacientes (36%, N158) apresentavam perdas urinárias diurnas e 27 pacientes (17%, N158)
apresentavam perdas involuntárias, preferencialmente diurnas 81% (N27). Urgência foi pouco
frequente (15%, N158). A sensibilidade vesical não foi referida em somente 2 pacientes (1%,
N158) dos pacientes. Os sintomas obstrutivos foram pouco relatados, ocorrendo esforço
miccional em 29 pacientes (17%, N158), jato interrompido em 45 (29%, N158) e sensação de
23
esvaziamento incompleto em 40 pacientes (27%, N158). Apesar de muito sintomáticos apenas
uma pequena parte dos pacientes (22%, N158) relata interferência destes na sua qualidade de
vida.
Dos 158 pacientes que apresentavam sintomas de disfunção do trato urinário inferior
28 compareceram para a realização de exames séricos, ultrassonografia e estudo urodinâmico,
sendo 7 homens e 21 mulheres (75%, N 28). A média de idade foi de 32 (+/- 11,2) anos. O
tempo médio para iniciar a doença foi de16 (+/- 7) anos. A média de tempo do início da
doença até realizar o estudo urodinâmico foi de 20 (+/- 9) anos. O tempo máximo entre a
aplicação do questionário e a realização dos exames foi de 45 dias. As características clínicas
dos pacientes estão demonstradas no Gráfico 1. No gráfico observamos que a locomoção já
está prejudicada em todos os pacientes, sendo 25 pacientes cadeirantes (89%, N28). Alteração
da fala, da deglutição e comprometimento cardiológico foram as alterações sistêmicas mais
encontradas (24, 18 e 14 pacientes, respectivamente). Dezessete (60%, N28) dos pacientes
não eram mais completamente independentes. O sinal de Babinsk estava presente em 12
pacientes (43%, N28).
Quanto aos sintomas urológicos, urgência miccional foi o sintoma mais frequente,
relatado por 21 pacientes (75%) e incontinência urinária foi vista em 17 pacientes (61%).
Todos os sintomas foram descritos na Tabela 2.
Dos 28 pacientes que realizaram estudo urodinâmico, hipocontratilidade detrusora,
diminuição da sensibilidade, resíduo baixo, capacidade e fluxo normais foram os achados
mais frequentes (Tabela 3). Não houve alteração da complacência vesical em nenhum
paciente. Os dados detalhados estão apresentados na Tabela 3. Dos pacientes com
hiperatividade apenas um apresentou pressão detrusora maior que 40 cmH2O (53 cmH2O).
A ureia estava aumentada em 1 paciente e creatinina não estava alterada em nenhum
dos casos. Ultrassonografia encontrou leve/moderada ectasia do trato urinário superior em 4
24
(14%) pacientes. Em 7 (25%) a bexiga apresentava contornos irregulares e parede vesical
espessada.
A associação entre resíduo e hipocontratilidade/acontratilidade detrusora e
dissinergismo vesicoesfincteriano foi significativa (p=0,0004). Sinal de Babinsk positivo e
alteração da contração detrusora/dissinergismo detrusor-esfíncter, alteração da contração
detrusora/escala FIM alterada (dependente + independente parcial), dilatação renal/escala
FIM alterada (dependente + independente parcial), dilatação renal/escala de FIM alterada
(dependente + independente parcial) e resíduo/escala FIM alterada (dependente +
independente parcial), não mostram significância (p = 0.5, p=0.12, p=0.21, p=1 e p=0.7,
respectivamente). Urgência e hiperatividade detrusora não estiveram associadas (p=0,6).
Locomoção
Alterações Sistemicas
Paraparesia
Sinal de Babinsk
Independente
Independente parcial
Dependente
Audição
Diabetes
Ortopédico
Cardiológico
Visão
Deglutição
Fala
Andador
Cadeira de rodas
30
25
20
15
10
5
0
Atividades Diárias Neurológico
(escala de FIM)
Gráfico 1 - Frequência de achados não urológicos em 28 pacientes portadores de AF com LUTS
25
Tabela 1 - Respostas dos 158 pacientes para as questões do questionário para investigação de LUTS
% (N 158)
Questão
Resposta
1.Você acredita
que sua
frequência
urinária está
aumentada?
Sim
41
1.1.Você urina
mais do que 6x
durante o dia?
