Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater

Transcrição

Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
URCA
Universidade Regional
do Cariri
FACULDADE DE BELAS ARTES
Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau
Departamento de Artes Visuais
Departamento de Teatro
FACULDADE DE PSICOLOGIA
E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
Grupo de Pesquisa
Ensino da Arte em
Contextos Contemporâneos
2
UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI
Reitora
Antonia Otonite de Oliveira Cortez
Vice-Reitor
José Patrício Pereira Melo
Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa
Maria Arlene Pessoa da Silva
CENTRO DE ARTES REITORA VIOLETA ARRAES DE ALENCAR GERVAISEAU
Diretor
Fábio José Rodrigues da Costa
Vice-Diretora
Cecília Maria de Araújo Ferreira
Departamento de Teatro
Departamento de Artes Visuais
Fábio José Rodrigues da Costa
Ana Cláudia Lopes de Assunção
Frederyck Sidou Piedade
Rubens Venâncio
Carlos Robério Silva
Fábio Tavares da Silva
Francisco dos Santos
Petrônio Sampaio de Alencar
Cecília Maria de Araújo Ferreira
Jerônimo Vieira de Lima Silva
João Dantas Filho
Luiz Renato Gomes Moura
Alysson Amâncio de Souza
Aline dos Santos Sousa
Francisco Wellington Rodrigues Lima
José Cléber Barbosa de Lima
Yuri de Andrade Magalhães
Coordenadora do Curso de Licenciatura em Artes Visuais
Coordenador do Curso de Licenciatura em Teatro
Ana Cláudia Lopes de Assunção
Jerônimo Vieira de Lima Silva
Ficha Catalográfica Elaborada pela
Biblioteca Central da URCA
Anais do 3. Encontro Internacional sobre Educação Artística:
práticas de investigação em educação artística: tensões entre
aprendizagem e investigação, de 5 a 7 de Maio de 2014/
Organizador: Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos
Contemporâneos - GPEACC/CNPq. - Juazeiro do Norte-CE,.
http://eiea.nea.fba.up.pt/anais2014; il.
ISBN: 978-85-65425-10-0
1. Educação artística - encontro internacional; 2 Aprendizagem e
investigação; 3. URCA – Campus Pirajá; I. Grupo de Pesquisa
Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos - PEACC/CNPq;
II. Título.
CDD: 700
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BANCO DO NORDESTE DO BRASIL
Presidente Interino
Nelson Antônio de Souza
Chefe do Gabinete da Presidência
Zilana Melo Ribeiro
Diretores
Manoel Lucena dos Santos
Paulo Sérgio Rebouças Ferraro
Luíz Carlos Everton de Farias
Fernando Passos
Stélio Gama Lyra Júnior
Neilson Antônio de Souza
Superintendência de Marketing e Comunicação em exercício
Lúcia de Fátima Barbosa da Silva
Gerente do Ambiente de Comunicação Social
Mauricio Lima
Gerente do Ambiente de Marketing em exercício
Francisco Céliton Freire Nogueira
CENTRO CULTURAL BANCO DO NORDESTE CARIRI
Gerente Executivo
Marco Aurélio Coelho Ramos
Consultores
Paulo Roberto Guedes Medeiros
Henoque Viríssimo de Amorim
Coordenador do Programa de Artes Visuais
Robério Oliveira
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Comissão Científica . Cientific Committee
Alice Semedo
PhD, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal
Ana Mae Barbosa
PhD, Universidade de São Paulo - USP, Brasil
Angeles Saura
PhD, Universidade Autonoma de Madrid, Espanha
Antônia Pereira Bezerra
PhD, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil
Arão Paranaguá
PhD, Universidade Federal do Maranhão - UFMA, Brasil
Carlos Henrique Falci
PhD, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Brasil
Cássia Navas
PhD, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Brasil
Catarina S. Martins
PhD, i2ADS/Faculdade de Berlas Artes da Universidade do Porto, Portugal
Chus Agra Padiñas
PhD, Universidade de Santiago de Compostela, Espanha
Cristiane Almeida
PhD, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Brasil
Domingos Tavares
PhD, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Portugal
Elvira Leite
Serviço Educativo do Museu de Serralves, Portugal
Fábio José Rodrigues da Costa
PhD, Universidade Regional do Cariri - URCA, Brasil
Fernanda Maio
PhD, Faculdade de Berlas Artes da Universidade de Lisboa, Portugal
Fernando Hernández
PhD, Universidade de Barcelona, Catalunha, Espanha
Fernando José Pereira
PhD, i2ADS/Faculdade de Berlas Artes da Universidade do Porto, Portugal
Guy Berger
PhD, Université de Paris VIII, França
Henrique Vaz
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Comissão Científica . Cientific Committee
PhD, CIIE/Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal
Inês Dussel
PhD, Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - FLACSO, Argentina
Jociele Lampert
PhD, Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, Brasil
John Baldacchino
PhD, TC, Columbia, U.S.A./University College, Falmouth, United Kingdom
Jorge Ramos do Ó
PhD, Instituto de Educação da Universidade de Lisboa - IEUL, Portugal
José Alberto Correia
PhD, CIIE/Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal
José Carlos de Paiva
PhD, i2ADS/Faculdade de Berlas Artes da Universidade do Porto, Portugal
Leão Lopes
PhD, Reitor do Instituto de Arte, Tecnologia e Cultura — M_EIA, Cabo Verde
Leonardo Charréu
PhD, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Brasil
Lêda Guimarães
PhD, Universidade Federal de Goiás - UFG, Brasil
Lino Cabezas Gelabert
PhD, Universidade de Barcelona, Espanha
Lúcia Gouvêa Pimentel
PhD, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Brasil
Manuela Terrasêca
PhD, CIIE/Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal
Mariama Ross
PhD, Ghana, Art Education, African Studies, University of Wisconsin
Mário Bismarck
PhD, i2ADS/Faculdade de Berlas Artes da Universidade do Porto, Portugal
Meran Vargens
PhD, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Brasil
Milton Terumitsu Sogabe
PhD, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Brasil
Mônica Ribeiro
PhD, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Brasil
Natércia Alves Pacheco
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Comissão Científica . Cientific Committee
PhD, i2ADS, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal
Pilar Peréz
PhD, Universidad Autónoma de Madrid, Espanha
Ramón Cabrera
PhD, ISA, Conselho Latino Americano de Educação pela Arte - CLEA, Cuba
Rejane Coutinho
PhD, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Brasil
Rita L. Irwin
PhD, University of British Columbia, Vancouver, Canada
Rosa Gadelha
PhD, Universidade Federal do Ceará - UFC, Brasil
Teresa D’Eça
PhD, i2ADS/Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Portugal
Teresa Medina
PhD, CIIE/Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal
Victor Sala
Director da Faculdade de Arte, Instituto Superior de Arte e Cultura, Moçambique
Vitória Amaral
PhD, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Brasil
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Comissão Organizadora . Organizing Committee
Coordenação
Dr. Fábio José Rodrigues da Costa
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq,
Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA
Dr. José Paiva
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto/Portugal
Secretaria Geral
Carlos Robério Silva
Pesquisador do GPEACC e Professor do Departamento de Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Ana Cláudia Lopes de Assunção
Pesquisadora do GPEACC e Professora do Departamento de Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Gleison Amorim
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Teatro do Centro de Artes da URCA
Ravena Monte Sousa
Pesquisadora do GPEACC
Verônica Leite
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Wandeallyson Landim
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Projeto Gráfico
Carlos Robério Silva
Pesquisador do GPEACC e Professor do Departamento de Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Revisão
Ravena Monte Sousa
Pesquisadora do GPEACC
Web Design
Tiago Assis
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto/Portugal
Tiago Pinho
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto/Portugal
Infraestrutura
Fábio Tavares
Pesquisador do GPEACC e Professor do Departamento de Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Aline Sousa
Pesquisadora do GPEACC e Professora do Departamento de Teatro do Centro de Artes da URCA
Victor Vladimir
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Thiago Gomes
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Teatro do Centro de Artes da URCA
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Comissão Organizadora . Organizing Committee
Samuel dos Santos
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Kelliane Ferreira
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Teatro do Centro de Artes da URCA
Ana Cláudia Farias
Aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Rafael Moraes
Aluno do Curso de Licenciatura em Teatro do Centro de Artes da URCA
Gabriel Angelo
Aluno do Curso de Licenciatura em Teatro do Centro de Artes da URCA
LACES (Laboratório de Costura e Estética)
Francisco dos Santos
Pesquisador do GPEACC e Professor do Departamento de Artes Visuais
Andréa Sobreira
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Edvânia Santos
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Silvanira Pereira
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Luiz Fernando
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Isaias de Almeida
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Cristiane Romão
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Vívian Santos
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Raylla Brito
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Amilton Duarte
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
João Eudes
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Charles Lessa
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
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Comissão Organizadora . Organizing Committee
Joseph Olegario
Aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Edvânia Martins
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Teatro do Centro de Artes da URCA
Jaqueline Rodrigues
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Álisson Flor
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Carlene Cavalcante
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Rildo Araújo
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Raquel Santana
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Samuel dos Santos
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Anália Lobo
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Victor Vladimir
Membro do GPEACC e aluno do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Jessica Lorena
Membro do LaCrirCe (Laboratório de Criação e Recepção Cênica) e aluna do Curso de Licenciatura em Teatro do Centro de Artes da URCA
Adriana Bonfim
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Rachel Gomes
Membro do GPEACC e aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da URCA
Suyane Oliveira
Aluna do Curso de Licenciatura em Artes Visuais
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“Saber, ação e criação”: 3ei_ea
“Saber, ação e criação: 3ei_ea
[...] as universidades vão progressivamente conceder uma maior atenção aos processos de acompanhamento dos
alunos, através de formas de orientação e tutoria, de aconselhamento e integração dos alunos em grupos de pesquisa. Será esse conjunto de atividades pedagógicas e científicas, e não as “aulas” propriamente ditas, que definirá a
Universidade do futuro. (NÓVOA, 2000, p. 132)
Ao longo de três dias materializamos o III Encontro Internacional sobre Educação Artística na Cidade de Juazeiro do Norte – Ceará/Brasil. O evento realizado pelo
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA/Brasil em
parceria com o Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade — i2ADS da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto/Portugal reuniu pesquisador@s da área de Arte nos campos epistemológicos das Artes Audiovisuais, Artes Visuais, Dança, Música e Teatro do Brasil, Portugal, Espanha, Cabo Verde,
Guatemala e Cuba.
O evento agregou no mesmo tempo/lugar pesquisador@s de diferentes contextos de atuação profissional e/ou de formação, uma vez que, estiveram presentes
desde professor@s-pesquisador@s da Educação Básica como professor@s-pesquisador@s do Ensino Superior (universidades). Assim como, pesquisador@s
em formação inicial (estudantes da graduação em Artes Visuais, Dança, Música e Teatro e, pesquiador@s em formação continuada (estudantes de mestrado e
doutorado).
A dinâmica vivenciada/experienciada no III Encontro Internacional sobre Educação Artística consistiu de Conferências, Mesas-Redondas, Comunicações, Apresentações Artísticas (Cajuina/Companhia Alysson Amancio, Evanescente Caminho/Laboratório de Criação e Recepção Cênicas – LaCrirCe/URCA-CNPq e Vendo
Sonhos para Montar um Instante/Suzana Carneiro – estudante do Curso de Licenciatura em Teatro da URCA) e Exposições (Linhas, a cidade lentamente/Lucimar
Bello e Animare, Irmãos Flor). Nos deslocamos entre lugares (Memorial Pe. Cícero e Centro Cultural do Banco do Nordeste) que abrigaram todas as atividades,
mas também transitamos pela cidade, ocupamos hotéis e pousadas. Convivemos com os habitantes dos lugares por onde transitamos e nos deixamos contaminar com as culturas do cariri cearense e as contaminamos. Portanto, utilizamos de estratégias de aprendizagem construtoras de significados que nos permitem
re-criar, re-pesquisar e re-aprender “modos de compreensão, apreciação e representação do mundo” (IRWIN, 2008, p. 91).
Também ousamos, arriscamos, tivemos medo, nos assustamos, nos Mas acreditamos em nossa capacidade de nos reinventar como humanos e como estudantes/
profissionais em um exercício freriano exercitamos nossa liberdade.
No habría cultura ni historia sin innovación, sin creatividad, sin curiosidad, sin libertad ejercitada o sin libertad por la
que, negada, se luche. No habría cultura ni historia sin riesgo, asumido o no, es decir, riesgo del que tenga mayor o
menor conciencia el sujeto que lo corra. Puedo no saber ahora a qué riesgos me enfrento, pero sé que, en cuanto
presencia en el mundo, corro peligro. El riesgo es un ingrediente necesario de la movilidad, sin la cual no hay cultura
ni historia. De ahí la importancia de una educación que, en lugar de tratar de negar el riesgo, estimule a las mujeres y
a los hombres a asumirlo. Asumiendo el riesgo, su carácter inevitable, me preparo o me hago apto para afrontar este
riesgo que me desafía ahora y al que debo responder. Es fundamental que sea que no hay existencia humana sin
riesgo, sin un peligro de mayor o menor relieve. (FREIRE, 2001, p. 40-41).
Em um exercício metodológico o tema central do 3ei_ea “Práticas de investigação em educação artística: tensões entre aprendizagem e investigação” foi
abordado por diferentes sujeitos epistêmicos e contamos com a colaboração de Ana Mae Barbosa (Brasil), José Paiva (Portugal), Ángeles Saura (Espanha),
Leão Lopes (Cabo Verde) e Ramón Cabrera (Cuba) que a partir de suas experiências e trajetória de vida trataram das questões teórico/práticas que envolvem
a investigação em/sobre artes.
Ainda no contexto de nossas opções, arriscamos organizar as Mesas-Redondas a partir dos campos epistemológicos da Arte o que nos permitiu provocar discursões simultâneas por área de interesse. Com esta estratégia foi possível reunir os 400 participantes para as Conferências e depois agrupa-los em grupos a
partir das seguintes questões:
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“Saber, ação e criação: 3ei_ea
- Sobre práticas investigativas nas Artes Audiovisuais e sua aprendizagem;
- Sobre práticas investigativas nas Artes Visuais e sua aprendizagem;
- Sobre práticas investigativas na Dança e sua aprendizagem;
- Sobre práticas investigativas na Música e sua aprendizagem;
- Sobre práticas investigativas no Teatro e sua aprendizagem.
Para cada Mesa-Redonda convidamos pesquisador@s brasileir@s e estrangeiros e somos gratos @ tod@s tanto por aceitarem o convite como pela qualidade de
suas contribuições antes, durante e posteriormente ao evento. A Mesa-Redonda “Sobre práticas investigativas nas Artes Audiovisuais e sua aprendizagem”
contou com a presença dos pesquisadores Carlos Falci (UFMG), Milton Sogabe (UNESP) e Leão Lopes (Instituto Universitário de Arte e Cultura de Cabo Verde).
Em razão de uma demanda que se aproximou de 70% dos participantes, optamos por realizar duas Mesas-Redondas “Sobre práticas investigativas nas Artes
Visuais e sua aprendizagem” e para atender a esta proposição estiveram presentes as pesquisadoras Jociele Lampert (UDESC), Lucia Pimentel (UFMG) e
Vitória Amaral (UFPE) na mesa do dia 05 de maio. No segundo dia a mesa foi formada pelas pesquisadoras Rejane Coutinho (UNESP), Lêda Guimarães (UFG)
e Ángeles Saura (Universidad Autonoma de Madrid – Espanha). Para a mesa “Sobre práticas investigativas na Dança e sua aprendizagem” reunimos três
importantes pesquisadoras da área: Rosa Gadelha (UFC), Graziela Rodrigues (UNICAMP) e Carla Lima (UFU). “Sobre práticas investigativas na Música e
sua aprendizagem” as pesquisadoras Cristiane Almeida (UFPE) e Ethel Batres (Universidad Rafael Landívar da Guatemala) e para a mesa “Sobre práticas
investigativas no Teatro e sua aprendizagem” os pesquisadores Oswald Barroso (UECE) e Adilson Florentino (UNIRIO).
Tomados pela ousadia metodológica decidimos por uma Mesa-Redonda concebida para abrigar os Discursos Emergentes e convidamos doutorand@s do Programa de Doutorado Interinstitucional em Artes – DINTER UFMG/URCA para apresentarem suas pesquisas. Na mesa da área de Artes Visuais participaram Ana
Cláudia Lopes de Assunção, Rubens Venâncio, Eneida Feitosa e Otília Souza e para a coordenação e mediação a pesquisadora Lívia Marques Carvalho
(UFPB/UFPE) e para a área de Teatro participaram João Dantas Filho e Cecília Maria de Araújo Ferreira com a coordenação e mediação do pesquisador
Adilson Florentino (UNIRIO).
Tudo que foi vivido/compartilhado só foi possível pela inserção dos estudantes do Curso de Licenciatura em Artes Visuais e do Curso de Licenciatura em Teatro do
Centro de Artes da URCA que por meio de suas representações (Centro Acadêmico de Artes Visuais Ana Mae Barbosa e Centro Acadêmico de Teatro Fábio
José Rodrigues da Costa) asseguraram junto a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis – PROAE alocação de recursos para passagens dos convidados nacionais
e internacionais. El@s participaram desde a concepção até o pós evento. Discutiram desde o formato até a despedida dos participantes.
Contamos, ainda, com a colaboração e parceria de sujeitos e instituições externos a universidade/centro de artes como a vereadora Auricélia Bezerra Souza, da
Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte, Secretaria Municipal de Educação de Juazeiro do Norte, do Centro Cultural do Banco do Nordeste – CCBNB
e do Presidente da Fundação Memorial Pe. Cícero, Shesman Alencar.
Como parte dos compromissos do 3ei_ea (III Encontro Internacional sobre Educação Artística) restava o lançamento dos Anais com o conteúdo completo das
Comunicações que a partir de hoje passa ao domínio público.
Juazeiro do Norte, maio de 2014
Fábio José Rodrigues da Costa
Líder do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq
Coordenador do 3ei_ea/Brasil
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Sumário
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Sessão de Artigos_Papers Sessions
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SOBRE PRÁTICAS INVESTIGATIVAS NAS ARTES AUDIOVISUAIS E SUA APRENDIZAGEM
Sumário . Index
Animação cultural virtual e formação de professores: relato de uma pesquisa-ação na FFP-UERJ
Lucas Leal
Índice
Index
Início
Start
SOBRE PRÁTICAS INVESTIGATIVAS NAS ARTES VISUAIS E SUA APRENDIZAGEM
Quetzalcoatlus, Um Processo de Criação
João Eudes Ribeiro Machado Filho; Francisco dos Santos
A Relação Espaços Culturais/Ong na Perspectiva De Inclusão Cultural: Dois Encontros, Dois Momentos de Reflexão
Veruschka Pereira Greenhalgh; Maria Betânia e Silva
Sumário . Index
Educativo de Bolso: Processos de Construção de Conhecimento em Ambiente Museal
Fernanda Maziero Junqueira
Ação multicultural em desenvolvimento em Conceição das Crioulas
Denílson Pereira Rosa
Ensino/Aprendizagem de Arte e Participação De Jovens/Adolescentes
Cláudia Regina dos Anjos; Sandra de Fátima Pereira Tosta
A formação Em devir: Artista-Professor- Pesquisador, ou como construir em si um território nômade
Rafael de Sousa Carvalho
Tempo entre espaços: (re) construção do conceito de pintura no campo expandido
Maxiane Ferreira Freitas
Pesquisas e produção enquanto estudante de artes
Andréa Sobreira de Oliveira; Petrônio Sampaio de Alencar
A escultura como experimentação artística - Incorporação da Teoria dos Portais como representação e estudo na tridimensionalidade
Francisco Luiz Fernando Silva; Francisco dos Santos
A construção de uma artografista
Raylla Brito Vieira; Fábio Tavares da Silva
Partilhas sensíveis: imagens, histórias e memórias
Valéria Peixoto de Alencar; Camila Feltre; Flora Figueiredo; Mara Lúcia Finocchiaro da Silva; Rejane Coutinho; Rita Bredariolli;
Roberta Jorge Luz; Sidiney Peterson; Silvana Brunelli
Índice
Index
Início
Start
SOBRE PRÁTICAS INVESTIGATIVAS NAS ARTES VISUAIS E SUA APRENDIZAGEM
“Um breve histórico” ou de como (re) conhecemos histórias sobre arte e educação
Rita Luciana Berti Bredariolli
Pastor – auto natalino maranhense: análise e perspectivas das dimensões artístico-visuais possibilidades e contribuições para
o ensino de arte
Isabel Mota Costa
Sumário . Index
As festas tradicionais populares no ensino de arte na educação básica
Edite Colares Oliveira Marques
O ensino do Desenho no Brasil: da academia imperial à escola de Belas Artes
Niedja Ferreira dos Santos
Jardim das Possibilidades: uma proposta pedagogia sob a ótica da Crítica Genética
Francisco dos Santos
Vagina: processo de criação
Larissa Rachel Gomes Silva
Gestão escolar diferenciada
Maria Diva Rodrigues; Marinalva Rita da Silva; Mónica Faria
Mapeamento do ensino de Artes Visuais na educação não formal: possibilidades de estágio supervisionado
Fabiane Pianowski
A importância do estudo do grafismo infantil para a formação do pedagogo na UFC
Luciane Germano Goldberg; Ana Caroline Sales
A criança de cinco anos e o desenho produzido a partir da imagem de arte
Veronica Devens Costa
As mulheres na arte e na sociedade na Região do Cariri
Anália Lobo Mesquita
Índice
Index
Início
Start
SOBRE PRÁTICAS INVESTIGATIVAS NAS ARTES VISUAIS E SUA APRENDIZAGEM
Cartografia Cariri: investigação (re)vitalizando a história
Cristina Atonioevna Dunaeva; Diego Marcos Linard Tavares; Edilson Militão de Melo Filho
Pesquisa sobre Arte e seu Ensino, anotações inquietase
Lucimar Bello P. Frange
Sumário . Index
Arquivos imaginários: Arte, Fotografia e processos investigativos
Rubens Venâncio
Ensino/aprendizagem das Artes Visuais no contexto da escola de formação profissional: para além dos muros da escola
Diana Valverde de Almeida
Interfaces da pesquisa na construção da identidade docente em Artes Visuais
Leda Maria de Barros Guimarães; Moema Martins Rebouças
A inclusão da mulher e sua arte na arte/educação para uma sociedade mais igualitária
Silvia Tereza Moura Silva; Maria das Vitorias Negreiros do Amaral
O ensino de Artes Visuais como possível cartografia na formação de pedagogos(as)
Fábio Wosniak; Jociele Lampert
A Ressocialização na Formação Inicial d@ Artista/Professor@/Pesquisador@: um estudo baseado na pesquisa sobre artes
Fábio José Rodrigues da Costa
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos: Tensões entre Aprendizagens e Pesquisa
Fábio José Rodrigues da Costa
Índice
Index
Início
Start
SOBRE PRÁTICAS INVESTIGATIVAS NO TEATRO E SUA APRENDIZAGEM
Diário de uma aprendiza: rascunho de histórias
Suzana Carneiro de Souza; Aline dos Santos Sousa
Teatro Folia
Antonio Gomes Pereira Neto
Sumário . Index
Caminhos/encontros que se cruzam como ventos
Maria Edvânia Martins Barbosa; Alysson Amâncio de Sousa
O contexto pós-moderno/contemporâneo em As Velhas, de Lourdes Ramalho
João Dantas Filho
“Cultura Visual” e “Etnocenologia”, no campo artístico: reinventando A roda?
Norton Figueiredo Corrêa
Uma experiência narrativa híbrida para o ensino da Arte
Carlos Cartaxo; Georgina Furtado
Índice
Index
Início
Start
SOBRE PRÁTICAS INVESTIGATIVAS NA DANÇA E SUA APRENDIZAGEM
Tribal Fusion e Videodança : o duplo hibridismo na tela
Kilma Farias Bezerra
Sumário . Index
Videodança: uma proposta de formação
Guilherme Barbosa Schulze
Índice
Index
Início
Start
SOBRE PRÁTICAS INVESTIGATIVAS NA MÚSICA E SUA APRENDIZAGEM
A formação musical no contexto escolar
Lucilene Ferreira de Oliveira; Luis Ricardo Silva Queiroz
A importância da Música na Educação Infantil: um aprendizado interdisciplinar a partir de uma oficina do
VII ENCONTRO INTEGRATIVO do PIBID-UFRN
Gleison Costa dos Santos
Sumário . Index
Autonomia docente: utilizando diversas estratégias para alcançar os alunos na aula de música
Calígia Sousa Monteiro; Joalisson Jonathan Oliveira Diniz; Luciano Luan Gomes Paiva
O papel do PIBID na formação dos licenciandos em Música da Universidade Federal do Ceará
Marcos Paulo Miranda Leão dos Santos; Marlúcia Chagas de Lima; Gabriel Nunes Lopes Ferreira
Propostas didáticas para o ensino coletivo de percussão no programa Mais Educação
Luciano Luan Gomes Paiva
Índice
Index
Início
Start
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Audiovisuais / Audiovisual Arts
ANIMAÇÃO CULTURAL VIRTUAL E FORMAÇÃO DE PROFESSSORES: RELATO DE UMA PESQUISA-AÇÃO NA FFP - UERJ
Lucas Leal
Faculdade de Formação de Professores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Introdução / Metodologia
O artigo tem como objetivo relatar uma pesquisa-ação (JORDÃO, 2004) efetuada na Faculdade de Formação de Professores da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (FFP-Uerj) em 2013 através da “animação cultural virtual”.
O trabalho tomou como base a formação de novos educadores sociais, tendo como auxílio o uso da tecnologia no processo educacional.
Partiu-se inicialmente de formação teórica e prática com uma única turma, na disciplina Sociologia da Educação (2013.1)1, iniciada em abril de 2013. Usou-se
base teórico-metodológica da pedagogia histórico-crítica (Saviani, 2008), compreendendo a historicidade dos conceitos do tema escolhido. Assim, pensou-se a
animação cultural para uma educação crítica, a partir de uma linguagem artística contemporânea, o “cinema na internet”.
Na pesquisa foi lançado desafio de compreender a Educação em Direitos Humanos (EDH) e a nova geração de direitos, incluindo a tecnologia.Quer-se discutir
formas de Reinventar a Escola (Candau, 2000a), atualizando conceitos da cultura na educação. Estendendo, assim, o conceito para outra perspectiva que surgiu
na pesquisa de mestrado, reiventando a escola a partir da Extensão Universitária.
A ideia em 2013.1 foi estabelecer diálogos com base sociológica sobre as temáticas sociais que surgiam como “temas geradores” (FREIRE 2005c) no E-Cine Clube Virtual2 que faz parte do projeto de Extensão Universidade das Quebradas (UQ) da UFRJ. Projeto que busca, desde 2010, construir uma rede de “animadores
culturais” adotando o princípio de indissociabilidade entre ensino/pesquisa/extensão proposto pelo Plano Nacional de Extensão Universitária. As atividades são
desenvolvidas para/com gestores de cultura e arte que atuam ou são oriundos de favelas do Estado do Rio de Janeiro.
O projeto adota outros princípios fundamentais: Impacto e transformação (social); Interação dialógica e a Interdisciplinaridade. Pensando nas características político-sociais da UQ, tentemos inserir futuros professores na rede de “animadores culturais” através do cineclubismo virtual, compreendido também dentro de uma
perspectiva do cinema como educação e lazer.
O caminho para formação crítica dos futuros professores através da interculturalidade (IDEM,2012) observado pelo inicial entusiasmo da atividade explorada na
pesquisa-ação motivou unir todas as turmas de responsabilidade do docente em 2013.23.
Ao “Repensar a Universidade” e a importância da relação dialógica para formação de sujeitos autônomos, em 2013.2 criei grupo único no facebook, construindo
comunidade social virtual (CANCLINE, 2008), e, selecionei alguns textos comuns para disciplinas distintas.
Para essa etapa da pesquisa elaborei atividade mantendo a ideia de “rede de animadores culturais” e pensei em desenvolver atividade própria com os educandos da Instituição FFP-Uerj. Apropriando-me da ideia de cinema virtual, propus a elaboração/desenvolvimento/execução de um CINE-Sarau “Ao vivo e On-Line”
(integrando atividade virtual e atividade presencial).
Trata-se, portanto, de (re)pensar a sociologia (e/da educação) e a educação artística a partir da EDH para compreender novos caminhos na formação de professores.
Estes devem ser “conscientizados” e por isso “politizados”, enquanto sujeitos únicos, autônomos, de direitos e deves, que atuam em uma sociedade intercultural
como se refere Candau (2012, p.5):
(...) de um âmbito restrito, a educação escolar indígena, a educação intercultural é concebida hoje como um elemento fundamental na construção
de sistemas educativos e sociedades que se comprometem com a construção democrática, a equidade e o reconhecimento dos diferentes grupos
socioculturais que a integram.
O relato sobre a pesquisa-ação nos ajuda a compreender diálogos da formação presencial de professores com atividades da Educação On-Line (EOL). O trabalho apresenta caminhos adotados em 2013 e desenvolvidos na dinâmica de formação educacional sociológica e artística. Os dados foram recolhidos através de:
Participação nos grupos “secretos” no Facebook, participação em sala e depoimentos escritos e/ou filmados dos educandos.
Lendo artigos acadêmicos, revistas, sites, programas, etc, a maioria dos relatos de uma experiência, é pelo fato positivo. Neste sentido, estou disponibilizando
um artigo onde a pretensão é discutir formas de ensino-aprendizagem na formação de professores, através de uma pesquisa-ação complexa, utilizando arte e
tecnologia e não apenas resultados concretos.
Assim, foi preciso, na constituição do artigo, disponibilizar metodologia, fundamentação teórica, e os resultados. Quando se lê resultados, novamente, a tendên1 Disciplina oferecida para todas as licenciaturas da FFP. A turma em questão era destinada para Ciências Biológicas (não impedindo a participação de estudantes de outros cursos).
2 Adotou-se essa metodologia por perceber que cada vez mais pessoas podem assistir “cinema em sua casa”. Há inclusive páginas na internet com “filmes on-line”. O próprio E-Cine Clube
Virtual disponibiliza os links dos filmes; ou melhor, “dos temas geradores”.
3 A saber: Educação, artes e ludicidade I (exclusiva da Pedagogia); Sociologia da Educação (direcionada para turma de Geografia) e Sociologia e Educação I (exclusiva da Pedagogia).
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cia é imaginar que tudo deu certo e encontrou-se a “fórmula perfeita” para os problemas da educação. Entretanto, na pesquisa educacional, e, o trabalho de ser
professor-pesquisador-educador, é verificar para além do “lado positivo” da experiência. Por isso a importância de tratar do tema como “relato”,
apresentar questões metodológicas escolhidas e os resultados “encontrados”.
Buscarei esclarecer que os resultados são parte de um estudo onde os alunos envolvidos deram as “conclusões”, pontuando que estas, são subjetivas. O objetivo do trabalho de pesquisado e educador (e de professor?), foi alcançado, ou seja, pensar novas formas de ensino-aprendizagem. Através de “metodologias”
que dialogam o cotidiano social atual, busquei auxílio de redes sociais virtuais (e suas relações), e das WWW (Word Wide Web), que também permitem para o
educador hoje outra/nova forma de pesquisar.
Por “abraçar” vários caminhos durante o trabalho científico, vale salientar que o projeto foi pensado para 1 ano, e com seu término, foi possível repensar a metodologia e as dinâmicas. Ao criar apenas um grupo no facebook em 2013.2, e unir discussões “artísticas e sociais”, com grupos distintos, majoritariamente de jovens,
com resquício da “inexperiência democrática” (FREIRE,2005b), construímos conflitos desproporcionais. A complexidade da atividade artística, em comunidade
virtual, com grupos presenciais de horários e “conteúdos distintos” proporcionou uma “grande confusão”.
1. Caracterizando a animação cultural4
A pretensão deste tópico do texto é apresentar breves questões epistemológicas que foram utilizadas como caminho teórico-metodológico para compreender a
pesquisa dentro dos paradigmas discutidos pela Animação Cultural, através dos Estudos Culturais Contemporâneos. A ideia é estabelecer diálogo com questões
sociológicas e artísticas, mas, para compreensão empírica da “pesquisa-ação” efetuada em 2013 na FFP-Uerj.
No contexto do debate atual no campo dos Estudos Culturais, a cultura digital periférica, como alternativa para novas formas de interação, abriu um novo universo
de investigação, em interface com as políticas públicas de cultura e arte. Por exemplo, são cada vez mais frequentes editais lançados pelas fundações federais,
por órgãos municipais ou secretarias escolares, como fomentadores da produção, reprodução e/ou distribuição de bens culturais, grande parte para incentivos
destinados diretamente aos estudantes5.
Pensando no fluxo de novas formas de atuação das políticas culturais na educação, uma das propostas da UQ é trazer para Universidade produtores de cultura
e arte de comunidades periféricas do Estado do Rio de Janeiro que, em feral, não tiveram oportunidade de frequentar curso superior6. Outro aspecto relevante
para pesquisa foi a conceituação acadêmica/pedagógica nas perspectivas discutidas pelos Estudos Culturais Contemporâneos.
Nesse sentido, tanto os jovens e adultos que participam diretamente da formação acadêmica quanto os que indiretamente são foco da ideia possuem oportunidade de expo suas próprias concepções da cultura popular em um espaço tradicionalmente voltado para a produção da cultura erudita. Ocorre então um fenômeno
que se observa em projetos de extensão universitária: os educadores se tornam pesquisadores contínuos, pois a dinâmica da relação entre erudito e popular não
permite mais a imposição arbitrária dos bens simbólicos da cultura erudita para toda a sociedade. Destaca-se construção pedagógica que adota em sua prática a
relação de troca de saberes, considerando que os conhecimentos são constituídos em espaços distintos, por sujeitos e locais de socialização complexos e variados.
Importante é que estes podem e devem atuar com intenções semelhantes, atingindo a mesma função social, ou seja, transformação de realidades opressoras.
Melo (2006) e em outros estudos sobre o cinema no contexto da animação cultural, afirma a importância desses novos espaços, lugares alternativos, que não
sejam somente institucionalizados ou, no caso dos jovens, escolares, mas sim desenvolvidos com o intuito de estabelecer relações culturais horizontais através da
educação multi/intercultural. Segundo o autor, é preciso refletir quanto à atuação dos educadores no processo, pois eles terão que trabalhar na prática cotidiana
com sujeitos marcados por uma sociedade que tem tratado a “ludicidade” superficialmente7.
Mas, como dito, novas políticas culturais para o audiovisual vêm sofrendo crescimento no país. Fato que acontece porque os produtos culturais têm assumido
características de sua época (VIEIRA PINTO, 2005). O autor, na década de 1960 argumentou que as concepções do conceito de tecnologia se associam ao acúmulo de técnicas desenvolvidas em uma determina sociedade (idem, ibidem, p. 220). Hoje, compreendemos cinema como arte tecnológica hibrida, pois é: cênica,
literal, gráfica, visual, musical, ou seja, artes integradas8.
Apesar da crescente melhora na forma de acesso a cultura, os editais ainda se apresentam com linguagem elitista, principalmente no que diz respeito ao formato
4 Discussão está no artigo: Extensão Universitária em Comunidades Populares: A cultura no programa Universidade das Quebradas. LEAL, L. In: V Simpósio Internacional sobre a Juventude
Brasileira, Recife, 2012.
5 A escola de cinema Darcy Ribeiro 11/11/2010 lançou edital de seleção para integrantes de pontos de cultura de todas as regiões do país. Em parceria com o Ministério da Cultura (MinC)
para ingresso nos cursos regulares de: (1) roteiro cinematográfico, (2) direção cinematográfica e (3) montagem/edição de imagem e som. Ao todo foram oferecidas 27 vagas.
http://www.cultura.gov.br/site/2010/11/11/escola-de-cinema-darcy-ribeiro-lanca-edital/
6 Ver Dissertação de Mestrado. L436 Animação cultural e cinema na extensão universitária: um estudo de caso no projeto Universidade das Quebradas (UFRJ) / Lucas Leal, 2013.165f CDD
378.175.
7 De forma constante no campo da cultura – que, reproduz situações de injustiças e/ou brutalidades da vida, reduzindo às sensibilidades do mundo real, banalizando situações de opressão.
Percebe-se que a cinematografia está recheada de exemplos (idem, ibidem).
8 Que apresenta questões mais amplas que o produto/filme suscita, funcionando, por exemplo, como “tema gerador”, no sentido freiriano do termo, mesmo que em comunidade virtual.
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exigido para elaboração dos projetos, como na própria exigência burocrática para pleitear financiamento. É nesse sentido que a UQ quer atuar, dando oportunidade de diálogos, suporte e apoio acadêmico. A proposta do projeto é fornecer influência na vida dos quebradeiros9 para debates sobre questões do senso comum, discutindo caminhos e alternativas de pesquisas, visando à elaboração de projetos culturais na periferia, como trabalho de conclusão de curso de extensão
universitária10.
No artigo A animação cultural, os estudos do lazer e os estudos culturais: diálogos11 – Buarque de Hollanda afirma que:
(...) por se apresentarem de maneira distinta à forma tradicional de organização do conhecimento no âmbito acadêmico, ambas sofrem com uma
imprecisão quanto a seu espaço e tem que travar verdadeiras “batalhas campais” (fazendo uso de uma expressão de Beatriz Resende) para serem
reconhecidas, respeitadas e legitimadas no mundo universitário. Isto pode mesmo significar uma fértil provocação para que repensemos o campo
científico, um processo obviamente eivado de resistências, tensões e mesmo perseguições, mais ou menos explícitas (p.10).
A autora continua seu pensamento e diz que:
Aliás, outra (feliz) coincidência é que ambas se apresentam como “Estudos”. Sobre esse aspecto, se posiciona Beatriz Resende (2002): A primeira
coisa que me agrada nos Estudos Culturais é apresentarem-se como estudos. “Instala-se, imediatamente, uma provisoriedade, uma abertura, que
me parece indispensável em um momento de questionamentos, de necessariamente assumirmos as dúvidas que vivemos diante do século que se
inicia (p.11).”
Ao pesquisar o projeto em questão, foi Inicialmente indicado pelas proponentes a necessidade de compreensão sobre o debate da cultura digital, que está também
no blog sobre zona digital, coordenado pelo PACC12. Esse foi um primeiro caminho adotado para compreender considerações sobre cultura na contemporaneidade e suas múltiplas linguagens. Conforme os Estudos Culturais e recentes pesquisas do PACC, as linguagens hoje implicam relacionar aspectos da plataforma
digital, associando diretamente o discurso com o desenvolvimento tecnológico – mais especificamente a zona virtual, as
redes sociais pela internet, e a apropriação desses “territórios”13 a serviço de uma educação cidadã (CURY, 2002).
Tanto os Estudos Culturais14, dentro de uma perspectiva adotada por Buarque de Hollanda com a ideia de cultura digital periférica, quanto à visão de Victor Melo
sobre a animação cultural, estão de acordo com as ideias de Martín-Barbero – que trata sobre o tema a respeito de práticas mídias- educativas. Ver quadro abaixo:
9 Assim são identificados e se identificam os educandos e educadores do projeto. O termo neste caso foi utilizado em relação aos educandos.
10 A exemplo do E-Cine Clube Virtual, coordenado por Tetsuo Takita (que fez parte do grupo focal durante pesquisa de mestrado), que iniciou em março de 2013. Para informações atualizadas: http://www.universidadedasquebradas.pacc.ufrj.br/?s=cineclube+virtual
11 Conferência proferida no V Seminário Lazer em Debate, realizado na cidade do Rio de Janeiro, em 2004.
12 Programa Avançado de Cultura Contemporânea (UFRJ): http://zonadigital.pacc.ufrj.br/
13 Pensando nisso criei um grupo “secreto” no Facebook para a turma toda (2013.1). Pontua-se que nem todos participaram, mas, pouco a pouco formamos uma comunidade virtual (CANCLINI, 2008). O interessante é que a dinâmica permitia durante os encontros presenciais que os educandos tivessem conversado assuntos prévios sobre o tema. Em 2013.2 a dinâmica
de juntar todas as minhas turmas permitiu criar entre os jovens uma interação mais complexa, construindo, digamos, “assunto interno/externo” entre meus alunos, causando curiosidade entre
os outros educandos da FFP (segundo relato de alguns). Desenvolveram-se, assim, caminhos para formação On-Line de professores através da animação cultural virtual.
14 Para entender melhor definições dos Estudos Culturais acessar a bibliografia temática do Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública do Instituto Universitário
de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ. Há textos específicos das áreas de comunicação e política, organizados por temáticas como: cenário político e mídia, jornalismo político, imagem
pública ou social, imaginário político, mito político e representações da política, hegemonia e ideologia, etc. http://doxa.iuperj.br/bibliografia.htm – Contato: [email protected]
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Fonte: LEITE, 2005.
O autor defende iniciativas do setor comunitário, para que se tente uma interlocução com o Estado e se invista na formação dos jovens, no que chama de uma
“segunda alfabetização”15.
Destaco que Heloisa Buarque e toda equipe da UQ trabalha na perspectiva da tecnologia em comunidades populares; discutindo novas formas de acessos e
difusão dos meios tecnológicos digitais; compreendendo inclusive conceituação estética, o que facilitou o diálogo com a formação de professores. Para iniciar a
pesquisa-ação em 2013.1 utilizei este canal, que era aberto e On- Line, possibilitando participação de qualquer interessado em sua própria casa (individualizando
seu processo de apreensão cultural).
A concepção de Invenção do Cotidiano (CERTEAU 1998) nos ajuda a examinar as maneiras em que as pessoas individualizam a cultura de massa, alterando
concepções sobre objetos utilitários até planejamentos urbanos e rituais, leis e linguagem, de forma a apropriá-los. A Invenção do Cotidiano relaciona fragmentos
e teorias de Kant e Wittgenstein com Bourdieu, Foucault e Détienne, no contexto do novo modelo teórico proposto pelo autor, onde o foco é o consumidor, e não
o produtor ou o produto. A obra vem sendo influente para o movimento dos Estudos Culturais, e nela percebemos que os protagonistas da esfera cultural passam
a ser os sujeitos e suas perspectivas.
Tanto Buarque de Hollanda quanto Vitor Melo constroem seus textos dando ênfase à importância do cinema como agitador. Para Melo o cinema atua na perspectiva de animador cultural, para Buarque de Hollanda, como agente político dentro de uma plataforma digital. O primeiro percebe no cinema uma “pitada” de
relação com uma paixão da massa, o futebol, a outra, com uma parcela importante do contexto social que passa por cíclicas crises, a política. Na perspectiva da
pesquisa, ambos utilizam propostas freirianas para o trabalho educativo com imagens, ou seja, pensam na ampliação da visão de mundo dos educandos através
de recursos do audiovisual16.
Ainda referenciando, há confluência das metodologias citadas com as ideias de George Yúdice. Em seu livro A Conveniência da Cultura: Usos da Cultura na Era
Global (2004) ele afirma que a Cidadania Cultural e “os direitos culturais incluem a liberdade de se engajar na atividade cultural, falar a língua de sua escolha (...)”
(idem, ibidem, p. 41). Afirmação que reforça o caráter não universalista dos direitos culturais, integrando-se aos sistemas e contextos culturais específicos, postura
adotada pelos teóricos acadêmicos que desenvolvem seus estudos na perspectiva dos Estudos Culturais.
A ideia do cinema como agitador, ou agente político, nesse sentido, tem ligação não somente com a questão técnica-tecnológica e histórica do momento, pois,
precisamos lembrar essa associação com o contexto cultural/local e econômico. Esses aspectos envolvem complexidade que vão além do espaço escolar, ganhando configurações atuais em programas e projetos de Extensão Universitária conforme indicaram os dados levantados na pesquisa desenvolvida no mestrado.
No entanto, neste artigo, além das questões já levantadas até aqui, queremos avançar questões teóricas observadas no mestrado e apresentar a pesquisa-ação
15 Ver entrevista concedida pelo autor, em espanhol, e disponibilizada junto com outros textos discutidos durante a conferência virtual: El Derecho a Comunicar y La Comunicación de los
Derechos. Disponível em: http://commposite.uqam.ca/videaz/docs/jemaes.html
16 Heloisa Buarque tem ido além, buscando propostas e conceituações para o campo digital, o que a leva diretamente a uma pedagogia virtualizada, com acesso interativo na internet – como
discutimos aqui, sobre o E-cine Clube Virtual, onde os cineclubistas possuem espaço para comentários. Importante lembra que esses autores adotam postura de disponibilizar seus trabalhos
teóricos acadêmicos no meio digital/virtual, por acreditar na importância de maior acesso às produções cientificas acadêmicas para sociedade em geral.
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efetuada em 2013 na prática docente na formação de professores. Busquei, para isso, inserir graduandos da FFP-Uerj no campo epistemológico e metodológico
da Educação On-Line (EOL); dentro da perspectiva de animação cultural. Esse espaço On-Line, “democrático”, exigiu
que os educandos buscassem novos caminhos para compreender as questões sociológicas e artísticas suscitadas pelos autores trabalhados17.
2. Relato Da Pesquisa-Ação Para Compreender A Edh: Tecnologias Virtuais, Formação De Professores “Continuada” E “Em Continuação”
Inicialmente, em 2013.1 e atividade de cineclubismo com o E-cine Clube Virtual, percebi mais disponibilidade para participação em sala dos alunos que inseridos
na atividade On-Line. Alguns inclusive faziam pesquisas extras e/ou propunham fóruns no grupo do facebook e chegavam aos encontros presenciais com mais
questionamentos em relação aos que não participavam. Muitos buscaram outras expressões para os conteúdos trabalhados (filmes, músicas, poesias e até eventos), expandido os debates estabelecidos.
Em 2013.2, após a primeira etapa da pesquisa com uma única turma, mesmo diminuindo a participação dos alunos no decorrer do semestre, acreditei que as novas formas de interação social On-Line foram interessantes para os que continuaram assíduos. E, percebendo a importância tanto do grupo secreto no facebook
quanto de uma atividade específica, resolvi desenvolver atividade própria entre todas as turmas que ministrava.
Ao criar apenas um grupo no facebook em 2013.2, também foi preciso “esquecer” o E-Cine Clube virtual, que estava parado na época (agora já retornou). Elaborouse nova dinâmica, interna, promover um Cine-Sarau “Ao-vivo e online”com histórias criadas por “atores-virtuais”. Como fazer isso? Abaixo Atividade na INTERNET:
Além de estar no grupo secreto único no facebook, cada aluno deveria: a) Criar um e-mail fictício (com nome e sobrenome de uma persona). Ex.
[email protected]; b) Criar com o e-mail um perfil no facebook, com o nome da persona (sem revelar para os demais). Ex. Danillo
Rosemberg; c) Configurar o perfil e adicionar as outras personas das três turmas. Aconselhou-se não adicionar pessoas fora da atividade acadêmica; d) Apresentar via mensagem para o perfil do professor, nome verdadeiro do aluno responsável pela persona e as características. Ex. O que
faz? Estuda? Onde nasceu?
A partir desses perfis fictícios busquei trabalhar tanto o lado lúdico e criativo de cada discente, uma espécie de “ator virtual”, como chamar atenção para investigação
social em redes sociais virtuais. Ex: Casos de pedofilia ou crimes raciais, denunciando se preciso. Com o caminhar do semestre, esperei número considerável de
envolvidos, criei evento no facebook, onde todos eram instigados em debates, propostos por mim ou entre eles. Indiquei também lançar vídeos (poucos fizeram),
surgiram mais fotos e charges18.
A conclusão para turma de Educação, artes e Ludicidade I19, que acabou ficando responsável pela produção/execução se deu com relatórios escritos sobre a
participação de cada discente na atividade do Cine-Sarau. Pontuo que só houve a parte On-Line, pois infelizmente a atividade foi se transformando em algo mais
complexo do que o previsto. Toda construção virtual aconteceu e os relatórios indicaram que TODOS os educandos, mesmo quando não compreendendo a proposta, buscou se inteirar do “acontecimento”.
Discutiu-se na dinâmica geral, com todos os educandos das três turmas, principalmente sobre liberdade e criatividade. Como toda dinâmica pela internet, é preciso
mais investimento público para garantir amplo acesso. Este, no entanto, não foi o principal obstáculo enfrentado. Além da complexidade da dinâmica, ainda não
possuímos condições ideais para atividades que misturam “ficção e realidade”, tampouco “espaço social” e “espaço educacional”. Neste sentido, houve pouco entendimento em relação a ficção dos temas levantados e da concretude do evento (não se sabia em certos momentos o que iria acontecer “ao vivo” pela abstração
da temática “On-Line”, o que despertava angústia em muitos educandos, sobretudo da turma de “artes”).
O outro ponto de dificuldade, diz respeito a “inexperiência democrática”, ou seja, a compreensão da importância do diálogo, para construção coletiva de condições
ideais para tomada de consciência (de determinada situação opressora). E, como se trata aqui de um relato, o agravante maior foi a “confusão” entre “espaço
virtual social educacional” em relação a “espaço invasão social virtual da vida particular”. Neste sentido, compreendendo que o grupo no facebook chegou a ter
mais de 80 membros e o evento com mais de 60 “confirmados” (perfis fictícios), não foi possível manter distanciamento do que era atividade acadêmica e o que
se tratava de interesse pessoal.
17 Em 2013.2 nas disciplinas: Sociologia da Educação; Sociologia da Educação I e Educação, artes e Ludicidade I. Para ver ementas das disciplinas acessar http://www.ffp.uerj.br/.
18 Link do evento: https://www.facebook.com/events/637636359591099/?ref=ts&fref=ts. Para manter sempre ativo no facebook, é só adiar a data re realização antes da sua chegada.
19 Atendendo aos diferentes objetivos das distintas disciplinas, foi preciso para atividade avaliativa, separação de propostas. No caso de Sociologia da educação propus um jornalzinho alternativo (estilo panfleto universitário) onde cada aluno criou o seu próprio. Para Sociologia e Educação I, elaboração de questionário qualitativo sobre a importância da educação infantil na visão
de idosos (prevendo entrevistas). Saliento que a possível incompatibilidade nos horários das turmas para participação em atividade presencial única foi o principal fator para pensar outras atividades avaliativas, e não problemas epistemológicos. Por questões claras, no entanto, ao pensar isso, deixei desde o começo delimitado maior comprometimento com a dinâmica para turma
de “artes”. A turma, no entanto, não conseguiu constituir comunidade virtual, nem tampouco presencial que caracterizasse unidade política e artística para o acontecimento concreto do evento
Cine-Sarau “Ao vivo e online”. Fato este que deixou a atividade prática somente no contexto “On-Line”, mas, destaco a interação ocorrida de maneira teórica, e o envolvimento presencial dos
educandos na elaboração das ideias de produção. “Ao vivo” a proposta seria cada aluno apresentar e revelar sua persona (incluindo os educandos das outras turmas).
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Ao confundirem-se essas duas esferas, misturando realidade e ficção em demasia, houve sobrecarga de informações e dúvidas, ocasionando uma necessidade
infindável de tempo por parte do pesquisador-professor-educador para “sanar tantas questões particulares que surgiam todos os dias”. A “confusão” inclui principalmente o próprio idealizador da atividade, que, por tal incapacidade de coordenar tantas necessidades particulares em seu espaço social virtual particular,
decidiu interromper o canal de comunicação virtual com os discentes. Fato que permanece interrompido em 2014, ou seja, atualmente apesar de discutir ainda
os mesmos temas e pensar praticamente as mesmas atividades, não houve criação de grupo secreto no facebook e nem a inserção de educandos no espaço
social virtual particular.
A partir da proposta da UQ, que iniciou em março de 2013 o projeto E- Cine Virtual, busquei “paralelamente”, inserir alguns alunos no “movimento cineclubista
virtual, comentando as obras selecionadas, no intuito de desenvolver a capacidade crítica dos educandos da FFP-Uerj. A ideia inicial era que eles percebessem
questões sociológicas de maneira que fosse possível elaborar formas de atuação pedagógica com base na Educação em Direitos Humanos20. Segundo Candau
(2012):
Para o desenvolvimento do presente trabalho, o que me parece importante assinalar é que a afirmação dos direitos humanos hoje passa pela necessidade de uma ressignificação desses direitos, em que a articulação entre igualdade e diferença e o diálogo intercultural são aspectos fundamentais.
Nesta perspectiva, os processos educacionais são de especial relevância (p.5).
Ao iniciar o projeto de pesquisa-ação a pretensão foi compreender aspectos suscitados pela autora:
Neste sentido, o presente trabalho pretende analisar os diferentes sentidos atribuídos pelos professores aos termos igualdade e diferença, apresentar a concepção de educação intercultural que vimos construindo nos últimos anos e evidenciar a interrelação entre estas questões e a educação
em direitos humanos. (p. 1).
Destaco que o E-Cine Clube Virtual tem como proposta potencializar a integração social em redes, na qual estamos utilizando como formação “continuada e em
continuação” para formação de professores, a partir da “metamorfose do aprender na sociedade da informação” (ASSMANN, 2000). O autor nos diz que:
A espécie humana alcançou hoje uma fase evolutiva inédita na qual os aspectos cognitivo e relacional da convivialidade humana se metamorfoseiam
com rapidez nunca antes experimentada. Isso se deve em parte à função mediadora, quase onipresente, dessas novas tecnologias. Junto às oportunidades enormes de incremento da sociabilidade humana, surgem também novos riscos de discriminação e Desumanização (idem, ibidem, p.7).
Por isso acreditamos na necessidade de estar apresentando os caminhos adotados para compreensão de novas formas de mediação educacional (On-Line) para
discussões de conceitos sociológicos, artísticos e culturais em diálogo com questões sociais. Interessa-nos principalmente pelo fato de estarmos em constante
avaliação sobre as formas pedagógicas que estão surgindo no século XXI.
No seu sítio eletrônico a UQ apresenta da seguinte forma a nova proposta de animação cultural:
A partir de agora o quebradeiro Tetsuo Takita vai comandar um cineclube virtual pelo site. Todo mês ele vai sugerir um filme e fomentar um debate.
No semestre seguinte, os “atores-virtuais” no evento do facebook foram trabalhando questões sociais, artísticas e culturais, a partir de estímulos das personas das
três turmas lecionadas na FFP-Uerj. A ideia foi desenvolver inter- relação com as disciplinas, compreendendo aspectos dos “círculos de cultura” até a “animação
cultural” com base teórico-metodológica da “cultura digital”.
É importante, ainda, compreender conceituações sobre pesquisa-ação para formação de professores. Segundo Jordão (2004):
Além de apresentar críticas, Schön apontou possibilidades de mudanças, introduzindo a necessidade de se repensar a epistemologia da prática,
fundamentada na reflexão a partir de situações concretas. Assim, a formação de professores ganha uma outra dimensão, passando a ser centrada
na investigação do próprio trabalho em sala de aula e na escola (Nóvoa, 1992; Zeichner, 1992 apud Jordão, 2004, p.1).
Destaca-se, que as considerações levantadas aqui partem da transformação no ensino universitário, para que os futuros educadores tenham atuações mais consistentes e coerentes com a atual sociedade. Neste sentido, indiretamente, estamos tratando da mudança no trabalho educacional escolar, mas, partindo de outro
20 Decidiu-se, no programa da disciplina, partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) pela representação que o documento assume. Algo mantido em 2014.
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ponto para pesquisa educacional, vendo na Universidade e suas formas de atuação, novas possibilidades para assim atingir a instituição “escola”. Concorda-se
com Jordão (2004) quando diz:
Para Schön, tornar-se consciente de seus saberes tácitos é o primeiro passo para o que profissional possa efetuar questionamentos sobre as estratégias e as teorias nas quais acredita, o que lhe possibilita transformar seus modos de atuação. Esse modelo ficou conhecido como modelo da
prática reflexiva e, embora existam divergências nas interpretações e diferentes possibilidades quanto à forma de se propor e estimular a reflexão,
há um consenso na literatura sobre a relevância de sua incorporação na formação inicial e continuada de professores (p.1).
3. Considerações
Até que ponto as questões levantadas no artigo nos ajudam a compreender a Sociologia da Educação e a própria educação artística? Como que apenas as disciplinas de licenciaturas da FFP-Uerj podem transformar a capacidade crítica dos educandos (futuros educadores)? Qual intuito de desenvolver “pesquisa-ação”
durante atuação como professor substituto na referida instituição? Essas e outras perguntas passam pela cabeça.
As duas primeiras perguntas parecem necessitar mais de respostas externas do que internas, por isso a decisão de escrever o artigo/relato da pesquisa (inclusive
para apreciação da comunidade acadêmica específica). Busco mais respostas/contribuições do que pretendo apresentar resultados com o texto. Isso liberta a
pesquisa-ação do caráter produtivista/academicista, o que não significa falta de seriedade das questões propostas no artigo.
Destacam-se questões teórico-metodológicas da própria pesquisa em educação, incluindo o ensino como forma de pesquisa, e a formação de professores como
base para dados científicos. No entanto, como afirmei acima, não pretendo dar respostas aos temas, mas sim encontrar caminhos para aprimorar a formação
continuada e “em continuação” (inclusive a própria prática docente como fonte teórica de reformulação metodológica).
Aguardo, no entanto, novas questões que surgirão ao longo da reflexão que a pesquisa na FFP-Uerj proporcionará aos discentes e ao próprio docente (ao trabalhar
o artigo em sala). Como melhor desenvolver “rede de animadores culturais virtuais”? Qual a importância da animação cultural “ao vivo” para reflexão crítica das
questões levantadas? Demonstro interesse em criar esta fase de apreciação/reflexão, mas, apresentando características importantes para busca de autonomia
dos educandos na sua formação enquanto professor.
A atividade como docente apresentada em forma de artigo, revelou ainda a necessidade de valorizar questões etnográficas dos envolvidos na dinâmica de formação
educacional sociológica e artística, em diálogo com pesquisas que discutem a inserção da educação On-Line (EOL). Acredito, portanto, que as buscas complexas
que se estabeleceram nas atividades de pesquisa-ação ainda necessitam de tempo para novas considerações e reformulações da própria prática como docente.
4. Referências
ASSMANN, H. . A metamorfose do aprender na sociedade da informação. Ci. Inf., Brasília, v. 29, n. 2, p. 7-15, maio/ago. 2000.
CANCLINI, N. G. . Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2003.
________. Leitores, espectadores e internauta. São Paulo:Iluminuras, 2008.
CANDAU, V. (org.). Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2000a.
________. Ensinar e aprender: Sujeitos, saberes e pesquisa. Rio de Janeiro: DP&A, 2000b.
________. Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Revista Educação e Sociedade, vol.33, jan-mar 2012.
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Lucas Leal, Atualmente Professor na Faculdade de Formação de Professores da UERJ (2013.1) locado no Departamento de Educação, área de Fundamen-
tos educacionais. Leciona as disciplinas: Educação, Artes e Ludicidade I e II & Sociologia e Educação I (curso de pedagogia); Sociologia da educação (para
licenciaturas); Organização do Ensino no Brasil (pedagogia); Arte e educação (Licenciaturas). Professor no Projeto do NUEC-UFF, no curso de aperfeiçoamento
para Educação de Jovens, Adultos e Idosos na diversidade para professores da rede do Estado do Rio de Janeiro. Professor de artes e teatro na Escola Mallet Soares. Possui Licenciatura plena em História pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP - 2007.1); Pós-Graduação em Ensino de História das
Artes e Religiões na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE - 2008.1); Especialização em Estudos cinematográficos pela Universidade Católica
de Pernambuco (UNICAP - 2010.1); Mestre em Políticas Públicas em Educação pelo programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO - 2013.1). Cursando último ano de Bacharelado em Artes Cênicas com Habilitação em Teoria do Teatro (UNIRIO - 2010.1).
Têm experiência nas áreas de Artes, Educação, História, Ciências da Religião, atuando, principalmente, nos seguintes temas: estudos antropológicos em
Educação em Direitos Humanos, Extensão Universitária, Cinema, Teatro, Pós-modernidade, Religião e Identidade, Gênero e sexualidade; políticas públicas
(culturais) e Estudos Culturais; uso de mídias na educação; formação de professores; teoria dos sistemas educacionais.
e-mail: [email protected] / http://lattes.cnpq.br/8917115365394606
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Índice
Index
Início
Start
QUETZALCOATLUS, UM PROCESSO DE CRIAÇÃO
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
João Eudes Ribeiro Machado Filho / Francisco dos Santos
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC - CNPQ / Universidade Regional do Cariri - URCA
Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar o processo de criação de uma escultura do Quetzalcoatlus Northropi, mostrando como foi o desenrolar desse
processo de construção e como foram divididas as etapas durante o período de desenvolvimento do trabalho. Um pterossauro cujo começo do processo de confecção teve inicio na disciplina de Expressão Visual II no Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri - URCA sob a orientação do professor Francisco dos
Santos. Essa escultura ocupará o “Jardim das possibilidades” uma galeria ao céu aberto que abriga os trabalhos dos alunos das disciplinas de tridimensionalidade
da Licenciatura em Artes Visuais. Tendo como referencias obras e artistas que trabalham na área da paleoarte e o processo de criação segundo a Crítica Genética.
Palavras-chave: Paleoarte; Processo de criação; Critica Genética.
Abstract
This article aims to present the process of creating a sculpture of Quetzalcoatlus northropi, showing how was the course of this construction process and how the
steps were divided during the development work. A pterosaur whose beginning of the cooking process began in the discipline of Visual Expression II at the Arts
Center of the Regional University Cariri - URCA under the guidance of Professor Francisco dos Santos. This sculpture will occupy the “Garden of possibilities” to
open a gallery which houses the works of the students of the disciplines of depth in this course. Taking as reference works and artists working in the area of paleoart
and creation process of the Genetic Criticism.
Keywords: Paleoart; Creation process; Genetic Critique.
Introdução
Memórias e aspiração que trazemos desde a tenra infância acabam, muitas vezes, influenciando em nossas vidas, definindo o nosso futuro. Relato nesse artigo um
sonho que começa a cristalizar. Este artigo surgiu a partir de um anseio que tenho desde criança, pelas artes visuais e pelos dinossauros criaturas pré-históricas.
Isso também foi uma das coisas que me trouxeram ao curso de Artes Visuais onde me identifico a cada dia. Essa admiração pelos dinossauros surgiu aos seis
anos de idade quando meu pai me presenteou com um álbum sobre dinossauros intitulado Dinossauros Surpresa Nestlé, que tenho até hoje. Adorava aquelas
ilustrações, todas pintadas à mão. Foi ele também que me fez ter estimulo para começar e aprender a gostar de desenhar. Hoje sei que uma das coisas que quero
como artista é investir mais na paleoarte, ou tomá-la como referência. Entende-se por Reconstituição Paleontológica, a concepção artística de um ser vivo e/ou
ambiente pretérito a partir de evidencias fosseis. O conjunto de técnicas utilizadas para recriar essa concepção é definido como Paleoarte, e Paleoartista é o titulo
dado ao ilustrador/escultor/desenhista especializado em paleoarte. Ou seja, a paleoarte nada mais é do que a arte de dar vida ao passado.
Há alguns paleoartistas consagrados no Brasil são: Felipe Elias, Maurílio de Oliveira, Orlando Grillo e Deverson Silva, também conhecido como Pepi. Maurílio de
Oliveira em uma entrevista para o site globo.com. “O paleoartista é o profissional que se propõe a reconstruir a possível aparência de organismos extintos, tomando
como base as informações obtidas no registro fóssil”. Já tinha pensado em produzir trabalhos como esse, mas alguns fatores acabam atrapalhando, como ocupações com outras atividades, insegurança quanto ao “como fazer”, e principalmente o comodismo. Quando me matriculei na disciplina de Expressão Visual II vi a
oportunidade de por o projeto em prática lançando a proposta de construção de um pterossauro como trabalho para a disciplina e também como projeto pessoal.
A proposta feita pelo professor Francisco dos Santos aos alunos da faculdade de Artes Visuais para a disciplina de Expressão Visual II sobre a criação do Jardim
das Possibilidades me motivou muito a por esse projeto em prática. Nesse jardim você poderá construir qualquer objeto artístico partindo de um projeto. Assim
você fica livre para construí-lo do jeito que preferir, utilizando o material e o referencial que achar mais adequado, pois no jardim tudo pode existir.
O projeto desenvolvido propõe a construção da escultura de um pterossauro batizado de Quetzalcoatlus Northropi. O Quetzalcoatlus (Serpente emplumada) é
conhecido como o maior réptil voador. Ele era um pterossauro com a altura do T-rex, tinha de 5 a 6 metros de altura e segundo os cientistas poderia passar dos
12 metros de envergadura podendo pesar até 200 quilos. O nome serpente emplumada vem de um deus asteca.
O projeto pretende atingir como resultado final uma representação 3D, de forma mais fiel possível, do animal com o tamanho reduzido a 3 metros de envergadura. Quando falei que esse trabalho alem de ter sido iniciado como requisito para a disciplina de expressão visual II, desde o inicio venho fazendo com a intenção
de divulgar o trabalho para possíveis exposições, compras ou encomendas. Para isso terá que ter um ótimo resultado quando finalizado, tanto técnico, estético/
artístico e estrutural.
Primeiramente, o motivo por ter escolhido fazer o Quetzalcoatlus veio de uma vontade que já tinha de construí-lo há algum tempo, só me faltava à motivação,
então impulsionado pelo professor da disciplina, aproveitei a oportunidade para colocar em prática. Então devido a minha familiaridade com o desenho, partindo
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
deles, ultimamente venho aumentado o interesse em construir modelos 3D com diferentes materiais e diferentes técnicas, nesse caso com modelagem, então
também aproveito a disciplina para exercitar técnicas sob a orientação do professor Francisco dos Santos e com a experiência desenvolver melhor habilidades
para podê-las utiliza-las posteriormente em outros trabalhos profissionais fora da universidade.
A escolha do projeto vem do meu fascínio por criaturas pré-históricas, principalmente dinossauros, que já é um vestígio de como o ambiente tem o poder de
influenciar um individuo, sabendo da enorme riqueza de fosseis de pterosauros, entre outras criaturas extintas encontrados nessa região, como é afirmado no
álbum de figurinhas Dinossauros Surpresa Nestlé (p. 37). “No Brasil, a Chapada do Araripe (Ceará), é uma região extremamente rica em fosseis de pterossauros
chegando até a ser chamada, por cientistas americanos, de “Paraíso dos pterossauros”. Sobre isso Fayga Ostrover fala em seu livro, Criatividade e Processos
de Criação, que “A natureza criativa do homem se elabora no contexto cultural. Todo individuo se desenvolve em uma realidade social, em cujas necessidades e
valorações culturais se moldam os próprios valores de vida.” (OSTROWER, 1977 p.1)
Por isso essa região é referência no mundo em termo de vestígios que descrevem como poderia ser a história do natural do país a milhões de anos, tendo um
enorme acervo de fósseis que são estudados em diferentes países. Mas, apesar disso, percebo uma enorme deficiência na região em relação a representações
artísticas 3D que tenham qualidade estética para que possam representar de forma fiel essas criaturas já extintas. Por isso me proponho a construir esse trabalho,
e com ele conseguir o interesse das pessoas responsáveis pelos espaços dedicados à história natural da região, melhorando a qualidade artística e estética das
representações destinadas a esses espaços, podendo com isso até conseguir mais incentivos com pesquisas aumentando a atenção do mundo para a região,
vendo-a com maior importância. Claro que estou iniciando, e tenho que evoluir muito ainda para alcançar esses objetivos.
Durante o processo de construção do trabalho, terá toda uma preocupação com a qualidade da estrutura e do acabamento para que atinja o resultado desejado
por mim, e também para que seja bem aceita como uma representação do animal. O trabalho que está sendo desenvolvido trata-se de um pterossauro.
Pterossauros não são dinossauros nem aves. Fazem parte de uma espécie extinta há 65 milhões de anos (período Cretáceo) e têm parentesco mais próximo com
os répteis, embora provavelmente tenham sido animais ágeis e de sangue quente. Há evidências que eram exímios voadores, capazes de realizar viagens por
longas distâncias atravessando o planeta. Suas asas eram formadas de uma membrana de pele. Não tinham penas, mas podem ter tido pelos. Pouco se sabe
sobre sua origem nem sobre como e por que entraram em extinção. As primeiras espécies existiram há mais de 200 milhões de anos (período Triássico) e tinham
dentes; os do final do período Cretáceo (65 milhões de anos atrás) tinham bicos sem dentes e cristas. Haviam pterossauros de todos os tamanhos. Uns eram
minúsculos; outros eram gigantes. O maior já descoberto chama-se Quetzalcoatlus e tinha o tamanho de uma girafa.
Imagem 1: Quetzalcoatlus
O Quetzalcoatlus northropi é uma espécie de pterossauro que viveu no Cretáceo Superior onde hoje é a América do Norte. Apenas essa espécie é confirmada
como pertencente à classificação Quetzalcoatlus, que pode ter sido o maior dos piterossauros. Ele podia passar dos 12 metros de envergadura e caminhava em
terra em posição quadrúpede, atingindo nesse modo a altura de 5 a 6 metros de altura.
O animal foi descoberto em 1971 por Douglas A. Lawson na Formação Javelina, a descoberta foi de um longo e fino osso que pertencia à asa do animal, o material estava bem preservado. A nomeação do animal só veio em 1975 por Lawson, o nome é baseado no deus Asteca Quetzalcoatl, que tinha a forma de uma
serpente alada coberta por penas.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
A alimentação do animal ainda é um mistério. Mas hoje a hipótese mais aceita é que ele não desperdiçava carniça ou uma pesca, mas sua principal fonte de
alimento eram os pequenos animais terrestres, ele provavelmente quando posava em terra capturava animais usando o seu pescoço e bico como uma lança.
Outra discussão a respeito desse animal é se ele era um bom voador ou não. Ele era muito pesado (200-250 kg), desse modo alguns paleontólogos afirmam que
ele tenha sido um péssimo voador. Hoje a teoria mais aceita é a teoria lançada por Mike Habib (professor de biomecânica) e Mark Witton (paleontólogo britânico)
em 2010. Depois de analisarem a sua envergadura, peso e aerodinâmica, eles sugeriram que o Quetzalcoatlus northropi era capaz de voar, como faz um planador,
a 80 km/h, durante 7 a 10 dias, em altitudes de 1500 pés. Sua visão era incrível, fazendo sentido ele conseguir voar bem como um pássaro.
A classificação do Quetzalcoatlus northropi segue assim: Animalia- Chordata- Reptilia- Pterosauria- Azhdarchidae- Quetzalcoatlus- Q. northropi.
O projeto pretende ter como resultado final, uma representação 3D com as formas fiéis ao animal com o tamanho reduzido a 3 metros de envergadura.
Metodologia
Durante o processo de criação o trabalho foi dividido em etapas, iniciando com a escolha das referências de imagens, em seguida a construção do protótipo e por
ultimo a Confecção do trabalho final. A primeira etapa do processo de criação do pterossauro Quetzalcoatlus se inicia com a escolha das imagens que acho mais
apropriadas para serem utilizadas como referências (Imagem2). Em seguida em um papel, desenho o animal com todas as medidas e proporções desejadas que
sirvam de base para a construção da réplica do animal.
Imagem 2
Passada essa etapa, inicio a modelagem já utilizando os desenhos como base do modelo que servira de protótipo para a construção do modelo final (Imagem 3).
Ele tem o tamanho reduzido, com apenas 30 cm de envergadura.
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Imagem 3: protótipo finalizado
Terminada a primeira etapa em que foi feito o protótipo para o trabalho definitivo, e inicio a segunda etapa. Na segunda etapa repito o mesmo processo inicial do
protótipo, mas agora com proporções maiores. Pego o mesmo desenho para utilizar como base para construir o modelo maior, mas dessa vez desenho ele no
chão com a envergadura de 3 metros para poder construir o pterossauro com as mesmas medidas.
Em seguida, utilizando o desenho como molde, vou colocando os arames por cima em forma de anéis que servirão de sustentação para a estrutura interna.
Após todos os anéis terem sido moldados é feita a amarração deles com uma linha de nylon em um arame mais grosso para que seja dada a sustentação da
estrutura do esqueleto para o Quetzalcoatlus (Imagem 4).
Imagem 4: esqueleto de arame finalizado
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Finalizado o esqueleto é feito o revestimento com uma tela fina de arame já colocando o esqueleto na posição desejada e deixando com as formas da anatomia
(Imagem5).
Imagem 5: início do revestimento
O trabalho seguinte será feito com a aplicação de revestimentos utilizando resina acrílica, fibra de vidro e acabamento com massa plástica e a pintura com tinta
automotiva.
Resultados e Discussão
Durante todo o processo de desenvolvimento do trabalho vai ficando evidente a enorme importância que tem que ser dada ao processo artístico a qual uma obra
de arte percorre ate chegar ao seu resultado final, ficando claro o valor que todo esse processo tem. Até o momento os resultados obtidos consistem em uma
armação feita de arames em diferentes espessuras, revestida com tela também de arame, já bem próximo do resultado desejado, com as formas anatômicas e
proporções bem similares ao animal pesquisado.
A princípio as minhas duvidas principais eram: Como construir um pterossauro com 3 metros de envergadura? Quais materiais utilizar? Para isso foi fundamental
a orientação do professor Francisco dos Santos, mas durante o processo de confecção do trabalho foram surgindo outras alterações, duvidas e descobertas de
como contornar os problemas. Através do fazer artístico vão surgindo as dificuldades que contribui para dá forma as características do processo de criação, como
afirma Cecília. “O trabalho criador mostra-se como um complexo percurso de transformações múltiplas por meio do qual algo passa a existir”. (SALES, 2004).
Um dos problemas resolvidos foi o como fazer as amarrações dos arames. O plano era amarrar com um arame bem fino, mas não estava dando rigidez e dava
muito trabalho, então experimentamos amarrar com linha de nylon e vimos que funcionava muito bem. Continuando o trabalho acabei vendo um tipo de tela
diferente da que pretendíamos utilizar na primeira camada do revestimento que funcionaria muito melhor por ser mais fina e maleável o que facilitou o trabalho
para um melhor acabamento.
O trabalho ainda não está finalizado, mas já estamos vendo outras possibilidades de alterações do plano inicial para que se possam obter melhores resultados.
Outra questão importante que devo mencionar é o valor da fotografia enquanto registro durante esses processos de desenvolvimentos. Aqui na faculdade a maioria dos professores fala muito sobre a importância de registrar os processos de construção dos trabalhos e incentivam muito. Uma fala de Pablo Picasso citado
por Cecília no livro Gesto inacabado diz que, “seria interessante conservar fotograficamente, não as etapas, mas a metamorfose de uma pintura, pois ofereceria
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
a possibilidade de descobrir o caminho seguido pelo cérebro na materialização do sonho”. (ALMEIDA, 2004, p.12). A autora defende nesse livro que a Critica
Genética é uma investigação que vê a obra de arte a partir de sua construção. Todo o processo de construção, como nesse caso o trabalho descrito, ganha muito
mais ênfase e clareza do que está sendo discutido tendo fotografias do processo para afirmar o que esta sendo falado.
Consigo reconhecer por experiência própria a importância do armazenamento desses registros para um melhor resultado final e também para desenvolver com
mais facilidade trabalhos futuros.
Conclusão
O que é colocado nos trabalhos, vem do interior de cada um, da história de vida, por isso cada pessoa tem a sua compreensão sobre o significado um feito pela
leitura visual do publico que o observa o outro pelo artista pois só quem fez e que teve toda uma intimidade durante o processo pode saber.
Um trabalho artístico pode partir de um conhecimento adquirido anteriormente ou e de um interesse pessoal também. O que deve ser colocado em um trabalho
artístico pelo artista que o produz é o valor enquanto dedicação. O artista tem que sentir prazer com aquilo que produz, mesmo que aquele trabalho possa não
ser bem aceito aos olhos do publico. Acredito que para um bom trabalho artístico e essencial que o autor sinta prazer durante o processo, que ele goste e divirtase durante a construção. Cecília trata disso quando cita a fala do escritor Klef e Borges. “Não sei se o que escrevo da alegria a alguém, mas eu me alegro muito
escrevendo. Talvez isso baste para justificar o que faço.” (KLEF e BORGES apud ALMEIDA, 2004, p. 85)
Uma das coisas que tem que ser superada é a ideia de um trabalho feito apenas para ser aprovado em uma disciplina. Tem que entender que aquele conhecimento
deve ser carregado pelo resto da vida, e por mais simples que possa parecer um trabalho você deve sempre se empenhar dando o seu melhor. Uma disciplina
pode estimular apenas a experimentação, mas aquela experimentação pode proporcionar um enorme destaque que será expandido alem das barreiras de uma
sala de aula.
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http://gshow.globo.com/novelas/morde-e-assopra/julia/platb/2011/09/27/maurilio-oliveira- explica-o-que-e-a-paleoarte/ Acesso em 07/04/1014.
João Eudes Ribeiro Machado Filho, Graduando do curso de licenciatura em Artes Visuais da Universidade Regional do Cariri – URCA, e membro do
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPQ.
e-mail: [email protected]
Francisco dos Santos, Graduado em Artes Visuais e professor do Departamento de Artes Visuais Universidade Regional do Cariri – URCA. e membro do
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPQ.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
A RELAÇÃO ESPAÇOS CULTURAIS/ONG NA PERSPECTIVA DE INCLUSÃO CULTURAL:
DOIS ENCONTROS, DOIS MOMENTOS DE REFLEXÃO
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Veruschka Pereira Greenhalgh / Maria Betânia e Silva
PIBIC/CNPq - 2013/2014 / Universidade Federal de Pernambuco
Esse trabalho buscou analisar como se dá a relação entre espaços culturais e uma Organização Não Governamental (ONG) da cidade do Recife-PE, Projeto
Lugar da Criança. Para tanto foram escolhidos dois espaços culturais: o Centro Cultural Correios e a Galeria Vicente do Rêgo Monteiro da Fundação Joaquim
Nabuco (FUNDAJ). A ONG é uma organização de ensino não formal, de inclusão social, que atende a 140 crianças e adolescentes entre, 07 a 17 anos de idade
(dados da época da visita), das comunidades do Coque, Papelão e Joana Bezerra.O entrelaçamento entre essas instituições foi vivenciado em duas experiências
de visitação das crianças e adolescentes da ONG nos espaços culturais com a exposição Lágrimas de São Pedro de Vinícius S.A. nos dias 19 e 20 de novembro
de 2013 e com a exposição Bocas de Cinzas do artista colombiano Juan Manuel Echavarría no dia 03 de dezembro de 2013.
Os espaços visitados são respectivamente um Centro Cultural que apresenta uma multiplicidade de atividades e uma Galeria de Arte que é um espaço destinado
à exposição das diversas formas de expressão das artes visuais, estas reconhecidas atualmente na categoria de museus. Segundo Loureiro, 2004:
um conjunto grande de itens que caracterizavam e distinguiam os centros culturais dos museus de arte, como a diversidade de atividades oferecidas, foram também, com o tempo, incorporados por eles. De outro lado, os atributos que tradicionalmente singularizavam os museus de arte frente
a outros espaços e instituições que promovem exposições de objetos artísticos, como muitos pesquisadores vêm demonstrando, hoje não os diferenciam mais. Profissionais e estudiosos de museus, por exemplo, já incorporaram diversas outras instituições ao redefinirem a categoria museu
em 2001, numa assembleia geral do International Council of Museums (ICOM), nela agora incluindo também “centros culturais e outras entidades
voltadas à preservação, manutenção e gestão de bens patrimoniais tangíveis e intangíveis” (LOUREIRO, 2004, P. 97, APUD DABUL, 2008).
Desta forma, entendemos como museu todo espaço destinado à exposição de obras de arte. Porém, o museu na atualidade, vai muito além de mero expositor ou
guardião de tesouros e bens culturais. O museu de hoje ultrapassa as fronteiras prediais e se torna território; a materialidade de seus objetos funde-se na imaterialidade dos pensamentos; a pesquisa e a comunicação emergem como função central; a exposição é um meio e não um fim; o público não é mais unicamente
espectador, ele interage e dialoga com a obra (VAN MENSCH,1989). Portanto, o museu hoje se aproxima muito mais como um espaço de educação, do que como
espaço de conservação e exposição de obras de arte e bens culturais.
Nesse sentido, afirma Lowry (apud GRINSPUM, 2012), que “os museus de arte não devem se tornar centros de espetáculos, pois eles são antes de tudo espaço
para o desenvolvimento da experiência e da educação”.
A educação vem se democratizando e se estruturando de maneira mais dinâmica, ampla e penetrando em outros espaços além dos muros das escolas. É nesse
contexto que se situam as ONGs e os Espaços Culturais, como lugares de educação não formal. Essa tendência vem se expandindo, desde a década de 90, e
criando novas possibilidades de diálogos e reflexões sobre a função destas instituições na formação do ser humano, do cidadão ciente dos seus “espaços” de
direito. De acordo com Gohn (2010), a educação não formal se caracteriza como:
aquela que se aprende ‘no mundo da vida’, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos
cotidianos [...] A educação não formal tem campo próprio, tem intencionalidades, seu eixo deve ser formar para a cidadania e emancipação social
dos indivíduos”. (GOHN, 2010, p. 16- 33).
De um lado estão as ONGs, surgidas no Brasil desde a década de 80, engajados na busca da inclusão social e cultural com seus projetos educativos e de socialização. De outro estão os Espaços Culturais, “[...] espaço fascinante onde se descobre e se aprende, nele se amplia o conhecimento e se aprofunda a consciência
da identidade, da solidariedade e da partilha” (SANTOS, PORTAL DO IBRAM, s/d). Deste modo, esses espaços assumem um papel importante no processo de
ensino/aprendizagem a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento.
Para a construção deste artigo foram colhidos relatos de experiências, descrição das visitas e da ação educativa desenvolvidas nos dois espaços visitados, levantamento bibliográfico, registros de imagens, levantamento dos dados de identificação da ONG, levantamento acerca dos projetos institucionais de acessibilidade dos centros culturais visitados e discussões sobre: qual função dos museus; surgimento do terceiro setor/ONGs e sua função na sociedade como espaço
de educação não formal e de inclusão social; o conceito de acessibilidade (cultural) e qual a participação dos museus no processo de inclusão cultural e suas
contribuições para o desenvolvimento do ser humano.
Surgimento do terceiro setor/ONGs e sua função na sociedade
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
A desigualdade sócio econômica no Brasil, chegou a atingir níveis alarmantes, segundo dados do IBGE do Censo 2010, as pessoas que ganhavam mais de 20
salários mínimos de rendimento mensal de todos os trabalhos representaram 0,9% da população ocupada do país, enquanto a parcela das sem rendimento foi
de 6,6% e a das com remuneração até um salário mínimo, 32,7%. As pessoas que ganhavam mais de 10 salários mínimos de remuneração mensal de trabalho
abrangiam 3,1% da população ocupada (IBGE, Censo 2010).
Dentre as inúmeras consequências dessa desigualdade está o infortúnio de crianças e adolescentes que vivem à margem da sociedade em situação de risco
e vulnerabilidade social. Na tentativa de minimizar esses impactos sociais, surge no Brasil, nas últimas décadas, mas precisamente na década de 80, as ONGs
(Organizações Não Governamentais) com a proposta de prestar assistência social, educativa e cultural aos excluídos da sociedade. O fenômeno ONGs é mundial e não tão recente, desde o passado existia a filantropia exercida pelas instituições religiosas. No Brasil, as ONGs ganharam mais representatividade social a
partir dos anos 90 e apresentou um crescimento considerável de 157% entre 1996 e 2002 segundo pesquisa do IBGE- Instituto de Geografia e Estatística (RODRIGUES, 2004).
O papel das ONGs que trabalham com a inclusão social é de suma importância para a sociedade porque realizam um trabalho de resgate da cidadania, através
da educação, possibilitando a essas crianças e adolescentes a restruturação do ser enquanto sujeito de sua própria história capaz de se organizar e construir
um caminho rumo ao sucesso.
A ONG, a que se refere esse trabalho é o Projeto Lugar da Criança situada na Rua Imperial, no 1180 no bairro de São José – Recife. Fundada em 2008, é uma
organização evangélica sem fins lucrativos de caráter assistencial e filantrópico com o objetivo de atender e amparar crianças em situação de risco social oriundas das comunidades do Coque, Joana Bezerra e Papelão. Atualmente são atendidas 80 crianças com idades entre 6 a 12 anos que podem contar com aulas de
música, artes visuais, dança, teatro, hip-hop, informática, judô, jiu jitsu, futebol, reforço escolar e recreação oferecidas pelo Projeto.
Os Espaços Culturais
Os Centros Culturais são espaços que permitem a participação em atividades culturais como Teatro, Artes Visuais, Dança, Música, Cinema e muitas outras atividades relacionadas à cultura. Estes têm o objetivo de promover a cultura. Geralmente as atividades dos centros culturais são gratuitas ou tarifas simbólicas, possibilitando o acesso de todas as pessoas da sociedade. Os espaços visitados foram a Galeria Vicente do Rego Monteiro/FUNDAJ e o Centro Cultural dos Correios.
A Galeria Vicente do Rego Monteiro é um dos espaços que compõe a Fundação Joaquim Nabuco que é uma entidade vinculada ao Ministério da Educação do
Brasil, fundada em 1949. A Fundação foi criada para fins culturais, oferece espaços para locação e exposições, bem como equipamentos de vídeo e som. Realiza
a reprografia de documentos históricos, e farta digitalização de textos e imagens, boa parte disponibilizada no sítio oficial. Além disso, promove cursos de capacitação, concursos histórico-científicos, conservação, pesquisa e restauração documental (FUNDAJ, s/d.).
O Centro Cultural dos Correios está localizado na Av. Marquês de Olinda, Recife-PE. O Centro foi inaugurado em 31 de julho de 2009. Os Correios é uma empresa que “contribui para o desenvolvimento da sociedade brasileira e têm como um de seus valores a responsabilidade pública e a cidadania, com apoio às ações
culturais” (CORREIOS, s/d.). Entre estas atividades estão as exposições.Assim, como os espaços culturais atualmente são reconhecidos na categoria de museu,
estes também tem a função de realizar ações educativas, como defende Figurelli:
dentre as diversas contribuições das instituições museológicas à sociedade, uma em especial destaca-se por facilitar, dinamizar, diversificar e qualificar a relação do indivíduo com o patrimônio cultural preservado: as ações educativas. Voltada para o indivíduo, a ação educativa nos museus
é pensada e realizada para cooperar com o seu desenvolvimento, contribuir para o seu aprimoramento e facilitar o seu reconhecimento enquanto
sujeito social, pois é através de uma ação educativa que o contato do público com o bem cultural é potencializado, contribuindo assim para os processos de construção de conhecimentos, que caracterizam o desenvolvimento do ser humano. (FIGURELLI, 2011. P.119).