Sim
63 (N 65)
2.Você acorda
à noite para
urinar?
Sim
46
2.1.Você urina
mais do que 3x
durante a
noite?
Sim
15 (N 73)
3.Você perde
urina na roupa
durante o dia?
Sim
36
4.Você perde
urina
involuntariamente?
Sim
17
4.1Você perde
urina na roupa
durante o dia?
Sim
81
4.2Você perde
urina na roupa
durante a
noite?
Sim
41
5.Você sente
urgência para
urinar?
Sim
15
6.Você faz
esforço para
urinar?
Sim
18
7.O jato
urinário é
Sim
29
26
interrompido
durante a
micção?
8.Você sente
vontade de
urinar?
Não
2
9.Você sente a
bexiga vazia ao
terminar a
micção?
Não
27
10.Seus
sintomas
urinários
interferem na
sua qualidade
de vida?
Sim
22
Tabela 2 - Frequência de sintomas urinários dos 28 pacientes que realizaram estudo urodinâmico
Sintomas urinários
Frequência
%
Urgência
21
75%
Incontinência
17
61%
Aumento da frequência
11
39%
Esforço miccional
9
32%
Resíduo
7
25%
Alteração do jato
6
21%
Noctúria
7
25%
27
Tabela 3 - Achados urodinâmicos de 28 pacientes com AF
Dados urodinâmicos
Frequência
%
Hiperatividade
5
17,9
Hipocontrátil
6
21,4
Acontratilidade
3
10,7
Normal
14
50
Aumentada
3
10,7
Diminuída
14
50
Normal
11
39,3
Aumentado
11
39
Não significativo
17
61
Normal
17
61
Alterado
11
39
Normal
24
86
Diminuída
4
14
Normal
28
100
Diminuída
0
0
Presente
8
28,6
Ausente
20
71,4
Detrusor
Sensibilidade
Resíduo
Fluxo
Capacidade
Vesical
Complacência
Vesical
Dissinergismo
28
Tabelas de análises estatísticas (2x2):
Tabela 4 - Hipocontratilidade detrusora/Acontratilidade detrusora/Dissinergismo vésico-esfincteriano x resíduo
urinário
Resíduo urinário
não
sim
Total geral
Hipocontratilidade detrusora/Acontratilidade
detrusora/Dissinergismo vésico-esfincteriano
não
sim
Total geral
13
4
17
1
10
11
14
14
28
Qui-quadrado
P valor
0,0004
Tabela 5 - Escala de FIM alterada (dependente + independente parcial) x alteração da contração detrusora
Alteração da
contração
detrusora
sim
não
Total geral
Escala de FIM alterada (dependente + independente parcial)
sim
não
Total geral
10
6
16
4
8
12
14
14
28
Qui-quadrado
P valor
0,12
Tabela 6 - Alteração da contraçãodetrusora/Dissinergismo vesico-esfincteriano x sinal de Babinsk
Sinal de Babinsk
não
sim
Total geral
Alteração da contraçãodetrusora/
Dissinergismo vesico-esfincteriano
não
sim
6
10
4
8
10
18
Fisher
P valor
Total geral
16
12
28
0,56
Tabela 7 - Hiperatividade detrusora x urgência miccional
Urgência
miccional
não
sim
Total geral
Hiperatividade detrusora
não
sim
6
17
23
Fisher
1
4
5
P valor
Total geral
7
21
28
0,63
29
Tabela 8 - Escala de FIM alterada (dependente + independente parcial) x resíduo
Resíduo
sim
não
Total geral
Escala de FIM alterada (dependente + independente parcial)
sim
não
Total geral
7
4
11
9
8
17
16
12
28
Fisher
P valor
0,70
Tabela 9 - Dilatação renal x alteração da contração detrusora
alteração da
contração detrusora
sim
não
Total geral
sim
2
2
4
Fisher
Dilatação renal
não
11
7
18
P valor
Total geral
13
9
22
1
Tabela 10 - Dilatação renal x escala FIM alterada
Escala FIM
alterada
sim
não
Total geral
sim
2
2
4
Fisher
Dilatação renal
não
3
15
18
P valor
Total geral
5
17
22
0.21
30
VII DISCUSSÃO
Há poucos estudos na literatura sobre os achados clínicos e urodinâmicos em
pacientes com AF, sendo que estes envolveram pacientes sem confirmação molecular e
ataxias de etiologias variadas (2, 5). Assim, não nos parece possível conhecer os resultados
deste grupo específico. Talvez a gravidade da patologia e a importância maior dada aos
achados clínicos ligados à sobrevida façam com que os médicos responsáveis pelo
atendimento destes pacientes se esqueçam do questionamento urológico. Uma importante
constatação do questionário aplicado foi que os pacientes só declararam que os sintomas
urinários o incomodavam, a ponto de interferir na sua qualidade de vida, em 22% dos casos,
sendo este mais um possível fator para o pequeno número de artigos publicados. Sabemos da
existência e da importância de se utilizar questionários validados para esta finalidade, porem
acreditamos que a utilização de apenas uma questão para avaliar qualidade de vida não
prejudica a comparação do nosso achado com a literatura, pois os estudos que fizeram esta
análise utilizam o IPSS, onde a qualidade de vida é avaliada da mesma forma. Também
devemos ressaltar a dificuldade de se aplicar via telefone outro questionário, aumentando o
tempo da entrevista, tendo em vista a condição clínica dos nossos pacientes.
Nesse trabalho foram encontrados 82% de pacientes com AF apresentando pelo
menos um dos sintomas questionados. Considerando apenas as respostas 3 e 4, que retratam
os incontinentes, a frequência diminui para 40%. Os trabalhos já publicados mostram uma
frequência em torno de 50% de sintomas urinários neste tipo de paciente (2, 5, 11), e estes
artigos utilizaram o score internacional de sintomas prostáticos (IPSS), porém deve-se
ressaltar que 56 % desses pacientes são do sexo feminino (5). Não existe na literatura um
questionário validado para avaliação de bexiga neurogênica, mas o IPSS não parece ser o
31
mais adequado, pois é direcionado a uma patologia especificamente masculina, além de não
contemplar a incontinência, que está entre os sintomas mais frequentes.
Houve um baixo comparecimento dos pacientes ao hospital para a complementação
da investigação dos sintomas urológicos, dado que não pode ser comparado com a literatura,
já que nos artigos referidos o questionário só foi aplicado nos pacientes que realizaram estudo
urodinâmico. Talvez isso possa ter ocorrido devido ao comprometimento sistêmico dos
pacientes estudados, vale lembrar que apenas 22% dos pacientes são independentes, ou,
também, pelo fato de apenas 22% acreditarem que seus sintomas urológicos comprometam
sua qualidade de vida. Entretanto parece que a queixa de urgência pode ter sido um dos
sintomas que contribuíram com o comparecimento do paciente para a realização dos exames
complementares, pois, no questionário, apenas 23 (15%) pacientes referiram este sintoma e
dentre os que realizaram estudo urodinâmico 21 (75%) pacientes o apresentavam.
Avaliando a amostra que realizou estudo urodinâmico não houve uma diferença
importante entre a média de idade dos pacientes com AF e do tempo de evolução da doença
entre este estudo e a literatura. Ao contrário deste estudo, os outros trabalhos não reportaram
as características clínicas neurológicas dos pacientes, principalmente o uso de cadeira de roda
e grau de independência, o que torna difícil avaliar a gravidade da doença e fazer a
comparação entre as amostras (2, 5, 9, 11). Nossos pacientes, como demonstrado no Gráfico
1, apresentam, em pelo menos 43% da amostra, comprometimento de outros sistemas, o que
mostra o estado evolutivo da doença. Vale ressaltar que os estudos citados não confirmaram
geneticamente a doença, a qual serve para ratificar o diagnóstico clínico (5).