A acessibilidade cultural
O ponto crucial dessa investigação foi a questão da acessibilidade cultural. Geralmente as ações educativas elaboradas pelos espaços culturais estão mais voltadas para o público em geral e escolas, mas estas também se estendem à ONGs e outras instituições. Os espaços culturais dispõem de visitas agendadas com
mediadores e atividades educativas e/ou artísticas como oficinas de arte. Mas, o grande entrave para o acesso das ONGs aos espaços culturais é de ordem econômica. Muitas ONGs, por exemplo, não dispõem de recursos materiais para custear o transporte das crianças e adolescentes até esses lugares. É nesse ponto
que entra a ação de acessibilidade que muitos espaços culturais desenvolvem para garantir o acesso deste grupo social. Porém, esta realidade não é unânime.
Deste modo, tornou-se pertinente tratar neste artigo sobre o conceito de acessibilidade como a qualidade do que é acessível, do que tem acesso. Facilidade,
possibilidade na aquisição, na aproximação (HOLANDA, s/d.) este muitas vezes está associado ao de mobilidade como facilidade para se mover, e ser movido
(HOLANDA, s/d.), ou seja, priorizando a acessibilidade física ao espaço. No entanto, para o Instituto dos Museus e da Conservação - IMC (Portugal), a acessibilidade é:
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um caminho para a autonomia de todos que implica não só a possibilidade de aceder aos espaços físicos mas também à informação disponível.
[...] Há por isso que identificar e ultrapassar outras barreiras para além das arquitectónicas que impedem ou dificultam o acesso à informação por
parte de muitas pessoas, sem esquecer que esses obstáculos podem ser sensoriais, cognitivos, sociais, educacionais ou culturais. (PORTUGAL,
IMC, 2009).
Nesse sentido, podemos entender a acessibilidade cultural, também, como um acolhimento. E ambos espaços visitados promoveram esse acolhimento, que
aconteceu desde o acesso, viabilizando o transporte das crianças e adolescentes, até as suas ações educativas que visaram a interação do visitante com a obra,
com leituras de imagens e diálogos.
Nos dois espaços visitados existe uma política de democratização dos bens culturais e por essa razão promovem ações de acessibilidade com o objetivo da inclusão cultural. Buscam através das ações educativas uma aproximação do público com a obra, respeitando os referenciais sociais de cada grupo, despertando
assim o sentimento de pertencimento desse sujeito com o espaço, com a obra.
Apostando neste processo inclusivo, os museus têm investido no potencial educativo nos seus espaços expositivos. Nas programações dos museus, os projetos
educativos já são uma prática comum, mais um serviço a ser ofertado ao público visitante. A ação educativa funciona como uma aproximação do espectador com
a obra, possibilitando a fruição estética, o aprendizado e o conhecimento. Nesta perspectiva afirma Figurelli:
O museu enquanto um espaço que congrega dados, informações, saberes, teorias, discursos, testemunhos, opiniões, histórias e memórias, tem
grande capacidade para mediar processos de construção de conhecimentos. [...] O museu busca contribuir para o progresso da sociedade através
dos estímulos que provoca em seu público, tendo como intuito o seu desenvolvimento pessoal e social. E tal contribuição, pode ser percebida por
meio da função educativa assumida pelo museu. (FIGURELLI, 2011. P.117).
Neste sentindo, também defendem Grinspum e Araujo: “um reflexo da consciência de que um caminho para os museus enfrentarem os desafios da vida contemporânea consiste no estabelecimento de novas relações com os públicos, na perspectiva de construção de uma cidadania consciente” (GRINSPUM; ARAUJO,
2001, p.12).
Descrição das visitas
A ONG, aqui abordada, atende a crianças e adolescentes de comunidades estigmatizadas pela pobreza e pela violência. Muitas dessas crianças, porém, já visitaram algum espaço cultural, com suas escolas, como representantes da escola. Por sua vez, ao visitarem espaços culturais pela ONG levam consigo a representação de suas comunidades.
Os lugares que estas crianças e jovens visitaram possibilitaram a interação ONG/Espaços Culturais uma vez que ambas providenciaram o transporte para o traslado
deles aos espaços. Estes foram bem acolhidos. Os mediadores promoveram leituras contextualizadas das obras e debates privilegiando a opinião dos visitantes,
proporcionando àquelas crianças e jovens o sentimento de pertencimento, pois foram ouvidos, percebidos e prestigiados naqueles espaços de “prestígio social”.
Um dos espaços, o dos Correios, forneceu também o lanche.
O primeiro espaço visitado foi o Centro Cultural dos Correios, na exposição Lágrimas de São Pedro de Vinícius S. A. Foram ao todo 90 crianças e adolescentes
com idade entre 8 a 17 anos de idade. A exposição era uma instalação utilizando lâmpadas com água em seu interior penduradas no teto por todo o espaço
expositivo, a exposição tratava da questão da água. As Lágrimas lembravam gotas de chuva pairadas no ar, sobre o sofrimento do povo nordestino que vive na
seca, esperando a chuva cair.
Ao chegarem ao Centro Cultural dos Correios foram bem recebidos pel os profissionais do educativo da exposição, após apresentações e perguntas sobre o
que iriam ver na exposição se iniciou o processo educativo. A ação foi bem estruturada, primeiramente as crianças e adolescentes fizeram um passeio entre as
Lágrimas (lâmpadas). Depois, sentados no chão, em círculo, começou uma espécie de jogo de cartas contendo perguntas que eram escolhidas e lidas pelos
próprios visitantes, assim se iniciava o diálogo entre os educadores e visitantes sobre a exposição. Nesse diálogo, puderam manifestar suas opiniões e isso fui
muito importante para eles, pois foram ouvidos, valorizados, respeitados.
As crianças e os adolescentes ficaram encantados com a instalação, foram bastante participativos. Emitiram diversos comentários como os de duas crianças e um
adolescente: “que lindo, parece uma chuva congelada!”, “que coisa interessante, me fez lembrar do sertão, que é seco e sem chuva, por isso São Pedro chora, e
aí cai a chuva.” “Vim aqui para ver arte e vi algo mais bonito, é arte também, é diferente, não é um quadro”. Diante desses comentários é notório a compreensão
que tiveram do conceito, da ideia da exposição. Na saída passaram pelos outros andares do edifício que também estavam tendo exposições como as de Lia de
Itamaracá, onde dançaram uma ciranda e João Rossi.
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A visita foi registrada com fotos como podemos ver nas figuras 1, 2, 3, 4 e 5.
Figura 1 – As apresentações. Fonte: Acervo da autora
Figura 2 – O passeio pela Instalação. Fonte: Acervo da autora
Figura 4 – A Ação Educativa. Fonte: Acervo da autora
Figura 3 – A Admiração. Fonte: Acervo da autora
Figura 5 – O Transporte. Fonte: Acervo da autora
O segundo espaço visitado foi a Galeria Vicente do Rêgo Monteiro/FUNDAJ na exposição Bocas de Cinzas do artista colombiano Juan Manuel Echavarría. Foi
uma exposição de vídeo arte que abordava a questão sociopolítica da Colômbia. O artista lida com vários aspectos dos conflitos violentos, dá voz às suas vítimas.
Tratou da questão da violência que assola aquele país desde 1948 que iniciou com conflitos agrários e se intensificou com as guerrilhas, o narcotráfico e as milícias. A exposição Bocas de cinza é reunida em três obras, vídeos: Guerra y Pa (2001), La bandeja de Bolívar (1999) e Bocas de Ceniza (2003).
Nesse espaço foram apenas os adolescentes entre 12 a 17 anos de idade, eram 30 ao todo. A FUNDAJ providenciou o transporte dos adolescentes até a Galeria.
Também foram bem recebidos pelo educativo. Assistiram aos vídeos sentados no chão e até deitados, bem à vontade. Após a exibição dos vídeos na exposição
se dirigiram para uma sala onde puderam dialogar com o educativo sobre a exposição.
Por virem de comunidades que sofrem com o problema das drogas e da violência o diálogo de aproximou bastante da realidade deles. Puderam relatar histórias
da própria comunidade, cantaram músicas, rap, que tratavam sobre a violência.
A política de acessibilidade da FUNDAJ prevê justamente esse contato dialógico respeitando as especificidades de cada grupo agendado. Proporciona o acesso
ao espaço fornecendo o transporte para as escolas e instituições como ONGs e, sobretudo, promovem o acolhimento na forma de tratar seus visitantes.
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Os adolescentes gostaram da visita ao espaço, a princípio sentiram uma certa estranheza pelo tipo de exposição, mas compreenderam bem, e após a ação educativa saíram com um novo olhar sobre a exposição. Saíram satisfeitos por terem sido agentes participantes do processo educativo e não apenas ouvintes passivos.
Para eles a experiência foi marcante, puderam compreender mais amplamente a questão da violência e suas consequências, uma vez que, andavam anestesiados
pela mídia, que de certa forma, banaliza a violência e esta passa como um fato comum, sem muita importância, já que convivem de perto com essa realidade.
Diante de tudo que viram na exposição e no educativo fizeram muitos comentários como o de um menino que falou sobre a obra La bandeja de Bolívar (1999): “o
prato representa o luxo que foi destruído pelo tráfico das drogas”. Sobre a obra Guerra y Pa uma menina de 16 anos comentou: “esses papagaios parece com a
gente, tem gente que fica querendo briga o tempo todo, e tem gente que não quer brigar, aí terminam brigando, aí começa a violência”. Um garoto de 12 anos fala
sobre a visita: “gostei muito do passeio, foi diferente, pensei que a gente ia ver estátuas ou pinturas, mas foi vídeo, não foi um filme qualquer, os filmes mostravam
gente de verdade, falando de coisas de verdade, de violência”.
Sobre o educativo, uma menina de 15 anos, comentou: “foi muito bom ficar naquela sala, sentamos no chão, nas almofadas, conversamos, perguntaram coisas
sobre a gente e contaram histórias, cantamos também um rap. Foi bom porque aquelas pessoas conversaram com a gente, ouviram nossas histórias, rimos muito,
foi divertido.” A visita também foi registrada com fotos como podemos ver nas figuras 6, 7, 8 e 9.
Figura 6 – Exibição de La bandeja de Bolívar .
Fonte: Acervo da autora
Figura 7 – ExibiçãodeGuerrayPa.
Fonte: Acervo da autora
Figura 8 – A Ação Educativa – o diálogo
Fonte: Acervo da autora
Figura 9 – A Ação Educativa – o diálogo
Fonte: Acervo da autora
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Considerações finais
A interação Espaço Cultural/ONG, se deu plenamente, pois a troca de saberes foi recíproca, os visitantes deixaram um pouco de si ao serem ouvidos por todos
que estavam presentes, da mesma forma absorveram os conhecimentos que lhes foram veiculados. Foi nesta troca, neste diálogo que se estabeleceu a afetividade. Segundo Scheiner (s/d), “é no plano afetivo que se elabora a comunicação: é no afeto que a mente e o corpo se mobilizam em conjunto, abrindo os
espaços do mental para novos saberes, novas visões de mundo, novas experiências, novas possibilidades de percepção”. E assim saíram dessas experiências
mais confiantes em si mesmos.
Todo o processo educativo se deu através do diálogo, e este permitiu uma maior integração dos participantes e estimulou o aprendizado, que foi gerado num clima
de autoconfiança e respeito às questões individuais e coletivas do grupo. Suas vozes foram ouvidas, seus saberes foram compartilhados, suas experiências partilhadas e juntos construíram o conhecimento privilegiando o desenvolvimento de todos os envolvidos no processo. O olhar de satisfação em cada rosto daquelas
crianças e jovens, demonstrou que é possível um educar para a emancipação sociopolítica dos indivíduos, e os espaços culturais e museus devem investir, como
já o vem, nesse propósito.
Os espaços visitados promoveram a inclusão das crianças e adolescentes do Lugar da Criança possibilitando o acesso físico, intelectual e emocional, e lhes
proporcionaram dias especiais que ficaram guardados na memória de cada um. Na ONG produziram desenhos que expressavam os sentimentos em relação as
exposições e as experiências vividas. Mas, essa é uma outra história.
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FIGURELLI, Gabriela Ramos, Articulações entre educação e museologia e suas contribuições para o desenvolvimento do ser humano. Revista Eletrônica
do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 4 no 2 – 2011. Disponível em:
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GRINSPUM, DENISE; ARAUJO, MARCELO. Introdução. In: MUSEUMS & Galleries Commision. Educação em Museus. São Paulo: EDUSP; Vitae, 2001. p.11-12.
GRINSPUM, Denise. Museu e escola: responsabilidade compartilhada na formação de públicos. Portal Arte na Escola – Sala de Leitura - Publicado em
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HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio Online - Dicionário da Língua Portuguesa. Brasil. s/d. Disponível em:
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VAN MENSCH, Peter. Museus em movimento: uma estimulante visão dinâmica sobre interrelação museologia-museus. Cadernos Museológicos, Rio de
Janeiro, n.1, 1989, p. 49-54.
Veruschka Pereira Greenhalgh, Graduanda do 7º Período do curso de Artes Visuais/ Licenciatura pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
Bolsista do PIBIC/CNPq/UFPE - 2013/2014. Orientadora: Maria Betânia e Silva <http://lattes.cnpq.br/087599181728466>
email: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
EDUCATIVO DE BOLSO:
PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO EM AMBIENTE MUSEAL
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Fernanda Maziero Junqueira
Museu de Arte da Pampulha
Este artigo visa apresentar as experiências do Museu de Arte da Pampulha de Belo Horizonte com seus Educativos de Bolso, pensando a utilização destes materiais como dispositivos ativadores de processos autônomos de aprendizagem durante a experiência dos visitantes em exposições de arte.
O Educativo de Bolso já está em sua 5ª Edição e surgiu em 2011, com o objetivo de desenvolver um material não apenas para aqueles que estão diretamente
ligados aos ambientes escolares, mas também, um material que seja acessível a todo e qualquer público visitante. O objetivo é apresentar o contexto de produção
desta publicação e sua aplicabilidade com o público, apontando os sucessos e fracassos que a experiência trouxe para o Setor Educativo.
Desde sua criação, em 2011, o objetivo principal deste material é possibilitar que o visitante receba-o e transite pela exposição de forma autônoma e criativa e,
por meio das proposições, questionamentos, atividades e informações, sinta-se instigado e estimulado a desenvolver sua própria pesquisa.
Iniciou-se então um movimento de aproximação do público com as exposições de arte, com o desejo de promover conversas e, por consequência, produção de
conhecimento em parceria e colaboração. O Educativo passou a desejar que os visitantes de suas exposições se tornassem os protagonistas de suas próprias
trajetórias, assumindo seus papéis enquanto investigadores, pesquisando a arte numa perspectiva contemporânea. Tudo isso viabilizado por meio da elaboração
de determinadas práticas, esferas de criação de significados e articulação do fazer, do olhar e do pensar.
Em sua primeira edição, a exposição consistia em obras da artista Nydia Negromonte, na qual ela apresentava instalações, fotografias e vídeos que discutiam
questões dos ambientes públicos e privados e contava também com obras no salão e nos jardins que dialogavam com a arquitetura do Museu.
Ao avaliar esta primeira edição, percebemos problemas de ordem prática nessa proposta, que se encontrava naquele momento em fase experimental. Um exemplo,
o fato de o material não ter funcionado autonomamente como pretendido, pois constatamos que os visitantes dependiam ainda do mediador em alguns momentos.
As propostas das próximas edições da publicação Educativo de Bolso buscaram continuar uma exploração da autonomia do público, de forma a permitir a participação ativa dele na construção da visita. Na segunda edição, também uma exposição de arte contemporânea, desta vez, Mônica Nador e a dupla Inês Linke
e Louise Ganz dividiram o espaço arquitetônico de Oscar Niemeyer com obras de arte que traziam criações coletivas de projeto de pintura em stencil com uma
comunidade em São Paulo, bem como fotografias, vídeos, projetos de criação de ambientes naturais, além de uma obra a céu aberto no terreno em frente ao
Museu, que consustia em um ambiente de convivência com horta, mesas e uma programação para utilização do espaço. Tentamos aqui, trazer mais propostas
práticas de atividades que poderiam ser feitas em qualquer ocasião, bem como, instigar reflexões para além do ambiente da exposição.
Já na terceira edição, para a exposição Museu Revelado, que apresentava parte do acervo de arte moderna e contemporânea do Museu, contemplando pinturas,
gravuras, esculturas e vídeos, o material trouxe mais informações e curiosidades, procuramos trazer propostas e citações que instigassem o visitante a refletir e
pesquisar.
Esses materiais cumpriram seus objetivos em vários momentos, mas em outros, acabaram funcionando como souvenirs, distribuídos ao final da visita, não sendo
usados diretamente na visita pelo público como era a proposta inicial. Outra questão observada foi que diversas atividades pressupunham a visualização das
obras em exposição e, dessa forma, essas atividades perdiam o sentido quando não realizadas frente ao contexto expositivo.
Numa avaliação dos resultados alcançados com as três primeiras edições desse material de bolso, buscando sempre nosso principal objetivo de explorar o caráter
de participação do público e a produção de conhecimento em parceria e colaboração com ele, começamos a pensar novos formatos e conteúdos.
Em 2013, no intuito de criar um material provocador que propusesse a criação e a livre experimentação, aproveitando a mudança conceitual que o próprio Museu
passava ao publicar um edital de seleção de propostas curatoriais, o Educativo optou por criar, para as duas exposições selecionadas pela 1a Edição daquele
edital, Educativos de Bolso diferenciados.
A primeira exposição contemplada, contava com uma seleção de mais de 100 livros de artista, explorando o conceito de performance nas artes visuais. Foi nesta
exposição que encontramos nossa inspiração formal para criação de unidade da proposta da quarta e da quinta edição, a obra Livro Ilegível, de Bruno Munari.
Esta obra nos possibilitou a desconstrução e a ampliação do conceito de leitura e foi muito utilizada durante as visitas com os públicos com tal finalidade. Consiste
em páginas coloridas com formatos variados, encadernadas com uma linha vermelha, e que quando folheada, a combinação e sobreposição de cores e formas,
possibilita leituras diversas.
A segunda exposição selecionada foi uma exposição de performances, apresentações que aconteciam ao vivo e eram disponibilizadas em registro videográfico
após a execução. Ações efêmeras que provocavam diferentes reações e formas de participação do público.
As duas exposições traziam questões caras à ação de mediação, entre elas, o próprio caráter performático da mediação, a linha tênue entre a obra de arte e o
público, o momento vivo e criativo que acontece durante a ação de mediação.
Partindo dessa reflexão, tendo como inspiração formal o livro de Bruno Munari, procuramos, para essas publicações, manter suas características de publicação
de mediação e criação e, ao mesmo tempo, operar como dispositivos para a elaboração de sínteses criativas e artísticas do público. Junto a isso, para instigar
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a ação plástica e poética do público, tomou-se partido de duas ações fundamentais para a realização de livros: a impressão e a diagramação. Para tanto, foram
fabricados carimbos, com textos, formas, desenhos, palavras, frases e outros elementos para criação e impressão. Paralelamente, eram disponibilizados materiais
de intervenção gráfica diversos.
Os livros em si, Educativo de Bolso #4 e Educativo de Bolso #5, tornaram-se dispositivos totalmente em branco, tamanho A3, sem impressões prévias, com
vincos formando 8 áreas e um corte reto central de 21cm. Esse formato permitiu a construção simples de um pequeno caderno, que pode ser lido em páginas
sequenciais ou inteiramente aberto, de um lado ou de outro, ou ainda, por meio da construção espacial-tridimensional. Além desse recurso, foram feitos diversos
carimbos constituídos de textos, imagens, citações, perguntas, entre outras formas híbridas eleitas pela equipe educativa, a partir dos eixos temáticos propostos
pelas curadorias das exposições e de referências a livros de artista. Exemplos de carimbos produzidos:
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Durante as visitas às exposições, em momentos específicos, os visitantes eram convidados a refletir sobre os trabalhos vivenciados e a criar seus próprios Educativos de Bolso. Em alguns casos, disponibilizamos apenas os cadernos em branco, para a livre exploração da construção espacial destes materiais, e após um
tempo de experimentação e de discussão sobre as descobertas, entregávamos apenas tesouras, para que com elas os visitantes criassem suas narrativas. Em
outro momento, com grupos diferentes, disponibilizávamos os carimbos com frases, desenhos, símbolos e formas diversas para que o visitante pudesse criar sua
plataforma de mediação, sempre buscando a ação reflexiva de sua prática.
Oficinas de construção dos Educativos de Bolso:
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O que pudemos observar foi um envolvimento ímpar por parte dos visitantes na construção destes dispositivos, o que visivelmente mostrava que os públicos estavam estabelecendo suas próprias conexões, criando significados e construindo conhecimento em meio às provocações vivenciadas nas exposições.
Esta mesma experiência foi proposta para crianças de 4 anos, ensino fundamental, grupos de projetos sociais e também com nossa própria equipe de portaria,
pensando as especificidades de cada faixa etária. Em cada uma destas experiências, vivenciamos diferentes níveis de imersão na proposta, possibilitando à
equipe do educativo e aos visitantes momentos especiais de troca e aprendizado.
Com isso, acreditamos que garantimos uma multiplicidade de escolhas formais às quais o público seria exposto. Dentre elas, destacamos a de como ocupar os
cadernos com as informações institucionais e documentais da publicação, por meio da utilização de carimbos com unidades textuais. O público poderia então
escolher onde e como colocar os seguintes elementos: um texto de apresentação geral com créditos, o título da mostra, as logomarcas da instituição, endereço
e serviços gerais da exposição. O ponto de inovação, portanto, consistiu em possibilitar ao público a diagramação desses textos, chamando sua atenção quanto
à importância de se atentar para as informações históricas e contextuais de seus atos na publicação oficial de um Museu em ocasião das mostras.
Dessa forma, o Educativo de Bolso, passou a ser um trabalho autoral construído junto com o público em suas múltiplas formas de ocupação gráfica ou espacial.
Para pensar as questões apresentadas, pretende-se buscar estabelecer relações entre dois importantes teóricos da educação John Dewey e Paulo Freire.
Pensando os públicos como protagonistas da construção de conhecimento na mediação, as questões deste artigo permeiam a perspectiva de entendimento do
visitante como participante ativo da construção de conhecimento proporcionado pela experiência na exposição, de forma autônoma e criativa. Desta forma, é
possível reconhecer o papel social do museu na formação do indivíduo como sujeito de sua aprendizagem. Pois, segundo Paulo Freire:
A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia
da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da
liberdade. (FREIRE, 2000: 121)
Ninguém é autônomo espontaneamente, a autonomia é conquistada, é processo, é construída a partir das decisões, das vivências e da própria liberdade. De
acordo com o pensamento de Freire (2000: 46), em uma educação que visa à autonomia, é importante oferecer condições para que os alunos (em nosso caso o
público) possam “assumir-se”. “Tem que ver diretamente com a assunção de nós por nós mesmos” (FREIRE, 2000: 47). Assumir-se implica em ser autêntico, em
ser o que se é a partir de si mesmo, por isso, para ser autônomo o homem precisa assumir-se.
Entende-se que, tanto na concepção de Paulo Freire como na de John Dewey o conhecimento se desenvolve na investigação reflexiva, a partir da experiência de
vida. Segundo eles, essa investigação leva à reconstrução de crenças e à solução de problemas, produzindo assim, o conhecimento. A concepção pedagógica
de ambos valoriza o aprendizado e a capacidade de pensamento autônomo e reflexivo, como condição ao exercício da cidadania.
Para Dewey, a educação é uma experiência contínua, levada pelo pensamento investigativo: “[...] pensar é inquirir, investigar, examinar, provar, sondar para
descobrir alguma coisa nova ou ver oque já é conhecido sob prisma diverso. Enfim, é perguntar” (DEWEY, 1979a: 262). Sendo assim, educação para ele “[...] é
uma reconstrução ou reorganização da experiência, que esclarece e aumenta o sentido desta, e também, a nossa aptidão para dirigir o curso das experiências
subseqüentes” (DEWEY, 1979a: 83). Enquanto que, Paulo Freire apresenta a educação como prática problematizadora que se opõe à educação bancária:
[...] a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade. A primeira [educação bancária] pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulta sua inserção crítica na
realidade. (FREIRE, 1998: 68 e 70).
Freire define o homem como “ser de práxis” e entende este termo da seguinte forma: “[...] práxis que, sendo reflexão e ação verdadeiramente transformadora da
realidade, é fonte de conhecimento reflexivo e criação.” (FREIRE, 1998: 92). As duas teorias se aproximam ao pensar que a importância da educação não deve se
restringir à transmissão do conhecimento como algo acabado, mas que possibilite ao estudante integrar o saber e habilidades adquiridos à sua vida como cidadão.
Aprender por meio da experiência reflexiva, para Dewey, é descoberta e não armazenamento de conhecimento, pois, “[....] nenhum pensamento ou idéia pode ser
transferido como idéia de uma pessoa para outra” (DEWEY, 1979b: 175). Quando isso ocorre, os próprios aprendizes podem tomar estas ideias como inúteis e,
estas atitudes segundo ele “[...] enfraquecem o vigor e a eficiência mentais” (DEWEY, 1979b: 177).
Ao discorrer sobre arte e experiência, Dewey nos ajuda a pensar o visitante dos museus em um papel ativo na fruição da obra. Para ele, o fruidor da arte teria
uma função criativa nas experiências em geral, e na da arte em particular. A recepção estética é, portanto, uma ação de recriação do processo de produção. Ou
seja, “a experiência é a arte em estado germinal” (DEWEY, 2010: 84).
Enfim, as publicações apresentadas neste texto, são experiências educativas construídas coletivamente – entre a equipe educativa e o público - e funcionam
como campo de estudo das interações dos visitantes do Museu com as obras de arte contemporânea e com conceitos que perpassam a compreensão da arte. O
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diferencial deste trabalho é o fato de encarar o público como agente da construção do conhecimento no Museu e não apenas como expectador ou como crítico
de algo já estabelecido. A ideia de processo perpassa todas as ações que envolvem esta prática no Museu de Arte da Pampulha, assim como em outros museus
que também atuam de forma democrática, aberta e experimental no campo da educação museal.
Referências
DEWEY, John. Arte como Experiência. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
__________. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reexposição. 3. ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional,
1979a. Atualidades pedagógicas; vol. 2.
__________. Democracia e educação. Tradução: Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. São Paulo: Nacional, 1979b. Atualidades pedagógicas; vol. 21.
FREIRE, Paulo. A pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa. 15a Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
__________. Pedagogia do oprimido. 25ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. MUNARI, Bruno. Libro Illeggibilie. Editora Maurizio Corraine, Mantova, 2013.
Fernanda Maziero Junqueira, é coordenadora do Setor Educativo do Museu de Arte da Pampulha desde 2010 e representante da RIMC – Rede de
Museus e Centros Culturais de Belo Horizonte e Região Metropolitana desde 2013. Possui experiência em educação formal e informal, na disciplina de Artes.
Possui graduação em Artes Plásticas – Licenciatura pela UDESC e especialização em Gestão Educacional e Metodologia do Ensino Interdisciplinar. Atualmente
está cursando o Mestrado Profissional em Educação e Docência na FAE/UFMG e desenvolve pesquisa sobre materiais didáticos e o público espontâneo em
museus de arte.
e-mail: [email protected]
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AÇÃO MULTICULTURAL EM DESENVOLVIMENTO EM CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Denílson Pereira Rosa
i2ADS – FBAUP
Resumo:
A presente comunicação é um desdobramento da investigação de doutoramento em Educação Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto
em Portugal, aborda a temática e o conceito de ação multicultural na comunidade quilombola de Conceição das Crioulas em Pernambuco no Brasil. Para desenvolvê-la, optou-se por uma abordagem qualitativa nos moldes da pesquisa bibliográfica e estudo de caso, com o objetivo de ampliar a análise da arte pública e
intervenção artística em espaço público, levando a discussão dos conceitos e teorias da história da arte contemporânea para a comunidade negra rural do sertão
central brasileiro.
Palavras-chave: Ação Multicultural; Quilombo; Arte Pública.
Introdução
A primeira questão que pretendo apresentar e desenvolver e que não está ainda concluída na altura dessa comunicação é precisamente a dificuldade de conceituar
com precisão teórica a ação multicultural. Recorro a experiências e a textos escritos sobre esse tema, com a intenção de trazer a discussão para o meu trabalho
de investigação e ação artística em desenvolvimento na comunidade quilombola de Conceição das Crioulas em Pernambuco no Brasil.
Vinculado ao campo das intervenções artísticas em espaço público ou tão somente arte pública, a ação em comunidade tradicional que estou a pensar se inscrevem
na teoria, epistemologia e ontologia da educação artística, o que precisamente pretendo dizer/escrever sobre esse assunto se resume assim: ação multicultural é
uma forma de pensar, de sentir e de realizar a arte, sem a pretensão de criação de obras originais e geniais, mas aproximar e trazer essa discussão para a vida
de toda a gente do quilombo.
Pode-se dizer ainda que ação multicultural neste contexto específico é uma possibilidade/necessidade de investigar e discutir em educação artística fazendo e
criando em cumplicidade com a comunidade. Diferente da observação de obras indicadas e consagradas da história da arte. Não invalido sua importância e pertinência no currículo da escola formal, apenas vejo-as distante da realidade da comunidade negra rural no sertão central pernambucano.
Encontro radical com o outro, diálogo, partilha de afeto ou “a importância da fusão da acção com a investigação, e reconheceres da presença da sabedoria e
perseverança da população da comunidade quilombola de Conceição das Crioulas” (PAIVA, 2011, p.20). Neste sentido que estou a pensar a ação a investigação
multicultural sintetizando os saberes escolarizados da academia com os da história, da cultura e da memória das gentes simples do sertão nordestino.
Com a ação não espero produzir obras de artes em si (com conceito, conteúdo e forma erudita e cosmopolita que a academia ensina), mas “suspender essas
possibilidades, assumir a acção como intervenção política em contextos onde as populações se envolvem no seu próprio desenvolvimento” (PAIVA, 2011, p.31).
Valorizar principalmente nas intervenções artísticas a diversidade e a hospitalidade da comunidade que acolhe e ensina com sua organização horizontal e democrática.
Pensar e ver a arte e a ação multicultural em Conceição das Crioulas, com os olhos dos Construtivistas - arte em beneficio da sociedade. Não tenho nenhuma
pretensão ingênua de salvação com essa visão, apenas questiono a função da arte e seu ensino no contexto de uma comunidade negra rural. Dialogar durante
as intervenções artísticas em espaços cristalizados como as escolas formais, principalmente quando a ação assume um papel político e social na realidade da
comunidade.
A ação artística e multicultural como lócus privilegiado da arte em espaço público, se configura na altura deste texto como algo, inscrita na produção da arte contemporânea. O ponto de partida dessa discussão é a suspensão do artístico e a adoção de uma atitude política diante dos temas e das questões que envolvem as
comunidades tradicionais quilombolas, a luta pela conquista definitiva de seu território, o seu ambiente natural, sua organização social, religiosa, política e cultural.
A fantasia deste trabalho de ação é justamente a continuação da relação existente entre o movimento intercultural IDENTIDADES e a comunidade de Conceição
das Crioulas.
O IDENTIDADES movimento intercultural de acção e reflexão partilhada elege a cumplicidade e a permanente interligação arte/desenvolvimento,
remetendo para a investigação intimista e pessoal as responsabilidades, a procura dos processos e do sentido de quem intervém fundido a energia
artística com o exercício da cidadania (PAIVA, 2011, p.31).
Penso a ação artística, como uma prática cidadã, exatamente no ambiente da transgressão dos códigos eruditos, canônicos da arte hegemônica que reina absoluta
na sociedade contemporânea. Não perdendo de vista, as teorias, as convergências e divergências que alimentam os discursos autorizados e os clandestinos em
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
torno deste assunto, e ainda, não estou a reforçar a fala\escrita de salvação da pobreza, da miséria, das drogas e da violência através da arte e dos trabalhos de
intervenções em espaço público.
O movimento intercultural IDENTIDADES, através de artistas, professores, investigadores e estudantes da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto,
FBAUP partilha, dialoga e cria experiências de arte e de vida em países falantes da língua portuguesa: Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Portugal. São trabalhos
de intervenção artística, que atravessa as questões da ação multicultural ou arte pública invisível apresentada nesta comunicação, na medida em que:
A arte pública não como um fim em si, mas como um acto de cultura, como parte da vida dos seus usuários, como conversão de um esforço de
cidadania democrática actuando sobre um lugar no sentido de o tornar melhor, socializado e sociabilizante (PAIVA, 2009, p.205).
Ação cultural para a liberdade, a cidadania, a democracia radical, para melhorar as condições de vida das gentes das comunidades quilombolas. Existem ainda
diferentes ações, presente no interior deste movimento iniciado no Porto em Portugal e espalhado para outras geografias, com prioridade para os excluídos da
arte hegemônica, assim sendo a concepção e criação de arte em espaço público que estou a desenhar se inspira na vida difícil e dura do povo guerreiro de Conceição das Crioulas.
A ação multicultural que estou a defender assume um caráter diferente da tradicional escultura, pintura e arquitetura urbana (ressalto o valor dessas obras para
os locais em que elas estão). A grande questão é tornar visíveis outros pontos de partidas, a comunidade quilombola, assumindo conscientemente a pesquisa e
ação artística como profanação de um único discurso sobre arte pública. Arte contemporânea intrinsecamente relacionada ao político, ao cotidiano e a vida.
Generosidade e alegria sintetiza a ação partilhada e participativa que avança em Conceição das Crioulas neste trabalho de intercâmbio artístico iniciado pelo
movimento intercultural IDENTIDADES, que “experimenta produzir uma intervenção artística no território, participada pela população e interligada com a sua luta”
(PAIVA, 2009, p.147). Os participantes deste movimento tem total autonomia para triar seus caminhos teóricos e metodológicos.
O presente texto apresenta questões sobre interações artísticas em espaços públicos e fala a propósito da ação em desenvolvimento no Quilombo Conceição
das Crioulas, segundo distrito de Salgueiro sertão central de Pernambuco, nordeste do Brasil. Para desenvolver os pontos pertinentes ao tema, orientou-me a
visão da arte defendida pelo Construtivismo Russo, precisamente por sugerir abolir a ideia de que a arte é criação de gênio, e aproximar a sua forma e conteúdo
da vida humana.
Penso a discussão da arte contemporânea fundamentada nos conceitos de espectador emancipado e partilha do sensível e nas ideias de arte e política formulada
por Jacques Rancière, a interação e a investigação se inscrevem e se orientam nas experiências das Intervenções Artísticas e Culturais do Movimento IDENTIDADES que a partir de 1996 investigadores, professores, artistas, alunos e ex-alunos da FBAUP realizam intervenções nos países falantes da língua portuguesa.
A investigação está centrada na ação artística e multicultural em Conceição das Crioulas, a procurar as narrativas contemporâneas. Procura não perder de vista
a discussão: arte em espaço público, não se trata de desprezar o valor material e simbólico das esculturas e monumentos públicos presente na história da arte,
mas também situar a interação artística no limite da ação cultural e política. Viver, ver, sentir, perceber o quilombo e aprender a colaborar, trocar experiências.
Não pretendo com a interação cultural no quilombo de Conceição das Crioulas a criação de obras de arte em si, mas inscrever a ação e o processo na possibilidade
de perceber problemas teóricos, e de metodologia da investigação em artes visuais. Perceber a interação como processos laboratoriais de partilha de cultura, de
saberes, sabores, odores e cores, promovidos em dialogo com a população pautado sempre no conceito de democracia radical.
Interromper o artístico e ir ao político no enquadramento da arte em espaço público e na interação cultural, valorizar o processo de produção coletiva e anônima
sem reivindicação de autor e autoria, o que penso estar em sintonia com Fernando Hernándes (2012) quando ele incentivou a “expandir a pesquisa em arte, atrever a compartilhar e criar possibilidades de transgredir experiência, processo e documentação” (Anotações do IV Encontro Aberto do Doutoramento em Educação
Artística FBAUP).
Metodologia empregada
Pensar e desenvolver a ação artística e multicultural como laboratório experimental. Neste sentido, Fernando Hernández (2012) disse: “é mais seguro pesquisar
aquilo que não se sabe”, e ainda, um trabalho de pesquisa descolonizada e performativa pretende: “expandir os modos de conhecer e narrar” (Anotações do IV
Encontro Aberto do Doutoramento em Educação Artística FBAUP). A metodologia assenta no campo da política e não da polícia.
A metodologia da ação multicultural atravessa a minha visão de mundo, as minhas preferências artísticas, sociais, culturais e ideológicas, é a maneira que seleciono
e organizo novas e velhas questões sobre intervenção artística em espaço público, neste sentido Jorge Ramos do Ó (2012) me incentivou “a saltar para fora do
quadro”, “a pensar para além das evidências”, “perceber o que não sabemos” (Anotações do II Encontro Aberto do Doutoramento em Educação Artística FBAUP).
O mais importante quando penso em metodologia é procurar não restringir as possibilidades de abordagens das questões a propósito da arte em espaço público:
intervenção em comunidade tradicional. Procuro criar o meu próprio percurso livre e expansivamente na direção do desconhecido. Inventar um caminho. Minha
percepção do mundo. Meu posicionamento político. Minha consciência cidadã. Minha formação. Atrever a perguntar o que não tem resposta enquanto seleciono
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
e organizo o conhecimento sobre ação multicultural.
Discussão
A discussão das questões da educação artística precisamente da investigação em arte tem como motivação o chamamento para criar “um modelo de investigação
participativa, implicada na acção, procurando uma consciência de si, actores sociais” (PAIVA, 2012, p.170). O trabalho de intervenção em Conceição das Crioulas
prioriza a criação de uma relação duradoura com os seus moradores, sendo que um dos objetivos da ação é investigar e promover a educação artística na escola
e levá-la para as casas dos quilombolas.
As intervenções são orientadas pela ideia de partilha e de reconhecimento mútuo: a principal intenção é interagir com os moradores, com a escola, com as
professoras e com as demais trabalhadoras da escola Municipal Bevenuto Simão de Oliveira; através da educação artística procuro aprender e contribuir com
a comunidade visando: “um campo de implicação, não a constituição de uma ‘classe especializada’ distanciada, mas envolvida com os ‘participantes na ação’,
constituídos por entidades singulares com voz e presença agonística”. (PAIVA, 2012, p.170).
Como escrito anteriormente o trabalho de intervenção se inscreve no campo da educação artística, não com o discurso da salvação, mas assumindo uma posição
política diante do debate da investigação em arte. É uma possibilidade/necessidade pedagógica de criar, ensinar, aprender e perceber a arte em um sítio distante
das instituições culturais hegemônicas promotoras das artes visuais como os museus e as galerias.
Na dimensão específica da ação artística em espaço público, procuro não perder de vista o discurso politizado e articulado com as reivindicações pontuais da
comunidade de Conceição das Crioulas: a luta pela posse da terra, e da conquista da dignidade quilombola, o que me leva também a dizer, “é na digestão da
angústia e na narrativa da indignação que me posiciono” (PAIVA, 2009, p.35), neste sentido, a intervenção que estou a realizar tem a fantasia de ser uma ação
solidária e de respeito cívico.
Essa discussão da pertinência de ações em comunidades rurais atravessa um dos difíceis problemas da contemporaneidade, que é o fim do campesinato e o
surgimento dos grandes aglomerados urbanos: é precisamente neste contexto que imagino o papel social, político, estético e poético das artes visuais, em comunidades tradicionais não como dispositivos para orientar, controlar, modelar e disciplinar os seus habitantes, mas sim promover uma práxis baseada no diálogo e
na colaboração entre investigador e a sociedade.
Na base do meu olhar individual assenta o movimento coletivo, heterogêneo e diversificado do IDENTIDADES que inspira a ação multicultural nas terras das
Crioulas “nesta realidade sociocultural aprendemos a distância, persistentemente ampliada, que separa a arte (no conceito erudito e cosmopolita que se utiliza
nas sociedades urbanizadas e que nos constrói) de grandes parcelas da humanidade” (PAIVA, 2011, p.35). Essa questão da exclusão de populações inteiras do
acesso dos artefatos artísticos que me faz acreditar na pertinência das ações multiculturais.
O sentido da ação em desenvolvimento no quilombo Conceição das Crioulas está justamente na fantasia de estreitar esse afastamento das instituições culturais
museus e galerias (espaços de conservação da arte hegemônica) de comunidades rurais, “a consciência dessa distância também significa, num elevado grau de
complexidade, a dificuldade e o desinteresse que existe no estreitamento dessa separação” (PAIVA, 2011, p.35). A arte como uma questão política e de distribuição
do sensível aponta na direção da redução deste afastamento.
Para finalizar, resta a esperança que a ação-coletiva multicultural equivalente a uma maneira de pensar e perceber a arte e que mobiliza meu interesse de investigação, também presente nos propositores do movimento IDENTIDADES consiga aproximar a consciência de cidadania das questões de metodologia, epistemologia e ontologia da educação artística, “e é no sentido de melhor entender esse beco de incomunicabilidade que as deslocações que realizamos se tornam
importantes na gestão individual da incomodidade que essa verdade causa” (PAIVA, 2011, p.35).
As ideias para desenvolver a ação-coletiva, partiram da expectativa, de encontrar nos moradores do quilombo e com os estudantes miúdos, adolescentes, adultos
e idosos as questões pertinentes a educação artística, não como narrativa de salvação, mas como crítica da contemporaneidade e da arte: com o seu discurso
redentor que se configura como tecnologia de disciplina, controle e poder. A grande questão aqui apresentada a respeito da ação multicultural e que não se concluiu neste texto diz respeito a uma entre as muitas possibilidades de abordagem da arte em espaço público.
Referências Bibliográficas
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Porto – Portugal: 07 de novembro de 2012.
Ó, Jorge Ramos do. Escrita do contemporâneo e a pesquisa em educação artística: os desafios de Blanchot, Barthes, Deleuze, Derrida e Foucault. II Encontro
Aberto do Doutoramento em Educação Artística. Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto – Portugal: 12 e 13 de outubro de 2012.
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PAIVA, José Carlos. ARTE\desENVOLVIMENTO. Tese de Doutorado em Pintura, defendida na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, 2009.
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
PAIVA, José Carlos e MARTINS Catarina (org) Investigar a partir da acção intercultural. ID-CAI (Colectivo de Acção e Investigação). Porto: Gesto, 2011.
PAIVA, José Carlos. Entrada de leão, saída de cordeiro. In. ID10. Com 10 anos o Identidades esclarece-se e dá-se a conhecer. Porto: Grega – Artes Gráficas,
2007.
PAIVA, José Carlos. Acção/Investigação em Educação Artística: em busca de uma narrativa renovada, implicada na construção pertinaz de uma democracia
agonística. In. Revista Invisibilidades setembro 2012.
Denílson Pereira Rosa, i2ADS – FBAUP - é Graduado em Design de Moda pela Universidade Federal de Goiás e Licenciado em Artes Visuais – Universidade Federal de Goiás, Especialista em História Cultural - Universidade Federal de Goiás, Mestre em Educação – Universidade Federal de Goiás e Doutorando
em Educação Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto – Portugal.
e-mail: [email protected]
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ENSINO/APRENDIZAGEM DE ARTE E PARTICIPAÇÃO DE JOVENS/ADOLESCENTES
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Cláudia Regina dos Anjos - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
Sandra de Fátima Pereira Tosta - Pontifícia Universidade Católica de Minas
O foco deste artigo consiste em reflexões sobre imagens que foram se constituindo ao longo da nossa prática pedagógica, especialmente da primeira autora, com
o ensino/aprendizagem de Arte e que nos estimularam a buscar uma compreensão mais situada deste campo de conhecimento, no cotidiano de uma escola da
Rede Municipal de Belo Horizonte- MG- RMBH. Compreensão esta cujo desafio remonta às imagens que constituem uma espécie de memória visual da formação
humana e acadêmica.
Assim, o objetivo geral da pesquisa na qual este texto se fundamenta, foi identificar, descrever e compreender como está sendo apropriado o ensino da Arte no
cotidiano de uma escola da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte - por nós chamada de Aquarela e, especificamente, no 3o ciclo de idade de formação,
a partir das definições, pressupostos e indicações pedagógicas presentes na LDBEN 9394/96, nos PCN/Arte e nas proposições do Programa Escola Plural. A
pesquisa buscou, desse modo, aprofundar os modos como essa escola compreende a arte como área de conhecimento e como ela se organiza para promover a
participação, reconhecimento e pertencimento das culturas dos jovens alunos no seu cotidiano. Em outros termos, buscou-se compreender como a escola tem se
apropriado da concepção da arte como área de conhecimento no âmbito de seu Projeto Político Pedagógico e no reconhecimento da importância da participação
e do protagonismo juvenil em relação às expressões artísticas. E, ainda, se as práticas realizadas são significativas e capazes de potencializarem as culturas dos
estudantes e da comunidade em que a escola está inserida.
Tratou-se de um estudo qualitativo, desenvolvido em uma escola selecionada, dentre dez outras da RMBH, que tinham em seu corpo docente pelo menos quatro
professores de Arte em sala de aula. O Estudo foi realizado entre os meses de março a agosto de 2007 e permitiu a compreensão da realidade a partir dos sujeitos estudados, no seu tempo e espaço e no seu contexto. Foram usadas as seguintes técnicas de investigação: observação sistemática do cotidiano da escola;
observação participante; coleta de depoimentos orais; pesquisa documental junto ao acervo da Escola e de outras fontes, entrevistas semi-estruturadas.
Tendo em vista os limites de um artigo, privilegiamos a discussão da participação dos estudantes no planejamento das aulas de Arte, tomando como referência
empírica entrevistas e observações realizadas com os educandos e que na redação da dissertação não foram incorporadas. A releitura do caderno de campo com
os registros da investigação permitiu-nos, dessa forma, a retomada deste material que embasou o que se segue.
Adolescências/juventudes
O tema adolescência, a priori, é pouco abordado em pesquisas na área educacional. E aqueles que abordam tal tema tratam-no pelo viés da Psicologia, que,
segundo Bock (2004, p 28), “[...] naturalizou a adolescência. Considerou-a uma fase natural do desenvolvimento, universalizou-a e ocultou, com esse processo,
todo o processo social constitutivo da adolescência”.
Parece-nos que essa perspectiva considera o sujeito como um ente abstrato, ou seja, como se anulássemos os indivíduos em suas realidades materiais e simbólicas e suas vivências. De acordo com nossa interpretação, nessa concepção a adolescência existe como uma fase homogênea do desenvolvimento humano,
como se todos agissem da mesma forma e que fosse tão somente uma fase de transição entre a criança e a vida adulta. No entanto, as observações feitas na
Escola Aquarela nos permitem afirmar que essa concepção está muito disseminada no ambiente escolar, quando, por exemplo, há um discurso recorrente que diz
da busca pela hegemonia, sobretudo, das atitudes dos adolescentes. Ao chamar a atenção dos alunos, a professora se dirigia a eles como se todos estivessem
simetricamente num mesmo plano, embora com diferentes expressões. Esta foi uma situação observada repetidas vezes.
Fato é que existem adolescências que são forjadas na história dos grupos sociais em que pese o adolescente, na maioria das vezes, ser percebido ou definido
pelo adulto como alguém indefinido que se coloca ora como criança, ora como adulto em miniatura dependendo do contexto ou situação. O que vem a intensificar
as dúvidas e indefinições que permeiam o universo adolescente quanto a seu lugar nas relações sociais cotidianas. E, é por isso, que Calligaris (2000, p. 9) afirma
que “a adolescência é o prisma pelo qual os adultos olham os adolescentes e pelo qual os próprios adolescentes se contemplam”. Isso posto,
o primeiro desafio é definir quem é jovem ou adolescente na sociedade contemporânea. Essa é, sem dúvida, uma empreitada bastante complexa,
dado que são termos densamente polissêmicos e atravessados por dimensões e mediações de múltiplas origens e datação histórica. Desde a
biológica, que emite sinais claros da passagem dos tempos da vida à dimensão cultural, que, articulada à natureza, exige sempre um pensar mais
atento e aberto a realidade. (TOSTA, 2005)
Segundo Fraga (2000) na idade média não havia precisão de anos, meses ou dias na perspectiva de desenvolvimento humano como definição e, apesar de ser
mencionada em alguns textos científicos do século XVI, a adolescência na sociedade medieval era tratada como infância, sendo que aos 15 anos o sujeito era
considerado criança grande e mais arisca. A noção de infância podia se estender até os 24 anos, quando se supunha que o sujeito deixaria de ser dependente.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
(ARIÈS apud FRAGA, 2000, p. 54). Para outros estudiosos (STENGEL, 2003; TOSTA, 2005; DAUSTER, TOSTA, ROCHA, 2012) entre as décadas 50/70 do século XX é que a adolescência começa a ser delineada como uma fase distinta, medianeira entre a infância e a maturidade. Ganha espaço nas políticas sociais,
em especial com as ações educativas específicas para esta fase bem como passa a representar uma fatia nos investimentos da indústria de bens de consumo
para os adolescentes.
Assim, no contexto de um vir a ser histórica e culturalmente, a adolescência tendo sido jogada numa espécie de tempo liminar que envolvia indefinições e expectativas de vida de adultos. Foi desconsiderada para dizer se queriam a responsabilidade de ser porta-voz dos adultos ou se queriam representar a esperança de
muitos; se tinham outras preocupações e expectativas de vida ou até mesmo se queriam aproveitar o ócio que é aceito pelo adulto como aparentemente normal
para esta fase. E, pelo que podemos observar, de um modo geral, antes mesmo de assumir um papel socialmente imposto, o adolescente perdeu o lugar de sujeito
na história, sendo deixado à margem do processo, pelo menos na possibilidade de ter voz e vez na explicitação e reivindicação de seus anseios, no caminho do
desenvolvimento humano. Dito de outro modo, e como decorrência dessa implicação, em lugar do adolescente ser tratado como sujeito imerso em uma conjuntura histórica na qual traduz dialeticamente suas contradições e possibilidades; “de modo simplificado e reducionista passa a ser pensado nos estreitos limites de
uma idade crítica, instável, “aborrescente” - discursos que por vezes são oportunamente aproveitados no ambiente escolar orientando, inclusive, investigações
educacionais” (TOSTA, 2005, p. 185).
Consideramos, portanto, que são múltiplas as vivências e identidades desses estudantes adolescentes aos quais nos referimos neste texto. Eles não estão isolados, estão situados em seus contextos e no espaço escolar não seriam diferentes. Assim, constituem-se como portadores de culturas e identidades diversas.
Adolescentes e suas relações com a escola
Observamos, em termos gerais, que há um descompasso entre a cultura escolar e as culturas dos adolescentes. Esse descompasso se manifesta na exigência
que a escola coloca para o estudante por meio das suas regras e imposições. Regras essas que para serem cumpridas exigem muitas vezes que o adolescente
“desvista” sua identidade. Segundo Corti (2001, p. 8),
a escola e sua clientela juvenil são partes indissociáveis do processo educativo, contudo, a distância entre o mundo da escola – com seu saber- regras e procedimentos – e o mundo dos alunos com suas experiências e interesses- têm proposto problemas para todos os envolvidos: profissionais
da educação, pais e os próprios jovens destinatários da ação escolar. Assim a escola passa a agir como se os indivíduos à sua frente estivessem
ali exclusivamente para aprender e, mais ainda para aprender aquilo que está nos currículos formais e de acordo como que a organização escolar
permite.
Nas sociedades contemporâneas, a inserção dos adolescentes e jovens em grupos com os quais se identificam tem se afirmado como uma característica da
juventude e da adolescência. Essa inserção se dá a partir de um sentimento de identificação e pertencimento. A dinâmica da constituição e ação desses grupos
possibilita aos adolescentes a vivência de contextos e práticas socioculturais nas quais se reconhecem como sujeitos de direito. Parece-nos que essa idéia ainda
está muito distante dos adolescentes da Escola Aquarela. Isso fica explícito quando a maioria dos estudantes ouvidos na pesquisa respondeu que não participava
do planejamento das aulas de Arte da Escola Aquarela, embora em alguns momentos a professora tenha buscado a opinião dos mesmos.
Se por um lado foi possível perceber a interação que os adolescentes têm com seus pares, por outro, detectamos a falta de conexão com a forma como os professores conduzem seu trabalho na escola e com os processos escolares. Como por exemplo, o uso do boné como parte do uniforme e as proibições a este. Com
efeito, situações como esta têm demonstrado a falta de diálogo no ambiente escolar e é uma das questões que vem mobilizando reflexões acerca das relações
entre alunos e escola e vice-versa. E suscitado indagações tais como: os adolescentes se reconhecem como sujeitos nas rotinas escolares? A escola os reconhece como tal?
Sabe-se que a participação não é uma condição natural e espontânea dos indivíduos, que por sua própria natureza são individualista e egoísta. Ela só se dará
a partir do momento em que ele percebe que a tal atitude poderá lhe trazer algum beneficio. Ou também quando grupos ou pessoas isoladas depois de terem
procurado de várias formas solucionar um problema e não obtiveram resultados satisfatórios (BAERT, 1997). Na cultura brasileira, a participação é percebida geralmente de forma limitada e limitante: “seja um bom pai de família e o resto virá por acréscimo”; “seja um bom trabalhador que os outros cuidarão de sua vida”;
“seja um cidadão que vota a quatro ou cinco anos e o Estado fará o resto”; “não participe de tudo nem busque ampliar seus compromissos isso só lhe trará dor de
cabeça” são mensagens que habitam o senso comum. E traduzem um tipo de resignação própria da cultura autoritária presente em nossa história e que, Paulo
Freire tão bem denominou de “cultura do oprimido”. Traços de uma cultura presente na escola e evidenciada em certos comportamentos docentes. Como o uso
das folhas de ocorrência (instrumento escrito utilizado para o registro da indisciplina ou violência) para intimidar o aluno.
É preciso destacar, dessa forma, que movimentos na história recente do país com participação mais ampla da sociedade foram importantes, pois possibilitaram
o surgimento de uma consciência política mais firme e crítica em busca de
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
mecanismos mais seguros de participação social1. Mas como se dá à participação dos adolescentes na escola pesquisada e como ocorre a articulação com a
escola?
Percebemos que os adolescentes, na atualidade, participam das formas mais variadas possíveis. De acordo com seus desejos, expressão artística ou inserção
na comunidade, nem sempre essas formas de participação são organizadas socialmente, ou seja, nem sempre é por meio de algum movimento organizado. Pode
acontecer, por exemplo, de acordo com nossas escutas, de forma descontínua ou pontual. Outra constatação é a participação por meio da rede que já em 2007
sinalizava para mudanças nos modos de organização de jovens. Apesar disso, a Escola Aquarela não demonstrou nenhum movimento para esse diálogo, no
tempo em que tivemos em campo. Havia na instituição uma sala montada com computadores e internet banda larga que não era utilizada. A justificativa é que a
Prefeitura Municipal não forneceu apoio técnico. Houve apenas um momento que presenciamos a professora delegar dois estudantes para pesquisar no computador da biblioteca o termo “vernissage”. Afora isso, nenhum outro diálogo com as tecnologias ou com as mídias foram estabelecidas.
Destacamos, também, que por meio das novas tecnologias e da participação em grupos de socialização extraescolares, os adolescentes ampliam as possibilidades
de identificar e expressar seus desejos, sua condição de sujeitos. Há nesse movimento um conjunto de experiências e vivências formativas e que dão
origem a formas singulares de socialização e construção de saberes2.
O ensino/aprendizagem de Arte e o estudante adolescente
O ensino/aprendizagem de Arte, na contemporaneidade, tem como proposta implicar a arte como cognição: reflexão, crítica e compreensão histórica, social e
cultural da arte nas sociedades. Essa proposta busca afirmar a abrangência cultural e se refere a um posicionamento teórico-metodológico sistematizado por Ana
Mae Barbosa (1994), conhecido entre nós por Abordagem Triangular. Em outras palavras, essa proposta quer dizer reflexão crítica e compreensão histórica, social
e cultural da arte nas sociedades e o fazer artístico. Esses elementos desenvolvidos conjuntamente e a partir/com as culturas dos sujeitos, em conexão com suas
respectivas vidas, fazem da arte sua principal razão de existir e se efetiva no processo de formação humana.
Essa perspectiva do ensino/aprendizagem da Arte ainda está em construção, pois em nosso cotidiano vivenciamos, muitas vezes, a percepção da arte como uma
exclusividade, apenas para alguns que possuem habilidade artística ou sem diálogo com as identidades e culturas dos sujeitos estudantes. Conseqüentemente,
baseada em graus de excelência pré-estabelecidos pela sociedade para trabalhos produzidos. Além disso, vivenciamos a arte meramente como técnica isenta de
contextos e possibilidades de conexões, fruições e afecção. O ensino/aprendizagem de Arte, de acordo com observações feitas durante a pesquisa, ainda está
pautado, dentre outros aspectos, na produção de trabalhos originais no seu fazer artístico. Isso, para Efland (2005), seria um ensino/aprendizagem fundamentado
em trabalhos com um grau de excelência. Isso implicaria num ensino de forma “isolada do resto da experiência, da mesma forma como, de muitas maneiras, os
objetos, nos museus, estão isolados do resto da vida” (EFLAND, 2005, p. 177).
Assim, configura-se um aspecto: o ensino/aprendizagem de Arte ainda está desconectado do contexto da vida de seus sujeitos, por sua maneira elitista de se
impor, como uma forma de excelência, como uma narrativa única e modelar para as tradições populares. Porém, é preciso destacar a presença e participação
de um movimento em que se entende o ensino/aprendizagem de Arte como uma forma de produção cultural, considerando-a e implicando-a com as múltiplas
narrativas, imagens e expressões que os sujeitos trazem para a sua experiência escolar, que se configura como sua identidade cultural ou que torna parte dela.
Implicar a arte numa produção cultural dinâmica nos possibilita repensar as formas do como e para quê ensiná-la. É nesse aspecto que a arte e a educação estabelecem conexões, pois, segundo Efland (2005, p. 187), “a meta da ensino/aprendizagem reside dentro da esfera espiritualmente cultural do indivíduo, e tem
como seu principal objetivo ‘a liberdade da vida cultural’”.
Nessa concepção, o ensino/aprendizagem de Arte é, também, responsável por potencializar o processo cultural desses sujeitos. Isso na medida em que se reconhece esse sujeito enquanto um ser de cultura, o que possibilita “compreender a relatividade dos valores que estão vinculados nos seus modos de agir e pensar,
favorecendo assim, a abertura à riqueza e à diversidade da imaginação humana”
(PCN/Arte, 1998, p. 5). Dessa forma, a dimensão social das expressões artísticas e estéticas, as artes das diferentes culturas são reveladoras “do modo de ser,
perceber, sentir e articular significados e valores que governam os diferentes tipos de relações entre os indivíduos na sociedade” (PCN/Arte, 1998, p. 6). Apesar
de não termos presenciado esse processo de implicação com as culturas dos sujeitos e nem a participação nas definições do currículo, os estudantes desenvolviam os trabalhos e, especialmente, o de pintura demonstravam alegria e prazer em realizar. Dentre várias possibilidades, percebemos aí uma predisposição dos
adolescentes em aprender e realizar as atividades propostas, sobretudo, as artísticas.
Contudo, percebemos que o grande desafio da instituição escolar é de identificar, compreender, reconhecer, valorizar e tornar visível as relações que os adolescentes estabelecem nas suas convivências cotidianas, especificamente. Em se tratando do ensino/aprendizagem em Arte, o desafio ainda é conectar com as
1 Referimos, por exemplo, ao Movimento pela Anistia e o Movimento Diretas Já e também a participação da sociedade n a elaboração da constituição de 1988, bem como a mobilização de
setores sociais na deposição do governo Collor de Mello (1990-1992).
2 A propósito, desde o ano de 2013, as mobilizações midiáticas, articuladas pela internet mostraram indubitavelmente a potencialidade dos usos da mídia e como isso reconfigura às experiências coletivas.
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culturas dos sujeitos alunos e chamá-los à participação, seja na discussão das propostas de trabalho ou na construção do currículo.
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Referências
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
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Cláudia Regina dos Anjos, Licenciada em Desenho e Plástica (1992), especialista em Arte/Educação (1994), em Educação Comunitária (2008) e Mestra
em Educação pela PUC/Minas (2008). Doutoranda em Criação, Crítica e Preservação da Imagem/EBA/UFMG. Artista e professora de Arte da Rede Municipal
de Belo Horizonte. Pesquisadora do EDUC/PUCMinas, integrante do grupo de pesquisa Ensino de Arte e Tecnologias Contemporâneas -EBA/UFMG.
e-mail:[email protected] / Tel: (31) 9955 9271
http://educpucminas.wix.com/educacaoecultura
Sandra de Fátima Pereira Tosta, Graduada em Comunicação Social pela PUC/Minas, Mestre em Educação pela UFMG e Doutora em ANTROPOLO-
GIA SOCIAL pela USP (1997). Professora titular da PUC/Minas onde atua como docente e pesquisadora nas áreas de Antropologia Urbana, Comunicação e
Educação. Pesquisa e publica sobre temas como cultura, mídia, tecnologias digitais e sociabilidades contemporâneas, Adolescência e Juventude (Identidade,
Gênero, Etnia e Corpo). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Culturas - Organizadora da Coleção Cultura, Mídia e Escola, da
Editora Autêntica.
e-mail: [email protected] / Tel: (31) 8404 2003
http://educpucminas.wix.com/educacaoecultura
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A FORMAÇÃO EM DEVIR:
ARTISTA-PROFESSOR- PESQUISADOR, OU COMO CONSTRUIR EM SI UM TERRITÓRIO NÔMADE
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Rafael de Sousa Carvalho
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – Campus Fortaleza
Introdução
Qual a primeira percepção de um estudante de Licenciatura em Artes Visuais ao chegar a uma sala de aula? O que pensar e sentir? Seria inefável, além de uma
tarefa hercúlea, voltar aos alfarrábios do tempo, junto à poeira e o vento no resgate de lembranças, mas, aqui o intento é investigar não apenas o ocorrido em
um passado, ao contrário, o mote da investigação é colocar-se em um tempo que não é do antes nem do depois, pois se trata de uma investigação que habita
um tempo de coexistência, um tempo da experiência; como numa estratigrafia: buscar entre as camadas um espaço de fronteira, de mestiçagem e neste espaço,
construir um território de formação prático- conceitual.
Realizar uma investigação que é de natureza múltipla e movente é parte de nossa tarefa, pois, estamos a falar de categorias que não são estanques, ao contrário,
carrega em sua natureza um caráter processual, onde em algum momento, o investigado é o próprio investigador. Esta relação será sinuosa e, com um itinerário
produzido pelo desenrolar dos passos, haja vista, construir um si mesmo, é tarefa provisória e conjuntural, do contrário cristalizaríamos uma ideia de formação e
cancelaríamos sua potência. Construir-se artista- professor-pesquisador, construir esta linha é parte de nossa busca e, não temos a pretensão de apontar verdades, mas, algum trajeto singular, onde as inquietudes foram mobilizadas para pensarmos neste devir, ou melhor, seria colocar como devires?
Habitar um mundo e dá-lo sentido. Elencamos para esta composição, tons – cores e acordes – que agrupados serviram de ferramentas, mas este mundo não está
para ser descoberto, contemplado, realizado, ou ainda explorado. Este mundo quer ser inventado à medida de sua experiência, conquista e criação, pois se trata
muito mais de um atravessamento que é próprio da experiência, cuja natureza não devem de uma relação entre ciência/técnica, como aponta (BONDÍA, p.20,
2002), mas, de um vínculo entre teoria/prática, e a partir disso, uma possibilidade de pensar o mundo, e em nosso caso, a educação partindo da experiência/sentido.
Sabemos que é preciso nomear o que fazemos, também sabemos designar por um nome não é apenas uma questão de partejar uma ideia, tampouco, mera
questão terminológica, ao contrário, é justamente por analisar uma conceito que sua definição é premente, definir não a fim de reduzi-lo, mas, ampliá-lo quando
possível e necessário. Assim sendo, partiremos da definição de experiência, “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que
se passa, não o que acontece, ou o que toca.” (BONDÍA, p.21, 2002). Mas como perceber a experiência aonde a informação nos chega com uma velocidade
grandiosa e não nos é permitida à lentidão, de perceber mudanças dos processos, e por vezes apenas um eixo nos é impelido, num processo onde a miríade é
cancelada, mas, seria possível romper com esta lógica tão imperativa, ou ainda, pensar numa alternativa, mínima que fosse?
Fatores objetivos, como as relações de trabalho numa sociedade de controle e de produção de mercadorias, nos impelem aos mais imperiosos jugos, pois há a
hierarquia, e outros mecanismos de controle e punição, que nos afogam com opiniões pré-fabricadas, onde a velocidade dos acontecimentos nos é generalizada e, generalizante onde o pensamento é cada vez mais apartado da cotidiana vida, e a educação também é atropelada por tais elementos que merecem uma
investigação profunda e consciente. Todavia o que pensamos é que “A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de
interrupção” (BONDÍA, p.24, 2002) e ainda mais nos faz pensar em maneiras que de alguma forma, apontam elementos para compor um gesto, ou ainda, movimentos, ou contramovimentos que operam a partir de uma lentidão, no que diz respeito ao pensar mais devagar, bem como, ouvir e ver, sentir como um intento
de contraposição, ou ainda uma contraconduta, pensada e cultivada – não como uma verdade – que seja profícua, concernente com a efetivação de um sujeito
da experiência que tem um tempo e um espaço próprio, sendo ele mesmo, uma passagem.
Sabemos que nem toda travessia é segura. A experiência pode ser perigosa, seu trajeto, um mistério, mas é este o espaço de formação e transformação, visto
que “o sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos.” (BONDÍA, p.24, 2002), e isto revela, ou ainda, faz com que pensamos
com outra vibração, como um afeto, um atravessamento, um efetivo gesto.
O lugar da experiência, é uma lugar que não é mensurado pela geografia, ou recorte físico de um espaço. O que apontamos aqui é um deslocamento de ordem
conceitual, onde o lugar é o espaço da experiência. Este território, esta prática em um espaço tem suas características que, a partir de Deleuze e Guatarri (1996),
tomamos de empréstimo – ou assalto – alguns conceitos, que, tem em sua natureza a imaterialidade, pois, não se trata de uma coisa-mesma, não trataremos de
espaço como coisa-mesma em sua essência, mas, um evento um acontecimento que podemos alocar dentro deste incorporal que é o conceito. No texto “Tratado
de Nomadologia: a máquina de Guerra” os autores colocam em oposição alguns conceitos que de alguma maneira trataremos aqui.
A exemplo, a contrapõem os nômades aos sedentários; a máquina de guerra – invenção nômade que não tem a guerra por objeto – ao aparelho de estado; o
espaço liso dos nômades (deserto, estepe, mar) ao espaço estriado dos sedentários (cidades). De maneira abreviada, podemos colocar o espaço liso do nômade,
como o fora da cidade (nomos), em oposição ao espaço estriado do sedentário, o dentro da cidade (polis). O que nos interessa ao que concerne ao espaço – liso
ou estriado – é a maneira de ocupá-lo, e qual sua relação com a escola e com o Ensino de Arte Contemporânea, e a experiência docente, e seus resultados: apontamentos e problematizações. Bem como, investigar sua relação com a produção poética, com o intuito de produzir situações e materias para posterior análise e
assim, dar continuidade às pesquisas.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Existem em cada espaço, uma maneira de comportamento, e atuação. Cada espaço com sua lógica e cada grupo com suas características próprias. O nômade
cria uma máquina de guerra como modo de resistência, uma máquina de resistência frente ao aparelho de estado, e esta lógica nômade, nos servirá de ponto de
partida, para pensar em algumas experiências em docência, sobretudo, e como essa lógica se comporta dentro de outra, ou ainda, como experimentar uma lógica
nômade dentro de um espaço que tem como mote e norte a lógica sedentária, como a escola, por exemplo.
Não se trata de criar opostos, mas intercessões, onde as duas lógicas coexistam: não se trata de opor nomos contra polis, mas, nomos na polis. Consideremos
que o espaço liso e o estriado, respectivamente, nômade e sedentário, possuem singularidades, e só existem graças as suas misturas, de maneira que um espaço
estriado pode ser revertido num espaço liso, e a volta também pode ocorrer.
Nesse espaço estriado da escola, que possui uma relação estreita com a sociedade produtora de mercadoria e tem em si um projeto cujas políticas neoliberais
fazem morada e, é um espaço portanto, estratégico para um plano macropolítico. Desenvo lver e xperiê ncias partindo da lógica nômade, é tensionar este território
e dentro de uma micropolítica, experienciar meios, modos, e através de elementos que constituam uma máquina de resistência, no chão da sala de aula.
O Curso de Licenciatura em Artes Visuais – IFCE, tem alocado em seu 4o semestre uma disciplina chamada Ateliê de Desenho, que carrega em si uma verve de
pesquisa, um pote ncial de construção poética e proporciona experiências, onde os alunos revisitam seus arquivos e o investigam, além de manter a produção
poética em movimento, todavia o viés mais profícuo deste ínterim, foi pensar o desenho como uma potência criativa e criadora. O desenho como uma experiência,
desenho como uma ação, não apenas como um modo de representar, ao contrário, o desenho como uma possibilidade de apresentar uma ideia, um artesania
conceitual, não apenas, o desenho como algo da manualidade. Desenho é uma situação de estar no mundo, uma possibilidade de habitar o devaneio, o imaginário,
sem relegar à vida sua matéria prima; o desejo. O desenho habita não só o papel, mas, o campo do possível, sobretudo, por se tratar de uma ação perceptiva,
sugere mais do que impõe, e insinua em suas linhas convites à experiência, ou convites à comunicação; desenhar é condizer. Pensar o desenho, sua materialidade e duração, seus atravessamentos com outras linguagens, e investigar sua potência fazia parte do mote da disciplina.
Outro caráter de grandiosa importância dentro do emeio da disciplina, era a apresentação de uma proposta em desenho como prática educati va. A atividade era
parte da fase final da disciplina. Propus à disciplina, um desenho que de algum modo investigasse a natureza do elemento visual linha, e seus desdobramentos
práticos-conceituais.
A proposta era de um experimento com álcool etílico, onde a linha fora feita no chão – tal experiência foi realizada no pátio do prédio do Curso de Licenciatura
em Artes Visuais – com o líquido inflamável, e, a posteriori acionando um isqueiro, a linha vinha à tona, revelando-se com fogo. A imagem resultante, que temos
durante o processo é de uma natureza movente, transitória, em formação, pois, o fogo é uma incontível revolta, efêmero e emergente, como um pensamento.
Não há como definir uma força e, nas palavras de Edith Derdyk (2010, p.184), “Sempre existe um além”. Um processo e um depois. E este processo é o próprio
desenho como experiência, que não é apenas o ato de desenhar, mas perceber-se desenhando e, de corpo todo, desenhar com todos os sentidos.
Neste mesmo ano de 2013, alguns trabalhos foram apresentados em uma exposição individual intitulada “ao desenho”. O desenho fora explorado de maneira
transversal junto à algumas linguagens, como o vídeo, a fotografia, pintura e performance. O que problematizou a instauração de desenhos em campo expandido
Fig. 1. Arquivo do Pesquisador – Desenho com fogo, 2013.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
e suas implicações em experiências estéticas, partindo de leituras como Rosalind Krauss (1984). Abaixo uma das fotografias expostas.
Metodologia
Concomitante à este processo de formação, fui bolsista PIBID – CAPES, de 2012 à 2013, no Subprojeto de Artes Visuais – IFCE. A inserção docente se deu em
uma Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio, onde as ações do PIBID se desenvolviam a partir de uma Laboratório de Produção de Imagens, que tinha
em sua composição três oficinas: desenho; pintura e fotografia.
Este período, foi profícuo, pois, além de permitir a inserção na escola, investigar o seu contexto e seus componentes, permitiu a ocupação de um espaço não antes
experienciado; a sala de aula. Este momento mostrou que a postura do arti sta -professor , e a experi ênci a como arti sta -pro fessor, proporcionou a produção de
situações e documentos que fomentaram uma pesquisa, o que nos aproxima ao pensamento de Rita Irwin (2008) que aponta, para um trabalho de artista-professor-pesquisador, onde a mesma concebe “pesquisa, ensino e produção de arte como atividades que se costuram” (2008, p.90), daí partirmos em busca de uma
atividade que seja nômade, a construção de um espaço nômade, onde a fronteira seja ponto de partida. Onde as linhas se entrecruzem.
Os trabalhos desenvolvidos na escola durante a vigência da bolsa PIBID, tinham uma verve experimental, desde, seu planejamento à sua execução, pois, experimentar, sobretudo em desenho, era palavra chave, criando assim um espaço dentro do espaço. Em dado momento da pesquisa, ocupamos o espaço com fios
Fig. 2. Arquivo do Pesquisador – Desenho com luz, 2012.
de lã, no pátio da escola, ou ainda desenho com luz, em um procedimento fotográfico de longa exposição.
Nesta experiência pudemos pensar a materialidade do desenho e experimentá- lo de outra maneira. Bem como o seu modo de execução que, exige outra postura
do corpo, outra ação, outra intencionalidade. Quem desenha é o próprio corpo.
Outra experiência em desenho cuja execução fora pensada para levantar questões sobre o desenho e seu lugar de apresentação e feitura, se deu com fita adesiva
preta em um local não habitual. O local coligido foi um muro da escola e a proposta era desenhar figuras geométricas com pedaços de fita de 50 cm. Ao fim, os
pedaços de fita se expandiram como o espaço do desenho e seu material. Esta relação tornou o desenho um e outro ao mesmo tempo.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Fig. 3. Arquivo do Pesquisador – Desenho com luz, 2012.
Resultados e Discussão
Ao propormos experiências em desenho que pensem em sua natureza, seus materiais, sua sintaxe, sua duração, e, local de experiência, propomos uma experiência também em Ensino de Artes Visuais, em primeira instância, nos forjamos como proponentes de poéticas e depois proponentes de experiências em ambiente
escolar, o artista-professor que a partir destas experiências, fomenta uma pesquisa e a formação do artista-professor-pesquisador, pode então ser construída,
evidente que o conhecimento e nossa relação com o mesmo é movente e provisória. As ideias são forças e construir um espaço vivo na escola não é um desafio,
mas, um chamado, pois nela é possível fomentar um desejo de mudança e tão somente dentro dela será possível propor, e, pela experiência em sala de aula,
tornar possível uma existência que seja criativa e criadora, assim, cria ndo uma máq uina de resistência, operando na micropolítica, em relações rizomáticas,
onde as singularidades e diferenças sejam respeitadas e que cons truamos modos de vida, o nde possamos proliferar o pensamento, contudo não apontamos
uma resposta que seja revo lucionária, o u ainda pior, dotada de verdade. Temos ainda mais problematizações e nomadismos. Além de um desejo que vibra como
uma linha, como uma vida, como uma paixão. O que movimenta a pesquisa é a busca por novos movimentos e a instauração de experiências transformadoras.
A escola não é uma sentença, mas, uma centelha.
Referências
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
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da Arte e Arquitetura no Brasil, Rio de Janeiro: PUC-RJ, n. 1, 1984.
Rafael de Sousa Carvalho, Graduando em Licenciatura em Artes Visuais, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. Foi bolsista
do Programa de Iniciação à Docência – CAPES – de agosto de 2012 a janeiro de 2014. Desenvolve pesquisas em desenho tendo realizado exposição individual
em 2013, concomitante à formação. Atualmente leciona em escola da rede pública estadual, onde dá continuidade às pesquisas em docência.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
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TEMPO ENTRE ESPAÇOS:
(RE) CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE PINTURA NO CAMPO EXPANDIDO
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Maxiane Ferreira Freitas
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – Campus Fortaleza
Introdução
Este artigo apresenta uma (re)construção e reflexão sobre o conceito de pintura que foi desenvolvido ao longo da disciplina de Projeto Autoral de Pintura do curso
de Licenciatura em Artes Visuais, no ano de 2013. A disciplina tinha como ponto de partida uma pergunta: O que é pintura? Ao longo deste artigo será apresentado um trabalho de minha autoria construído no período da disciplina, bem como as questões que foram de fundamental importância para estabelecer a relação
com a pintura de forma a pensá-la em outros contextos. Levando em consideração tanto o espaço, quanto o tempo em que se encontra. Por tempo entende-se
não somente o cronológico, mas também o contemporâneo. O tempo neste trabalho é de fundamental importância, pois é a partir dele que discorro sobre essa
vivência na disciplina, bem como a relação existente na formação do artista-professor- pesquisador e da atuação como bolsista ID (Iniciação à Docência) no PIBID - Programa de Iniciação à Docência.
Pensar em pintura e relacioná-la com tintas, pincéis e quadros, talvez seja a noção que vem à cabeça de imediato, isso se estamos lidando com o óbvio. Se trouxermos pintura para nosso tempo e a contextualizarmos, nós nos indagaremos sobre a forma de fazê-la e podemos começar a trilhar por outros caminhos, nos
quais pincéis são conceituados, nos quais a cor habita outros espaços e os quadros são o tempo. Não é objetivo deste trabalho discutir sobre a pintura como obra
de arte e sim conceituá-la no tempo contemporâneo e cronológico, Wollheim afirma:
Pois o que torna pintura uma pintura é o que o artista faz, não o que ele diz. O que importa é o que ele faz. O que o artista diz, neste como em tantos
outros contextos, é mera informação, e informação comprometida, do que ele fez ou fará. (WOLLHEIM, 2002 p.15)
Esse pensamento está centrado na forma tradicional e antiga de se fazer pintura. Contudo, o ato de fazer tem sua relevância, mas não dissociado de alguns conceitos referentes ao tempo em que se encontra. Na contemporaneidade essas informações, ou seja, o discurso sobre o que se faz ganha total destaque, de tal
modo que se faz necessário para existir, dessa forma “e sendo o ser humano um ser discursivo, criado ele mesmo pela linguagem”, a construção e a afirmação
deste discurso ganha seu destaque. O discurso fundamenta a Arte como Ideia e não a Arte como ação “na Arte como Ideia, a sensação deu lugar ao conceito, e
na Arte como Ação, a matéria transformou-se em energia e movimento tempo.” (ELIAS, VASCONCELOS, 2009). O trabalho desenvolvido na disciplina está munido destes conceitos. Levados para o campo expandido da pintura. Com o tempo foram surgindo críticas contra uma arte que se construía em cima de objetos
variados e formulada em uma conceituação, pois “categorias como escultura e pintura foram moldadas, esticadas e torcidas por essa crítica, numa demonstração
extraordinária de elasticidade, evidenciando como o significado de um termo cultural pode ser ampliado a ponto de incluir quase tudo.” (KRAUSS, 1994 p.129).
Com base no trecho, as possibilidades de se pensar e de se construir o conceito de pintura são infinitas e se levando em consideração o tempo e o campo expandido, que é evidenciado neste trabalho.
Metodologia: (RE)Construção do conceito de pintura
A disciplina Projeto Autoral de Pintura foi organizada com leituras pontuais; seminários; conferências; colocações sobre a temática contemporânea e ainda com
duas exposições coletivas que tiveram como norte as discussões em sala de aula sobre o que é pintura. Foi sugerida a apresentação desses questionamentos em
um vídeo de até 12 (doze) minutos de duração e livre formato, que respondesse a pergunta de partida. De início fomos questionados com a seguinte pergunta: “o
que é pintura para você?” Depois da pergunta vários questionamentos surgiram, pois o que parecia tão óbvio era complicado de responder. Percebi que não sabia
responder, ou mesmo descrever algo concreto sobre pintura. Pouco depois de feita essa pergunta e das reações terem sido adversas, foi-nos solicitado um texto
no qual nós responderíamos a pergunta de partida com uma metáfora escrita e que foi desenvolvida em uma pintura em movimento com duração de 30(trinta)
segundos, um pequeno vídeo. Foi então que me vieram à cabeça pintura e tempo. A pintura nada mais é que uma obra do tempo, que se dá com o tempo, sobre
o tempo. Na metáfora, foi apresentado um vídeo com a vista de um retrovisor de carro que percorria a cidade em um dia normal. Dessa forma, consegui expressar
o que pensava sobre pintura naquele momento. A pintura como uma construção que é formada com o passar do tempo. Dessa maneira, mudanças acontecem e
dão formato imagético ao que se quer expressar. O retrovisor mostrou o que ficou para trás, lugares por onde passei ou que passaram por mim, pois isso depende da interação tida com cada espaço. O trânsito está sempre em movimento, mesmo parado tem a ânsia de estar em movimento, consiste de ultrapassagens,
mudanças de faixa, curvas, paradas em semáforos, retornos. Para ser mais, pontual indica mudanças e caminhos escolhidos, assim como a relação artista/ professor/ pesquisador, assunto que foi abordado em sala de aula a partir de um texto de Rita Irwin (2004) de nome “A/r/tografia: uma mestiçagem metonímica” que
aborda justamente a questão de tratar de conceitos da arte, fala ainda que “artistas- pesquisadores-professores são habitantes dessas fronteiras ao re-criarem,
66
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
re- pesquisarem e re-aprenderem modos de compreensão, apreciação e representação do mundo”. É possível destacar esse ponto como uma série de escolhas
feitas à medida que vai se trilhando um caminho que nem sempre está determinado. Nesse percurso sempre existirá um passado que interpreto como referências
que serviram para fazer escolhas, mas que são deixadas para trás, mas não pelo fato de não servirem mais e sim pela necessidade de reformulá-las e as situar
no momento atual, ou seja o presente real.
Os discursos elaborados nessa primeira reflexão sobre pintura foram embasados por discussões acerca de um artigo intitulado: “Foucault, a Arqueologia do Saber
e a Formação Discursiva” (GIACOMONI & VARGAS, 2010). A partir de então se pode elaborar melhor uma defesa sobre o que se pensava a respeito de pintura. Foi montada uma primeira exposição, esta foi organizada pelos alunos e esteve exposta no corredor do primeiro andar do Instituto Federal do Ceará, anexo
Aldeota. A curadoria, assim como a montagem foi feita pelos alunos da disciplina, juntamente com o professor da mesma. Nessa primeira exposição, apresentei
uma imagem (figura 1) do nascer do sol, vista do ângulo do retrovisor de um carro. O Registro era o nascer do sol, pois conforme o tempo passa aparece no céu
tonalidades de cor que são originadas naturalmente por um contraste de claro e escuro. A relação estabelecida entre a ausência de luz e a delicada chegada dela
mostra uma composição imagética de cores e passo a denominá-la como uma pintura que acontece no tempo e com tempo.
Figura 1: TEMPO, Fotografia, 2013
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora Maxiane Freitas.
Nesse período, a noção de pintura era relacionada ao tempo, e à medida que foi dando continuidade às discussões na disciplina essa ideia foi se solidificando e
buscando outras possibilidades para que se pudessem elaborar composições imagéticas relacionadas ao tempo, com o tempo, no tempo. Os conceitos de campo
expandido abordados na disciplina através de conferências apresentadas pelos alunos foram de fundamental importância para situar o trabalho nesse meio. A
partir do texto “Desmaterialização e Campo expandido: dois conceitos para o Desenho contemporâneo” (ELIAS & VASCONCELOS, 2009), percebi o quanto os
conceitos abordados pelas autoras se encaixavam na pesquisa que estava sendo desenvolvida.
A experimentação começou a ter um destaque, algumas ideias e resultados foram colocados em uma nova exposição, desta vez virtual (disponível em: http://pinturaautoral.tumblr.com). Apresentei três trabalhos que fizeram uma ligação com a imagem apresentada na primeira exposição. Dessas três escolhi uma imagem
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
(figura 2) para ilustrar o trabalho que fui aprimorando e desenvolvendo a partir do ponto de ângulos de visão de espelhos, movida pela ideia inicial da imagem
vista pelo retrovisor. Com essa imagem trago o tema Tempo em sua transitoriedade, na transição do fim do dia e início da noite, vistas diferentes apresentadas
em uma composição dentro de uma só imagem. O cenário é a Ponte Metálica na Praia de Iracema, Fortaleza-CE. A relação de cores no céu se mostra delicada
e contrastante, tem uma singela relação de claro e escuro, ou melhor, do fim do dia e início da noite.
Figura 2: Tempo IV, fotografia, 2013
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora Maxiane Freitas
Com os trabalhos em desenvolvimento, comecei a pesquisar alguns teóricos que abordam a pintura. Reconheço que essa disciplina foi bem fundamentada e que
foi abordada de tal forma que despertou um interesse em desenvolver esse trabalho. Em busca de respostas para as perguntas, que no início pareciam tão confusas, agora pude enxergar um caminho para possibilidades mais claras e perceber uma evolução até no modo de ver a educação dentro das escolas. Não só na
disciplina de Artes, mas em todas, pois existe uma interdisciplinaridade que é abordada e que existem inúmeras possibilidades no campo expandido. Quando se
percebe a pesquisa dentro de um campo no qual as possibilidades a fazem e a constroem é como se tudo se encaixasse, de tal forma que trechos que antes não
tinham qualquer vinculo com a pesquisa passam a fazer parte dela, pois há um encontro do autor com sua pesquisa que, a meu ver, é um auge da total inserção
e vivência dentro da pesquisa que nos possibilita.
O tempo é para os que são ditos pintores contemporâneos um representante fiel do que fazem, esse tempo está sempre em constante movimento, ou seja, não
para. Com essas reflexões a ideia de se fazer uma pintura em movimento se torna válida. Benjamin afirma:
O pintor observa em seu trabalho uma distância natural entre a realidade dada a ele próprio, ao passo que o cinegrafista penetra profundamente
nas vísceras dessa realidade. As imagens que cada um produz são, por isso, essencialmente diferentes. A imagem do pintor é total, a do operador
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
é composta de inúmeros fragmentos, que se recompõem segundo novas leis. (BENJAMIM, 1994 p. 187)
Cinema e Vídeo são duas linguagens distintas, porém o conceito abordado por Benjamin é relevante para o vídeo também, por se tratar de inúmeros fragmentos de imagens. Dessa maneira começa a ser construído um conceito em cima do que se tem como imagem em movimento. A pintura apresentada na forma de
registro fotográfico nada mais é do que um fragmento de um movimento, pois o tempo está sendo levado em consideração. Pensar a pintura em movimento, e
colocá-la em um vídeo não é absurdo. O conceito de pintura criado antigamente começa a quebrar barreiras e se adequar ao tempo presente em que se encontra.