Quanto aos sintomas urinários dos 28 pacientes que realizaram os exames
complementares, foi observada predominância da urgência miccional, o que está de acordo
com a literatura. Incontinência urinária esteve presente em 75% de nossos pacientes. Isto
contrasta com 27,6% de incontinência encontrados por Diez Rodríguez et al (5). Chama
32
atenção, mais uma vez, que o IPSS não questiona o paciente sobre incontinência. Esta
discrepância pode ter ocorrido talvez devido à diferença na população estudada (os pacientes
deste estudo são geneticamente estudados); pacientes desse grupo não receberam qualquer
tratamento urológico; ou talvez o comprometimento neurológico seja mais acentuado nos
pacientes deste trabalho (5). Os demais sintomas, como noctúria, polaciúria, sensação de
esvaziamento incompleto e esforço miccional, estão de acordo com os outros trabalhos
publicados. Observando essa variedade de achados, concordamos com Rodriguez et al (2)
que, em seu trabalho, comentou que a variedade de sintomas e achados urodinâmicos nos
pacientes com ataxia seria decorrência do potencial lesivo multifatorial no sistema nervoso
central durante a evolução da doença, considerando que todos os segmentos do sistema
nervoso (cordão posterior, vias espinocerebelares, via piramidal, gânglio raquídeo, nervos
periféricos e cerebelo) podem estar afetados. Em decorrência de lesão suprasacral pode existir
um dano no arco reflexo e um padrão dissinérgico de micção (2).
Na literatura a predominância urodinâmica encontrada é de hiperatividade detrusora,
variando de 22% a 61% (2, 9, 10). Nesta série, hiperatividade detrusora foi encontrada em
17,8% dos casos. Hipocontratilidade foi observada em 21,4% e acontratilidade em 10,7%. Na
literatura, a taxa de acontratilidade detrusora varia de 23,5% a 26,7% (2, 12). Talvez a
progressão da doença possa enfraquecer também a musculatura detrusora. A presença de
dissinergismo detrusor-esfíncter, 28,5% neste estudo, não destoa da literatura, 20% a 37% (2,
9) e, mais uma vez, os achados neurológicos parecem concordar com nossos dados
urológicos, pois 43% dessa amostra têm sinal de Babinsk positivo.
Quanto à correlação clínico-urodinâmica, é possível dizer que a queixa de urgência
parece não representar hiperatividade, pois são 21(75%) pacientes com urgência e apenas 5
(17,9%) com hiperatividade, porém 4 dos pacientes com hiperatividade apresentavam
urgência (19%). O resíduo pós-miccional elevado parece demonstrar com maior precisão a
33
presença de dissinergismo detrusor-esfíncter e/ou hipocontratilidade/acontratilidade, pois em
11 pacientes (39%) com resíduo elevado 10 pacientes (91%) apresentavam algum desses
diagnósticos, o que foi confirmado com a significância do teste estatítisco, porém não
encontramos associação entre resíduo e piora neurológica (alteração da escala FIM). A
presença de sinal de Babinsk parece estar relacionada com alteração da contração
esfincteriana e/ou detrusora, pois somente 4 (40%) pacientes com sinal de Babinsk positivo
não apresentavam dissinergismo detrusor-esfíncter e/ou alteração da contração detrusora
(hiperatividade, acontratilidade e hipocontratilidade). Na literatura apenas Caraceni (11)
demonstrou correlação estatisticamente significante entre lesão piramidal, representada por
sinal de Babinsk positivo e hiperatividade detrusora e dissinergia detrusor-esfíncter. Em nossa
casuística esta relação não é significante. Utilizamos a alteração na escala FIM para
representar os pacientes com maior comprometimento neurológico, e, assim, tentar mostrar
que estes pacientes possuem mais alterações urológicas, porem não encontramos
significância.
Não foram encontradas alterações significativas da função renal nos pacientes, o que
está de acordo com a baixa pressão atingida durante a hiperatividade detrusora e com a
ausência de alteração da complacência. A ultrassonografia mostrou um pequeno
comprometimento do trato urinário baixo e dilatação renal foi encontrada em 4 pacientes, 2
com alterações na sensibilidade vesical, 1 com hipocontratilidade e 1 com acontratilidade,
sendo os dois últimos dependentes pela escala FIM. Todos foram encaminhados para
avaliação e tratamento, tendo os dois últimos iniciado cateterismo intermitente limpo.
Estatisticamente, não podemos associar dilatação renal com piora neurológica (alteração na
escala FIM) e com a alteração da contratilidade detrusora.
Como é possível observar, há uma variedade de achados clínicos e urodinâmicos na
AF e sua correlação clínico-urodinâmica nem sempre leva à um diagnóstico preciso. Sendo
34
assim, apesar do baixo risco ao trato urinário superior, o estudo urodinâmico deve ser
realizado para uma definição mais rápida e precisa dos sintomas urinários, facilitando seu
tratamento.
35
VIII LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS
Para uma análise mais objetiva dos sintomas contribuiria a realização do diário
miccional em todos os pacientes. Assim poderiam ser avaliadas com maior precisão a
presença e a intensidade dos sintomas urinários na rotina diária dos pacientes, além do
impacto social para os mesmos. No entanto, é difícil a realização do diário miccional nos
pacientes com maior comprometimento neurológico. Outra limitação foi a baixa adesão dos
pacientes à realização dos exames complementares (estudo urodinâmico, ultrassom e exames
laboratoriais). Talvez a importância dos sintomas urinários seja reduzida frente a um quadro
neurológico tão proeminente. Também, a locomoção dos pacientes ao local do exame é outro
limitador.
A utilização de um questionário padronizado para avaliar qualidade de vida poderia
ratificar a força deste achado neste estudo. Por fim, a padronização de um questionário para
bexiga neurogênica seria também de grande valia, pois os trabalhos poderiam ser
comparados, aumentando o número de pacientes estudados e a confiabilidade de seus
resultados.
No futuro, com a maior facilidade na contagem do número de repetições GAA nos
dois alelos envolvidos na AF, será possível a comparação dos dados urológicos com o
tamanhos das repetições, determinando assim os paciente que estarão sujeitos a este quadro
clínico e até aqueles que o desenvolverão com maior precocidade. Assim, quem sabe, a
atenção para estes achados fique mais presente na avaliação clínica desse pacientes.
36
IX CONCLUSÃO
Disfunção do trato urinário inferior foi encontrada em um grande número de
pacientes com AF, sendo urgência e incontinência, respectivamente, os sintomas mais
frequentes. Apesar disso, fica evidente que poucos pacientes relatam que estes achados
urológicos interferem em sua qualidade de vida.
A correlação clínico-urodinâmica mostra a forte associação entre a presença de
resíduo urinário com a diminuição da força de contração detrusora
(hipocontratilidade/acontratilidade) e/ou dissinergismo detrusor-esfíncter. Também, chama
atenção, a baixa associação entre urgência e hiperatividade detrusora.
Quanto aos achados urodinâmicos, contrariando a maioria dos trabalhos da
literatura, hipocontratilidade detrusora foi o mais encontrado. Por fim, como não foi
encontrado alteração da complacência e as pressões durante a hiperatividade detrusora não se
apresentaram elevadas, podemos concluir que os pacientes com AF apresentam uma bexiga
neurogênica de baixo risco para o trato urinário superior.
37
X ABSTRACT
Urinary Symptoms and Urodynamic Findings in Patients with Friedreich's
Ataxia
Objective: To describe the urinary symptoms and urodynamic findings in patients with
Friedreich's ataxia (FA) with lower urinary tract symptoms (LUTS). Methods: This
prospective study evaluated 258 patients with genetically confirmed diagnosis of AF. One
hundred and fifty-eight (61%; N258) patients responded a questionnaire to assess their LUTS.
Patients with clinical changes in the lower urinary tract were invited to an investigation with
renal function examinations, ultrasound and urodynamic studies. Results: One hundred and
twenty-nine (82%; N158) patients had LUTS. Only 35 (22%; N158) patients affirm that their
urinary symptoms interfere with their quality of life, even though 40% of the sample refer
some form of incontinence. Twenty-eight (7 men and 21 women) agreed to participate in an
urodynamic studies. The mean age was 32 (± 11.2) years, and the mean time of onset of the
disease was 16 (± 7) years. The most commonly reported symptom was urgency, reported by
21 (75%, N28) of patients. Incontinence was seen in 17 patients (61%, N28). Urodynamic
studies ware normal in 4 (14%, N28) patients. Detrusor hypocontractility as the most common
finding. Of the patients who complained of urinary urgency, 81% were found not to have
detrusor overactivity. Creatinine was normal in all patients and urea levels were high in 1
(3%, N28). Ultrasound found a slight / moderate dilatation of the upper urinary tract in 4
(14%, N28) patients. In 7 (25%, N28), the bladder had an irregular appeareance and a
thickened wall. Conclusion: Lower urinary tract dysfunction was found in a large percentage
of patients with FA. The presence of LUTS seems to bother some patients. The risk for upper
urinary tract is low since there was no change in compliance and hyperactivity do not have
high pressure, and the few changes ultrasound.