Se vivermos e utilizamos cada vez mais as mídias digitais, de maneira que a produção de imagens cresce a cada dia, sentimos a necessidade de nos adaptar a
elas. Cattani afirma:
Existe, atualmente, uma produção artística marcada por dois elementos, aparentemente antagônicos: de um lado um recurso cada vez mais freqüente às novas mídias e a tecnologia de ponta, que está construindo uma nova visualidade, não só na arte, mas no social como um todo;por outro
lado, todos os revivals, releituras, recursos diversos do passado, outo-referências, que marcam sobretudo o que se convenciona chamar de pósmodernidade na arte (CATANNI,2002 p.41)
Muito do que existe hoje está concentrado nas mídias, o que fazemos são releituras do que foi feito anteriormente. O que temos em mente é um passado que se
adequa ao tempo presente.
Resultados e Discussão: Tempo em movimento
A construção do vídeo, ou melhor, da pintura em movimento encerrava a disciplina. Nele deveríamos responder a pergunta de partida: “O que é pintura?”, de acordo
com os trabalhos desenvolvidos durante a disciplina. Os pequenos recortes coletados para a construção do um vídeo se restringiam a vista do retrovisor, tanto
na cidade aparece o trânsito mais conturbado, como na estrada sem muita civilização por perto, na qual o destaque maior é a vegetação. Apresentava também
as imagens desenvolvidas e construídas ao longo do semestre e alguns recortes de pores do sol. Em especial na fase de lua nova, pois com a utilização de um
espelho consegui colocar a lua e o por do sol em um mesmo quadro e assim evidenciar a passagem do tempo. O fim do dia e início da noite, em que o céu é o
suporte do quadro, a delicada chegada da noite com o por do sol são as cores e o tempo se encarrega de compor a pintura, e exerce a função de pincel.
O vídeo construído tem a duração de 8 (oito) minutos e 16 (dezesseis) segundos, foi pensado de forma que evidenciasse a passagem do tempo, pois é o que dá
nome ao trabalho. Não contém fala, somente uma sonoridade que se encaixa perfeitamente com as imagens em movimento que vão sendo mostradas. A ideia
principal foi à passagem do tempo e sua relação com o passado, presente e futuro, foi construído de forma a enfatizar a passagem de um dia, desde o nascer do
sol até a chegada da noite. A luz juntamente com o tempo e os diferentes espaços de coletas de imagens compuseram o cenário do vídeo.
A pintura é uma linguagem em constante (re)construção, as maneiras e conceitos que abordamos na atualidade fazem com que ela tome várias vertentes e se
debruce sobre outras linguagens. O campo expandido é gerado por um conjunto de problematizações que abrange não só pensar a pintura, mas as demais linguagens. Foi preciso, primeiramente, tomar conhecimento do conceito que se tinha de pintura para então (re)construí-lo no tempo em que nos encontrávamos.
Entre o espaço da escola
Levar uma prática dessa natureza para a sala de aula é uma experiência que completa o tripé defendido aqui, artista-professor-pesquisador. Como aluna Bolsista
ID do PIBID, pude vivenciar esses meios. Com a simples proposta de produção de imagens a partir de diferentes ângulos de espelhos foi composta a aula. No
início os alunos acharam curioso e um pouco estranho o fato de olhar para o espelho e achar um ângulo que agradasse, mas aos poucos eles foram moldando
uma forma que os agradasse. Em um momento da aula, propus que eles compusessem imagens, de tal forma a transportar um lugar para o outro. Reconheço
que os melhores registros começaram a surgir a partir dessa proposta. Desde o início da aula havia explicado para o grupo, que era composto por 5 (cinco) alunos que o trabalho se tratava de uma pesquisa iniciada em uma disciplina da faculdade e que tinha como objetivo discutir a pintura e que nossas composições
deveriam ser vistas como pintura. Como o grupo era pequeno foi mais fácil dar atenção. As composições me agradaram muito, em especial uma que transportava
o céu para a terra (figura 3).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Figura 3: sem título, fotografia, 2013
Fonte: Acervo da oficina Experimentando Artes Visuais - PIBID
Referências
ELIAS, Helena, VASCONCELOS, Maria. Desmaterialização e Campo expandido: dois conceitos para o Desenho Contemporâneo. CICANT Centro de Investigação em Comunicação Aplicada e Novas Tecnologias, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias – 8o Congresso LUSOCOM – 2009.
BARBOSA, Ana Mae; AMARAL, Lilian (orgs). Interterritorialidade: mídias, contextos e educação. São Paulo: Ed. SENAC, São Paulo, 2008.
BENJAMIN, Walther. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios Sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo, Brasiliense, 1994.
CATTANI, Iclea Borsa. Arte contemporânea: o lugar da pesquisa. In: BRITES & TESSLER. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS.2002.
GIACOMONI, Marcelo, VARGAS, Anderson. Veredas ON LINE – Análise do Discurso – 2/2010, P.119-129- PPG LINGUÍSTICA/UFJF- JUIZ DE FORA.
KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. (Tradução de Elizabeth Carbone Baez). Gávea: Revista semestral do Curso de Especialização em História
da Arte e Arquitetura no Brasil, Rio de Janeiro: PUC-RJ, n. 1, 1984.
PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. São Paulo, Editora Senac,2003.
WOLLHEIM, Richard. A pintura como arte. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
Maxiane Ferreira Freitas, Graduanda em Licenciatura em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. É bolsista do
Programa de Iniciação à Docência – CAPES – desde setembro de 2013. Desenvolve junto ao subprojeto PIBID - Artes Visuais pesquisas em uma escola de
ensino básico de rede pública.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
PESQUISAS E PRODUÇÃO ENQUANTO ESTUDANTE DE ARTES
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Andréa Sobreira de Oliveira / Petrônio Sampaio de Alencar
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC / Universidade Regional do Cariri - URCA
Resumo
As vivências enquanto estudante de artes visuais onde a partir das pesquisas que vão sendo desenvolvidas no decorrer do curso começam a encaminhar exercícios práticos nas disciplinas que acarretam em futuros projetos, e ajudam a encontrar foco de pesquisa em artes visuais, as pesquisas são fundamentais pra
obter amparo teórico, referenciais de artistas e desenvolvimento de trabalhos produzidos no curso. As disciplinas praticas fazem com que seja possível entender
de maneira prática as técnicas em artes o que possibilita surgir pesquisas de experimentos vivenciados originando projetos em/de artes.
Palavras-chave: pesquisa, artes visuais, xilogravura, feminismo.
Abstract
The experiences as a student of visual arts from the research where they emerge during the course start forward practical exercises in courses that lead to future
projects, and help you find focus of research in visual arts, research is fundamental to obtain theoretical shield, benchmarks and development of artists of works
produced in the course. Disciplines practices make it possible to understand in a practical way in the technical arts which enables experienced research experiments
arise yielding projects / arts.
keywords: research, visual arts, engraving, feminism.
Introdução
As indagações recorrentes enquanto estudante de Artes Visuais são muitas e parecem se multiplicar nas discussões internas e externas que vão aparecendo
durante as disciplinas, contrastante ao ensino regular que normalmente não impulsiona o aluno a se questionar e se indagar com questões presente em seu contexto, o que poderia colaborar de maneira significativa para compreender os conteúdos abordados em sala, consequentemente o aluno se torna castrado em se
posicionar de maneira critica expondo suas idéias.
Discorro previamente sobre tal questão por fazer parte da minha trajetória estudantil, onde grande parte dos professores que tive no ensino fundamental e médio
apresentou uma metodologia engessada e moldada a padrões estabelecidos por manuais descontextualizados para nossa realidade, o que se diferiu bastante
na faculdade onde os professores mostram interesse em sua fala e trajetória construindo uma contextualização do que é vivido em sala e fora dela, daí ver-se a
importância de colocar, enquanto artista, as minhas pesquisas e foco de trabalho.
O grupo de pesquisa, do qual faço parte, Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC foi e esta sendo um dos impulsionadores
para que se pense enquanto artista visual a minha produção e pesquisa em artes visuais, então as vivências, indagações, problematizações atuais que se notam
na sociedade em que me situo se tornam caracteres a serem problematizadas nas minhas produções em/de artes visuais.
Pesquisas
Uma das pesquisas que tenho por foco é a mulher e as várias questões que a cerca, sendo uma vitima constante da mídia e ainda havendo a desigualdade
presente entre os sexos, a mulher se torna alvo em vários aspectos, sendo umas das questões que problematizo nos meus trabalhos, me sentindo e estando na
condição de mulher e artista sinto a necessidade de estar contribuindo com minhas produções. Ao começar pesquisar sobre a mulher vai ficando cada vez mais
clara a ausência da figura feminina no contexto da arte. Quando se pesquisa artistas mulheres que fizeram parte da história da arte são mínimas suas aparições, o
que dificulta quando se quer pesquisar a produção feminina. Sabendo que a história da sociedade foi essencialmente escrita por homens, como pensar o contexto
em que a mulher se situava, e quais as proximidades das histórias que nos são apresentadas com a realidade do período em questão? Como bem se coloca na
fala da Berenice Sica:
As mulheres de sociedades passadas e atuais têm uma real desvantagem na vida social, pelo caráter historicamente masculino da civilização: estado, leis, moral, religião, literatura, ciência, normas e padrões, criação, tudo originando-se essencialmente do masculino. A criação artística contribui
para a denúncia da opressão feminina, ajudando a transformação do papel da mulher ao longo da história. (SICA. 1995, p. 20).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Passando de musas a artistas as mulheres no decorrer da história da arte sofreram muito preconceito por quererem transferir sua condição de musa a produtora
de arte. Muitas que produziram foram deixadas de lado, sendo ignoradas pois normalmente não seria aceita a produção artística vinda de uma mulher. Um exemplo é a artista veneziana Marietta Robusti situada no Séc. XVI que mesmo tendo uma produção artística importante, teve seus trabalhos ignorados nos registros
da história da arte. Filha de Tintoretto, importante pintor italiano famoso por se utilizar da perspectiva e do uso de luz e sombra um dos percussores do barroco,
os registros sobre Robusti são mínimos. Esse é um dos exemplos de vários que são encontrados na história da arte. Estão surgindo mais pesquisas sobre a
presença feminina no decorrer da história da arte, e o que vem sendo notado cada vez mais é a colaboração feminina com suas produções que muitas vezes são
esquecidas e ignoradas, substituídas muitas vezes por autores homens ao invés da real autora do trabalho.
Na história da arte, a mulher artista, carrega a carga dos valores construídos a respeito da mulher como objeto de contemplação e desprovida de
“talento”. Podemos relacionar este fato, ao caso que encontramos mencionado em Chadwick (1992: 7), da Royal Academy Britânica (1768), onde
as artistas Angélica Kauffmann e Mary Moser, participantes da academia, são representadas como “pinturas” na pintura de Johann Zoffany que
retrata os membros desta academia (mulheres como objeto de contemplação).
(HORN. 2006, p.307)
Durante as disciplinas vão surgindo os referenciais quanto a técnica, estética e temáticas a serem abordadas nos trabalhos, então pesquisas e problematizações
vividas em disciplinas já cursadas e que estão em processo começam a dialogar, o que acarreta na produção de trabalhos de arte.
No ano de 2013 foi possível acontecer minha primeira exposição individual a partir de um projeto desenvolvido pelo Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ensino da
Arte- NEPEA do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes Gervaiseau, sob a coordenação do Professor Doutor Fábio Rodrigues, juntamente com o Centro Cultural
Banco do Nordeste do Cariri - CCBNC. Minha proposta de exposição surgiu a partir de um experimento durante a disciplina de desenho I, trazendo um desenho
a grafite que tinha por tema uma figura feminina desenvolvi mais cinco esboços, que posteriormente se tornaram pinturas a óleo, de tamanhos superiores a A4,
dimensão a que estava habituada. Explorei as questões que vivo, e muitas vezes sou obrigada a viver e que muitas outras mulheres também são; desde a mídia
que esta sempre fazendo da mulher uma vitima da ditadura da beleza até os assédios que as mulheres sofrem constantemente quando estão transitando pelas
ruas; tinha por objetivo problematizar tais questões a cerca da mulher, trazendo a estética vintage com as figuras das pin’ups, mas com um discurso contemporâneo. Experiência de pesquisa e pratica que contribuiu bastante como artista/professora/pesquisadora de artes.
A produção da disciplina prática da qual eu parto no curso de Licenciatura em Artes Visuais Reitora Violeta Arraes Gervaseau pela Universidade Regional do Cariri URCA, curso no qual faço parte, possibilita o experimentar e desenvolver projetos de Artes Visuais, trazendo como foco a produção na disciplina de Gravura I
com o professor Petrônio Alencar. Foi proposta a experimentação da xilogravura, processo onde a madeira é uma matriz que segue um desenho a ser entalhado,
depois sendo feito a impressão com o auxilio de uma prensa e com tinta especifica em suportes variados; técnica bastante presente na região local de Juazeiro
do Norte – CE.
De inicio, na disciplina foi vista a parte teórica, onde foi possível conhecer materiais e procedimentos necessários na confecção da xilogravura, técnica bastante
antiga onde aponta ter sua origem na China séc. VI, e teve grande presença na Idade Média, mas que hoje ainda é bastante visualizada sua produção. Houve
o privilégio do curso de Artes Visuais estar situado dentro do mesmo prédio que abriga a Lira Nordestina, um dos mais importantes espaços de produção de xilogravura da região Nordeste do Brasil, onde existe a produção da técnica em diversos suportes. Durante a disciplina foi possível ter um maior conhecimento de
métodos na xilogravura com o auxilio de um dos xilógrafos residente da Lira, José Lourenço.
Após um prévio conhecimento técnico da linguagem da gravura1 houve a compra de materiais para produção da xilogravura e a primeira parte do processo se
iniciou com o desenho esboçado (o desenho é uma das técnicas que serve de base para muitas áreas das artes visuais como, pintura, animação, escultura, instalação, modelagem, Histórias em quadrinhos etc.). Posteriormente ao estudo de esboço o desenho é passado para a madeira onde se inicia o entalhe, parte mais
delicada do processo, por último sendo feita a impressão. Inicialmente optei por uma figura mais simplificada para me inteirar mais com a técnica que até então se
apresentava estranha a mim, depois de experimentar duas matrizes de xilogravuras decidi abordar a temática que tem sido parte de pesquisas realizadas durante
o curso, o feminismo, onde trago questões que me intrigam e questionamentos com relação à mulher e o seu papel atual; sendo mulher e artista vejo importância
em abordar tal pesquisa, e elaborar projetos que tragam a temática em voga.
Em seu artigo sobre a produção feminista das mulheres nas Artes Visuais Andréa Senra Coutinho cita:
1 Gravura é o termo que se designa, em geral, desenhos feitos em superfícies duras – como madeira, pedra e metal – com base em incisões, corrosões e talhos realizados com instrumentos e materiais especiais. Ao contrario do desenho, os procedimentos técnicos empregados na gravura permitem a reprodução da imagem. Nessa medida, uma gravura é considerada original
quando o resultado direto da matriz criada pelo artista que com essa base imprime a imagem em exemplares iguais, numerados e assinados. Em função da técnica e do material empregados,
a gravura recebe uma nomenclatura especifica: litografia, gravura em metal, xilogravura, serigrafia etc.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Algumas artistas partem por produzir obras que representam ou evocam simbolicamente experiências corporais e rituais femininos, outras direcionam sua produção para as questões políticas e sociais, sendo contra o racismo, a violência e todas as imposições sofridas pelas mulheres. Há
também uma linha autobiográfica, nesta perspectiva as obras revelam a história de vida da própria artista, as vivências pessoais e a intimidade são
transformadas em experiência estética. (COUTINHO. 2010, p. 3)
A partir das discussões em sala vê-se a importância de se problematizar o contexto que me situo e ele estar inserido nas pesquisas para minhas produções em
disciplinas, para que tais produções não se distanciem das minhas vivências, e indagações. Por ser um lugar que foi colonizado, e ainda está sendo, vê-se muito
a importância do outro e do que está mais distante de nós. Um exemplo são os livros didáticos que geralmente são distribuídos nas escolas públicas, muitos são
extremamente carregados de referências e imagens advindas do exterior, como citar as festividades no natal inserindo bonecos de neve, algo que está impregnado
no imaginário de todos que estão embebidos pela cultura estrangeira, principalmente norte-americana. Então não deve ser ignorado o contexto e vivência a qual
fazemos parte, e pensar sobre isso de maneira crítica.
Produção da disciplina
Durante o processo de produção busquei por referenciais para auxiliar na elaboração do desenho para a matriz xilográfica, encontrando uma fotografia para referência, produzi um desenho pensando na melhor maneira de ser trabalhada com a técnica da xilogravura, e produzi uma frase que estaria ao lado da imagem,
a frase faz uma metáfora com relação ao machismo, e dialoga com a figura feminina que esta situada ao lado, como é visto na figura 1 e 2.
Figura 1: SOBREIRA, Andréa. 2013 , matriz xilográfica.
A matriz é feita com um pedaço de madeira, normalmente se opta por uma que se apresente mais macia. A que foi usada na matriz da figura 1 tem por nome imburana, madeira bastante macia que não é encontrada tão facilmente, as regiões frias normalmente não abrigam esse tipo de arvore, e o período de tempo para
ela ficar pronta para corte e se fazer a xilo é na média de 15 anos, o que dificulta encontrar tal madeira.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Figura 2: SOBREIRA, Andréa. Eu trago teu preconceito, e tu aguentas a fumaça. 2013, xilogravura.
Uma das dificuldades que foi superada foi o efeito espelhado que existe na xilogravura, o texto tem de ser entalhado de maneira invertida para quando for impresso
ficar da esquerda para direita (escrita ocidental) para ser possível se fazer leitura. Como é notado na figura 1 e 2, aparecem mínimas falhas que é comum acontecer
na xilogravura por ser um material retirado da natureza e ter variações, podendo ter falhas e desníveis, mas não interferiu de maneira significativa no meu trabalho.
Existe uma grande produção de xilogravura na região do cariri cearense a qual serve de referencial para muitos que pesquisam a técnica da xilogravura. Um dos
espaços onde mais se produz é a Lira Nordestina, como já foi citado anteriormente, onde existe a produção de cordéis e xilogravura em vários tipos de suporte.
Os trabalhos geralmente feito por encomenda retratam cenas bem tradicionais que fazem referencia ao sertão. Xilógrafos do Crato (Xicra)2 é outro grupo que
produz xilogravura, mas que dialoga muito com o meio urbano e intervenções, como é visto na figura 3.
2 Mais informações: http://xicra.wordpress.com/intervencoes/assim-como-era-no-principio/
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Figura 3
Conseguindo ampliar o uso da xilogravura, como se vê na figura 3, os artistas estão fazendo a aplicação do lambe3 que foi obtido através da impressão da xilogravura. O processo inicial continua sendo o mesmo de sempre, se constrói o desenho e o entalhe na madeira, depois se aplica a tinta especifica na técnica, que
depois é impresso em folhas de papéis, sendo recortados e colados em paredes pela cidade, em forma de Lambe. A xilogravura então se torna o meio de produção para esse trabalho, a intervenção urbana com o lambe é processo final de trabalho, sendo efêmero por estar situado na cidade e normalmente acontecer a
interferência da natureza como chuva, ou do homem, podendo ser retirado da parede.
Conclusão
A disciplina de Gravura I já fora encerrada, e a matriz que foi apresentada juntamente com a impressão já foram avaliadas, mas as experimentações e pesquisas
serão continuadas. Agora com o conhecimento da gravura em madeira é possível experimentar a técnica; nota-se então a importância do domínio da técnica
artística, enquanto estudante de artes visuais. Para a elaboração desse trabalho foi imprescindível às orientações do professor Petrônio juntamente com o xilógrafo José Lourenço, que puderam apresentar uma técnica até então desconhecida para mim. A partir da técnica conhecida foi possível trazer para a xilogravura
discussões em torno da mulher, uma tentativa de problematizar uma questão que é bastante intrigante para mim enquanto mulher e artista. Vê-se então a arte
como uma ferramenta para problematizar e inquietar, como se encontra na fala de Ana Mae Barbosa:
[...] é possível desenvolver a percepção e a imaginação para apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo
analisar a realidade percebida e desenvolver a capacidade criadora de maneira a mudar a realidade que foi analisada. [...] (BARBOSA. 2005 p.100).
Além do caráter estético onde pode ser apreciado gerando sensações, as manifestações artísticas podem provocar reflexões e problematizações diante de inúmeras questões, onde cabe ao artista fazer o uso de tais ferramentas, produzindo ações que possam instigar a quem se depara com o objeto apresentado.
Referencias Bibliográficas
3 Pôsteres artísticos de tamanhos variados que são colocados em espaços públicos. Podem ser pintados individualmente com tinta látex, spray ou guache ou ser feitos em série com reprodução através de copiadoras ou silk-screen, também são chamados de lambe-lambes cartazes com finalidades comerciais que normalmente divulgam shows musicais de casas noturnas. Estes
são elaborados, reproduzidos e colados por firmas ou agências de publicidade especializadas.
75
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
BARBOSA, ANA MAE B. Arte/Educação Contemporânea-Consonâncias Internacionais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
COUTINHO, ANDRÉA SENRA. A produção feminista das mulheres nas artes plásticas e suas implicações no ensino de arte: estudo comparativo entre
professores/as de arte de Portugal e Brasil. (http://aaesc.udesc.br/confaeb/comunicacoes/andrea_senra_coutinho.pdf).
HORN, MARIA LUCILA. Arte e Mulher: algumas leituras de contexto. (http://www.ifch.unicamp.br/pos/hs/anais/2006/posgrad/(60).pdf).
LAMAS, BERENICE SICA. Mulher Artista: Cidadã do universo. (http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931995000100004)
Gravura. Disponível em:
http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=term os_texto&cd_verbete=4626 Acessado: 06 de Abril 2014.
Lambe. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/lambe-lambe/ Acessado: 06 de Abril 2014.
Andréa Sobreira de Oliveira,Graduanda do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes Gervaiseau da Univer-
sidade Regional do Cariri – URCA. Membro do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq. Bolsista do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência PIBID. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4982287D9
e-mail: [email protected]
Petrônio Sampaio de Alencar, Artista Visual e Professor do Departamento de Artes Visuais da Universidade Regional do Cariri – URCA.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
A ESCULTURA COMO EXPERIMENTAÇÃO ARTÍSTICA - INCORPORAÇÃO DA TEORIA DOS PORTAIS
COMO REPRESENTAÇÃO E ESTUDO NA TRIDIMENSIONALIDADE
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Francisco Luiz Fernando Silva / Francisco dos Santos
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC / Universidade Regional do Cariri - URCA
Resumo
Este artigo visa apresentar uma experimentação artística vivenciada na disciplina de Escultura, do Curso de Artes Visuais da Universidade Regional do Cariri –
URCA. Apresenta o processo de criação de uma escultura, situada no campo da instalação artística. Tendo como influencia a teoria dos Portais, esse trabalho é o
resultado de uma pesquisa já em andamento - A linha e forma – a qual já desenvolvo em outras disciplinas. Pretendo apresentar um trabalho escultural resultante
destas influências ficcionais e um embricamento entre o bidimensional e o tridimensional, encontro entre pontos, linhas e portais.
Palavras-Chave: Processo Artístico, Portal Dimensional, Artes Visuais.
Abstract
This article presents an artistic experimentation experienced in the discipline of Sculpture, Visual Arts Course of Regional College of Cariri - URCA .. Introduces the
process of creating a sculpture, located in the field of art installation. With the influence theory Portals, this work is the result of research already underway - The
line and shape - which already develop in other disciplines. I intend to present a sculptural work resulting from these fictional influences and imbrication of two-dimensional and three- dimensional encounter between points, lines and portals.
Key Words: Creation Process , Dimensional Portal, Visual Arts.
Introdução
O desconhecido, o místico, mistério. O limiar, dimensões, universos. Termos que sempre estiveram em órbita de mim. Estes, sendo as fontes que me fazem buscar
o (i)material necessário para constituir-me um ser em constante busca de ser artista. Afinal, esta busca se manifesta como questionamentos, crises existenciais,
dúvidas, confusões, no qual anseio por uma entrada que me seja a saída. Nunca dispensei adentrar-me no desconhecido, e usufruir do resíduo mágico que nos
é possível na arte.
Apesar de crer no fazer como processo altamente consciente e racional que resulta a obra de arte como realidade dominada e não um estado de inspiração embriagante, sem a ida aos portais internos de mim mesmo, onde me busco e abro a percepção da minha orbita – o que me rodeia – e ver as coisas além, a arte
deixaria de me ser arte por passar a ser uma atividade reprodutiva, e não a busca da modificação da minha realidade provida de conflitos internos comigo mesmo.
Portais estão para mim, como pontes, para outras realidades, no qual trago a água que não encontro nesta.
Percepções, encontros e desencontros de mim mesmo, sumiços desta realidade em procura de outras, me fez chegar a uma pesquisa sobre a Teoria dos Portais,
que esta associação interna com portais dimensionais se faz presente pelas contaminações das experiências estéticas, em contato com os games, cinema e HQs,
que trazem estas ficções a minha bagagem visual-conceitual.
No termo “dimensional”, em regra, faz alusão à dimensão física de algo, que, para a Ciência é definida pelos parâmetros que utilizamos para definir um objeto
ou fenômenos que observamos. Me trás a reflexão já citada, sobre a percepção através da abertura de portais internos, sendo possível a associação aos portais
de chakra, que são eles pontos de interseção entre vários planos que, através da abertura deles, nosso corpo etérico se manifesta mais intensamente no corpo
físico. Assim como também podemos interpretar fenômenos próximos a isto na genética; o código binário que acorda o nosso dormente DNA denominado “junk”
(ou lixo, partes do DNA que não tem uso biológico conhecido pelos cientistas) considerado uma pista para o despertar espiritual.
Portais, na ficção científica, trata-se de um campo metafísico capaz de conectar universos distintos separados pelo espaço-tempo através de uma abertura – entrada –, que liga não somente um ponto diferente no mesmo universo, como também um mundo paralelo (portal inter-dimensional), o passado ou o futuro (portal
do tempo), e outros planos de existência; tais como céu, inferno ou outra dimensão do pós-vida. Consiste, de modo geral, em duas ou mais passagens, com um
objetivo de entrar através de um “gateway” (limiar/porta de entrada) deixando o outro ambiente instantaneamente.
É possível encontrar exemplos sugestivos deste fenômeno na história, tais como os fatos desconhecidos do triângulo das Bermudas, onde mais de 100 navios e
aviões desapareceram, desde o final da Segunda Guerra, sendo que os limites dessa região formam um triângulo imaginário sobre as águas do mar do Caribe
que há séculos desperta temores, e teorizam que existe uma espécie de portal nesta região, que transporta para outro tempo/espaço. E outro exemplo é o Portal
Dimensional de Amaru Muru. Localizada no conjunto rochoso de Hayu-Marca, conhecida como “A Cidade dos Espíritos”, no Peru. Trata-se de uma cavidade, de
forma retangular, esculpida num maciço de pedras com o formato de uma porta. A autoria é desconhecida, ainda que alguns pensem tratar-se dos antigos habitantes pré-incas. Atribui-se a esta porta poderes sobrenaturais de acesso a outras dimensões.
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Os Portais parte do principio similar ao conceito cosmológico de “wormhole” (buraco de minhocas) que, segundo a Astrofísica, a Cosmologia e a Mecânica quântica, os buracos de minhoca são túneis temporais e interdimensionais de (geralmente) dois portais, os quais conectam certo universo dimensional a outro (distinto,
ou não) em diversas linhas do tempo.
O trabalho escultural desenvolvido que, aqui, viso apresentar, chamado PortaAll DimencionAll – assim titulado com a pretensão de jogar com as palavras, tendo a
terminação “All” em cada uma delas, que em inglês significa (em substantivo) “o tudo/o universo” – traz uma peça tridimensional situada no campo da instalação
artística, com características resultantes da experimentação e incorporação do elemento evidente em trabalhos que desenvolvo na linguagem do desenho – A
linha –. Tendo a pretensão de apresentar uma representação de um portal com a estética referente às influências estéticas e conceituais.
A Entrada
Ao ser sujeito a escrever sobre meu processo, percebo que é indispensável associar ao que vivo/vivi. Me encontro cavando a procura de indícios que me mostre
o que me fez chegar onde estou; por vezes durante a pesquisa me perguntei o que eu estava fazendo na Física.
Poderia facilmente dissociar qualquer convergência entre as áreas. E até o fiz. Mas, em busca do que pudesse me referenciar no que diz respeito a relação entre
a física e a arte, me deparo com uma letra de canção que me faz pensar na possível interdisciplinaridade:
Tempo e espaço eu confundo,
E a linha de mundo é uma reta fechada.
Périplo, cíclo, jornada de luz consumida
E reencontrada.
Não sei de quem visse o começo
E sequer reconheço
O que é meio o que é fim
Prá viver no teu tempo é que eu faço
Viagens no espaço,
De dentro de mim.
Das conjunções improváveis
De órbitas instáveis
É que eu me mantenho
E venho arrimado nuns versos,
Tropeçando universos,
Prá achar-te no fim
Deste tempo cansado de dentro de mim. (VANZOLINI, Paulo. s/data)
A priori, como leitor, o texto chega a mim como uma interpretação de um sentido poético da letra da musica como desabafo existencial, o ser perdido, que busca
dentro de si o refúgio. Porém ,se tratando de alguém atento à física, poderia ter outro sentido, mais aprofundado, tendo em vista possíveis associações dos termos
que estariam próximos de sua realidade.
As formas de percepção não são gratuitas nem os relacionamentos se estabelecem ao acaso. Ainda que talvez a lógica de seu desdobramento nos
escapem, sentimos perfeitamente que há um nexo. Sentimos também, que de certo modo somos nós o ponto focal de referência, pois ao relacionarmos os fenômenos nós os ligamos entre si e os vinculamos a nós mesmos. - OSTROWER, Fayga./p 2
O Luis Carlos de Menezes, docente do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura, contribui com a seguinte assimilação sobre a letra da canção:
O samba .Tempo e Espaço. de Paulo Vanzolini, por exemplo, eu já conhecia há muito tempo. Sempre havia entendido este samba como sendo a
descrição do que vive um cidadão apaixonado, confundindo tempo e espaço, tropeçando universos. Ouvindo este samba, nessa manhã, percebi
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que ele incorporava o conceito da relatividade geral de Einstein. A seguir, fui surpreendido com conceitos de eletrodinâmica quântica! Toquei de
novo... de novo... e fui encontrando outros elementos da Física. (MENEZES, 1988, p. 57/58)
A partir destas percepções no que me cerca, ou, pelo menos, passa a me cercar, começo a pensar em como perceber os fatores contribuintes para uma relação
dos campos, e como encontro elementos do campo da física que proporcione um diálogo com as artes, nas imagens que consumo/consumi. Vejo que sempre
estiveram presentes fatores ligado a relação destes campos, mas só com a pesquisa foi possível ativar estas interpretações. Afinal, para achar respostas, você
tem de está procurando. E a procura, foi em mim mesmo.
Começo a fazer relações ao cinema, games, as animações e às HQs que tive e tenho acesso. O conceito da teoria dos Portais, apesar de ter sido utilizado no
Star Trek: The Original Series episode “The City on the Edge of Forever” em 1967, está presente até hoje na fantasia e ficção.
No Cinema, podemos encontrar exemplos de diversos formatos de portais. Como em “De volta Para o Futuro”, “Transformers” , “Harry Potter”, “Cronicas de
Narnia”, o atual “Thor”, entre outros, assim como também em desenhos, como em “As Aventuras de Jack Chan”, que é presente os portais onde cada demônio
é selado em uma esfera, “A Caverna do Dragão” onde há sempre o portal que os levaria de volta para casa (imagem 1), “Digimon”, que há uma tecnologia que
os leva para o Digimundo, entre outros. Já nos games, temos exemplos de portais em “World of Warcraft”, “Crash Bandcoot”, “Half Life”, e o que me influenciou
ativamente no projeto: “PortalTM”.
Imagem 1- Cena do desenho Caverna do Dragão
Fonte: http://blogs.diariodepernambuco.com.br/esportes/?paged=661
PortalTM é um jogo desenvolvido pela Valve, estabelecido nos misteriosos Laboratórios Aperture Science. É aclamado como um dos novos jogos mais inovadores
no horizonte e oferece aos jogadores horas de jogabilidade única. Com uma seqüência de 19 cenários projetados para testar a capacidade de usar os portais. Os
jogadores devem resolver quebra-cabeças físicos e desafios abrindo portais para manipular objetos, e eles mesmos, pelo espaço. O portal, aqui representado por
um túnel ciclônico (ver imagem 2), normalmente é uma dobra no espaço-tempo, que possibilita passar do ponto A ao ponto B sem esforço.
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Imagem 2 – Cena do Game PortalTM.
Fonte: http://nick.onetwenty.org/index.php/2006/07/19/portal_game_from_valve/
Dado a estes incites, encontro ferramentas para a prática do trabalho. Ferramentas encontradas nas gavetas internas com vestígios de influencias. E estas contribuintes para o trabalho a partir dos instrumentos imagéticos. Afinal, “a percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a criatividade
humana” (OSTROWER, Fayga./p 2).
Na tentativa de buscar relações entre a teoria dos portais, da Física, para a elaboração de um trabalho artístico, a interdisciplinaridade se faz presente como
“abordagem teórica e conceitual dada ao conteúdo, concretizando-se na articulação das disciplinas cujos conceitos teorias e práticas enriquecem a compreensão
desse conteúdo” (DCE-Arte, 2008).
Pela familiarização com linhas, que venho tendo no momento em meus trabalhos bidimensionais (ver imagem 3), e pela presença da mesma em todo desenho
que desenvolvo – sendo a linha o principio do desenho – me veio à mente trabalhar com um elemento que pudesse se aproximar desta proposta, incorporado a
(Imagem 3 – Desenho de linhas com caneta Nanquim)
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linha como elemento visual geralmente ligado a bidimensionalidade, em um trabalho tridimensional.
Como elemento, poderíamos definir a linha como um ponto em movimento, ou como a memória do deslocamento de um ponto, isto é, sua trajetória. Nas Artes
Visuais, a linha tem, por sua natureza, uma potencialidade e flexibilidade. Nunca é estática. É o elemento visual inquieto e indagador do esboço e instrumento
fundamental da pré-visualização; o meio de mostrar, de forma tangível, aquilo que ainda não “existe”. Assim, havendo enorme contribuição no processo visual e
numa percepção da presença da linha (como elemento visual) além de planos bidimensionais.
A Saída
Após buscar em toda a bagunça interna de dentro, nas influencias, referencias imagéticas e experiências estáticas, e achar o que de fato quero fazer, vem o
“como”. De que maneira este imaterial buscado pode criar materialidade. No caso, a resposta estava na decisão do material. O escolhido para o trabalho, tendo
em vista a incorporação da linha, foi o arame. Pela possibilidade de linearidade e demonstração de “contorno” – trajetória – da peça.
Saio de meu interior, e agora, trago de dentro o que é idéia, como guia para a prática. Desta maneira, vejo a entrada interna como principal busca de expressão,
que sempre podemos achar maneiras próprias, dado as nossas experiências. Afinal:
[...] o espaço poético é um espaço que não nos encerra numa afetividade. Qualquer que seja a afetividade que matize um espaço, mesmo que seja
triste ou pesada, assim que é poeticamente expressa, a tristeza se modera, o peso se alivia. Por ser o espaço poético expresso, adquire valores
de expansão (BACHELARD, 2008, p.206).
Iniciando a “prática da idéia”, foram tiradas as medidas de um par de pernas com o dobramento de arames (com o uso do alicate) a partir de membros de uma
pessoa. Para a confecção de uma representação humana que sairá do portal desenvolvido. As referidas pernas, em tamanho real de uma estatura padrão, obteve-se por várias circunferências de arames equivalentes aos diâmetros das partes do corpo – renomeadas cada parte, para melhor entendimento na montagem
(Imagem 4)
(Imagem 5)
da estrutura (ver imagem 4) – que ao serem presas ao arame que transversa em linha reta, dão a intenção de largura ao membro (ver imagem 5).
Para unir os arames que cruzavam-se, foram amarrados com linha de crochê (ver imagem 6), que é uma linha sintética, que permitiu ser queimada, passando a
servir de soldagem para unir-los (ver imagem 7).
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(Imagem 6)
(Imagem 7)
Com a estrutura da perna em arame já montada (imagem 8), foi feito a pintura, e preparado o suporte de madeira, recortado no formato circular (imagem 9) no
qual é a base para os membros, sendo a representação do portal. Onde, montado, passa a impressão que as pernas saem desta estrutura circular. Ela é instalada
(Imagem 8)
(Imagem 9)
numa superfície plana, representando um buraco (entrada) de outra dimensão trazendo o ser representado com aspecto futurista.
No decorrer do processo, que anda concomitantemente com a pesquisa, já não dissocio os campos do conhecimento como divergentes. Embora possam conflitar,
demonstrar desarmonia, o artista, para Deleuze e Guattari, tem um papel:
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Ele ventila os meios, separa-os, harmoniza-os, regulamenta suas misturas, passa de um a outro. O que ele afronta assim é o caos, as forças do
caos, as forças de uma matéria bruta. (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 225)
Entendo a pesquisa teórica e a experiência individual como aliadas da prática, e que a pesquisa e percepção da vivência ligam-se com a mudança de direções
tomadão na execução do trabalho prático.
As diversas opções e decisões que surgem no trabalho e determinam a configuração em vias de ser criada, não se reduzem a operações dirigidas
pelo conhecimento consciente. Intuitivos, esses processos se tornam conscientes na medida em que são expressos, isto é, na medida em que lhes
damos uma forma. (OSTROWER, Fayga. p.2)
As referencias internas e externas, conceituais e imagéticas, constroem o trabalho, dando um maior rigor no planejamento, e na própria montagem. “O ato criador
abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar” (OSTROWER, Fayga. p.2). O diálogo com
outro campo do conhecimento, se faz contribuinte na completude.
Conclusão
A experiência se mostra nada “conclusa”. Mas sim contínua. Por está em processo enquanto houver o que experimentar, me faz pensar na escultura como coisificadora mais do que significante. Mesmo as esculturas efêmeras, instantâneas: só existem enquanto são, as corporificações de idéias no espaço só têm significado
na imaginação ou interpretação. O processo me fez ampliar a compreensão da incorporação de elementos imagéticos e conceituais, e não considerar áreas do
conhecimento distintas fatores que possam impossibilitar um trabalho artístico.
A arte é o objeto de arte enquanto forma, diante de nós. Penso no artista como um mago que cria objetos, ou os utiliza, para despertar a fantasia. Não há vida
sem fantasia, não há fantasia sem arte, não há vida sem arte. E, podendo nós criarmos a fantasia, criamos arte. Logo criamos vida.
Referêncial Bibliográfico
ALEXANDRE, Erbert G. P. “ Teoria do Triângulo Das Bermudas”. São Paulo, 2009.
BACHERLAD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo : Martins Fontes, 2005.
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Editora Vozes. RJ. 187p. 1977.
PEREIRA, Herbert Alexandre Galdino. Teoria do Triângulo das Bermudas. Ed.2a – São Paulo : Versão Online, 2009.
Artigos
COHN, Greice. Arte Contemporânea E Ensino Da Arte: Aproximação, Interação E Reverberações, Rio de Janeiro, 2011.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Arte. Curitiba: Seed/DEB-PR, 2008.
SIMONINI, Flavia Paradella, UNESA – Universidade Estácio de Sá, “Criação da Forma”, 2011.
Francisco Luiz Fernando Silva, Graduando do curso de licenciatura em Artes Visuais da Universidade Regional do Cariri – URCA, e membro do Grupo
de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPQ.
e-mail: [email protected]
Francisco dos Santos, Graduado em Artes Visuais, professor do Departamento de Artes Visuais Universidade Regional do Cariri – URCA. Membro do
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPQ.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
A CONSTRUÇÃO DE UMA ARTOGRAFISTA
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Raylla Brito Vieira / Fábio Tavares da Silva
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC / Universidade Regional do Cariri - URCA
Introdução
Este presente artigo tenciona apresentar, um pouco de minha experiência, produções e processos no fazer artístico desenvolvido nas disciplinas do curso de
Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Regional do Cariri/URCA. Pretendo relatar como procedeu e vem procedendo meus processos de criação nas
áreas do desenho e das Histórias em Quadrinhos, que são aqui, também, denominadas por Quadrinhos ou HQs.
Os estudantes do curso de Artes Visuais desenvolvem pesquisas dentro do campo especifico das artes visuais, no entanto o curso oferece um campo amplo de
possibilidades de estudos a serem explorados, entre tantas opções eu tencionei minha pesquisa as técnicas do desenho, linguagem que é a base de quase todas
as linguagens artísticas, como a pintura, a gravura, animação, histórias em quadrinhos, entre outras. Sabemos que o desenho foi usado nas primeiras manifestações, desde a pré-história, e ainda hoje são encontrados registros destes desenhos, que eram feitos nas cavernas. Não podemos negar sua importância nas
artes visuais, ainda que estou em processo de aprendizagem na técnica do desenho, é necessário que eu possa sempre está ampliando meu olhar.
Estou experimentando e estudando as técnicas do desenho, para que eu possa desenvolver melhor meu traço. Também na disciplina de História em Quadrinhos
pude experimentar e entender alguns processos de produção de HQs, além de entender como o desenho é importante para uma narrativa visual, pois nas HQs
o desenho é importantíssimo para que o leitor entenda a narrativa visual. Na disciplina de quadrinhos pude ampliar todo meu conhecimento sobre os elementos
visuais de uma HQ.
A construção de um Artografia é um processo de muita aprendizagem e de se entender com artistas. Que através do seu processo no fazer artístico exerce o
papel do professor e mediador dentro de sala de aula.
Metodologia
O curso de Artes Visuais da Universidade Regional do Cariri/URCA é um curso que tem um ensino amplo sobre as linguagens artísticas, oferece diversas possibilidades de pesquisa aos alunos que o cursam. E cada aluno tem o direito de desenvolver sua pesquisa na(s) área(s) que ele mais domina e tem mais aproximidade.
O curso também é voltado para a formação do artista/professor/pesquisador, esse é o papel que os alunos de Artes Visuais têm que exercer durante a formação
e pós- formação. Nos estudos desenvolvidos dentro do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos GPEACC/CNPq, estamos estudando
e pesquisando sobre artista/professor/pesquisador com referência no texto de Rita Irwin, Artografia. Somos provocados a refletir sobre nossa atuação como o
artista que também é o professor e o pesquisador que exerce estes três papeis.
Artista, pesquisador, professor vivem uma vida contígua, uma vida que conecta os três diferentes papeis através da imagem e do texto, por determinado período de tempo, apenas para encontrar momentos em que esses três papéis ou atos de questionamento se revezam para se aproximarem,
se tornarem adjacentes, mas nunca se trocarem. (IRWIN, P.93, 2004).
Diante deste questionamento sobre o Artografista, entendesse o quanto a experiência artística é importante para o desenvolvimento de pesquisa no curso de
Artes Visuais, Ao ingressar no curso, me deparo com uma diversidade de possibilidades de estudos no campos da artes visuais, o que talvez dificulta na escolha
de uma linguagem artística para desenvolver sua pesquisa no curso, mas acredito que quando o aluno ingressa no curso de Artes Visuais ele em certo momento
da vida já teve uma aproximação com as linguagens artísticas e provavelmente essa proximidade tenha sido na infância ou na adolescência.
Na minha infância o desenho sempre esteve presente, sendo em desenhos animados ou na prática do desenho, sempre tentava desenhar, mas os desenhos eram
muito infantis. No decorrer do meu processo na prática com o desenho eu não tive nenhuma orientação na escola, sempre ouvia dizer que desenhar era um dom
e influenciada por esse pensamento desisti muito cedo de praticar o desenho. E acredito que essa quebra no meu processo de aprendizagem, tenha dificultado
o meu processo dentro do curso de Artes Visuais, John Dewey no livro Arte como experiência diz:
As coisas são experimentadas, mas não de modo a se comporem em uma experiência singular. Há distração e dispersão; o que observamos e o
que pensamos, o que desejamos e o que obtemos discordam entre si. Pomos as mãos no arado e viramos para trás; começamos e paramos não
por que a experiência tenha atingido o fim em nome do qual foi iniciada, mas por causa de interrupções externas ou da letargia interna. (DEWEY,
P.109, 2010).
O pensamento de Dewey me faz perceber como a experiência pode ser quebrada no decorrer dos processos e como as influências podem interferir nas nossas
experiências. Então meu ingresso no curso de Artes Visuais me possibilitou um novo olhar sobre as linguagens artísticas e a prática no desenho. Nas disciplinas
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de Desenhos I e II, com o professor Petrônio de Alencar, tivemos a possibilidade de praticar o desenho e desenvolver nossas habilidades no fazer artístico. Essa
disciplina é voltada ao estudo da Técnica e perspectiva do desenho e no desenvolvimento das habilidades.
Para o fazer artístico o desenho tem uma extrema importância, por isso é tão importante estar sempre experimentando a linguagem dos desenhos. Então no decorrer do curso meus trabalhos que envolvem os desenhos são trabalhos de experimentações. Estou sempre experimentando e buscando novos conhecimentos
sobre o desenho, espero aprimorar minhas técnicas e habilidades no desenho. Sabemos que o desenho tem base de todas as linguagens artísticas, não podemos
negar sua importância, por isso é importantíssimo sempre está experimentando e praticando o desenho.
Os meus trabalhos com desenhos têm características de um traço muito simples, pois cada um desenvolve seu próprio traço. Aprender as técnicas do desenho
é um processo de muita pesquisa e prática. Diferentemente do que diz “que desenhar é um dom.”
Resultados
Ainda tenho muito que ampliar meus conhecimentos e praticar mais as técnicas do desenho. O que venho produzindo são experimentos, com características e
traços muito simples. O meu desenho é a representação do imaginário da fantasia e não tem características realistas e sim figurativas.
Imagem 1 e 2- Experimento com o desenho.
Outra produção que venho estudando e aprimorando em meu estudo é em torno das Histórias em Quadrinhos, que são aqui, também, denominadas por Quadrinhos ou HQs. Meus primeiros contatos com as histórias em quadrinhos aconteceram na Infância, sempre fui fascinada pelos gibis da turma da Mônica da Mauricio
de Souza e também do Zé Carioca da Walt Disney entre outras HQs que li.
No curso de Artes Visuais a disciplina História em Quadrinho é ofertada como optativa, ministrada pelo professor Fábio Tavares, eu optei cursá-la, pois tinha como
objetivo compreender e ampliar meu olhar em torno das Histórias em Quadrinhos, que sempre estiveram presente em vários períodos de minha vida como na
Infância, adolescência e na vida escolar. Além de poder conhecer os elementos visuais para a produção de uma HQ. Um desse elemento é o desenho, Compreendo que o desenho é um elemento muito importante para o leitor, poder compreender a sequência das cenas, além do texto que auxilia na compreensão.
O professor Fábio propôs aos alunos que experimentasse a produção de um HQ, para essa atividade tínhamos a liberdade de escolher uma história, para produção de nossas HQs. Diante dessa liberdade eu optei por criar uma história, baseada em uma história real, que trata das relações humanas.
Meu trabalho é uma história de um rapaz apaixonado por uma menina que ele conheceu pela internet, então eles se tornaram grandes amigos e se apaixonaram.
Entre algumas conversas eles tinham planos e desejos e um deles era ele ir visita-lá, então eles marcaram um dia só que antes dele ir a encontro tão esperado,
recebe uma mensagem dizendo que ela tinha sido morta.
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E então ele cai em profunda tristeza e se arrepende dos seus atos por não ter indo antes ao encontro dela. Minha história surge de um vídeo da net, aonde o
Lucas vai contando sua história de amor, então a partir desta história tento fazer um pequeno retalho contando um pouco desta história.
Resolvi fazer essa História, por me chamar atenção ao fato de como as pessoas deixam muitas coisas que podem realizar hoje para realizar no dia de amanha,
que muitas vezes não existe. Minha história faz uma pequena reflexão sobre nossas atitudes.
Imagens - HQ desenvolvida na disciplina de História em Quadrinho
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Esse é meu primeiro experimento com a produção de HQs, espero que a partir dos estudos da disciplina eu possa continuar produzindo e pesquisando sobre as
Histórias em Quadrinhos, que é um universo amplo e muito curioso.
Para produzir minha HQ eu optei por materiais que eu já conhecia e experimentei em outras disciplinas e nos meus experimentos artísticos. Acredito que é importante você usar os materiais que você já conhece para o trabalho obter uma boa qualidade. Os materiais que usei foram papel 60 kg, lápis HB, canetas e o
nanquim. As dificuldades que tive, foi a partir das idéias organizar a sequências das cenas e das falas, além do desenho que exige uma dedicação e muita prática,
então usei várias fotos com referências para desenhar.
Antes, nunca imaginei como seria todos os processos na produção de uma História em quadrinho, não tinha noção dos planos cinematográficos, dos elementos
visuais e nem sequer sabia que existia uma variação de tipo de HQs, no entanto sempre gostei de ler as histórias em quadrinhos na minha infância e adolescência. Espero que minha experiência nesta disciplina venha contribuir em outras produções de HQs, acredito que minha história tem muito a melhorar, pois essa é a
primeira experiência e como tudo tem um processo de aprimoramentos, acredito que é nesse processo que irei aprimorar todos meus conhecimentos e práticas.
Depois da disciplina estou agora participando do grupo de pesquisa em histórias em quadrinho e pretendo desenvolver uma pesquisa sobre a foto novela, que é
um tipo de HQ que me chamou muita atenção, pois usam fotografia no lugar do desenho.
Discussão
Concluo este trabalho relatando que minha produção ainda são experimentos no desenho, quero ampliar todos meus conhecimento e técnica, o artista sempre
está em processo de pesquisa e experimentações.
Por isso meus trabalhos ainda estão em processos de pesquisas e experimentações. Estes trabalhos que aqui relatei são experimentos dentro das disciplinas
de Desenho e História em Quadrinhos, mas também pretendo desenvolver outras pesquisas voltadas a fotografia. Os processos artísticos são constantes e as
habilidades vão se aprimorando cada vez mais.
Ser artista/professor/pesquisador é ser o artista antes de tudo, mas é o artista que leva a sério suas produções e que introduz seus procedimentos nas instituições com o intuito de ser o mediador dentro de sala de aula, construindo conhecimento. Por isso quero concluir esse trabalho com intenção de continuar meus
experimentos e pesquisas nos campo das artes visuais.
Bibliografia
DEWY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fonte, 2010.
IRWIN, Rita. L. A/r/tografia: uma mestiçagem metonímica. Vancouver, British Columbia, Canada: Pacific Educational Press. 2004.
LOSADA, Terezinha. A intepretação da imagem: subsídios para o ensino de arte. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2011.
Raylla Brito Vieira, Graduanda em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Regional do Cariri. É bolsista do Programa de Iniciação à Docência -
PIBID Artes Visuais - CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC.
e-mail:[email protected]
Fábio Tavares da Silva, Graduado em Artes Visuais, professor do Departamento de Artes Visuais Universidade Regional do Cariri – URCA. Membro do
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPQ.
e-mail:[email protected]
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Índice
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Início
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PARTILHAS SENSÍVEIS: IMAGENS, HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Valéria Peixoto de Alencar / Camila Feltre / Flora Figueiredo / Mara Lúcia Finocchiaro da Silva /
Rejane Coutinho / Rita Bredariolli / Roberta Jorge Luz / Sidiney Peterson / Silvana Brunelli
GPIHMAE (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Imagem, História e Memória, Mediação, Arte e Educação)
Instituto De Artes/Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – IA/UNESP
The ‘forming’ of the five senses is a labour of the entire history
of the world down to the present.
(Marx apud Mirzoeff, 2009)
No prefácio de seu livro “Políticas da Escrita”, Jacques Rancière, ao definir seu conceito de “partilha do sensível”, expõe dois significados em inversão – e podemos dizer, em complementariedade – para o termo “partilha”. Um desses significados seria “a participação em um conjunto comum”; e o outro, “inversamente, a
separação, a distribuição em quinhões. Uma partilha do sensível” seria, “portanto, o modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto partilhado
e a divisão de partes exclusivas” (RANCIÈRE, 2005, p. 7)
Mas, do que estaríamos falando ao evocar o termo “sensível”? Há uma tendência comum em vincular o termo “sensível” a um sentido sempre positivo, associando-o a uma condição benevolente em relação a realidade. Tal vínculo não deixa de expor a nossa formação idealista, ainda agarrada à equação platônica – a qual
ainda resiste em nossa forma de nos relacionarmos com o modo de produção artística e seu produto, a arte – de soma casuísta entre belo, bom e verdadeiro. O
indivíduo “sensível”, aquele dotado de “sensibilidade” – entendida como uma dádiva extraordinária – seria aquele, ou aquela, que consegue enxergar o “outro”,
comovendo-se pelas agruras do mundo e apto a torná-las menos ásperas. Um indivíduo bom, que consegue identificar a beleza, a harmonia, a verdade – as dele,
ou dela – lutando para instaurá-las quando não as encontra em seu estado de perfeição idealizada.
Não, não é sobre esse tipo “sensível” ou “sensibilidade” que estamos tratando aqui, ou que Jacques Rancière tratou em seu texto.
O sentido do termo “sensível” ao qual nos referimos se centra naquilo que entendemos por percepção. Ao mencionarmos “sensível”, nos referimos àquilo que
ensinamos e aprendemos, do que nos é ensinado e do que é por nós aprendido – por muitas vezes sem a devida consciência – pelos sentidos, no caso específico desse texto, pela visualidade. Simples assim, sem qualquer evocação moral ou idealista. Entendendo que tal processo cognoscível é indissociável de uma
ação intelectiva, ambos atuando simultaneamente (ARHEIM, 2004, p. 13-30). Também a entendemos indissociável de nossa história, portanto, dos tempos e
lugares, dos contextos que habitamos, em relação às pessoas que coabitam esses tempos e lugares. Por isso, encontramos nesse livro de Jacques Rancière o
entendimento dessa “partilha do sensível” como “cerne” da política. A “partilha do sensível” foi elaborada por Rancière como uma “certa estética da política”. Por
isso, trata-se uma lida, uma labuta com o real, incluindo a atenção aos idealismos e ideologias que também constroem esse real, justamente para trabalharmos
para sua desconstrução.
O “sensível” ao qual nos remetemos aqui, se refere a uma educação gerada também na informalidade do que nos é oferecido, especificamente, pelas produções
visuais. Trata daquilo que nos é ensinado e aprendido por outros meios que não o verbal; numa relação sutil, delicada, mas não menos insidiosa. Aquilo que
aprendemos, por exemplo, ao olharmos todos os dias para um calendário sobre nossa mesa de trabalho com imagens da fotógrafa Anne Geddes. Qual discurso,
mudo, mantemos sobre nossa mesa – ou sobre nosso cotidiano –? O que tais visualidades estariam, silenciosamente, nos ensinando ou reiterando? Porque a
circulação – e, portanto nosso acesso – dessas produções é facilitada? Muito mais, talvez, do que a imagem de Nils Pickert, um pai, alemão que passou a usar
saia para apoiar seu filho de cinco anos. É certo, que essa história e sua imagem emblemática1 teve grande circulação na internet, mas “grande circulação” entre
qual público? Chegou às escolas? Circula entre as aulas de artes, assim como as imagens de Anne Geddes, por exemplo?
Como professores de artes, temos a responsabilidade de fazer escolhas, ou seja, assumir um posicionamento político, político estético. Lembremos Paulo Freire
e a sua concepção de educação como algo que se manifesta da relação entre ética e estética: ensinar é um ato político. Nossas escolhas definem discursos, verbais ou não, são “partilhas do sensível” que geram conhecimento e que podem atuar para a reprodução ou mudança, outra escolha de ação que demanda nossa
atenção movida pelos nossos sentidos/intelecto.
Ao iniciar este artigo pela citação de Rancière, o fizemos não somente por ter ele sido escolhido como início fundamental de nossas ações coletivas, como Grupo
de Pesquisa, mas também por revelar nossa essencial característica e ao mesmo tempo, nosso principal objetivo. Buscamos, pela articulação de estudos e pesquisas derivados de interesses específicos – a “distribuição em quinhões” –, a densificação teórico/prática da investigação sobre o ensino e aprendizagem artísticos. O nome desse nosso grupo guarda esse motivo e, portanto, abarca cada um dos eixos de interesse específicos de seus membros. Nesse sentido, integram
o GPIHMAE (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Imagem, História e Memória, Mediação, Arte e Educação) leituras, discussões e práticas sobre Imagem,
História e Memória e Mediação, os quais em partilha são vertidos para o interesse comum do grupo: as relações entre arte e educação, o nosso “conjunto comum”.
Dessa forma, tanto nossa metodologia de trabalho, como nossa estrutura como coletivo, pauta-se pelo reconhecimento da “partilha do sensível”.
1 Father of the Year Helps Dress-Wearing Son Feel Comfortable By Putting on a Skirt Himself. Disponível em <http://gawker.com/5938676/father-of-the-year-helps-dress-wearing-son-feelcomfortable-by-putting-on-a-skirt- himself/all>. Acesso em 01/04/2014.
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Esta comunicação, criada coletivamente, abordará um de nossos eixos de trabalho: a compreensão da imagem como “ato de conhecimento”. Por ela, partilharemos imagens visíveis e invisíveis que nos levaram a processos de reflexão e investigação sobre nosso interesse comum – as relações entre arte e educação
– desvelando concepções tensionadas a práticas diversas.
Tomemos como primeiro exemplo a série “Fantasia da Compensação” do artista pernambucano Rodrigo Braga2. Que questionamentos a obra nos remete? O poder de transformação dos seres humanos quanto às mudanças corporais? A influência das intervenções e mudanças genéticas? A transformação do corpo cada
vez mais comum em nossa sociedade? Quais os limites dessas transformações? Há limites? Como temos acompanhado essas transformações em sala de aula?
Como lidamos com o outro transformado? E quanto a nós, transformamo-nos em que, para que, por quê? Como uma imagem produzida em 2004 que alterações
discursivas ela sofre diante das conjunturas educacionais, políticas sociais e culturais contemporâneas?
Transformação. Pode ser este o primeiro pensamento em contato com esta obra. Na atualidade, tomando como base que aquilo que conhecemos, reconhecemos
ou recordamos está sempre prestes a começar de novo (BHABHA, 2012) ao pousar por um instante nosso olhar sobre a referida imagem, pensamos mesmo
em transformação, mutação, metamorfose, alteração, transfiguração... Não apenas do corpo, mas também do pensamento, das interações, dos desejos, dos
desafios, dos comportamentos humanos, da sociedade, dos lugares. É um recomeço, é outro olhar para nosso eu, para o outro, para a imagem. É pousar nosso
olhar sobre a imagem em outro estado de pensamento, ponderando como esta dialoga com o nosso eu na atualidade, um diálogo que, provavelmente, mudará
nos próximos dez anos.
Como pode uma imagem se transformar diante do olhar? A experiência vivida por educadores/mediadores pode ser um exemplo, como na vez em que o olhar
de um menino de cerca de 12 anos sobre a obra “Mãe Preta” de Alfredo Volpi desencadeou um daqueles momentos em que reavaliamos o nosso trabalho como
mediadores, um daqueles momentos que são marcantes. Este, talvez pela simplicidade do comentário, talvez pela excessiva familiaridade com a obra que se
suspeitava conhecer bem, que sempre confortavelmente se via/falava/perguntava onde estariam as pessoas retratadas, dentro de onde. Eis que o menino interpela e diz: mas eles estão do lado de fora.
Outro olhar, outra percepção, a obra tão comum ficou enigmática. Em princípio pode parecer um comentário simples, mas não naquele momento, foi como em
uma piscada que ao abrir os olhos novamente a imagem se tornou uma estranha conhecida. Desde então, nos permitimos passar a ver outras imagens como se
fosse a primeira vez e abrir-nos a outras possibilidades de olhar, a tomar o risco, como assinala Dennis Atkinson (2011) sobre encorajar os estudantes a correr o
risco no processo de ensino/aprendizagem o que implica que o professor também se possibilite a correr o risco, e que risco é esse? O risco do não saber.
Didi-Huberman (2010) também alimenta essas reflexões sobre o risco, neste caso relacionando a possibilidade da noção do risco para a História da Arte, pois para
ele, a História da Arte enquanto disciplina criada no Renascimento adotou a retórica da certeza sem as possibilidades de abertura a outras leituras de imagens,
de modo que ele vai associar a noção de risco ao conceito de sintoma (Freud) no qual se encontram as possibilidades de desgarro que pode ser visto como o
risco do não saber,
“não olhemos, pois, uma imagem de arte como olhamos a um velho conhecido que cruza conosco pela rua e, já identificado, com educação levante
seu chapéu para nós. Numerosos historiadores desde Vasari o fizeram sem dúvida, o fazem ou simulam fazê-lo. Se colocam diante da imagem
como diante do retrato tranquilizador de alguém que já lhes gostaria de conhecer o nome, e da qual exigem implicitamente uma „boa cara‟ [...] Mas
o mundo das imagens nunca se constituiu com os únicos fins de ter boa cara para uma história ou um saber, para constituir-se sobre elas. Muitas
imagens – inclusive aquelas com as quais desde séculos acreditamos que estamos familiarizados – atuam como o enigma de que Freud introduzia
o exemplo a propósito do trabalho da figurabilidade: seguem desgrenhadas, algum chapéu voou, e inclusive algumas vezes correm sem cabeça.
Pois é tal o trabalho do sintoma que acaba, muitas vezes, decapitando a ideia ou a simples razão que se faz de uma imagem.” (DIDI-HUBERMAN,
2010, p. 238-239).
Ainda, para Didi-Huberman, no sintoma está a potência do desgarro, do risco do novo olhar, do risco no não saber e que “os historiadores da arte não confiavam
no sintoma, porque o identificaram como enfermidade” (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 211). Daí pode-se associar ao citado anteriormente Dennis Atkinson sobre
o correr o risco que o educador deveria se permitir, e mais, como no processo de reflexão sobre o próprio trabalho, trazemos outro exemplo, agora, agora como
2 Sobre a produção o artista esclarece que: A série Fantasia da Compensação foi realizada em 2004, utilizando procedimentos que mesclam produção plástica (real) e manipulação digital
(virtual) não causando sofrimento e morte ao animal em questão, cujo corpo foi obtido mediante autorização formal (documento por escrito), concedida pelo Centro de Vigilância Ambiental
da Prefeitura do Recife, visando utilização exclusiva para fins artísticos- tal qual são concedidas autorizações para fins científicos. O animal - que antes esteve em quarentena no aguardo de
seus proprietários ou possível interesse de adoção - foi eutanasiado como procedimento padrão e final do processo legal e considerado necessário pelas autoridades sanitárias no controle de
doenças transmissíveis a populações urbanas. Portanto, o cão não foi eutanasiado pelo artista, mas pelas autoridades responsáveis. O artista também não teve qualquer influência sobre os
procedimentos adotados pelo centro municipal de controle de zoonoses. Ao invés de seguir para cremação (como todos os outros animais recolhidos nas ruas e submetidos à eutanásia), o
cão foi utilizado pelo artista seguindo cuidados higiênicos, legais e éticos. No texto, Dos bastidores de um autorretrato o artista expõe suas motivações e esclarece o processo de realização da
obra. Essa Nota de Esclarecimento está descrita tal e qual no site do artista: <www.rodrigobraga.com.br>. acesso em 04/04/2014.
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visitantes do museu, mas sempre com o olhar de mediadores. Visitante de museu que se depara com um velho conhecido, que tem uma boa cara afinal, contudo,
como o menino de 12 anos, passamos a ver o que nunca tínhamos visto, a transformação da imagem, decapitada foi a ideia que se tinha dela.
Referimo-nos à obra de Rene Magritte, “La clef dês champs” (1936), que pertence ao Museu Thyssen-Bornemisza em Madri. Poderiam ser outras imagens, nos
deparamos cotidianamente com várias amigas (sim, imagens amigas) conhecidas de muitos anos, conhecidas pelo olhar do outro, pela razão do historiador da
arte, mas esta obra de Magritte foi mais um momento do reavaliar alguns conceitos, alguns olhares, foi o sintoma, a potência do desgarro, o risco de olhar e de
dizer aqui que nunca tinha tomado a atenção os cacos de vidro quebrados, essa chave para ver melhor os campos na janela, os campos da Arte/educação, da
História, da História da Arte...
Outra experiência se deu com a obra “Fascinação” de Pedro Peres (1909).
Ao olhar a obra, mesmo já a tendo visto mais do que uma vez, ainda nos perguntamos: o que fez deslocar, movimentar, desconstruir a forma de ver ocorrida,
acontecida da primeira vez? Ver, analisar, sentir seus aromas, perceber suas texturas, ouvir o roçar dos tecidos. Que abordagem estética foi sendo acalentada
ao olhar?
Deslocamos o olhar de quem está fora, mesmo arrebatados pelos sentidos e perguntamos se quem está dentro, percebe-se com a possibilidade de realizar o
desejo de ninar a boneca, um desejo à distância, acalentado por alguém? Percebe a dona da boneca que existe um desejo vivo, contido, regado pelo sabor do
excluído, do incapacitado, do fascinado? Neste momento vibra o olhar de dentro, encolhido, ressabiado e sentimos o olhar imponente do objeto inanimado, da
boneca de azul. Por que nos afeta tanto?
Os (re)olhares podem desacomodar focos e provocar novos desejos de olhar e de investigar nossas formas de ver. Outros desejos nascem e, diante da imagem,
novos impulsos de querer estar dentro para aproximar o objeto desejado à menina do olhar lânguido, da mão desalojada do toque, da mão sem lugar, menina
sem lugar...
Fica sem lugar quem olha, pois, está no lugar de poder de quem olha de fora, fora do tempo, fora da história, mas, afetado pela memória, pelo embaraço histórico.
O que desvela esta obra? Os sapatos e os passos de vidas diferentes e comuns? Quem decidiu quem teria sapatos? Quem decidiu a história dessas vidas?
As meninas desejam bonecas, algumas não, mas o que se fez com tantos outros desejos e com este, o de pegar a boneca? E os passos, ora com sapato de
pelica, ora pele no tapete que acolhe ou que pinica, foram dados por quem anda sobre ele, ou quem o limpa? A boneca nobre, azulada, reluzente, sentada em
uma cadeira para humanos, carrega o seu não lugar, o de ser boneca estática, mas, assombra com a forma de ser mais do que ser gente. Quem é mais boneca
do que a boneca? Quem é mais gente do que gente?
Ao desgarrar nossos velhos saberes buscamos o conhecimento emancipatório que estaria relacionado à capacidade de desvelar as formas de opressão presentes
nas vidas, nas obras... nos olhares... nas resistências, nos reconhecimentos e desgarros de nossos saberes.
Esta forma de ver e sentir não se restringe às qualidades e elementos presentes na obra, mas remonta ao questionamento de como vivemos nossa vida, como
nos posicionamos diante dos fatos, como aceitamos ou não as dominações, como nos agarramos ao que já sabemos. Também nos alerta a pensar sobre qual
movimento estamos fazendo para problematizar o que já sabemos. O que sabemos sobre o que sabemos e fazemos? A quais interesses este saber está servindo?
É, pois, uma abordagem social da arte, ancorada na teoria crítica que nos move em direção à eterna pergunta: o que nos melhora enquanto humanos?
Campos de visibilidade e invisibilidade. Campos compostos por ínfimos detalhes, muitas vezes despercebidos. A atenção sobre o “ínfimo” ou mesmo invisível
– um detalhe, um olhar, uma pergunta –, é necessária ao ofício de conhecer. Essa delicadeza da tentativa de captar o invisível também integra o trabalho da
artista Brígida Baltar. O que busca a artista, com a ação de coletar a maresia, o orvalho e a neblina? Em seu trabalho “Umidades”, Brígida Baltar captura esses
três elementos da natureza, que apresentam diferentes configurações de gotículas de água. As imagens dessa busca performática enfatizam esse caráter fugaz.
Nelas podemos ver o corpo da artista quase se fundindo com o espaço, tornando sua presença instável. Presença essa também pertinente ao lugar do mediador
no espaço de ensino e aprendizagem. Como é possível para o educador capturar o acontecimento que se dá em uma sala de aula ou em um momento de ensino
não-formal? Como torná-lo “experiência” visível, audível ou tangível? Se a experiência se caracteriza pela fugacidade, tal qual definiu Jorge Larrosa (2004), seria
ela possível apenas quando transformada em linguagem?
Na busca pelo invisível e percorrendo caminhos incertos, a artista depende de algo que está fora de seu controle, o tempo. Somente em ambientes e temperaturas favoráveis a neblina pode acontecer. A maior parte do seu trabalho pertence ao que é efêmero, silencioso e invisível e que, ao ocupar os pequenos frascos
de vidro, pode se tornar visível. Mas as gotículas de água estão ali, mesmo que não consigamos vê-las? No momento que preenchem o vidro que é material,
apresenta forma, cor, temperatura e peso, elas se presentificam? Se relacionarmos com o ambiente de aprendizagem, isso pode acontecer? Uma pergunta, vinda
sem esperar, pode tomar corpo e dar forma a um acontecimento?
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 Brígida Baltar. A Coleta da Neblina, 2002. Reprodução fotográfica Sérgio Guerini. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em 20 fev. 2014.
Na fotografia “A Coleta da Neblina”, a massa de ar esbranquiçada, que ocupa a maior parte da imagem, se funde com a imagem da montanha e da artista, criando uma fronteira híbrida: tudo é neblina, os corpos se fundem no esfumaçado daquilo que é fugaz. Silêncio que aparece para nós, espectadores da imagem, e
fundamental para a busca da artista. Essa presença, concentração e entrega à sua captura é essencial para a artista e para o educador. Ambos têm que estar
dispostos, receptíveis, abertos e passivos, mas uma passividade feita “de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial” (LARROSA, 2004, p.161). O silêncio é fundamental nessa busca, já que o acontecimento é dado na forma de estímulo,
de sensação pura (2004, p.157).
Além disso, é preciso que os sujeitos estejam preparados para se expor, com tudo o que têm de vulnerabilidade e risco, criando espaço para o improvável, o incerto e o acaso acontecer. Entre todos os riscos, aqui se inclui o risco do não saber, que uma simples intervenção de uma criança pode provocar no educador e
criar uma instabilidade, como foi o caso vivido pela mediadora diante da questão apresentada pelo menino sobre a obra “Mãe Preta”.
O educador que se permite ser um espaço de acontecimentos, aberto a sua própria transformação está possibilitando também que seus alunos criem esses espaços neles próprios, porque ele está em relação, constrói algo no encontro. Captura o invisível nessa constante busca do que é fugaz e incerto, pertencente ao
processo de ensino e aprendizagem do campo da arte-educação.
Dessa atenção aos acontecimentos fugazes em sala de aula foi colhida uma prática, um tanto peculiar: tornou-se recorrente receber radiografias, ressonâncias
eletromagnéticas e tomografias de seus alunos, que, por elas, a nosso ver, perpassa um intenso apreço a tal ponto de tornar difícil o seu desapego, daí a sua
transferência para outrem. Por outro lado, igualmente, perceptível e reconhecível, o também intenso interesse pela própria imagem que surge da escuridão, do
fundo negro de prata, e não propriamente pelo objeto em si.
Há muito as artes visuais e as ciências interagem entre si, exercitam-se em aproximações, em investigações, em trocas e confluências, exemplos não nos faltariam. Porém, tratando-se das radiografias podemos elencar alguns nomes de artistas que as utilizam em suas obras, seja, como suporte poético ou como matéria
mental imaginada que participa do processo criativo; a saber, no plano internacional: Benedetta Bonichi, Susan Aldworth, Andrew Carnie, Mona Hatoum, Laura
Ferguson, Marta de Menezes, e no Brasil: Diana Domingues, Cris Bierrenbach e Mônica Mansur. Tal é o olhar atento à relação entre imagens científicas e arte
que nos cabe ainda citar ocorrências outras: no circuito brasileiro, o Prêmio de Fotografia - Ciência & Arte (PFOTO), uma iniciativa do CNPq, ou mesmo a I Bienal
Nacional de Imagens na Ciência, Arte, Tecnologia, Educação e Cultura (2013) – UFRJ; e, no internacional: o projecto A IMAGEM na Ciência e na Arte (Lisboa) e
o concurso Art of Science promovido pela Universidade de Princeton nos Estados Unidos, dentre muitos outros.
Fato é que o aumento significativo na produção e, por conseguinte na divulgação de imagens científicas além de seus confins; por um viés, faz com que elas
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se tornem agentes da história da visualidade, e, por outro, coloca-nos uma questão basal: como proporcionar a leitura dessas imagens, não do ponto de vista
informacional, mas, como fenômenos visuais? Sentir, pensar e refletir sobre como essas imagens podem ser lidas e significadas pelos não especialistas da área
médica, por aquele olhar investigativo, conjuntamente perceptivo e subjetivo, tem para nós um campo a ser examinado e quem bem pode se estender à educação,
a “alfabetização visual”. Certos de que, a partir das experiências perceptivas mais diversas, o ensino da arte perpassa pelo sensibilizar porque não empregarmos
imagens oriundas de meios tecnológicos da medicina, que encerram em si potenciais de investigações educativas que permitem ultrapassar e transgredir um ensino que teima em se amparar nas equivocadas práticas de releituras de obras artísticas, nos limites da linha do tempo das obras/artistas consagrados e porque
não da própria história da arte erudita?
Uma breve aproximação a essa tipologia de imagens médicas revela que elas se identificam com a diversidade de elementos constituintes da linguagem visual, o
que implica que a leitura das mesmas pode se dar a partir do exame de: forma/pulsões de formas, cores, luz, padrões de equilíbrio, direção, configuração, espaço,
desenvolvimento, composição, expressão, linhas e contornos, planos, movimento, profundidade, simetrias, texturas e tantos outros.
Não descartamos outra possibilidade, a de que o potencial educativo dessas imagens possa também servir como elemento incitador da criação artística. Com a
tecnologia digital em medicina o nosso interno passou a ser lido, interpretado como uma imagem virtual, assim, o que nos dizem e sugerem os nossos ossos, tecidos, nervos, órgãos, membranas e tantas outras partes do nosso corpo das quais estamos nos apropriando imageticamente? O que elas nos revelam enquanto
expressão e poesia de nós mesmos, o que elas comunicam sobre a nossa imensidão íntima, sobre nossas dores e prazeres, e por fim quais são seus valores
estéticos?
Vale mencionar que mesmo distante de uma unanimidade, estudiosos, como James Elkins, se posicionam a favor de que as imagens científicas encerram em
si valores estéticos3 (MARCOVICH; SHINN, 2011) e não somente informacionais, daí que os cientistas também são “pensadores visuais”, posicionamento este
que se estende aos pesquisadores Anne Marcovich e Terry Shinn4. Estes autores, no ensaio que examina a estrutura e função das imagens na ciência e na arte,
chegam a determinar que o foco da análise das técnicas de produção da imagem científica repousa em três temas, que a nosso entender em muito se aproximam
das premissas teóricas da Gestalt, a saber – da forma (tamanho, formato, posição, textura, conformação e configuração), da força (massa, magnetismo, elasticidade, pressão) e da perturbação (dinâmica), e do mesmo modo esses temas são empregados como base na leitura de duas obras de arte, o grupo escultórico
“Laocoonte e seus dois filhos atacados por serpentes”, atribuido a Agesandro, Atenodoro, Polidoro e a pintura “A Grande Odalisca”, de Ingres (1814). De modo
geral, diante dessa pesquisa paralela e comparativa, os autores acima concluem que:
as representações artísticas e as imagens da ciência exibem especificidades, compartilham vários elementos-chave e são mutuamente iluminadoras. Propomos, assim, a hipótese de que o estudo das imagens na ciência pode contribuir para uma apreciação mais completa das características,
da arquitetura e das relações oferecidas nos retratos artísticos. Como corolário dessa afirmação, também sugerimos que a sensibilidade de certas
tendências, na representação pictórica e escultórica, pode estimular a consciência de importantes especificidades das reproduções científicas.
(MARCOVICH; SHINN, 2011, p. 232, 237)
À vista disso, se as técnicas de produção de imagens científicas se aproximam do estudo da gramática artística visual, deixamos a pergunta: como criar um espaço
no ensino e na aprendizagem da arte para a absorção e leituras dessas imagens de modo a estimular as suas possíveis e distintas contribuições?
Da íntima imagem resultante de uma mamografia, à imagem aleatória captada pela passagem dessa mulher pelo elevador da clínica onde foi realizado o exame,
há uma infinidade de imagens que a tocam, a conformam e medeiam as suas relações com o mundo.
A questão aventada neste texto sobre as intrincadas relações que também podem ser exploradas nas aulas de artes com as imagens ditas aqui científicas, no
caso as imagens do campo da medicina, por um lado revelam o quanto os diferentes sistemas de produção e leitura de imagens nos quais estamos imersos se
assentam sob aquela velha e conhecida gramática visual instituída pelo ocidente e, por outro lado, apontam para a necessidade urgente de ampliação do campo
do ensino de artes para abarcar e enfrentar a questão das visualidades contemporâneas.
Sobre o primeiro lado, a primazia da perspectiva ocidental de concepção de imagem, a questão fica em aberto, dado sua complexidade para este espaço de
reflexão, lembrando apenas que as “odisseias das imagens” nas culturas são intrínsecas aos modos de ver e pensar das referidas culturas (MITCHELL, 2012).
Quanto a ampliação do campo do ensino de artes em direção a uma ampla cultura visual, muito tem sido dito e argumentado nos últimos quinze ou vinte anos.
Fruto de uma “virada imagética”, impulsionada pelo capitalismo com suas novas tecnologias de produção e veiculação de imagens, como argumenta Paul Duncum. No entanto, queremos pensar que esta questão não é “nova” como aparenta, pois a guerra em torno de imagens é intrínseca a história da humanidade com
3 A exemplo do emprego do uso das cores ou mesmo o acréscimo de cores artificiais para tornar a imagem científica mais atraente a um público mais amplo e também para obtenção de
efeitos estéticos.
4 James Elkins é professor do Departamento de História, Teoria e Crítica de Arte da Escola de Artes da Universidade de Chicago, Estados Unidos, enquanto que Anne Marcovich e Terry
Shinn são pesquisadores da Maison des Sciences de l’ Homme, Paris, França.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
suas lutas e sobrevivências. O que talvez se apresente como novo é uma certa “coalisão” de diferentes campos de estudo em torno da imagem, tendo como fio
condutor a teoria crítica (DUNCUM, 2011, p. 20). São campos que se abrigam no campo maior dos estudos culturais que podem contribuir com outras formas de
olhar as imagens, desnaturalizando o espaço das aulas de artes há muito focado em modos de ver preconcebidos e instituídos.
Ainda segundo Paul Duncum, para justificar sua posição em relação a educação para a cultura visual, diante do contexto imagético de hoje, as imagens do campo
da arte perfazem apenas um por cento (1%) do total de imagens nas quais estamos imersos. Em aula de seu curso sobre Cultura Visual e Educação, ministrado
no Instituto de Artes em 2010, o professor Duncum nos fez pensar através de uma gráfico em forma de pizza, sobre agrupamentos de imagens que se oferecem
em fatias ao sabor de suas origens ou destinações. Segundo este gráfico, quase metade das imagens produzidas hoje, ou seja, quarenta e nove por cento (49%)
delas, são resultantes de equipamentos de segurança. Sorria! Você esta sendo filmado! São registros dos aparentes movimentos suspeitos ou não suspeitos dos
sujeitos em espaços públicos e privados. Nesta pizza tem a fatia dos quinze por cento (15%) de imagens oriundas do campo médico, são as radiografias, mamografias, densitometrias, etc. que revelam as entranhas dos corpos, registros de invisibilidades palpáveis. Outros quinze por cento (15%) distinguem as imagens
produzidas pelo campo científico, como este gráfico que mesmo não representado aqui se faz presente no texto. São imagens recursivas que reforçam argumentos, sistematizam resultados de pesquisa e revelam novas ideias ou formas de pensar o mundo.
Restam três fatias de pizza, com certeza os sabores mais próximos das aulas de artes na perspectiva da educação para a cultura visual. Uma delas, com quatorze
por cento (14%) se refere às imagens advindas da cultura popular de massa, justamente aquela fatia responsável por estimular o consumo, por incutir comportamentos, ideias e valores que impulsionam, para o bem e para o mal, o moto contínuo do capitalismo voraz. A outra fatia com seis por cento (6%) encerra imagens
da cultura popular da tradição do povo e, por fim, o um por cento (1%) das instigantes imagens do campo da arte. Estas últimas, em sua ínfima fatia têm um papel
preponderante na cultura visual ocidental justamente pelo poder de condensar experiências e definir modos de partilha do sensível.
O exercício proposto por Paul Duncum pode ser questionado quanto aos tamanhos e números dessas fatias, mas é inegável que ele leva a pensar sobre as origens e destinações das imagens que nos cercam e nos afetam, assim como leva a pensar sobre os trânsitos e cruzamentos entre elas e as relações de poder e
de dependência de umas sobre as outras. Pensar sobre o que fazemos com as imagens e o que elas fazem conosco.
Desta consideração, mais uma exemplo da prática educativa nos provoca: uma sala pequena, quatro mesas redondas rodeadas por minúsculas cadeiras. Outra
mesa, esta retangular num canto da sala, uma cadeira maior, uma lousa branca, dois varais em paredes opostas, penduradas neles: imagens aparentemente
iguais. As imagens diferem-se por traços de lápis de cor e pontos de papel. Sobre a lousa branca, letras do alfabeto, ao lado decorações coloridas em material
emborrachado e um armário cheio de materiais. Contorno preto de borboletas sorridentes, coberto de bolinhas de papel crepom. A sua frente, uma fileira de personagens da Walt Disney, difíceis de serem identificados, pois, sobre seu contorno sobressaem rabiscos, riscos de todas as cores. Cores fortes, quase um grito.
Um corredor cheio de portas, um painel de madeira entre duas delas. É possível identificar o contorno de um elefante acrobata, equilibrando-se sobre uma bola,
coloridos a lápis de cor, a temática foi o dia do Circo. Em outro painel mais a frente vemos árvores também coloridas, árvores que possuem boca, olhos e nariz.
A temática neste, foi o meio ambiente.
Imagens estão presentes em todas as paredes do ambiente escolar. Mas que imagens são essas? Que tipo de Cultura Visual está sendo cultivada na escola?
Porque é tão comum ainda este tipo de desenho nos varais e nas paredes das salas de aula? Seriam cânones escolares?
Borboletas sorridentes, elefantes acrobatas e árvores narigudas, por vezes são substituídas por Tarsilas, Romeros e Volpis. Traços fortes ou fracos e bolinhas de
papel sobre, ultrapassam seus contornos pulsando por transformar aquelas imagens em outras. Mas onde fica a arte neste processo? Que tipos de concepção
de ensino de arte persistem nessas escolas? O que seria arte para esses educadores?
Dialogando com esta ideia, recordamos a imagem da obra “Cânone” (2006) do artista visual, Marepe, instalação que esteve presente na 27a Bienal de Arte de
São Paulo.
A imagem da instalação apresenta 35 guarda-chuvas agrupados no espaço, como se caíssem sobre os expectadores. Utilizando um objeto do cotidiano o artista
traz a cena uma possível discussão sobre proteção, pois, o guarda-chuva é um objeto que historicamente sempre foi utilizado para proteger. Já o nome dado à
obra, “Cânone”, nos faz pensar em muitas possibilidades de reflexão. Cânone, segundo o dicionário Aurélio, vem da palavra Cânon, que significa regra ou modelo.
Observando a imagem, percebemos que os objetos, ou mesmo, as “regras e modelos” dispostos no ar dependurados como nos varais da sala de aula nos trazem
a impressão de caírem sobre as pessoas ali presentes.
Partindo desta reflexão, podemos pensar, nos diferentes cânones presentes ainda nas práticas de ensino de Arte. Assim, ao se elaborar este texto, não se pensou
na aquisição de respostas, mas em tecer algumas reflexões que nos convide à desconstrução de modelos estabelecidos, em busca de novos caminhos.
A concepção dualista separa mente do corpo, pensar e fazer, lazer e trabalho, arte e técnica, entre outras coisas, contribui, na escola, para uma descaracterização do ensino artístico. Na ânsia de levar os alunos a uma determinada forma de produção “artística”, o professor trabalha com modelos,
dentro de padrões rígidos de ensino. Sua função acaba sendo a de delegar tarefas, e a dos alunos a de cumpri-las, executando exercícios repetitivos, mecânicos, padronizados. Daí a demanda dos professores por “técnicas novas” e “novos modelos de trabalhinhos. (ALMEIDA, 2012, p. 33).
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A utilização de reproduções de obras de Arte ou imagens como mediadores do conhecimento ocupa um bom espaço na prática educativa. Mas como se dá a
escolha destas imagens? Mesmo com todo aparato tecnológico presente no espaço escolar, como data shows, computadores, vídeos, câmeras fotográficas, tablets, impressoras, percebemos que os educadores enfrentam muitas dificuldades para utilizar esses recursos em suas aulas e isso acaba influenciando em suas
escolhas. Os mimeógrafos ainda perseveram nas escolas, e com eles, os varais de imagens mimeografadas. Seria o primeiro cânone?
O desenho livre ou o desenho como passatempo, outro modelo presente no cotidiano escolar. E finalmente, o mais popular: A releitura. De forma tradicional, a
prática da releitura utilizada como forma, muitas vezes, de ampliar o repertório do aluno acaba se tornando um modelo a ser seguido na hora do aluno produzir
suas imagens, a releitura virá cópia.
Seriam esses guarda-chuvas as imagens no varal? Selecionadas para proteger o aluno do suporte em branco ou da suposta falta de talento existente no imaginário
do adulto que mediou àquela atividade. Ou seria apenas um treino para desenvolver a tão sonhada coordenação motora que libertará o aluno daquele “contorno”
num futuro distante? Talvez seja apenas a reprodução do modelo da escola que aquele educador frequentou.
Desgarrarmo-nos das convenções, para nos deixar enveredar pelas múltiplas bifurcações de um labirinto de espelhos, onde pequenas luzes se acedem, se apagam, se desdobram, multiplicam, como na obra “Infinity Mirrored Room - Filled with the Brilliance of Life” de Yayoi Kusama (2011). Deixarmo-nos tomar por infinitas possibilidades de pontos de vista, de composição das partes, de encontros de tempo. Por lampejos moventes, que acendem o desejo de habitar a imagem,
de se entregar à duração do brilho e à intermitência do que reluz, assumindo os riscos da possibilidade de transformação, nessa atenção ao efêmero, ao ínfimo,
ao – quase – imperceptível.
Sobre a possibilidade de transformação que a imersão na “paisagem” da imagem pode suscitar, há uma história denominada “A aventura de Chu”, que foi recontada por Regina Machado em seu livro “Acordais” (2004, p.39).
No conto, dois viajantes chamados Chu e Meng, ao fugirem de uma tempestade, procuram abrigo num antigo templo em ruínas, onde encontram um velho monge
que lhes apresenta uma pintura. Os dois amigos começam a percorrer o quadro e em dado momento, quando Chu se detém nos detalhes da imagem de uma
bela jovem, ele transpõe o limite da observação objetiva e mergulha na imagem. Naquele novo mundo - o da pintura - Chu se apaixona e se casa com a jovem
tão admirada, mas em seguida, ouve ameaças de morte que o fazem sair do quadro e voltar ao templo. De fora, ao observar o quadro novamente ele nota que a
jovem amante, que antes usava tranças, agora estava com um coque, como era costume das moças casadas naquele lugar.
O conto revela, segundo Machado, a experiência de transformação vivida por Chu a partir da imersão na experiência de apreciação. O aventureiro não era mais
o mesmo quando reinicia a viagem: havia vivido um trajeto de significações e percorrido sua própria história enquanto explorava a paisagem do quadro. Depois
daquela experiência, seu ponto de vista havia se transformado e a jovem não estava mais de tranças. Um detalhe da pintura que evidenciava todo um conjunto
de transformações ligadas ao conhecimento, ao chamado amoroso, ao mistério e aventura de penetrar uma imagem.
Como arte/educadores, reconhecemos essa nossa potente responsabilidade de mobilização vinculada à apreciação de imagens, que se apresenta para nós como
possibilidade de conhecer o mundo, de realizar múltiplas relações (imaginativas, especulativas) e de produzir de sentidos.
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Valéria Peixoto de Alencar, Bacharelado e Licenciatura em História pela Universidade de São Paulo (1998), Mestre em Artes pelo Instituto de Artes/UNESP
(2008). Doutoranda em Artes, IA/UNESP com pesquisa sobre a relação entre a cultura visual em museus históricos e trabalho educativo. Bolsista CAPES/
MEC. Experiência como professora na Educação Básica, e no ensino superior. Também atua como Mediadora Cultural e Supervisora de Equipes Educativas
em museus e exposições desde 1996.
e-mail: [email protected]
Camila Feltre, Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes (2010) e mestranda do Instituto de Artes da UNESP-Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita Filho (ingresso 2013). Atua desde 2008 como arte educadora em instituições culturais. Pesquisa na área de experiências educativas com livros em espaços de educação não formal.
Flora Sipahi Pires Martins Figueiredo, Mestranda do Instituto de Artes UNESP- Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita Filho, na Área de
Concentração de Arte e Educação e Linha de Pesquisa Processos Artísticos, Experiências Educacionais e Mediação Cultural (ingresso em 2013). Pesquisa
na área de experiências educacionais e história da arte/educação. Atua desde 2004 como arte/educadora e é coordenadora da área artes no ensino infantil
da Escola Viva.
Mara Lúcia Finocchiaro da Silva, Pedagoga,comespecialização em Educação Infantil pela Universidade de São Paulo, atua em escolas públicas de
Educação Básica em São Bernardo do Campo, SP. Mestranda do Instituto de Artes UNESP/Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho- SP- na
Área de Concentração de Arte e Educação e Linha de Pesquisa Processos Artísticos, Experiências Educacionais e Mediação Cultural (ingresso em 2013).
Pesquisa a dimensão estética na formação dos educadores da infância.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Rejane Galvão Coutinho, é mestre e doutora em Artes pela USP e professora do Instituto de Artes da UNESP, onde atua no curso de Artes Visuais e
no Programa de Pós-Graduação em Artes, mestrado e doutorado, área de conhecimento Arte e Educação. É líder do grupo de pesquisa Arte e Formação de
Educadores - GAFE - e membro do grupo de estudos e pesquisas em Imagens, História, Memória, Arte e Educação - GPIHMAE - tem publicado artigos em
periódicos e livros sobre: história do ensino de artes no Brasil, formação de educadores mediadores e a questão da educação em museus.
Rita Luciana Berti Bredariolli, é Doutora em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA-USP e mestre pela mesma
instituição. Atualmente é professora Assistente Doutora do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, IA – UNESP, desenvolvendo estudos e pesquisas sobre as relações entre imagem, memória, história, arte e educação.
Roberta Jorge Luz, Mestranda em Arte pelo Instituto de Arte UNESP-SP (Ingressou em 2013). Titular de cargo como professora da rede estadual de ensi-
no desde 2001 e atua como Professora Coordenadora de Arte no Núcleo Pedagógico da Diretoria de Ensino de Sorocaba (SP). Trabalhou no ano de 2013 na
construção das Orientações Curriculares de Arte dos anos iniciais do Ensino Fundamental junto a equipe da CGEB (Coordenadoria de Gestão da Educação
Básica) da Secretaria de Estado da Educação (SP).
Sidiney Peterson Ferreira de Lima, Mestrando do Instituto de Artes UNESP- Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita Filho, na Área de Concen-
tração de Arte e Educação e Linha de Pesquisa Processos Artísticos, Experiências Educacionais e Mediação Cultural (ingresso em 2012). Pesquisa na área
de História do Ensino de Arte no Brasil.
Silvana Brunelli, é bacharel em Artes Plásticas (1994) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, mestre (2000) e doutora (2007)
em Artes por essa mesma instituição de ensino. Coautora do livro Arte Moderna, editora Experimento, 2001. Atualmente, participa do grupo GPIHMAE – Unesp,
que atua na linha de pesquisa Processos Artísticos, Experiências Educacionais e Mediação Cultural.
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Índice
Index
Início
Start
“UM BREVE HISTÓRICO” OU DE COMO (RE) CONHECEMOS HISTÓRIAS SOBRE ARTE E EDUCAÇÃO
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Rita Luciana Berti Bredariolli
GPIHMAE (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Imagem, História e Memória, Mediação, Arte e Educação)
E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade,
na cadeira da mulher da limpeza, Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando
o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada,
A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas,
Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse
dizer, então não seria desconhecida Saramago, O conto da ilha desconhecida.
O eterno, de qualquer modo, é antes o drapeado de vestido do que uma ideia
Walter Benjamin, Passagens.
Quantas vezes já lemos – ou ouvimos - em artigos, livros, teses, dissertações, o título, ou mais comumente, o subtítulo “um breve histórico”? E então o movimento
de recuo em linha reta se anuncia: “desde os primórdios até hoje em dia....”. Geralmente nos agarramos ao “um breve histórico” - como náufragos aos pedaços
de madeira, às reminiscências, de um barco afundado – para introduzir nosso assunto, e então, evitando o enfrentamento imediato, desenhamos a linha reta
rumo ao passado para “resgatar”, “recuperar”, geralmente uma “compreensão toda” de nosso tema, como se lá estivesse essa possibilidade, como se isso fosse
possível. Não, não está. Não, não é possível. E, por vezes, recuamos tanto pela ilusão de salvação de nosso presente que nos esquecemos do principal: o nosso
tema. “Do que é que estávamos mesmo falando?”
Porque ainda insistimos em recorrer ao “passado” – e por convenção e aprendizado sedimentado – em consequência, à história, por uma trajetória em linha reta,
buscando, ilusoriamente a possibilidade originária do conhecimento daquilo que demanda nosso enfrentamento no aqui e no agora? Porque ainda mantemos o
entendimento do “passado” – esse, do recuo em linha reta – como o lugar da compreensão de nosso presente? Porque ainda não nos desvencilhamos da ideia
de tempo como linha reta, composta pela disposição de sucessivos acontecimentos, compreendidos como “fatos”?
Nesse modelo de tempo, subsidiário de uma convencional noção da história, mantida em sedimentação não somente pelos livros que circularam – e continuam
circulando - por nossos anos escolares, mas também pela convivência com estruturas narrativas dadas a certo romance - assistidas no cinema ou em nossas
casas, definindo a trama de novelas, telejornais, propagandas ou quaisquer outros programas propostos ao entretenimento -, repousa as noções de “evolução” e
“progresso”. Fomos acostumados - e nos acostumamos – à ideia de que uma história deve ter começo, meio e fim, tensão antagônica e amorosa entre personagens e o desfecho, geralmente, para um almejado final feliz, ou seja, para a cessação dessa tensão. Ideia preservada, por reprodução e reafirmação, apesar, de
suas concomitantes problematizações ou mesmo, discordâncias. Em torno de 1874, Nietzsche, na segunda de suas “Considerações Extemporâneas”, intitulada
“Da Utilidade e Desvantagem da História para a Vida”, interpelava essa sobrevivente concepção de história, constituída idealmente, toda, no vai-e-vem retilíneo
entre a projeção de um passado e a de um inexistente futuro. Mordaz, reclamava o esquecimento como princípio para a ação, “assim como a vida de tudo o que
é orgânico requer não somente luz, mas também o escuro” (NIETZSCHE, 1983, p.58). Nesse texto, Nietzsche critica um determinado “olhar ao passado” que
impeliria os “homens históricos” ao futuro, inflamando ânimos a “concorrer com a vida”, acendendo “a esperança de que a justiça ainda vem, de que a felicidade
está atrás da montanha em cuja direção eles caminham.
Esses homens históricos acreditam que o sentido da existência, no decorrer de seu processo, virá cada vez mais à luz; eles só olham para trás
para, na consideração do processo até agora, entenderem o presente e aprenderem a desejar com mais veemência o futuro. Não sabem quão
a-historicamente, a despeito de toda a sua história, eles pensam e agem, e como até mesmo sua ocupação com a história não está a serviço do
conhecimento puro, mas da vida” (NIETZSCHE, 1983, p.59).
Outro pensamento dissonante a uma história idealista é o de Walter Benjamin. Em suas teses “Sobre o conceito de História”, reivindica como “lugar” da história esse “objeto de uma construção” - “um tempo saturado de ‘agoras’”, e não o “tempo homogêneo e vazio” (BENJAMIN, 1996, p. 229). Cada “agora” seria um “Agora
de recognoscibilidade determinada” por imagens. “Cada presente” é para Walter Benjamin,
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“determinado pelas imagens que são síncronas com ele [...] Não cabe dizer que o passado ilumina o presente ou o presente ilumina o passado.
Uma imagem, ao contrário, é aquilo no qual o Pretérito encontra o Agora num relâmpago para formar uma constelação. Em outras palavras: a imagem é a dialética em suspensão. Pois, enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal, a relação do Pretérito com o Agora
é dialética: não é de natureza temporal, mas de natureza imagética. Somente as imagens dialéticas são imagens autenticamente históricas, isto é,
não arcaicas” (BENJAMIN, PASSAGENS, p. 504; BENJAMIN apud DIDI- HUBERMAN, 2005, p. 182).
A história de Benjamin, cujo lugar de construção é um “tempo saturado de agoras”, se vincula à noção de imagem dialética, criada no “entrelaçamento da forma
produzida e da forma compreendida, ou seja, ‘lida’ (não decifrada como tal, mas retrabalhada na escrita), uma forma compreendida numa escrita ela mesma
‘imagética’ – portadora e produtora de imagens, portadora e produtora de história” (DIDI-HUBERMAN, 2005, p. 181). Essa configuração constelacional da história
benjaminiana se funde ao movimento da memória, compreendida por Benjamin, “não como posse do rememorado – um ter, uma coleção de coisas passadas -,
mas como uma aproximação sempre dialética da relação das coisas passadas a seu lugar, ou seja, como a aproximação mesma de seu ter-lugar” (DIDI-HUBERMAN, 2005, p. 174).
Esse movimento constelacional, delineado em “montagem de tempos heterogêneos que formam anacronismos” (DIDI-HUBERMAN, 2008), também foi fundante
da noção de história de Aby Warburg, “o homem que falava com borboletas” (DIDI-HUBERMAN In MICHAUD, 2013, pp 17-29). Seu “Atlas Mnemosyne” pode
ser considerado a “exposição sinóptica” (DIDI-HUBERMAN, 2013) dessa ideia, análoga àquela manifesta na escolha da “montagem literária” como método de
construção do livro das “Passagens” de Walter Benjamin, dois projetos contemporâneos e infindos.
Junto a essas manifestações revisionistas, atualizadas também pelos textos de Georges Didi- Huberman, a nós contemporâneos, incluímos as ideias de Michel
Foucault, expostas em textos como “Nietzsche, Freud, Marx”, “Sobre as Maneiras de Escrever a História”, “Nietzsche, a Genealogia, a História” (FOUCAULT In
MOTTA, 2013), ou livros como “As Palavras e as Coisas” (FOUCAULT, 2000) ou “Arqueologia do Saber” (FOUCAULT, 2000), pelos quais integra e amplia essa
revisão epistêmica sobre a história e sua escrita.
Mas, apesar de todos esses enunciados revisionistas, ainda é prevalecente como apoio, “breves históricos” escritos em reta direção ao passado em busca da
compreensão de nosso presente. Porque essa insistência? Porque ainda não nos desvencilhamos do retilíneo recuo? Mas o nosso problema, de fato, e sobre as
nossas relações com os “fatos”, históricos e historiográficos, não reside no desenho do tempo em linha reta per se, tampouco em nossa escolha por fazer história em um “breve histórico”, mas na condução automática que nos leva a fazer essa escolha. Automatismo lido como sedimentação cultural de um aprendizado,
que acaba por ser tornado – por ser aparentemente “tão conhecido” – algo natural. Geralmente, ao descrever o movimento dos “breves históricos”, dispomos
nessa linha reta, acontecimentos em uma sucessão temporal definida pela relação causal entre passado e presente: o “fato” precedente é a causa e explicação,
a “origem” – reproduzindo-a aqui em sua “acepção trivial”, em seu senso comum como gênese, como fonte - do “fato” seguinte”. Uma história desenhada sob a
ideia de que o presente é consequência de acontecimentos passados e para entendê-lo devemos encontrar sua “origem” passada, sua gênese, e “resgatá-la”,
“recuperá-la” para compreender nosso estado atual, ou o estado atual dos acontecimentos que compõem nosso ambiente.
Primeiro, paremos para pensar sobre nossa concepção de “fato”. O que seria para nós um “fato”? Ao usar a expressão “de fato”, logo um pouco acima desse
parágrafo, nesse texto, procurou-se dar ênfase a algo o mais próximo do que seria “verdadeiro”. Esse modo de entendimento do termo “fato” é o mais comum.
Associamos “fato” há algo verdadeiramente acontecido. E ainda, quando recorremos a uma descrição de algum “fato”, é como se o conseguíssemos apreender
na exatidão de seu todo, integralmente como ele foi. Temos então a sensação de compreensão cabal do passado, tornando-o absoluto. Ao assumirmos os acontecimentos passados como “fatos”, sugerimos o domínio de todos os elementos que os integram, ao mesmo tempo em que reafirmamos e reproduzimos como
ocorrências irrefutáveis, tudo aquilo que talvez tenhamos experimentado ou aquilo que nos foi dito ou o que foi escrito sobre tais acontecimentos.
Ora, mas então não existem os “fatos”? Tudo é uma grande mentira, uma grande enganação ou ilusão? Não. É claro que nossa história é feita pelos acontecimentos, no tempo. Novamente, o problema está em como nos relacionamos com esses eventos, com esses “fatos”. O cuidado que devemos ter é com a consideração
de que tais fatos não podem ser apreendidos em seu todo. Ao fazermos história, lidamos com indícios, fragmentos, vestígios, discursivos e/ou imagéticos. É sim
um trabalho de reconstituição, mas sempre lacunar. Para Didi-Huberman (2010, p. 175) a “tarefa do historiador” teria sido “alegorizada” por Walter Benjamin em
um dos fragmentos de seu conjunto de narrativas intitulado Denkbilder, traduzido no Brasil como “Imagens do Pensamento”. Em “Escavando e Recordando”,
Benjamin diz que aquele que
“pretende se aproximar do próprio passado soterrado deve agir como um homem que escava. Antes de tudo não deve temer voltar sempre ao mesmo
fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o solo. Pois “fatos” nada são além de camadas que apenas à exploração mais
cuidadosa entregam aquilo que recompensa a escavação. Ou seja, as imagens que, desprendidas de todas as conexões mais primitivas, ficam como
preciosidades nos sóbrios aposentos de nosso entendimento tardio, igual a torsos na galeria do colecionador” (BENJAMIN, 2000, pp. 239-240).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Ao relacionar a “tarefa do historiador” à imagem daquele que escava, criada por Walter Benjamin para enunciar seu entendimento sobre o processo de conhecimento do passado, Didi-Huberman estaria apresentando uma ideia de história enlaçada com à da memória. Não temer o esforço contínuo de voltar ao “fato”, ao
“acontecido”, não para preservá-lo, mas para colocar em movimento, a nossa reflexão sobre esse “fato”. Revisitá-lo para sobre ele, lançar outros olhares, outras
leituras, outras compreensões, resultantes do que experimentamos ao longo desse processo de revisitação, ou “escavação”. Pois os “fatos” são sedimentações
– de tempo, de discursos, de compreensões, de experiências; múltiplos – que não revelam a si próprios, mas o próprio processo, trajeto, caminho ou “propósito
mesmo” dessa própria escavação, movida pela “pesquisa mais minuciosa”1 (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 175) .
Para Didi-Huberman, o historiador é “aquele que exuma cosias passadas, obras mortas, mundos desaparecidos”. E esse ato de “desenterrar” modificaria a “própria
terra, o solo sedimentado” – que não é neutro, pois carrega “em si a história de sua própria sedimentação – onde jaziam todos os vestígios”. Tanto o “ato memorativo”, de maneira geral, quanto o “ato histórico” em sua particularidade, estabeleceriam um problema crítico, que seria o da relação entre aquilo que é memorizado - ou historiado -, os “fatos”, os “acontecidos” e o seu “lugar de emergência”, que nunca será o mesmo. Podemos ter a sensação de ter nos aproximado desse
“objeto rememorado”, de “tê-lo ‘reencontrado’”, mas, “seu contexto, seu lugar de existência e de possibilidade, não o temos como tal. Jamais o tivemos, jamais o
teremos”. Isso nos condena “às recordações encobridoras, ou então a manter um olhar crítico sobre nossas próprias descobertas memorativas” (DIDI-HUBERMAN,
2010, p. 176) ou históricas, ou historiográficas, quando a veladura é imposta pelo já conhecido, algo que também é demandante de um “olhar crítico”, constante.
Nesse sentido, nenhum fato é “resgatável”, ou “recuperável” - outra forma usual de nos remetermos aos “fatos históricos” ou a história: “vamos resgatar a história
para entender nosso presente”; como se nosso presente tivesse uma única e apreensível fonte – pois no movimento de “escavação”, o “fato” mesmo não nos é
revelado e seu contexto, seu “lugar de emergência” já não é o mesmo.
Dessa forma, jamais alcançaremos a “origem” das coisas se mantivermos sobre esse conceito o seu entendimento comum como gênese ou fonte de algo, ou de
um fato. Não é possível alcançar a origem de algo ou de um fato, porque ela “não se dá a conhecer na existência nua, evidente do factual [...] a origem não emerge
dos fatos constatados, mas diz respeito à sua pré e pós-história” (BENJAMIN apud DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 170). A origem estaria bem “mais próxima de nós
que imaginamos, na imanência do próprio devir – e por isso, ela é dita pertencer à história, e não mais à metafísica”. Para Didi-Huberman, “a origem surge diante
de nós como um sintoma”. A origem foi figurada por Walter Benjamin como um “turbilhão no rio do devir”, solicitando seu reconhecimento em uma “dupla ótica”,
dialética e crítica: “de um lado como uma restauração, uma restituição” – e não como resgate ou recuperação – “de outro lado como algo que por isso mesmo é
sempre inacabado, sempre aberto” (BENJAMIN apud DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 170).
Imaginemos agora algo bem próximo a nós: nossa própria memória, nossa própria história. Conseguiríamos “resgatar”, completamente, em uma compreensão
do todo dos acontecimentos aquilo que nos aconteceu ontem? O que nos aconteceu há alguns minutos, segundos atrás, por exemplo? Conseguiríamos compreender o todo dos motivos que ocasionaram algum dos acontecimentos por nós experimentados? Ou o todo do processo desse acontecimento? Ou o todo
de nossa recepção desse acontecimento? O que conseguimos “recuperar” ou “resgatar” desse acontecimento são alguns de seus fragmentos, que passarão a
habitar - retidos pela abertura de nossos sentidos e intelecto -, por escolhas inteligíveis ou ininteligíveis, algum “canto de nossa memória” (MALRAUX, 1974, p.
123). Em seu livro “A memória, a história, o esquecimento”, Paul Ricouer ao dimensionar o processo memorativo evoca a “polaridade lembrança primária/ lembrança secundária, retenção/reprodução”, por ele lida nas “Lições por uma fenomenologia da consciência íntima do tempo”, livro de 1905, escrito por Husserl. A
retenção estaria vinculada à “percepção do momento”; enquanto que a reprodução se remeteria àquilo que emergiria no momento posterior ao desaparecimento
dessa percepção. Por isso, essa “lembrança secundária” – referente tanto a uma “evocação espontânea”, quanto a uma “evocação laboriosa” - não pode ser
compreendida como “apresentação”, nem representação, diríamos. Mas, como “re-(a)presentação”. Em analogia, a “lembrança secundária” seria uma “mesma
melodia, mas ‘quase ouvida’” (RICOUER, 2008, pp.52-53). A rememoração de um fato seria equivalente, portanto, à sua re-(a)presentação. Estaríamos então nos
relacionando com um “quase-fato”.
Mas fazer história não é somente rememoração. Ao processo de rememoração incluímos os vestígios, os indícios, os fragmentos concretos desses acontecimentos. E então, agora, conseguiríamos abarcar o todo de nossos fatos. Conseguiríamos “resgatá-los”, “recuperá-los”. Não, não conseguiríamos. Infelizmente aquele
que se propõe a fazer a história terá que lidar com a eterna sensação de impotência de reconstituição plena diante daquilo que é passado.
Justamente por sua matéria se constituir pelas sobras, pelos restos, pelos despojos, pelos fragmentos que sobreviveram aos tempos passados. A historiografia
é um exercício de reconstituição, de restauro, sempre inconcluso e sempre atualizado. Não mais lidamos, como dissemos, com a plenitude ou evidências dos
lugares de emergência dessas sobrevivências, sempre atualizadas pela projeção de olhares de um tempo presente.
Mas isso “não quer dizer que a história seja impossível. Quer simplesmente dizer que ela é anacrônica” (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 176). Sobre a história deve-se
fazer pairar a “dúvida metódica”. A afirmação de que a “história é a ciência do passado” sofreu uma dupla refutação. Primeiro porque o “passado” não é um objeto
passível de delimitações, sendo que a característica comum que poderíamos atribuir-lhe seria, unicamente, o seu “não ser” contemporâneo. Sendo assim, não é
1 As citações “propósito mesmo” e “pesquisa mais minuciosa” foram extraídas de outra tradução do mesmo trecho “Escavando e Recordando” de Walter Benjamin. Estas fazem parte da tradução brasileira do livro “O que vemos, o que nos olha” de Georges Didi-Huberman, que guarda diferenças com aquela publicada em 2000 pela editora Brasiliense, integrante do volume II de
Obras Completas de Walter Benjamin, intitulado “Rua de Mão Única” e que foi citada nesse texto.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
exatamente uma ciência, em seu sentido estrito, o que praticaria o historiador. Tais elaborações, foram feitas por George Didi-Huberman, a partir das proposições
de Marc Bloch, em Devant le Temps: histoire de l ́art et anachronisme des images2 (2000, pp. 34-36), como fundamentação para o redimensionamento da consideração do anacronismo como parte integrante do trabalho do historiador. Algo repelido, mas que, como “figura do impensado”, nunca deixa de retornar. E por isso,
tratado como a “parte maldita”, como a “verdade mal dita” da elaboração histórica e historiográfica (DIDI- HUBERMAN, 2000, p. 28). A história é anacrônica, pois
somos nós quem a fazemos. Partindo de um tempo nosso nos movemos ao encontro de outros tempos. Mas ao mesmo tempo, “nós não somos completamente
estranhos” às pessoas do passado, “também somos seus descendentes, seus semelhantes” (DIDI-HUBERMAN, 2000, p. 36). O “passado”, se mantém atualizado
como sobrevivências em nós e entre nós. Mas as sobrevivências em “larga duração” tornam os “objetos do passado”, uma “organização de anacronismos sutis:
fibras de tempo entrelaçados, campo arqueológico a decifrar”. Em respaldo a essa afirmação Didi- Huberman retoma, destacado entre parênteses, um exemplo
inicial desse seu livro. Entendendo, portanto, essas sobrevivências como sedimentações de “anacronismos sutis”, afirma ser “necessário”, por exemplo, “cavar
em nosso uso da palavra figura para recobrar os indícios, as fibras que conduzem à figura medieval” (DIDI-HUBERMAN, 2000, p. 36).
Por essa concepção e sua exemplaridade, Didi-Huberman leva a nossa atenção à complexidade do nosso trato com o tempo. Há também um “valor de uso” a ser
considerado ao lidarmos com o anacronismo, responsável pela alteração completa do aspecto das coisas. O anacronismo, dependendo da forma de sua presença,
“tanto pode fazer aparecer uma nova objetividade histórica, quanto nos fazer cair em um delírio de interpretações subjetivas” (DIDI-HUBERMAN, 2000, p. 34). A
segunda parte dessa dualidade é o que encontramos como recorrência em nossos “breves históricos” ou naqueles não tão breves assim. Aproximaremos aqui
esse tipo de anacronismo, daquele denominado por Didi-Huberman como o “trivial” (DIDI-HUBERMAN, 2000, p. 36).
Esse é o anacronismo que nos leva a olhar para o passado sem o cuidado de entendê-lo como uma sedimentação de tempos. Uma sedimentação, portanto de
acontecimentos ações e concepções várias engendradas nesses muitos tempos dos quais são feitos aquilo a que chamamos “passado”. Daí que não lidamos com
um único e geral passado, mas com múltiplas camadas de tempo. Imaginemos, por exemplo, para nos aproximarmos dessa ideia, a formação desse “passado”
como aquela que constitui um sambaqui.
Mas, voltemos a esse “anacronismo trivial”, que muitas vezes, faz com que projetemos nossa(s) forma(s) de “falar” o mundo, nossa(s) forma(s) de “visualizar” o
mundo, nossas formas de representação, portanto, sobre as formas de representação concebidas e circulantes em tempos passados. Essa projeção lançada ao
passado nos leva a inscrever como “naturais” e “pacíficos” conceitos como “arte” e “educação”, tomando-os como “aplicáveis” e “mesmos” em quaisquer tempo
e lugar; movimento que transforma indícios e discursos em fatos “resgatáveis” ou “recuperáveis”. Sobre o que estamos falando ao mencionar “ensino da arte”?
Estaríamos tratando de algo invariável em relação ao curso do tempo ou a diversidade de lugares? Quando cada um de nós menciona “ensino da arte”, estaríamos falando de uma mesma coisa? O que estaríamos evocando ao assumir certa nomenclatura para nos referirmos à nossa área de atuação? Quais histórias,
quais camadas de tempo constituem a espessura semântica do nome Educação Artística em relação a um nosso contexto? Quais diferenças conceptuais são
geradas pelo uso ou ausência de sinais gráficos para conectar as palavras arte e educação? Quais origens (BENJAMIN, 2004; DIDI-HUBERMAN, 2005) integram
o processo da transformação de uma disciplina em área de conhecimento?
Esse tipo de visada anacrônica – lembremos que não estamos falando aqui de todo o anacronismo, mas aquele denominado “trivial” - nos impele a tomar - e
estabelece – como naturalizações ocorrências culturais, essas que se mantém em constante movimento e transformação em relação à diversidade de tempos
e espaços (EAGLETON, 2005), como por exemplo a nomenclatura de nossa área de atuação profissional definida pelo relacionamento entre arte e educação.
Mas falar sobre a nomenclatura e terminologia de uma área interfere em sua condução ativa, prática, em sua práxis, portanto? Recorreremos agora à história, à
nossa tradição e a uma fala de uma das pessoas, uma dos muitos sujeitos que agiram e agem para a construção dessa história. Para responder essa pergunta
citaremos uma fala, reproduzindo um fragmento de discurso de uma história – ainda em construção – a nossa como professores de arte. Reproduziremos, primeiro por concordarmos com ele, e segundo, para manter ativa nossa memória sobre uma produção discursiva – e, portanto, também prática - já criada, pela sua
circulação. Sim, nos apropriarmos da história, portanto, das camadas temporais – e dessa forma, dos acontecimentos, conceitos e práticas - integrantes dessas
camadas que constituem a nomenclatura e terminologia de nossa área de atuação profissional, é fundamental para entramos em contato com
“escolhas conceituais que definem trajetórias metodológicas. Mas nada é tão cirurgicamente delimitado e as terminologias acabam abarcando uma
complexidade de conceitos que se (inter) relacionam. No momento em que uma nova lei posiciona uma outra direção, essas questões pedem ressignificação e novos questionamentos” (MARTINS In BARBOSA, 2002).
Ao escavarmos, por exemplo, os sentidos de alguns dos nomes usados para identificar a nossa área de atuação, encontramos histórias de movimentos políticos
pela emancipação do ensino da arte, diferenças conceituais e, portanto, práticas, vinculadas a discursos artísticos, educacionais, políticos, elaborados, circulantes,
e variantes em relação aos tempos e espaços, aos seus contextos de emergência e circulação. Em início de sua oficialidade, definido em 1971 pela lei 5692/71,
2 Ainda não há uma edição brasileira desse livro, mas é possível encontrar traduções livres em sites, como por exemplo
<https://www.academia.edu/4103923/George_Didi_Huberman._Devant_le_Temps._Histoire_de_lArt_e t_Anachronisme_des_Images._>. Acesso em 07/04/2014.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
nossa área de atuação não era considerada uma “área” de conhecimento específico. Podemos encontrar leituras sobre esse assunto em CARVALHO (1997) ou
FERRAZ & FUSARI (1993), mas vale a nossa leitura sobre dois textos seminais: o próprio texto da LDB 5692/71, que, inclusive, não deixa clara a situação da
então chamada “Educação Artística”, como atividade, matéria, disciplina ou componente curricular; e o Parecer n. 540-1977, que a princípio, define a “Educação
Artística” como “componente curricular”, mas, que ao longo do texto, é reivindicada como “área”, no entanto, “bastante generosa e sem contornos fixos flutuando
ao sabor das tendências e dos interesses”, afirmação que preservaria certa fragilidade quanto a sua delimitação como campo de conhecimento específico; algo
enfatizado nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte, ao recorrer ao texto da LDB 9394/96, que substitui a lei 5692/71, tornando obrigatório o “ensino de arte”
como componente curricular. Ainda pelo texto dos PCN de Artes, esse “novo marco curricular” – a obrigatoriedade do ensino da arte como componente curricular
- é caracterizado pelas “reivindicações” – evocando o movimento Arte-Educação dos anos de 1980 - “de identificar a área por Arte (e não mais Educação Artística)
e de incluí-la na estrutura curricular como área, com conteúdos próprios ligados à cultura artística e não apenas como atividade” (CARVALHO et al., 1997, p.30).
O nome “Educação Artística”, no Brasil, carrega a carga histórica do vínculo com os anos iniciais da ditadura brasileira. Em 1971 Emílio Garrastazu Médici presidia
a política de um país que vivia sob o peso de um regime estabelecido e mantido sob a violência e a opressão. A obrigatoriedade do ensino da arte na educação
formal, sob o nome “Educação Artística”, foi instituída nesse momento, uma mudança da política educacional pública, entre outras, derivada dos acordos estabelecidos entre o Ministério da Educação, MEC, e o USAID, United States Agency for International Development (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional).
Além desse envolvimento histórico com a política educacional promovida pela ditadura brasileira, sendo dela uma derivação, o nome “Educação Artística”, gramaticalmente, situa a arte como adjetivação do substantivo educação. Adjetivos tem a função de alterar, pela atribuição de uma qualidade, um substantivo. Bom,
então a arte estaria modificando a educação. Nada mal, porém, além de ter essa função - ou por tê-la – um adjetivo pode ser como algo conexo, subordinado ou
secundário. Quanto a complexidade pertinente a uma nomenclatura, a da “Educação Artística” em especial, Mirian Celeste Martins apresenta sua experiência como
revisora técnica de um livro de Fernando Hernandez, um autor espanhol. Afirmou, ao relatar essa situação, que se encontrou em um dilema, pois, na “Espanha o
termo Educação Artística ganha uma roupagem inovadora, frente ao ensino da arte”, enquanto que utilizá-lo “aqui no Brasil seria ver no espelho a roupa velha e
surrada de um ensino polivalente e superficial” (MARTINS In BARBOSA, 2002, p. 51-52).
Com o tempo, foram introduzidos, circulando juntos com o termo “Educação Artística”, em nossos discursos, em nossas concepções e metodologias de ensino da
arte, os termos arte educação, arte-educação e arte/educação. Quais histórias, conceitos, práticas constituem a densidade desses termos? Inevitável a dissociação de Arte Educação com o seu equivalente em língua inglesa, art education. Mas tal relação deve ser compreendida menos como uma importação do que uma
tradução, especialmente como definida por Benjamin pela imagem da “tangente” que
“toca a circunferência levemente e apenas num ponto, do mesmo modo que é esse contacto, mas não o ponto, que lhe dita a lei que guiará a sua
trajectória rectilínea até ao infinito, assim também a tradução toca o original ao de leve, e apenas naquele ponto infinitamente pequeno do sentido,
para seguir na sua órbita própria à luz de uma lei que é a da fidelidade na liberdade do movimento da linguagem” (BENJAMIN In BRANCO, 20008).
Ainda durante os primeiros anos de 1970, podíamos ler textos sobre o ensino da arte, intitulados pelo termo “Arte-Educação”. Podemos notar a convivência dos
termos no livro “Teoria e Prática da Educação Artística” de Ana Mae Barbosa. Mesmo trazendo em sua capa a oficialidade denotada pelo uso do nome “Educação
Artística”, nas páginas internas a referência predominante era à “arte-educação” e aos “arte-educadores”, sendo “Educação Artística” mencionada em dois subitens. Primeiramente em letras minúsculas, como referência a uma função de uma educação artística, durante os primeiros anos da república brasileira; e depois
ao final do livro quando abordará a “obrigatoriedade da Educação Artística e a Lei 5692”.
O hífen foi incluído à “arte educação”, pela “tentativa de conectar Arte e Educação” e também pelo intuito de “com essa junção, resgatar as relações significativas
entre a Arte e a Educação” (FRANGE In BARBOSA, 2002, p. 45). As palavras Arte e Educação podem ser usadas de forma independente em nossa língua, por isso
ao serem usadas como junção, necessitam, gramaticalmente, de um hífen que indicará a sua justaposição, integrando-as como uma “palavra-composta”. Nessa
operação, ambas as palavras se tornam uma única palavra composta, mas preservando a “individualidade de seus componentes” (BECHARA, 2009). Seguindo
esse caminho gramatical, podemos dizer que esse sinal gráfico empregado entre as duas palavras, indicam sua justaposição, criando uma unidade semântica,
mas que preserva a individualidade de cada um dos termos que integram essa composição. Nessa nomenclatura encontramos relações com o Movimento Arte-Educação, que durante os anos de 1980 promoveu uma série de eventos no sentido de problematizar a “Educação Artística” realizada no Brasil durante a década
antecedente, e de propiciar o fortalecimento político da área delimitada como da arte e seu ensino. Essa nomenclatura foi assumida por “associações, núcleos de
arte-educadores e a FAEB” (FRANGE In BARBOSA, 2002, p. 45), criada nesse período (RICHTER In BARBOSA, 2008, pp. 323-334).
Além dessa formação, uma terceira também é usada, indicada pelo uso da barra oblíqua. Assim como os outros termos, arte/educação também é índice de elaborações conceituais sobre a arte e seu ensino e resultante de uma discordância sobre o sentido derivado do uso do hífen entre Arte e Educação. A barra oblíqua
não é um sinal gráfico pertinente à gramática, “mas é usada por linguistas, filólogos, escritores, estudiosos e até mesmo pelos gramáticos, embora nem sempre
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
possa ser considerada como um sinal de pontuação”3. O uso da barra oblíqua, ao invés do hífen, para compor arte e educação, é comumente justificado, em textos sobre ensino da arte como uma orientação advinda da linguística, como algo mais próprio ao sentido de “pertencimento” entre os termos (BARBOSA, 2005,
p. 21), e que reforçaria “a ideia de imbricamento, contiguidade, terceiro espaço, como diz Hommi Bhabha” (FRANGE In BARBOSA, 2002, p. 45). No entanto, há
divergências quanto a esse sentido empregado sobre esse sinal gráfico. A barra oblíqua guarda uma ambiguidade, pois indica sempre uma “disjunção” que pode
ser “inclusiva” ou “exclusiva”4. Nesse caso, foi usada como inclusão, mas é interessante considerar a ambiguidade característica desse sinal. Afinal, a tensão
gerada por esse caráter ambíguo não estaria também presente em concepções e práticas do ensino da arte?
Procuramos com esse texto abrir um espaço de reflexão sobre a nossa forma de fazer e ler a história sobre as relações entre arte e educação no Brasil, mobilizando nossa atenção para algumas formas já naturalizadas de operacionalizar o tempo histórico, que define nossa forma de contar e de ler ou ouvir essa história;
estendendo essa mobilização ao cuidado com a espessura, a densidade histórica dos termos quando os escolhemos para narrar essa história ou quando os lemos
ou os ouvimos durante essa narração. Esse texto foi construído, portanto, como um espaço de reflexão sobre as formas de escrita e sobre as formas de leitura
dessa historiografia; as formas, portanto, de (re) conhecimento das histórias sobre as relações entre arte e educação no Brasil.
Terminaremos em agradecimento à Priscila Rossinetti Rufinoni e Marco Antonio Rodrigues, dois grandes amigos, dois grandes referenciais, que muito contribuíram
com algumas das ideias expostas nesse texto.
Referências Bibliográficas
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DIDI-HUBERMAN, G. Ante el Tiempo: historia del arte y anacronismo de las imágenes. Trad. Antonio Oviedo. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2008.
___. Imagens apesar de tudo. Trad. Vanessa Brito e João Pedro Cachopo. Lisboa: KKYM, 2012.
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FERRAZ, M. H. C. de T.; FUSARI, Maria F. de Rezende. Arte na Educação Escolar. 4a.reimpr. São Paulo: Cortez, 1993.
3 Pequeno Manual de Acentuação em Português, parte 7. Disponível em <cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=5026> Acesso 08/04/2014..
4 Idem.
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FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
___. Arqueologia do Saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 6a.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
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FRANGE, L. In BARBOSA, A. M. (Org.). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002, p. 45.
MALRAUX, A. La tête d ́Obsidenne. Paris: Gallimard, 1974.
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Rita Luciana Berti Bredariolli, é Doutora em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA-USP e mestre pela mesma
instituição. Atualmente é professora Assistente Doutora do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, IA – UNESP, desenvolvendo estudos e pesquisas sobre as relações entre imagem, memória, história, arte e educação.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
PASTOR – AUTO NATALINO MARANHENSE: ANÁLISE E PERSPECTIVAS DAS DIMENSÕES ARTÍSTICO-VISUAIS
POSSIBILIDADES E CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE ARTE
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Isabel Mota Costa
Universidade Federal do Maranhão
Introdução
Este trabalho diz respeito a um pré-projeto que pretendo desenvolver como tese de doutorado. Contempla especificamente uma manifestação popular, no Maranhão, intitulada “O Pastor – Auto Natalino Maranhense”. As minhas pesquisas e buscas da inserção da cultura popular na escola vêm desde a graduação, participando em projeto de pesquisa como bolsista do CNPq. E depois tratando destas temáticas em sala de aula através do estágio curricular para o Ensino Básico.
Meu propósito neste encontro, é poder compartilhar, abrir espaços, para uma discussão, mais ampla do que se entende no contexto escolar contemporâneo,
cultura de referência ou cultura popular e quais direções deveremos tomar em sala de aula, para que este conhecimento não se perca nas salpicadas ondas das
folclorizações, dos calendários cíclicos das escolas.
O pré- projeto objetiva desenvolver uma proposta metodológica que permita utilizar os elementos compositivos da linguagem visual do auto do pastor nas aulas
de Artes Visuais, no Ensino de Arte. A proposta vem de encontro atender à Lei 12.287/2010, que reforça a obrigatoriedade da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9.394/96, no que diz respeito ao Ensino de Arte, onde esta, determina que as expressões artísticas regionais devem ser incorporadas ao currículo
obrigatório, nos vários níveis da educação básica.
A justificativa da escolha deve-se ao fato de que, apesar da presença e importância do pastor, em várias localidades do Estado do Maranhão, ele é totalmente
ignorado, quanto a tais objetivos.
A metodologia é qualitativa e comparativa, a coleta de dados envolvendo a observação, entrevistas e histórias de vida aplicadas a pessoas de alguma forma ligadas ao pastor, documentação fotográfica e em vídeo e consulta bibliográfica. Serão escolhidos três grupos, considerando sua representatividade e antiguidade,
nas cidades de Mirinzal, Porto Rico e São Luís, mas poderão ser buscadas informações complementares em outros grupos. A bibliografia básica envolve obras
de Barbosa (1991; 1997; 1998; 2002; 2005 e 2010), Geertz (2011), Moscovici (2010) e Canclini (1983 e 2007).
O Pastor Maranhense
O pastor, no Maranhão, é um auto popular natalino que dramatiza cenas bíblicas imaginárias sobre o nascimento de Jesus, reunindo coreografias, música e visualidades. Como personagens, o Menino Jesus, Maria, José, o Anjo Gabriel, pastoras, que dançam e cantam. E os músicos. Antigamente era praticado no interior
maranhense e nos bairros de São Luís, por promessas a santos e com maior freqüência. Atualmente é mais raro, realizado paralelamente a bailes populares de
entrada paga e tem passado por várias modificações. Sua época é o período natalino, entre 24 de dezembro e 06 de janeiro, e tem suas possíveis origens na
Idade Média, onde fazia parte dos rituais litúrgicos apresentados nas igrejas. Em outros locais do Nordeste é denominado de pastoril, pastoral, jornadas, segundo
Luís da Câmara Cascudo (1962: 575) e se reporta a “Cantos, louvação, loas, entoadas, diante do presépio na noite de Natal, aguardando-se a missa da meianoite. Representavam a visita dos pastores ao estábulo de Belém, ofertas, louvores, pedidos de bênção”. Theo Brandão (1982: 3) registra pastoris em Alagoas e
Pernambuco, assinalando as diferenças entre eles. Pessoalmente, quando morei em João Pessoa-PB, pude observar os pastoris locais, que se assemelham ao
alagoano e o pernambucano, mas diferem muito do maranhense, mais semelhante ao descrito por Cascudo.
O pastor é transmitido de uma geração para outra, geralmente na mesma família. Os procedimentos para montar o auto, os versos, cânticos e dramatizações
das personagens, na maioria das vezes são registrados apenas na memória de suas “botadoras”, como são chamadas as mulheres que ensaiam o pastor. Em
alguns casos, quando estas são alfabetizadas, costumam anotar as informações em cadernos, que escondem cuidadosamente, por receio de que alguém possa
copiá-los e criar outro pastor concorrente, na localidade. Quando percebem, por velhice ou doença, que não podem mais “botar” o pastor, passam a direção e
tais cadernos para outras mulheres, quase sempre da mesma família, escolhidas com muita antecedência por participarem ativa e assiduamente dos festejos e
mostrarem capacidade para dar continuidade ao trabalho. Em função de laços de amizade, relações familiares e do meu interesse, recebi uma cópia manuscrita,
feita especialmente para mim, pelas duas botadoras do pastor de Mirinzal-MA, o que me auxiliará consideravelmente, no trabalho. O documento lista a sequência
de quadros e as performances das personagens que neles se apresentam, com suas falas, cantos, trajes e danças.
As dimensões artístico-visuais do pastor são muito ricas. Há o pano de fundo do palco onde os grupos se apresentam, pintado com cenas bíblicas: o presépio,
Maria, São José, o Menino Jesus, nuvens, animais, árvores, panos coloridos completando o cenário. Os elementos que mais se destacam, porém, são os trajes
das figuras principais, Maria, José e o Anjo Gabriel (o Menino Jesus veste apenas um pequeno manto branco), e das pastoras, ricos em cores e expressões estético-visuais. No caso destas, chapéus, fitas coloridas, objetos que portam e caracterizam cada uma delas, complementam os trajes. A maioria dessas personagens
são tradicionais, mas outras podem ser criadas, inspiradas em programas de televisão, como novelas e noticiários ou de pessoas da própria localidade, como “a
praieira”, que observei, uma jovem de biquíni e canga, com chapéu de palha, óculos de sol e sandálias japonesas.
Considerada a festa de maior importância, no passado, em muitos dos locais do interior maranhense, o pastor conseguia, por si só, reunir milhares de pessoas da
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
região o que ocorre, hoje, com menos intensidade. Entretanto, continua sendo assunto que toma conta das conversas e suscita especulações, na época natalina,
especialmente nas comunidades interioranas. Quanto às razões do declínio, muitas das botadoras tradicionais do pastor, entrevistadas, declararam que deixaram
ou iriam deixar de organizar o auto, culpando por isto o alto custo financeiro do empreendimento e o desinteresse das jovens em participar dele.
Apesar da tendência de diminuir, a manifestação vem tendo continuidade, tanto nas periferias de São Luís, como em muitas comunidades e cidades do interior.
Diferentemente, entretanto, do que ocorria antes, em que a religiosidade era o motivo principal alegado para organizar o pastor e suficiente, no sentido de garantir o afluxo do público, a realidade mudou. De fato, atualmente continua sendo praticado, mas experimentou várias mudanças: a religiosidade não ocupa tanta
importância e o ‘auto’ está passando a fazer parte de um evento mais amplo, que inclui um grande baile popular, com ênfase no reggae e entrada paga. Tais
apresentações são anunciadas em rádios da capital ou interior e continuam a reunir um grande público. A associação pastor-baile não apenas permite cobrir os
custos do auto, como ter lucro. De acordo com vários destes atuais botadores de pastor, o trabalho de organizar a manifestação é muito grande e as despesas
com este são o que mais pesa, envolvendo o pagamento dos músicos, seguidamente a adaptação dos locais das apresentações, como construção de palco e
de uma casinha coberta de palha que imita um estábulo, compra dos trajes das pastoras que não têm condições de adquiri-los. Em São Luís, alguns recebem
subsídios das secretarias de cultura estaduais e municipais, o que facilita sua apresentação.
O que chama atenção, nesta nova forma de botar o pastor é que em muitas das festas promovidas no período natalino, no Maranhão, é apenas organizado o
baile, que também atrai um público considerável e dá bom lucro. Cabe pensar sobre a opção de associar, pois, o pastor e o baile, uma vez que este dá lucro, por
si só e os gastos com o auto e a tarefa de organizá-lo são grandes. A resposta é dada pelas pessoas que atualmente organizam esses eventos.
Os novos organizadores de pastor, mulheres e homens, geralmente são mais jovens do que os do passado, afirmam que gostam de promover o auto (ou herdaram promessas de família, que têm de cumprir), pouco se importam se as pastoras são virgens, como era obrigatório antes, e têm espírito empresarial: declaram
que buscam compensações monetárias. Não é demais supor, então, que apesar de a manifestação ser mais rara, atualmente, ela parece contar, ainda, com um
considerável efeito-inércia, uma força simbólica, possivelmente a religiosidade e o peso da tradição, além da beleza do espetáculo, que a impulsionam e permitem
que venha tendo continuidade.
Tal presença, abrangência, constância e importância, no Maranhão, são as principais razões pelas quais o pastor mereceria, em meu entender, ter certos elementos
utilizados em aulas de Arte, o que teria também o efeito de valorizar quem o pratica e a manifestação, para si mesmos e para o público que o assiste.
Justificativa
O pastor, como já foi explicitado antes, é bastante presente e conhecido, no Maranhão, por isto sendo familiar aos alunos. E a grande riqueza artístico-visual de
que dispõe faz dele uma manifestação privilegiada para ter elementos utilizados nas aulas de Arte.
Apesar da importância do pastor como patrimônio imaterial maranhense, existe apenas uma publicação impressa sobre ele (Nunes, 1997), mas trabalhado sob sua
dimensão religiosa. Outra razão poderia ser atribuída ao fato de praticamente inexistir, no Brasil, de maneira geral, uma consciência mais ampla sobre a importância da arte na formação do indivíduo, o que parece se refletir no sistema de ensino. Com efeito, embora a legislação determine que devam ser ministradas duas
aulas de arte semanais no Ensino Fundamental e Médio, muitas vezes isto não ocorre, como pude constatar nas escolas de São Luís (Costa, 2004). A questão
se agrava porque também há o descumprimento da lei federal 9.394/96 e, no caso, especialmente a da 12.287/2010, que torna obrigatória a inclusão da cultura
de referência do aluno, a popular, na qual se enquadra o pastor.
A pretensão é que sejam trabalhados três pastores. Sendo duas em cidades ao centro norte do Maranhão (Mirinzal e Porto Rico) e uma na Capital São Luís.
A escolha do pastor de Mirinzal deve-se, primeiro, ao fato de apresentar muita riqueza de material estético visual, seguir o modelo básico comum do pastor maranhense e em alguns casos, ser realizado em função de promessas religiosas. E segundo, porque passei parte da vida nesta região, voltando sempre durante as
festas de fim de ano, quando observava apresentações, nas quais, inclusive, minhas irmãs e tias participavam como personagens. A escolha do pastor de Porto
Rico foi guiada pelo fato de, apesar de contar com a mesma riqueza e estrutura dos outros, ser produzido também com interesses financeiros explícitos, por parte
de seu dirigente, um homem, já que boa parte dos pastores são mulheres a sua frente, no que difere dos outros dois (São Luís e Mirinzal). Também, por apresentar
algumas pastoras que refletem os tempos atuais.
Há uma dimensão dramática, teatral, no pastor, por ser um auto; e a musical, que nele estão integradas à visual. Mas estes dois primeiros aspectos serão considerados apenas secundariamente, tanto porque fogem aos objetivos específicos da minha área de estudo – artes visuais –, como por necessidade de delimitação
do objeto.
A opção pela Abordagem Triangular, deve-se às possibilidades de ela viabilizar uma relação entre a arte e o contexto sócio-cultural onde é produzida, além de
proporcionar experiências sensoriais através da produção artística. Ana Mae Barbosa, em “A Imagem no Ensino da Arte” (1991), menciona que a arte é uma manifestação privilegiada para facilitar a compreensão e consciência que o individuo tem de si mesmo e em relação à sua inserção na sociedade em que vive neste
sentido sendo emancipatória, social e culturalmente falando. A partir desta afirmação, critica o fato de que os códigos de compreensão e análise da arte e da estética
são praticamente um monopólio das elites, muito pouco atingindo as classes desfavorecidas. A crítica também envolve o ambiente escolar, onde observou que a
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
disciplina de Artes Visuais quase sempre se limita a um fazer artístico primário (colorir desenhos impressos etc.), sem qualquer outro aporte1. Como tais códigos
circulam apenas nas elites, as classes populares, que compõem a maciça maioria dos alunos das escolas públicas, não têm acesso a estas possibilidades que a
arte permite. A Abordagem Triangular, no entanto, analisando criticamente o contexto da arte, possibilita atingir tais objetivos.
Considere-se que boa parte da platéia, crianças e jovens, freqüentam a escola, ou seja, fazem parte deste universo. Se um dos objetivos do ensino da Arte é
utilizar a cultura de referência do aluno, me parece indispensável que o profissional da área conheça pelo menos o básico sobre tais questões, daí a importância
da elaboração de uma proposta utilizando elementos do pastor em sala de aula.
Em relação ao suporte teórico, pretendo utilizar alguns autores da “escola” da Antropologia Simbólica. Primeiro, porque a arte é uma expressão simbólica e se faz
presente em todas as sociedades humanas conhecidas. Segundo, porque poderia aprofundar a questão da contextualização, na Abordagem Triangular, já que
o pastor, uma apresentação artística – representação, portanto - faz parte de um universo maior, que envolve questões de natureza social, econômica, cultural,
histórica, referentes às comunidades onde se apresenta.
Além do todos estes fatores, utilizar elementos visuais do pastor no ambiente escolar corresponde a valorizar, para a própria comunidade escolar e não-escolar,
uma manifestação cultural que é realizada e vivida por ela, além de reforçar, também, a auto-estima do aluno.
Dos autores, destacarei as perspectivas de Clifford Geertz (2011), Serge Moscovici (2010) e Néstor Canclini (2007), que têm pontos em comum.
Geertz adota a idéia de Max Weber de que a espécie humana está amarrada a teias de significado (a cultura), por isto considerando que a antropologia é “uma
ciência interpretativa à procura de significado” (Geertz, 2011:4). Como exemplo, ele analisa o ato de piscar, cujo entendimento depende de conhecer as circunstâncias da piscadela e das intenções de quem pisca. Portanto, o significado do ato de piscar. Em função destas questões sugere a adoção de uma descrição
“densa”, para a análise antropológica, ou seja, que permita apreender o significado das expressões simbólicas emitidas pelo grupo. A análise antropológica, então,
consiste em “traçar a curva de um discurso social; fixá-lo numa forma inspecionável” (Geertz, 2011:13). Seguindo tais princípios, a abordagem do pastor pretende
buscar uma compreensão mais aprofundada da natureza do auto. O fato de os integrantes do pastor dramatizarem episódios bíblicos sobre o nascimento de Jesus através da imaginação permite entendê-lo como uma representação social, na perspectiva de Moscovici. Segundo ele, “as representações sustentadas pelas
influências sociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e servem como o principal meio para estabelecer as associações com
as quais nós nos ligamos uns aos outros” (2010:8). Ou
“as representações sociais devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam,
com efeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e
percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa” (Moscovici, 2010:46).
Canclini (1983 e 2003) é importante pelo fato de, tal como Geertz, abordar temas da cultura popular através do campo do simbólico, este último representando
o foco dos estudos de Moscovici. Além disto, Canclini levanta uma série de questões muito relevantes sobre a cultura popular face às mudanças provocadas por
processos que ocorrem em nível macro, mundiais, como a globalização e o capitalismo.
A segunda contribuição teórica diz respeito à aplicação de elementos visuais do pastor como manifestação da cultura de referência do aluno, a popular, como
estratégias didáticas para as aulas de Artes. Nela se encaixa a perspectiva da Abordagem Triangular, desenvolvida no Brasil por Barbosa (2009) e destinada ao
Ensino das Artes Visuais, o que a autora denomina de “alfabetização visual”. É “triangular” porque pressupõe três eixos: leitura da imagem, contextualização da
obra e o fazer artístico. O primeiro procedimento é, através da observação da imagem, o observador elaborar uma análise preliminar sobre ela. O segundo, a contextualização, diz respeito ao fato de que toda a obra artística tem um histórico: foi produzida em determinada época, local, através de certos processos e recursos
e criada por alguém que viveu na época e, em princípio, no local onde foi produzida. Supõe-se que o autor tenha assimilado idéias correntes em seu tempo, que
tenham influenciado no trabalho. O terceiro procedimento corresponde a produção, realizar uma obra preferencialmente inspirada naquela que foi estudada, o que
também é uma forma sensorial e experimental de perceber a arte. Segundo Regina Machado (2010: 64) “Os três eixos de aprendizagem artística que a compõem
[a Abordagem Triangular] delimitam claramente conjuntos possíveis de ações complementares e interconectadas. Ações que podem se manifestar concretamente
em redes intermináveis de relações”.
Embora a Abordagem Triangular tenha sido pensada especificamente para as artes visuais eruditas, tudo indica que seus princípios podem ser aplicados em
outras formas artísticas, como no caso a popular.
Procedimentos Metodológicos
A metodologia envolve a leitura e/ou revisão bibliográfica de vários autores sobre o Ensino de Arte nas escolas, assim como de alguns dos principais autores de
obras sobre o pastor em outras regiões brasileiras; no campo do Ensino da Arte, mais especificamente as que envolvam a Abordagem Triangular. E, no campo da
1 Constatei o mesmo fenômeno pesquisando em escolas de São Luís.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
antropologia e áreas afins, dos que se destacam por traçar ou permitir pontes entre a cultura popular e os princípios da Antropologia Simbólica.
O enfoque é qualitativo, utilizando as técnicas de observação, entrevistas, utilizando questionários abertos sobre o Ensino de Arte, junto a Diretores e professores
das escolas nas comunidades selecionadas para pesquisa. Entrevistas e história-de-vida a serem colhidas também, junto aos dirigentes e personagens do Pastor,
usando como recursos anotações, assim como gravação sonora e visual em vídeo.
Conclusão
A proposta do pré-projeto de doutorado, aqui colocado objetiva compartilhamento e discussão das idéias, assim como seu desenvolvimento, em prol da inserção
da cultura de referência da criança, no caso a popular. A razão é atender à obrigatoriedade da lei federal já citada acima, ainda não adotada nas escolas no Maranhão. Estamos ainda muito tímidos nesta questão. Um número significativo de escolas brasileiras já aplicam a lei, mas há ainda muitas resistências a essas
práticas. Boa parte das escolas encontram-se envolvidas com outros problemas referentes a políticas públicas que precisam serem implementadas para a melhoria
da qualidade do Ensino de Arte no Brasil como um todo. Mas, que se continue discutindo sobre a cultura popular e sua relação com o Ensino de Arte, nas escolas.
Em relação ao pré-projeto “Pastor - Auto Natalino Maranhense: análise e perspectivas das dimensões artístico-visuais, possibilidades e contribuições para o Ensino
de Arte”, é uma proposta que tem toda uma boa probabilidade de realização em escolas, embora ainda precise trilhar pelos caminhos dos ajustes e dos acertos,
por não se tratar de uma proposta pronta, mas aberta para possibilidades diversas.
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Isabel Mota Costa, Professora efetiva do Departamento de Artes da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Mestre em Multimeios,UNICAMP/SP
Professora de Prática de Ensino I/Estágio Supervisionado e Coordenadora Geral do Curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade à Distância.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
AS FESTAS TRADICIONAIS POPULARES NO ENSINO DE ARTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Edite Colares Oliveira Marques
Instituto De Investigação Em Arte, Design E Sociedade / Universidade Do Porto
Introdução
O que viemos aqui apresentar e discutir são os pressupostos teóricos e o relato de uma pesquisa recém-concluída sobre a inserção de festejos tradicionais,
oriundos da chamada cultura popular, no âmbito da escola básica, com vistas a contribuir para o fortalecimento da compreensão dos festejos populares no campo artístico da educação fundamental, em contraposição à visão hegemônica da cultura, veiculada em escala industrial e voltada para o entretenimento. Esta
pesquisa tem como referencial teórico, autores como: Mikhail Bakhtin, que nos ajudou a estabelecer relações importantes entre as festas tradicionais e a cultura
Popular; Huizinga, que acena para a importância do espírito lúdico e estético na educação, pois seríamos, em essência, Homo Ludens; Henry Giroux, ao abordar
as relações entre cultura popular, pedagogia e currículo escolar; Michael Aple, em sua perspectiva de indicação dos pontos de contato entre política cultural e
educação, Frans Boas e sua perspectiva antropológica e etnográfica, dentre outros.
Metodologia
Como metodologia foi adotada uma perspectiva comparada, ao intentar apontar possíveis articulações entre as manifestações tradicionais de festejos brasileiros
e festejos populares portugueses, com base numa recomendação da legislação educacional brasileira e portuguesa ao ensino de arte, de que seja dada uma
maior atenção às expressões populares e ao patrimônio imaterial, relacionando o conhecimento artístico às suas bases históricas. Propõe uma estratégia de pesquisa de base etnográfica, no que se refere ao inventário de festejos tradicionais, tanto religiosos, quanto laicos, querendo sistematizar cantos, ritos e modos de
expressão, em suas permanências e apropriações, guardadas e ainda praticadas, especialmente em zonas dos litorais brasileiro e português, tomando Fortaleza
e a cidade do Porto, como áreas centrais de busca de acervo documental e bibliográfico para o estudo proposto. Compreendemos que mesmo ao identificar uma
mesma matriz cultural, bem como as influências recíprocas e o contato histórico entre Portugal e Brasil nossa reflexão deve-se pautar por uma fundamentação
histórica e dialética pela qual todo fenômeno está sujeito a contradições e transformações próprias do tempo histórico no qual está inserido.
Valemo-nos da convicção de que a ação do sujeito é fruto em grande parte das aprendizagens do meio no qual está imerso, e dos quais a própria escola é parte
integrante, e por meio de suas atividades influencia o modo de ser e pensar do educando. Chamamos BOAS para reforçar a ideia de que, “(...) o método que estamos tentando desenvolver baseia- se num estudo das mudanças dinâmicas da sociedade que podem ser observadas no tempo presente” (Boas, 2004, p. 47).
Inicialmente, agruparemos situações sobre a mesma denominação, “festejos populares”, nas duas comunidades pesquisadas, a fim de apresentar ao leitor um
conjunto de fatos sociais capazes de identificar ou distinguir este fenômeno, enquanto processo de formação da sensibilidade e da sociabilidade em contextos
educativos. Só após a descrição de festejos populares em Fortaleza e no Porto é que trataremos de categorias de análises nas quais ambas as situações se
identificam ou não, para na sequência projetar possíveis viabilidades destas festividades em contextos educativos nos quais as mesmas possam contribuir de
maneira decisiva para o fortalecimento do ensino de arte nas séries iniciais do ensino fundamental.
Outro aspecto de grande relevância para a escolha da temática, festejos populares no ensino de arte, para a realização da presente pesquisa deveu-se à crença
de que ao revestirem-se de padrões multiformes as linguagens artísticas tornam-se portadores de uma pluralidade cultural, ainda mais quando comparamos o
encontrado em Fortaleza ao Porto, estratégia escolhida para fundamentação metodológica dessa investigação.
Uma reflexão sobre a Festa Popular e a Identidade Cultural
Ao apresentarmos festas e manifestações populares como objeto de pesquisa e ferramenta pedagógica, queremos oferecer a possibilidade de que a escola trabalhe, além do aspecto cognitivo, a afetividade, a socialização, o respeito à diversidade, os ritmos e o movimento do corpo, a escuta das melodias, a valorização da
dimensão social daquilo que somos, como portadores de culturas e costumes distintos, mas confluentes, em muitos momentos de nossa vida social, de festejos
tradicionais. Nesse sentido, defendemos serem estes elementos culturais também parte relevante dos saberes que devemos aprender e ensinar
em arte na escola.
Propomos, assim que a arte-educação deva ser trabalhada em contexto escolar, com o propósito de dar sentido às experiências estéticas de professores e alunos,
ampliando suas percepções quanto à riqueza cultural das manifestações artístico-populares nacionais, do Brasil e de Portugal; ou seja, verificar se faz sentido a
recorrência às artes tradicionais num projeto formativo que, ao identificar o tempo destinado a este conteúdo de caráter tradicional nos currículos escolares nos
dois países e a forma como é ensinado, fomente a interação de saberes e práticas para um ensino de artes mais criativo e enriquecedor à formação de professores e alunos.
Sabidamente, como nos ensina Huizinga, as atividades festivas possuem papel fundamental na educação, desde que sejam ações significativas para todos, porque,
além de considerar os aspectos cognitivos, também se considera a subjetividade, a percepção, o envolvimento emocional e comunitário. Agindo dessa maneira,
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
podemos preparar o homem não só para o trabalho, mas também para se sentir mais satisfeito ou feliz, pelo menos naqueles em quem ainda não foi apagada a
chama do o espírito lúdico e estético, pois seríamos, na essência, Homo Ludens.
Qual a importância de se aprofundar o conceito de identidade cultural nesse trabalho? Quando abordamos “identidade cultural” já delimitamos aí um quadro de
perspectiva histórico e socialmente definido, ou seja, pretendemos nos remeter a um conjunto de condicionantes de ordem histórica e não a um essencialismo
biológico ao qual o termo também pode remeter. Assim, nessa perspectiva, a identidade vincula-se às condições simbólicas marcadas pelas práticas e relações
sociais de um dado grupo que lhe confere sentido e os diferencia de outros.
É necessário fazer, preliminarmente, a configuração de qual identidade estamos falando uma vez que o referido conceito é, como nos afirma HALL, “(...) demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova.” (Hall,
2011, p. 8).
Como se dá em outros estudos da área, não pretendemos, estabelecer, aqui, afirmações conclusivas, mas tão somente contribuir para o debate sobre identidade
cultural, apresentando elementos que foram elucidados no momento da pesquisa sobre as manifestações artístico-populares em Porto - Portugal e Fortaleza –
Ceará no exato momento em que tais práticas, para muitos, encontram-se em decadência, mas para a pesquisa em questão são marcadores significativos de
identidade cultural e representam para as comunidades envolvidas fortes momentos simbólicos para a vida coletiva.
É por meio dos significados engendrados pelas práticas sociais das quais participamos que damos sentidos a nossas vidas e vamo-nos tornando aquilo que
somos. A vivência cultural dá contornos à nossa identidade na medida em que dando sentido às experiências coletivas torna possível optarmos entre as várias
identidades possíveis. Desta maneira, é correto afirmar que uma identidade se constrói à medida que somos expostos a crenças, ritos, práticas sociais que pela
repetição são reforçadas como pertinentes ou não.
Compreendemos então que a identidade cultural pode ser um processo de escolha ou de falta de escolha. Uma vez que, se a comunidade local se abstiver de
apresentar às novas gerações práticas próprias do lugar de onde o jovem olha o restante do mundo, fornecendo aos mesmos as referências capazes de identificá
-lo à cultura local, a homogeneidade cultural promovida pela sociedade de mercado e de consumo o distanciará de tudo o que representa seus pares e familiares,
aqueles que partilham o mesmo modo de ser e estar no mundo.
É obvio que esta identidade cultural a que nos referimos não é algo estático, mas constituída frente as mais diversas influências e num mundo globalizado são
plurais e diversificadas as influências. Para Kathryn Woodward, em Identidade e Diferença: “A homogeneidade cultural promovida pelo mercado global pode levar
ao distanciamento da identidade relativamente à comunidade e à cultura local.” (Woodward, 2012, p. 21).
Muitas são as formas de classificação que a identidade cultural recebe como: pluralidade, diversidade ou identidade em crise, todas frutos dos processos de mobilidade das mais variadas formas, seja pela migração, colonização ou fluidez dos meios de comunicação de massa. Porém, o sujeito fala a partir de uma dada
situação histórica, social e cultural específica.
Nessa perspectiva social e educativa percebemos a identidade como uma necessidade do sujeito cognoscente de articular espaços interiores e exteriores, ou seja,
entre o pessoal e o social. O indivíduo em formação estabelece para si e para o outro uma imagem com a qual se projeta no mundo e se constrói como parte de
uma determinada comunidade.
Mesmo ao constatar que hoje este perfil construído pelo sujeito, sob diversas influências, é cada vez mais impactado pelas informações das mídias sobre os
eventos sociais distantes, que se tornam, pela insistência dos meios de comunicação de massa, muitas vezes mais presentes do que os eventos da cultura local,
acreditamos que a referência das contextualidades locais é indispensável a uma estabilização do sujeito quanto ao lugar que ocupa no universo social e cultural.
É visível que, com as mudanças produzidas pela “modernidade tardia”, os sistemas de significação multiplicam-se confrontando-nos com um número alucinante
de informações e, como resultado, temos que mesmo as manifestações pertinentes às culturas locais veem-se invadidas por produtos massificadores de uma
indústria cultural que descaracteriza em proveito próprio, de maneira desconcertante, os signos dos eventos sociais locais.
É certo que os interesses da indústria cultural estão distantes do interesse das populações das aldeias ou periferias das cidades do Porto ou de Fortaleza, como
de tantas outras espalhadas pelo mundo afora. Quando uma comunidade leva seus jovens a participar de ranchos típicos ou grupos etnográficos, seus objetivos
são diametralmente opostos ao de uma empresa fonográfica ao levar para milhões de lares a música mais recente gravada por ela. Aquele promove uma vivência
cultural enraizada na vida de uma comunidade que celebra juntos a partilha do quotidiano, a fertilidade da terra ou outros elementos da vida coletiva, enquanto
uma gravadora vende um produto desenraizado capaz de agradar a todos exatamente pela banalidade ou alto teor de vulgaridade do seu produto.
Como está amplamente visualizado em teorias sobre a identidade, este conceito surge no bojo das transformações sociais ocorridas desde a década de 60 do
século passado em movimentos sociais que se opunham, segundo HALL, “(...) tanto à política liberal capitalista do Ocidente quanto à política estalinista do Oriente.” (Hall, 2004, p. 44) Assim surge o que veio a ser conhecido como política da identidade, uma identidade para cada movimento social, onde o pessoal é político
e o que está em destaque é a humanidade.
Por outro lado, o conceito de globalização amplamente usado no campo da cultura é na verdade originado no âmbito da economia uma vez que buscava a internalização dos mercados, facilitando as trocas de produtos aliados a multinacionalização de empresas que passam a operar em mercados internacionais.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Constatamos assim que a apologia à globalização da cultura, que anda hoje tão presente no discurso corrente pelo qual não há interesse da juventude sobre a
cultura local, mas antes uma ânsia por conhecer o externo, o mundialmente difundido, é uma resposta aos apelos da sociedade de mercado que ao fortalecer
uma cultura homogeneizada vende seus objetos em maior escala.
Em suma, existe uma vasta gama de posições acerca do conceito de identidade ligadas às noções de etnia, nação, gênero, espaços geográficos ou contextos
históricos, mas interessa-nos aqui argumentar que diante do fenômeno educativo as questões relativas à identidade não nos podem passar despercebidas e que
a opção que defendemos é a de que a escola enquanto partícipe de uma determinada comunidade busque “(...) recuperar a “verdade” sobre seu passado na
unicidade de uma história e de uma cultura partilhadas que poderiam, então, ser representadas, por exemplo, em uma forma cultural como o filme, para reforçar
e reafirmar a identidade (...)” (Woodward, 2012, p. 28).
O que nos parece claro é que mesmo as identidades nacionais vêm se desmistificando enquanto unidade, já que o hibridismo das populações é uma realidade
incontestável em todos os países. O que faz-nos conscientes de que a identidade nacional hegemônica é representante de uma classe que detém o poder e que
impõe sua versão da história e uma representação da nação que não pode ser identificada a todos. Assim, argumentamos que é válido em contexto educativo
reforçar as identidades locais como forma de resistência à homogeneização provocada pela globalização.
Concordamos, então, com HALL ao constatar que:
As identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais,
regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes. Colocadas acima do nível da cultura nacional, as identificações “globais” começam a
deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais. (Hall, 2011, p. 73)
Uma cultura mundializada, portanto, não exige a extinção das manifestações culturais locais, mas ao contrário se alimenta delas e coabita na medida em que
estas diversidades possam ser transformadas em produtos comercializáveis pela indústria cultural.
Em nossa pesquisa um bom exemplo deste fenômeno é facilmente percebido quando nos deparamos com o uso na cidade do Porto de martelinhos plásticos que
vieram, na noite de São João, a substituir os antigos alhos que eram tocados nas cabeças dos transeuntes como forma de oferecer bons fluidos e de espantar o
mal em nome de São João. Hoje quase ninguém mais se lembra do que representa este ato como forma simbólica na qual se procede a uma espécie de benção.
Ou seja, à indústria importa vender martelos plásticos e a população perde aos poucos os elos com esta tradição.
O que viemos argumentando desde o princípio deste estudo pode parecer utópico demais, mas realmente agimos no campo da utopia, não como algo, idílico ou
ilusório, mas como um povir, um vir a ser, aliás, muito apropriado quando refletimos no campo da identidade que também se constrói dia a dia. Como nos lembra
Kathryn Woodward “(...)ao ver a identidade como uma questão de tornar-se” (Woodward, 2012, p. 29). Estamos conscientes da desproporcionalidade que representa nos opormos ao processo de desenraizamento provocado pelos grandes conglomerados econômicos mundiais, mas não resta outra opção aos educadores
que pensam em formar jovens mais conscientes.
É evidente que, como afirma ORTIZ, “tanto a escola como as tradições populares têm um âmbito de atuação restrito ao domínio regional ou nacional.” (Ortiz, 2000,
p. 165) mas temos clareza também que o mundo é um espaço no qual se confrontam diferentes concepções e ideários humanos e cabe à escola como instituição
voltada para o interesse comum, mesmo que numa luta desigual, travar este combate a bem do desenvolvimento de uma mentalidade a favor da liberdade e da
democracia.
A própria categoria identidade se constrói a partir das diferenças e das simbologias e rituais que se opta como formas elementares pelas quais os sentimentos
sociais têm existência. Assim, identidade e diferença resultam de relações sociais de poder que, quer queiramos ou não, povoam o espaço educativo através do
processo de produção simbólica e discursiva, onde se afirmam identidades que traduzem os desejos e modus vivendi de diferentes grupos que se encontram,
assimetricamente, situados em relação ao acesso aos bens culturais criados, desenvolvidos e produzidos pela humanidade para toda humanidade e não para o
lucro e benefício de poucos.
Discussão E Resultados
Compreendemos que as expressões culturais locais, ao mesmo tempo em que, identificam e dão sentido ao particular, projetam-se e articulam-se ao universal
desde que captemos seus aspectos em comum e suas diversidades. Existem, assim, nesta variedade de manifestações, características estético-funcionais não
só de identidade local (nacional), mas representativo do envolvimento espontâneo e social, bem como da dimensão dialógica que confere à arte uma função de
práxis que a mesma significa. Ou usando das palavras de Elder Pacheco em Arte e Tradições em Barcelos: Um dos fatores salientes nas artes populares é o da
concepção estética como uma função socialmente atuante - os objetos intervêm na vida quotidiana das pessoas. (Pacheco, 1979, p. 18).
O que é fato é que a modernidade tardia impõe a perda das certezas tradicionais sem, contudo, oferecer referências minimamente significativas que as substituam,
oferecendo assim uma ausência de sentido que como percebemos tem gerado problemas de identidade e isolamento existencial, além de, como afirma Giddens,
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
uma separação dos recursos morais necessários para viver uma existência plena e satisfatória. ( Giddens, 1997, p.8)
No âmbito da educação também da sensibilidade cabe a escola na contramão da desagregação e da perda do sentido que gera o processo de mercadologização
da vida cultural favorecer o culto da autoexpressão e do desenvolvimento da criatividade dos educandos o que para nós passa por oferecer várias referências
inclusive o que diz respeito ao modelo local de manifestação cultural, pois o que almejamos é o conhecimento e respeito às diferenças e não o incentivo a indiferença ou a ausência de referências. Porque ao se limitar a cultura de massa é que o indivíduo está posto a margem do entendimento da sua própria cultura e
destituído do sentimento de pertencimento tão importante à constituição da personalidade
Apresentamos, como resultado, o que foi sistematizado no Brasil sobre um aprofundamento do ensino de Artes, vinculado às manifestações populares, através
de evidências empíricas, tanto na prática de ensino, em quatro escolas públicas, quanto na vivência comunitária de manifestações populares tradicionais - nos
pastoris, no cordel, no carnaval e a observação em Porto-Portugal de suas festas populares tradicionais - evidenciando que as manifestações da cultura popular,
no âmbito do ensino de Arte, na escola básica brasileira e portuguesa, têm demonstrado o enfraquecimento deste conteúdo, aspecto que preocupa os estudiosos
do tema, uma vez que a cultura popular é parte da produção cultural humana e como tal é situada histórica e socialmente.
A pesquisa resultou na realização de um projeto de estágio pós-doutoral, realizado na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto como investigadora do
Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade com a colaboração do Prof. Dr. José Carlos Paiva, com financiamento através de bolsa CAPES, no qual, se
sistematizou o registro de manifestações de festejos populares, que inspirou uma reflexão sobre como articular tais práticas ao ambiente escolar numa vivência
artístico-cultural criativa e investigadora, que possa vir a ser utilizado como apoio didático para o ensino da Arte na Escola Básica, com vistas a ampliar a interação
da escola, como instituição educativa, com a vida cultural mais ampla da comunidade escolar.
Propomos, assim que a arte-educação deva ser trabalhada em contexto escolar, com o propósito de dar sentido às experiências estéticas de professores e alunos, ampliando suas percepções quanto à riqueza cultural das manifestações artístico-populares nacionais, no Brasil e em Portugal; ou seja, demonstrar que
faz sentido a recorrência às artes tradicionais num projeto formativo que, ao identificar o tempo destinado a este conteúdo de caráter tradicional nos currículos
escolares nos dois países e a forma como é ensinado, fomente a interação de saberes e práticas para um ensino de artes mais criativo e enriquecedor à formação de professores e alunos.
Considerações Finais
O fundamento da expressão artística na escola deve ser a cultura local em articulação à cultura universal. Assim conhecer o universo local ampliando-o para uma
compreensão “global” é o passo metodológico necessário aos dias de hoje em matéria de ensino de arte.
Neste momento nos preocupamos com o campo das manifestações tradicionais como indispensável à formação do indivíduo, não dizemos com isso que a cultura
geral da humanidade não seja direito de todos. Reafirmamos que o patrimônio cultural da humanidade nos pertence, a todos, que de uma maneira ou de outra
contribuímos para sua construção.
Conhecer, respeitar, interagir com diferentes culturas é fundamental, bem como com a História Geral da Humanidade ou da Ciências Naturais, mas como efeito
de recorte teórico e metodológico escolhemos destacar o tradicional e o popular na educação em arte.
Continuamos a afirmar que em arte podemos partir das manifestações populares para os demais conhecimentos. Quando pequenos, dos 6 aos 9 anos, nas séries
iniciais do ensino fundamental, os brinquedos cantados, as danças, os contos e outras manifestações tradicionais podem introduzir todo o universo que exploram
as diversas linguagens artísticas.
Na cidade do Porto, assim como em Fortaleza, a escola anda ausente dos festejos populares. Nestes períodos de maior grandeza das festas, as escolas fecham
para férias e sob esta justificativa não participam dos festejos populares das cidades.
A maior festa popular, coincidentemente, em ambas as cidades, Fortaleza e Porto, é o São João, e conta com o desprezo da escola em ambos os lugares. Em
todos os dois casos as férias são a justificativa para tal menosprezo.
É certo que se se administra a escola e a fábrica da mesma maneira, então é muito dispendioso pensar numa escola aberta à participação na festa de São João,
na vida de seu povo, das comunidades onde está inserida.
É mesmo na contramão da escola que estamos a caminhar, é uma aprendizagem significativa que queremos. Pretendemos somente que os contos locais, os
ícones de cada povo, suas festas, suas manifestações e a expressão mais peculiar recebam merecido destaque na formação em arte. Preocupados com as séries
iniciais do ensino fundamental e o ensino de artes propomos que partamos das histórias locais e demais manifestações comunitárias como ponto de inicial para
um conhecimento das artes e de suas expressões por nossas crianças nos primeiros anos do ensino básico.
O que cabe aqui afirmar é que encontramos no Porto a escola ausente dos festejos populares e tradicionais nos meses de junho a agosto, aos quais já nos referimos anteriormente, e tomaremos aqui, para exemplificar, o caso dos festejos de Nossa Sra. da Agonia, momento no qual não se notou a presença da escola
enquanto entidade cultural da cidade de Viana do Castelo.
Qual contribuição traria uma maior participação da escola nos festejos da cidade? Tomando a Romaria de Nossa Sra. da Agonia, o que vimos foram diferentes
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
manifestações que mantêm viva a história e a cultura locais. Mas, sendo a escola uma instituição educativa e este um momento de grande importância para a
comunidade, pensamos que seria papel da escola preparar ao menos sua representação. Não foi o que vimos, ao contrário foi a única instância da cidade a estar
ausente.
Então nos cabe questionar sobre qual contribuição traria uma maior participação da escola nos festejos da cidade? Ou seja, como a escola deve se articular a
estes momentos comunitários, sendo ela, como é, responsável pelo resguardo do patrimônio cultural de diferentes povos?
Há, contudo, na defesa das manifestações tradicionais, enquanto elementos formativos indispensáveis à educação das novas gerações, muitos confrontos com
a natureza da modernidade tardia, uma vez que esta obedece a uma ordem pós-tradicional onde os sujeitos são forçados a negociar escolhas de estilos de vida
entre uma diversidade de opção tão extensa quanto superficial que coloca em xeque qualquer identidade em formação.
O que é fato é que a modernidade tardia impõe a perda das certezas tradicionais sem, porém, oferecer referências minimamente significativas que as substituam,
causando, assim, uma ausência de sentido que, como percebemos, tem gerado problemas de identidade e isolamento existencial, além de, como afirma GIDDENS,
uma separação dos recursos morais necessários para se viver uma existência ampla, plena e satisfatória. ( Giddens, 1997, p.8)
Esse fenômeno, como já o dissemos, alia-se ao modo de vida de uma sociedade onde “(...) o mercado capitalista, com seus imperativos de expansão contínua,
ataca a tradição” (1997, p.181) e aprofunda a discriminação, a exclusão e a marginalização dos modos de vida e de expressão que não podem ser submetidos
aos ditames da indústria da cultura e ao processo de mercadologização da vida.
No âmbito também da educação da sensibilidade, cabe à escola, na contramão da desagregação e da perda de sentido que gera o processo de mercadologização
da vida cultural, favorecer o culto da autoexpressão e do desenvolvimento da criatividade dos educandos o que, para nós, passa por oferecer várias referências,
inclusive as que dizem respeito ao modelo local de manifestação cultural, pois o que almejamos é o conhecimento e o respeito às diferenças e não o incentivo à
indiferença ou à ausência de referências. Porque ao se limitar à cultura de massa é que o indivíduo é posto à margem do entendimento da sua própria cultura e
destituído do sentimento de pertencimento, tão importante à constituição da personalidade e do caráter.
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dade Federal do Ceará (1997) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Ceará (2008). Foi coordenadora do Curso de Pedagogia da UECE em
2001. Coordenou o curso de Especialização em Metodologia do Ensino de Arte por duas gestões (2009-2010 e 2011-20012) na qual permaneceu até abril de
2013. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Arte- Educação e Educação a Distância, atuando principalmente nos seguintes temas: educação,
ludicidade, arte, e formação de professores. Coordenou o Núcleo de Educação Continuada e a Distância da UECE de 2008 à 2012. Foi coordenadora do Pólo
da Rede Nacional Arte na Escola- UECE de 2004 à abril de 2013 e tutora do Curso Especial de Formação Pedagógica de 2006 à 04/2013. Foi coordenadora
do Curso de Pedagogia a Distância UECE/UAB de 03/2009 à 03/2012. Atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual do Ceará estando afastada
para realizar estágio Pós-doutoral na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto/Portugal.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
O ENSINO DO DESENHO NO BRASIL: DA ACADEMIA IMPERIAL À ESCOLA DE BELAS ARTES
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Niedja Ferreira dos Santos
Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV-UFPE/UFPB)
Resumo
Este trabalho traz algumas reflexões acerca da concepção de ensino do desenho como ensino da arte. Trata-se de parte de nossa pesquisa de mestrado em
processo de qualificação do Programa de Pós- graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco em parceria com a Universidade Federal
da Paraíba (PPGAV – UFPE/UFPB), na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais no Brasil. Esta pesquisa busca investigar quais as concepções de ensino
do desenho eram desenvolvidas na Escola de Belas Artes de Pernambuco (EBA) dos anos de 1930 aos anos de 1970. Para tal, trazemos neste texto quais as
percepções de ensino do desenho na Escola Nacional de Belas Artes do Rio do Janeiro, como também um breve percurso histórico, a partir de sua fundação no
Brasil, pela Missão Francesa, por entendermos que esta instituição estruturou o currículo de ensino da arte nas diversas escolas que foram fundadas em outras
capitais brasileiras.
Palavras-chave: Escola de Belas Artes. Ensino da Arte. Ensino do Desenho. Concepções de ensino de Desenho.
Abstract
This paper presents some reflections about the concept of learning to draw as an art education. This is part of our master’s research in the process of qualification
in the Post-graduate Program in Visual Arts at the Universidade Federal de Pernambuco in partnership with the Universidade Federal da Paraíba (PPGAV - UFPE/
UFPB ), in the art visual teaching in Brasil area. This research aims to investigate which concepts of the drawing teaching were developed at the Escola de Belas
Artes de Pernambuco (EBA) of the 1930s to the 1970s. To this end, this paper brings the perceptions of teaching drawing at the Escola Nacional de Belas Artes
do Rio de Janeiro, as well as a brief historical journey, from its foundation in Brazil, by the French Mission, because we believe that this institution structured the
curriculum of art teaching in many schools that were founded in other Brazilian cities.
Keywords: Escola de Belas Artes. Art Teaching. Teaching Drawing. Conceptions of the drawing teaching.
O Ensino do Desenho: Artes ou Ofícios?
Por um longo período no Brasil, o ensino da arte foi compreendido, como o ensino do desenho. Segundo Barbosa (2010, p. 11-12), “[...] o século XIX, especialmente a década de 70, foi o período da História da Educação Brasileira em que a preocupação com o ensino da Arte (concebida como Desenho), se nos apresenta
como mais extensa e mais profunda”. Mesmo no século posterior, das metodologias mais tradicionais as mais atuais, a ênfase na técnica do desenho nas aulas
de arte foi evidente e amplamente praticada.