Keywords: 1. Freidreich’s ataxia; 2. Urodynamics; 3. Lower urinary tract dysfunction;
4. Neurogenic bladder.
38
REFERÊNCIAS
1. Jankovic J, Tolosa E. Parkinson’s Disease and Movement Disorders 4th ed.
Philadelphia: Lippincott, Williams & Wilkins, 2002. Cap. 27.
2. Rodríguez JMD, Del Busto EF. Correlación clínico-urodinámica en las ataxias
hereditarias. Arch. Esp. Urol 2003;56(8):915-925.
3. La Pean A, Jeffries N, Ravina B, Di Prospero NA. Preitors of Rodríguez in patients
with Friedreich ataxia. Movement Disorders Publisher online: 29Aug 2008. Acessado
em 20 dez. 2012. <www.movementdisorders.org>.
4. Delatycki MB, Nicholson GA, Storey E, MacMillan John C. Clinical and Genetic
Study of Friedreich Ataxia in an Australian Population. American Journal of Medical
Genetics 1999;87:168-174.
5. Rodríguez JMD, Casado JS, Del Busto EF. Alteraciones urogenitales em las ataxias
neurodegenerativas hereditárias y esporádica. Neurologia 2005;20910:17-23.
6. Geoffroy G, Barbeu A, Breton G et al. Clinical description and roentgenologic
evaluation of patients with friedreich ataxia. Can J Neurol Sci 1976;3:279-286.
7. Harding AE. Friedreich’s ataxia: A clinical and genetic study of 90 families with an
analysis of early diagnostic criteria and intrafamilial clustering of clinical features. Brain
1981;104:589-620.
8. Alper G, Narayanan V. Friedreich’s Ataxia. Pediatr Neurol; 2003;28:335-341.
9. Vezina JG, Bouchard JB, Bouchard R. Urodynamic Evaluation of Patients with
Hereditary Ataxias. Can J Neurol Sci; 1982 May;9(2):127-9.
10. Nardulli R, Monitillo V, Losavio E, y cols.: ”Urodynamic evaluation of 12 ataxic
subjects: neurophysiopathologic considerations.” Funcional Neurology, 1992,7:223.
39
11. Caraceni E, Leone G, Ardito S. Neurogenic bladder dysfunction in hereditary
Friedreich’s Ataxia. Urodinamica 1992;2:177-9.
12. Leach GE, Farsali A, Kark P, y cols. ”Urodinamyc manifestations of cerebellar
ataxia.” J. Urol., 1982;128:348.
13. Abrams P, Cardozo L, Fall M, Grifiths D, Rosier P, Ulmstyein U, et al. The
standartization of terminology of lower tract function; report from the Standadization
Subcommitte of the international Continence Society. Neurourol Urodyn 2002;
21:167-78.
14. Levitt SB, Obling H et al. Pediatrics. 1981;67:392-400.
15. Jorgensen JB, Jensen KM-E. Urodynamics I. In: Timothy BB (editor). The Urologic
Clinics of North America; 1996.p. 237-242.
16. Griffiths DJ, Harrison G, Moore K, et al. Variability of post-void residual urine
volume in the elderly. Urol Res 1996;24(1):23-6.
40
ANEXOS
ANEXO 1: Questionário Utilizado na Pesquisa para a Coleta de Dados
Questionário de sintomas urológicos
Questões:
1. Você acredita que sua frequência urinária está aumentada? ( ) Sim ( ) Não
1.1. Você urina mais do que 6x durante o dia? ( ) Sim ( ) Não
2. Você acorda à noite para urinar? ( ) Sim ( ) Não
2.1 Você urina mais do que 3x durante a noite? ( ) Sim ( ) Não
3. Você perde urina na roupa durante o dia? ( ) Sim ( ) Não
4. Você perde urina involuntariamente? ( ) Sim ( ) Não
4.1 Você perde urina na roupa durante o dia? ( ) Sim ( ) Não
4.2 Você perde urina na roupa durante a noite? ( ) Sim ( ) Não
5. Você sente urgência para urinar? ( ) Sim ( ) Não
6. Você faz esforço para urinar? ( ) Sim ( ) Não
7. O jato urinário é interrompido durante a micção? ( ) Sim ( ) Não
8. Você sente vontade de urinar? ( ) Sim ( ) Não
9. Você sente a bexiga vazia ao terminar a micção? ( ) Sim ( ) Não
10. Seus sintomas urinários interferem na sua qualidade de vida?
( ) Sim ( ) Não
41
ANEXO 2: Tabela de Medida de Independência Funcional (FIM)
Tarefas avaliadas pela Medida de Independência Funcional (FIM)
MIF motor
Autocuidados
Higiene matinal
Banho
Vestir-se acima da cintura
Vestir-se abaixo da cintura
Uso do vaso sanitário
Controle de esfíncteres
Controle da urina
Controle das fezes
Transferências
Leito, cadeira, cadeira de rodas
MIF
total
Vaso sanitário
Chuveiro ou banheira
Locomoção
MIF cognitivo
Comunicação
Cognição social
Locomoção
Escadas
Compreensão
Expressão
Interação social
Resolução de problemas
Memória
42
ANEXO 3: Termo de consentimento livre e esclarecido
ASSOCIAÇÃO DAS PIONEIRAS SOCIAIS
HOSPITAL SARAH-SALVADOR/BAHIA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O(A) Senhor(a) está sendo convidado para participar de um protocolo de pesquisa com
o título “Disfunção do trato urinário baixo em portadores de Ataxia de Friedreich”, de
responsabilidade do pesquisador André Ferraz de Arruda Musegante, médico, urologista. O
Objetivo é avaliar a presença de sintomas urinários nos portadores de ataxia.
Inicialmente será feita uma avaliação clínica e respondido um questionário o qual determinará
a presença ou não dos sintomas urinários procurados, sendo curto seu tempo de resposta. Os
pacientes com queixas urinárias serão encaminhados à avaliação com exame de sangue,
ultrassonografia dos rins e da bexiga e estudo urodinâmico, que é um exame que avalia o
funcionamento da bexiga, utilizando-se da passagem de sondas uretral e retal, assim como de
antibióticos para a prevenção de infecção.
A presença de alterações de origem neurológica na bexiga pode levar a complicações renais e
na qualidade de vida e, portanto, estes exames aos quais o senhor (a) será submetido(a) já faz
parte da investigação de rotina de pacientes com alterações neurológicas na bexiga, que pode
ser o seu caso.
Se o(a) senhor(a) não concordar com o estudo ou se a qualquer momento, desistir do
mesmo, isto não implicará em abandono de tratamento ou acompanhamento ambulatorial
nesta instituição.
A sua participação não lhe acarretará nenhum custo e os dados obtidos serão mantidos
em sigilo. Todavia, serão usados para análise estatística e fins científicos mantendo direito à
privacidade. Os procedimentos obedecerão rigorosamente a Resolução nº 196/96 do CNS –
Conselho Nacional de Saúde, respeitando todos os seus direitos como cidadão. O projeto foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Sarah. Qualquer dúvida com relação
à assinatura deste termo ou seus direitos entre em contato: telefone (71) 34525677 – Dr.
André Ferraz/ (61) 3319-1408 - Patrícia, RH.
Eu, ...................................................................................., voluntariamente, reconheço ter lido
esse termo, ou ele foi lido para mim, e compreendo a pesquisa que estou inserido(a).Conheci
as etapas que vou percorrer e como tive oportunidade de fazer perguntas que foram
satisfatoriamente respondidas, concordo em participar do trabalho acima citado, que tem
como coordenador Dr. André Ferraz de Arruda Musegante, sendo a coleta de dados e
avaliação física e laboratorial feita neste serviço.
43
ANEXO 4: Ofício do Comitê de Ética em Pesquisa
44
ANEXO 5: Artigo
Publicado
DOI 10.1007/s00415-010-5810-2, ISSN 0340-5354, Urinary symptoms and urodynamic
findings in patients with Machado–Joseph disease, Journal of Neurology Official Journal of
the European Neurological Society Number 4 Volume 258: 623-626, 2011.
Aceito para publicação
JPUROL-D-12-00272R3, Investigation about Neurogenic Bladder in Arthrogryposis
Multiplex Congenita, Journal of Pediatric Urology.
Submetido
IBJU-924-12-Urinary Symptoms and Urodynamics Findings in Patients with Friedreich's
Ataxia. International Brazilian Journal of Urology
Pronto para submissão
The association of GAA trinucleotide expansion with clinical and urodynamic findings in
patients with Friedreich’s Ataxia and neurogenic bladder.
45

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