Ressaltando ainda que em determinados períodos da nossa história, quando se empreendia a modernização do Brasil, o domínio do desenho representou um
meio para o desenvolvimento econômico e social do país, associando-se progresso ao ensino da Arte aplicada à industria. Sobre este fato, em consonância com
o ideal de crescimento do país dando-se ênfase ao ensino do Desenho, Barbosa (2010, p. 38) corrobora, “A arte aplicada à industria, vista não apenas como uma
técnica mas como possuindo qualidades artísticas capazes “de elevar a alma às etéreas regiões do Belo”, foi ainda mais ardorosamente defendida como parte do
currículo das escolas primária e secundária.” Este papel coube ao Liceu de Arte e Ofícios deste período, sob a influência destes ideias, tentar articular o ensino
da Arte com aplicações à Arte e à industria. A importância do ensino do desenho, afirma Nascimento (2010, p, 37), “justifica-se, nesse caso, porque servia como
uma aliança entre a formação artística e a formação do artífice. O ensino do desenho era, a um só tempo, objeto e efeito do processo de disciplinarização interna
dos saberes”.
Entre outras questões e além do que foi destacado, fica a indagação de que as questões ligadas à infância, pesquisas da Psicopedagogia e da Cognição empreenderam estudos aprofundados sobre o desenho da criança, ofereceram, de alguma forma, maior aplicabilidade deste ‘método’ de ensino na escola? Vendo por
este ângulo, houve uma supervalorização, na modernidade por causa destas pesquisas, à prática quase que exclusiva do desenho nas aulas de artes, difundida,
sobretudo pelas instituições culturais educacionais e ateliês livres.
Da Academia Imperial à Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro: breve percurso
O levantamento de dados para este texto, sobre a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, em parte deriva de pesquisas realizadas em comemoração aos cento
e oitenta anos da escola. O Seminário EBA 180, organizado pela professora Sonia Gomes Pereira1, ocorreu de 20 a 22 de Novembro de 1996 na mesma cidade, e
1 Historiadora da arte, museóloga e professora da Escola de Belas Artes da UFRJ. A professora Sonia Gomes Pereira também pesquisou sobre o ensino artístico no século XIX e início do
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
gerou diversas pesquisas sobre este tema. Deste evento originou-se a publicação dos Anais do Seminário EBA 180, em 1998, que traz um conjunto de pesquisas
sobre a Escola de Belas Artes desde quando esta ainda era denominada de Academia Imperial de Belas Artes. A importância de investigar acerca dos propósitos
de sua fundação podem nos dar respostas às questões relacionadas principalmente ao modelo de ensino da arte que foi estabelecido e que passou a vigorar
desde sua implantação no Brasil.
Desta forma, a partir destas pesquisas, apresentaremos também a seguir, o percurso histórico da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, com a pretensão de
responder as proposições acima enunciadas e com base no alcance exercido no ensino da arte, e, sobretudo no ensino do desenho influenciado por esta instituição em todo o país. Considerando que a escola determinou a fundação, com o mesmo formato e arcabouço de base curricular, de outras Escolas de Belas Artes
em diversos estados brasileiros, como exemplo, a Escola de Belas Artes de Pernambuco (EBA) em 1932 que é foco da nossa pesquisa de mestrado2 e difundiu
um modelo de ensino da arte, em especial, de ensino de Desenho que vigorou por um longo período em Pernambuco.
A reforma educacional do Marques de Pombal, que abrangia as Ciências, as Artes Manuais e a Técnica, rompeu com os moldes de ensino jesuítico no Brasil
(BARBOSA, 2010, p. 22). Porém, a reforma que teve autêntica significância nos moldes de ensino da arte apresentado neste período configurou-se com a instauração da Academia Imperial de Belas no Rio de Janeiro em 1826. Acerca deste assunto, Barbosa afirma que,
Antes da chegada de D. João VI, a reforma pombalina, no que toca ao desenvolvimento da ciência, centralizava-se na criação de aulas públicas
de geometria. Em 1771 e 1799 são criadas respectivamente as cadeiras de Geometria na capitania de São Paulo e na capitania de Pernambuco.
(BARBOSA, 2010, p.24)
A Academia Imperial de Belas foi implantada no Brasil pela Missão Francesa em 1808, Vale (1998, p. 349) afirma que esta missão:
[...] caracterizou-se pela diversidade de atividades de seus membros, tendo em comum a especialização profissional. A Missão trouxe consigo 54
quadros ingleses e franceses, destinados a darem início a uma pinacoteca. Podemos ver nestes acontecimentos o desejo de se montar na antiga
colônia, todo o aparato laico de relações arte - sociedade, diverso só sacro ligado à colônia.
Para Silva (1998, p. 119), a vinda da Missão Artística Francesa significou o início da constituição de um modo de adoção de padrões estéticos segundo os moldes
europeus, em contraposição à tradição anterior, denominada como Barroco, e fundadora, a partir daquele momento, de um novo formato de produção artística no
Brasil. A respeito da tradição anterior, conforme Silva [...] “a produção do chamado “Barroco” perpassou desde o produtor erudito, com formação europeia, até os
artífices de mão africana, com competências milenares na elaboração de uma arte conceitual, característica do continente africano”.
Portanto, a instituição só começou e a funcionar em 1816, e de acordo com Pereira (2008, p. 149) “um dos inúmeros atos de d. João VI, durante a permanência
da corte portuguesa no Brasil, que visavam conferir ao país e sua capital, o Rio de Janeiro uma infraestrutura digna de uma nação moderna para os padrões da
época.”. Desta maneira, compreende-se que a implantação da escola tinha o propósito de aparelhar a colônia para a estada dos seus novos residentes com um
formato que os deixassem confortavelmente ambientados e, além disso, configurou-se também na:
[...] transposição do discurso da equipe francesa para o contexto brasileiro tornou-se viável, como já é notório, com a mudança repentina e estratégica da capital do reino para cidade do Rio de Janeiro. A necessidade de adequar a cidade com condições e equipamentos condizentes com a
vida cortesã exigiu investimentos e dispositivos capazes de acelerar mudanças na ordenação colonial. Essas mudanças coadunavam-se com os
interesses de afirmação do império português no Brasil e no exterior. (NASCIMENTO, 2010, p.33)
Como apresentamos anteriormente, sua fundação se deu pelos mestres franceses entre 1816 e 1826. E sua trajetória pode ser dividida em seis fases mais expressivas (PEREIRA, p.12, 1998), de 1816 a 1835 como Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, e logo após, Academia Imperial de Belas Artes, “compreendem
a fundação da Academia, e instalação do ensino oficial de arte e a estruturação do sistema acadêmico, além de estar ligado diretamente à atuação dos mestres
franceses.”
O período de 1835 a 1880 é considerado como o da consolidação da Academia e também o momento de maior prestígio na sua história. Duas figuXX e desenvolveu estudos sobre os conceitos de desenho, composição, estilo, tipologia e tradição, tendo como eixo a forma como estas categorias foram entendidas na Academia Imperial de
Belas Artes, depois Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
2 Pesquisa de mestrado iniciado em 2013, com a orientação do Prof. Dr. Erinaldo Alves do Nascimento, do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco em parceria com a Universidade Federal da Paraíba (PPGAV – UFPE/UFPB), na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais no Brasil.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
ras são aí fundamentais: Félix Émile Taunay, diretor em 1835, e Manuel de Araújo Porto Alegre, diretor em 1854, que injetam na Academia algumas
mudanças fundamentais: o primeiro, a instituição dos prêmios de viagens, e o segundo, a preocupação com a introdução de novas cadeiras, como
a História da Arte, Estética e Arqueologia – além de uma evidente preocupação com os problemas da arte brasileira – lançando as bases de um
verdadeiro projeto nacionalista, que é seguramente o ponto de partida da produção do Segundo Reinado. (PEREIRA, p.12, 1998)
Na década de 1880, experiências do Grupo Grimm trazem mudanças estruturais à Academia. E em 1890, na nova estrutura da Escola Nacional de Belas Artes,
afirma Pereira (p.12, 1998) que, “os novos estatutos não contemplam as reivindicações da década anterior, seguindo-se até 1930, sem apresentar grandes mudanças das concepções formais e pedagógicas da velha academia”. A pesquisadora expõe que:
De 1930 a 1970 inicia-se o período da direção de Lucio Costa e sua tentativa de modernização da Escola. Neste período o acervo da Escola é
desmembrado para dar origem ao Museu Nacional de Belas Artes e nos anos 1940 o Curso de Arquitetura desliga-se da Escola, constituindo a
Faculdade Nacional de Arquitetura. (PEREIRA, p.12, 1998)
No período que compreende os anos de 1970 até hoje abrange uma mudança radical no perfil da Escola: a perda do prédio de sua fundação, reforma do ensino,
introdução do sistema de créditos, surgimento de outros cursos, como Desenho Industrial e Comunicação Visual. Além de que o momento político nacional, pelo
estabelecimento do AI-5, atingiu profundamente a Escola com o afastamento de alguns professores como, por exemplo, Mário Barata, Quirino Campofiorito e
Abelardo Zaluar (PEREIRA, 1998, p.13).
Concepções de ensino do desenho da Academia Imperial de Belas Artes
No Brasil, o ensino do desenho desenvolveu-se com mais intensidade a partir da fundação da Academia Imperial de Belas no Rio de Janeiro, que por sua vez
influenciou outros estados do Brasil implantando outras unidades da escola já com a denominação de Escola Nacional de Belas Artes. Esta instituição trazia um
molde educacional determinado pela Missão Artística Francesa a cargo da permanência e da residência da corte real em nosso país. A prática da cópia de modelos neoclássicos era um dos seus principais objetivos e na contramão fazia-se a “limpeza” ou “clareamento” do barroco abrasileirado que incomodava os novos
moradores que aqui se fixaram. Sobre isso, Barbosa (2010, p.19) corrobora:
Aqui chegando, a Missão Francesa já encontrou uma arte distinta dos originários modelos portugueses e obras de artistas humildes. Enfim, uma
arte de traços originais que podemos designar como barroco brasileiro. Nossos artistas, todos de origem popular, mestiços em sua maioria, eram
vistos pelas camadas superiores como simples artesãos, mas não só quebraram a uniformidade do barroco de importação, jesuítico, apresentando
contribuição renovadora, como realizaram uma arte que já poderíamos considerar como brasileira.
Segundo Pereira (2001, p. 74) no artigo Academia Imperial de belas Artes no Rio de Janeiro: revisão historiográfica e estado da questão, a função da Academia
era a “construção do imaginário nacional” e seus diretores, Taunay e Porto-Alegre, tinham o papel dessa formulação política. Eles igualmente almejavam a consolidação da Academia na importância nas questões artísticas, que os artistas atingissem o status de intelectual e a construção de uma arte nacional com padrão
internacional.
A coleção de cinquenta e quatro quadros trazida por Lebreton, então diretor da Real Escola de Ciências, Artes e Ofícios, para ser vendida ao Regente D.João, e
dar início a uma pinacoteca, base do Museu Nacional de Belas, tinha de sobremaneira fins acadêmicos, servindo aos primeiros alunos da escola (CIPINIUK, 2008,
p.49). A prática da cópia, com embasamento no acervo indicado, evidencia seu propósito para fins educativos e disciplinares. Diante do exposto, Pereira (2008, p.
153) afirma que, “O sistema do ensino artístico acadêmico apoiavam-se essencialmente na prática da cópia, tanto de obras da Antiguidade Greco-romana, quanto
dos grandes mestres do Renascimento, além do estudo da figura humana, envolvendo estudos de anatomia e de modelo vivo.”
Quanto ao ingresso dos estudantes na Academia, era livre e bastava saber ler, escrever e contar, e segundo Pereira (2001, p.76) a opção pela Academia foi
sempre uma escolha das classes mais humildes onde a maioria era de escravos e analfabetos que viam no ingresso uma possibilidade de ascensão social. No
geral o ingresso dava-se na observação do talento para o desenho, como se adverte na maioria das biografias dos artistas mais tradicionais, como exemplo, Victor Meireles e Pedro Américo.
Observa-se ainda na entrada dos alunos na Academia uma prática com intenso grau de competitividade entre eles. A verificação da aprendizagem do aluno se
dava por meio de concursos, com provas práticas que iam desde as mais simples até as mais complexas. E ainda, como forma de incentivá-los, havia o concurso,
segundo Pereira (2008, p.153) “para o Prêmio de Viagem ao Exterior. A contratação de professores era igualmente realizada através de concursos, em que os
candidatos deveriam produzir obras sobre um mesmo tema proposto pelo júri”.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Descreve-se, deste modo, a primeira Aula Pública de Desenho e Figura na antiga Escola de Belas:
A Aula Pública de Desenho e Figura, estabelecida por carta régia de 20 de novembro de 1800 foi a primeira ação oficial que se tem conhecimento
para que se estabelecesse o ensino da arte no Brasil. Este, porém só teria início com a criação da Escola Real das Ciências Artes e Ofícios, por
Decreto-Lei de D. João VI, em 12 de agosto de 1816. Com a chegada ao Brasil da Missão Artística Francesa, chefiada por Joaquim Lebreton, a
convite de D. João VI, viabiliza-se o projeto do ensino artístico em nosso país. Durante os primeiros dez anos o que temos são apenas algumas
aulas ministradas por Debret e Grandjean de Montigny numa casa do centro da cidade que os dois artistas alugaram para esta finalidade. Em 1826,
já com o prédio próprio projetado por Grandjean de Montigny tem início o ensino oficial das artes no Brasil, de acordo com o modelo da Academia
Francesa, sendo que a Escola passa a chamar-se Academia Imperial das Belas Artes. Com o advento da República, a Academia passará a chamarse Escola Nacional de Belas Artes e, a partir de 1971, será denominada Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, nome
que mantém ainda hoje. (A EBA. Institucional)3
O desenho tinha suma importância para Lebreton, líder da equipe francesa que chegou ao Brasil em 26 de março de 1816. Esta habilidade determinava a hierarquia
dos saberes pelos docentes. A observância do elitismo no ingresso à Escola de Belas Artes é notória no projeto do chefe da Missão Francesa, que reivindicou,
conforme Nascimento (2010, p.37), “a construção simultânea de uma escola Belas Artes e de uma Escola Gratuita de Desenho acoplada ao funcionamento de
Ateliers práticos”. Os mestres da Escola de Belas Artes, neste sentido, deveriam ter o domínio técnico do desenho. Lebreton considerava Debret, Taunay, o escultor Pradier e Grandjean os docentes que se destacavam no ensino do desenho. Neste sentido, cabia a estes mestres a instrução mais rigorosa para o elemento
considerado a base de todo o trabalho artístico (NASCIMENTO, 2010, p.40). A divisão da escola determinaria concepções distintas, uma idealizada para atender a
formação profissional de operários especializados, provenientes da pobreza e a outra voltada para a formação artística, atendendo à classe média. Nesse sentido,
percebe-se que a permanência de pessoas humildes na instituição não era vista com bons olhos pela classe burguesa, mantendo-se o sistema de divisão social
e neste caso com a nítida intenção da formação voltada para a profissionalização.
Lebreton recomendava conhecimentos específicos a serem ministrados na Escola Gratuita de Desenho, saberes estes indicados e com finalidade apenas de
aperfeiçoamento dos ofícios. Nascimento (2010, p.39) afirma que, “além do estudo da figura, deveria vir o desenho de ornato e um pequeno curso de geometria
prática.” Os dois primeiros tornaram-se, a partir desse momento, os saberes mais contemplados para o ensino do desenho na escola.
Dessa forma, foi o francês Lebreton que incentivou o ensino artístico pautado na cópia, sendo ele o responsável pela introdução dessa prática (LEITE, 2006, p.
516). O exercício da cópia consistia em reproduzir a partir dos modelos neoclássicos, as estampas e moldes em gesso de rostos, braços, entre outras partes da
figura humana. É o Museu D. João VI, da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, que conserva parte do acervo da antiga Academia Imperial de Belas Artes,
depois Escola Nacional de Belas Artes. Esta coleção de obras, como foi citada anteriormente, tinha por finalidade ser utilizada como recurso didático. Os moldes
em gesso foram encomendados ao Museu do Louvre, que fornecia essas cópias para academias de vários continentes. Priorizou-se, portanto, durante o século
XIX a prática da cópia como ferramenta pedagógica na Academia Imperial. A Academia privilegiou a prática da cópia desdobrando-a também em várias linguagens
visuais, partindo do desenho à pintura.
A respeito da importância dada ao ensino do desenho de ornatos, a disciplina com o mesmo nome, teve como professor o primeiro diretor da Academia Imperial
de Belas Artes, Henrique José da Silva, e tinha como conteúdo o ensino de modelos clássicos de ornamentação arquitetônica como: rosáceas, folhas de acanto,
frisos, detalhes de costumes, entre outros. Esta disciplina se manteve no arcabouço geral da Academia, a seguir Escola Nacional de Belas Artes, até a proclamação da República (VIANA, 2012, p.1056).
Considerações Finais
Inicialmente, percebe-se que no período estudado na Escola de Belas Artes, o predomínio de uma abordagem do ensino do Desenho de caráter figurativo, embasado nas cópias de modelos europeus tendo em vista os métodos ornamentais nas últimas décadas do século XIX, ligado ao ideal das Belas Artes, veiou a
atender a uma elite que se instalava no Brasil. No sentido de acolher a uma crescente vontade de modernização influenciada pelo Ocidente, estes ideias não
se sustentaram diante da necessidade de industrialização que o país passava na época. Diante disso houve um afastamento e gradativa separação, a partir de
abordagens disciplinares e pedagógicas, para uma formação profissional que o desenho artístico apenas não atendia.
A criação de uma dupla escola na Escola de Belas de Artes originaria percepções distintas de formação, uma voltada para atender a formação profissional para a
classe humilde e a outra voltada à formação artística, atendendo a classe média. Observa-se, nesse sentido, posto um sistema de divisão social e de formação onde
se apresentava a caracterização e diferenciação entre artista e artesão. Além de que esta abordagem também originou a visão de arte como trabalhos manuais.
Desta forma, observa-se que o estabelecimento dos ideais de industrialização rompe com antigas concepções artísticas e avançam no sentido das utilitárias. Assim
3 Escola de Belas Artes (EBA). A EBA – Institucional. Disponível em: <http://www.eba.ufrj.br/index.php/a- eba/institucional>. Acesso em: 18 de Novembro de 2013.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
sendo, opondo- se as concepções de desenho artístico ao instrumental, direciona-os a criação de uma nova metodologia de ensino do Desenho, que vigorou por
um longo período no ensino artístico nas escolas brasileiras, de formato mais técnico: o ensino do Desenho Geométrico.
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Niedja Ferreira dos Santos, Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV-UFPE/UFPB).
e-mail: [email protected]
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JARDIM DAS POSSIBILIDADES: UMA PROPOSTA PEDAGOGIA SOB A ÓTICA DA CRITICA GENÉTICA
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Francisco dos Santos
Grupo de Pesquisa Ensino de Artes em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq / Universidade Regional do Cariri – URCA
Resumo
Este artigo apresenta um resultado parcial de uma pesquisa realizada no Centro de Artes Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri – URCA, nas disciplinas de Expressão Visual II, Modelagem, Escultura e Cerâmica. Trata-se do processo de criação em uma “galeria” ao céu aberto, na qual
denominamos “Jardim das Possibilidades”. Tendo como base teórica a Critica Genética, que se dedica ao estudo do processo criativo, investigando a obra de arte
a partir de seus processos de fabricação entendendo que é importante conhecer o estudo das relações entre o processo de criação e o produto desenvolvido.
Estão sendo criados e analisados trabalhos de alunos do 2º ao 5º semestre, visando descobrir Como se origina um trabalho artístico? Busca compreender como
esses alunos se articula para iniciar seus trabalhos, quais materiais utilizam? Quais fontes de pesquisa? E qual o resultado desse trabalho ao longo de dois anos?
Palavras-Chave: Tridimensionalidade. Processo de Criação. Crítica Genética.
Abstracto
Este trabajo presenta los resultados parciales de una encuesta llevada a cabo en el Centro de Artes de Violet Arrais Alencar Jervaiseau la Universidad Regional
de Cariri - URCA , en las disciplinas de la Expresión Visual II, Modelado , Escultura y Cerámica. Es el proceso de la creación de una “galería “ para abrir , lo que
llamamos el “Jardín de las Posibilidades “ . Teniendo como una critica teóricos Genética , dedicados al estudio del proceso creativo , la investigación de la obra
de arte a partir de sus procesos de fabricación para entender que es importante conocer el estudio de la relación entre el proceso creativo y la base desarrollada
producto. Se están creando y analizado las obras de los estudiantes de segundo hasta quinto semestre , con el fin de descubrir cómo se origina obra? Busca
entender cómo estos alumnos articulan sus puestos de trabajo para empezar, qué materiales utilizan? ¿Qué fuentes de la investigación ? ¿Y cuál es el resultado
del trabajo de más de dos años?
Palabras clave: la tridimensionalidad . Proceso de la Creación. La crítica genética.
Introdução
O artigo busca apresentar o ato do processo criativo tendo como referencia o conceito da Critica Genética no processo de criação nas Artes Visuais, especificamente no campo da tridimensionalidade. Lembrando que a Critica Genética tem seu inicio na literatura na década de sessenta especificamente em (1968) na França
e só muito depois é que começa ser aplicado nas artes. Segundo Salles (1998) “a Crítica Genética veio com um forte desejo de penetrar na razão do processo
criativo e encontra-se, certamente, em pleno estado de metabolismo e crescimento [...].” (SALLES, 1992, p. 13).
Quando inicio minha atividade como docente na Escola de Arte Reitora Violeta Arraias de Alencar Gervaiseau no departamento de artes visuais, nas disciplinas
de Expressão visual II; Modelagem; Cerâmica e Escultura, me deparo com pequenas peças, feitas em vários materiais... Papelão, argila, cerâmica; arame, com
o tamanho que variam de dez a vinte centímetros, feitas exclusivamente para obtenção de notas, e que eram descartadas até mesmo pelos próprios artífices.
Esses podiam levar seus trabalhos para casa já que no Centro de Artes não havia espaço para alocá-los adequadamente, a escola de artes funciona em um
prédio improvisado que não tem infra-estruturar para ser utilizado com esse fim, contudo nós o ocupamos e é esse nosso espaço e a cada dia o significamos e
o adequamos a nossa realidade. Porém como podia estimular os alunos a crer e criar com qualidade? Como dizer que não é apenas a chegada de um percurso
significativa, mas todo o caminho percorrido. Assim é um trabalho artístico, o processo de construção é tão importante quanto o trabalho final. O caminho todo
deve ser percorrido com prazer, esse fazer pode ser gratificante e ter um resultado satisfatório, ou não, mas significativo.
Um dos primeiros passos foi elevar à auto-estimas dos alunos, alguns estavam desmotivados a produzir, pois não havia espaço para colocar seus trabalhos que
após a disciplina eram descartados. Eu já estava decidido a não acolher um trabalho apenas como cumprimento de uma disciplina, tinha que haver algo mais.
Porém, como motivá-los a criar algo significativo? Com o intuíto de auxiliá-los propus a criação do “Jardim das Possibilidades” que inicialmente foi projetado para
um terreno de aproximadamente 150m2 (cento e cinquenta metros quadrado) que fica de frente ao atelier de tridimensionalidades, sala onde são aplicadas as
disciplinas Expressão Visual II, modelagem; Cerâmica e Escultura, no entanto esta se espalhando por todo o campos. O “Jardim das Possibilidades” esta sendo
usado como uma galeria ao ar livre, onde todos os trabalhos criados pelos alunos nas disciplinas de tridimensionalidade estão sendo expostos. Mas como isso
se daria? O que poderia ser feito nesse jardim? Há um tema específico? Essas foram algumas das perguntas que começavam a nortear como seria cultivado o
nosso jardim, Partindo dessa concepção ficou claro que todos os sonhos poderiam ser cristalizados no “Jardim das Possibilidades”.
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Projetando Sonhos
No momento em que se fala da morte do autor, pensamento trazido pelo texto “A morte do autor” Roland Barthes – 1968, quando a obra de arte ganha nova concepção e conceito diante do observador, surgem alguns questionamentos em relação à produção da arte. Estaria o estilo e a poética de cada artista vinculado de
alguma forma à sua historia de vida? Como brota a ideia de um trabalho e como isso é executado? Por que alguns artistas optam pelo trabalho manual levando
dias meses ou anos para concluir um trabalho, enquanto outros escolhem o conceito, a desmaterialização, o vazio? Teria sua trajetória e seus referenciais artísticos, influências sobre seu estilo? Suas obras? Os conceitos com os quais trabalham? Para Fayga Ostrower ”[...] A natureza criativa do homem se elabora no
contexto cultural. Todo indivíduo se desenvolve em uma realidade social, em cujas necessidades e valorações culturais se moldam os próprios valores de vida.
[...]” – OSTROWER ./p 1
Para que essa pesquisa fosse organizada didaticamente, foi sugerida a apresentação de um projeto onde cada aluno fundamentaria suas idéias fazendo um estudo prévio utilizando noções teóricas do que, como; quando e porque fazer. Mediante essa pesquisa o aluno traria referencias teóricas com imagens e conceitos
de trabalho de artistas que dialogue com sua proposta. Falando sobre isso podemos entender quando Ostrower fala que “Criar corresponde a um formar, um
dar forma a alguma coisa. Sejam quais forem os modos e os meios, ao se criar algo, sempre se o ordena e se o configura.” Para esse ordenação e configuração
exige-se certas metodologia.
O projeto antecede o trabalho pratico, exatamente para ajudar a faze o que Ostrower cita quando escreve “O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar.” Os alunos não fariam um trabalho aleatório, e o que mais ficou nítido foi a dificuldade
de escolher o que fazer? Essa era a pergunta mais importante, pois dela dependia todos os outros paços. Como foi aberto o campo infinito de possibilidades o
aluno podia fazer qualquer coisa. O projeto lhe daria um norte, pois quando descobrisse o que fazer eles teriam de encontrar imagens que dialogasse com seu
trabalho. Quais os artistas que as criaram e como foram criadas e o que tem escrito sobre esse trabalho.
O objetivo dessa primeira pesquisa era fazer com que o aluno/artista compreendesse melhor em que campo conceitual estar colocado seu trabalho, e tivesse uma
aproximação de artistas que fundamentasse sua proposta. Escolhido o que fazer, o próximo passo seria registrar graficamente seu objeto em vários ângulos, que
seriam acrescentados nos arquivos das imagens anteriormente escolhidas, para lhe servir de referencia quando fosse fazer o trabalho prático, Após esse registro
gráfico o Aluno/artista passaria a criar um protótipo usando os materiais escolhido para fazer objeto artístico.
Com o protótipo pronto o aluno/artista passaria a confeccionar sua peça seguindo as especificações do projeto, fazendo todas as anotações e registrando em
imagens e todo o processo de criação, suas duvidas medos as angustias e prazeres. Todos esses registros serão entregue como um diário de bordo junto com
o trabalho final.
Cristalisando Sonhos
Citarei três trabalhos um concluído “Gustavo” da aluna/artista Verônica Leite, Réplica de Quetzalcoatlus do aluno/artista João Eude . Dentre esses alunos/artistas
alguns se destacaram por compreender o embricamento entre a proposta pedagógica e o interesse em comum ao que ia fazer. \ Entre esses podemos citar aluno/
artista João Eudes. Ainda quando criança sempre teve entre seus brinquedos dinossauros dragões, esse interesse por esses animais fizeram-no se empenhar
em conhecer mais sobre o assunto, tendo como materiais de estudo livros, revistas, desenhos animados, HQ ́s e filmes e documentário que contém cenas desses
animais. Descobre no “Jardim das Possibilidade” a chance de criar nas proporções desejadas um pterossauro que tanto idealizou.
Aluno/Artista: João Eudes
Titulo do Trabalho: Réplica de Quetzalcoatlus
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Figura 1 Referência
Figura 2 protótipo
Figura 3 em processo
“Como processos intuitivos, os processos de criação interligam-se intimamente com nosso ser sensível. Mesmo no âmbito conceitual ou intelectual, a criação se
articula principalmente através da sensibilidade.” (OSTROWER, 1993, p 3). Essa citação e bem apropriada quando me lembro do trabalho da aluna/artista Verônica
Leite. Seu trabalho e a expressão do amor e carinho que ela tem pelo seu animal de estimação Gustavo, um cão da raça Pug, que ela chama carinhosamente de
filho. De inicio a aluna já sabia o que queria fazer, e seria um tributo aquele que lhe dedica tanto carinho. Ao iniciar sua pesquisa ver a possibilidade de fazer essa
homenagem, começa a estudar sobre monumentos partindo de Rodin até encontrar o referencial que realmente lhe conduziria ao processo de criação. Então se
encontra com a escultura em um banco de praça da personagem de revista em quadrinho Mafalda, decidindo assim como faria seu trabalho “Gustavo” no banco
da praça, como gosta de estar perto de todos.
Começa a colocar em pratica a idéia de homenagear seu “filho” ela inicia um processo de modelagem em argila, tarefa essa que embora árdua e cansativa em
alguns momentos, mas prazerosa segundo seus relatos. Com muita dificuldade por não ter habilidade ainda desenvolvida precisou que eu lhe desse maior atenção
para a conclusão do seu trabalho. Por fim o resultado foi muito satisfatório.
Figura 4 - Gustavo
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Outro trabalho que teve um resultado muito bom foi o casulo da aluna Carlene um trabalho modelado em tela de arame com uma cobertura de resina acrílica
com acabamento em Durepoxi e resina cristal. A aluna Carlene após ter o seu trabalho concluído, lamentou em não ter feito registro fotográfico do seu processo
de criação, então entendeu a importância dessa etapa. Embora todo o trabalho tenha sido feito em arame resina e epóxi, a aluna passou por todas as etapas do
processo de criação, criando o desenho, pesquisando as referencias e fazendo um protótipo de argila, esses passo a passo são registrados dentro do processo
de criação para um melhor entendimento das etapas.
Figura 5 casulo
Conclusão
O presente estudo ainda em desenvolvimento aponta que alunos que trazem para os seus trabalhos motivações e desejos decorrentes de suas historia de vida e
inquietações pessoais, apresentam trabalhos bem relevante e significativo. Dedicando tempo e até fazendo investimento pouco provável para o trabalho que seria
o cumprimento de uma disciplina. Embora a pesquisa ainda esteja em processo latente é perceptível quanto à crítica genética aplicada as Artes Visuais potencializa a forma de fazer e sentir dos discentes. A apresentação de um projeto que antecede objeto artístico tem os ajudados a se situarem no âmbito conceitual e
técnico. Perguntas tais como: o que, como, porque e pra que fazer? Os direcionam a não perderem o foco. Alguns trabalhos ficaram pelo caminho, alguns alunos
não souberam calcular o tempo que tinham com o trabalho a fazer, a cada disciplina nós melhoramos os projetos acrescentando ou tirando algo.
Ainda que cada aluno traga ideias ou formas em estado germinal, muitas vezes trazidas de sentimentos, lembranças, vivencias, enfim tenho descoberto que os
trabalhos mais expressivos são aqueles que fazem parte de uma forma ou de outra da vida desse aluno, algo que há muito ele desejava fazer, quando esse aluno resolve cristalizar seus sonhos, ele encontra tempo e meios para fazê-lo. Talvez ainda esteja longe de entendermos onde nasce à fagulha que faz acende a
lâmpada da criação, mas junto com esses alunos/artistas estamos entendendo que o Jardim das Possibilidades, começou de uma semente que brotou na mente,
mas se cristalizou em trabalhos expressivos que se alastra pelo Centro de Arte enchendo de um sentimento de realização para quem o faz e de um turbilhão de
outros para quem os vê.
Referências Bibliográficas
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Rio de Janeiro. Editora: Vozes, 1978.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado. São Paulo. Editora: Annablume, 1998.
SALLES, Cecília Almeida. Crítica Genética – Uma Introdução. São Paulo. Editora: da Pontifícia Universidade Católica - PUC, São Paulo 1992.
Francisco dos Santos, Graduado em Artes Visuais e professor do Departamento de Artes Visuais Universidade Regional do Cariri – URCA.Membro do
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPQ.
e-mail: [email protected]
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Início
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VAGINA: PROCESSO DE CRIAÇÃO
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Larissa Rachel Gomes Silva / Francisco dos Santos
Grupo de Pesquisa Ensino de Artes em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq / Universidade Regional do Cariri – URCA
Introdução
A proposta parte da poética que venho desenvolvendo dentro do curso de artes visuais que faço parte desde de 2009 como estudante, durante a minha trajetória
acadêmica desenvolvi diversos trabalhos que trazem um estudo sobre o feminino.
As questões femininas começaram a fazer parte dos meus trabalhos artísticos de forma bem singela, foi um trajeto bastante tortuoso, mas compreendi que como
artista/mulher meus trabalhos teriam muito mais valor estético e poético, pois poderia levar para ele o minhas questões pessoais e inquietações como mulher.
Desta forma o processo ficava cada fez mais prazeroso, pois a cada disciplina pratica e teórica descobri novos matérias, novas teorias e conceitos, produzindo
com mais prazer e atingindo resultados cada vez melhores,a cada provocação consegui amadurece e construir novos trabalhos e conhecer novos processos de
criação.
O trabalho artística que escolhi para ser o objeto principal deste artigo é um dos mais recentes do processo de criação, foi intitulado como Vagina.
Considero este um dos meus trabalhos mais difíceis de ser realizado, isso porque, eu deveria sair do cubo branco e explorar o ambiente externo, as opções eram
bastante limitadas, pois o projeto intitulado o Jardim das Possibilidades, uma galeria a céu aberto onde os estudantes do curso de artes visuais são provocados
expor seu trabalhos, por este motivo, tive que pensar em um trabalho que tivesse resistência, e que estivesse inserido na terra.
Durante meus estudos sobre a imagem feminina descobri que nos primórdios da humanidade a mulher era endeusada, isso devido a questões de fertilidade,
porem em estudo recentes sobre a vagina descobri muito mais sobre essa questão, segundo Wolf:
“ No inicio a vagina era sagrada. Ha símbolos entalhados em paredes de cavernas nos primeiros povoamentos da historia. Os artefatos dos primórdios
dos tempos pré- históricos da humanidade representavam vaginas. Estatuetas de terracota da Europa Central, que provavelmente representavam
a fertilidade, frequentemente exibiam os órgãos genitais de forma exagerada.”(WOLF, 2013, p143).
É possível ver isso na imagem da Vênus de Willendorf, é possível notar na imagem abaixo como a região genitália é cuidadosamente feita, não de forma exagerada, mas é possível ver que de fato existe uma preocupação em deixa claro que a vagina era uma região de certa importância.
Porém a representação da vagina nas pinturas nos séculos posteriores, não é tão evidente, existe apenas uma sugestão sutil, na realidade a imagem feminina nos
últimos séculos foi feita para ser admirada, e desejada como objeto, as mulheres que eram retratas tinham formas mais sedutoras e idealizadas, pois “Pintava-se
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uma mulher nua porque era aprazível olhar para ela(...)” (p.53 BERGER, 1999)
Ao pintar Olympia, uma prostituta bastante conhecida da sociedade da época, Edouard Manet afrontou a sociedade, retratar uma mulher publica, que encara o
expectador com um olhar forte e determinado é um afrontar aos padrões sociais e artísticos, é possível ver a diferença entre a obra de Monet e de Ticiano que
seguia o modelo idealizado de beleza.
Gustave Coubert, foi mais além com L’originedu monde, pois até então “ (...) nunca ninguém ousara representar a vulva entre aberta de uma mulher. ”(p. 62 PERROT, 2008), ele não teve pudores e mostrou ao publico o que todos queriam ver mais não tinham coragem de admitir, afinal a nudez pode ser bela, e ate espantosa.
Na arte a beleza feminina é o objeto de destaque, difícil não nos deparamos com pinturas onde mulheres nuas não estejam presentes, mas é tão contraditório,
afinal durante anos a mulher era prisioneira dentro de suas próprias veste, a arte é realmente contraditória.
“ Na forma artística do nu europeu os pintores e os proprietários-espectadores eram geralmente homens, e as pessoas, em geral mulheres, eram
tratadas como objetos. Esse relacionamento desigual esta tão fortemente fincado em nossa cultura que ainda estrutura a percepção que muitas
mulheres tem de si próprias. Elas fazem consigo mesmas o que os homens fazem com elas. Como homens, elas fiscalizam a própria feminilida126
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de.”(BERGER, 1999, p.65).
Mulheres retratas como objetos são comuns, nos livros de historias das artes, porem como artistas poucas tiveram reconhecimento, nas Artes Visuais tivemos
algumas que se destacam, mas suas trajetórias são tão trágicas, que acabam chamando mais atenção que suas obras.
A primeira que me vem a mente é Artemísia Gentileschi, ela seguiu os passos do pai Orazio Gentilesche, com quem iniciou seu estudos, já que na época as mulheres não podiam frequentar a academia de belas artes, depois foi em buscar de mais, ela não queria ficar limitada a pintar retratos e paisagens, e suas pinturas
bíblicas são tão impressionantes quantos as de Caravaggio, alguém que não eram comum naquele período, pois as mulheres não podiam retratar cenas bíblicas,
pois era oficio de homem.
Hoje temos diversas artistas que não tem mais medo, criam, provocam, questionam seu lugar, se hoje temos essa liberdade foi porque outras lutaram antes de
nós para conquistar esse espaço, por causa disso tenho orgulho de ser mulher e continuarei a minha poético voltada para o feminino.
Metodologia
Para realizar este projeto, utilizei como referencia diversas artistas, de períodos artísticos, porém que tem trabalhos relacionados a sexualidade feminina e masculina, cada uma com sua forma própria de trabalhar, alguns trabalhos bem mais delicados e sutis, outras mais explícitos e agressivos, o que torna interessante
a seleção dos trabalhos que utilizei como referencia é justamente o fato de que as mulheres tem uma delicadeza e um cuidado bem maior, os homens são bem
mais explícitos, com seus trabalhos.
O trabalho de Chicago e O’Kennel tem uma delicadeza e apenas sugere a ideia da genitália, na sua instalação Judy trabalha com a forma e vai além, em seu jantar
imaginaria são servidas vaginas de diferentes tipos, pensadas para cada mulher em particular, como uma expressando a sua delicadeza, a suavidade e texturas.
“ O trabalho de Chicago, apresentado em 1975, evoca uma festa imaginaria para 39 mulheres, distribuídas em torno de uma mesa de formato
triangular, sobre a qual pratos chineses são sobrepostos por formas esculturais montadas e pintadas de tal maneira, que aludem à anatomia genital
feminina.”(RIBEIRO, 2006, p.56).
Já Geórgia por meios apenas da pintura ela consegue atingir a beleza da vagina em meio as flores, com cores vibrantes, o seu jogo de luz e sombra torna a pintura provocante e delicada.
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Marcia X diferente das artistas anteriores desenvolve trabalhos que exploram mais a imagem da genitália masculina, porem sua performance Desenhado com
Terços, mostra a mesma delicadeza das artistas citadas anteriormente, seu trabalho envolve a performance, o desenho e por fim a instalação, utilizando a forma
do terço para crias partindo dela o pênis, sem a intenção de profanar, mas de provocar.
Já os homens que usam a imagem da vagina em seus trabalhos, são bem mais explícitos e realistas, em The Great Wall of Vagina de Jamie McCartney, trabalha
com diversas esculturas de vagina, que foram feitas a partir de moldes de mulheres que foram voluntarias para este projeto, nele podemos ver a diversidade de
formas e texturas que a vagina pode ter, cada uma com sua particularidade e beleza.
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Outro trabalho que teve uma grande influencia, foi a instalação, penetrável de Henrique Oliveira, que fez parte da 30 Bienal de São Paulo, A origem do Terceiro
Mundo, que tem forte ligação com Coubert, gerou polemica.
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Resultados e Discussão
Estes artistas tem em comum trabalhos polêmicos, pois trabalham com a representações de órgãos sexuais, porem cada tem o seu estilo, sua discussão, sua
poética e sua polêmicas, o que os unem é ir além dos limites morais da sociedade, eles expõem o que normalmente se esconde vergonha, mas a vagina e o pênis
são parte de nos, porque ter vergonha do nosso corpo, a genitália feminina por exemplo é descrita da seguinte forma:
“Por baixo dos pelos púbicos, e parcialmente escondida por eles, existe uma pequena fenda vertical criada pelos dois grandes lábios – dobras de
carne que protegem os pequenos lábios, mais delicados, que flanqueiam a abertura vagina. No alto da fenda existe um pequeno capuz de carne
que cobre parcialmente o clitóris, um pequeno botão de carne extremamente sensível situado bem acima do canal urinário, a uretra. E é só. Comparados com o equipamento masculino, os genitais femininos podem ser descritos como visualmente simples. No entanto, a atenção que eles atraem
é enorme, e para ocultá-los as pessoas chegam a cometer extravagancias, para dizer o mínimo.”(MORRIS,2005, p.192)
Meu trabalho possui uma imagem bastante forma para algumas pessoas, mas não é algo incomum na arte, como foi mostrado, muitos artistas vem trabalhando
essa temática e explorando diversos matérias, porem o que quero destacar com este experimento vejo o meu amadurecimento como artista/mulher, e o orgulho
que tenho ser mulher.
Referências
BERGER, John. Modos de ver; tradução de Lúcia Olindo. – Rio de Janeiro, Arte mídia, 1999.
PERROT, Michele. Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2008.
WOLF, Naomi. Vagina: uma biografia. São Paulo: Geração Editorial, 2013.
RIBEIRA, Maristela. Fendas e Frestas: a mulher, da contemplação à interlocução. Salvador: EDUFBA, 2006.
MORRIS, Desmond. A mulher nua: um estudo do corpo feminino. São Paulo, Globo, 2005.
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Imagens
http://www.brooklynmuseum.org/eascfa/feminist_art_base/gallery/judy_chica go.php?i=1288
http://www.brooklynmuseum.org/eascfa/dinner_party/place_settings/virginia_ woolf.php
http://www.marciax.art.br/mxObra.asp?sMenu=2&sObra=26
http://www.wikipaintings.org/en/georgia-o-keeffe/flower-of-life-ii#close
http://www.telegraph.co.uk/culture/art/art-features/6093122/Titian-wheeler- dealer-who-created-a-goddess.html
http://www.sabercultural.com/template/pintores/Manet-Edouard-1.html
Larissa Rachel Gomes Silva Graduanda do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes Gervaiseau da Univer-
sidade Regional do Cariri – URCA. Membro do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq. Bolsista do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência PIBID.
e-mail:[email protected]
Francisco dos Santos, Graduado em Artes Visuais e professor do Departamento de Artes Visuais Universidade Regional do Cariri – URCA.Membro do
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPQ.
e-mail: [email protected]
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GESTÃO ESCOLAR DIFERENCIADA
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Maria Diva Rodrigues - Associação Quilombola da Conceição das Crioulas, Salgueiro
Marinalva Rita da Silva - Associação Quilombola da Conceição das Crioulas, Salgueiro
Mónica Faria - Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade - i2ADS| Núcleo de Educação Artística - Porto, Portugal
Introdução
Que a Educação Escolar precisa acontecer de acordo com a realidade local de cada escola não é uma discussão nova. Porém, como pode a escola trabalhar o
local, de forma a aplicar um currículo específico, se a gestão escolar não tiver consciência do meio, autonomia e liberdade para planejar uma ação participativa,
pedagógica e diferenciada?
As escolas da comunidade de Conceição das Crioulas se organizam de acordo com o seu calendário escolar específico, um dos instrumentos que marca a história
de luta por uma Educação Diferenciada para o território de Conceição das Crioulas. É no planejamento do calendário escolar, que se prevê reuniões de formação para professores/as e a participação de parceiros institucionais onde, coletivamente, se pensa a relação de ensino aprendizagem para as escolas e para a
comunidade.
O projeto „expressões artísticas nas escolas quilombolas de Conceição das Crioulas‟, é um projeto pensado e realizado em parceria com o movimento intercultural
IDENTIDADES. Este projeto permite às nossas escolas pesquisar sobre o MDE (Material Didático Específico) na área das Artes reforçando o conteúdo dialogante
entre exterior/interior do espaço físico definido como Escola enriquecendo, simultaneamente, o ensino aprendizagem nos Espaços Educativos da comunidade:
na igreja, nos terreiros, na roça, nas festas tradicionais, na biblioteca afro-índigena.
Metodologia
A Educação Escolar Quilombola em Conceição das Crioulas não se limita ao interior das salas de aula. Pesquisar sobre o local é observar, registrar e praticar com
o nosso jeito de fazer, aprender e ensinar. Para isso, na Escola José Néu de Carvalho, há uma prática constante de estudos em outros espaços considerados pela
comunidade como Espaços Educativos, no sentido de valorizar e ampliar os conhecimentos dos/as estudantes e também dos/as educadores/as. Vale salientar
que a ideia de que a Educação Escolar torna-se mais significativa quando se considera, também, que em outros espaços da comunidade há possibilidades de
ensino aprendizagem.
O PPP (Projeto Político Pedagógico) pensa o currículo da escola. E neste caso o currículo proposto pela Secretaria de Educação do município não considerava
os vários aspectos da realidade quilombola, como por exemplo, e mais evidente a cultura e a ancestralidade africana, ou as questões do quilombo enquanto
território, ou seja, os valores sociais, culturais, históricos e econômicos pareciam dentro do território totalmente desligado das vivências das escolas, tornando o
método pedagógico desconexo e sem aplicabilidade prática no dia a dia. Para o município era suficiente remeter as nossas escolas no contexto de escola rural,
„isolada‟. Com isso, a escola Bevenuto Simão de Oliveira pertencia a um conjunto de doze escolas onde, todas elas rurais e „isoladas‟, eram orientadas a cumprir
o mesmo currículo. A reivindicação pela construção de um PPP quilombola surge quando a teoria e a prática pedagógica burocrática não se encontram. Que é o
mesmo que dizer que na teoria a escola vivência um projeto quando na realidade aplica outro. É referente a esse processo que se resolve intensificar um conjunto
de pesquisas antes iniciado pela, com e na comunidade e, à constituição brasileira entende-se: a realidade da comunidade se aproxima ao currículo e, por sua
vez ao PPP.
As pesquisas às quais nos referimos, eram direcionadas principalmente para ouvir as lideranças e pessoas mais velhas da comunidade. A essas pessoas, entre
tantas outras coisas, foram perguntadas: O que as escolas devem ensinar? Como devem ensinar? Quem e a quem ensinar? Onde se ensina? Onde se aprende?
As respostas dadas por esse público nos mostrou que o jeito de ensinar imposto às nossas escolas necessitava ser modificado urgentemente e que o que as
escolas se propunham a ensinar não impactava positivamente na vida das pessoas.
Resultados e Discussão
O território quilombola de Conceição das Crioulas é o 2o Distrito do Município de Salgueiro, Pernambuco, fica a 42 km entre Salgueiro e a Vila Centro. Dentro
do território tem, neste momento, quatro escolas quilombolas: duas de Educação Infantil e Ensino Fundamental – Anos Iniciais, Escola José Néu de Carvalho,
Vila Centro e Escola Bevenuto Simão de Oliveira, Sítio Paula, a 6 km da Vila Centro; uma de Ensino Fundamental – Anos Finais, Escola Professor José Mendes,
Vila Centro; uma de Ensino Médio, Escola Estadual Quilombola Professora Rosa Doralina, Vila União das Crioulas, a 1 km da Vila Centro. A Escola José Néu de
Carvalho oferece , no turno da noite, a EJA (Educação de Jovens e Adultos) – Ciclo I e II e a Escola Professor José Mendes a EJA – Ciclo III e IV.
Para este encontro decidimos refletir com os exemplos que se concentram nas duas escolas de Ensino Fundamental – Anos Iniciais. Não queremos com esta
decisão dar a entender que as outras escolas não estão aqui contempladas, muito pelo contrário, queremos sublinhar que a gestão escolar diferenciada que
defendemos e praticamos no nosso território é pensada como todos/as os/as gestores/as de todas as escolas. Por isso, as referências às escolas devem ser
lidas como exemplos, não como exceções. Que estes exemplos nos guiem para o diálogo e para um questionamento das nossas ações, nas nossas escolas, no
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caminho do crescimento enquanto cidadãos e cidadãs comprometidos/as com o meio social, cultural, ambiental e econômico das nossas comunidades.
A gestão escolar hoje, praticada por educadores/as quilombolas de Conceição das Crioulas, acompanha de perto todos os avanços que a escola e a comunidade
desenvolve. Participa nela e interage nela. Nesse contexto, a comunidade tem centrado esforços para que as equipes gestoras das escolas sejam compostas por
educadores/as quilombolas da própria comunidade e até então tem sido uma das grandes conquistas do povo de Conceição das Crioulas. Esses/as educadores/
as participam da Formação Continuada nas escolas e das formações realizadas pela principal instituição organizacional do povo quilombola de Conceição das
Crioulas, a AQCC (Associação Quilombola de Conceição das Crioulas) onde são motivados a realizar pesquisas sobre a comunidade e em suas graduações, nos
TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) geralmente utilizam a mesma metodologia. No processo educativo, eles/as assumem o papel de mediadores da relação
escola/família/comunidade e participam ativamente na construção do PPP. Com as pesquisas que se desenvolvem é possível confirmar que foi e será um desafio
constante para os profissionais de educação implantar uma gestão diferenciada, de forma participativa, onde o coletivo tem maior força de articulação.
Que o modelo de gestão escolar hierárquico e acima de tudo ultrapassado, pelo qual se organizam os sistemas de ensino em nosso país não corresponde e não
representa o pensamento e nem os fazeres das populações tradicionais, não é uma constatação recente. No entanto, as ações planejadas e executadas pelos
governos, em hipótese alguma sinalizam para a redução de tamanha incompatibilidade. Porém, desafiados pelas pautas de reivindicações dos movimentos sociais e em especial o movimento quilombola, bem como, os resultados de pesquisas e estudos sobre o ensino público que resultam em vergonhosas revelações
sobre as condições em que ainda se encontram enorme parte das escolas públicas brasileiras e principalmente pela colocação ocupada pelo Brasil atualmente,
uma minúscula parcela dos/as gestores/as públicos/as começam a inserir tal problemática em seus discursos. Contudo, nem esses conseguem ir além da fala.
Pois, os embates políticos entre lideranças/movimento quilombola e gestores/as públicos/as tem confirmado que, mesmo aqueles que verbalmente já apresentam sinais de que estariam compreendendo a gravidade do problema, nos momentos de decosões, imediatamente se reconduzem às suas posições de origens
e acionam as atitudes comuns a esse segmento da sociedade. Portanto, as projeções que realmente acontecem, são exatamente aquelas que não colocam em
risco a sustentabilidade de modelo de gestão escolar originário do colonialismo e que inexplicavelmente no Brasil – país que se afirma republicano – esse sobrevive intacto. Mesmo nessas circunstâncias, o povo de Conceição das Crioulas, por exemplo, por entender que as escolas do seu território necessitam de um PPP
que direcione suas ações associadas aos aspectos históricos, culturais, políticos, sociais e econômicos da comunidade, assumiu o desafio de desenvolver uma
forma de gestão escolar quilombola fundamentada no diálogo, nas parcerias e nas consultas à população, principalmente as lideranças. Por isso, tem procurado
sensibilizar gestores/as públicos e legislativos, no sentido de que esses venham apoiar as estratégias construtivas já implementadas pelos/as quilombolas ao
tempo em que provocam para a utilização de instrumentos legais já existentes que viabilizam a consolidação da forma de gestão escolar condizente com a vida
e o desenvolvimento do povo do lugar. É importante dizer que os diálogos entre gestores/as públicos e a comunidade de Conceição das Crioulas, há anos são
encerrados sempre com o argumento: a forma de gestão escolar desenvolvida pelo povo de Conceição das Crioulas, não tem amparo legal. Por isso, o reconhecimento da referida forma por parte do poder público é inviável! Então, estrategicamente, nos contrapomos e seguimos a lógica de que também não há leis
que proíbam o povo de se organizar. É assim que, com muitas atitudes ousadas, temos conseguido avançar significativamente no que se refere a gestão escolar
quilombola específica, diferenciada e intercultural. E fazemos isso, por saber que, entre tantos dispositivos legais que respaldam especificamente os direitos das
populações tradicionais podemos citar a Convenção 169 da OIT publicada um Julho de 2004 e que da qual o Brasil é signatário; a Lei 10.639/03, e 11.645/88; as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana de Junho de 2005;
as Diretrizes Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, de 2012. Além do que mesmo as leis que são utilizadas pelos gestores/as públicos como sendo
impedimento dispõem a favor do respeito a diversidade, às formas de organizações sociais e a soberania popular. Afinal, somos conscientes de que, a empecilho
principal é a falta de boa vontade política e aliada ao temor de que a „ORDEM‟ e o „PROGRESSO‟ brasileiro não sobrevivam aos impactos da desierarquização
das instituições públicas por parte daqueles/as que historicamente usam dinheiro do povo para eternizar um modelo de gestão pública não mais suportado pela
maioria da população.
Uma vez que a comunidade escolar ganhe autonomia para decidir sobre o melhor dia para planejar, o melhor dia para reunir com as famílias e principalmente
sobre os projetos a serem vividos na escola de acordo com a necessidade da comunidade escolar e geral estaremos a educar os estudantes com a responsabilidade nas tomadas de decisões do coletivo, provocando uma mudança na sociedade. Como? Diagnosticando-se o problema pertinente no momento e a partir
daí elaborar um projeto que possa ser vivido durante o mês letivo, podendo ser ampliado para os meses seguintes, caso necessite, assim o problema identificado
é ultrpassado em conjunto.
Desde 2008 que o movimento intercultural IDENTIDADES, Portugal e a AQCC com o apoio da Universidade do Porto, Portugal e da Secretaria Municipal de Educação de Salgueiro, Pernambuco, estabeleceram um programa que inclui ações de formação específica com oficinas prática-teórica para os/as educadores/as
das escolas quilombolas do Município. Sendo que as oficinas aconteciam para os/as educadores/as no território da Conceição das Crioulas e mais tarde esses/
as mesmos/as educadores/as seriam os/as formadores/as para o resto do Município de Salgueiro.
A parceria entre o IDENTIDADES e a AQCC começou em 2003. Quem nos apresentou foi o CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire), Olinda, parceria que a AQCC
já mantinha.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Desde esse ano que estes encontros aconteceram no tempo do recesso do calendário escolar específico para o território quilombola, conquista adquirida em 2001.
Mas não foi uma conquista fácil! Antes da escola Professor José Mendes o calendário era definido pela Secretaria do Município. Quando a escola inaugurou em
Maio de 1995, inaugurou com o turno do dia e da noite. Os/as estudantes da noite eram maioritariamente as lideranças da comunidade, muitas delas voltavam à
escola para prosseguir ou concluir os seus estudos. Em Junho, mês seguinte, levantou-se o primeiro problema: na comunidade celebra-se o S.João com recesso
em dois dias, 23 e 24 de Junho enquanto que no Município apenas no dia 24. Em Julho segundo problema: o Município faz o recesso escolar de quinze dias,
mas na comunidade não existe uma justificativa maior para cumprir nessas datas. Já em Agosto, para a comunidade, tem a grande festa de Nossa Senhora de
Assunção, que sempre foi celebrada no período de 5 a 15 do referido mês. Esse foi o terceiro e grande problema. Os/as estudantes não foram à escola um único
dia nessa data. Era preciso ir e fazer a novena, montar a feira, encontrar os amigos, as vizinhas, as visitas de outros lugares, ainda tinha o forró... Duas semanas
intensas de encontros e confraternização.
Givânia Silva, diretora da escola, logo após a festa leva esta dificuldade para a sala de aula e conversa com os/as estudantes, também lideranças. Encontraram
uma proposta para resolver a questão: não ter recesso em Julho mas sim em Agosto. A proposta foi apresentada à Prefeita Creuza que aceitou a mudança. De
maneira que em 1996 a escola praticava pela primeira vez o calendário específico. Mas tudo muda com as novas eleições, quando ganha a oposição.
Em 1997 acontece um retrocesso nas conquistas e no papel que a comunidade começava a ocupar. Primeira providência que o novo Prefeito tomou foi tirar os/as
professores/as que haviam iniciado o processo e colocar outros/as professores/as do Município e a segunda providência, fechar o turno da noite. Os argumentos
foram: a comunidade é muito violenta para ter o turno da noite, e existe a opção de estudar de dia, portanto quem não pode estudar não estuda. Mas o povo de
Conceição das Crioulas é um povo de luta. E quando chegou a altura do recesso em Julho, duas professoras, Márcia do Nascimento e Silvanete Maria da Silva
mantinham a escola aberta e recebiam os /as estudantes que queriam estudar nesse período, porém obrigaram à força o encerramento da escola nesse período.
Quando chegou a Agosto independentemente da presença dos/as professores/as nenhum estudante compareceu. A gestão da escola terminou por retirar Silvanete Maria da Silva da escola, professora simpatizante da causa quilombola. E começaram as conversas sobre a Lei da Constituição Brasileira, a equipe gestora
afirmava que a proposta que o povo quilombola apresentava era anticonstitucional, por isso era muito grave porque o calendário escolar tinha que dividir o ano
em dois semestres iguais e essa atitude era punida por Lei. Mesmo assim, em 1998 foi alterado o calendário, porém assunto específico nenhum foi trabalhado, a
única diferenciação foi só no recesso e mais nada. E assim ficou até ao final do ano 2000.
Mas a escola é um dos instrumentos de luta na comunidade, e enquanto a equipe gestora não se altera, outros movimentos dão continuidade. Assim em 17 de
Julho de 2000 inaugura-se a AQCC que entre outras demandas, como a regularização fundiária, tinha na ordem de objetivos a educação específica e diferenciada.
Chega 2001 e Creuza volta a ser eleita. Com ela a discussão volta a ocupar a prioridade, desta vez o diálogo que queríamos com o Município era sobre o calendário sócio-cultural da comunidade, com o jeito e o fazer próprios locais, cumprindo os duzentos dias letivos. Esta conversa era importante para que a escola
tivesse autonomia de se organizar de acordo com as datas importantes na comunidade, como aniversário da escola, o dia da Consciência Negra, entre outros.
Neste processo de luta por uma equipe gestora quilombola que lute e represente a escola onde cumpre a sua funções sociais de acordo com a comunidade em
que se insere, desde muito cedo, a comunidade escolar foi entendida como um todo, equipe gestora, professores/as, estudantes, merendeiras, vigilantes, família,
lideranças, assente num processo de diálogo. Este início comprometeu de imediato a presença dos pais e das famílias nas tomadas de decisões.
Se dizemos que cada local tem a sua especificidade, dizemos também que dentro do território quilombola cada Sítio é específico e a escola Bevenuto Simão de
Oliveira no Sítio Paula, mostrava uma outra realidade, pois até 2008 não havia equipe gestora. Ao invés, tinha uma coordenadora pedagógica municipal que coordenava todas as escolas multisseriadas do campo, um núcleo de doze escolas. Na maioria das vezes ou havia desencontros, ou chegava atrasada às reuniões
ou, muitas vezes, não comparecia por algum motivo. A escola necessitava de um outro modelo de equipe gestora. Por isso, em 2008 a escola ganhou uma coordenação da própria comunidade, e mesmo com a nova coordenação indicada pela secretaria, ainda havia resistência da parte dos pais. Os pais acreditavam na
coordenação indicada mas não acreditavam nos/as educadores/as quilombolas. Foi no diálogo e respeitando a especificidade daquele lugar que se propôs uma
nova ação e a coordenação junto com os/as educadores/as traça como principal meta ter as famílias na escola nas reuniões mensais, confraternizações ou, ao
menos, na entrega dos resultados dos/as estudantes.
A gestão junto com as educadoras, todas da comunidade, mudaram as estratégias das reuniões começando por ver o melhor dia e o melhor horário para os pais,
a exemplo: as reuniões aconteciam de manhã e durante a semana porque era quando a antiga coordenação podia estar presente, embora não fosse o melhor
horário para os pais que trabalham na roça da parte da manhã. Sendo assim a proposta encontrada seria mudar as reuniões para a parte da tarde, ao sábado
ou até mesmo à noite. Para além dessa mudança, as reuniões seriam um espaço aberto para a participação de todos, não limitando só para o pai e para a mãe.
Para além disso, passamos a enviar convites, pois até então eram chamados para as reuniões verbalmente através de recados. Quarta ação: organizamos a reunião com uma pauta de trabalho que os seguintes passos: acolhida, textos reflexivos, valorizando a socialização de cada participante. Nas reuniões deixamos de
denunciar algumas atitudes dos/as estudantes e, em vez disso, passamos a dar ênfase às boas ações que praticavam, elogiando junto com eles/as as atividades
desenvolvidas pelos estudantes, seus filhos e filhas: como tinha sido feita a atividade; o que eles/elas tinham aprendido; o passo a passo da aprendizagem, valorizando as práticas vivenciadas. As apresentações eram feitas com mostra de fotografias realizadas com os/as estudantes, nos mais diversos momentos, como:
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brincadeiras, momentos de aprendizagens dinâmicos e engraçados. As famílias, também, passaram a participar na prestação de contas de PDDE (Programa
Dinheiro Direto na Escola) dando opiniões do que se deve comprar, ou não porque já tinha, para a escola. Foi constituído o Conselho Escolar com a representação e a participação dos pais, anteriormente esse Conselho era constituído por um/a representante (merendeira, professora, pai) de cada uma das doze escolas
consideradas Escolas Multisseriadas de Salgueiro.
Em 2008 convidamos os pais para verem os resultados dos/as estudantes no final da atividade e só apareceu um pai. Para além da confiança das famílias no
método de ensino aprendizagem que nos propúnhamos, também tínhamos o objetivo de ter as famílias a participar na escola. Foi na reflexão coletiva da comunidade escolar que se traçou as metas apresentadas, para atingir em cinco anos, algumas conseguimos atingir em três anos, assim, dessa forma, conquistamos
a confiança das famílias que passaram a acreditar que os/as estudantes aprendem a partir do meio ambiente onde habitam. Hoje, nem um pai falta ao convite da
escola, quando falta preocupa-se em apresentar a justificativa tendo em conta o compromisso que estabeleceu, no entanto continuamos na luta e à procura de
estratégias para a falta a participação pedagógica, que ainda não é completa.
Voltamos a 2003 e aos festejos da grande padroeira da comunidade. A AQCC promovia, então, uma programação cultural com o objetivo de fortalecer a identidade étnica e elevar a auto-estima do povo de Conceição das Crioulas. Para isso, foram realizadas oficinas de História Africana, Artes Plásticas, Contação de
História, Dança e Teatro. Tendo em conta que o movimento intercultural IDENTIDADES se move em intercâmbios entre comunidades em Moçambique, Cabo
Verde, Brasil e Portugal, a presença da nova parceria, que surgia, dava os primeiros passos nas artes plásticas, com participação portuguesa e no teatro com a
participação moçambicana.
Até 2006, as oficinas eram propostas para Jovens e Adultos, mas em Agosto deste mesmo ano, a proposta tinha o objetivo de trabalhar com as professoras das
escolas quilombolas para, em conjunto pensar o formato de trabalhar conteúdos pedagógicos na área das artes e contribuir para a construção do currículo diferenciado, eram oficinas com o caráter de formação específica. O trabalho realizado nas oficinas seria transportado para a sala de aula. Contudo, de 2006 a 2008
as professoras que podiam participar eram as que moravam na Vila Centro porque as atividades aconteciam no recesso escolar de Agosto e as outras professoras que moravam longe não tinham como deslocar-se. É em 2008 que reunimos com a Prefeitura e apresentamos o projeto „ expressões artísticas nas escolas
quilombolas da comunidade de Conceição das Crioulas, partindo das experiências já obtidas, das conversas e das reuniões realizadas e das expectativas que
pretendíamos alcançar. Foi assim que em 2009 tivemos a primeira formação com todos/as os/as professores/as quilombolas da comunidade, nas instalações da
escola José Néu de Carvalho. Em 2010, tendo em conta, que as professoras da escola Bevenuto Simão de Oliveira não tinham participado nas atividades anteriores a 2008, uma parte da formação aconteceu pela primeira vez na escola do Sítio Paula.
A escola tem que saber viver e aplicar na prática escolar o resultado dos encontros com os parceiros, para isso é preciso saber quando e como colocar. Nestes
últimos cinco anos esta participação foi muito positiva. A exemplo, a proposta pedagógica que decidimos implementar, depois da formação prática-teórica em artes
realizada com o IDENTIDADES em Agosto de 2010.
A Escola Multisseriada Bevenuto Simão de Oliveira, Sítio Paula entendendo que as crianças de 5 anos de idade são capazes de dizer o território que temos e o
território que queremos, precisou de envolver essas crianças na pesquisa do GT (Grupo de Trabalho do Território) essa discussão aconteceu no dia 12 de Novembro
de 2011 no CPA ( Centro de Produção Artesanal):quais são os destinos do território? E porque é que é importante as escolas participarem? Para melhorar esse
entendimento num planejamento no dia 16 de Novembro de 2011 de 8h00 às 16h00 já sendo uma prática da escola reúnem-se educadores/as, coordenadora,
representante de pais e de estudantes com o objetivo de procurar métodos de como realizar esse trabalho, o de ensinar o que é território de uma maneira dinâmica para um público de apenas 5 anos de idade. Logo entendemos que a oralidade, a fala e a escuta seria o ponto de partida para adquirir esse conhecimento.
O quê complementaria mais ainda a valorização da oralidade? Então optamos pelas artes: o desenho e a pintura. No mesmo momento já mapeamos os locais de
aprendizagem da nossa comunidade como: a igreja de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil e da comunidade, a APRSP (Associação dos Produtores
Rurais do Sítio Paula), o campo de futebol, riachos, açudes, lageiros e outros. Mapeamos também as comunidades a serem visitadas e mapeamos as entrevistas
que íam ser realizadas às pessoas: D. Liosa, Narcinha, Maria Josefa, dentre outros. Fizemos o levantamento de alguns vídeos para serem mostrados. Estimamos
um mês letivo para desenvolver estas atividades com os/as estudantes.
Em Agosto de 2010 quando foi promovida a oficina prática-teórica onde participaram educadoras, coordenadora e estudantes, utilizou-se materiais que temos na
comunidade tais como: pau, cipó, pedra, talos de plantas, terra, folhas verdes e secas, e a partir das cores primárias partimos à descoberta de todas as outras
cores para contar histórias em formas de desenhos e pinturas. O grupo fez a coleta desses materiais e foi aí que surgiu a iniciativa de construir e vivenciar o projeto
„Arte em Toda a Parte‟, que ainda hoje acontece. Nessa oficina, de coleta desses materiais, inicialmente as educadoras experimentaram as atividades a serem
levadas para a sala de aula. No decorrer do projeto fizemos passeio pelo território com as crianças para junto das pessoas mais velhas recolher as histórias do
nosso povo e dos lugares mais importantes do nosso território. Ao retornar para a sala de aula, os estudantes construíram maquetes desses espaços e recontaram
as histórias que ouviram através de croquis, desenhos e pinturas utilizando os materiais que temos na comunidade e a partir da mistura de cores.
De acordo com o nível de cada turma as educadoras elaboraram um questionário, alguns orais outros escritos com espaço para perguntas espontâneas. O público a ser entrevistado foi, então, escolhido pelas educadoras e estudantes de acordo com o conhecimento que cada pessoas poderia ter sobre o assunto a ser
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
pesquisado.
Para saber a história da escola elaboramos um questionário sobre a vida de Bevenuto Simão de Oliveira (falecido), homem parteiro, tocador de pífano e rezador,
foi ele quem fez a doação do terreno para construir a escola. Foram entrevistados/as: sua esposa Maria Josefa, hoje com 96 anos; seu único filho morador desta
comunidade, Vital Maria com 56 anos e sua nora Cleunice Maria da Silva, 45 anos. A partir desta coleta de dados os/as estudantes contaram a história em forma
de desenho ampliado em papel madeira. Material esse, guardado no arquivo da escola para futuras pesquisas.
Rita Luiza da Silva, Presidente da Associação dos Produtores Rurais do Sítio Paula José Tomás da Silva (antes conhecida como APRSP) conta para os/as estudantes do 5oano-Ciclo II que no ano de 1995 foi fundada esse associação pelos próprios moradores por necessidade de se organizarem enquanto agricultores.
Como não tinha sede própria, as reuniões aconteciam aos domingos na escola. Só no ano de 2008 é que ganham sede própria, com o apoio da AQCC na compra
de materiais de construção através do projeto „Criança Esperança‟ com o parceiro ActionAid, e principalmente, com a mão de obra voluntária dos moradores da
comunidade. Com o resultado dessa pesquisa os estudantes construíram a maquete da associação utilizando papelão, tinta, régua e cola. Pintaram também o
Presidente que fundou a associação José Tomás da Silva (falecido) e a atual Presidente Rita Luiza da Silva, 64 anos.
Para contar a história da comunidade foram entrevistadas várias pessoas mais velhas: Abel Domingos (falecido com 92 anos, no ano de 2013); António Miguel
Gomes, 64 anos; Hosana Josefa da Conceição, 91 nos. Fomos também, pesquisar nos arquivos da escola entrevistas realizadas anteriormente, como exemplo,
a entrevista realizada a António Gabriel (falecido). Com o resultado dessa pesquisa os/as estudantes construíram o croqui e a maquete da comunidade.
Para conhecer o território foram promovidos passeios na Vila Centro e Sítios vizinhos utilizando o transporte escolar. No retorno para a escola os/as estudantes
pintaram e desenharam os pontos que acharam mais importantes como açudes, serras, riachos, árvores, bichos, casas, estradas, trajeto, campo de futebol e
pessoas.
Foi feito na escola a culminância: uma exposição dos desenhos, pinturas, croquis, maquetes, fotografias e histórias dramatizadas e histórias contadas oralmente
pelos/as estudantes.
Tal como o nome sugere „Arte em Toda a Parte‟ é uma proposta de pesquisa consolidada numa relação de saberes, nas suas diversas formas de arte, presentes
na comunidade e transportadas para a sala de aula. A inspiração que alimenta esta pedagogia é que a própria comunidade possa ser criadora e autora dos seus
próprios recursos e métodos de aprendizagem sem renunciar ao contacto com o exterior da comunidade. A verdade é que desta forma a identificação e a pertença ao conteúdo a tratar torna-se mais próximo da pessoa que se envolve permitindo, por um lado a participação pedagógica com a familia, por outro obter MDE,
alimentando a pesquisa de um currículo diferenciado na construção do PPP e, para além disso, criar um caminho de leitura mais acessível para outras realidades,
como por exemplo, como funciona a vida em outros lugares, urbano, rural, sítio?
Com isso percebeu-se que não é suficiente desenvolver saberes e competências dentro do espaço escolar: é preciso que conheçam a história do seu povo e que
este seja o contador da mesma; é preciso que compreendam como e porque é que são tomadas certas decisões no sistema de ensino; é preciso que saibam
quais são as relações de poder que existe nessas decisões, com o objetivo de um processo educativo participativo democrático tanto formal quanto não formal;
é preciso entender que a construção de uma gestão escolar quilombola diferenciada, participativa, implica repensar a lógica da organização e participação nas
relações sociais, da qual fazem parte.
Os desafios colocados seguem nesta perspetiva, muito útil aos objetivos da gestão escolar quilombola de Conceição das Crioulas, percebendo que o modelo de
gestão escolar diferenciada não está isolada do sistema social, político e cultural; assim como compreender que, enquanto profissional da educação se tem uma
importante função a exercer e a oportunizar meios para uma educação diferenciada e de qualidade.
Referências bibliográficas
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CRIOULAS: A VOZ DA RESISTÊNCIA. Salgueiro, ano 1 n. 1, maio 2003. ______. Salgueiro, ano 1, n. 3, novembro 2003.
______. Salgueiro, ano 2, n. 4, maio 2004.
______. Salgueiro, ano 2, n. 5, agosto 2004.
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FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia O cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. QUILOMBOLAS Direito ao Futuro. 2006. São Paulo: Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
SILVA, Givânia Maria. Educação como processo de luta política: a experiência de “educação diferenciada” do território quilombola de Conceição das Crioulas.
2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília.
Maria Diva Rodrigues, Filha do agricultor João Umbelino e da agricultora e artesã Maria de Lourdes. Nascida no núcleo Mulungu, onde ensinou por vários
anos, bem como no núcleo Olho D‟aguinha. Sua vida estudantil foi na cidade de Salgueiro, tendo sido cursista do Proformação. Como integrante da comissão
de educação, integrou o grupo de trabalho criado pelo prefeito de Salgueiro para elaborar o projeto de lei que cria a categoria de professor(a) quilombola. Foi
membro da coordenação da ASPAPP e AQCC. Pedagoga e especialista em programação do ensino da língua portuguesa, foi gestora da Escola Professor
José Mendes. É atual gestora da Escola José Néu de Carvalho.
e-mail: [email protected]
Marinalva Rita da Silva, Filha dos agricultores José de Osana e Rita Luiza. Nasceu no Sítio Paula e seus estudos foram na cidade de Salgueiro. Ensinou
em várias escolas do Município, hoje é coordenadora da Escola Bevenuto Simão de Oliveira, no local onde nasceu. É graduada em Pedagogia da Faculdade
de Ciências Humanas do Sertão Central - FACHUSC.
e-mail: [email protected]
Mónica Faria, Filha do metalúrgico Augusto Faria e da artesã Deolinda Faria. Nasceu em Espinho, Portugal. Licenciou-se em Artes Plásticas-Escultura na
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Ensinou em várias escolas do Distrito do Porto. Mestre em Ensino de Artes Visuais pela Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação e Faculdade de Belas Artes, da Universidade do Porto. Neste momento bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia,
pertence ao Núcleo de Investigação de Educação Artística do i2ADS, a desenvolver pesquisa na comunidade quilombola de Conceição das Crioulas, doutoranda no Curso Doutoral Educação Artística, na Faculdade de Belas Artes e da Universidade do Porto.
e-mail: [email protected].
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Índice
Index
Início
Start
MAPEAMENTO DO ENSINO DE ARTES VISUAIS NA EDUCAÇÃO NÃO FORMAL:
POSSIBILIDADES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Fabiane Pianowski
Universidade Federal do Vale do São Francisco
Resumo
Esta pesquisa objetiva investigar as práticas pedagógicas de mediação cultural para o ensino de arte nos espaços de educação não formal. Compõe o corpus
teórico da pesquisa a arte/educação não formal e o ensino de arte e mediação cultural na perspectiva da formação de professores através da prática (estágio
supervisionado). A inclusão do estágio em espaços de educação não formal é fundamental para na formação de arte/educadores como mediadores culturais. O
curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) prevê o estágio supervisionado em espaços de educação
não formal através da disciplina “Prática de ensino III. A medição cultural é a mais importante referência que encontramos no âmbito da arte/educação não formal
para o ensino da arte, mas antes de nada necessitamos encontrar os espaços adequados para que os alunos possam realizar essas práticas, neste sentido é
proposta a criação interinstitucional de uma Rede de Ensino de Arte em Contextos Específicos (REACE).
Palavras-chave: arte/educação; mediação cultural; educação não formal; estágio supervisionado
Resumen
Esta investigación estudia las prácticas pedagógicas de mediación cultural para la enseñanza del arte en los espacios de educación no-formal. Compone el corpus
teórico la arte/educación y la enseñanza de arte y la mediación cultural en la perspectiva de la formación de profesores a través de la práctica (dirigida). La inclusión de prácticas en espacios de educación no-formal es fundamental para la formación de arte/educadores como mediadores culturales. La licenciatura en Artes
Visuales de la Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) supone la realización de prácticas dirigidas en espacios de educación no-formal a través
de la asignatura “Prácticas de la enseñanza III”. La mediación cultural es la más importante referencia que podemos encontrar en el ámbito de la enseñanza de
arte no-formal, pero ante todo necesitamos encontrar los espacios adecuados para los alumnos puedan realizar estas prácticas, para esto se propone la creación
interinstitucional de una Red de Enseñanza de Arte en Contextos Específicos (REACE).
Palabras-clave: arte/educación; mediación cultural; educación no-formal; práctica dirigida
A mediação cultural desenvolve-se especialmente no âmbito da educação não formal e, apesar desta práxis estar estendida pelo país, há pouca formação especializada de mediadores para atuar em contextos específicos (MOURA, 2007; ALENCAR, 2008; BARBOSA & COUTINHO, 2009; NAKASHATO, 2012). No sentido
de promover um curso no qual o aluno possa integrar teoria e prática em uma práxis transformadora, é importante não só estudar em profundidade de que modo
o conceito de mediação cultural –ainda em construção e de caráter polifacético– vem se estruturando no âmbito da educação não formal e qual a sua articulação
com o ensino de Artes, estudando os seus principais teóricos e promovendo a discussão e a reflexão sobre o tema em uma prática pedagógica dialogada; como
também faz- se necessária a imersão dos estudantes no contexto profissional da mediação cultural, a fim de que os mesmos possam vivenciar em primeira pessoa
seus desafios e perspectivas por meio da reflexão, análise e problematização.
Essa imersão deve ser feita a partir de uma atitude instrumentalizadora da práxis, de modo que os contextos sejam analisados, desenvolva-se uma postura investigativa nos alunos para que os mesmos estejam preparados a problematizar tanto a situação de estágio, como a situação profissional vindoura. O papel do
professor-coordenador nesse contexto é de partilhar saberes, avaliar, aconselhar, compartilhar a busca de soluções, orientar e acompanhar o processo, colocando-se “entre” os alunos, a prática, a teoria e a realidade numa postura dialógica.
A inclusão do estágio em espaços de educação não formal é, portanto, fundamental para na formação de arte/educadores como mediadores culturais. No entanto, é comum ouvirmos na formação de professores que teoria e prática estão desvinculados. De acordo com Pimenta e Lima (2004), a organização curricular é
a grande responsável por essa desconexão por estruturar-se como “saberes disciplinares” isolados entre si e sem vínculo com o campo de atuação dos futuros
profissionais. Para superar essa deficiência exige-se que o estágio seja teórico-prático na perspectiva da práxis, ou seja, que o estágio seja desenvolvido a partir
de uma atitude investigativa, que envolva reflexão e intervenção:
O estágio não é atividade prática, mas teórica, instrumentalizadora da práxis docente, entendida esta como atividade de transformação da realidade. Nesse sentido o estágio curricular é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção da realidade, esta, sim objeto da
práxis. (PIMENTA, 1994)
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
O estágio a partir dessa perspectiva vincula-se às concepções de professor como profissional reflexivo (SCHÖN, 1992) e profissional crítico-reflexivo (PIMENTA,
2002; CONTRERAS, 2002). Essas concepções colocam a prática educativa como o espaço de construção do conhecimento a partir da sua reflexão, análise e
problematização, tornando-se simultaneamente prática e teoria. Portanto, o estágio deve ser concebido como uma experiência significativa através da qual irá
identificar, selecionar e destacar os conhecimentos importantes para a atuação profissional. Nesse sentido, o grande desafio dos cursos de formação de professores é operacionalizar a ideia de professor reflexivo e pesquisador, que pode se concretizar através das diferentes modalidades de estágio.
No âmbito da educação não formal ainda é muito recente a sua inclusão como espaço para a realização de estágio supervisionado dos cursos de Licenciatura
uma vez que a legislação não estipula normas e diretrizes de formação inicial de docentes relacionada à educação não formal. Como destaca Nakashato (2012),
tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/ Lei Federal no 9.394/1996), como as instâncias deliberativas para o sistema oficial de ensino
como o Conselho Nacional de Educação (CNE) ou o próprio Ministério de Educação e Cultura (MEC), não estipulam normas e diretrizes de formação inicial de
docentes relacionada à educação não formal. De fato, os pareceres e as resoluções que tratam do tema apontam o estágio para o exercício e práxis somente
da educação formal, ficando a cargo da autonomia universitária a possibilidade da realização de estágio supervisionado nos espaços de educação não formal.
No caso particular das Licenciaturas em Artes Visuais, no entanto, esta modalidade de estágio supervisionado deveria ser obrigatória uma vez que os espaços de
educação não formal foram fundamentais para o que hoje se entende como Arte/Educação. Nesse processo é imprescindível mencionar o Movimento Escolinhas
de Arte de 1948 e a Proposta Triangular para o ensino de Artes da década de 80.
O MEA surgiu no começo da década de 50 (e se estendeu até os anos 80, no Brasil e inclusive no exterior: Argentina, Paraguai e Portugal). No entanto, sua história
inicia em 1948 com a fundação da primeira escola denominada Escolinha de Arte do Brasil (EAB), no Rio de Janeiro, por Augusto Rodrigues, Margaret Spencer e
Lúcia Alencastro Valentim. O objetivo de criar um espaço de experiências e vivencias artísticas para a construção do conhecimento, permitiu que este espaço se
transformasse em um local de diálogo e pesquisa, favorável a mudanças nas concepções educativas, aumentando o interesse pelo desenvolvimento cognitivo das
crianças e, no caso da arte/educação, pela implementação da livre expressão. Os avanços da arte/educação só foram possíveis a partir de proposições pioneiras
das Escolinhas de Arte, responsáveis por propagar outros ideários para o ensino da Arte, como o respeito ao repertório do aluno, o uso de referências culturais
locais, a experimentação estética etc.
A Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa, criada na década de 80, também configura-se como uma referência determinante na renovação do ensino de arte a
partir de experiências de educação não formal. Essa proposta estrutura-se em três pilares: a contextualização histórica, a produção e a leitura da obra de arte. A
sistematização dessa proposta tem influência das intensas pesquisas de Barbosa sobre as experiências significativas de ensino de arte em especial nas Escuelas
al aire libre mexicanas, no Critical Studies inglês e no Discipline Based Art Education –DBAE americano. Ao pensar a arte não só como expressão, mas também
como cognição a Proposta Triangular marca uma nova postura no ensino de arte, que passa a ser entendida como parte inseparável da cultura.
Atualmente, a medição cultural é a mais importante referência que encontramos no âmbito da Arte/Educação não formal. No entanto, o Brasil ainda não institucionalizou a figura do mediador e não temos formação específica de mediadores para atuar em museus, centros culturais ou ONGs (BARBOSA & COUTINHO, 2009).
Na tentativa de suprir essa carência alguns cursos de Licenciatura em Artes começam a incluir o estágio em espaços de educação não formal, entre os cursos
que oferecem essa possibilidade está o curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF que tem como
componente curricular a disciplina de “Práticas de Ensino das Artes Visuais III”, na qual está previsto o desenvolvimento do estágio supervisionado em espaços
de educação não formal por meio de mediação pedagógica do ensino de Artes Visuais em instituições culturais (Museus, Galerias, Centros Culturais, Fundações
Culturais), eventos especiais (Festivais, Salões, Exposições), Escolas de Arte, Organizações Não Governamentais (ONGs), entidades associativas, cooperativas,
remanescentes quilombolas, indígenas ou Educação do Campo (UNIVASF, 2011).
Como pode ser observado há uma grande diversidade em relação aos espaços nos quais o aluno pode realizar seu estágio supervisionado, no entanto, essa diversidade não é garantia de qualidade no processo de ensino-aprendizagem dos futuros arte/educadores. Nesse sentido, é importante que o professor supervisor
tenha prévio conhecimento acerca dos espaços em que se realizarão as atividades de estágio para melhor orientar seus alunos.
Mapear os espaços nos quais os alunos possam desenvolver projetos de mediação cultural torna-se, nesse contexto, um elemento fundamental para conhecer
o cenário da educação-não formal na área de abrangência do curso. Esse mapeamento deve ser acompanhado de uma análise e diagnóstico da situação atual
do ensino das artes nesse cenário. Essa contextualização problematizadora possibilitará localizar boas práticas e/ou locais potenciais para a mediação cultural,
assim como permitirá detectar as suas carências ou ausências. Além disso, permitirá a criação de instrumentos de avaliação das práticas pedagógicas para o
ensino de Artes em instituições de educação não formal. A criação da Rede de Ensino de Artes em Contextos Específicos (REACE) a partir dos dados coletados
e analisados será fundamental tanto para o desenvolvimento dos estágios supervisionados na educação não formal como para uma melhoria do ensino de Artes
nestes espaços através do estabelecimento de parcerias entre a UNIVASF e as instituições pesquisadas.
Arte/Educação Não Formal
As transformações socioeconômicas favoreceram o crescimento do chamado terceiro setor, no qual encontram-se as organizações não governamentais (ONGs),
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
instituições financiadas pela iniciativa privada, estatal ou pelas novas leis de incentivo fiscal. Sob essa perspectiva, a atuação do arte/educador na educação não
formal vem aumentando significativamente.
Mas o que significa educação não formal? Para compreender seu significado é importante também compreender os conceitos de educação formal e informal.
Enquanto o primeiro refere-se à educação sistemática, paramentada e planejada; o segundo, ao contrário, está relacionado a educação que pode ocorrer em
qualquer âmbito, efetivando-se primordialmente na convivência social.
A educação não formal, por outro lado, rompe ou com a metodologia ou com a estrutura do processo tradicional de ensino-aprendizagem e caracteriza-se por
possibilitar a transformação social, dando aos sujeitos que participam desse processo, condições de interferir na história, refletindo-a, transformando-a, logo, transformando-se. De maneira que o foco de seu argumento são os movimentos sociais, as ações políticas militantes de grupos organizados etc. (AFONSO, 1989).
No intuito de demarcar melhor as diferenças entre estes três âmbitos educacionais, Maria da Glória Gohn (2006) propõe uma série de questões que permite definir
cada um deles. Para a investigadora na educação não formal quem educa é aquele com o qual interagimos nos espaços educativos externos à escola nos quais
há, no entanto, processos educacionais intencionais. Os ambientes e situações de ensino são interativos e construídos coletivamente, nos quais normalmente
a participação é optativa, havendo uma intencionalidade na ação, no ato de participar, aprender e transmitir ou trocar saberes com o objetivo de capacitar os indivíduos para a exercer plenamente a cidadania. Vale ressaltar que Gohn (2010) chama atenção para o fato de que nem toda educação não formal é educação
popular no sentido freireano, uma vez que existem práticas clientelistas no terceiro setor que não instauram processos de autonomia e emancipação entre os
sujeitos atendidos.
Tampouco há na educação não formal uma estrutura rígida de organização e os grupos que se forma desenvolvem laços de pertencimento que auxiliam na construção da identidade coletiva do grupo, desenvolvendo sua autoestima e empoderamento. A solidariedade e a colaboração são aspectos fundamentais nesse
processo. Apesar do êxito educativo de muitas das atividades realizadas através da educação não formal, esta ainda apresenta algumas carências relativas à
sistematização das atividades e à metodologia empregada, sendo a falta de formação específica a principal delas.
De acordo com Trilla (2008), os âmbitos da educação não formal estão relacionados à formação ligada ao trabalho, ao lazer e a cultura, à educação social e às
atividades extracurriculares da própria escola. Gohn (2006) propõe a articulação da educação formal com a não formal para dar vida e viabilizar mudanças significativas na educação formal, de acordo com a autora é preciso desenvolver saberes que orientem a participação de coletivos que tenham objetivos comuns.
De acordo com Gohn (2010) a LDBEN (BRASIL,1996) abriu caminho para o debate institucional sobre a educação não formal ao deixar clara a abrangência da
educação para além dos muros da escola. Nesta perspectiva, cabe a avaliação de Ana Mae Barbosa (2002) que afirma que o ensino de Artes de melhor qualidade
não está na escola, mas sim nas Organizações Não-governamentais (ONGs) que buscam a reconstrução social de crianças e adolescentes. Para a autora:
No Brasil todas as ONGs que tem obtido sucesso na educação dos excluídos, esquecidos ou desprivilegiados da sociedade, estão trabalhando
com arte e até vêm ensinando às escolas formais a lição da arte como caminho para recuperar o que há de humano no ser humano. (BARBOSA
& COUTINHO, 2009, p.21)
Nesse sentido, a pesquisa realizada por Lívia Marques Carvalho (2005) dirigida ao ensino de Artes nas ONGs demonstrou que o ensino de Artes é considerado
fundamental para a reconstrução pessoal. Essa pesquisa é uma das referências mais importantes e atuais em relação ao ensino de Artes na educação não formal
e suas diretrizes foram fundamentais para a elaboração deste projeto. Nesse estudo, a pesquisadora investigou três ONGs e segundo ela:
Na maioria dessas instituições, a arte não é tomada apenas como um meio de educação, mas como a educação em si mesma. Por meio da educação estética, pretende-se propiciar o desenvolvimento integral (afetivo, cognitivo, intelectual e espiritual) dos educandos, proporcionar o aprendizado técnico e teórico, com vistas, inclusive, a uma possível profissionalização daqueles que assim o desejarem, além de fornecer subsídios que
permitem democratizar o acesso à arte e aos bens culturais. (CARVALHO, 2008, p.28).
Nessa pesquisa, a autora também constatou que, diferentemente, do espaço escolar tradicional, há em relação ao sexo dos educadores um predomínio do gênero
masculino. Outro dado importante levantado pela pesquisa foi a formação dos educadores, uma vez que nem todos tinham formação no ensino superior.
Em relação às atividades realizadas as atividades performáticas (música, teatro e dança – 67% das atividades) foram predominantes em relação às atividades de
artes visuais (artes plásticas, artes gráficas e moda – 33% das atividades). Sobre esse aspecto, Carvalho (2008) considera que a predominância de atividades com
mais potencial para apresentações públicas e trabalhos coletivos seja consequência das exigências do apoio financeiro (marketing) uma vez que essas atividades
têm maior visibilidade. Alertando para esse fato no sentido de oferecer uma maior diversidade de modalidades artísticas amplia o leque de experiências estéticas.
A Educação Libertadora de Paulo Freire embasa todas as propostas pedagógicas analisadas por Carvalho (2008), de maneira que todos educadores têm liberdade e flexibilidade para traçar seus próprios caminhos. Essa liberdade não significa ausência de exigências, pelo contrário, os educadores são constantemente
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
avaliados em sua capacidade de transmitir conteúdos práticos e teóricos, em suas habilidades, na sua criatividade e poder de motivação. Para a maioria dos
educadores entrevistados as propostas pedagógicas não podem ser colocadas em prática mecanicamente, assim como é impossível seguir um modelo de ensino
ideal, de acordo com estes educadores para que as propostas sejam exitosas é necessário sua adequação tanto ao grupo quanto aos objetivos desejados.
Os educadores também afirmaram basear-se em modelos para programar suas oficinas, citando com frequência a Proposta Triangular e os métodos da linha
freireana. De acordo com Carvalho (2008), isso provavelmente ocorre por tratar-se de metodologias dialéticas e participativas que se adaptam às propostas das
instituições.
Além da flexibilidade e liberdade pedagógica do educador não formal, Carvalho (2008) destaca também a necessidade de um comprometimento da educação como
transformação social, portanto este educador necessita ter um posicionamento político, ético e estético alinhados aos da instituição e também aptidões pessoais
que vão além das habilidades técnico-profissionais, como acolhimento, compromisso, paciência, ausência de preconceitos, empatia, respeito, capacidade de agir
com autoridade sem cair no autoritarismo, criatividade, espírito crítico, democrático e participativo.
Um aspecto importante da investigação levada a cabo por Carvalho (2008) foram as recomendações feitas pela autora que salienta a necessidade da elaboração
de currículos dos cursos de Licenciatura em Artes mais adequados à diversidade do mercado de trabalho, capacitando os futuros profissionais para atuarem tanto
no ensino formal como no não formal, bem como coloca que é preciso que mais pesquisas sobre o ensino de Artes nas ONGs sejam realizadas, a fim de produzir
conhecimento, promover a reflexão crítica e estreitar elos entre as ONGs e a universidade.
Ensino de Artes e Mediação Cultural
Atualmente, os arte/educadores que realizam atividades em museus ou outros espaços expositivos, bem como em outros espaços de educação não formal, utilizam a denominação de “mediador cultural”, em detrimento de outras denominações que até então vigoravam como “monitor”, “tiradúvidas”, “guia”, “orientador
de exposições” e até mesmo “arte/educador” (MOURA, 2007). No entanto, não é só na nomenclatura que reside a mudança, a abordagem também não é mais a
mesma. Se anteriormente, o educador desses espaços era responsável por transmitir informações técnicas e históricas, hoje, ele é um observador, um propositor
e um instigador:
[...] mediar é um ‘estar entre’. Um estar, contudo, que não é passivo nem fixo, mas ativo, flexível, propositor. [...] Um ‘estar entre’ atento e observador,
no olhar e na escuta, para gerar questões que apenas tem sentido se provocam a reflexão, a conversação, a troca entre os parceiros. Um estar
entre que precisa ser mais apurado. (MARTINS, 2005, p.55)
O termo “mediador cultural” no âmbito da educação não formal se mostra mais adequado porque nesses espaços os profissionais, na maioria das vezes,
trabalham com bens culturais e não especificamente com “arte” em sua acepção clássica. Nesse sentido, é interessante ter claro sob qual conceito de arte estamos refletindo, uma vez que já não cabe pensar arte como uma manifestação exclusiva da estética eurocêntrica. Hoje em dia, quando falamos arte, na verdade,
devemos pensar em artes (no plural) como uma atividade cultural que se manifesta através de diferentes poéticas –individuais ou coletivas– que (re)elaboram e
(re)organizam imagens, formas, cores, luzes, movimentos, ritmos, sons, silêncios etc. para criar objetos e/ou ações artísticas.
A Constituição Brasileira (BRASIL, 1988), no artigo 216, corrobora esse conceito ao definir o patrimônio cultural brasileiro como o conjunto de “bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira”.
Pensar o ensino de Artes a partir da perspectiva do patrimônio cultural é, portanto, uma boa alternativa para trabalhar com a diversidade cultural, uma vez que
a partir desse enfoque rompe-se com as classificações canônicas que definem o que é bom e o que é ruim e abre espaço para que as manifestações da cultura
popular também entrem em cena e passem a ser estudadas e valorizadas. É, portanto, responsabilidade dos mediadores culturais referenciar as diferentes expressões culturais, sejam elas da cultura hegemônica, popular ou de massa, contextualizando-as, no sentido de refletir conjuntamente com os educando onde
repousa o valor e o significado de cada uma delas, não deixando espaço para o preconceito e o menosprezo.
São muitas as formas de mediação entre arte e público: textos críticos, exposições e monitorias são algumas delas (GRINSPUM, 2000). O museu, centro cultural,
a exposição também devem por si mesmo educar através da experiência da interpretação. Nicholas Serota (1996) aponta uma outra concepção de educação em
museus em que considera que a própria curadoria e o design das exposições são também educação, não ficando limitada às práticas educativas do museu. A
partir dessa concepção, estes espaços tornam-se também mediadores culturais.
A mediação cultural coloca-se como um termo que ultrapassa o conceito de intermediar uma vez que não só visa aproximar o espectador do bem cultural como
tem um caráter rizomático, ao criar complexas relações entre o objeto de conhecimento, o educando, o mediador, a cultura, a história, o artista, a comunicação,
os suportes etc. (MARTINS, 2003; 2005; MARTINS e PICOSQUE, 2012).
O mediador deve estar atento aos interesses de cada grupo e se possível de cada sujeito destes grupos, posto que é o observador quem deve escolher o que
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
analisar e interpretar com a ajuda do mediador. Cabe ao mediador promover tanto a informação necessária para a compreensão do bem cultural estudado como
incentivar a reflexão, a análise e a interpretação a partir dessa informação.
A mediação cultural não é uma prática restrita à educação não formal, ao contrário, o educador ao entender o potencial dessa abordagem pode transformar a sua
própria prática pedagógica na educação formal, promovendo uma educação mais participativa e dialogal. Como aponta Nakashato (2012, p.41),
a mediação cultural e as ações educativas de espaços culturais, assim como de ONGs e de iniciativas do terceiro setor, podem contribuir para a
renovação e a mutação do pensamento e das práticas dos atuais professores de Arte da educação formal, ainda mais se, no decorrer de suas formações iniciais, os futuros professores tiverem a oportunidade de experienciar, analisar e refletir sobre estas estratégias.
A mediação tem caráter autoral, pois cada experiência é única e vai depender dos conhecimentos do mediador, do conhecimento que está sendo mediado e
do conhecimento do público. O mediador é o articulador destes três conhecimentos, e tanto o público muda, como os próprios conhecimentos do mediador são
constantemente revistos, de forma que não há como repetir a experiência, o que pode haver são aproximações, semelhanças, mas cada uma delas será única.
Por esse motivo, é necessário que instrumentos de avaliação específicos para essa realidade sejam desenvolvidos.
De acordo com Nóvoa (2011), são cinco as facetas que definem o “bom educador”: conhecimento, cultura profissional, tacto pedagógico, trabalho em equipe e
compromisso social. Logo, os conhecimentos que o mediador tem sobre o assunto que será tema da experiência mediada são muito importantes, porque quanto
mais conhecimento mais possibilidades de traçar relações e, portanto, mais rica a interlocução que realizará entre o bem cultural e o público. Do mesmo modo,
é importante que o mediador tenha conhecimentos dos processos de ensino-aprendizagem, para conhecer a teoria de como se ensina e como se aprende nas
diversas idades e na diversidade cultural.
Considerações finais
De acordo com o observado na bibliografia é possível perceber que os cursos de Licenciatura em Artes Visuais precisam voltar-se também para a educação não
formal e a disciplina de estágio nesse contexto necessita tornar-se obrigatória. Mas onde os alunos poderão realizar esse estágio? Essa é uma pergunta difícil de
responder devido a grande variedade em quantidade e qualidade dos espaços de educação não formal existentes.
Nesse sentido, faz-se necessário que haja um mapeamento seguido de um diagnóstico ensino de arte no contexto educativo não formal na área de abrangência
dos cursos de Licenciatura em Artes Visuais. Como forma de disponibilizar os dados e a troca de informações propõe-se a criação da Rede de Ensino de Arte em
Contextos Específicos (RECEA), uma base de dados virtual de fácil acesso permitirá que todas as instituições estudadas tenham suas informações atualizadas
e disponibilizadas publicamente, facilitando assim a seleção das instituições para realização do estágio supervisionado pelos discentes de Artes. Buscam-se parcerias de pesquisa para que esse projeto torne-se uma realidade nacional.
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Fabiane Pianowski, Universidade Federal do Vale do São Francisco.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
 A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO GRAFISMO INFANTIL PARA A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO NA UFC
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Luciane Germano Goldberg / Ana Caroline Sales Andrade
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Introdução
Arte não é apenas básica, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve.
Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra
para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo.
Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano.
(BARBOSA, 2010, p. 4)
Como é de conhecimento geral, é notória a fragilidade da formação do pedagogo na área de arte, em virtude da precária formação ofertada nos cursos de graduação no país. Segundo resultados de pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia – GPAP, liderado pela prof. Dra. Miriam Celeste Martins,
há casos em que nem há disciplinas voltadas para a arte ou arte-educação nos currículos dos cursos de pedagogia. Aqui trataremos, especificamente, do Ceará,
no caso, do município de Fortaleza, na Universidade Federal do Ceará - UFC.
Podemos observar a fragilidade da área a começar pelo currículo do curso de Pedagogia, dos cursos diurno e noturno, em que só temos uma disciplina obrigatória
de 4 créditos de Arte e Educação (64h), que obviamente não da conta do universo amplo e complexo de uma formação que prepare verdadeiramente o pedagogo
para o trabalho em arte na Educação Infantil e nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, em que, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o
curso de Graduação em Pedagogia, Resolução CNE/CP No 1, de 15 de maio de 2006, no Artigo 5o, parágrafo VI, o pedagogo deve “ensinar Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano”.
Desde 2011 buscamos um programa para a disciplina que procure dar uma base teórico-prática para a construção de uma visão de mundo em que a arte surja
como um elemento primordial para o desenvolvimento humano, especialmente na infância , desconstruindo a visão que se tem de que a arte é algo supérfluo,
sem importância, apenas para o lazer, diversão ou a serviço das demais áreas. Durante esses últimos anos, observamos que, inicialmente, mais do que construir
conhecimentos é preciso desconstruir tais preconceitos e visões estereotipadas sobre arte na escola que os estudantes de pedagogia carregam de suas trajetórias de vida, desta forma, optamos pelo trabalho com as narrativas de vida em que eles são convidados a compartilhar suas experiências formativas em arte da
infância até os dias de hoje. Essa atividade, denominada “Linha do Tempo” tem sido nosso objeto de estudo e pesquisa desde então, gerando algumas publicações e reflexões extremamente importantes a respeito do estudo do histórico do ensino de arte no Ceará e da precariedade da arte na escola, especialmente na
Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental (GOLDBERG et al, 2012, GOLDBERG e BEZERRA, 2012, GOLDBERG e SALMITO, 2013).
Após, aproximadamente, mais de 400 narrativas de vida compartilhadas nos cursos de pedagogia, licenciatura em dança e teatro da Universidade Federal do
Ceará – UFC foi possível observar que a arte na escola, no que se trata de experiências formativas na infância, ainda remonta a práticas extremamente arcaicas e
tecnicistas, quase em uníssono, com as práticas e modelos prontos nas datas comemorativas, as pinturas de “capinhas de prova”, as “dancinhas” no dia das mães,
os “teatrinhos”, etc. São muito comuns os relatos de traumas vividos na infância, situações em que as professoras expõem as crianças, julgando, comparando
e até mesmo ridicularizando seus trabalhos artísticos, ou por não usarem as cores “corretas” ou por não atenderem ao que está pré-estabelecido pela atividade
proposta, como pintar fora da linha do contorno das figuras, responder com outras representações que não as esperadas.
Quando se trata de experiências formativas em arte, ao resgatarmos as trajetórias de vida dos estudantes em formação, encontramos um eco de práticas que
carregam marcas e traços das pedagogias tradicional, nova e tecnicista, especialmente na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, que
permeadas pela história da educação no nosso país explicam o ensino de arte na escola formal hoje. Podemos então observar que os vestígios da LDB 5.69271 são ainda extremamente presentes nas práticas atuais. É contrastante observarmos que a arte, elemento de potencial criativo, transformador e promotor de
singularidade se converte na escola em atividades pontuais, de cópia, reprodução e repetição. Na escola narrada não existe espaço para a criação e a invenção,
é preciso pintar dentro da linha, em um só sentido, na cor imposta, um desenho que já vem pronto, e essa é a “aula de arte”!
É preocupante observar as marcas da Pedagogia Tecnicista na escola de hoje e como isso reverbera no ensino de arte de forma negativa. Toda a carga de atividades advinda dessa pedagogia está pautada na reprodução e na cópia. A arte vista como uma “atividade” pode ser qualquer coisa, pode ser um desenho livre,
pode ser pintar um desenho pronto na capa da prova, pode ser colar algodão no papai-noel, pode ser pintar o cartão do dia das mães e pode não ser exatamente
‘nada’. As palavras criação, expressão, invenção, diferente, singular estão fora do ambiente escolar formal:
Apesar de uma trajetória conceitual curta, a concepção de ensino da arte como atividade cristalizou no ensino de arte diferentes práticas pedagó-
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
gicas, que encontramos, ainda hoje, nas escolas brasileiras, tais, como: (1) cantar músicas da rotina escolar e/ou o canto pelo canto; (2) preparar
apresentações artísticas e objetos para a comemoração de datas comemorativas; (3) fazer a decoração da escola para as festas cívicas e religiosas;
entre outras. Isenta de qualquer conteúdo de ensino, a concepção de ensino da arte baseada exclusivamente no “fazer artístico” contribuiu muito
para relegar a arte a um lugar inferior na educação escolar (SILVA & ARAÚJO).
Cito apenas alguns exemplos para ilustrar esses relatos, como uma situação em que uma estudante compartilhou seus “modelos prontos” coloridos por ela e em
caneta vermelha o escrito da professora “quase bom”, ou o caderno de desenho com observações como “regular” ou “podia melhorar” sobre os grafismos das
crianças. Em outro caso um estudante trouxe uma exposição inteira de figuras prontas em que atrás delas as crianças teriam garatujado, feito seus “rabiscos”,
mas que ao serem coladas no TNT eram escondidos. Há sempre a situação em que o trabalho é ridicularizado e depois amassado ou rasgado pela professora,
até casos em que a criança é colocada de castigo e os pais chamados à escola – como pode um profissional da educação agir dessa forma perante a criação de
uma criança?
Estes exemplos ilustram atitudes extremamente autoritárias que levam à frustração das crianças para o resto da vida, não é à toa que tais relatos são tão presentes
nas narrativas de vida dos estudantes universitários hoje. Geram marcas profundas, ficam gravadas na memória e, de certa forma, contribuem para que muitas
crianças desistam de desenhar, de se expressar artisticamente.
Por incrível que pareça, esses exemplos são a maioria e surgem espontaneamente nos relatos dos estudantes de pedagogia, em suas narrativas de vida e também durante os estágios supervisionados realizados ao longo de sua formação. Após a disciplina de Arte e Educação eles despertam para essa problemática e
se sensibilizam com a precariedade da arte na escola, demonstrando interesse e vontade de mudar essa realidade, de intervir e evitar essas práticas e metodologias, buscando novas possibilidades que permitam à criança maior liberdade de criação e expressão na infância. Em boa parte das situações a total falta de
conhecimento sobre as fases do grafismo da criança contribui para posturas e atitudes que são prejudiciais à criança, portanto consideramos importante que esses
conteúdos cheguem aos licenciandos em pedagogia.
Em virtude dessas questões e a partir de vivências e experiências anteriores na graduação e em projetos de pesquisa optamos por trabalhar, durante a disciplina
de Arte e Educação conteúdos sobre o grafismo infantil, como forma de iluminar, informar e sensibilizar os futuros pedagogos, como veremos a seguir.
Metodologia
As etapas a serem descritas aqui, enquanto defesa da importância do estudo do grafismo infantil para a formação do pedagogo e metodologias empregadas
são derivadas de experiências proporcionadas ao longo da formação no curso de Educação Artística – Artes Plásticas nos anos 90, especificamente no projeto
Arte-Pré-Arte, idealizado e conduzido pela prof. Dra. Cleusa Peralta Castell. Tais experiências derivaram na elaboração da monografia de conclusão de curso “Arte-pré-arte: um estudo sobre o descongestionamento da expressão gráfica” (GOLDBERG, 1999) e a publicação do texto “Arte-Pré-Arte: memórias, metodologias,
desdobramentos e implicâncias de uma vivência-formação” (GOLDBERG, 2013 in MEIRA et al.). Em ambos compartilhamos a metodologia do projeto Arte-Pré-Arte,
origem das práticas desenvolvidas junto aos estudantes de Pedagogia da Faculdade de Educação (FACED), da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Para o estudo do grafismo infantil na disciplina de Arte e Educação no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará – UFC realizamos as atividades:
(1) desenho diagnóstico; (2) Oficinas do Grafismo (GOLDBERG, 2013); (3) Panorama das Fases do Grafismo segundo Viktor Lowenfeld e Cleusa Peralta-Castell
e (4) Portfolio do Desenho Infantil como descreveremos brevemente a seguir.
(1) Desenho“diagnóstico”:
Como toda a disciplina é constituída a partir das experiências formativas dos estudantes solicitamos aos estudantes que desenhem uma figura humana completa, do jeito que sabem e conseguem, sem ser o famoso “boneco palito”. Inicialmente há um grande pânico nos estudantes que afirmam só saberem desenhar o
famigerado boneco palito. Por um instante, vemos estudantes de 17 a 45 anos voltarem à infância, rindo dos seus desenhos, dos desenhos dos colegas, escondendo os desenhos, colocando-os no final da pilha ao entregarem seus desenhos. Percebe-se que este simples exercício vai muito além de diagnosticar uma
fase gráfica, mas conecta o estudante ao seu próprio processo de criação, que na maioria das vezes, foi interrompido ainda na infância. Por alguns momentos
é como se viajássemos no tempo, momento em que os estudantes se conectam com sua história e seu desenho, resgatando-o onde parou. Ao final do estudo
das fases do grafismo eles próprios observam os desenhos do grupo e tentam organizá-los nas fases, observando em qual fase se enquadram. Como podemos
ver nas imagens seguintes:
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Em boa parte dos casos os desenhos revelam a predominância da fase de “Esquema”, que de acordo com Lowenfeld & Brittain (1970), ocorre a partir dos 6 ou 7
anos, fase em que se dá a alfabetização escolar e, em consequência, o “bloqueio do grafismo infantil”, onde surge o “eu não sei desenhar”. São poucos os casos
em que aparecem desenhos em fases anteriores ou posteriores, desta forma, fica evidente o que ocorreu com a expressão gráfica de cada um. Podemos ilustrar
isso em alguns desenhos realizados pelos estudantes:
Estudante 1: 21 anos
Estudante 2: 22 anos
Estudante 3: 22 anos
Estudante 4: 28 anos
Solicitamos que escrevessem atrás do desenho uma palavra que represente o que significou realizar esse desenho. Estas palavras trazem muitos sentimentos
como “frustração”, “angústia”, “vergonha”, “trauma”, “medo”, “preocupação”. Em poucos casos encontramos sentimentos positivos relativos à “infância”, “alegria”,
“resgate” e “recordação”. Para muitos, ser adulto e desenhar como criança é sinônimo de vergonha, é expor-se ao ridículo ao tentar retomar algo que foi abandonado e que esteve por tanto tempo perdido. No entanto, ao se depararem com a informação de que não existe “eu não sei desenhar”, mas que havia um processo
que foi interrompido e que pode ser retomado a qualquer momento, muitos sentem- se capazes de transgredir e de retomar seu processo gráfico. São muitos os
casos em que os estudantes voltam a desenhar após a disciplina de Arte e Educação, aceitando seu desenho de onde parou e se permitindo partir daí, aprender
e desenvolver o que havia sido interrompido.
O desenho diagnóstico permite um processo de autoconhecimento, pois representa um momento de encontro consigo mesmo, com seu próprio processo de criação o que leva a reflexões extremamente férteis ao educador como: “o que aconteceu comigo quando eu era criança?”, “porque não sei desenhar?”, “eu posso
voltar a desenhar”?, “como posso evitar que mais crianças parem de desenhar”?, “como evitar a interrupção/bloqueio do grafismo infantil?”. Tais questionamentos
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levam, futuramente a observações mais conscientes em seus estágios e práticas pedagógicas, assim como a mudanças de postura profissional para aqueles que
já atuam em sala de aula. Os feedbacks recebidos são muitos, durante e depois da disciplina e das experiências proporcionadas pelo estudo do grafismo infantil.
(2) Oficinasdografismo:
As Oficinas do Grafismo foram criadas e desenvolvidas no projeto Arte-Pré-Arte, idealizado e coordenado pela profa Dra Cleusa Peralta-Castell como resultado
de pesquisas e projetos realizados a partir das questões relacionadas à arte/educação e ao resgate da capacidade criadora. A metodologia desenvolvida é fruto
de anos de experimentos e foi testada com grupos diversos e está embasada em três módulos, representados pelos eixos temáticos: pensamentos Cinestésico,
Imaginativo e Simbólico (PERALTA, 2004; PERALTA- CASTELL, 2012), sequencialmente, assim como nas etapas da evolução do grafismo infantil. O indivíduo
adulto revive a essência das etapas do desenvolvimento gráfico infantil por meio de atividades específicas para o descongestionamento da expressão artística
(GOLDBERG, 2013). O termo Arte-Pré-Arte, nas palavras de Peralta, representa um universo: “um espaço intermediário entre a produção de arte como um objetivo em si e a produção artística incipiente que emerge de um trabalho terapêutico, portanto interdisciplinar, de recuperação do potencial de expressão plástica
inerente a todos” (GOLDBERG, 1999).
O termo ‘Pré’ afirma que o objetivo não é formar artistas e sim realizar atividades ou experimentos que permitam àquelas pessoas que tiveram seu processo de
desenvolvimento gráfico interrompido, expressar-se por meio de linguagens artísticas, especialmente por meio da pintura. A artisticidade dos trabalhos não é o
objetivo maior, porém, frente aos resultados já obtidos, pode-se observar a eficácia desta metodologia, a qual ajuda o integrante no resgate de sua expressão
perdida no tempo, ao mesmo tempo em que o produto final é tratado com qualidade técnica e esmero, na medida das possibilidades.
No decorrer da disciplina, após a realização do desenho diagnóstico iniciamos as Oficinas do Grafismo, tendo como eixos os Pensamentos Cinestésico e Imaginativo:
As atividades iniciam pelo exercício do Pensamento Cinestésico, no qual os adultos garatujam. A atividade das garatujas apresenta diferentes etapas,
todas acompanhadas de estímulo musical, de preferência instrumental. A passagem do Pensamento Cinestésico para o Imaginativo é feita quando
os participantes são levados a projetar formas representativas em suas próprias garatujas (GOLDBERG, 2013, p. 92).
No eixo do Pensamento Cinestésico não há controle motor, o uso da cor é aleatório, não há preocupação com a figuração e o prazer é unicamente sensorial, baseado no movimento. Segundo READ (1958), a cinestesia surge do prazer que a criança tem nos seus movimentos de braços e no traço visível dos movimentos
deixados no papel, representa uma atividade espontânea dos músculos, a expressão de um ritmo corporal inato, que se torna gradualmente controlada, repetitiva
e conscientemente rítmica.
O objetivo é vivenciar as primeiras fases do grafismo, definidas por Lowenfeld e Brittain (1970) como “garatujas”. Vivenciamos desta forma a “garatuja desordenada” e a “garatuja ordenada ou controlada”. Para tal usamos alguns recursos que permitem maior envolvimento na atividade, como as vendas, que permitem maior
sensibilidade quanto ao movimento e a música que auxilia no ritmo do movimento. Os estudantes são convidados a rabiscar com giz de cera, sem escolher a cor,
sobre uma folha ao sabor da música com os olhos vendados. Nas duas etapas iniciais os estudantes rabiscam com a mão que não coordenam e com as duas
mãos ao mesmo tempo, para vivenciarem o descontrole e a insegurança do movimento. Na etapa seguinte usam a mão que coordenam e agora sentem maior
domínio, controle e ritmo em seus movimentos fazendo uma transição da garatuja desordenada para a ordenada. Ao rabiscarem com as duas mãos sentem com
mais intensidade a falta de controle e a dificuldade com relação ao espaço do papel. Podemos observar nas figuras abaixo:
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A experiência gráfica resultante da oficina aproxima-se muito dos desenhos infantis nas fases iniciais, desta forma o estudante apreende as características das fases
de forma vivencial, entendendo como ocorre esse processo de desenvolvimento do grafismo que parte do puro movimento e prazer sensorial para a imaginação
e, posteriormente a representação simbólica. Pelas vivências eles mesmos concluem que na garatuja desordenada não há controle nenhum dos movimentos,
os traços são tímidos, leves e inseguros e não ocupam quase nada do espaço do papel. Como a escolha da cor pode ser aleatória nessa fase, eles também não
puderam escolher a cor na realização do desenho. Já na fase seguinte, da Garatuja Ordenada ou Controlada, em que experimentam o rabisco com a mão que
coordenam, eles observam que há mais controle, domínio do movimento, intencionalidade, precisão e segurança, portanto os rabiscos tornam-se mais intensos,
mais fortes, mais ritmados e repetitivos, caracterizando movimentos circulares e longitudinais, exatamente como ocorre com a criança.
A etapa seguinte é a transição para o Pensamento Imaginativo, momento em que são convidados a procurar formas/figuras nos seus rabiscos, procurando destacá-las, contornando ou preenchendo. A turma é convidada a compartilhar seus achados e percebem que o processo imaginativo também é algo individual, pois eu
posso estar vendo algo que ninguém consegue ver, além de ser um processo criativo, pois não basta encontrar a forma, mas acabamos dando vida ou qualidades a
ela, como por exemplo, achamos um “cachorro com fome”! É exatamente assim que opera a fase seguinte e última das Garatujas definida por Lowenfeld e Brittain
(1970), a Garatuja Nomeada, fase em que a criança descobre o círculo e começa a imaginar nomeando seus rabiscos, sem ainda representa-los figurativamente.
Essa fase é muito delicada, pois a criança insiste em apresentar e nomear figuras que estão em sua imaginação, mas ainda não se encontram representadas
no papel, o que a maioria das pessoas não entende e tende a criticar ou tentar corrigir impondo modelos e desenhos para a criança imitar. No geral as oficinas
trazem grande prazer e importantes descobertas, como podemos observar no depoimento de um dos estudantes:
A oficina do grafismo permite a sensação de liberdade, diante dos traçados sem a preocupação com formas, reformulação dos conceitos de beleza,
aguça outros sentidos pela venda nos olhos. A experiência e dificuldades dos primeiros rabiscos das crianças verifica a importância das garatujas
para o seu desenvolvimento psicológico, e seu devido estudo na interpretação dos desenhos diagnósticos (Estudante 5).
(3) PanoramadasFasesdoGrafismo:
Nesta etapa estudamos as fases do grafismo descritas por Lowenfeld (1970) relacionadas aos eixos temáticos desenvolvidos por PERALTA-CASTELL (2012): Pensamento Cinestético; Pensamento Imaginativo e Pensamento Simbólico. Vemos cada fase detalhadamente, ilustradas por desenhos infantis que são divididas em:
1. Garatujas
2. Pré-Esquema
3. Esquema
4. Realismo
5. Pseudonaturalismo
(4) PortfoliodoDesenhoInfantil:
Posteriormente as etapas anteriores, os estudantes são convidados a elaborarem um portfolio ilustrado com a descrição das fases do grafismo acompanhadas de
desenhos originais de crianças a adultos. O portfolio pode ser realizado individualmente ou em duplas, em meio físico ou digital. Aqui também ampliamos o estudo
teórico incluindo autores como Derdyk (1989), Moreira (2009), entre outros. O portfolio reúne resultados de todo o processo, incluindo reflexões sobre as vivências
nas Oficinas do Grafismo e o Desenho Diagnóstico. Por meio do portfólio podemos avaliar o aprendizado dos estudantes. Durante sua elaboração prestamos
orientações para a identificação das fases dos desenhos, o que nem sempre é fácil de realizar, visto o desenho não ser um processo estanque, mas somativo.
Os estudantes aproveitam para exercitar sua criatividade na produção de belíssimos portfolios. No semestre passado realizamos uma exposição de portfolios do
desenho infantil sob forma de compartilhar os belíssimos trabalhos dos estudantes, como podemos ver em algumas imagens abaixo:
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Complementamos com alguns depoimentos dos estudantes a respeito do aprendizado de realizar o Portfolio do Desenho Infantil para a formação do pedagogo:
Durante as aulas de Arte e Educação e durante a elaboração do portfólio sobre o grafismo infantil foi onde, de fato, pude compreender a importância
do desenho no desenvolvimento, tanto cognitivo quanto afetivo, da criança. E, ainda, a necessidade do professor do infantil e das series iniciais
conhecer e observar as etapas do grafismo infantil (Estudante 6).
A criação do portfólio nos mostrou, primeiramente, as deficiências que os profissionais e as escolas têm em implantar todas as atividades de artes.
Aprendemos todas as fases do grafismo e por meio dessa atividade, que foi pegar os desenhos em campo, até a criação com as teorias, aprendemos a diferenciar cada fase do desenho, desde as garatujas desordenadas até o pseudonaturalismo. Isso nos mostrou e ensinou as atividades
que devem ser feitas nas salas de aula com as crianças, por exemplo, saber preparar atividades de desenhos que estimulem as crianças no seu
aprendizado, sabendo todas as fases e idades que isso ocorre e fazer um processo avaliativo que não atrapalhe nesse desenvolvimento (Estudante
7).
O resultado do trabalho do portfólio foi de suma importância para compreender o quanto a arte pode contribuir para o desenvolvimento da criança,
possibilitando a estimulação da criatividade e a produção de algo genuinamente da criança. Também nos possibilitou um resgate de nossos desenhos
que ficaram congelados no tempo e nos trouxeram lembranças de como desenhar era prazeroso. Percebemos a função diagnóstica do desenho
que contribui para elaboração de conceitos por
parte dos alunos (Estudante 8).
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Atualmente estamos pesquisando os resultados dessas atividades de forma mais sistemática, o que irá resultar na primeira monografia sobre o tema no curso de
Pedagogia da UFC realizada pela estudante Caroline Sales que atuou como monitora no Projeto de Iniciação a Docência – PID por 2 anos e é também autora
desta comunicação.
Resultados e Discussão
Com base nas vivências proporcionadas ao longo da disciplina, desde o contato com as narrativas de vida dos estudantes compartilhados na atividade “Linha do
Tempo”, processo em que temos acesso às experiências formativas em arte e, posteriormente, como resultado das atividades realizadas para o estudo do desenho
infantil é possível constatar os traumas e as dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento do grafismo. Boa parte dos estudantes chega à universidade sem
vivências e conhecimentos artísticos significativos, além do processo de grafismo interrompido aos 6 ou 7 anos, período em que são alfabetizados e a linguagem
do desenho acaba sendo substituída pela linguagem da escrita.
Conceitos e julgamentos como “feio” e “bonito” acompanham o “eu não sei desenhar”, “eu não sou criativo”, “eu não tenho talento para a arte” e estas são representações que revelam posturas e visões construídas no período escolar, desde a infância. Nosso intuito é desconstruir tais julgamentos e revelar que todos são
capazes sim de criar e de retomar seu processo gráfico. Já podemos ver os efeitos dessas metodologias quando estudantes de pedagogia, após a disciplina, retomam seus desenhos, buscam formação na área de arte, fazem cursos de desenho, fotografia, pintura voltam a dançar ou a encenar. O processo de resgate da
capacidade criadora é proporcionado no instante em que se deparam com suas trajetórias de vida, se reconhecem, compreendem que ainda é possível continuar
a partir daí, entendendo que houve algo interrompido, mas que pode ser retomado. No portfolio acessamos o resultado de seus aprendizados, como foi elaborar
o desenho diagnóstico, como foi vivenciar as oficinas e conhecer as fases do grafismo. Em suas palavras recebemos os resultados positivos e os feedbacks desse aprendizado, o quanto foi significativo e a importância desses conteúdos para sua formação em pedagogia. Há um aprendizado muito significativo em todo o
processo, que vai além do autoconhecimento, mas proporciona uma reflexão a respeito de seu papel enquanto futuros educadores da Educação Infantil e Séries
Iniciais do Ensino Fundamental, como podemos ilustrar com alguns depoimentos:
É necessário repensar sobre a postura de alguns profissionais de educação que consideram o desenho realizado por uma criança como uma atividade que não tem muito valor. Entretanto, ressaltamos que o desenho infantil não pode ser considerado como uma atividade para passar o tempo
destituído de significados, mas como uma linguagem peculiar à criança, que faz parte do desenvolvimento da sua infância. É importante compreender que é através do desenho que a criança pode se expressar, comunicar e atribuir sentido aos seus sentimentos, pensamentos e sensações
(Estudante 9).
Compreender as características e saber distinguir as fases foi algo que me chamou bastante atenção, porque ao observar o processo do desenvolvimento das crianças com que trabalho, foi imprescindível para entendê-las e não mais critica-las e sim estimula-las ao desenho sem ter aquele modelo
pronto, passando a desenhar agora a partir do seu imaginativo, ou com suas simples garatujas. Excelente em todos os aspectos (Estudante 10).
Dentro deste cenário não podemos deixar de comentar sobre a importância do educador que atua durante esse processo, no quanto ele pode influenciar de forma positiva ou até mesmo causando um efeito contrário, ele precisa ter um olhar livre de conceitos que bloqueiem as manifestações
imaginativas de seus alunos, pois é só com o passar das experiências que a criança se tornará capaz de perceber e assimilar as coisas, não pelo
julgamento alheio, mas sim por percepção própria, basta que se respeite o seu momento (Estudante 11).
A disciplina pode não dar conta de atender a tudo que gostaríamos e que é necessário à formação do pedagogo em arte, mas nos realizamos ao ver que as concepções iniciais, os estereótipos e os traumas abrem portas e janelas para novos olhares e novos significados que certamente levarão a novas práticas – essa
é nossa expectativa e nossa esperança. O primeiro passo é reconhecer aquilo que não deve mais ser feito para, a partir daí buscar o que podemos fazer. Quem
sabe, num futuro próximo possamos receber nas “Linhas do Tempo” dos pedagogos em formação relatos felizes com o contato das artes.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
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http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/grupo_estudos/ge01-3073--int.pdf
Luciane Germano Goldberg, Professora de Arte e Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Doutoranda em
Educação Brasileira (UFC), Mestre em Educação Ambiental e Graduada em Educação Artística - Licenciatura Plena em Artes Plásticas, ambos pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG - RS. http://lattes.cnpq.br/9917247618926283.
Ana Caroline Sales, Estudante de graduação do curso de Pedagogia – FACED - UFC.
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Índice
Index
Início
Start
A CRIANÇA DE CINCO ANOS E O DESENHO PRODUZIDO A PARTIR DA IMAGEM DE ARTE
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Veronica Devens Costa
Universidade Federal do Espírito Santo
Grupo de Pesquisa Linguagem Visual eVerbal
Introdução
O desenho é uma das primeiras formas de expressão da criança. Com ele, ela se coloca como ser atuante no mundo, de posse dos instrumentos de registro que
tem, ilustra seus sonhos, fantasias, emoções, desejos, anseios, incorporando gestos, linhas, cores e sons, criando um universo pessoal, singular, marcando de
forma concreta espaços determinantes da sua infância, da sua vida.
Quando se encontra diante de uma folha em branco ou qualquer outro material de expressão visual, a criança elege para representação, fatos de sua vida, tal qual
é vivida. Estimula a sua criatividade inventiva associada a subjetividades e singularidades com ritmos e vontades próprios, únicos. A liberdade de expressão permite
que ela conheça e explore diferentes materiais, texturas e cores, e que se desenvolva formando sua personalidade, sendo crítica e interagindo com seus pares.
A criança por ser dinâmica, geralmente se encontra em prontidão, concentrada em seu desenho, este inserido em um contexto artístico imerso a sentimentos, desejos e questionamentos ou também quando simplesmente explora um novo material exercitando somente a técnica, livre da profundidade que a arte proporciona.
As crianças têm necessidade de muito movimento, desse modo, o desenho começa como cabriola sobre o papel. A configuração, a extensão e a
orientação dos traços são determinados pela construção mecânica do braço bem como pelo temperamento e estado de espírito da criança.
(ARNHEIN,1980, p. 162).
A experimentação revela a natureza imaginativa visualizada nas tentativas da criança em querer representar seu desenho buscando assimilações, transformações
e ajustes. De inúmeros estímulos que a criança recebe a cada instante, relaciona alguns entre si e os percebe em determinados tipos de diálogos que se tornam
ordenações. (OSTROWER, 1997). Nessas ordenações, a criança busca o significado de seu desenho motivado pela criação e pelo fato de se relacionar com
outras pessoas, o que é uma necessidade intrínseca que tem como objetivo a expressão.
Diante disso, entendemos a necessidade em proporcionar aos alunos desde a mais tenra idade, ainda na educação infantil, momentos em que ele possa conhecer
por meio do desenho sua expressão, seus desejos e imprimir no papel, ou em outros suportes, o que é importante para ela, desenvolvendo assim sua capacidade
crítica e criadora.
Cada desenho reflete os sentimentos, a capacidade intelectual, o desenvolvimento físico, a acuidade perceptiva, o envolvimento criador, o gosto
estético e até a evolução social da criança, como indivíduo. (LOWENFELD, 1977, p.35)
Nesse sentido, consideramos a necessidade em sustentar a tendência criativa da criança, permitindo que ela explore livremente as suas ideias através de diferentes materiais e diversas propostas, pois sabemos que estamos inseridos em um contexto onde o indivíduo está cada vez mais provocado a receber tudo pronto,
e questionar constantemente sua identidade.
O Problema
O problema que desencadeou a investigação desse tema foi a necessidade em refletir e discutir sobre as práticas educacionais em relação ao desenho infantil,
no que diz respeito a leitura e interpretação de imagens.
Sabemos que a apreensão do desenho, suas especificidades e particularidades, se dão de acordo com o processo natural de desenvolvimento da criança, mas
é também oportuno que sejam oferecidas situações onde ela se expresse, conheça seus limites e exponha suas descobertas. Conforme Arnhein (1980, p.193)
pondera, “quando se permite que a forma visual cresça sem perturbações, esta passa legitimamente de um estágio a outro, e que cada um deles tenha sua própria
justificativa, suas próprias capacidades de expressão, sua própria beleza”, ou seja, possivelmente a criança se reconhecerá como autora do que produz e a cada
nova descoberta será maior seu encantamento pelo desenho.
Objetivos
A pesquisa teve como objetivo refletir sobre as formas estéticas nos desenhos de crianças de cinco anos, quando apresentadas às imagens de arte, visando
compreender a expressão e como elas reagem emocional e graficamente a partir de diálogos que podem interferir ou não na sua produção ou na liberdade de se
expressar. Também é necessário investigar as concepções do desenho em relação ao processo de produção dos mesmos, bem como comentar as verbalizações
que surgiram durante a elaboração desse desenho, buscando assim, compreender a origem da sua interpretação.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Buscaremos levar em conta o compromisso do professor em proporcionar uma prática que contemple a expressão visual mais espontânea da criança. Essa expressão se concretiza em símbolos cuja configuração, coloração, tamanho e situação espacial obedecem a formulação de capital importância, pois o desenho
que a criança realiza na escola possui também uma profunda relação dialógica com as diferentes propostas e abordagens que lhe são oferecidas.
Revisão De Literatura
As práticas pedagógicas que predominavam no desenho infantil e na arte-educação no início do século XX, tinham influência do modernismo que traz consigo
uma postura escolanovista, tendência que surge na Europa e Estados Unidos no século XIX, acontecendo no Brasil na década de 30, mas que foi disseminada
entre as décadas de 50 e 60. Sua proposta era voltada para uma educação que tinha como pressupostos o exercício da expressão, valorizando os aspectos subjetivos e individuais do aluno, excluindo do currículo as cópias estereotipadas, os modelos europeus e as regras de arte, conforme tendência do período anterior,
denominado de acadêmico ou neoclássico (escola tradicional).
Os desenhos estereotipados empobrecem a percepção e a imaginação da criança, inibem sua necessidade expressiva, embotoam seus processos
mentais, não permitem que desenvolvam naturalmente suas potencialidades. Estereotipia que dizer simplificar, esquematizar, reduzir à expressão
mais simples além de divulgar e perpetuar imagens de má qualidade.(VIANNA apud PESTANA 2013 p. 38)
Todavia, percebemos que as práticas estereotipadas ainda ocupam lugar na educação básica, se contrapondo com as propostas educativas dos filósofos John
Dewey1, Herbert Read2 e Viktor Lowenfeld3, que influenciaram nas premissas da escola nova, contemplando o processo de investigação individual do aluno.
Nesse processo, a criatividade foi uma das atitudes analisadas por Lowenfeld (1977) e desmembrada em indicadores que fortalecem a expressão e a avaliação
das propostas em artes, observadas por Iavelberg,
Através de pesquisas, identificou, em 1955, oito critérios para dimensionar a criatividade: 1. Sensibilidade a problemas; 2. Fluência; 3. flexibilidade;
4. Originalidade; 5. Habilidade para refletir e para rearranjar; 6. Análise; 7. Síntese; 8. Coerência na organização. (IAVELBERG, 2003 p.112)
Com esses indicativos, escolas formais e escolinhas de arte4 puderam se reorganizar, no sentido de compreender as fases de desenvolvimento artístico da criança e do jovem. Augusto Rodrigues, educador, artista e defensor das funções da arte, além de criador da primeira escolinha de arte no Brasil, se empenhou em
renovar as práticas de artes para crianças e adultos. Teve grande influência das ideias de Herbert Read, que em suas pesquisas priorizava a compreensão de
fatores que estimulavam a criança a desenvolver sua singularidade. Com isso, difundiu o “Movimento Educação Pela Arte, baseado, na expressão da liberdade
criadora individual; e no papel do indivíduo na sociedade” (IAVELBERG, 2003 p. 113), que valoriza o processo e a expressão da criança em seu aspecto global.
Metodologia
A pesquisa observou e refletiu, além das produções artísticas, a fala das crianças a partir de um diálogo superficial, e de um diálogo mais elaborado ao apresentar
as obras do artista. Foram pesquisadas questões acerca dos fenômenos intrínsecos em sua complexidade e em seu contexto natural, ou seja, na sala de aula,
privilegiando a compreensão do comportamento das crianças investigadas e recolhendo dados a partir do contexto natural.
Podemos entender que a criança, por ser espontânea, faz seu desenho com vivacidade, agregando a ele o momento em que vive, imprimindo no papel imagens
que estão presentes na sua história ou na sua memória, de forma a contemplar também nuances de seu inconsciente, áreas recôndidas, profundidades do pensamento que muitas vezes escapam a superficialidade do lógico-racional tão explorado nos ambientes escolares. Considerando a espontaneidade característica
do ato de desenhar da criança, é possível tornar visível uma expressão que lhe é peculiar, singular e autêntica.
Procedimentos Metodológicos
A atividade que foi proposta aos alunos sempre esteve interligada com as imagens para que, a partir do contato, da apreciação e do olhar crítico, eles pudessem
imprimir no papel aquilo que há de mais significativo para eles. Apresentamos uma imagem por encontro, decidimos assim para que as crianças pudessem conhecer, apreciar e investigar na imagem aquilo que desejarem.
1 John Dewey – Filósofo americano – 1859-1952
2 Herbert Read – Filósofo inglês – 1893-1968
3 Viktor Lowenfeld – Filósofo alemão – 1903-1960
4 Escolinha de Arte surgiram no Brasil em 1948, sob influência do pensamento de Herbert Read e Vicktor Lowenfeld, privilegiando a livre expressão. Aconteceram principalmente em Rio de
janeiro, Recife, PE, Cachoeiro do Itapemirim,ES. Tinha como fundadores Augusto Rodrigues, Noemia Varella, Helena Antipoff, Isabel Braga, entre outros.
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Brent Wilson sugere que sejam divulgadas para as crianças desde cedo, selecionando imagens de valor histórico. Sendo assim, o olhar de uma
criança pode ser trabalhado tanto com a visão de um peixe no aquário, quanto a apreciação de um peixe desenhado por Escher, Tarsila do Amaral,
ou mesmo um peixe que seja personagem de desenho animado ou história em quadrinhos. (COLA, 2011, p.24).
Assim, com o propósito de compreender as concepções da criança acerca do processo do seu desenho a partir da imagem, foram feitas algumas perguntas para
que, a partir de um ponto de partida, pudesse instiga-las para a produção de um desenho autoral, produzido a partir do seu olhar e de suas vivências, indo de
encontro com o que Viola (apud WILSON e WILSON 1997, p.57-58), nos diz: “quando as crianças fazem somente aquilo que desejam, há o perigo de que elas
possam copiar ou imitar ou serem influenciadas pela tradição”. Essas perguntas, feitas informalmente e de forma flexível, foram assim definidas: Vocês conhecem
esses animais? Onde eles estão? Vocês gostam de música? Conhecem que instrumento? Vocês gostam de animais? Quais as cores que mais gostam? As mais
claras ou as mais escuras? Conhecem essas formas?
“É importante que o professor explique o enunciado da tarefa a ser realizada” (IAVELBERG, 2013), partindo dessa afirmativa a criança poderá se organizar mentalmente e idealizar todo o percurso do seu desenho, construindo-o de forma natural, criativa e espontânea.
Turma 1
Ao iniciarmos a aula, apresentamos a imagem e iniciamos um diálogo amplo, contendo abordagens minuciosas sobre os elementos constantes na obra, fizemos
uma análise estética da imagem com informações de todo o conjunto, falamos mais detalhadamente do artista e sua trajetória no mundo da arte, dialogamos sobre
as cores, sobre os elementos que constam na obra, observamos o espaço e como as figuras estavam dispostas no quadro, associamos às imagens ao conteúdo
curricular, uma vez que, nesse momento era desenvolvido em sala de aula o projeto intitulado “Animais”. Enquanto apresentávamos essas informações, provocávamos também o diálogo, algumas crianças participavam ativamente da conversa, outras, ainda muito tímidas, falavam menos, mas, mesmo assim, participavam.
Turma 2
Na turma 2, modificamos a abordagem, após apresentarmos a imagem, iniciamos o diálogo, porém nessa turma não iniciamos um diálogo denso, com informações
sobre os elementos constantes na obra. Não fizemos análise estética da imagem com informações acerca de todo o seu conjunto, não apresentamos o artista
sócio e historicamente, apenas nos restringimos a informar seu nome, não dialogamos sobre as cores, nem tão pouco sobre os elementos que constam na obra.
Observamos o espaço, mas não conversamos sobre como as figuras estavam dispostas, preferimos não associar às imagens ao conteúdo curricular, e decidimos
deixar para ver se eles tinham esse olhar, já que estavam conhecendo os animais no período de aula orientado pela professora regente. Nessa turma deixamos
que eles interagissem entre si e tomassem suas decisões a partir da sua vivência e história, fazendo suas análises, associando as imagens ao seu repertório
vivencial, tecendo suas narrativas.
Feita a proposta nas duas turmas, oportunizamos para a participação, o envolvimento, o burilamento dos materiais oferecidos. Com isso, as crianças puderam
valorizar seu trabalho, explorando os sentidos para novas possibilidades em representar o que sabem e conhecem, se encantando com o que descobrem, sendo
mais espontâneas e aumentando sua autoestima.
Analisando os Desenhos das Crianças
Ao analisarmos os desenhos feitos pelas crianças, notamos certas analogias principalmente na representação da forma. Percebemos aí constatações de autores
que investigaram o desenho infantil e podemos indicar aspectos que aparecem com certa frequência, é interessante observar também que, mesmo contendo
semelhanças nítidas, isso se processa de modo pessoal, pois sempre prevalece o caráter criativo de cada um.
Quando a criança se concentra em seu próprio trabalho, quando aprende a apreciar e compreender seu ambiente, envolvendo-se nele, desenvolve
a atitude mental que a ajuda a analisar as necessidades do próximo. O processo criador abrange a incorporação do eu na atividade; o próprio ato de
criar fornece a compreensão do processo por que outros estão passando, quando enfrentam suas próprias experiências.(LOWENFELD, 1977, p. 28).
Dessa forma, as análises, apesar de concentradas especialmente em aspectos da forma, garante também um olhar voltado para aspectos de conteúdos associado
a processos mentais, ou, conforme Lowenfeld (1977) ao eu.
Análise Dos Desenhos Das Crianças Da Turma 1
Nos desenhos produzidos pela turma 1, cuja proposta foi apresentar a imagens com muitas informações sobre a obra e um diálogo estético mais elaborado, notou-se que os mesmos tinham muitas relações com as obras, ou seja, nesses desenhos as crianças se preocuparam em representar mimeticamente o que viam
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na imagem. O fato da pesquisadora aguçar a atenção das crianças para os elementos da obra, pode ter colaborado para que a representação fosse fragmentada.
Mesmo com a pouca interação da turma entre si e a preocupação em representar a imagem, as crianças elegeram um dos elementos presente na obra, trabalhando isoladamente com a forma escolhida, dando importância somente a esse elemento sem se preocupar com a unidade do seu desenho.
Influenciados pela pesquisadora, os diálogos das crianças sempre se associaram ao seu cotidiano, indo além da imagem, a criança da Educação Infantil é uma
contadora de histórias diante das imagens da arte (IAVELBERG, p. 77). Constatamos essa afirmativa quando estávamos diante da figura A e as crianças disseram:
“a anta protege a gente”5, “eu gosto da capivara, do preá e do cavalo”, “eu acho que ele está olhando para a lua porque é de noite, está escuro” (fig. B), “eu gosto
de bateria”, “eu tenho um passarinho e um peixe que se chama Nemo”.
Ao fazermos uma associação da pintura analisada e a fala da criança, vemos como o universo temático conceitual caminha em diferentes direções. Quatro enfoques são visíveis nas falas: animal, o instrumento, o olhar da figura humana, o horário (noite). Fica claro a diversidade de olhar que ocorre dentro de uma mesma
turma, bem como a abordagem ou enfoque que é dado à imagem mencionada. Sobre animal, por exemplo, a referência feita para os mesmos pode variar de
constatação de que conhece um determinado animal, de que o animal nos é útil, de que a criança gosta dele, entre outros. Vemos que a diferença desse olhar,
pensar, conceber a imagem de forma variada também irá originar desenhos variados, mas sempre associados à imagem mental concebida por meio do olhar,
vivência e concepção do aluno, ou seja, a criança que se refere ao peixe que tem em casa, poderá demonstrar uma tendência em desenhar esse seu animal de
estimação; a criança que se refere à lua e à noite poderá apresentar imagens desses elementos da natureza.
Já na figura 16, vemos como a gênese do desenho aponta uma atitude mais narrativa em relação à obra observada, pois reforça os elementos presentes na pintura do artista e, tendo falado da noite representa/reforça os traços azuis e negros que entende simbolizar a noite. As duas crianças concentraram seu desenho
em elementos pertencentes à obra que eles haviam mencionado, mas o visual é singular, autoral, alusivo às suas falas, às suas percepções e vivências.
(...) falas autorais frente às imagens, que aproximam a leitura de interpretações próximas à literatura sobre arte, merecem nossa consideração, pois
indicam que as percepções iniciais da criança já incorporam algo que poderá ser aperfeiçoado. Por isso é importante escutar e socializar as leituras
entre as crianças, ou seja promover a leitura compartilhada. (IAVELBERG, 2013, p.78).
O diálogo acontecia de forma a relatar a história de cada um em relação ao que viam na imagem, porém em relação ao desenho originou um desestímulo, uma
demora em iniciar o trabalho, as crianças passaram a esperar os comandos da professora para começar a produzir, talvez a conversa tivesse gerado tal situação.
Figura A - César Cola – O violinista e seu cachorro, Acrílica sobre tela, 0,80 x 1,20 – 1998
5 As falas das crianças foram transcritas na maneira exata em que foi dita no que diz respeito às concordâncias verbais, numerais e nominais.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Figura B – Desenho de criança
Eleito o elemento preferido da imagem, ou aquele que se relaciona com a imagem, as crianças passaram a se envolver com a estética, com as cores, e dificilmente
voltavam à imagem, se concentrando mais no que faziam. Sempre apresentaram um desenho limpo, sem muitas interferências pessoais externas, essa atitude
vai ao encontro com a fala de Stern (p.67), quando diz que: “se o adulto intervém na criação da criança, não há dúvida que a altera, quer ele atue sobre a intenção
da criança ou sobre a maneira de executar o seu desenho”. Concordamos com a fala de Stern quando ouvimos as falas das crianças, reagindo negativamente à
proposta em desenhar: “eu tenho medo de bichos”6, “eu não sei desenhar”, “eu só sei desenhar o cabelo do porco espinho”, “mas eu não sei desenhar um porco
espinho”.
Sabemos que não existe um desenho inteiramente espontâneo, que de alguma forma ele contextualiza, se relaciona com a nossa vivência. Dessa forma é importante discernirmos qual é a influência que ampara a autoria do desenho infantil, até onde podemos ir para não invadirmos e interferirmos no processo criador de
forma que possa inibir ou abolir o desenvolvimento expressivo da criança.
Análise Dos Desenhos Das Crianças Da Turma 2
Nos desenhos produzidos pela turma 2, cuja proposta foi apresentar a imagens sem muitas informações e sem um diálogo estético, a produção das crianças teve
outra perspectiva, a cena menos fragmentada estimulou para uma maior intensidade, para um conjunto, em que se observa rabiscos, cores, formas, movimento,
existindo uma correlação com os elementos da obra, trazendo unidade ao desenho.
Percebemos que geralmente nesses desenhos a folha está totalmente preenchida, nota-se a expressão na cor, nos movimentos e nas mais diversificadas formas.
Sem as informações estéticas da professora, as crianças geraram sinergia, se deram autonomia para realizar seus desenhos, eles se auto mediaram e chegaram
às conclusões a partir do seu entendimento.
Com os diálogos que surgiram quando apresentamos a fig. D, uma criança falou que a obra retratava um deserto, assim, o discurso teve inicio e logo associaram
o deserto, ao oásis e depois ao mar a partir daí as crianças começaram a desenhar esses elementos, possivelmente a partir da figura do cacto que tem na imagem. Com isso observamos que os diálogos subsequentes se transportam para aquele universo, o grupo começou a interagir a partir da imagem que construíram
a partir da realidade, falando sobre o que sabem e o que conhecem sobre o elemento “cacto”, “deserto”, “mar”, afirmamos esse fato quando as crianças comen6 As falas das crianças foram transcritas na maneira exata em que foi dita no que diz respeito às concordâncias verbais, numerais e nominais.
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taram7: “Pessoal, sabia que dentro do cacto tem água?”, “Eu já sabia”, “É uma plantinha que come”, “No cacto tem espinho”, “Eu já vi um espinho de verdade”,
“Olha que espinho grande no cacto”, “eu vou fazer um pouco de mar” (Fig.E), “eu fiz um peixe que nada” (Fig. F), “o cacto, a árvore, o porco espinho, o oásis, o
sol, em um oásis tem água”, observamos que essas questões se complementam com o olhar de Cola quando afirma que “[...] a fala deve ser trabalhada (...) eles
podem criar histórias, narrar um fato baseado em uma imagem de arte que estejam vendo.” (COLA, 2011, p, 25), indo ao encontro das pesquisas de Iavelberg,
Figura D – Cesar Cola – Sem título - Acrílica sobre tela, 0,80 x 1,20 – 1997
Figura F – Desenho de criança
Figura E – Desenho de criança
A criança da Educação Infantil narra; depois é capaz de descrever o que vê. Nesse momento, a imagem ganha mais objetividade: é um objeto a
respeito do qual ela pode trocar experiências simbólicas, ou seja, estabelecer relações, vendo a imagem como
 forma e significado” (IAVELBERG, 2013, p.78)
7 As falas das crianças foram transcritas na maneira exata em que foi dita no que diz respeito às concordâncias verbais, numerais e nominais.
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No que diz respeito às falas, observamos também a autonomia em tomar decisões ao fazer o desenho após a apresentação da imagem, falas como: “Pode fazer
também o que a gente quiser”8, “agora eu vou fazer o mais difícil”, “eu já sei fazer peixe”, “o céu é azul mas eu tô fazendo de preto”, “eu gostei de tudo”, notamos
interação, diálogos, troca de opiniões sugestões e a construção do seu desenho, “você pode pintar dessa cor”, com os diálogos resultantes da interação da turma,
das percepções, sugestões e opiniões, observamos nos desenhos que nas cenas aparecem elementos frutos desse diálogo (figuras E e F) onde percebemos
o peixe, o mar, o sol. Estes são elementos que surgiram a partir da leitura e interpretação feitas pelas crianças, foram adquiridos através das relações entre os
pares, são elementos presente no repertório imagético e objetos fruto de um registro mental, que, consequentemente são organizados no papel de acordo com
suas vivências e necessidade de representar tal elemento.
Com a análise das produções foi possível perceber a importância em dar à criança o seu tempo, tempo esse que colabora com todo o seu processo criativo, e
a leva a vivenciar todas as fases desse processo, passando pelos momentos de envolvimento, compreensão, interpretação e burilamento da ação em questão,
permitindo que ela se expresse de forma autoral, original; fugindo das propostas fechadas que pressupões resultados certos e já verificados, não provocando na
criança situações em que ela se apresente como um sujeito em constante formação.
Considerações Finais
Os estudos sobre o desenho infantil preconizados por Rosa Iavelberg, Analice Pillar, César Cola, Arno Stern e Viktor Lowenfeld, contribuíram para que pudéssemos tecer um diálogo abordando questões que se complementam para que haja um conhecimento satisfatório da criança sobre a arte, sua expressão, suas
possibilidades e que consequentemente ela se conheça como sujeito atuante e participante no universo em que está inserida de forma autoral, reflexiva, contextualizada, expressiva e criativa.
Considerando o processo dessa pesquisa trabalhado tanto na turma 1 quanto na turma 2, podemos afirmar que dos primeiros rabiscos às tentativas de formas
mais elaboradas, a criança da Educação Infantil traz em seus desenhos o registro de suas experiências que se transformam de acordo com sua evolução natural,
sua personalidade, seu gosto. Suas necessidades são variáveis que influenciam todo o universo vivencial, inclusive suas produções artísticas. Das considerações
e conclusões às quais chegamos, podemos afirmar que os alunos darão significados às imagens de arte a partir do contexto que as integram, seja ele social,
cultural, entre outros. Da mesma forma, a criança revela em seus desenhos seu momento, suas buscas, seu ambiente e emoções. Ao se expressar no desenho,
a criança deixa determinados rastros visuais bastante evidentes em seu trabalho. São as singularidades individuais que podemos vislumbrar em sua produção.
(COLA, p. 168).
Afirmamos que, ao desenhar, a criança passa por diferentes momentos conceituais que representam a gênese das aprendizagens em desenho,
construída a partir das suas experiências, tanto fora quanto dentro da escola. (IAVELBERG, 2013, p. 20)
Assim, o desenho torna-se objeto cultural, revelado pelo conjunto de manifestações que estão imbricadas nessa ação, que, enquanto professora de arte e pesquisadora, é singular oportunizar e direcionar um olhar cada vez mais sensível para a riqueza e diversidade das produções infantis, já que “[...] a imagem visual
aspira, não a uma réplica do mundo ‘lá fora’, mas àquele mundo, muito mais real, que se situa na mente do homem.” (EISNER apud PILLAR, 1996, p.20).
“A linguagem plástica não é, com certeza, o único meio de expressão que permite o são desenvolvimento infantil. É aquele para o qual a criança
tende mais naturalmente e que pode ser aperfeiçoado com mais facilidade. (STERN, s.d.p. 18).
Os dois processos se configuraram como momentos de grande significado do contexto educacional. Assim sendo, podemos apontar a busca de medidas didáticas
que contemplem as duas propostas apresentadas nessa pesquisa de se trabalhar arte com a criança.
Referências
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BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1994.
COLA, C. P. Ensaio sobre o desenho infantil. Vitória: Edufes, 2006.
8 As falas das crianças foram transcritas na maneira exata em que foi dita no que diz respeito às concordâncias verbais, numerais e nominais.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
COLA, C. P. Livre Expressão e Metodologia Triangular no Ensino das artes na pré-escola: uma investigação sobre o desenho infantil. 1996. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 1996.
COLA, C. P. Prática de Ensino I. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de educação aberta e a distância, 2011.
IAVELBERG, R. Desenho na Educação Infantil – Como Eu Ensino. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2013.
IAVELBERG, R. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003.
LOWENFELD, V.; BRITTAIN, L. Desenvolvimento da Capacidade criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
OLIVEIRA, M. F. P. – Escolinha de Arte de Cachoeiro de Itapemirim: Resgate de uma História. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de PósGraduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2013.
OSTROWER, F. Criatividade e Processos de Criação. 6a edição. Petrópolis, Vozes, 1987.
PILLAR, A. D. Desenho e construção de conhecimento na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
PILLAR, A. D. Desenho e escrita como sistemas de representação. Porto Alegre: Penso, 2012.
STERN, A. Uma nova compreensão da Arte Infantil. Lisboa: Livros Horizontes, s.d. 2.
VIANNA, M. L. R. Desenhos estereotipados: um mal necessário ou é necessário acabar com este mal? Revista ADVIR, No. 5, R.J., 1995
Veronica Devens Costa, Mestranda na Universidade Federal do Espírito Santo/UFES na linha de Linguagem Visual e Verbal, professora especialista
em Arte Educação no ensino superior privado, tutora a distância no curso de artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo e professora de Arte no
Ensino Fundamental da Prefeitura Municipal de Vitória.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
AS MULHERES NA ARTE E NA SOCIEDADE NA REGIÃO DO CARIRI
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Anália Lobo Mesquita
Universidade Regional do Cariri
Grupo de Pesquisa História da Arte
Desde os primórdios da humanidade, as mulheres foram protagonistas de todas as atividades na sociedade, desde magia até a confecção de vestimentas e a
criação de artefatos, que são essenciais para o ser humano.
Na Europa e, posteriormente, em colônias europeias, um dos períodos mais difíceis e dolorosos da nossa história do gênero feminino foram a Idade Média e o
início da Época Moderna, entre os séculos V e XV, com o princípio do capitalismo.As mulheres que contestavam o patriarcado, que abortavam, que não possuíam
um status social definido (solteiras, viúvas, separadas, somente para citar alguns dos exemplos mais comuns), aquelas que eram intelectuais, que não eram cristãs, com a beleza não estereotipada, mulheres que não se encaixavam nos padrões estabelecidos pela igreja católica, eram mal vistas e injustamente julgadas,
torturadas, queimadas vivas ou decapitadas. Algumas mulheres exerciam artes, como fazer e criar objetos, vestimentas, simbologias, poções, remédios, mas tudo
que não se encaixava nas leis da santa inquisição era visto como algo diabólico, como bruxaria.
No ano de 1.500 o Brasil foi invadido pelos colonizadores europeus,são quase inexistentes os registros históricos da população que habitava as Américas antes
da colonização,pois os colonizadores deram fim a quase todos os registros históricos.Os colonizadores queriam implementar a cultura europeia e cristã,pois,assim
ficaria fácil de manipular a população,e controlar os pensamentos e as crenças, conseguindo explorar da forma como quisessem a população nativa.
Na região do Cariri (Ceará), no século XVII,quando a colonização teve seu início,através de missões jesuítas e de colonos em que sua maioria eram descendentes
europeus,seus moradores eram a tribo Kariri’s,entre outras.As mulheres desta tribo empenhavam-se na confecção de artefatos, como redes,cestas,colares,mas
depois de ser invadida a região do Cariri (Ceará),as artes vão tomando outros caminhos.Com a colonização,a população indígena vai se acabando,perdendo sua
identidade, sua crença,sua cultura.A cultura,por conseqüência,vai se transformando,vai sendo firmada na cultura trazida pelos colonizadores,no caso a cultura
religiosa cristã.E por ser uma religião patriarcal e baseada em padrões estabelecidos por homens, as mulheres se sentiam presas às imposições de estéticas e
de costumes.
Por ter ocorrido esse genocídio e alienação,a população brasileira foi sentindo a consequência de todos esses atos,um forte impacto ocorreu em nossa cultura.
De fato, nem se pode realmente falar qual é nossa cultura,e infelizmente o que foi sendo fixado por muitos séculos,foi uma cultura ocidental,colonial e patriarcal.
Dessa forma,é evidente a extrema dificuldade de se conseguir realmente se discutir e relatar a história social e artística das mulheres brasileiras, e especificamente da mulheres caririenses.
Até o século XVIII, a santa inquisição tentou apagar a história das mulheres no mundo, o seu direito de existir, principalmente, das mulheres indígenas e negras.
Mas, apesar do grande femicídio, surgiram grandes nomes, de ativistas e feministas, como Cristina de Pisano1, Olímpia de Gouges2, Harriet Taylor3 e algumas
artistas do período barroco, como Artemisia Gentileschi4.
A partir do século XIX começou uma leve ruptura na sociedade e consequentemente na arte,mas, os padrões estabelecidos pela igreja católica e pela sociedade
capitalista continuava a ser imposto.Foi quando realmente as mulheres começaram a poder estudar artes, mas ainda eram muito difícil o ingresso ao curso superior,
pois no Brasil, as academias e as universidades aceitavam pouquíssimas alunas,elas se viam ter que ir embora do seu país para poder estudar.A resistência ainda
era muito forte no Brasil,principalmente por motivos do patriarcado,a sociedade não queria reconhecer o grande talento e habilidade, que as mulheres possuíam.
Nomes importantes para a história da arte feminina que surgiram nesse período foram a ativistas feministas como Simone de Beauvoir, Simone Weil5 e o grupo
Suffragettes6, que foram de extrema importância para ajudar nesse início de ruptura, ocorrendo uma ligação mais forte entre a arte e a luta feminista.
O século XX foi um período de muitos conflitos, guerras, eventos e conquistas. No Brasil em 1922,em São Paulo, ocorreu a primeira Semana de Arte Moderna.O
evento marcou o início do modernismo brasileiro e teve presenças significativas de mulheres como Tarsila do Amaral7 e Anita Malfatti8, que foi de grande importância para um reconhecimento mais forte das mulheres artistas brasileiras..
Em 1964,no Brasil,teve inicio a ditadura militar.As perseguições,as torturas, as mortes e as ameaças físicas e psicológicas impediam a população de se ter voz.
1 Cristina de Pisano nasceu em 1364 e morreu em 1430, foi uma poetisa, filósofa e feminista, italiana que vivia na França na primeira metade do século XIV.
2 Olímpia de Gouges2 nasceu em 7 de maio de 1748 e morreu em 3 de novembro de 1793,francesa, foi uma feminista, revolucionária, historiadora, jornalista, escritora e autora de peças de
teatro francês,do século XVIII
3 Harriet Taylor nasceu em 1807 e morreu em 1858,inglesa, foi uma filósofa e defensora dos direitos das mulheres.
4 Atermisia Gentileschi, italiana, foi uma pintora e feminista,do século XIX
5 Simone Weil 6 nasceu em 3 de fevereiro de 1909 e morreu em 24 de agosto de 1943, foi uma escritora, mística e filósofa francesa, do século XX, tornou-se operária da Renault para escrever sobre o cotidiano dentro das fábricas.
6 Suffragettes7 foi um movimento social, político e econômico de reforma, com o objetivo de estender o sufrágio (o direito de votar) às mulheres, surgindo no século XIX, na década de 60.
7 Tarsila do Amaral8 nasceu em 1 de setembro em 1886 e morreu em 17 de janeiro de 1973, foi uma pintora e desenhista brasileira e uma das figuras centrais da pintura brasileira e da primeira fase do movimento modernista brasileiro.
8 Anita Malfatti9 nasceu em 2 de dezembro de 1889 e morreu em 6 de novembro de 1964, foi uma pintora, desenhista, gravadora e professora, do modernismo brasileiro.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Em outros países na mesma década ,estavam ocorrendo movimentos de libertação política e sexual.As mulheres se viram mais livres na sociedade,para exercer
as artes em seus diversos estilos.Um exemplo de um estilo artístico importante é a arte ativista,podendo relacionar suas obras artísticas com suas reivindicações,
protestos, ideias e pensamentos.Nomes como, Angela Davis9 e Betty Friedan10 foram muito significativo na arte ativista,principalmente na década de 1960.
Na década de 1970.,entre tantos outros nomes significativos, aparecem Ana Mendieta11, Yoko Ono12,Alice Walker13,Orlan14,Marina Abramovic15 e o grupo de artistas
anônimas que se autodenomina “Gerrilha Girls”16.
Marina Abramovic.1997.Balkan Baroque.Nova York.Fotografia.
Orlan.Omnipresence.1993.Paris.Fotografia.
O Brasil, ainda vivia um período muito difícil na década de 1970,a ditadura militar.O país ainda se via acuado, sem poder verdadeiramente se expressar e ser da
forma que queria. Existiram resistências que lutaram contra toda essa opressão, como por exemplo o artista Hélio Oiticica também foi de extrema importância,ajudou
a fundar o nome e o movimento tropicalista,que era um movimento social e artístico,do qual participaram mulheres artistas como Maria Betânia,Gal Costa,entre
outras.Foi um período muito difícil,de muitas lutas exaustivas,de muitas mortes injustas,de torturas terríveis,de muitas ameaças,grandes nomes morreram pela
luta de um país mais igualitário,mais justo,mais liberto,sem preconceitos seja de gênero,de raça ou de sexualidade.
A ditadura só termina na década de 1980,em 1985, para que ocorresse o fim, foi derramado muito sangue. Por mais que a nação brasileira achasse que tivesse
acabado com a opressão, o preconceito, a injustiça social, entre tantos outros problemas provocados pela ditadura, ainda presenciamos em pleno século XXI,
dito o século do modernismo,do futuro e do progresso.Vivemos muito parâmetros idênticos aos da ditadura militar: como desigualdades sociais, o preconceito de
gênero, de raça, de sexualidade, a militarização das polícias, a ilegalização das drogas, as mídias gratuitas e de fácil acesso, controladas por pessoas de grande
poder seja econômico ou político,que impõem uma alienação em seu favor, a obrigação do voto eleitoral, a falta de educação pública de qualidade,quando nas
9 Angela Davis10 nasceu em 26 de janeiro de 1944, é uma professora e filósofa socialista estado-unidense que alcançou notoriedade mundial na década de 1970 como integrante do Partido
Comunista dos Estados Unidos, Panteras Negras, por sua militância pelos direitos das mulheres e contra a discriminação social e racial nos Estados Unidos e por ser personagem de um dos
mais polêmicos e famosos julgamentos criminais da recente história americana.
10 Betty Friedan11 nasceu em 4 de janeiro de 1921 e morreu em 4 de fevereiro de 2006,foi uma importante ativista feminista estado-unidense do século XX.
11 Ana Mendieta12 nasceu em 1948 e morreu em 1985,foi uma cubana-americana desempenha como artista , escultora, pintora e artista de vídeo do século XX.
12 Yoko Ono13 nasceu em 18 de fevereiro em 1933, é uma cantora, cineasta e artista plástica vanguardista japonesa.
13 Alice Walker14 nasceu em 9 de fevereiro em 1944, é uma escritora estado-unidense e ativista feminista.
14 Orlan15 nasceu em 1947, artista plástica francesa,realiza trabalhos em vídeos, fotografias, performances e instalações, explorando o seu próprio corpo como uma superfície de transformação e de criação,manteve-se em atividade até então.
15 Marina Abramovic16 nasceu em 30 de novembro de 1946, é uma artista performativa que iniciou sua carreira no início dos anos 70 e manteve-se em atividade desde então.
16 Guerrilha Girls17 é um grupo anônimo de artistas femininas e feministas dedicadas à luta contra o sexismo e o racismo dentro da arte mundial internacionalmente. Surgiu em 1985.
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escolas não são dadas todas as disciplinas e não ensinam os alunos de uma forma crítica e libertadora. Brasil,atualmente, é, um país laico só nas palavras,sem
citar tantos outros problemas sociais que geram, consequentemente, outros problemas sociais,que o país vivencia constantemente.
Então, para entender um pouco da história social e artística das mulheres na região do Cariri, foi preciso entender um contexto geral da história social e artística
das mulheres no Brasil,e por consequência, da história social e artística das mulheres no mundo.Na tentativa de uma breve leitura global, conseguir compreender
um pouco dos acotencimentos sociais e artísticos do passado para entender dos acontecimentos sociais e artísticos do presente.
Nas artes visuais, as mulheres, na maioria das situações, foram sempre tratadas para servirem de inspirações para obras de artes, retratadas em maioria, por
homens, e porque eram mulheres importantes, como rainhas, deusas, santas.Eram retratadas também mulheres comuns, mais a maioria era expostas de forma
estereotipada,impostas por uma imposição de classes e de poderes.
Como já foi dito, a maioria das artistas citadas na história da arte são mulheres europeias,e a maioria conseguiu se tornar artista, ou porque recebeu incentivo na
educação escolar, ou certo apoio familiar,muitas vezes por já possuírem artistas na família;ou então se descobriram por si só artistas e possuíam um status econômico razoável,que ajudou muito no seu desenvolvimento e repercussão dos seus trabalhos artísticos;ou então se descobriram por si só artistas e receberam
incentivos financeiros que ajudaram no seu desenvolvimento.
Ainda se percebe no Brasil e,mais especificamente na região do Cariri,que as mulheres ainda não são incentivadas como artistas na educação tanto escolar, como
familiar,não teêm seu espaço,não teêm sua voz,não teêm seu poder,não teêm sua liberdade,não teêm seus direitos reconhecidos. Ser mulher na região do Cariri
é difícil, ainda mais lutando contra os padrões impostos pela sociedade, mas o mais difícil é ser mulher e artista, e depender financeiramente dos seus trabalhos
artísticos, que não são reconhecidos e nem valorizados economicamente, pois se não seguir padrões estéticos impostos pelo público caririense, as artistas não
são nem reconhecidas,nem valorizadas.
Para que ocorra um verdadeiro reconhecimento das artistas mulheres,a valorização e as mudanças nos campos social e artístico na região do Cariri (CE) está
sendo realizado o projeto de pesquisa “Tecendo (outra/s) história(s) contemporânea (s) da arte a partir de problematização de relações de gênero: a evidência e
a desconstrução das estratégias de silenciamento, de ocultamento e de estigmatização/ padronização da presença de mulheres no campo das artes visuais” que
faz parte de uma das linhas de pesquisas do grupo de pesquisa sobre a história da arte, onde eu a estudante Anália Lobo Mesquita, do curso de Lic. em Artes
Visuais participo, orientado pela Prof (a). Dr (a). Cristina Antonievna Dunaeva.Iniciou-se um mapeamento da produção artística feminina na região do Cariri,a partir
das artistas, alunas e professoras do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri (URCA-Ceará\Brasil).
O mapeamento é feito através do método rizomático. O rizoma é uma metáfora usada por Deleuze e Gattari para descrever o método da pesquisa utilizado, que
adotamos também em nossa pesquisa; surge de uma raiz longa, onde todas as suas ramificações se interligam e dão origem sempre a outras ramificações, que
geram outras ramificações, e assim por diante. Por exemplo: uma artista diz que conhece ou aprecia o trabalho de uma outra artista e essa artista diz que conhece ou aprecia o trabalho de uma outra artista, e assim vai se criando uma rede repleta de ramificações, que não terá fim. A principal bibliografia utilizada para a
metodologia do mapeamento é “Mil Platôs: Introdução. Rizoma” de Gilles Deleuze e Félix Guattari e “Pistas do Método da Cartografia”de Eduardo Passos,Virgínia
Krastup e Lilliana da Escóssia.Tenta-se estudar todas as obras das (os) artistas, que iremos encontrar para as entrevistas, com intuito de sentir, entender e conhecer um pouco dos seus trabalhos.
Nas entrevistas trocamos ideias, experiências, conselhos, tentando realmente se colocar no lugar das (os) artistas, ato este muito difícil. Foram entrevistadas até
o momento presente a artista fotógrafa Nívia Uchoa, o coletivo artístico “Bando”, a artista cênica Ni de Souza, o artista cineasta Elvis Pinheiro, o artista xilógrafo
e cordelista Hamurabí Batista, a artista visual Andréa Sobreira e a artista perfomer Bartira Dias. As entrevistas abordam perguntas que problematizam o gênero,
especificamente o gênero feminino, no campo das artes visuais. Às (aos) artistas são feitas perguntas como, por exemplo, se seus trabalhos artísticos problematizam a questão de gênero,se possuem influências de artistas mulheres (especificamente das artistas caririenses),porque a falta de mulheres na produção artística
caririense, como definiriam a relação entre gênero e artes, o que acham do cenário artístico regional, como avaliam o papel das mulheres na sociedade e nas
artes (especificamente no Cariri),se já sofreram preconceito, abuso sexual, violência física ou psicológica,se se consideram feministas,se sabem o que significa
patriarcado, o que pode ser feito para diminuir ou acabar com a violência de gênero, entre tantas outras perguntas que vão surgindo no decorrer das entrevistas.
A maioria das artistas entrevistadas até então não demonstrou pensamento patriarcal, nos responderam que possuem influências de artistas mulheres nos seus
trabalhos, mas são mais citadas referências das artistas de outras regiões.Questionadas sobre este fato respondem que entendem que isso ocorre pelo fato de
que na região do Cariri a cultura é muito tradicionalista e firmada na religiosidade cristã e isso acarreta repressão as mulheres e a insegurança. É de extrema
importância entrevistar as artistas para poder entender os motivos das mulheres estarem sendo submetidas às situações sociais opressoras na região, tentando
analisar os discursos, se possuem formas implícitas ou explícitas de imposições de costumes e modos patriarcais.
A primeira entrevistada foi com a fotógrafa e ex-professora da URCA- (Ceará\Brasil) do Centro de Artes Violeta Arraes Gervaseau, que lecionava na cadeira de
fotografia, a artista Nívea Uchôa, fotógrafa há vinte anos nos relatou várias experiências suas, nos falou sobre seus trabalhos artísticos em fotografias,que estão mais voltados para a cultura do Cariri.Seus vários trabalhos possuem o enfoque no gênero feminino da região, demostrando o cotidiano e a diversidade das
mulheres em todas as classes sociais,de diferentes raças,de diferentes sexualidades.Nívia nos relatou das suas influências artísticas femininas,o seu desenvol162
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
vimento,os seus trabalhos de fotografia.Citou nomes como Neli Rosa,Salete Maria,Lígia Fagundes Teles.Nos contou das dificuldades de ser mulher, nordestina,
lésbica e artista, pois como nos diz, ainda em pleno século XXI a fotografia é vista como uma profissão de homem, o machismo ainda está muito forte na nossa
sociedade.Foi a primeira entrevista com uma artista na minha vida, e sentir todo esse peso,foi essencial para entender o que teria que enfrentar e lutar no decorrer
da pesquisa, não será fácil ouvir relatos assim, e ter que escrever sobre eles.
A segunda entrevista foi mais tranquila, com o grupo artístico “Coletivo O Bando”, que foi fundado em 2004 e que é formado tantos por mulheres quanto por homens.Os integrantes do grupo oscilam entre permanentes e flutuantes, como o artista visual e estudante do curso de Lic. em Artes Visuais na URCA-Ceará\Brasil
Joseph Olegário, a artista visual e estudante do curso de Lic.em Artes Visuais na URCA- Ceará\Brasil Carlene Cavalcante, Manu Mattos, a fotógrafa Nívia Uchoa,
a letrista formada na URCA-Ceará\Brasil Ravena Monte e Orlando Pereira, entre tantos outros.O Bando já realizou e vem realizando alguns trabalhos artísticos
voltados para as artes visuais , que abordam o gênero em sua pluralidade, o gênero sem definições, em busca de uma diversidade cultural.Suas influências artísticas vêem de tudo e de todos, não estabelecendo ao certo nomes ou movimentos.O coletivo tem objetivo de transformar, conscientizar, a população caririense.
Alguns trabalhos realizados pelo coletivo,a videoinstalação “polis, poli(fonia),poleis” no CCBNB Cariri-Ceará\Brasil, XIV Mostra Sesc Cariri de Culturas (Cariri-Ceará\Brasil) – Intervenção Urbana. Poesia na Parada, com a reunião de poemas de artista do Cariri-Ceará\Brasil,colando os poemas em paradas de ônibus entre
as cidades Juazeiro do Norte e Crato-Ceará\Brasil e locais de tráfego de transito de pessoas,Intervenção Urbana. Colagem de lambe-lambe. Procura- se beata
Maria de Araújo. Pela cidade de Juazeiro do Norte-Ceará.
A próxima entrevista foi com a artista Ni de Souza, atualmente estudante do curso de Lic. em Artes Cênicas na URCA-(Ceará\Brasil).Depois de ter participado de
uma oficina em 1991,que foi ministrada pela artista Zilda Torres, desenvolve trabalhos artísticos relacionados ao teatro,especificamente ao teatro de bonecos.Ela
trabalha desde da confecção dos bonecos,a elaboração do texto e a encenação do espetáculo.Nos diz que suas principais influências artísticas femininas são Ana
Mae Barbosa, Zilda Torres, Ana Maria Machado.A respeito de ser mulher, negra, nordestina, bissexual e artista disse que não se deixou nunca ser atingida por
questões de preconceito,e não vivenciou nenhum tipo de violência,seja física ou psicológica,Ni tenta aproveitar da vida e das pessoas o melhor que elas podem
oferecer, sem julgá-las, tentando entender e respeitar o próximo,a entrevista foi leve e adorável, pois a alegria e a força que a artista nos transmitiu foi intensa,
apesar das dificuldades que a artista ainda enfrenta, como apoio financeiro e a falta de um reconhecimento maior, ela demostra um otimismo e uma fé impressionante no seus trabalhos artísticos.
A próxima entrevista foi com o artista Elvis Pinheiro, formado em Publicidade &Propaganda pela UFPE-Ceará\Brasil e formado também em Letras pela URCA- Ceará\Brasil.Como diz o entrevistado são duas formações que andam juntas, uma complementa a outra.Ele recorreu a esses cursos, pois, nem Recife-Pernambuco
e nem no Cariri-Ceará, há dez anos não era ofertado cinema, e ele não tinha condições financeiras de estudar em outros lugares do Brasil. Ele diz que antes de
tudo ele é primeiramente um leitor, seja de filmes, de livros, de imagens, com o tempo ele sentiu uma imensa necessidade de dividir tudo que ele foi aprendendo
e vivendo, então decidiu trabalhar envolvendo esse compartilhamento.Atualmente trabalha como professor de literatura, mediador de literatura e de cinema, no
SESC-Ceará\Brasil, no CCBNB- Ceará\Brasil e nos cursinhos de pré-vestibular do Cariri. No SESC ocorre o LUME que é um grupo de leitura, que existe há seis
anos, onde se lê de tudo um pouco, como romantismo, comédia, drama.Cada encontro é uma leitura diferente com pessoas diferentes, pois não é um grupo fixo,
tentando resgatar a leitura seja do século XVIII ou do século XXI.O grupo tenta resgatar a leitura dos livros, pois na atualidade se vive uma ditadura de imagens,
e as pessoas acabaram se esquecendo muito dos livros. Já foram e são trabalhadas algumas leituras relacionadas a problematização de gênero.
Por exemplo, foi lido um capítulo do livro “Lendo Imagens” de Alberto Manguel que fala sobre a artista Lavinia Fontana, que conta um pouco sobre sua trajetória
artística, debate sobre seus quadros que mais chamaram e ainda chamam atenção, como uma série de quadros que são retratos da família Tognina, uma família
que é denominada de família “leopardo”, pois são pessoas completamente cobertas de pelos, e com olhos que parecem de um leopardo.Dessa série o quadro
que mais chamou atenção no meio artístico e na sociedade, e ainda chama na atualidade, é a menina Tognina, que posa atentamente para o quadro, vestida
com trajes luxuosos, em um quarto luxuoso,mostra claramente que a família é da nobreza.Mas apesar de pertencer a classe social elevada, Lavinia relata que a
família sofria muito preconceito e seus membros eram vistos como esquisitos, como bichos expostos em jaulas de zoológico.
No SESC também são exibidos semanalmente filmes de diferentes épocas e temáticas, em projetos como o Cinematógrafo, o Cinerama, o Cine Arte Leão, e
Mostra 21, que é um evento que acontece uma vez por ano,quando são exibidos filmes que também tratam de problemas de gênero.Um exemplo é um filme, é
“Le Potiche: A esposa troféu”, que mostra a vida de uma senhora de uma família firmada numa estrutura patriarcal.Elvis junto com o grupo de estudo do cinema,
produz uma revista de cinema, tendo também já publicado oito livros com o nome artístico “Cais do porto”, peças teatrais, feito já alguns filmes, um deles é a adaptação de Rubens de Fonseca. Elvis tenta realizar um trabalho onde o público possa fazer a leitura tanto de livros quanto de filmes,fazendo com o que o público
desperte seu olhar, desperte sua imaginação, desperte seu sentimento. Sempre criando, interferindo e persistindo em mudanças num cenário social e artístico
na região do Cariri. Ao entrevistar Elvis, senti e sinto uma grande esperança em pessoas que são parecidas com o seu perfil, pois Elvis sempre estará em eterno
devir, e compartilhando desse eterno devir seja para quem for motivado a buscar, lutar e mudar o cenário social e artístico do Cariri, acreditando que a mudança
deve começar por nós, e depois compartilhar dessa mudança para o mundo, tornando-se um ciclo eterno de mudanças. Renovo-me, fortifico-me, e me motivo
profundamente com pessoas assim, que buscam, pensam, agem e mudam cenários sociais e artísticos, apesar do preconceito, da opressão, da falta de apoio
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
financeiro e do verdadeiro reconhecimento de seu trabalho.
A próxima entrevista foi com o artista xilógrafo, cordelista, escultor e, atualmente, diretor do Centro de Artesanato Mestre Noza, Hamurabí Batista, que tem formação em em Geografia pela URCA-(Ceará\Brasil). Hamurabi sempre foi muito influenciado pelos trabalhos artísticos de xilogravura e de cordel do seu pai, o artista
Abraão Batista, foi a partir dele que Hamurabí sentiu a imensa vontade de também ser artista e trilhar os passos artísticos de seu pai.Por volta de seus vinte anos
de idade ele começou a escrever seus primeiros cordéis e fazer xilogravuras.
Desenvolveu e desenvolve cordéis e xilogravuras que fogem um pouco do estilo tradicional,trabalhando a contemporaneidade da cultura regional e temas como
o social, o racismo,a homofobia, a política.Exemplos de alguns cordéis são “Os quinhentos anos que invadiram o Brasil”,” O homem que levou chifre da mulher
e se casou com o Ricardão”,”Peida e choca ovos”, “A história das artesãs da palha da rua do horto”, ”Kama Sutra:Hetero,Gay e Lez”.Hamurabí relata que ele
ainda trabalha com alguns temas tradicionais do Cariri, mas que não deixa de se atentar as mudanças políticas e sociais da região. Atualmente sendo diretor do
Centro de Artesanato Mestre Noza,ele nos conta são cadatrasdos mais de trezentos artesãos, de várias áreas do artesanato.A maioria dos homens trabalham
com cordéis, xilocordéis, xilogravuras, esculturas de madeira e de barro; as mulheres em sua maioria, trabalham com a palha e com a escultura de barro. O artista nos conta, que tem influências de mulheres nos seus trabalhos artísticos, como a artista fotógrafa Nívia Uchoa, a poetisa Cissa Fonseca, a professora da
URCA-Ceará\Brasil Cláudia Rejanne, sua filha e estudante de psicologia da Faculdade Leão Sampaio do Cariri-(Ceará\Brasil) Jared Arraes. Mas ao ser abordado
com o questionamento sobre porque existem poucas mulheres na produção do xilocordel, da xilogravura, da escultura de madeira, ele responde que isso acontece porque as mulheres são delicadas, não possuem a força que os homens possuem, então elas escolhem outras áreas da arte, como a confecção da palha,
escultura de barro, a pintura, entre tantas outras áreas que não exijam a força, pois essa característica as mulheres não possuem. Fiquei impressionada com o
comentário do artista, pois logo se dizendo contemporâneo, que possui influências de mulheres em seus trabalhos, citando nomes de mulheres que são feministas,
que lutam arduamente pelos diretos iguais de gênero, o artista trabalhando com temas que lutam contra o preconceito seja de gênero, de raça, a favor de uma
justiça social, se coloca numa verdadeira contradição e retrocesso a respeito dos seus trabalhos artísticos, do seu discurso na entrevista.Com esse pensamento
do artista, podemos notar um discurso implícito e explícito do preconceito de gênero, alegando que as mulheres não podem ter a capacidade que os homens
têm, discurso como esse do artista, está muito presente na sociedade caririense,nas artes ainda percebemos em pleno século XXI a discriminação que o gênero
feminino enfrenta. Foi nessa entrevista que realmente pode perceber o problema social e artístico que a região do Cariri enfrenta, o quanto está sendo importante
esse projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido, o quanto me fará sofrer, o quanto me mudará, o quanto ainda precisarei de força e determinação para
ouvir ou ver discursos ou atos que oprimam o gênero; e saber como agir, o que falar como defender, o que posso fazer para mudar tal situação.O primeiro passo
já foi dado, participar desse projeto de pesquisa, o segundo é estar constantemente pesquisando e me atualizando a respeito das mulheres na sociedade e nas
artes e me engajando na luta feminista.
Em seguida foi realizada a entrevista com a artista visual Andréa Sobreira, atualmente estudante do curso de Lic.em Artes Visuais na URCA-(Ceará\Brasil).Natural de Garulhos -São Paulo\Brasil, a artista desenvolve desde trabalhos artísticos H’Q,em desenho,pintura,serigrafia e grafite.Tem publicações de H’Q como
“Pandora” pela Marca de Fantasia, participou de exposições coletivas na Gráfica Sobreira em 2013,das Mostras Didáticas do Departamento de Artes Visuais no
próprio Centro de Artes, tem alguns dos seus trabalhos no It’s noon desde 2012,e a pouco tempo teve sua exposição “Pin Ups” na galeria Experimenta no CCBNB
Cariri-Ceará\Brasil 2013\2014.
Suas principais influências artísticas se encontra na Pop Art com Andy Warhol, Edward Hopper e Gil Elvgern, Roy Lichetenstein, Norman Rochwell, Audrey Kawasaki,
Chiauria Bautista,Agnes Cecile,Lora Zombie. A artista nos relata que quase não possui influências de artistas mulheres em sua formação artística, pois existe uma
grande falta de artista mulheres, principalmente de artistas mulheres brasileiras.Com uma recente exposição das “Pin Ups”,onde trabalha muito com a problematização do gênero, principalmente problematizando o gênero feminino, seus quadros de pinturas tem uma forte influência da estética da ilustração do H’Q.Andréa
representa as Pin Ups, pois elas são um símbolo do apogeu de beleza e de consumismo estadunidense no século XX, elas eram vistas como um ideal perfeito de
beleza feminina, sempre com trajes sensuais para sua época.As Pin Ups ficam mais conhecidas no período da Segunda Guerra Mundial, pois foi quando a cultura
visual estadunidense se expandiu para outros contextos culturais, é muito fácil de lembrar as Pin Ups, elas eram sempre expostas em cartazes de vários tamanhos
pelas cidades, nos aviões, nos corpos dos homens, nos bares, nas ruas, principalmente nos postos de concentração de guerra, pois os soldados precisavam de
algo para se motivarem, e ao olhar aqueles cartazes, eles imaginavam que ao voltar da guerra teriam aquelas mulheres naqueles padrões estéticos, que para
eles eram o padrão atrativo.Os cartazes também possuíam um cunho erótico, os soldados ficavam muito tensos psicologicamente e fisicamente, e eles sentiam
muita falta das relações sexuais, então as Pin Ups nos cartazes serviam como um estímulo sexual para os homens, como o ato sexual da masturbação, aliviando
um pouco suas tensões,porém as Pin-Ups também serviam para divulgação de produtos ,como cosméticos, roupas, carros, bebidas, estimulando o consumismo,
ajudando ao capitalismo que produz grandes problemas sociais.Em seus quadros, a artista mostra uma ironização das situações que foram vividas e ainda são
vividas em pleno século XXI, pelas mulheres na sociedade, como o exagero dos padrões estéticos.Neste caso a artista retrata o fenômeno da cirurgia plástica que
é usada em abundância pelas mulheres,numa busca sem fim por uma estética que a faz sofrer muito internamente, no caso psicologicamente, e externamente,
no caso fisicamente, e no fundo nem elas sabem se elas querem realmente ter essa estética, por muitas vezes colocando sua sáude física e mental em risco,
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
tudo para poder se sentir aceita e reconhecida na sociedade. Outro tema que está nos quadros diretamente ligado ao tema dos padrões estéticos é a sexualidade,quando a artista debate porque os homens podem ter liberdade sexual com as mulheres, mas as mulheres não podem ter liberdade sexual com os homens.
Um homem pode insinuar sexualmente uma mulher, mas se a mulher cometer tal ato, ela é vista com as piores características sociais possíveis. Então Andréa
nos coloca a pensar em que real situação ainda vivemos nas artes e na sociedade, se dizemos que somos modernos, pós-modernos, revolucionários do mundo,
mas ao simples fato de sair na rua vivenciamos atos que não condizem com os discursos que a sociedade reproduz, discursos estes nos dizem que estamos em
revolução sexual, sem paradigmas de gênero, raça, classe, etnia, e ao vivermos e pesquisarmos nas artes e no campo social, percebemos que ainda estamos
muito longe de todos essas caraterísticas sociais, e nas artes que deveria ser uma área realmente de livres expressões artísticas, de livres escolhas, de liberdade
sexual, de liberdade de gênero, ainda vivenciamos grandes tabus, que são criados pelos artistas, que deveriam ser transformadores nas artes e nas sociedades.
A próxima entrevistada foi a artista Bartira Dias de Albuquerque, formada em Ciências Sociais pela UECE-(Ceará\Brasil),Mestrado em Educação na UFC- (Ceará\
Brasil), trabalha com a performance há oito anos.A artista desenvolveu trabalhos artísticos como “Ex-Drógeno” no CCBNB-Ceará-Fortaleza, ”Falas: A fábrica de
eus”, “O sexo de dentro e fora”, participando de performances com o Coletivo Pare e o Coletivo Elas (Escola Livre de Arte Subversiva) na cidade de FortalezaCeará\Brasil, lançou um livro “Noor em nós”, entre tanto outros trabalhos que foram desenvolvidos e ainda estão em desenvolvimento.Suas principais influências
artísticas são Orlan, Marina Abramovic, Letícia Parente, Yoko Ono, Gerrilha Girls, entre tantos outros nomes que ao decorrer da entrevista foram surgindo.Se eu
fosse citar todos os nomes daria várias páginas escritas. Nos seus trabalhos artísticos sempre envolve o ativismo, a performance, o anarquismo, sempre problematizando o gênero, principalmente o gênero feminino, no âmbito artístico e social. Suas performances envolvem uma grande crítica aos padrões estéticos impostos
pela sociedade, o fato de que as mulheres devem estar sempre maquiadas e depiladas perfeitamente, de estarem sempre realizando cirurgias plásticas para
corrigirem imperfeições nos seus corpos.Na performance “Ex-Drógeno”,a artista se deita nua de costas numa maca, e um profissional da área de modificações
corporais começa a realizar escarificação nas nágedas da artista, os pedaços da pele extraídos são colocados dentro de um pequeno recipiente de vidro e posto
com uma etiqueta “Vende-se”.Os vidros são colocados em prateleiras que são espalhadas no espaço da performance.Trata-se de uma forte crítica ao sistema
em que as mulheres se sentem forçadas a realizarem cirurgias plásticas, para se sentirem amadas e aceitas na sociedade.Nessa performance, principalmente,
as mulheres ficam muito chocadas com tal ato, acham uma verdadeira violência ao corpo, uma mutilação, mas não ficam chocadas com os rigorosos processos
cirúrgicos, onde acontece uma verdadeira carnificina,e as mulheres são constantemente submetidas por valores exacerbados.
Outras performances foram de grande repercussão, como a performance ”Mulher codificada\Marcada\Emplastificada”, pelo Coletivo Pare, onde a artista Bartira
participa da performance, ocorre uma primeira performance na comemoração que está ocorrendo no dia da mulher, realizado pelo o governo do estado do Ceará,
na praça do Ferreira, no bairro do centro, na cidade de Fortaleza, onde várias mulheres ficaram nuas, totalmente emplastificadas, e nos seus corpos estavam
escritas palavras de indignação, escritas com batom vermelho;elas tentam andar pela praça e não conseguem muito,por estarem emplastificadas da cabeça aos
pés.A segunda performance foi no mês de julho que é alta estação no turismo brasileiro, é o período quando mais vêm turistas internacionais ao Brasil, então o
Coletivo Pare, foi até o Aeroporto Internacional Pinto Martins,em Fortaleza-Ceará, as mulheres ficaram em frente ao portão de desembarque internacional, ficaram
mostrando seus seios, onde estavam escritos com batom vermelho, frases e palavras de indignação a respeito do turismo sexual.As duas performances possuem
uma crítica ao mercado do turismo sexual no estado do Ceará, que tem uma grande participação das mulheres, que na sua maioria são menores de idade, mercado esse financiado pelo público internacional.
Bartira tenta combater qualquer tipo de opressão, de desigualdade, de preconceito, de estigmatização, principalmente no caso das mulheres, mas a artista nos
relata que é muito difícil essa luta feminista todos os dias, principalmente na região do Cariri, pois a artista vivencia constantemente esses problemas relatados,
tudo já parte, a princípio, da artista possuir uma estética que foge dos padrões tradicionais da região, com boa parte do seu corpo coberta com as tatuagens,
roupas não tão comuns para a estética do Cariri, os pelos nas axilas, e, infelizmente, ainda no Brasil, mas especificamente na região do Cariri, as pessoas já
julgam pela aparência, pela estética, e não deixam as mulheres serem livres e terem a aparência que elas quiserem ter.O fato, também, de ela ser mãe de duas
filhas e separada, já é outro impacto para a sociedade caririense, pois a cultura caririense presa pelo casamento, e ainda mais por a artista não possuir nenhuma
religião, ai é que agrava mais ainda sua situação perante a sociedade, que é firmada fortemente na religiosidade cristã.A artista nos diz que já recebeu ligações
ofensivas e de ameaças psicológicas, que já foi destratada em certos ambientes, que já lhe foram negada as oportunidades de trabalhos, e que se torna difícil
realizar suas performances nas ruas, nas praças, nas cidades da Região do Cariri, pois tem medo do que possa acontecer com ela ou com a família dela. Bartira
nos diz que lhe falta apoio financeiro e a presença de outros artistas homens ou mulheres que sejam perfomer’s na região do Cariri, pois a artista necessita de
diálogo, de trocas de experiências.
O projeto de pesquisa sobre a problematização do gênero no campo das artes visuais continua em andamento, continuo participando do grupo de pesquisa de
história da arte, mas não faço mais parte do projeto de pesquisa. Atualmente sou bolsista do Programa de Iniciação a docência-PIBID,no qual irei buscar dentro
das aulas de artes visuais na escola, minha experiência adquirida dentro desse um ano de pesquisa sobre a problematização de gênero, eu consiga despertar,
trabalhar mais ainda a criticidade dos(as) alunos(as),fazendo com que os(as) alunos(as) se atentem para a ligação que ocorre entre artes visuais e política, dessa
forma iniciando uma mudança dentro das artes visuais e consequentemente no âmbito social, diminuindo futuramente os problemas de relação de gênero dentro
165
das artes visuais.
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Referências
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DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Felix. Mil Platôs. Vol. 1. São Paulo: Editora 34, 2011.
GOMBRICH, ERNST, Hans . A História da Arte . São Paulo: Editora LTC, 2000.
LEAL,CRUZ,Priscilla.Mulheres Artistas: Há Desigualdade de Gênero no Mercado Das Artes Plásticas no Século XXI?.Disponível em
http://www.cult.ufba.br/wordpress/wp-content/uploads/Mulheres-Artistas-revisado- 2.pdf.Acessado em 5 de janeiro.2014.
PASSOS,Eduardo.KATRUP,Virgínia.ESCÓSSIA,Liliana.Pistas do Método da Cartografia.Porto Alegre: Editora Clo Sbardelotto,2010.
VERGARA,CERQUEIRA,Fábio. Evidências Iconográficas da Participação de Mulheres no Mundo do Trabalho e na Vida Intelectual e Artística na Grécia
Antiga.2008.
Disponível em:http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2008/CERQUEIRA,%20Fabio%20Vergara %20-%20IVEHA.pdf. Acesso em: 9 de dezembro de 2013.
Anália Lobo Mesquita , Universidade Regional do Cariri; Grupo de Pesquisa História da Arte.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
CARTOGRAFIA CARIRI: INVESTIGAÇÃO (RE)VITALIZANDO A HISTÓRIA
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Cristina Atonioevna Dunaeva / Diego Marcos Linard Tavares / Edilson Militão de Melo Filho
Universidade Regional do Cariri
História Contemporânea das Artes Visuais: Cartografia Cariri
Resumo
Este artigo foi realizado com o propósito de esclarecer e relatar a situação vivenciada pelo grupo de pesquisa em História Contemporânea das Artes Visuais e
apresentar sua ferramenta de pesquisa prática: A Cartografia Cariri. Tal projeto vem coletando dados, entrevistas e referências dos artistas da região cearense do
Cariri, sejam eles vivos ou já falecidos, visando assim uma contribuição local para a construção de uma História das Artes Cearense mais democrática. Pretendemos dar inicio a uma pesquisa-intervenção, indutiva e conectável, que, trazendo à tona os objetos e as subjetivações produzidos no contexto artístico de uma
região periférica, possa assim fazer de alguma maneira uma contribuição real a esta disciplina.
Palavras-Chave: Cartografia; História da Arte; Rizoma
Abstract
This article was made in order to clarify and report the situation experienced by the research group in Contemporary History of Visual Arts and its practical research
tool: The Cartography Cariri. This project has been collecting data, interviews and artists biographies of Ceará/Cariri, whether living or deceased, thereby targeting
a local contribution to the construction of a History of Ceará Arts more democratically. Thus, we intend to initiate a research intervention, inductive and connectable,
bringing up the objects and subjectifications produced in the artistic context of this peripheral region, we can do so in any way a real contribution to this discipline.
Keywords: Cartography; History of Art; Rhizome
Introdução
O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode
ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social.
(DELEUZE; GUATTARI. Introdução. Rizoma.).
O grupo de pesquisa em História Contemporânea das Artes Visuais e sua subdivisão de pesquisa prática, Cartografia Cariri, originou-se a partir da disciplina História das Artes Visuais do Ceará e do Brasil, ministrada pela Prof. Dra. Cristina Dunaeva na Universidade Regional do Cariri - URCA. A motivação que a levou a
dar inicio a esta pesquisa está fixada na preocupação com a falta de material, compêndios e discussões mais democráticos e relevantes em torno da História da
Arte Cearense. O grupo de pesquisa é formado atualmente por dois estudantes do curso de Artes Visuais da mesma universidade, ambos aqui como coautores
desse artigo, e também conta com participação de alunos do curso de Ciências Sociais, também da mesma universidade. O grupo encontra-se aberto à participação de todos que desejem ingressar e intervir no seu percurso. Mantendo assim uma constituição interdisciplinar, uma das características mais favoráveis para
uma construção de um debate amplo em relação à pesquisa e seu referencial teórico, baseado principalmente no pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari,
o Rizoma. Segundo os autores devemos seguir, em pesquisa, os “princípios de conexão e heterogeneidade: qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a
qualquer outro e deve sê-lo.” (1995. p. 4).
O grupo de pesquisa não recebe incentivo algum por parte da Universidade que abriga seus participantes, seja em forma de equipamento ou auxílio financeiro,
sendo hoje a única renda dos integrantes deste grupo as bolsas cedidas pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC, através do Conselho
Nacional de Pesquisa – CNPQ. Para coleta de material audiovisual nas pesquisas de campo, ou seja, das entrevistas com os artistas e/ou seus representantes,
é utilizado o equipamento pessoal de um dos bolsistas. Partimos assim, tanto no contexto material quanto imaterial, da falta. Falta de discussões em torno da
História da Arte do Cariri, falta de material bibliográfico referente ao tema, falta de apoio por parte das instituições públicas e privadas em geral.
A região caririense possui uma pequena bibliografia sobre sua história e características culturais; o pouquíssimo material literário existente já se encontra bastante defasado ou com baixa análise crítica, sendo assim uma leitura bastante tendenciosa e de ponto de vista unilateral. Mesmo assim é possível extrair desta
bibliografia algum conhecimento de real valor para nossa pesquisa, como nos escritos de Figueiredo Filho e Irineu Pinheiro sobre a história do “povoamento‟‟ da
região. O primeiro autor foi um farmacêutico de família tradicional, e o segundo, médico formado no Rio de Janeiro, que quando retorna a sua cidade natal passa
a lecionar a disciplina de Historia no curso secundário na cidade caririense do Crato. Funda no ano de 1953 o Instituto Cultural do Cariri, hoje esquecido e sem
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
material disponível sobre sua organização. Ambos narram em seus livros como se deu a invasão colonial nas terras dos povos indígenas que aqui habitavam e que
deram o nome à região, os índios Kariris. “Ainda em <<Os indígenas do Nordeste>> registra Estevão Pinto que o <<nome cariri, na expressão de Pôrto Seguro,
significa tristonho; calado, silencioso, cf. outros>>.” (PINHEIRO, 2009. p.11). Mesmo os documentos oficiais dando a posse das terras aos índios, doadas por mãos
do Capitão-Mor Domingos Álvares de Matos, eles foram expulsos das terras de maneira violenta e ilegal. Essa passagem histórica traumática repete-se durante
todo o percurso da região posterior à colonização, afetando a maneira como concebemos nossa própria história e nossa participação efetiva na mesma. Seja na
época do voto de cabresto, onde a população era ameaçada caso não elegesse o candidato indicado pelo coronel mais poderoso, seja na justiça do bacamarte,
configurando uma tirania local que persiste até os dias atuais de maneira institucionalizada.
Quanto às condições geoclimáticas do Cariri relata Figueiredo Filho (2010:5): “a diferença entre a sua natureza e da circunvizinhança é bem flagrante. Daí o filho
do Cariri, apesar de bem interiorano, sentir que sua região é inteiramente fora do sertão propriamente dito.” Essa localização possibilitou a imigração e a emigração na região, trazendo às terras caririenses povos de diferentes origens e classes: baianos, sergipanos, pernambucanos, portugueses1. Os remanescentes de
várias etnias - mestiços, negros, brancos, indígenas, retratam suas dores, lendas e misticismos múltiplos em grupos de reisado, lapinhas, folguedos, configurando
a assim chamada arte popular. Junto com escultores, pintores, artistas visuais, aos poucos preenchem nossa cartografia, já que em seus trabalhos as temáticas
são os mitos e a história. Sobre a cultura caririense mais remota e que é visível até os dias atuais, segundo Irineu Pinheiro “Entre as sobrevivências totêmicas
existentes no Carirí, podemos citar o reisado, conhecido em todo Brasil, diferençando-se, porém, aquí e alí, em que se vê o boi, a burrinha, o babau que é uma
espécie de jumento, o urubu, a ema, etc.” (2009. p. 205).
Com a cartografia buscamos então reaver a história cultural do Cariri e de sua arte seguindo o pensamento descrito no artigo “História da Arte na encruzilhada” de
José Alberto Gomes Machado (2006), onde o mesmo defende a necessidade de um trabalho mais amplo relacionando a pesquisa e a abordagem com situação
atual nesta disciplina. Com o aumento de possibilidades e ramificações na contemporaneidade:
Uma das formas mais recentes de valorização da realidade artística das periferias tradicionais consiste na promoção do estudo de temas locais
bem definidos, quer utilizando os apetrechos teóricos do mainstream ocidental da disciplina, quer criando e adaptando novos termos, de incidência
específica, que melhor ajudem a elucidar as novas realidades e seus contextos. (MACHADO, 2006. p. 4).
Tecendo de maneira rizomática as densidades de diferentes graus, relatando o trajeto de cabaceiros e cabaceiras, estudantes de artes visuais, poetas e poetisas
visuais, artesãos e artesãs, fotógrafas e fotógrafos, cineastas, indígenas, quilombolas, grupos sociais autóctones, trabalharemos com a construção de uma cartografia das artes em uma região latino-americana periférica desde a colonização. Desconstruindo assim dicotomias eurocêntricas e estabelecendo contato real
entre: a arte e o artesanato, o folclore, a cultura popular, a anti-arte, a arte naïf, a arte bruta, a arte urbana.
De acordo com as Pistas do Método da Cartografia (PASSOS, 2012. p. 10), “eis, então, o sentido da cartografia: acompanhamento de percursos, implicação em
processos de produção, conexão de redes ou rizomas”. Ao invés das dicotomias, como arte erudita e arte popular, ou arte e artesanato, tornam-se operantes na
constituição da Cartografia Cariri as tensões próprias desta região. Embora, na contemporaneidade, já se formam dentro do panorama artístico local outras linhas
de pesquisa e criação, cada vez mais comuns. Performers, artistas conceituais, artistas-ativistas, entre outros, estão cada vez mais presentes no limitado cenário
atual caririense.
Diferente do método da ciência moderna, a cartografia não visa isolar o objeto de suas articulações históricas nem de suas conexões com o mundo.
Ao contrário, o objetivo da cartografia é justamente desenhar a rede de forças à qual o objeto ou fenômeno em questão se encontra conectado,
dando conta de suas modulações e de seu movimento permanente. (PASSOS, 2010. p. 57).
Intrínseca também a nossa pesquisa é a análise sociopolítica da “disputa” estética entre os diferentes estilos, contemporâneos ou populares, a partir da dialética
promovida pela oposição e concordância dos diferentes artistas da região. Tendo como base suas próprias temáticas, poderemos talvez vislumbrar com esta
cartografia uma história da arte caririense como algo de valor único dentro da história da arte brasileira. Buscamos então, aqui, reavaliar o processo de (des)colonização e no futuro, na melhor das hipóteses, diminuir a escassez de compêndio e discussões apropriadas para o ensino da História da Arte do Cariri e do Ceará,
tanto no âmbito escolar quanto de ensino superior. Pois a partir da valorização da história local (re)constroem-se pontes entre os habitantes, artistas, professores,
alunos, beneficiando com isso a produção de pensamentos originais e múltiplos, já que segundo o método de rizoma proposto por Deleuze e Guattari (1995, p.
12) “A questão é produzir inconsciente e, com ele, novos enunciados, outros desejos: o rizoma é esta produção de inconsciente mesmo”.
Desse modo, a pesquisa dá-se um aspecto de intervenção, de interação com o meio de um modo geral, tomando assim uma forma antropofágica de se construir
um conhecimento:
1 A região caririense possui fontes de águas perenes e vegetação característica da mata atlântica, diferenciando-se assim da vegetação tipicamente do clima agreste das regiões vizinhas.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
É que a antropofagia em si mesma é apenas uma forma de subjetivação, em tudo distinta da política indentitária. Ela se caracteriza pela ausência
de identificação absoluta e estável com qualquer repertório, a abertura para incorporar novos universos, a liberdade de hibridação, a flexibilidade
de experimentação e de improvisação para criar novos territórios e suas respectivas cartografias. (ROLNIK, 2011. p. 19).
Seguindo com a análise de Suely Rolnik (2009, p. 17) descobrimos “na antropofagia um „programa de reeducação da sensibilidade‟ que pode funcionar como uma
„terapêutica social para o mundo moderno”, questão bastante pertinente na pesquisa de campo desta cartografia, pois ao despertar relatos até então adormecidos
ou até mesmo quase esquecidos, estaremos intervindo também na construção de algo único à região e à sua população. Algo que realmente pode proporcionar
uma melhor compreensão do espaço, do tempo e da força da categoria artística e cultural local. A este tipo de pesquisa, como a Cartografia Cariri, toma-se o
conceito de pesquisa-intervenção, que é exatamente a alteração através de encontros e conexões que resultam na ação direta de todos nesta construção:
Conhecer a realidade é acompanhar seu processo de constituição, o que não pode se realizar sem uma imersão no plano da experiência. Conhecer
o caminho de constituição de dado objeto equivale a caminhar com esse objeto, constituir esse próprio caminho, constituir-se no caminho. Esse é
o caminho da pesquisa intervenção. (PASSOS, 2010. p. 31).
Por enquanto, essas são as análises pertinentes à apresentação da pesquisa e de sua necessidade urgente, não somente no campo das artes, mas também, na
interdisciplinaridade resultante do possível estudo sociológico, antropológico e político que possa surgir desses encontros. A prática da Cartografia Cariri e sua
pesquisa-intervenção de campo são então postas em funcionamento, e consistem exclusivamente em três etapas, podendo que se repita a segunda indefinidas
vezes, são elas: pré-produção, produção e pós-produção.
Metodologia
Há então, uma sequência a ser seguida pelos integrantes do grupo, visando um maior entendimento do processo em si e do objeto de estudo, que, nesse caso,
são artistas. Para que o caráter interdisciplinar desta pesquisa seja mantido o máximo possível, mesmo conscientes das limitações próprias da teoria da arte em
relação a um estudo de real valor antropológico, sociológico e político (GELL 1998), é necessário que haja total dedicação (tempo) para chegarmos o mais próximo
que pudermos desta meta. Para isso os artistas entrevistados devem ser analisados também como uma “obra de arte” em si, entende-se que assim seja maior a
possibilidade de alcançar a multiplicidade de informações para que estas agreguem conhecimento substancial aos valores de cada disciplina citada acima.
Na verdade, qualquer coisa poderia ser tratada como objeto de arte do ponto de vista antropológico, inclusive pessoas vivas, porque a teoria da
arte antropológica (que pode ser definida aproximadamente como “as relações sociais na vizinhança de objetos que atuam como mediadores de
agência local”) se encaixa perfeitamente na antropologia social das pessoas e de seus corpos. (GELL, 1998. p. 11).
Pré-produção (etapa um)
São realizadas reuniões, discussões e estudos in loco, ou seja, dentro da universidade ou na residência de algum participante ativo do grupo de pesquisa. Nestes encontros, além de discussões das mais variadas em relação ao estudo da História da Arte do Brasil, do Ceará e mais especificamente, do Cariri (objeto de
estudo), são analisados tanto os teóricos que servem de referência e instrumentação para esta cartografia, quanto outros escritos que podem abranger diferentes
temáticas, sejam elas: História, Sociologia, Artes Visuais, Teatro e Política. Nas reuniões, além de discussões acerca dos temas citados anteriormente colocando- os em relação com a região, numa visão macro e micropolítica, também são postos em pauta os possíveis entrevistados, sua vida, obra, época e referências.
Obviamente, esse não é um trabalho de fácil apreensão, pois é enorme a dificuldade em obter relatos ou material em qualquer formato sobre os nossos conterrâneos. Este fator não diminui a motivação da pesquisa, pelo contrário, este é o maior estímulo para que sigamos com ela.
Prosseguimos por meio de telefonemas e comunicações virtuais com os mesmos, com pessoas do seu meio, sua família, ou com qualquer outra fonte que possa
agregar informação chave para elaboração de um questionário específico para cada convidado. Dito questionário serve apenas como uma bússola para que a
entrevista possa render o mínimo de informação possível a partir da experiência de cada um, pois há uma grande variação no perfil de cada entrevistado. Após a
contextualização do artista no seu tempo e sua respectiva área de produção, após a leitura de suas obras e do material que possa ser obtido, discutimos questionamentos pertinentes que possam ser aplicados em forma de perguntas. Tomamos como exemplo para a formulação destas perguntas o modelo inserido no roteiro
de indagações, presente no relatório final da Cartografia Sentimental de Suely Rolnik (2011), onde são oferecidas notas e opções de questionamentos que deixam
ao entrevistado vazão para respostas subjetivas e com amplo espectro de resultado, pois não é nosso intuito o registro de caráter apenas biográfico ou crítico.
Quando conseguimos formular esses questionamentos, explorar o possível da produção de cada artista, contextualizá-la com as teorias de base e com as necessidades investigativas do grupo, passamos à segunda etapa onde é feita a coleta em campo, em um encontro direto com o espaço, as obras e o próprio en169
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
trevistado, produzindo um agenciamento que é o ponto principal de nossa cartografia. Tal agenciamento “é precisamente este crescimento das dimensões numa
multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões.” (DELEUZE; GUATTARI, 1995. p. 5).
Produção (etapa dois)
Com os encontros agendados previamente e as discussões de certa forma pré- estabelecidas, seguimos a um local escolhido por nós para uma última reunião
antes do encontro com o convidado. Tendo em vista que não se desenvolve uma pesquisa cartográfica com base em um protocolo restrito, ou seja, “não mais um
caminhar para alcançar metas pré- fixadas (metá-hódos), mas o primado de caminhar que traça, no percurso, suas metas” (PASSOS, 2010. p. 17) nos permitimos
uma pausa para repensarmos o questionário já montado de acordo com nossas mais recentes observações e vivências, visando aprimorar a pesquisa segundo
o momento atual e as suas condições em última instância. Todo trajeto acarreta suas próprias características; seja a temperatura, o tráfego, nossas vestimentas,
o peso do equipamento, as distâncias, tudo isso conflui em nossa condição física e psicológica, afetando positiva e negativamente nosso encontro, e de passo,
a entrevista.
Fazemos uso de equipamento audiovisual para uma melhor coleta dos dados, e em formato de documentário realizamos a entrevista sem cortes, permitindo que
o convidado possa responder as perguntas e falar abertamente sem preocupações com a câmera ou com o tempo. É notável que as condições dos locais como
a acústica, a presença de terceiros, ruídos, influenciam diretamente no regimento das reportagens. Essa interferência ocorre em ambos os lados podendo alterar
consideravelmente o ânimo dos envolvidos. As entrevistas transcorrem no tempo em que cada artista dispõe para os pesquisadores, podendo variar bastante de um
para outro, dependendo então, da agenda, empatia e acessibilidade de cada um. Nestas condições cria-se uma diferenciação entre o tempo necessário e o tempo
registrado, fazendo com que as indagações se tornem mais direcionadas aos questionamentos pertinentes a cada participante, seja ele artista ou pesquisador.
São comuns a todas as sessões perguntas biográficas referentes à vida artística, acadêmica, amorosa, familiar e o que mais surgir dentro desse contexto. É nesta
fase onde se estabelece um contato mais íntimo entre o artista e os pesquisadores, pois é notável o interesse dos mesmos em relatar sua história. Estabelecida
essa conexão adentramos em discussões de cunho político, social, histórico, regional, o que nos possibilita situá-los em contextos mais amplos, conectando-os
entre si, e, a partir dessa análise, formam-se as linhas imaginárias e interligáveis de nossa cartografia.
No decorrer dos encontros surgem sempre novos nomes de artistas de diferentes ramificações, tanto da cena atual como de épocas mais remotas, até então
desconhecidos pelo grupo. Essas indicações são sempre muito bem-vindas, pois a partir delas que podemos lançar novas linhas de pesquisa, e assim preencher
nossa agenda, o que caracteriza que nossa pesquisa é contínua, espiral, mutável, sem início e nem fim.
Pós-produção (etapa três)
Terminada a entrevista, material guardado, agradecemos ao entrevistado pelo tempo
que foi disponibilizado e acordamos em apresentar-lhes o material captado o mais breve possível, inclusive antes de sua divulgação. O grupo reúne-se mais uma
vez para assistir ao vídeo gravado, onde será analisado com maior critério o resultado dos questionamentos aplicados. É nesse momento que são feitas as devidas correções, adaptações e reformulações no programa estipulado anteriormente. Tais mudanças normalmente geram grande discussão entre os participantes
que estiveram presentes na entrevista, e até mesmo os que não, sendo isso de grande interesse, pois valida tanto o registro audiovisual como produtor de discussão, quanto o caráter democrático do grupo de pesquisa. Levando em consideração todas as opiniões expressas na reunião partimos à análise do real valor
cartográfico das perguntas contidas no primeiro questionário, sendo esse reformulado a partir dessas observações. Por isso torna-se inevitável a transformação
das perguntas antes desenvolvidas, devido às melhores condições críticas, resultado da primeira expedição. É possível que se faça necessária uma nova composição do questionário, se afirmativo, nos comunicamos com o mesmo convidado em busca de um novo encontro, pois diferentemente de um simples catálogo
ou mapeamento, uma cartografia se alimenta, pois, dessas reuniões e das dúvidas e perspectivas múltiplas que venham a surgir. Deste modo, faz-se constante
um retorno a segunda etapa (produção), já que segundo as Pistas do Método da Cartografia possa-se ler:
O caminho da pesquisa cartográfica é constituído de passos que se sucedem sem se separar. Como o próprio ato de caminhar, onde um passo segue
o outro num movimento contínuo, cada momento da pesquisa traz consigo o anterior e se prolonga nos momentos seguintes. (PASSOS, 2010. p.59)
Resultados e discussão
O principal resultado que obtivemos foi maior que qualquer dado, mapeamento ou o documentário em si. Para o grupo, o mais importante dentre a matéria alcançada são as discussões em torno da história e da cultura regional, que nascem dessa pesquisa e vêm preenchendo lacunas que proporcionavam grandes dúvidas
em relação a esta disciplina no contexto caririense. Entre os artistas convidados, geralmente, é explícita a insatisfação e o repúdio às falhas e à indiferença por
parte dos governantes e das instituições privadas, em relação à arte e à cultura do Estado, sendo estas falhas ainda mais acentuadas quando se trata de um
local interiorano. Também foi detectado no decorrer da pesquisa o pouquíssimo conhecimento sobre a história da região adquirida por nós (pesquisadores), como
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
também por uma parcela dos entrevistados, déficit esse atribuído por nós ao âmbito escolar e sua frágil proposta educacional. Tal aprendizado só está sendo
possível finalmente no ensino superior, e mais, enquanto pesquisadores desta cartografia e integrantes deste grupo de pesquisa.
Ao longo do processo, quando questionados sobre suas referências pessoais, e influências em seu trajeto artístico, constatamos que muitos dos convidados
possuíam em seu acervo imagético alusões às diferentes áreas da realização artística. Queremos dizer com isso, que um artista de uma determinada área de
produção cita com frequência outros artistas de áreas díspares da sua. Fotógrafos são influenciados por artesão, poetas por pintores, performers por atores, entre
outras conexões. Assim constatamos na prática a real multiplicidade das representações conectáveis e a construção dos rizomas entre corpos, tão anteriormente
discutidas in loco, nos momentos em que estávamos ainda nos banhando na teoria deleuziana.
O aumento do trabalho é algo constante na práxis da cartografia, pois a cada sessão os entrevistados citam um grande número de artistas da cena contemporânea
e popular, o que gera, consecutivamente, mais pesquisa. A inclusão do Cariri na História da Arte do Estado do Ceará, a (re)descoberta de artistas, estilos, escolas e pensadores contemporâneos são frutos do aperfeiçoamento do método que usamos para a pesquisa. As relações entre os artistas e suas obras resultam
assim na criação de mais e mais rizomas. Há então, uma pluralidade de rizomas a serem conectados e constatados, aumentando assim consideravelmente a
necessidade de tempo para uma realização justa desta cartografia. A problematização de gênero (que também abordamos na pesquisa) e os relatos de violência e
preconceito, a discriminação vivida e denunciada pelos próprios artistas por parte de instituições privadas que financiam cultura e arte, a falta de espaço operante
para produção artística contemporânea, a falta de recursos que deteriora a arte popular, são os principais problemas apontados pelos entrevistados. Logo, retornamos ao início deste artigo, onde indicávamos que partíamos da falta em geral, verificando então na prática que esta falta não é exclusiva do âmbito acadêmico,
e sim um problema crônico do estado brasileiro. Por fim, é sem dúvida, um dos maiores resultados percebidos nesses meses de pesquisa, a re-identificação e o
reconhecimento das fronteiras imaginárias sociopolíticas presentes na região, como por exemplo, a famosa rixa entre as populações das três principais cidades
da região (Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha) ou a falta de uma política pública que possa permitir uma maior união das mesmas.
O material documentado, resultante dos encontros, será disponibilizado em diferentes momentos. Em curto prazo alimentará (com prévia autorização do entrevistado) nossas páginas nas redes sociais, onde serão carregados os depoimentos de maior relevância cartográfica2. A partir dali, poderão entrar contato conosco:
artistas, estudantes e a população em geral, opinando e interferindo sobre o conteúdo disposto, causando reformulações nos resultados já obtidos, inclusive
servindo como fonte para novas pautas. Em médio prazo, serão contatados os meios de comunicação abertos à população, como canais televisivos, revistas e
jornais, como também eventos acadêmicos, tais como Simpósios, Encontros, Congressos. E em longo prazo, a produção de compêndio e/ou material apto para
o ensino da História da Arte do Cariri.
Referências Bibliográficas
DELEUZE, G., GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol.1. São Paulo: Editora 34, 1995.
FILHO FIGUEIREDO, J.S. História do Cariri. Volume I. Fortaleza: Edições UFC, 2010.
GELL, A. Definição do problema: a necessidade de uma antropologia da arte. Em: Revista Poiésis, n 14, p. 245-261, Dez. de 2009. Td: Paulo Henriques Britto.
KASTRUP, V., PASSOS, E., ESCÓSSIA, da E. (Orgs.) Pistas do método da cartografia: Pesquisa – intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre:
Sulina, 2010.
MACHADO, J.A.G. A História da Arte na encruzilhada. Em: VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 24, no 40: p.523-530, jul/dez 2008.
PINHEIRO, I. O Cariri: seu descobrimento, povoamento, costumes. Fortaleza: FWA, 2009.
ROLNIK, S. Cartografia sentimental. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2011.
ROLNIK, S. Uma insólita viagem à subjetividade: fronteiras com a ética e a cultura. Disponível em: www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/viagemsubjetic.pdf
ROLNIK, S. Pensamento, corpo e devir: Uma perspectiva ético/estético/política no trabalho acadêmico. Em: Cadernos de Subjetividade, v.1 n.2: 241-251. Núcleo
2 www.facebook.com\cartografiacariri
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de Estudos e Pesquisas da Subjetividade, Programa de Estudos Pós Graduados de Psicologia Clínica, PUC/SP. São Paulo, set./fev. 1993.
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Anexos
Imagem 1 - Acervo da Associação de Artesãos de
Juazeiro do Norte e do Centro de Cultura Mestre Noza.
2014. Foto: Diego Linard.
Imagem 2 – Com qual máscara vou hoje?
Andréa Sobreira. 2013. Foto: Diego Linard.
Imagem 4 – Exdrógeno: Bartira Dias e Edilson Melo.
2013. Foto: Diego Linard
Imagem 3 – Água pra que te quero. 2012.
Foto: Nívia Uchôa.
Cristina Atonioevna Dunaeva , Universidade Regional do Cariri; História Contemporânea das Artes Visuais: Cartografia Cariri.
e-mail: [email protected]
Diego Marcos Linard Tavares , Universidade Regional do Cariri; História Contemporânea das Artes Visuais: Cartografia Cariri.
e-mail: [email protected]
Edilson Militão de Melo Filho , Universidade Regional do Cariri; História Contemporânea das Artes Visuais: Cartografia Cariri.
e-mail: [email protected]
172
Índice
Index
Início
Start
PESQUISA SOBRE ARTE E SEU ENSINO, ANOTAÇÕES INQUIETAS
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Lucimar Bello P. Frange
Ter nadado quilômetros em universo vazio.
Clarice Lispector
Arte não é atividade, é experimentação, é partilha do sensível, é processo simultâneo de agóras – aqui-já (hojes, lugares), de ontens (memórias, situações, passados atualizados), de amanhãs (futuros, desejos-desejáveis). O estado contemporâneo é uma agitação da estrutura,, enquanto na modernidade havia rupturas
e/ou continuidades. O mercado divide produtores e consumidores, a recepção é apreendida ou não, escapa, se é que existe... Na atualidade, todas estas fronteiras estão borradas, há que se pensar em “estados da arte e os seus efeitos” em que me nós atuam, quer sejamos artistas ou não. O presente é fugaz, habitado
pelo “agora-aqui- ontem-amanhã” e os instantes intervalares, entre cada um, e entre cadaUmDeMuitos. Arte são práxis, experimentações poiéticas colaborativas,
quilômetros de natação em universos vazios, no entanto, cheios de potências e de potencialidades singulares e plurais na diversidade. Da adversidade vivemos
(Mário Pedrosa). Nestas anotações inquietas, tomo a rua como lugar im.pessoal – lugar de muitos em ações-colaborativas. Tomo a “obra de arte” como lugar de
pracialidade(S) entre silêncios e tumultos. Tomo o silêncio como aconchego de subjetivações inter-cambiadas, contaminadas. Tomo o tumulto não como túmulo,
mas como fluxos de invenções, quer de belezas, quer de fealdades. O mundo é exageradamente belo (Yves Michaud). Concordo com esse pensamento, mas
vivemos um imperativo do “belo”, vivemos num mar de fealdades, com as quais somos obrigados a conviver; há uma des.estetização do objeto e da arte. Ao mesmo tempo, se incorporam na arte, as camadas de sensações, de arranjos, de pensamentos que vão além dos objetos do cotidiano e além do que conhecemos,
sabemos, aceitamos e acreditamos. A arte é perguntação, suspeita, fresta de ser e de estar no mundo em experimentações do cotidiano. Não há um “fim da arte”
e nem um “fim do objeto”, apenas mudanças, contaminações, regimes superpostos gerando inesperados. O conteúdo é visão fugidia, olhada passageira, apego de
perda imediata para conexões outras. Convivemos na arte atual, com as passagens da substância para os procedimentos. A arte é volátil, vapor, estado gasoso.
A recepção abarca a distração e a distância entre pessoas, coisas, ambientes. Temos que viver os efeitos das experimentações ao invés de apenas as fruições.
Arte é presença-frágil de/e entre estéticas e estesias – as sensações, além das percepções. São necessárias buscas incessantes de invenções de “fórmas”, advindas das “fôrças” do mundo, presentes e constantes a nos atirarem para muitos lugares e exigir “estados de invenção”. Vivemos hoje uma crise do “comum”,
constatação evocada por vários autores contemporâneos, Toni Negri, Giorgio Agamben, Paolo Virno, Jean-Luc Nancy, Maurice Blanchot. As formas que pareciam
garantir aos homens um contorno comum, e asseguravam alguma consistência ao laço social, perderam sua pregnância e entraram definitivamente em colapso,
desde a esfera dita pública, até os modos de associação consagrados, comunitários, nacionais, ideológicos, partidários, sindicais (Peter Pal Pélbart). O “comum”
hoje, escorre... Encontrar não é colidir, é experimentar a distância que nos separa e nos mantem juntos e separados, inclusive de nós mesmos.
Tomemos nesse texto, “vadio, branco, silencioso, vazio”, a metrópole, a pólis como sub.Espaço e a rua como Espaço-Praça a acionar “estados de pracialidades”,
todos como sínteses de lugares. Para Milton Santos, tudo começa com o conhecimento do mundo e se amplia com o conhecimento do lugar, tarefa conjunta que
é hoje tanto mais possível porque cada lugar é o mundo. Daí advém uma possibilidade de ação, e de múltiplas diferenças. A praça é importante espaço para os
encontros de/e na esfera da vida pública. Consideramos a praça um lugar simbólico, político, cultural essencialmente voltado para os encontros- acontecimentos. A
praça como espaço não é apenas forma ou paisagem, cenário ou palco para as ações humanas. A praça é um conjunto indissociável entre um sistema de objetos,
de ações, de invenções de pessoas e suas inter-relações, intra, entre, inter-culturais. Podemos formular uma categoria de entendimento do lugar, qual seja, a da
“pracialidade”: um “estado de praça”, uma prática espacial específica. Pracialidades são concretudes, existências que se situam no tempo-espaço, participando
da construção e das metamorfoses da esfera da vida pública (QUEIROGA).
Arriscar-se-ia toda só.
Clarice Lispector
A arte é nua tal qual uma rua deserta em domingo de feriadão. A performance Corpo contra Conceito, de Maria Eugênia Matricardi, do Grupo de Pesquisa Corpos
Informáticos, da UNB, mostra essa “rua” do encontro-acontecimento. As ruas citadinas tem sido habitadas pela violência. Matricardi nos atira à beleza-feiura de
suas ações, corpadas e co-corpadas na rua, em público, fazendo que se atritem o que chamamos, indevidamente de “público” e de “privado”, de arte e política, de
polis e poiésis, de estéticas e estesias. A esfera pública é território de fabricações de vida(s) friccionada(s). Maria Eugênia per-forma co-corpando atos, situações,
acontecimentos estéticos, estésicos, inter-culturais, produz “cada lugar é o mundo”, nos convidando a nele entrarmos.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Atribuir-se natureza vegetal aos pregos para que eles brotem nas primaveras...
Isto é fazer natureza. Transfazer.
Manoel de Barros
Ricardo Basbaun, artista multi-media, pesquisador e professor, cria o NBP – Novas Bases para Personalidade, aliando uma ideia e a vontade de trabalhar com
um projeto-núcleo a agregar inesperados, desdobra, revira e redobra, incorpora a linguagem, o discurso e suas derivações. NBP é uma redução a três letras
reversíveis uma n’outra, fáceis de memorizar, sons gostosos de dizer e de escutar. Contem a ideia de contaminação, vinda dos anos 80, de Gilles Deleuze, Felix
Guattari, Jean Baudrillard, com referências à ciência, filosofia, arte, vários autores, campos e conteúdos. NBP se propõe e faz acontecer encontros com as distâncias, aciona experiências e modos de agregação, assim como modos de circulação. NBP são como pregos a fazer brotar primaveras em distâncias inesperadas. NBP são ruas e acionam “aqui-agóras-ontens-amanhãs” de encontros-acontecimentos, transfazendo mundos e imagens n’outras. O trabalho de arte, para
Basbaun, pensa e faz pensar.
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O objeto-projeto é encaminhado a uma pessoa ou grupo, após resposta à pergunta: Você gostaria de participar de uma experiência artística? NBP foi pensado e
criado entre 1989 e 1991, é um nicho prévio de reflexão, provocação e compar-trilhas inquietas. O que fazer com isso? A partir de 91, anda pelo mundo. Foram
realizadas 170 experimentações em cidades, países e lugares diferentes, incluindo a 12a. Documenta de Kassel, na Alemanha. Cito alguns:
em Rio Branco – o batuque obtido com a própria peça. Na Casa das Artes da Mangueira, o NBP é revestido de verde-e-rosa, serve como tanque para lavar roupa.
Elaine Tedesco (artista gaúcha), não sabia o que fazer com aquela peça branca retangular, com furo no meio, remetia a Eu e você, também de Basbaun. Na Cidade do México, o Laboratório 060 expõe a dúvida: a experiência do confronto com a peça: Giramos em torno do objeto, viramos o mesmo de cabeça para baixo,
ficamos olhando para ele em desespero. Poderíamos vendê-lo num mercado de pulgas e passar o problema para um comprador desavisado. Conceitos invisíveis,
manipuláveis, dificuldades, efeitos do deslocamento, ausência de função, diálogo ou não com o propositor, são vieses que permeiam o work in progress de Basbaun. A ideia não é utilizar a peça, mas registrar a experiência através de textos, fotografias, videos. Em alguns casos, participantes tiraram o objeto de circuito,
como Jorge Menna Barreto, em Porto Alegre, ou o coletivo Vaca Amarela, de Florianópolis, entregando-o ao Museu de Arte de Santa Catarina. Ao entregar o NBP
ao Museu, o coletivo tirou o objeto de circulação, o artista foi a Florianópolis resgatá-lo e, novamente colocá-lo em circuitos outros. A autonomia sobre a obra de
arte foi colocada em xeque. Ao recebermos o NBP, tínhamos o poder total sobre ele e isso fazia parte das regras do jogo. O coletivo subverteu as regras desse
jogo, guardando a cópia autenticada em cartório, do recibo de doação da peça ao museu. Insistiam na “legalidade” do jogo, apesar da subversão...
“eu-você: coreografias, jogos e exercícios”, é outra série de Basbaun, a das “conversas- coletivas” - é um trabalho person-specific, e não site-specific, mostrado
e experienciado na 30a. Bienal de São Paulo, em 2013. Poderíamos pensar Corpo como conceito, no sentido de person- specific? De que modos friccionamos
arte e ensino de arte, a partir dos percursos dos artistas aqui trabalhados? E de suas obras: Corpo contra conceito e NBP?
Arte não é significar. Arte é tensão entre o que sabemos, o que nos faz saber, o que gostaríamos de saber, o que é imposto a sabermos, o que é imposto a sermos. Arte é encontro de distâncias, acontecimentos, situações em atos criatíveis que não terminam e nos atiram a buscas, nos atiçam sem cessar, sem descanso,
sem pausa, sem paúra. A arte não é o lugar da realidade, Valtércio Caldas. Arte é a dúvida da realidade, Ana Teixeira. Encontros, performances inventivas na arte
com/e na vida. Arte na contemporaneidade são contaminações entre campos de saberes, pessoas, encontros-acontecimentos. Tanto nos trabalhos de Matricardi
quanto de Basbaun, a experimentação só se faz acontecer na rua, em “estado de pracialidade”, no qual venho trabalhando e tentando dar consistência a um
pensamento vibrátil nada estancado em significações, muito menos em conteúdos edificantes. Tudo se faz no encontro dos corpos, os corpos não são mobílias
(Regina Favre). Os trabalhos de Basbaun, Matricardi e dos artistas, nesse texto, estão no campo do arriscar-se-ia toda só e arriscar-nos-íamos todos nós.
Arte não é informação. Arte é formação corpada e co-corpada (Regina Favre, em Laboratório do Processo Formativo e Stanley Keleman, em Viver o seu morrer).
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Corpar é dar corpo à experiência, trabalhar junto para atualizar a sua forma, a sua narrativa, os modos vinculares, fazendo presença e promovendo sustentação
junto a campos corpantes, com as pessoas e os ambientes. Inter-invenções atualizadas sem cessar. Corpar é gerar corpo, o ato de dar corpo ao que chamamos
de “corpo físico”, “corpo emocional”, “corpo sensação”, “corpo forma” que na arte, na literatura, na criação, produz matéria criatível. Corpo é vertigem, voragem,
vortex, segundo Hélio Oiticica, em Aspiro ao grande labirinto. Estar vivo é estar encarnado na matéria. Em arte, usamos o termo matéria, vinda das transformações e fabricações de materiais ou de aspectos imateriais. Esses estão todos carregados de um corpo que pensa e pulsa, inquieto, com densidades acumuladas
de etnias, culturalidades, estrangeiramentos. Somos estrangeiros de nós mesmos. Podemos dar forma ao inexistente, escorregadio, passageiro, volátil, mas que
vigora e “tira o chão”. Morrer é abrir mão da forma. Para que exista o ato de criação são necessárias grandes e pequenas mortes. Mortes bizarras, ceifadas, maduras, brandas. Atos de criação se efetivam a partir do que essas mortes suscitam, pedem passagem, nos obrigam a dar-lhes existência, mesmo que gasosas.
Criação-vapor(es) são pulsações de um corpo-coletivo-compartrilhado de impulsos como um oceano-furacão. Arte é formatação da carne, da vianda (Deleuze
analisando a obra de Francis Bacon). Viver sobe e desce, entra e sai, escorrega, desanda e solidifica, congela e expande, amplia e contamina. Arte são jornadas,
rituais de passagens, de estados do ser aos estados de incertezas e dúvidas vorazes. Cada virada é a resolução de uma perda e um encontro com o desconhecido. A morte-criação é o ultimo insulto. As viradas suscitam raiva, dor, excitação, mágoa, euforia, densidades, estados intensivos, limites se formam, des-formam
em outros limites que gravitam ao entorno. As viradas são caldeirões criativos de vida, não existem viradas sem finalizações, sem perdas. A excitação é a cola
que nos liga ao mundo. Balkan Barroque, de Marina Amabrovic, as Xipófagas Capilares de Tunga, a performance One Year Performance de Tehching Hsieh, a
performance Pelos pelos de Mariana Brites e Alexandra Martins, do Grupo de Pesquisa, Corpos Informáticos, são colas de mundos a nos atirarem para lugares
outros, indecisos, intensos de criação, sem o peso da “significação”, sem o peso do “sentido a ser dado”. Balkan Barroque, performance realizada na Bienal de
Veneza (1997). Durante 3 dias, Marina raspava uma montanha de ossos de animais, cheios de sangue e cantava ladainhas e queixas, celebrando sua pertença
a um país dilacerado por sucessivas guerras. Em One year performance, Hsieh se aprisiona em cela de metal, registra em relógio de ponto, hora-a-hora, sua
presença e faz uma foto. Raspa a cabeça quando começa, o cabelo cresce. O trabalho gera um video da superposição de todas as fotos, os cartões marcados e
fotos da performance em vários dias e momentos. Esses são trabalhos com intensidades de Encontros-Acontecimentos e pensamentos inquietos, a nos des.a.locarem do sabido e do situado. Excitação é a força que conecta sexo e morte. O desamparo é a dor básica da vida. O sacrifício é uma característica do processo
formativo em nós, portanto na arte também. Somente através de uma trajetória podemos perceber, ver, visibilizar os processos de criação de um artista. Arte é
presença-criatível que trans-forma, além da “fórma”. Pelos pelos é performance, manifestação de rua e des.organização necessária, política. Recorto parte de um
texto de Maria Beatriz (Bia) Medeiros, que conversa com Amselek, Lacan, Derrida, Agamben e Rancière, discute o início: aisthesis, tohu-bohu ou linguagem? Real
ou realidade? A performance não é ficção nem representação. Ela não apresenta, ela presenta, presentifica, torna presente algo que antes não estava posto. A
arte pode ser ficção. A performance à qual nos referimos não é ficção: ela joga na cara o real irredutível a representações... O objetivo desses eventos é reunir,
agrupar, conectar artistas, grupos de performance e pensadores em arte contemporânea para agir na cidade, interagir entre si, mas naturalmente também pensar
a performance como potência política: arte da performance como ação política nas cidades reais (físicas) e virtuais (na rede mundial de computadores). As ações
efetuadas durante esses eventos foram certamente agentes de política, mas pouco se ouviu falar sobre política.
Para que se possa aprofundar a presença é necessário mergulhar no plano do acontecimento, que é o estado de coisas em seus devires e ambientes dentro de
ambientes. O corpo é também devir. A matéria é também devir. A arte é também devir. Acontecimento é contemporâneo às ações de um corpo que modela seu
prosseguimento, é o fora, o dentro e o fora do fora, em sua interação e simultaneidade. O acontecimento é uma configuração temporal, é feito de simultaneidades,
muitas camadas, ecologias físicas, afetivas, sociais, antropológicas, culturais, históricas, tecnológicas, políticas, de poderes e valores. Podemos chamar o acontecimento de campo corpante – bodying-field, expressão de Stanley Keleman (em Anatomia Emocional), e de Regina Favre (nas ações do Laboratório do Processo
Formativo). Temos um número imenso de variações, mas são variações das “fórmas” contemporâneas ao acontecimento, escultura anatômica em camadas de
uma história formativa, pedindo “fórmas”.
Arte não é vida consciente. Arte é inquietude, dúvida, transgressão. Arte não cria vida. Arte produz corpos viventes em ações constantes, compar-trilhadas. Arte
é rede de afetos e de afecções, escritura coletiva de artistas e de pessoas em comunidades flutuantes, co-autores, cúmplices de narrativas textuais, verbais, sincréticas, objetos, proposições, dúvidas. Arte é sensação mais do que percepção, sensação como “fôrças” do mundo mais do que “fórmas” no mundo.
No texto Furor de arquivo, Suely Rolnik diz haver uma verdadeira compulsão de arquivar na arte contemporânea – coleções de arquivos. Pergunta ela: quais seriam as políticas do inventário, do ponto de vista técnico e dimensões poéticas, gerando dispositivos para ativar experiências sensíveis no presente? Que poéticas
inventariadas são estas? O que consiste inventariar poéticas e o que isso diferencia de inventariar objetos e documentos? Um furor de arquivar, desejo, contextos,
situações? Nas obras citadas no presente texto, quais são as camadas de arquivos nelas presentes? De que modos acionamos em nossas ações estéticas- educativas esse furor de arquivo, as contaminações entre áreas de conhecimento, as inter- culturalidades?
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Arte não é metáfora (Luís Orlandi). Artes visuais são concretudes, compreendem o assunto ou tema, as interligações com a(s) história(s) da arte e várias áreas
de conhecimento e a fatura, agrega dispositivos de agregação e dispositivos de circulação (Franz Manata). As imagens não são apenas visuais, são e acionam
histórias, contaminações, carnes experimentadas no corpo e nas frestas de sensações entre elas. A carne-vianda são corpos singulares e plurais. _Sinto um
cheiro. Imersa nele, lembro minha mãe, choro de saudades. A saudade imagem chora em mim. Faço DesenhosChoros.
Arte não é constatação, dedução, significação. Arte é estar em estado de arte, segundo Suely Rolnik (no catálogo: Da obra ao acontecimento; somos o molde,
a você cabe o sopro). O artista-pesquisador-professor é esse ator em estado de arte, provocando estados de arte, colaborativos e compar-trilhados. São experimentações com o vigor e o furor de, ao fazer vadiagem com letras e pensamentos, posso ver quanto é branco o silêncio do orvalho (Manoel de Barros).
Bibliografia
AMARAL, Lilian. Interterritorialidade, passagens, cartografias, imaginários. In: Anais do 23o Encontro Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Cachoeira, 2010.
ANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível, estética e política. São Paulo, Ed. 34, 2005.
BARROS, Manoel de. Livro de pré-coisas. Rio de Janeiro, Record, 2007.
__________________. Retrato do artista quando coisa. Rio de Janeiro, Record, 2007.
BASBAUN, Ricardo. Cica & sede de crítica. In: BASBAUN, Ricardo (org). Arte contemporânea brasileira. Rio de Janeiro, Rios Ambiciosos, 2001.
_________________. Além da pureza visual. Porto Alegre, Zouk, 2007.
CAUQUELIN, Anne. A arte contemporânea. Porto, Rés-Editora, s.d.
FRANGE, Lucimar Bello P. Cidades Desenhantes, um desnorte. In: Anais do 23º Encontro Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Cachoeira, 2010.
KELEMAN, Stanley. Viver o seu morrer. São Paulo, Summus, 1997.
LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro, Rocco, 1989.
MEDEIROS, Maria Beatriz. Performance, charivari e política. In: Revista Brasileira de Estudos da Presença. Porto Alegre, UFRGS, 2014, v.4, n.1.
MICHAUD, Yves. El arte en estado gaseoso. México, FCE, 2007.
PAL-PÉLBART, Peter. Como viver só. In: 27ª Bienal de São Paulo; seminários. Rio de Janeiro, Cobogó, 2008.
QUEIROGA, E. A megalópole e a praça: o espaço entre a razão e a ação comunicativa. Tese de doutorado. São Paulo, FAU/USP, 2001.
SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo, Hucitec, 1994.
Bia Medeiros - www.seer.ufrgs.br/index.php/presenca/article
Corpos Informáticos – www.corpos.blogspot.com
Maria Eugência Matricardi – www.performancecorpopolitica.net
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Mariana Brites e Alexandra Martins – www.performancecorpolitica.tumblr.com
Marina Amabrovic – www.tramasdocafecomleite.files.wordpress.com
Regina Favre - www.laboratoriodoprocessoformativo.com
Ricardo Basbaun – www.nbp.pro.br, www.revistacarbono.com/artigos/02carbono-entrevista- ricardo-basbaum, www.bienal.org.br
Tehching Hsieh - www.tehchinghsieh.com
Tunga – www.tungaoficial.com.br/pt/trabalhos/xifopagas-capilares
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Índice
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ARQUIVOS IMAGINÁRIOS: ARTE, FOTOGRAFIA E PROCESSOS INVESTIGATIVOS
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Rubens Venâncio
Universidade Regional do Cariri (URCA) | Instituto da Fotografia (IFOTO) | Grupo de Discussão em Arte e Sociedade (GRUDAS-URCA)
A foto é muito mais um produto que questiona o visível do que um objeto que o dá.
(SOULAGES, 2010, p.105).
A provocação: pedi aos estudantes1 que visitassem gavetas, pastas, armários, em busca de seus álbuns de família. O encontro com esses arquivos fotográficos,
independentemente da natureza do contato – surpresa, alegria, susto, desagrado –, é que daria o tom à criação e desencadearia as narrativas.
A partir das fotografias selecionadas e após uma apresentação e discussão do que foi encontrado, os estudantes desenvolveriam formas de modificar o original
fotográfico, tendo em vista seus percursos poéticos, seguindo um roteiro imaginário criado para entrelaçar suas memórias às suas trajetórias, dentro da fotografia
e da arte.
As atividades de modificação dos arquivos fotográficos foram realizadas em sessões agendadas para que os alunos trouxessem todos os materiais e instrumentos
necessários – encontros que na verdade funcionaram mais como detonadores, tendo em vista que os trabalhos de alguns se prolongaram para além das aulas,
orientando-se pela intensidade da criação.
Ao final do semestre, os trabalhos produzidos foram apresentados numa exposição coletiva pensada e organizada pelos alunos e por mim, onde tanto o momento
da edição do material a ser exposto como o da escolha do suporte foram fundamentais para compreender o momento da exposição como espaço para a construção de significados que, de uma forma ou de outra, permeiam toda a experiência fotográfica.
Quando os retratos são os personagens...
A forma particular como se deu a aproximação com os álbuns de família foi um importante momento para entender os aspectos de criação, na medida em que estes
eram influenciados pelas lembranças que iam surgindo. Um momento particular que me fez entender que a forma de reencontro com essas imagens da intimidade
familiar deixa transparecer aspectos, traços das intervenções artísticas efetuadas. Acreditando que os tipos de contato (da ordem do afetivo, emocional) estabelecidos são importantes dentro do processo investigativo, valho-me momentaneamente do álbum de Elisa Lispector e de seu trabalho de “encenação da memória”.
Nesse livro (2012), Lispector tem relatado com especial sensibilidade, uma história interrompida sobre seus antepassados: um dia decidiu escrever a história do
álbum de fotografia de sua família e apresentá-los, “Esta é a história que conta: a história do ‘ver o álbum de família’” (GOTLIB, 2012, p. 59).
O título escolhido para essa empreitada íntima e imaginativa foi “Retratos antigos”. Nas vinte e oito páginas datilografadas que restaram, Elisa, ao mesmo tempo
narradora e pessoa que habita as histórias – ou habitadas por elas –, cria uma narrativa onde o fluxo das lembranças é dado pela visualização das imagens, pelas
intensidades da experiência do olhar e da imaginação, que faz Elisa chegar ao ponto de evocar pensamentos e histórias a partir de imagens ausentes:
Entretanto, estranhamente a primeira pessoa que ocupa o meu pensamento nem figura no álbum. E não apenas eu não tenho fotografia dele, como
ninguém a possui. Seu retrato simplesmente inexiste. Mas é a personalidade dele que me fascina.
Trata-se do meu avô Shmuel. O avô Shmuel jamais permitiu ser retratado, em observância ao preceito religioso que proíbe a reprodução da figura
humana. (LISPECTOR, 2012, p. 87).
Os retratos vão se conformando como atores principais de uma “memória encenada” (GOTLIB, 2012, p. 61) página a página, personagens de uma narrativa que
só se deixa aparecer pela fabulação de quem conta história, repleta de concretude e da encenação do contar-lembrar.
Ao contemplar uma plasticidade diferente desse álbum de família russo e ler sobre as tramas dessas memórias, fui influenciado e tive algumas ideias aqui organizadas que me ajudam a pensar a produção pictórica dos estudantes, bem como a figuração dos arquivos fotográficos na experimentação artística. O que há entre
o biográfico e o ficcional? Onde o primeiro se dilui no ficcional e vice-versa? As possíveis visualidades surgem do descompasso entre ambos? Permuto aqui – com
respeito à coerência de argumentação – biografia por história e ficcional por arte, da reflexão de Entler sobre os arquivos na arte contemporânea:
Não é necessário anular as especificidades que separam a arte e a história, mas a imagem não reconhece essa fronteira. Diante dela, essas dicotomias apenas existem como uma espécie de moralismo, o mesmo que nos impede de falar em realismo quando estamos no território da arte, ou
de poesia, quando estamos no território da história. (2008, p. 9).
1 Estudantes do curso de Artes Visuais da Universidade Regional do Cariri, durante a disciplina Fotografia 2.
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Talvez, dizer que arte e vida estão sempre juntas não me deixe avançar, ou pelos menos gerar mais perguntas. Prefiro considerar os tensionamentos que ambas
as dimensões produzem nos produtores de imagem e naqueles que se aventuram pelo exercício do pensar.
Entre a imagem original e aquela oriunda da apropriação estética, existe um trânsito que deixa ver além da trajetória de modificação da fotografia. Um lugar ou
entre-lugar é estabelecido: aquele que remete ao documento fotográfico (indicial, plástico, alterável); ao estatuto do arquivo; e aquele que remete ao realizador:
suas intencionalidades e sua imaginação capaz que se processam dentro de uma articulação entre “a emoção, investigação, sensibilidade e reflexão” (PIMENTEL,
2013, p. 99). Um entre- lugar, também, para os questionamentos: essas fotografias modificadas podem desempenhar o papel de memória de/para alguma coisa?
Arrisco-me afirmando que essas fotografias aqui analisadas podem ser uma forma de entender uma maneira de narrar da arte, uma fonte para compreender o
relato artístico e não mais uma imagem cujo valor de documento expressa, apenas, um tempo passado.
A fotografia é a arte do arquivo, não tanto porque permite arquivar o passado quanto porque aproveitar uma foto é, sempre, aproveitar um arquivo
e porque o mesmo arquivo terá usos e recepções diferentes segundo momentos e perspectivas de utilização diferentes. (SOULAGES, 2010, p. 55).
A ideia de “repertório” tecida por Godoy (2010) ao refletir sobre os arquivos de artistas é pertinente para compreender os desdobramentos oriundos da reprogramação das fotografias de família:
Esses arquivos forma, então, um espécie de repertório imagético, mas não apenas imagético, um repertório também composto de conceitos, de
narrativas, de sons... elementos que combinados constroem uma narrativa que se estabelecem não exatamente dentro da obra, mas em suas
adjacências – a eles o artista invoca quando constrói a narrativa que lhe dá sentido à sua criação, é ele a própria matéria-prima desta narrativa
(GODOY, 2010, p. 1312)
Algumas instâncias que criam repertório tendo em vista o processo de criação dos estudantes: a busca dos álbuns (muitas vezes esquecidos ou até localizados
em outras cidades); a discussão sobre eles; a impressão da memória familiar na prática pictórica. A narrativa assim delineia-se: a partir da foto – enquanto material base –, dentro da foto (o espaço bidimensional que abrigará o trabalho de modificação – observar as imagens de Dinho Lima) e fora da foto (quando está é
inserida em outros materiais – ver as imagens de Ariane Morais e Geraldo Júnior).
Fonte: álbum da família de Dinho Lima
Fonte: Dinho Lima
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Uma ficcionalização do ver
Dinho Lima, um pintor experimentado da região do Cariri, não só aceitou a provocação, mas se emocionou ao criar essas fotos e mergulhou em sua infância no
Riacho do Meio2: dos dias na serra, caminhando entre as folhas secas, cujas pisadas facilmente tomavam de conta das suas lembranças. Ainda não sabendo
onde encaixar no trabalho, Dinho coletou essas mesmas folhas, uniu-as com cola, secou e posteriormente gravou o retrato de sua mãe por meio do estêncil.
Um protocolo de trabalho que, mesclando ampliação fotográfica, estêncil, matérias orgânicos, deu forma a uma nova imagem, visualidade surgida entre a técnica
Fotografia: Tramas. Fonte: Dinho Lima
Fotografia: Tramas. Fonte: Dinho Lima
e o lembrar, entre uma fotografia-base de autoria desconhecida, e as tramas da realização artística. Seus dois últimos trabalhos são um mistura de estêncil com
camadas circulares recortadas e a inclusão da cor; e uma fotografia recortada e depois entrelaçada manualmente, como que uma metáfora dos agenciamentos
entre memória e arte.
Ariane no deixar-se tocar pela desafio do pensar-fazer arte, valeu-se do seus álbuns de família e da sua trajetória profissional no campo da moda e bordou suas
lembranças no tecido. As felizes, de um tempo de criança, e aquelas que a vida nos impõe, como a morte precoce de sua irmã, retratada no espaço fotográfico,
que tantos outros do nordeste brasileiro fizeram como uma última memória do familiar.
2 Um geossítio que faz parte do Parque Ecológico Riacho do Meio, no município de Barbalha.
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Fotografia: ”Colcha de Memórias”. Fonte: Ariane Morais
Da dificuldade em encontrar as antigas fotos e não saber como mudar aquele visível que se impunha no documento, Geraldo Júnior, ao distraidamente olhar para
azulejos que sobravam da reforma em sua casa, imaginou uma forma de reavivar as memórias curtidas na cozinha de sua avó ao trazer o sangue do animal abatido para o discurso fotográfico, colocando atrás do suporte bolsas com líquido vermelho gotejando lentamente – como que aludindo ao tempo das lembranças
que se dilata ao executar o trabalho. Memórias, imagens e cheiros habitaram sua imaginação.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Fotografia: “Flor da Carnificina”. Fonte: Geraldo Junior
O trabalho de Verônica foi uma superação: ir além da emoção de encontrar fotos e antigos sentimentos, arraigados. Ela conseguiu ao criar uma ponte entre um
hábito de outrora e a fotografia: os diários escritos desde os tempos de adolescente até hoje forneceram trechos que adentraram a fotografia por meio da arte da
caligrafia à bico de pena. Ao tentar ler “Manuscritos de memória”, depois de todo o processo de criação que acompanhei, me vem à tona, tocado por essa visão
recente, sobre a imersão de Verônica nessas fotografias, ao seu mover-se entre as difíceis memórias, a fotografia e a caligrafia.
Habitar a imagem na contemporaneidade é abrir-se à experiência do deslocamento que ela pode provocar e reagir à sua presença tendo sempre
em conta que a imagem que habitamos, guarda em grande medida muito do que somos (CAMPOS, p.38)
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Fotografia: “Manuscritos de memória”. Fonte: Verônica Leite
Será que a mudança no estatuto do arquivo torna-se perceptível quando a foto modificada passa a apontar para outros lugares e sentidos diferentes do original? A
partir da possibilidade de existência de um outro olhar-leitura para a imagem? Ou a partir das operações com o objeto fotográfico e das relações subjetivas entre
o artista e a fotografia? Após a poética, fica a pergunta: essas fotografias ampliadas, que saltam ao espaço do enquadramento, tornam-se arquivo para alguma
coisa: a narrativa construída se torna narrativa para outras interpretações?
Soulages, em longo esforço de pensar que o que é mais intrínseco à imagem a fotográfica deve partir de sua estética, deixou-me um sugestão sobre a possibilidade da obra fotográfica caminhar entre diferentes estéticas: “Toda fotografia pode ser considerada sob o ângulo do documento ou sob o ângulo da obra de arte.
Não se trata de duas espécies de foto. É o olhar de quem a considera que decide” (SOULAGES, 2010, p.159).
Como a objetividade e veracidade inerentes à fotografia não é mais um ponto aceito indiscriminadamente entre aqueles que as estudam e produzem, podemos
deixar para trás o “isso existiu” e problematizar a realidade a partir do “isso foi encenado” (SOULAGES, 2010). Entendendo, assim, que tal forma é uma maneira
de colocar em outros parâmetros o real, que subjetividade, intimidade, poética, são instâncias cabíveis ao lidar com documentos fotográficos.
Ao conjunto de ações que foram se articulando no percurso de criação de cada um, integrei um trabalho conceitual que teve como orientação: a posição central
da imagem na observação de fenômenos artísticos e sociais e sua característica de despertar a criticidade. Duas condições de existir da imagem fotográfica que
nos proporcionaram uma “rememoração produtiva”, subvertendo a lógica da cegueira que permeia os tempos da abundância e excesso de imagens que, perigosamente, vêm mediando a percepção da realidade.
Se nós estamos, de fato, sofrendo de um excesso de memória, devemos fazer um esforço para distinguir os passados usáveis dos passados dispensáveis. Precisamos de discriminação e rememoração produtiva e, ademais, a cultura de massa e a mídia virtual não são incompatíveis com
esse objetivo. Mesmo que a amnésia seja um subproduto do ciberespaço, precisamos não permitir que o medo e o esquecimento nos dominem.
(HUYSSEN, 2000, p.37).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Fotografia...afetos pictóricos...
Os arquivos fotográficos vêm sendo solicitados cada vez mais pelo mundo da arte. Não se sabe se pelo medo da perda, ou pelas incertezas da fotografia na atualidade – ou ainda, dos afetos que eles guardam. Sabe-se que esse material, nada morto, é carne viva.
Um tecido que vai se transformando em proporção aos novos significados ganhos ao longo do tempo, curtido aos poucos e conduzidos pelo esquecimento – no
caso, o esquecimento produtivo, que reserva um lugar para a imaginação habitar os arquivos, criando texturas feitas de silêncio.
Essa experiência com os arquivos fotográficos possibilitou tecer importantes reflexões acerca da relação entre o campo da arte e a fotografia, quais sejam: tencionar
o fazer e o ver, onde a produção das imagens parece operar entre formas de visibilidade, modos de fazer e modos de pensar (RANCIÈRE, 2005); e problematizar/
investigar a memória como material da arte. Tais reflexões nos ajudam a apontar possíveis lugares ocupados pela fotografia nesse cenário da atual cultura visual.
Se é verdade, quando fala Ecléa Bosi (2003) - uma encantada pela memória - que o objeto biográfico pode se incorporar à vida das pessoas, os arquivos nunca
permanecem os mesmos, criam formas de falar, de sentir – afetos pictóricos. O ato de descortinar o passado visual é uma forma de expandir os espaços do observar e da ação poética, capturando o que escapa à bidimensionalidade fotográfica.
Termino esse artigo falando sobre os álbuns de família, em sua materialidade mais imediata. Em todos os relatos de criação com os quais trabalhei, nenhum
apontou para sua utilização como material da arte ou objeto da imaginação artística – mas sim, apenas as fotografias que habitam os álbuns. Como não propus
essa atividade e nenhum dos estudantes apresentou proposta similar, fica a sugestão para devaneios futuros. E enquanto a poesia não chega, vamos fotografando
com o vento e lendo, quase que tateando, as palavras de Lispector:
Passo a mão sobre o álbum antes de abri-lo. Talvez tenha ele próprio uma história que eu desconheça. Em todo caso, direi que é um álbum aristocrático. Capa e contracapa trabalhadas em alto- relevo sobre almofadas forradas de puro couro da Rússia. Sobre a capa, fino e caprichado desenho em metal dourado, lembro-me, mas que, com o tempo, se foi fragmentando e se desprendendo aos pedaços. Também as folhas, em grossas
cartolinas, estão gastas [...]. (2012, p. 87).
Referências
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
CAMPOS, Elisa. Observatório: por uma materialidade da imagem na arte. 2011. 367 f. Tese (Doutorado em Artes) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
ENTLER, Ronaldo. Memórias fixadas, os arquivos abertos de Chris Marker. FACOM, São Paulo, n 19, 2008, p. 4-15. Disponível em:
<http://www.faap.br/revista%5Ffaap/revista%5Ffacom/facom_19/index.html>. Acesso em: 11 fev. 2013.
GODOY, Vinícius de Oliveira. Arquivos de arte: entre a subjetividade e a objetividade históricas. In: Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, 30., 2010,
Rio de Janeiro. Anais...Rio de Janeiro: Museu Nacional.
GOTLIB, Ndia Battella (org.). Retratos antigos: (esboços a serem ampliados). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela Memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
LISPECTOR, Elisa. Retratos antigos: (esboços a serem ampliados). In: GOTLIB, Ndia Battella (org.). Retratos antigos: (esboços a serem ampliados). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Exo, 2005.
ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora Senac, 2009.
SOULAGES, François. Estética da Fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora SENAC, 2010.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
PIMENTEL, Lúcia Gouvêia. Cognição Imaginativa. Pós, Belo Horizonte, v. 3, n.6, p. 96-104, 2013.
Rubens Venâncio , Universidade Regional do Cariri (URCA) | Instituto da Fotografia (IFOTO) | Grupo de Discussão em Arte e Sociedade (GRUDAS-URCA).
e-mail: [email protected]
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ENSINO/APRENDIZAGEM DAS ARTES VISUAIS NO CONTEXTO DA ESCOLA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL:
PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Diana Valverde de Almeida
Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia - IFBA- Grupo de Pesquisa: Filosofia, Técnica e Poéticas Contemporâneas-CNPq
Introdução
Para este encontro apresento uma proposta de investigação cujo foco está na necessidade de evidenciar a importância do conhecimento da Arte para os estudantes do Ensino Técnico Profissional, ao mesmo tempo em que proponho uma educação estética para esse público.
O que motivou este estudo foi a necessidade profissional de maior aprofundamento teórico/prático na abordagem do ensino das artes, com o foco nas Artes Visuais,
no contexto da Educação Profissional, contemplando seus saberes, seus fazeres, possibilitando, assim, um aprimoramento do processo de ensino/aprendizagem.
O desenho do projeto é orientar os alunos sobre a linguagem visual, o contexto de geração e a construção de imagens vindas do cotidiano e da obra de arte, que
poderá ser/estar relacionada com outras áreas do conhecimento que se emolduram no ensino tecnológico.
Quando comecei a trabalhar como professora de Artes Visuais no Centro de Educação Tecnológica – CEFET1, atualmente Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia- IFBA, senti necessidade de modificar o modo de abordar os conteúdos da linguagem visual, por se tratar de alunos das mais diversas áreas profissionalizantes, diferentes daqueles com os quais estava acostumada a trabalhar.
Aprendi a acolher e, em certa medida, a reverter um tipo de expectativa recorrente em alguns alunos que não esperavam encontrar uma disciplina de Arte no
currículo. “Imagine! Estudar Arte em uma escola de ensino técnico? Para quê? Como se não bastasse Matemática, Física, Química e Biologia. Arte também”?
“Afinal, estudar arte serve para quê”? Com o tempo, comecei a responder a essas questões não só com palavras, mas por meio do desenvolvimento de atividades
pedagógicas que iam envolvendo a atenção desses alunos com visitas aos museus, apresentando obras e artistas, proporcionando espaços para a criação de
trabalhos práticos, despertando seus interesses estéticos.
Apesar de Fayga centrar suas reflexões no período da Arte Moderna, essas idas aos museus me deixaram instigada a estudar e entender a arte contemporânea
no seu fazer, nos seus processos e nas suas possíveis leituras, contemplando as quebras, rupturas e descontinuidades.
É sabido que o contexto atual é complexo e a sociedade vive em processo de intensas transformações. Os seus efeitos tornaram-se visíveis não somente no cotidiano das pessoas, mas em meio à produção artística que reflete essa mutação, particularmente no conceito da arte, na medida em que abandona especificidades
próprias da modernidade tais como a unicidade, auto-referência e crítica cultural, para tratar de outras questões como gênero, novas identidades, mestiçagem,
ou seja, a alteridade.
De acordo com Archer, quem examinar com atenção a arte dos nossos dias atuais será confrontado com uma desconcertante profusão de estilos, formas, práticas
e programas. De inicio, parece que, quanto mais olhamos, menos certeza podemos ter daquilo que, afinal, permitem que as obras sejam, qualificadas como „arte‟,
pelo menos do ponto de vista tradicional. (ARCHER, 2001).
A crença de que a obra fala por si só não se sustenta, pois esta exige um pensar sobre seus modos de instauração, sobre os conceitos articulados, sob pena de
não se poder compreendê-la, ou ainda, cegamente aceitar que tudo é arte.
Sabemos que tanto as produções contemporâneas quanto artefatos e manifestações poéticas presentes na vida cotidiana não alcançam a maioria dos ambientes
educacionais, e os alunos acabam tendo um entendimento restrito do que são as artes de modo geral.
Na educação profissional, esse quadro é agravado porque, além do analfabetismo visual dos alunos, os professores dos cursos técnicos têm uma visão do ensino profissional desvinculada da formação integral, contemplando uma prática especialista para cada área vinculada a esta modalidade de ensino, voltada para
o mercado de trabalho que hoje se alarga no Brasil. Por outro lado, tenho observado que os professores das linguagens artísticas têm uma visão da educação
desvinculada da formação integral dentro do ensino técnico, priorizando um trabalho que é voltado para ações artísticas isoladas, centradas em atividades muitas
vezes separadas do perfil dos cursos, das possibilidades materiais e espaciais deste ambiente escolar. Por sua vez, os estudantes chegam à Instituição com uma
expectativa pragmática do ensino profissional, completamente desvinculada da formação integral e com a visão voltada unicamente para o mercado de trabalho.
Neste sentido, não veem a importância da presença do ensino das Artes no currículo dos cursos.
Afinal, estudar arte serve para quê? Qual é a importância desta para a vida?
Barbosa adverte que a arte como linguagem aguçadora dos sentidos transmite significados que não podem ser transmitidos por meio de nenhum outro tipo de
linguagem, tal como a discursiva ou a científica. Através da Arte, é possível desenvolver a percepção, a imaginação e a capacidade crítica, permitindo analisar a
realidade percebida e desenvolver a capacidade criadora de mudar a realidade que for analisada. (BARBOSA, 2008).
Por sua vez, Nicolas Bourriaud (2009), em seu livro Estética Relacional, diz que arte é um termo que designa um conjunto de objetos apresentados no âmbito
de um relato chamado a história da arte. Esse relato estabelece uma genealogia crítica e problematiza os campos desses objetos através de três subconjuntos:
1 Centro Federal de Educação e Tecnologia.
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pintura, escultura e arquitetura.
A palavra „arte‟ hoje aparece apenas como resíduo semântico desses relatos. Sua definição mais precisa seria a seguinte: a arte é uma atividade que consiste
em produzir relações com o mundo com o auxílio de signos, formas, gestos ou objetos (BOURRIAUD, 2009a).
Compreende-se, então, o conceito da estética relacional do autor, enquanto teoria, que consiste em julgar as obras de arte em função das relações inter-humanas que estas figuram produzem ou criam, conforme o critério de coexistência, que não permitem mais ao espectador uma contemplação e sim a instauração de
questionamentos em relação a si próprio.
Entendemos que, para nos apropriarmos de uma linguagem, analisarmos e darmos sentido a ela é preciso que aprendamos a operar seus códigos. Não se gosta
daquilo que não se conhece. Não é mesmo? Quantas pessoas sentem tédio quando estão diante de obras que não entendem? E a arte contemporânea como
fica neste universo de códigos? Fora da escola?
Torna-se necessário, então, uma alfabetização na linguagem da arte porque é por meio dela que poderemos compreender o mundo das culturas e o nosso em
particular. Ensinar arte é assim também: a atividade de pensar a arte, pensar a educação para que o ensino/aprendizagem seja possível. Nesse sentido, arte e
o seu ensino são grandes desafios, pois instauram questões também pelas associações que permitem realizar, convocando diversas áreas do conhecimento,
evitando que se transforme em mera reprodutora de técnicas.
Paulo Freire considera que aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de tudo, aprender a ler o mundo, compreender seu contexto, não numa manipulação
mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade.
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem
e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto
e contexto (FREIRE, 2011, p.19-20).
Considerando que ler é atribuir significado, como se atribuir significado a uma obra de arte? E às imagens que nos bombardeiam diariamente? Como lhes dar
sentido?
Pareyson (1997) afirma que a vida de cada indivíduo está atuando na forma, é bem mais que decodificar palavras, é também conhecer os códigos que fazem parte
do cotidiano, que estão presentes nos gestos, nas roupas, nos alimentos, nos sons, grafites, outdoors, obras espalhadas pela cidade, nas imagens. O domínio
desses diferentes códigos permite que o indivíduo interprete a sua realidade, principalmente as informações visuais que são tão constantes nos livros, revistas,
internet, cinema, televisão, entre tantas outras.
Quando não se conhece a obra, sugere o filósofo, é preciso perscrutar suas veredas, perceber, compreender, interpretar a trama de cores, formas, texturas, volumes, linhas que constituem uma imagem. É perceber objetivamente os elementos presentes na imagem, sua temática, sua estrutura, levando-se em consideração
que tal imagem ou tal objeto foi produzido num determinado contexto, numa determinada época, segundo uma visão de mundo. Desse modo, uma leitura se torna
significativa quando estabelecemos relações entre o objeto de leitura e nossas experiências de leitor.
Por outro lado, se exercitado o olhar para a leitura, de forma geral é benéfico para a compreensão da realidade, mas, em particular, saber entender e decifrar
esses códigos, principalmente a partir de imagens como as obras de arte, é altamente enriquecedor. (PAREYSON, 1997).
A alfabetização visual vem se confirmando como importante papel na escola. A leitura, como antes mencionado, não se resume apenas à análise de forma, cor,
linha, volume, equilíbrio, movimento, ritmo, mas é centrada principalmente na significação que esses atributos, em diferentes contextos, conferem à imagem, e
isto é imperativo na contemporaneidade. Os modos de recepção da obra de arte e da imagem e o significado da própria obra a esta se incorporam. Não mais se
trata de perguntar o que o artista quis dizer, mas o que a obra/a imagem nos diz, aqui e agora em nosso contexto.
Desde a década de 80 um novo cenário econômico e produtivo se estabeleceu no Brasil com o desenvolvimento e o emprego de tecnologias complexas, agregadas à produção e à prestação de serviços. Para atender a essa demanda, as Instituições Federais de Educação Profissional - IFES2 vêm buscando diversificar
programas e cursos para elevar os níveis da qualidade da oferta de ensino. Cobrindo todo o território nacional, a rede procura qualificar profissionais para os
diversos setores da economia, realizar pesquisa e desenvolver novos processos, produtos e serviços.
Surgem, porém, novas tendências em relação ao trabalho: este se torna mais abstrato, mais intelectualizado, mais autônomo, coletivo e complexo. Consequentemente, as funções diretas estão sendo incorporadas pelos sistemas técnicos e o simbólico se interpõe entre o objeto e o trabalhador. O próprio trabalho torna-se
imaterial: informações, signos e linguagens simbólicas. A natureza desse tipo de trabalho reveste-se da imprevisibilidade das situações nas quais o trabalhador
tem que fazer escolhas todo o tempo, ampliando-se as operações mentais e cognitivas presentes nas atividades que desenvolve. O problema que se coloca,
hoje, é o da necessidade das empresas e do sistema formador de tornar essa qualificação real, esse conjunto de competências que está muito mais no nível da
subjetividade/ intersubjetividade do trabalhador do que as qualificações anteriormente prescritas, assim como nos lembra Schön: “as áreas mais importantes da
2 Disponível em:< http://www.portal.ifba.edu.br/institucional/entenda-a-transformacao.html>. Acesso em: dez. 2013
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prática profissional encontram-se agora, além das fronteiras convencionais da competência profissional” (SCHÖN, 2000, p.18).
Nessa perspectiva, o estudante é concebido como sujeito criador-crítico e participante da construção da cultura, ressaltando-se, então, a importância de uma
educação que enfatize o despertar da criatividade, da sensibilidade, da educação do olhar, da ampliação da percepção estética como meio de clarificar os modos
pelos quais o mundo social, econômico e político atua.
Mas, como pensar especificamente sobre a disciplina das Artes Visuais e sobre o papel que estas podem ocupar na educação escolar e em especial na escola
de formação profissional? Como pensar um projeto em que a arte desempenhe, também, uma função social de contribuir para a formação do indivíduo/cidadão?
Neste contexto, apresento um projeto que se enquadra na tipologia de investigação aplicada, cuja proposta partirá da seguinte questão: Como o estudante da
educação profissional poderá articular as Artes Visuais com o imaginário da Cidade e o Curso que ele frequenta?
O homem contemporâneo habita uma paisagem onde tudo é produzido para ser visto e consumido. Nós nos tornamos seres eminentemente visivos. O homem
vive, no dizer de Peixoto (1988, p. 361): “[...] num mundo onde tudo é produzido para ser visto, onde tudo se mostra ao olhar”. As novas tecnologias trouxeram
consigo uma maior democratização da imagem e o surgimento de uma infinidade de novos símbolos imagéticos, possibilitando às pessoas o acesso a um número enorme de informações visuais, entretanto, estamos submetidos a um mundo de imagens que muitas vezes não entendemos e, por isso, podemos dizer que
vemos e não vemos, olhamos e não olhamos.
O ver/olhar torna-se cada vez mais fundamental no mundo, e as artes é território por excelência de seu exercício. Só podemos ver quando aprendemos que algo
não está à mostra e podemos sabê-lo, como bem sintetiza Chauí (1988, p.33): “[...] olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si”; isto
é, não ver o mundo como invólucro exterior, o mundo é extensão de si próprio e vice-versa.
Ver está implicado no sentido físico da visão. Costuma-se, todavia, usar a expressão olhar para afirmar outra complexidade do ver. Quando se chama alguém para
olhar algo, espera-se dele uma atenção estética, demorada e contemplativa, enquanto, ao se esperar que alguém veja algo, a expectativa se dirige à visualização,
ainda que curiosa, sem que se espere dele o aspecto contemplativo. O ver é imediato, olhar é mediado. O olhar é feito de mediações próprias à temporalidade.
Ele sempre se dá no tempo, mesmo que nos remeta a um além do tempo. Ver, todavia, não nos dá a medida de nenhuma temporalidade, tal o modo instantâneo
com que o realizamos. Ver e olhar se complementam, são dois movimentos do mesmo gesto, que envolve sensibilidade e atenção. No documentário Janela da
Alma, o escritor José Saramago reflete sobre este estado do homem contemporâneo:
Vivemos todos numa espécie de parque audiovisual onde os sons se multiplicam, onde as imagens se multiplicam e nós vamos, cada vez mais,
sentindo-nos perdidos; em primeiro lugar, de nós próprios. E, em segundo lugar, perdidos na relação com o mundo. Acabamos por circular por aí sem
saber muito bem nem o que somos, nem para que servimos, nem que sentido tem a existência. De tanto ver, paramos de olhar. (SARAMAGO, 2001).
Bosi (1991) diz que a relação do olho com o cérebro é íntima, estrutural. Sistema nervoso central e órgãos visuais externos estão ligados pelos nervos óticos, de
tal sorte que a estrutura celular da retina nada mais é que uma expansão diferenciada da estrutura celular do cérebro. De acordo com o autor, os olhos recebem
passivamente, com prazer ou desprazer, contanto que estejam abertos, verdadeiras sarabandas de figuras, formas, cores, nuvens de átomos luminosos que se
ofertam, em danças e volteios vertiginosos, aos sentidos do homem. E o efeito desse encontro pode ter um nome: conhecimento (BOSI, 1991). Desse modo, observar e buscar compreender e contextualizar a visibilidade são tarefas do ensino das Artes Visuais, ou seja, educar em imagens e sobre imagens, isto é, produzir
conhecimentos.
O ato de ver, primordialmente ligado ao ato de conhecer, tornou-se, em nossos dias, um verdadeiro empreendimento. “O olhar apalpa as coisas. Estamos no meio
do mundo”. (PEIXOTO, 2004 p. 235-6). Para ver no agora, é preciso aprender a olhar, ou seja, é preciso garimpar significados em meio ao excesso de informações
que povoam nosso horizonte é extrair do visível o invisível, para, então, descobrir o que as aparências ocultam.
O olhar se conforma como experiência estética porque pertence a um território onde o sensível tem um sentido imanente, um sentido que lhe é inerente, ou seja,
um sentido que não lhe é atribuído do exterior. O ato de olhar é uma das sensações que está diretamente ligada à experiência estética, à fruição.
A compreensão da experiência estética verdadeira passa pela consideração de seu estado bruto nos acontecimentos e cenas que prendem o olhar e ouvidos do
homem, despertando prazer ao olhar e ouvir: as visões que cativam a multidão – o caminhão de bombeiros que passa veloz, as máquinas que escavam enormes
buracos na terra, a graça tensa do jogador de bola que contagia a multidão de espectadores (DEWEY, 2010).
Tudo isso está na cidade contemporânea, que possui a potencialidade de provocar experiências estéticas. Ou seja, mesmo distante dos museus ou da história
da arte, há uma possibilidade de fruição de imagens (com diferentes níveis de complexidade). Nesses lugares, as placas pintadas por amadores, os grafites, monumentos históricos, edifícios, artefatos diversos e muitas outras imagens proporcionam certo “exercício de imaginação”, no contexto citadino. O estudo dessas
imagens pede a adoção de uma concepção pragmática de arte. Tal concepção refuta a ideia de artisticidade desvinculada da experiência, ou desconectada do
fluxo social.
A estética pragmatista apresentada por Dewey se configura a partir da noção de que a arte não possui um valor intrínseco, mas surge a partir da experiência
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– estética – que ocorre em conexão com a vida cotidiana. A estética tradicional, que ressalta a linguagem pura ou uma experiência de distanciamento estético,
separada da vida, é pouco eficiente para pensar muitas visualidades urbanas populares.
Olhar a cidade
A arte está lá nas ruas disponível a qualquer pessoa, a qualquer momento, mas não é percebida na dimensão esperada. Ainda hoje existem professores de arte
que buscam apenas o desenvolvimento da criatividade através de atividades direcionadas à livre expressão. Esta deficiência torna opaca a poética encontrada
na cidade e anula a sua potencialidade cognitiva, transformadora e afetiva.
Desta forma, perceber o contexto relacional e o interstício social que a arte contemporânea pode apontar não é negar a expressividade artística, mas pressupõe,
sim, entender a arte como produção cultural.
Posto dessa forma a problemática do estudo, elabora-se a questão de partida que orientará o processo investigativo: Em quais bases epistemológica e filosófica
no campo da arte e educação será possível elaborar uma proposta pedagógica para o ensino da arte, em uma perspectiva crítica, na educação profissional que
atenda ao processo formativo da educação profissional do IFBA?
Para responder à pergunta, faz-se necessário revisar a literatura adequada à investigação, entendendo que toda ação educativa tem como sujeito o homem e
que a adoção de métodos educativos e diretrizes de trabalho implicam necessariamente numa reflexão sobre este e sobre o meio cultural. Dessa forma, pensa-se
uma educação que se comprometa com o objetivo de “provocar e criar as condições para que se desenvolva uma atitude de reflexão crítica, comprometida com
a ação” (MIZUKAMI, 1986, p. 94).
Nesta perspectiva, o novo indicador da aprendizagem escolar consistirá na demonstração do domínio teórico do conteúdo e no seu uso pelo aluno,
em função das necessidades sociais a que deve responder. Esse procedimento implica um novo procedimento, uma nova atitude do professor e
dos alunos ao conteúdo e à sociedade: o conhecimento passa a ser teórico-prático. Implica que seja apropriado teoricamente como um elemento
fundamental na compreensão e na transformação da sociedade (GASPARIN, 2009, p. 2).
Essa postura implica trabalhar conteúdos de forma contextualizada em todas as áreas do conhecimento humano. Isso possibilita evidenciar aos alunos que os
conteúdos são sempre uma produção histórica e de como os homens conduzem sua vida nas relações sociais de trabalho em cada modo de produção.
Evidentemente, esta nova forma pedagógica de agir exige que se privilegiem a contradição, a dúvida, o questionamento; que se valorizem a diversidade e a divergência; que se interroguem as certezas e as incertezas, despojando os conteúdos de sua forma naturalizada, pronta, imutável. Se
cada conteúdo deve ser analisado, compreendido e apreendido dentro de uma totalidade dinâmica, faz-se necessário instituir uma nova forma de
trabalho pedagógico que dê conta desse novo desfio para a escola (GASPARIN, 2009, p. 3).
Diante do exposto, temos como objetivo geral do estudo: reunir elementos (no campo da arte e da educação) que subsidiem, em nível geral, a elaboração de
uma proposta pedagógica na abordagem sociocrítica para o ensino das Artes Visuais no contexto da Escola de Formação Profissional e que servirá de referência
epistemológica para a implementação dessa proposta no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia-IFBA.
Como objetivos específicos, o projeto propõe-se a:
•Investigar formas de ensino das artes visuais que viabilizem ao estudante da educação profissional construir uma consciência crítica no seu processo de aprendizagem da arte;
•Conhecer a importância da arte na formação profissional atribuída por professores e estudantes do IFBA/Salvador;
•Investigar e analisar os dispositivos metodológicos que assegurem na prática do ensino das artes visuais, junto aos estudantes da escola de educação profissional as inter-relações entre arte, cultura e tecnologia;
•Examinar a viabilidade de aproveitamento das potencialidades do contexto do ensino técnico profissional como dispositivo que não dicotomize teoria e prática
no processo do ensino técnico-profissional.
Metodologia
A investigação do tipo aplicada faz referência ao processo investigativo e ao desenvolvimento de novos conhecimentos e/ou à compreensão dos já existentes, necessários para determinar os meios pelos quais se pode desenvolver e aprimorar processos, com vistas à satisfação de uma necessidade específica e reconhecida.
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Durante a condução da investigação, o diálogo entre pesquisador e sujeitos é sempre uma constante e tem o objetivo de desvendar os sentidos que atribuímos
à nossas ações, interações e formas de compreensão (ESTEBAN, 2010).
Assim, o caminho escolhido aponta para a modalidade da pesquisa-ação, pelo seu caráter de estímulo à reflexão que procura conhecer e intervir em uma realidade, porém de forma conjunta entre proponente e beneficiário. De acordo com Thiollent, a pesquisa-ação:
[...] é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um
problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo
ou participativo (THIOLLENT, 2011, p. 20).
Assim, a pesquisa-ação pressupõe uma metodologia entendida em um conjunto de procedimentos teórico-práticos ativados na abordagem da realidade, com
uma ampla e explícita interação entre o pesquisador e pessoas implicadas na situação investigada, considerando as dimensões históricas, éticas, políticas e socioculturais do conhecimento.
Para esta investigação, será adotado especificamente o conceito de David Tripp (2005) e Thiollent (2011), para os quais a pesquisa-ação educacional é principalmente uma estratégia para o desenvolvimento do professor/pesquisador de modo que este possa utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos; ou seja, se desenvolve quando o pesquisador busca efetuar transformações em sua própria prática, a qual se aprimora
pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela.
Com essa visão, o professor/pesquisador deve ter a preocupação em pensar o ensino e a aprendizagem dentro de um contexto cultural amplo, não se restringindo
ao que se passa no âmbito da escola, mas sim relacionar o que é aprendido dentro e fora dela.
Neste tipo de pesquisa é de fundamental importância considerar a voz dos sujeitos, suas perspectivas, seus sentidos, não apenas para registro e posterior interpretação do pesquisador: as vozes dos sujeitos farão parte da tessitura da metodologia da investigação.
Planos e ações da investigação
Os dados para a investigação do doutoramento será realizada ao longo do ano de 2014, produzidos nos diversos cursos ofertados pelo IFBA, em espaços onde
desenvolvo minha prática educativa como professora do ensino técnico da educação profissional. O olhar dos estudantes será orientado para o eixo temático
ARTE/CIDADE/CURSO como tema gerador de ideias visuais, pesquisas e proposições de trabalhos práticos, tomando como referência o conceito de Cidade
definido por Argan:
Por cidade não se deve entender apenas um traçado regular dentro de um espaço, uma distribuição ordenada de funções públicas e privadas, um
conjunto de edifícios representativos e utilitários.
Tanto quanto o espaço arquitetônico, com o qual de resto se identifica, o espaço urbano tem os seus interiores. São espaço urbano o pórtico da
basílica, o pátio das galerias do palácio público, o interior da igreja. Também são espaço urbano os ambientes das casas particulares; e o retábulo
sobre o altar da igreja, a decoração do quarto de dormir ou sala de jantar, até o tipo de roupa e de adornos com que as pessoas andam, representam seu papel na dimensão cênica da cidade.[...] O espaço figurativo, como demonstrou muito bem Francastel, não é feito apenas daquilo que se
vê, mas de infinitas coisas que se sabem e se lembram, de notícias.
(ARGAN, 2005, p. 43).
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Durante aulas os estudantes responderão ao seguinte questionário:
Além de aulas teóricas, observação da paisagem dos espaços vividos com coleta de imagens de dentro e fora da escola e pesquisa sobre a cidade, os alunos
terão acesso a textos com resumos das aulas teóricas, textos para resumos, referências bibliográficas e documentárias sobre a importância do conhecimento da
arte e dos processos artísticos. Ao longo das aulas, os estudantes experimentarão diversos materiais como giz, tinta guache em pinturas, colagens, manipulação
de fotos digitais e manualmente, a partir de imagens captadas da cidade como eixo central do pensamento visual.
Ao longo das nossas aulas, estes estudantes farão registros fotográficos das paisagens urbanas dos caminhos que percorrem diariamente da escola para casa
e de casa para a escola, com as seguintes orientações:
1- O que eu considero arte nos lugares por onde eu transito?
2- Existem possibilidades de associar o que vejo ao o curso que frequento?
3- O que vejo agora e que antes eu não via?
Ao final da unidade, todos os alunos elaborarão e apresentarão, individualmente ou em grupo, projetos como parte do processo avaliativo, vinculado ao tema
proposto. Os objetos produzidos configurar-se-ão como elementos interpretativos para esta investigação. Será gravado um DVD como registro visual do processo
da criação dos estudantes, contendo fotos de visitas a museus e de trabalhos práticos realizados em sala de aula.
Será idealizado um blog para cada turma, como meio de abarcar os registros visuais e textuais gerados pelas atividades propostas, bem como servir de banco de
dados ‘aberto’ para os interessados em aprofundar os conhecimentos sobre as artes visuais, vislumbrando possibilidades de desdobramentos para outras pesquisas.
Como sondagem dos trabalhos práticos os alunos responderão às questões:
»»A experiência do trabalho prático foi...
»»A ideia inicial da minha proposta foi...
»»Trabalho da exposição que mais lhe impressionou foi........................porque.................
Resultados E Discussão
As imagens nos rodeiam e nos confrontam regularmente, através da mídia, da cultura popular, das atividades culturais. Mesmo assim, elas recebem menos
atenção que outras narrativas como forma de compreensão do mundo. Uma alfabetização para a leitura da imagem através da educação formal pode contribuir
para tornar mais consciente o processo de aprendizagem, alimentando a capacidade de reflexão do estudante. Assim, não é possível mais perceber o indivíduo
contemporâneo de forma passiva em meio à sociedade da informação, dos realities shows, dos games, das redes de relacionamentos (Instragam, Facebook,
Orkut, Twitter), dos fotologs e blogs, das facilidades de comunicação (e-mail, MSN, Skype) etc.
As novas tecnologias corroboram para transformações socioculturais, podendo reconduzir a um debate crítico e reflexivo sobre o lugar do ensino da arte, numa
interface entre arte e cidade, arte e contexto cultural do aluno.
Cabe a nós, professores de Artes, refletir sobre o potencial que esta tem como objeto de construção do conhecimento e sobre a maneira como é concebida e,
consequentemente, trabalhada, e entender que, desse modo, ela assumirá diferentes papéis na sociedade. Ao levarmos o aluno a construir, experimentar, externar
e refletir, estaremos considerando a arte como área de conhecimento, com características únicas e imprescindíveis ao desenvolvimento do ser humano.
As atividades da proposta serão orientadas pela abordagem da ciência crítica da educação, o que significa que estarão vinculadas aos contextos locais, ou seja,
às condições sociais, culturais e econômicas dos alunos envolvidos, bem como ao contexto global. O que se propõe com essa perspectiva é a vivência poética/
estética e ética que leve os alunos para além dos muros da escola.
Mais uma vez, lembrando Schön, quando afirma que a arte é “uma forma de exercício da inteligência, um tipo de saber” (SCHÖN, 2000, p. 26), vemos que há uma
habilidade artística do aprendiz e também do mestre que aprende, o que para o autor consiste em sua capacidade e disposição para mergulhar em uma situação,
arriscar-se a declarar que efeitos espera produzir e colocar em prova um tipo de experimentação desconhecida. Ele arrisca-se para vir-a-ser, tornar-se a ser em
um tempo e em um espaço contextualizado.
Referências Bibliográficas
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ARGAN, G.C. História da arte como história da cidade. São Paulo: Marins Fontes, 2005.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
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Diana Valverde de Almeida , Doutoranda em Educação Artística - Universidade de Porto - UPORTO - Portugal. Mestre em Pedagogia Profissional pelo
Instituto Superior Pedagógico para Educación Técnica y Profesional Zaldiva Pineda-Havana/Cuba (2002). Graduada em Licenciatura em Desenho e Plástica
pela Universidade Federal da Bahia (1972). Graduada em Administração de Empresas pela Universidade Católica de Salvador (1991). Especialização em
Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos MEC/CEFET (2008). Especialização em Produtividade em Recursos Humanos CESEC/
UCSAL (1991). Especialização em Geometria de Representação e Desenho Técnico-UFBA (1975). Professora concursada do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia-IFBA desde 1992.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
INTERFACES DA PESQUISA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE EM ARTES VISUAIS
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Leda Maria de Barros Guimarães-UFG / Moema Martins Rebouças-UFES
GEPEL-Grupo de Pesquisa de Processos Educativos em Arte-Cnpq
A inserção da pesquisa nos cursos de graduação em Artes Visuais no Brasil é preconizada nas Diretrizes Curiculares Nacionais do Curso de Graduação em Artes
Visuais e aprovada na Resolução no1 de 2009 do Ministério da Educação e no Conselho Nacional de Educação. Além da pesquisa a produção, a crítica e o ensino
compõem as competências exigidas para o formando desses cursos. Entre as disciplinas que estruturam o currículo comum nacional o Trabalho de GraduaçãoTG é o componente curricular obrigatório a ser cumprido pelo graduando, e visa o exercício em metodologia científica como atividade/síntese dos conhecimentos
e práticas vivenciadas, e integra as artes com as atividades pedagógicas inerentes ao curso.
Embora a pesquisa constitua uma das competências exigidas na graduação dos licenciados em Artes Visuais, temos como primeira hipótese que as discussões
sobre a pesquisa e o seu papel na formação do professor de artes não possui o destaque necessário na academia o que contribui para que cada professor orientador do curso fique como numa redoma impermeável e, como não há conexão entre seus pares, o lugar da pesquisa pode estar sendo pouco explorado nesses
cursos. A segunda hipótese, decorrente da primeira, se refere a concepção de pesquisa que é trazida para a formação de docentes em artes. Suspeitamos que
esta concepção ainda se atém a estruturas rígidas do pensamento científico desvalorizando o pensamento divergente dos processos da própria arte. Terceira
hipotese é que a concepção de pesquisa ao se afastar do campo da educação artística, dificulta que se estabeleça a conexão pesquisador/professor a partir e
com bases mais próximas do cotidiano do fazer pedagógico.
Como professoras de ensino superior comprometidas com a formação de professores em artes somos protagonistas dessas contradições em nosso cotidiano
acadêmico. Vivenciamos tanto os enclausuramentos docentes como também as tentativas de romper estas clausuras em projetos colaborativos que abrem espaço
para formas (ou metodologias) mais integradas de se pensar pesquisa/formação docente em artes visuais.
A concepção de pesquisa que consideramos na formação de professores de arte tem como objetivo principal envolver os futuros docentes numa prática que o
aproxime de sua realidade. Barbosa (2005,p.12) ao se referir à Freire e a Eisner ressalta que os dois educadores consideram a educação “[...]mediatizada pelo
mundo em que se vive, formatada pela cultura, influenciada pelas linguagens, impactada por crenças, clarificada pela necessidade, afetada por valores e moderada
pela individualidade”. Portanto, pesquisar em educação artística constitui um movimento que ao mesmo tempo é composto por uma experiência(no sentido que
lhe atribui Dewey), pois é ela que apontará as “faltas”, as incompletudes”, “as inquietações” que a investigação intentará responder. É ainda Eisner (1884,p.40)
que nos orienta que uma pesquisa para ser realizada não necessita ser nem empírica e nem quantitativa pois constitui-se como uma atividade intelectual cujo
objetivo é desenvolver conceitos, modelos e paradigmas que almejam compreender e assim explicar como funciona o mundo. Entrementes, neste movimento é
preciso ressaltar que o professor/pesquisador é aquele que inserido em um determinado contexto(social, histórico, organizacional, institucional, espacial e temporal) poderá intervir e propor práticas docentes em artes a partir de sua própria inserção e olhar comprometido que o processo investigativo lhe permitiu construir.
Partindo das questões levantadas em torno da inserção da pesquisa na formação de professores em artes visuais insistimos sobre a necessidade da discussão
sobre a inserção da pesquisa na formação de professores de artes visuais considerando concepções contemporâneas para o ensino de artes visuais, mas que
considerem o contexto das nossas experiências. Não estamos propondo uma atitude xenófoba, muito pelo constrário, entendemos a importância das trocas teóricas e práticas entre diferentes contextos institucionais. Consideramos importante reforçar a discussão sobre professor/reflexivo e pesquisador, isto é, do professor
que reflete sobre a sua prática, que pensa, que elabora em cima dessa prática, já em processo no Brasil desde a década de 1990 (Nóvoa, 1987) e presente nos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Mais recentemente, nos chega as concepções de ABR -Arts Based Researcher ou IBA - Investigación Basada en las Artes e
de de artography ou seja, a reunião do (a)rtista, do (r)esearch -pesquisador e do teacher-professor. Este termo proposto pela Dra. Rita Irwin almeja a “integração
das artes, nesse caso especificamente as artes visuais, com métodos de pesquisa educacional”. Segundo a autora esse neologismos “ foi criado para “identificar
uma prática docente e uma escrita investigativa (“grafia”) - o relatório de uma pesquisa, um texto monográfico, uma dissertação, uma tese – fundamentadas na
articulação entre “artist-researcher-teacher, integrando theoria, práxis e poiesis, ou teoria/pesquisa, ensino/aprendizagem e arte/produção” (IRWIN, 2008, p. 88).
Esperamos que este trabalho possa ajudar a identificar essas práticas pedagógicas que buscam interfaces entre formação docente e pesquisa no campo das
artes visuais, considerando que tentar identificá-las e refletir sobre seus processos é construir condições para que elas possam se desenvolver e fundamentem
práticas artísticas desses docentes que visem tanto a conscientização social (no sentido Freireano) como a liberdade e a invenção próprias da arte.
Percurso metodológico
Tendo como fundamento a reflexividade metodológica tal como proposta por Santos (1989) que considera a suspensão da relação sujeito e objeto para implicar
o investigador na pesquisa propomos realizar uma investigação que terá como corpus analítico três instituições de ensino superior e públicas brasileiras que
ofertam(ou já ofertaram) o curso de Licenciatura em Artes Visuais nas modalidades presenciais e à distância. O recorte temporal considerado será o de inicio de
oferta desses cursos à distância nas três instituições que compõem essa investigação até a atualidade. A escolha pelas Universidades Federais de Goiás-UFG, e
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
do Espírito Santo-UFES, se justifica pela participação das investigadoras em seu quadro docente e a Universidade de Brasília-UnB, por ser uma das instituições
pioneiras na oferta de cursos de Artes na modalidade à distância no Brasil.
Considerando a pesquisa na formação dos professores de artes visuais como foco da investigação o nosso objetivo é o de compreender como ela se insere
nesses cursos, com quais bases teóricas e metodológicas dialogam e são fundamentadas e como se articulam aos demais processos de formação extra e intra
curriculares vivenciados por esses futuros professores.
Como os coordenadores de curso são professores efetivos e responsáveis diretos pelo gerenciamento do mesmo, e para o desempenho dessa função é necessário que conheçam o Projeto Político e Pedagógico do curso (PPP) é que os escolhemos para iniciar a nossa investigação. Partimos então de professores que
aceitaram assumir uma função administrativa compartilhada com a docente, pois eles continuam como professores do curso conciliando a regência de disciplinas
e orientação à função administrativa. Os PPP dos cursos são constituídos por uma dupla composição que é invariável e variável. Os componentes invariáveis são
aqueles que contemplam e atendem aos regimentos, legislação e regulamentos nacionais que norteiam os cursos de licenciatura em nosso país. Eles portanto, tem
de estar presentes nos PPP para que os funcionamentos dos cursos sejam aprovados pelo Ministério da Educação (MEC). Os componentes variáveis são aqueles
que atendem à normas internas das instituições, tais como as decisões de departamentos e de conselhos departamentais que tratam de ementas, programas e
articulações entre ensino, pesquisa e extensão na própria instituição de ensino superior(IES) na qual esses cursos se encontram alocados. Portanto os PPP da
cada instituição são resultado dos projetos políticos, pedagógicos nacionais para a formação de professores de artes visuais, mas possuem particularidades e diferenças entre si, pois também atendem aos anseios dos profissionais que compõem o quadro permanente e efetivo de cada curso. Não podem ser considerados
como modelos rígidos em que todos os profissionais tem de se encaixar, como se o único modo de interação possível fosse o de dever-fazer. Acreditamos que
cada instituição, e nela cada curso e nele, cada professor reagirá de forma diferente às experiências de formação institucional, tal como preconiza Nóvoa (1992).
Imbuído como coordenador de curso está um professor com suas próprias experiências e crivo de leitura de mundo que torna difícil, ou quase impossível separar
a sua vida de sua vida profissional como formador de professores.
Para nos aproximarmos desses coordenadores utilizamos um instrumento que denominamos de Protocolo de cessão e de enunciados provocativos composto de
três partes e duas funções distintas. A primeira função é a de compromisso ético com a pesquisa, nela tanto as pesquisadoras como os objetivos da pesquisa são
apresentados para que o coordenador de curso de licenciatura em artes visuais, destinatário desse instrumento, possa avaliar a sua participação e contribuição à
essa investigação. O envio por meio digital, torna essa primeira aproximação mais impessoal do que um contato face a face entre investigadores e investigados,
e por outro lado nos permite a utilização do mesmo procedimento nas três IES.
A segunda função que é a propriamente investigativa, está organizada a partir de uma dupla composição: dados objetivos e enunciados provocativos. Nos dados
objetivos será possível conhecermos um pouco do perfil do coordenador e sua atuação na pesquisa tanto como pesquisador e participante de grupo de pesquisa,
como de orientador e de participante como membro de bancas de Trabalho de Conclusão de Curso. Esses dados serão importantes para o andamento da investigação no que tange às etapas seguintes e que poderão envolver os temas, referências e metodologias dos TCC orientados por esse professor que também é
coordenador.
A segunda parte estão quatro Enunciados propostos para o debate sobre a pesquisa na construção da identidade docente em Artes Visuais que articulados aos
objetivos dessa investigação irão nos permitir aproximações com o que pensam esses coordenadores, como articulam os seu saberes com os preconizados nos
PPP dos cursos, com quais referenciais e metodologias fundamentam os seus enunciados de resposta e o que nos fazem saber de suas práticas e reflexões sobre
a pesquisa nos cursos em que atuam.
Os enunciados tal como são compreendidos nos estudos bakhtinianos são atos responsivos entre sujeitos, de interação entre eles. A linguagem nessa perspectiva
é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social que abrange a comunicação efetiva entre os sujeitos e os discursos nela envolvidos(Brait e Melo,2005).
Desse modo, os enunciados propostos cumprem um papel que na interação verbal face a face seria ocupado por um locutor que espera a alternância do sujeito no
texto verbal escrito, e nesse fazer o assumir a sua compreensão ativa como um ato-resposta. E como a voz presente nos enunciados é sempre dialógica, poderá
assumir como sua outras vozes, constituindo-se assim de um discurso polifônico.
Partimos então de enunciados concretos obtidos a partir de uma interação verbal escrita com os coordenadores de curso para a partir deles compreendermos e
conhecermos como outras vozes polifônicas se instauram e como a pesquisa se insere nelas. Portanto, os documentos oficiais só serão analisados quando e se
ganharem existência concreta nos enunciados produzidos. Nestes últimos, procuraremos apontar os enfrentamentos em relação a inserção da pesquisa na formação de professores em artes visuais. Analisaremos as formas e estruturas pedagógicas propostas para implementar a pesquisa na formação de professores,
apontando os dilemas conceituais e práticos dessas propostas. E, por fim, numa segunda etapa que essa investigação quer abranger e a partir dos dados objetivos de nosso instrumento teremos um recorte das pesquisas desenvolvidas nas três instituições a partir das pesquisas orientadas pelos coordenadores como
professores orientadores. Com elas, será possível um primeiro recorte da produção dos alunos e que envolve desde os temas, referências e metodologias dos
TCC e como neles se articulam e se tecem a identidade do professor de artes visuais nessas três IES.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
interfaces iniciais
Como retorno ao nosso convite de participação e contribuição com essa investigação recebemos resposta de duas coordenadoras de curso de Licenciatura em
Artes Visuais de duas diferentes IES pesquisadas, sendo que uma é coordenadora do curso presencial e a outra de curso na modalidade à distância1. Iniciaremos
com a apresentação da Coordenadora do Curso presencial.
Formada no ano de 2004 no mesmo curso que agora é coordenadora a nossa colaboradora concluiu o seu mestrado em História em 2007 e doutorado em Educação
em 2012, tendo realizado ambos na mesma IES na qual ingressou em 2010. Integra dois grupos de pesquisa credenciados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-Cnpq, e na data de acesso ao seu currículo lattes, tanto o projeto de pesquisa como o de extensão que estão em andamento
são integrantes de um dos grupos de pesquisa em que está vinculada. Como docente atua na disciplina de Fotografia e de Fotografia e Tecnologia, Intermídia e
Educação. Na análise de sua tese constata-se que a fotografia adolescente foi o seu objeto de investigação, o que nos permite afirmar que a sua atuação como
professora de artes visuais e o seu interesse pelas artes visuais já vinha sendo construído desde o seu doutorado. Se ampliarmos mais o foco de nosso olhar,
podemos afirmar que desde o mestrado a nossa colaboradora já se interessava por estudos da imagem, especificamente como no estudo que realizou que toma
a imagem como fonte histórica e os desenhos e pinturas de um artista como narrativas de determinado período histórico brasileiro de primeira metade do século
XIX. Estão nesses estudos desenvolvidos no mestrado e no doutorado, pesquisas já construídas a partir de duas abordagens diferenciadas que tomam como
corpus analítico a imagem. O referencial teórico e metodológico de ambas é o mesmo. Tomam os pressupostos da semiótica francesa e a preocupação com a
significação e produção de sentido dos textos plásticos visuais para o embasamento das análises realizadas.
Quanto a atuação de nossa colaboradora como orientadora de Trabalhos de Conclusão de Curso, temos no lattes um total de dezesseis(16), num período que
abrande desde o ano de 2007 à 2013. Como o nosso interesse está nos TCC do curso de Artes Visuais, vamos considerar os treze (13) trabalhos orientados
nesse curso, e entre eles 9 são do curso à distância e nesse curso a colaboradora atuou como professora nos Seminários Interdisciplinares e como Orientadora
de TCC em um dos Polos de Formação entre os 22 em que o curso à distância foi ofertado.
Numa apresentação geral temática, em que se considera o tema o objeto, ou assunto a partir do qual a pesquisa é desenvolvida, podemos propor uma categorização com o seguinte desenho. Entre os quatro TCC orientados do presencial três(3) tem como tema uma poética nesse caso em dois deles a fotografia, e no
outro o grafite e sua relação com o ensino fundamental. O quarto elege a artesania do brinquedo pedagógico a partir de objetos reciclados.
Entre os nove trabalhos orientados do curso à distância temos a seguinte categorização temática: três inserem-se numa perspectiva da arte como contribuição
para a inclusão de crianças e adolescentes à escola que poderíamos categorizar como práticas da arte inclusivas; três (3) com interesse em processos históricos
da educação e da história da arte; dois(2) com estudo de determinada poética como a fotografia e o vídeo de animação e um(1) especifico das linguagens artísticas na educação.
A categoria mais reiterada nas pesquisas orientadas por nossa colaboradora é a que envolve os estudos de poéticas, tal como apresentamos na descrição acima.
No que diz respeito a segunda parte de nosso instrumento denominado de Enunciados propostos para o debate sobre a pesquisa na construção da identidade
docente em Artes Visuais nas respostas fica presentificada a voz polifônica institucional, ou seja nossa colaboradora nos faz saber que a pesquisa nesse curso
e nessa IES é prevista e programada tanto pelo PPP do curso, como por outras iniciativas que o MEC adota em programas específicos de envolvimento das IES
com a educação básica e com as atividades de extensão. Como destacaremos a seguir:
“A pesquisa está inserida nas disciplinas de Projeto em Artes e Trabalho de Graduação. Além desses espaços especificamente dedicados à pesquisa, alguns professores do curso orientam projetos de iniciação científica. A universidade conta também com o Programa de Educação Tutorial
(PET) do qual participam cerca de 10 alunos do curso, cujas atividades englobam pesquisa e extensão.”(enunciado da colaboradora).
Sobre as bases e teóricas e metodológicas que embasam as pesquisas a afirmação é que cada professor as conduz de modo distinto. Entretanto, a pesquisa
está contemplada no PPP tanto do curso presencial como no curso à distância e ocupa uma posição específica e função no curso, ou seja está envolta de destinações dessa formação de professores de artes visuais. Como exemplo, no curso à distância ela está em um dos eixos em que o curso se estrutura, ou seja o
das Práticas do Ensino das Arte Visuais que congrega as disciplinas de formação pedagógica e compreende os Seminários, a Pesquisa, os Estágios e o Trabalho de Graduação. Os outros dois eixos são o de Formação Geral e Fundamentos Pedagógicos que trata dos subsídios teóricos e metodológicos associados às
questões pertinentes dos diversos campos conceituais e históricos das artes visuais e correntes pedagógicas e o da Formação nas Artes Visuais que congrega
os fundamentos e as linguagens visuais apresentadas em suas especificidades e características.
Ainda no PPP, entre os objetivos do curso e justificativa está a defesa de uma formação para uma educação estética que tenha como base para o homem o seu
ambiente, tal qual como (READ, 2002). Essa educação estética defendida no documento é uma educação dos sentidos e é pela educação através da arte que se
constituirá um ser sensível, social preparado para enfrentar uma sociedade tecnológica e multicultural contemporânea. Há uma base teórica e metodológica no
1 No decorrer da construção desse texto nossa colaboradora entregou o cargo de coordenadora do curso a distância.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
curso que poderia conduzir as pesquisas dos TCC e congregar os trabalhos de graduação desenvolvidos nesse curso. Mas, tanto pelo enunciados responsivos
de nossa colaboradora, como pela categorização temática dos TCC orientados ela não fundamenta a pesquisa desenvolvida com a sua orientação.
Nossa segunda colaboradora é Bacharel em Design Gráfico (1997- 2000) e licenciada em Artes Visuais (2003/2005) pela Universidade Federal de Goiás combinando um curioso perfil de graduação, seu currículo comprova atividades como designer antes da inserção como professora na rede pública do Estado de Goiás,
onde atuou por muitos anos no Ensino Fundamental e Médio incluindo Educação de Jovens e Adultos-EJA. É mestre em Cultura Visual (2008/2010) pelo programa de pós graduação da Faculdade de Artes Visuais, a mesma instituição na qual cursou as suas duas graduações. Seu trabalho de mestrado propõe enfrenta o
desafio de “como transformar olhares por meio da construção de imagens técnicas” compreendendo . provável Universo do Jogo, como espaço de subversão da
condição funcional dos usuários de tais aparelhos.
No curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade EAD foi professora substituta entre 2009 e 2010, tendo relevante papel na coordenação do desenvolvimento de material didático ou instrucional - atuação que se revelou importante, pois a competência técnica do design esteve aliada ás preocupações tanto
epistemológicas quanto políticas do ensino de artes visuais o que fundamental na parte da revisão pedagógica desse material.
Em 2010 faz concurso para professor efetivo para o curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade a distância no qual já fazia parte da equipe passando
a atuar também no curso presencial. Em 2011 assume a coordenação das Licenciaturas ofertadas na modalidade a distânica (UAB/PARFOR). Como já colocamos acima nesse texto, as funções de adminitração não dispensam as pedagógicas, e a nossa colaboradora divide-se entre as responsabilidades técnico-administrativas, as funções docentes nas licenciaturas a distância e na presencial, bem como na condução de projetos de pesquisa que envolve alunos de ambas
as graduações. Tem pesquisado contextos de formação de professores mediados pelas TICs e articulações poético- pedagógicas envolvendo ensino de arte e a
produção de imagens técnicas.
Atualmente pesquisa contextos de formação de professores mediados pelas TICs e intervenções poético-pedagógicas envolvendo ensino de arte e a produção
de imagens técnicas. Atualmente é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Média-Arte Digital parceria entre as Universidade Aberta de Portugal e Universidade do Algarve e o foco da investigação agora está na Transformação de Blogues em Artefactos da Média-Arte Digital. Coordenar um curso de Licenciatura
em Artes Visuais na modalidade a distância e viver a experiência de cursar um doutorado nessa mesma modalidade tem gerado conflitos os quais discutiremos
mais adiante, pois de certa forma, dizem respeito às nossas inquietações sobre o papel da pesquisa na formação de professores em artes visuais.
Dentre as muitas disciplinas que lecionou destacamos “Compreensão e Interpretação de Imagens” para a qual produziu um para material didático em pareceria
com alunos de disciplina similar na Licenciatura presencial. Outra disciplina que merece ser mencionada no contexto desse texto é a de Estágio supervisionado,
onde buscou a fomentar a construção de uma identidade docente a partir da percepção da produção poética dos alunos, futuros professores de artes visuais.
No entanto, transita mais a gosto nas disciplinas de Ateliê que exploram a construção de Poéticas Visuais Contemporâneas nas suas interrelações com Arte e
Tecnologia.
Dos onze trabalhos orientados registrados no lattes, identificamos cinco produzidos nos cursos de Licenciatura na Modalidade a distância (Prolicenciatura, trabalhos concluídos em 2011, primeira turma do curso da Universidade Aberta do Brasil- UAB 1- concluídos em 2010, e segunda turma da Universidade Aberta
do Brasil, UAB 2 traballhos concluídos em 2013). Os títulos revelam uma conexão entre esses TCC e postura de uma pedagogia crítica tais como questões da
estética feminina, relações preconceituosas entre homens e mulheres em sala de aula e muitos trabalhos de caráter autobiográfico com relatos de experiências
de percusos de formação docente. Já o segundo grupo de TCC é composto por orientações de estudantes da Licenciatura presencial, e alguns antecederam às
orientações dos alunos da Licenciatura EAD. Quase todas trazem experiências de “sala de aula” das quais são escolhidos pontos de reflexão de construções e
descontruções docentes. Dois trabalhos enfatizam de forma mais clara a produção poética transversalizando a construção docente. Temas que passam por quetões de estéticas do cotidiano, cultura afro brasileira, heranças da cultura/educação, estética indígena, quadrinhos, midia e tecnologias estão presentes nesses
TCC e podem indicar o processo de escolha de cada estudante ao definir seus caminhos investigativos , escolhas mediatizadas por busca por identificação com
professores e conteúdos dentro do curso como aponta a nossa professora/colaboradora:
“As bases teóricas e metodológicas utilizadas neste processo de disseminação investigativa são apresentadas e articuladas junto às experiências
construídas tendo por foco o diálogo entre seus repertórios pessoais e os repertórios dos estudantes, a partir dos conteúdos trabalhados no contexto das disciplinas.”(enunciado da colaboradora 2)
Vemos que a trajetória docente no ensino superior da nossa colaboradora coordenadora da Licenciatura na modalidade a distância é comprometida desde a
sua entrada na IES com o exercício de pesquisa na graduação e faz sentido a sua proposta de compreensão da pesquisa enquanto um exercício ampliado de
ação-reflexão-ação, entendo-se aqui um movimento contínuo de produção e retro-alimentação dos processos. Pensamos que esse movimento é perceptível na
transição dos trabalhos de TCC dos primeiros anos (2000/2011) dos estudantes da Licenciatura presencial que apontam questões mais próximas dos interesses
dos alunos enquanto que os temas dos segundo bloco, (quando da orientação de TCC nas Licenciaturas na modalidade a distância) as temáticas parecem dia197
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
logar mais próxima com as questões das poéticas de construção imagéticas, foco dos interesses investigativos da nossa professora, nesse movimento proposto
pela nossa colaborada em pauta. No entanto, ela esclarece que esta “compreensão ampliada de processos de ação-reflexão-ação”, especificamente nos cursos
na modalidade a distância, está “relacionada ao percurso formativo dos docentes que atuam no curso”.
Levantando as relações das listas organizadas de defesa de TCC onde consta nomes de estudantes (na sua maioria em grupo), temática estudada e orientadores e banca, encontramos uma variedade na constituição do conjunto de professores desempenham o papel de orientadores nos cursos EAD. Para orientar os
TCC, momento crucial da pesquisa no processo de formação do curso que está formando professores de artes visuais, encontramos uma variedade de formação
e de pertencimento desses professores. Ou seja, temos professores da casa da Licenciatura da casa (FAV), professores da FAV de outros cursos, bacharelado
em Artes Plásticas, Bacharelado em Design, estudantes de pós graduação de Artes e Cultura Visual assim como de outros programas de pós, mestrandos e
doutorandos também com variadas formações de origem (história, ciências sociais, jornalismo, comunicação, pedagogia, etc...) sendo muito difícil apontar bases
teóricas metodológicas de todos esses professores que atuaram como orientadores. No Documento de Normatização do trabalho de conclusão de curso Curso
de artes visuais - licenciatura (a assim chamada modalidade presencial) encontramos a seguinte observação:
A preocupação da FAV tem sido cada vez mais freqüente e crescente no sentido de articular simultaneamente atividades de Ensino, Pesquisa e
Extensão. Formar o professor pesquisador tem sido uma das metas da unidade e da universidade. A formação integrada está prevista no Estatuto e
Regimento da UFG, Portaria no 1150, DOU: 08/11/1996, página 23239, no TÍTULO III do Regime Didático-Científico, Capítulo DO ENSINO, Art.54
ao Art. 63, que dispõe sobre ensino, pesquisa e extensão, na Graduação e na Pós-Graduação.
(http://www.fav.ufg.br/interna.php?pagina=graduacao_licenciatura)
Será que todos comungam com este documento? Ou como essa proposição é compreendida por um grupo tão diverso? Nossa colaboradora ao responder sobre
Bases teóricas e metodológicas para a pesquisa na formação do professor de Artes Visuais diz que “ Para informar que referenciais teóricos relacionam-se ao
movimento ação-reflexão-ação seria necessário investigar junto ao corpo docente suas bases teóricas e metodológicas”. Considerando a diversidade desse corpo
docente na ead no caso da FAV, podemos perguntar se essa diversidade importa ou não importa no processo de formação dos nossos almejados professores/
pesquisadores? Essa concepção preconizada nas propostas curriculares (PPC) em em outros documentos que regulamentam a produção de TCC e Estágio
acontece por força do conjúro dos nossos desejos aos escrevermos esses documentos? Ou acontece de qualquer maneira não importando a “concepção” de
quem oriente os TCC? Assim, considerar o percurso formativo desse leque amplo de professores orientadores que atuam no curso, é talvez um outro desafio que
se apresenta para pensarmos a questão da formação de professores em artes visuais ....
No mesmo documento de normatização do TCC, encontramos o seguinte detalhamento sobre a formação professor/pesquisador:
Essa formação está prevista no Projeto Político Pedagógico do Curso de Artes Visuais – Licenciatura, como um dos três eixos epistemológicos da
formação do professor, que deverá centrar-se em três núcleos: a) formação teórica e prática específica em artes visuais; b) formação pedagógica
centrada nas disciplinas de ensino e nos estágio e c) pesquisa, que deverá ser contemplada através dos Projetos de extensão (PROEC) e pesquisa
(PIBIC, PIVIC, PROLICEM e FUNAP) e pelo TCC
(file:///C:/Users/Leda/Downloads/Normas_de_TCC%20(1).pdf)
Nos parece que os centramentos propostos a), b) e c) coloca cada coisa “no seu quadrado” e geram questionamentos bastante conhecidos entre nós, por exemplo:
a formação pedagógica (b) acontece em instâncias diferenciadas da formação específica em artes visuais (a) e da formação para a pesquisa? Este documento de
normatização é da Licenciatura presencial, mas, como argumenta Sampaio (2012), ainda fazemos EAD aos moldes da Licenciatura presencial. O documento de
normatização de TCC das Licenciaturas em Artes Visuais na modalidade a distância não está na página oficial da FAV, mas pode ser acessado por professores
e estudantes que tenham senha na plataforma moodle, o Ambiente Virtual de Aprendizagem onde o curso acontece. No AVA encontramos no documento que
normatiza o TCC da EAD a proposição da formação do professor/pesquisador
[...] como um dos quatro eixos epistemológicos da formação de professores (indicados no PPC), que deverá centrar-se em quatro núcleos: a) formação em ensino de arte; b) cultura, tecnologias e diálogos; c) arte, estética e contextualização história d) cultura, tecnologias e diálogos; e a pesquisa, que deverá ser contemplada através dos Projetos de Extensão (PROEC) e pesquisa (PIBIC, PIVIC, PROLICEM e FUNAPE) e pelo Trabalho
de Conclusão de Curso – TCC.
http://ead.fav.ufg.br/file.php/1/ArquivosDisciplinas/UAB_2/2013_1/TCC_I_- 2013_1_e_2/normas_TCC_UAB_PARFOR_eadfav_CD.pdf
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Entendendo a nossa professora/coordenadora colaboradora como integrante, conhecedora e construtora dessa proposição (que a nosso ver avança na proposta
da Licenciatura presencial) sua resposta em relação a bases teóricas metodológicas da pesquisa na formação de professores em seu contexto, pode ser considerada tímida, pois sua performance indica um grau de consciência do que faz e de um olhar atento para o entorno dessa formação. O trecho do documento acima
indica escolhas, pistas de bases “teóricas metodológicas” nos quatro núcleos propostos em consonância com os núcleo a) formação em ensino de arte; b) cultura,
tecnologias e diálogos; c) arte, estética e contextualização história d) cultura, tecnologias e diálogos; e a pesquisa, que, infelizmente, em nenhum momento, indica
que ela pode acontecer em sala de aula ou em situações pedagógicas.
pontos, pontas e alinhavos provisórios
Os depoimentos das duas colaboradoras, diferem-se a princípio por um apresentar uma percepção mais subjetiva das questões nos Enunciados propostos para
o debate sobre a pesquisa na construção da identidade docente em Artes Visuais enquanto o segundo atém-se aos aspectos já regulamentados e institucionalizados. No entanto nos dois depoimentos, fica evidente a foco na ação docente, tanto em termos de repertório, quanto de ACÃO.
Em relação a Modos de disseminação das pesquisas realizadas, ou a quem interessa as pesquisas as duas colaboradoras sugerem existir um compartilhamento
das pesquisas no ambiente acadêmico (inter-extra). Curioso que uma das colaboradoras estabelece uma espécie de divisão, enquanto os docentes compartilham
as pesquisas no ambiente acadêmico (congressos, publicações e novas pesquisas) os estudantes compartilham em sua prática docente, ao se referir às pesquisas de iniciação científica ou PET, pois elas são divulgadas em eventos internos da própria universidade. Aqui temos mais uma divisão de “produção, circulação
e consumo” do saber “científico” , o que de novo, exclui a sala de aula. Mais do que uma mera divisão, esses dois campos podem indicar uma concepção de
formação de professor/pesquisador que ainda merece ser discutida, confrontada, debatida para saber por onde passa nossa compreensão e desejos de que a
mesma aconteça.
Nenhum enunciado indica ou dá exemplo de possíveis bases teóricas metodológicas, condicionando uma resposta a uma consulta as bases dos professores.
Ora, se estamos nos dois casos em instâncias de formação de professores de artes visuais, não temos aí nenhuma conexão com esta formação de professores
em artes visuais? A “falta” que nos enunciados se presentifica aponta para:
a) ausência de conexão com o campo de formação incial....
b) ausência de algo mais específico da identidade das duas instituições, por exemplo, cultura visual, processos poéticos, multiculturalismo, etc....
c) essas ausências, deixam em aberto (o que pode parecer democrático) a oportunidade de construções coletivas e compartilhadas não previstas nos PPP dos
cursos, mas podem também configurarem-se como um abismo, pois tal como ele, rompem a superfície necessária por onde circulam os diversos discursos que
as discussões sobre pesquisa podem tecer. Tessituras sobre o que, como, e de que forma, podemos como formadores assumir a responsabilidade da ausência
nessa formação de professores de artes visuais.
Referências
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IRWIN, R. A/R/Tografia: uma mestiçagem metonímica. In: BARBOSA, A. ; AMARAL, L. (Org.). Interterritorialidade: mídias, contextos e educação. São Paulo:
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__________.(org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1992.
SANTOS, Boaventura S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Porto:Afrontamento,1989.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
SAMPAIO, L. de F. Jurema. O que se ensina e o que se aprende nas licenciaturas em artes Visuais a distância? Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar/
Matinhos/Vol.5, n.2, p.1-136/jul./dez./2012.
Lêda Guimarães, é professora da Universidade de Goiás. Graduada em Licenciatura em Educação Artística pela Fundação Armando Álvares Penteado
(1985), Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí (1995) e Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo (2005). Pós-doutora pela Universidade Complutense de Madrid. Coordenou o curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade EAD/UFG. Foi vice-presidente da Federação de Arte
Educadores do Brasil-FAEB (2011/2012). É membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas- ANPAP. É autora do livro:
A Natureza feminina do cerrado (Max Gráfica &Editora, 2006).
e-mail: [email protected]
Moema Martins Rebouças, é professora associada da Universidade Federal do Espírito Santo. Licenciada em Desenho e Plástica, com Mestrado em
Educação e doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Pós-Doutorado na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. É pesquisadora
do CNPq, líder do Grupo de Pesquisa de Processos Educativos da Arte-GEPEL da UFES e membro do Centro de Pesquisas Sociosemióticas- PUC/SP e da
Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas- ANPAP. É autora do livro: O Discurso Modernista da Pintura (2003).
e-mail: [email protected]
200
Índice
Index
Início
Start
A INCLUSÃO DA MULHER E SUA ARTE NA ARTE/EDUCAÇÃO PARA UMA SOCIEDADE MAIS IGUALITÁRIA
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Silvia Tereza Moura Silva / Maria das Vitorias Negreiros do Amaral
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Resumo
Mostrando que a relação de submissão ao homem que a mulher apresenta na história da sociedade está presente também na história da arte, este trabalho tem a
intenção de mostrar que a capacidade de produção artística não depende de gênero. Referindo-se à arte produzida a partir dos anos 60 em Pernambuco, possui
cinco artistas pernambucanas que dão base para as discurssões apresentadas. Ladjane Bandeira, Guita Charifiker, Tereza Costa Rêgo, Anna Guerra e Bárbara
Colier. Busca também relacionar a obra das artistas com as questões feministas dos períodos a que pertencem.
Palavras–chave: arte;arte/educação;mulher;feminismo
Introdução
Historiadoras e escritoras como, por exemplo, Linda Nochlin, Griselda Pollock, Virginia Woolf questionam em seus trabalhos a inexistência de mulheres na história
da sociedade, inclusive no campo da arte. Explicando que a relação de inferioridade feminina perante os homens é presente desde o começo da história da humanidade, portanto, faz parte também da construção da história escrita e estudada até os dias de hoje, causa da falta de conhecimento de grandes artistas mulheres.
Academia Imperial de Belas Artes foi fundada na cidade do Rio de Janeiro em1816, mas foi inaugurada como referência nos estudos das artes,
apenas em 1826. Em 1840, a Academia começou a promover exposições abertas para alunos e não alunos, desde que passassem pelo crivo dos
professores acadêmicos, permitindo assim a entrada das artistas mulheres no circuito cultural, sob a categoria de “amadora”. O estudo das mulheres artistas começou a ser possibilitado em 1881 quando o Liceu de Artes e Ofícios, criado em 1857, abriu suas portas às mulheres. Na tradicional
Escola Nacional Na tradicional Escola Nacional de Belas Artes às mulheres só foram aceitas como alunas em 1893.(LEAL,2012)
Nesse contexto, este trabalho busca, primeiramente, compreender como acontece o processo de inclusão da mulher artista na sociedade pernambucana, levantando questões como: O cenário artístico de Pernambuco, a partir dos anos 60, teria privilegiado artistas homens? Como é vista a mulher pela sociedade durante
esse período? Sua produção levanta questionamentos feministas? E na segunda etapa, discute a partir das artistas pesquisadas - Ladjane Bandeira, Guita Charifker, Teresa Costa Rêgo, Anna Guerra, Barbara Collier - diferentes narrativas artísticas do feminino. Com o questionamento: Estariam estas narrativas artísticas
produzidas por mulheres mudando junto com a sociedade? Baseando-se, em relatos de artistas, nas suas obras, catálogos e exposições, o estudo se dá através
da contextualização de artistas pernambucanas juntamente com o período que sua arte foi produzida.
Materiais e Métodos
Primeiramente, através de pesquisas bibliográficas referentes às condições das mulheres na sociedade, foi delimitado o período a qual a pesquisa se refere: década de 60 aos dias de hoje. Essa parte foi estudada através de teses que buscam entender o começo do feminismo, assim foi pesquisada a concepção de arte
e feito a contextualização política, histórica e cultural do período escolhido. Depois foi feito um Levantamento de artistas pernambucanas através de catálogos
de exposições e livros catálogos sendo escolhidas cinco artistas para servirem de fundamentação. Onde três representariam o processo de inclusão da mulher
no mundo da arte e duas seriam referentes à atualidade. Na conclusão desta parte houve um breve estudo sobre suas vivencias profissionais enquanto artistas.
Na segunda parte com a releitura de tudo o que foi feito, foi perceptível que faltava uma análise mais profunda sobre o caminho percorrido pelas artistas que
iriam ser referentes ao processo de inclusão, pois seria necessário mais do que um estudo de suas obras para entender como esse processo aconteceu. Assim
foi dedicado um tempo maior a pesquisa e interpretação de entrevistas, depoimentos e notícias não só das mesmas como também de outros artistas da época.
Além da pesquisa sobre suas vidas pessoais e profissionais que se deu da mesma forma.
Depois foi estudado de que forma a arte traz questionamentos sociais para assim ser analisada produção de artistas mulheres, observando traços que representariam o ser mulher hoje na sociedade e as lutas feministas.
Por fim foi feita uma análise comparativa da produção das cinco artistas, não no sentido de qualidade ou importância, mas sim na representatividade do feminino.
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Resultados
Percebe-se que o processo de inclusão da mulher na aprendizagem da arte inicia-se antes dos anos 60, mas o quantitativo de mulheres artistas reconhecidas no
mundo da arte continua sendo significativamente inferior ao dos homens. À mulher é dado o direito de estudar arte, nesta época, porém na sociedade seu papel
continua a ser submisso ao do homem. A sua produção artística não tinha o intuito explicito/consciente de levantar a bandeira do feminismo, mas abrem espaço
para outras mulheres serem inseridas no mundo da arte.
Hoje, com uma sociedade legalmente igualitária diante do gênero, culturalmente mulheres ainda percorrem o caminho para alcançar essa paridade. Assim, vemos
a existência de uma produção artística voltada para a luta feminista, em busca do direito da igualdade, de algumas artísticas contemporâneas.
Discussão
Entre 1952 e 1957 aconteceu em Pernambuco o surgimento e vida do Atelier Coletivo, fundado por Abelardo da Hora, e que tinha como objetivo de proporcionar
um ambiente livre para produção artística e formação de jovens artistas. O Atelier foi de grande importância para formação da identidade artística de Pernambuco,
pois rompia com a forma acadêmica tradicional da Escola de Belas Artes, fundada em Recife em 1932. Era o momento da busca pela arte pernambucana que por
muito tempo foi apenas uma reprodução da arte europeia. Nesse contexto, surgem três artistas a serem estudadas nessa primeira fase do trabalho:
Ladjane Bandeira: considerada a primeira mulher a registrar arte em Pernambuco. Ladjane lutou pelo reconhecimento da produção artística. No mesmo ano que
fez sua primeira exposição individual, com 130 trabalhos, fundou, junto com Aberlardo da Hora, a Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR) com o propósito
de criar um amplo movimento cultural, abrangendo as áreas de educação, cultura, artes plásticas, teatro e música e dando origem ao que se denominou futuramente Atelier Coletivo. Foi redatora da Seção de Artes Plásticas do Jornal do Comercio por mais de dez anos. Simultaneamente a palestra que conferia, matérias,
artigos e críticas de arte do jornal produzia seus trabalhos artísticos. Ladjane surpreende por ter um currículo vasto de experiências e pesos de relevância em sua
área, em uma época em que as mulheres ainda buscavam se libertar das determinações que eram impostas pela sociedade. Além de ganhar vários prêmios com
suas obras foi escolhida mais de uma vez como personalidade cultural do ano em nível nacional.
Guita Charifker: estudou desenho e escultura no Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna de Recife. Colaborou com a fundação do Atelier da Ribeira, em
Olinda, no qual organizou a primeira exposição apenas de mulheres em Pernambuco. Guita se viu obrigada a escolher entre sua carreira artística e sua função,
a que foi ensinada desde criança: mãe de família. Acabou se separando para dedicar-se a carreira artística.
Tereza Costa Rêgo: entrou para Escola de Belas Artes com 15 anos. Casou-se e teve duas filhas. Dedicou-se à pintura, ganhou três prêmios do Museu do Estado e outro da Sociedade de Arte Moderna. Abandonou o casamento e se envolveu com questões políticas comunistas. Observando a vida dessas três mulheres
artistas, a pergunta de Linda Nochlin parece ficar sem sentido: em “Why Have There Been No Great Women Artists?” Nochlin questiona, no início dos anos 70,
porque os considerados grandes gênios da história da arte são homens, enquanto é dado pouco mérito aos trabalhos realizados por artistas mulheres.
A partir dessa questão foram analisados os depoimentos prestados a José Claudio, presentes no livro “Memórias do Atelier Coletivo”. Em nenhum deles, inclusive
depoimentos de Guita, Ladjane, Celina Lima Verde e Maria de Jesus Costa houve qualquer sinal de discriminação de artistas por conta do gênero, exceto quando
rapidamente em seu depoimento, Maria de Jesus diz que, enquanto casada, a única atividade artística exercida com apoio de seu marido (um pintor húngaro) era
limpar suas palhetas no fim do dia, porém afirma que dentro da cena pernambucana ela se sentia em casa.
Em entrevista dada a Maria das Vitórias Negreiros do Amaral, Tereza Costa Rego falou o que percebia a respeito dos preconceitos de gênero no mundo da arte.
Eu não sinto preconceito não. O negócio daqui do Recife, que, aliás, do Rio também é, é o medalhão. Eu cheguei com muita humildade, meu quadro
não valia nada, agora tudo que eu faço, eu vendo. Eu morro de rir, porque, às vezes, nem é o melhor que eu vendo. Se eu pudesse ter como Brennand, era o que eu mais gostaria, não precisar vender, porque nem sempre as pessoas que compram, entendem o que estão comprando. A gente
tem que vender pra sobreviver, mas... Eu acho que é mais que o preconceito de mulher, de homem, é não, é do medalhão. Então, tem o mercado
de arte daqui, eu e Maria Carmen vendendo num preço alto, no preço de Zé Cláudio, vamos dizer. Aí, tem Câmara e Reynaldo que vendem mais
caro que a gente.
(Tereza Costa Rego citado em AMARAL, Maria das Vitórias Negreiros do Amaral. O Reencontro dos Tempos de Artistas-Mulheres em Pernambuco
e a Aprendizagem da Arte, tese de doutorado, USP, 2005.)
Apesar de não ser observada, nos depoimentos, exclusão das artistas por serem mulheres, é notória a diferença no quantitativo de artistas dos dois gêneros:
enquanto Ladjane era a única mulher no meio de sete homens na fundação do SAMR, entre os ativos estudantes do ateliê, Guita se encontrava com mais duas
mulheres entre cerca de sete homens. Anos mais tarde, José Cláudio publica o livro “Artistas de Pernambuco” contendo uma coletânea dos artistas pernambucanos da época e mais uma vez a diferença é gritante: entre cerca de cento e cinquenta artistas homens é catalogado trinta artistas mulheres. No posfácios, o
autor deixa claro que o único critério para escolher os/as artistas seria que não haveria critérios para qualificação do que seria arte. Ou seja, nenhum artista seria
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desqualificado por estilo, classe social ou seu gênero.
Respondendo a pergunta de Nochlin, baseando nas artistas estudadas e em seu contexto, a inexistência de grandes artistas mulheres, na verdade, seria uma
falsa conclusão causada pela disparidade entre a quantidade de artistas homens em relação às mulheres reconhecidos na história da arte. Entre pontos discutidos, segundo a interpretação de Lina Alves Arruda, Linda mostra que a situação social do/a artista é condicionante para o seu sucesso, pois ela é determinante na
dedicação aos trabalhos. Assim, é preciso conhecer as condições da vida da mulher na sociedade para poder, então, compreender que grandes aptidões artísticas
nunca foram inerentes ao gênero, e sim que limitações existentes no papel da mulher impediram por muito tempo grandes oportunidades de reconhecimentos
artísticos.
A culpa não está em nossas estrelas, nossos hormônios, ciclos menstruais ou espaços internos vazios, mas em nossas instituições e em nossa
educação. Considerando que educação inclui tudo o que nos acontece desde o momento em que entramos no mundo de símbolos, signos e sinais.
(NOCHLIN, 1971: p.28 citado em ARRUDA, Lina Alves 2011)
Aplicando a tese de Linda a situação antes estudada em Pernambuco, é compreendido que não havia uma exclusão da mulher artista e sim que, a falta de artistas
mulheres era reflexo de uma sociedade que ainda sofria com a ditadura do patriarcalismo, a onde era permitido as mulheres estudarem desde que não atrapalhe-se sua função principal de mãe e esposa. Isso explicaria a relutância de algumas artistas a participarem de exposições apenas de mulheres; O medo de que
“exposição feminina” aludisse à ideia de inferioridade em relação a exposições de homens.
Hoje, a lei brasileira é igualitária diante do gênero, porém culturalmente a sociedade ainda possui reflexos de séculos de desigualdade. Segundo o IBGE a um
predomínio de mulheres com 11 anos ou mais de estudo, porém ainda são desfavorecidas no mercado de trabalho.
Para as mulheres que possuíam nível superior completo o rendimento médio habitual foi de R$ 2.291,80 em janeiro de 2008; enquanto para os
homens esse valor foi de R$ 3.841,40. Assim, comparando trabalhadores que possuíam o nível superior, observou-se que o rendimento das mulheres é cerca de 60% do rendimento dos homens, indicando que, mesmo com grau de escolaridade mais elevado, as discrepâncias salariais entre
homens e mulheres seguem elevadas. amulheres ainda percorrem o caminho para alcançar essa paridade. Assim, vemos uma produção artística
voltada para a luta feminista, em busca do direito da igualdade, de algumas artísticas contemporâneas.(IBGE,2008)
Nas artes, vemos cada vez mais manifestações voltadas para questões e conscientização social devido à eliminação oficial de diferença entre as várias facetas
da sociedade brasileira somada a persistências das mesmas na cultura da sociedade. Manifestações artísticas são manifestações que tem como objetivo levantar
questões ou trazer informações acerca da sociedade, mas possuem uma forte intenção e\ou preocupação estética, como diz Cristina Costa em seu livro “A imagem da mulher, um estudo de arte brasileira”:
Assim, ao lado da importância do conteúdo documental selando uniões, consagrando vitorias, enumerando patrimônios e celebrando nascimentos,
existe outro valor, em certos enunciados, que podemos chamar de poético. Esse aspecto, ou valor, decorre não dá importância informativa de seu
conteúdo mas de uma preocupação com a forma que, como na iluminura analisada por Manguel, se evidencia na organização das figuras no plano,
na criação do espaço, na proporcionalidade das formas, no gesto e no talento do autor (COSTA,A IMAGEM DA MULHER,2002)
Essa preocupação com a forma que Costa diz ser determinante para diferenciar uma manifestação artística de um ato jornalístico, por vezes faz com que o observador anule o aspecto informativo da manifestação, quando que, justamente a união desses dois aspectos é de fato a expressão do artista e fundamental para
a compreensão total da obra. Nesse sentido, sendo o artista um ser social e a sociedade a união de pessoas ligadas por ideias ou por algum interesse comum
(priberam dicionário) podemos a partir da expressão do artista identificar características da sociedade em que ele está inserido.
Com temas como Universo, sensualidade, pecado, paisagens e cotidianos, as obras de Guita, Ladjane e Tereza trazem um novo angulo sobre a sociedade: o da
visão da mulher. Porém suas obras não abordavam questões feministas, isto é, o objetivo principal não era defender igualdade para as mulheres ou expor sua
situação social de inferioridade. Isso se deve por elas participaram de uma época em que a produção artística se preocupava primeiramente com a legitimação
do ser artista e dar forças a cena artística pernambucana.
Anna Guerra e Barbara Collier trazem, de formas diferentes, o atual universo feminino em suas obras. Barbara, formada no curso de Educação Artística pela
UFPE, levanta explicitamente com sua ação “Como tirar a vida que existe dentro de você”(2004) e performance “Musa”(2005) questões como aborto, estrupo e
padrões de beleza. Temas também vistos na produção plástica das artistas brasileiras Nazareth Pacheco e Karen Lambrecht.
Ana traz o nordeste e a mulher nordestina em suas pinturas representando por vezes o papel
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
da mulher comum do nordeste.
Apaixonada pela atmosfera nordestina e pelo ambiente dos engenhos, quase sempre retrato o cenário e a cultura do Nordeste brasileiro em minhas
obras, principalmente o universo feminino. Ao pintar as mulheres nordestinas, tento transmitir uma força e solidez que nem sempre estão presentes na
realidade dessas pessoas.Nas minhas obras predominam os tons pastéis contrastados com as cores vivas e as formas bem definidas, característica
que varia de acordo com o momento, o meu momento. Cada quadro apresenta um recado que tento transmitir com figuras simbólicas, mostrando a
força da mulher nordestina, sua determinação e garra, a luta com um mundo nem sempre hospitaleiro e, muitas vezes, hostil. A ausência de olhos
em alguns quadros representa a valorização de emoções internas, uma vez que conto através das cores, histórias sem versos, histórias de luta, de
garra, histórias folclóricas, de crenças, histórias do cotidiano, histórias de um povo vencedor, histórias do Nordeste. Histórias, quem sabe, vividas
por mim. Às vezes penso que me pinto
(GUERRA,entrevista Procenge News, 2012)
Relacionando a temática na produção artística de Tereza Costa Rêgo e Ana Guerra percebe-se uma exploração diferente do feminino entre as duas épocas.
Tereza cujas obras têm mulheres pintadas constantemente, mostrando algumas vezes a mulher em condições de dificuldades sociais, não deixa de representar
o feminino de uma forma romantizada onde a mulher permanece exposta com a sensualidade, beleza e delicadeza imposta pela sociedade. Já na produção de
Ana, mesmo com traços delicados nos aspectos físicos da mulher, se percebe a retratação do gênero feminino com aspectos de independência e força.
Apesar das mulheres começarem a serem aceitas nas instituições de ensino de arte em 1881, nos anos 60 ainda é latente a diferença na quantidade de mulheres
reconhecidas no campo da arte em relação aos homens. Nas obras das artistas analisadas não a uma luta gritante contra essas diferenças, mas por serem mulheres que conquistaram muito além daquilo que era esperado pela sociedade, abriram portas, com suas conquistas pessoais, mesmo que de forma inconsciente
para as conquistas de todas as mulheres dentro da sociedade pernambucana. Com a igualdade de gêneros se tornando oficial perante a lei e de fato continuar
relutante no cotidiano da sociedade, a produção de algumas artistas passam então a questionar e mostrar essa persistência.
A retirante, 2004. Anna Guerra
Bairro do Recife, 1992. Tereza Costa Rêgo
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Paisagem de Olinda,Guita Charifker
O Gesto e o Grito, série, Ladjane Bandeira
Referências Bibliográficas
AMARAL, Maria das Vitórias Negreiros do Amaral. O Reencontro dos Tempos de Artistas- Mulheres em Pernambuco e a Aprendizagem da Arte, tese de
doutorado, USP, 2005.
ARRUDA, Lina Alves. Revisões feministas das histórias da arte: contribuições de Linda Nochlin e Griselda Pollock. Unicamp 2011 disponibilizado em 10/04/2014
BARBOSA, Ana Mae. Artes plásticas no nordeste. 1997.
CLÁUDIO, José. Artistas de Pernambuco. 1982.
CLÁUDIO, José. Memórias do atelier coletivo. Brasil, 1978.
CLÁUDIO, José. Tratos da arte de Pernambuco. 1984.
COSTA, Cristina. A imagem da mulher – um estudo da arte brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Senac, 2002.
DINIZ, Carmen Regina Bauer. Movimentos feministas da década de sessenta e suas manifestações da arte contemporânea. ANPAP, 2009, Salvador, Bahia
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
IBGE, Algumas características da inserção das mulheres no mercado de trabalho. Brasil, 2008. Disponibilizado em http:
//www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_mulher/Suple mento_Mulher_2008.pdf
LEAL, Priscilla Cruz. Mulheres Artistas: Há desigualdade de gênero no mercado das artes plásticas no século XXI?. VII ENECULT Bahia, Salvador 2012.
MACEDO, Ragnaia Coutinho. A mulher como produtora de arte – estudo de caso sobre a presença feminina na academia imperial e escola nacional de
belas artes no Rio de Janeiro. século XIX. Brasil, Universidade Federal de Uberlândia.
PEDROSA(ORG), Sebastião. O artista contemporâneo pernambucano e o ensino da arte. Editora Universitária da UFPE, 2011.
Priberam, dicionário da Língua Portuguesa virtual. Disponibilizado em http://www.priberam.pt/dlpo/sociedade 10/04/2014.
Procenge News. Entrevista, 2012. http://www.procenge.com.br/site/entrevista-anna-guerra/
REIS, Paulo. Arte de vanguarda no Brasil. 2006.
Quadros retirados de:
http://quadroseretratos.wordpress.com/2013/04/29/guita-charifker/
http://www.ladjanebandeira.org/v8/inicial.html
http://www.terezacostarego.com.br/site/ http://annaguerra.com/2011/
Silvia Tereza Moura Silva, Estudante do Curso de licenciatura em artes visuais- CAC – UFPE.
e-mail: [email protected]
Maria das Vitorias Negreiros do Amaral, Docente/pesquisadora do Depto de Teoria da Arte e Expressão Artística – CAC – UFPE.
e- mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
O ENSINO DE ARTES VISUAIS COMO POSSÍVEL CARTOGRAFIA NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS(AS)
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Fábio Wosniak / Jociele Lampert
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
Resumo
O ensino de artes visuais como possível cartografia na formação de pedagogos(as), pretende
apresentar uma reflexão sobre a formação de Pedagogos(as) no Campo de Conhecimento que envolve a área de Artes Visuais. Esse projeto de formação contempla estudos teórico-práticos que emergem das nossas experiências como Artista/Professora/pesquisadora e como orientadora de um Pedagogo mestrando
no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais.
Palavras-chave: Formação de pedagogos (as). Ensino de Artes Visuais. Cartografia.
Abstract
The teaching of visual arts as a possible mapping in the formation of teachers, intends to present a reflection on the formation of Educators in the field of knowledge that surrounds the area of Visual Arts. This project includes theoretical and practical training studies that emerge from our experiences as artist / teacher /
researcher and as an Educator guiding graduate student in the Graduate Program in Visual Arts.
Keywords: Training of teachers. School of Visual Arts. Cartography.
1. Introdução
A importância de uma coisa não se mede com fita métrica... que a
importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produz em nós.
Manoel de Barros
A necessidade de pensar a formação em artes visuais nos Cursos de Licenciatura de Pedagogia não é algo novo. Desde a década de oitenta em congressos
promovidos pela Federação de Arte Educadores do Brasil, tem-se discutido acerca da inserção de disciplinas sobre os “fundamentos da arte-educação” em Licenciaturas que formarão professores para atuarem nos primeiros anos da Educação Básica no Brasil.
Desta forma, após a Resolução CNE/CP No 1, de 15 de maio de 2006, publicado no diário Oficial da União – Brasília 2006, seção 1, p.11; foram instituídas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura.
A Resolução CNE/CP No 1, traz para o curso de Licenciatura em Pedagogia que, esse docente deverá ensinar Artes, entre outras áreas do conhecimento, considerando as diferentes fases do desenvolvimento humano. Porém, a Resolução não especifica qual linguagem de Arte o futuro profissional deverá ensinar, nem
tampouco, como será a sua formação no campo artístico. Cabendo as Instituições de Ensino Superior definir essa trajetória formativa do futuro discente.
Outro ponto importante de ser analisado na Resolução CNE/CP No 1, diz respeito ao Art. 3, onde o texto ressalta que:
O estudante de pedagogia trabalhará com um repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em princípios de interdisciplinaridade, contextualização,
democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética.
Nesta citação, podemos observar dois pontos relevantes a serem observados, pois o documento não explicita conceitos sobre: informação, sensibilidade afetiva
e estética.
Dentro do Curso de Pedagogia, no qual estamos debruçados para analisar o Projeto Político Pedagógico, da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC;
observa-se apenas uma disciplina que contempla as Artes Visuais. A disciplina é oferecida na terceira fase do curso, com quatro créditos, sendo dois teóricos e
um prático. Na ementa consta:
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Pressupostos teóricos e metodológicos das artes visuais na educação em espaços e tempos escolares. Especificidades da produção de
conhecimento em artes visuais em diferentes idades e contextos. Linguagens visuais:
criação, materiais, técnicas, análise e contextualização. (PPP/FAED p.22)
Como o futuro pedagogo(a) poderá entrar em contato com as especificidades do campo das Artes Visuais, sendo que a oferta do curso é de apenas uma disciplina
de quatro créditos?
Nesse sentido, é aconselhável revermos o que traz a citação anterior, na qual a Resolução CNE/CP No 1, levanta que esse profissional trabalhará com um repertório de informação e habilidades composto por pluralidades de conhecimentos (teóricos e práticos).
Sabemos, segundo Larrosa (2002), que a informação não é experiência e, que uma Educação pautada no pensar, no dar “sentido ao que somos e ao que nos
acontece” (LARROSA, 2002, p. 21), poderia estar alicerçada em construir experiências aos estudantes. Ainda, segundo o autor, “a informação não faz outra coisa
que cancelar nossas possibilidades de experiências”. (LARROSSA, 2002, p. 22).
Não se trata então, de oportunizar aos estudantes do Curso de Pedagogia, informações acerca do campo das Artes Visuais, nem tampouco, instrumentalizar esse
profissional para que ele deixe o curso de Licenciatura preparado para ministrar aulas de Artes Visuais nas modalidades de Educação Fundamental I, Educação
Infantil ou na educação de Jovens e Adultos.
Mas sim, o que nos parece possível, antes de qualquer afirmação sobre o campo das Artes Visuais nas Licenciaturas em Pedagogia, é perscrutar como essa área
do conhecimento vem sendo trabalhada/abordada no Curso de Pedagogia da instituição em que desenvolvemos o estudo de caso.
Para isto, cabe observar documentos que tornam legítimos o Campo das Artes, no Curso de Pedagogia. Tentando, a partir de levantamentos bibliográficos deambular sobre conceitos de experiências estéticas, educação, arte/educação, pedagogia, formação de pedagogos no campo das Artes Visuais, desenvolvimento
infantil. Possibilitando assim, seguir cartografias que envolvem a formação de professores qualificados para trabalhar/abordar conteúdos que são de fato de áreas
específicas.
2. Uma possibilidade de olhar: construindo concepções para um futuro projeto em Artes Visuais no Curso de Licenciatura em Peadgogia
A experiência é a experiência de saber-nos provisórios em todos os tempos, finitos em todos os espaços, dóceis de quase tudo, seguros de nada,
vulneráveis a qualquer palavra, qualquer carícia, a qualquer outro.
Carlos Skliar
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Imagem 1 – Grupo de Estudos Apotheke1. Técnica: Monotipia e fabricação de tinta óleo. Estudos sobre Educação através da pintura. Coordenação Profa. Dra Jociele Lampert.
Laboratório de Pintura do Departamento de Artes Visuais – UDESC/SC. Março de 2014.
Como método de pesquisa, em um Mestrado em Artes Visuais, propomos desenvolver um estudo de caso observando um método cartográfico para a pesquisa.
Investigando pistas acerca do que de fato poderiam derivar para possíveis redes entre os saberes. Assim, pesquisa que tem como metodologia a cartografia
mergulhada na inseparabilidade, mistura o conhecer e o fazer, ou seja, mistura pesquisador e pesquisados, considerando suas subjetividades no decorrer do
percurso. (PASSOS, BARROS, 2012).
O objetivo principal destes estudos, é romper com a estereotipia e com a universalidade equivocada do ensinar e aprender Artes Visuais alicerçadas no “deixar
fazer livre”, ou que, a aula de Artes é um momento para enfeitar a escola nas datas comemorativas.
Estamos apoiados na crença de que a Arte é cognição, conforme BARBOSA, 2005.
Desta forma, a investigação como contexto amplo, estendendo-se para fora do currículo observado, e também direcionado para a construção do conhecimento
na área de Artes Visuais, permeado pela experiência prática (seja na participação em Grupo de Pesquisa, seja no locus da Docência Orientada ou em estudos de
fora do contexto da investigação). Assim, tanto o ensino/aprendizagem, quando tempo/espaço perpassam a cartografia que estamos propondo como eixo central
da pesquisa em um Mestrado de Artes Visuais.
A articulação entre a área de Artes Visuais, sua construção de saberes e experiências estéticas, tangenciando o Curso de Pedagogia, poderá ampliar o repertório
de conhecimento dos discentes da Licenciatura em pedagogia (ou seja, alfabetizar futuros profissionais para o território das Artes Visuais), desde que a especificidade de Artes Visuais, seja compreendia como área de saber, ou local de experiências. Em contra ponto, é necessário revistar como a construção do conhecimento
nas áreas de formação docente, tem acontecido.
Outro foco proposto pelo estudo e observado neste contexto, paira sobre o processo de re-cognição, ou seja, como o sujeito apreende o conteúdo dentro e fora
de sua disciplina de conhecimento, e além disso, como possibilidade para vivenciar experiências que tornem-se significativas ao ponto de provocar mudanças no
planejamento docente. Neste sentido o cerne da pesquisa não está na representação de um objeto e sim, no acompanhamento de processos, que envolvem a
construção de saberes.
A tarefa que nos envolve nesse primeiro momento da pesquisa, como uma pista a seguir é a de investigar, com uma atenção flutuante, as concepções que esses
futuros profissionais elegem sobre o ensino e a aprendizagem em artes visuais e, em seguida, sem nenhum juízo de valor sobre conceitos apropriados ou mais
adequados, nem tomando partido, mas sim, construir um plano de formação docente a partir de experiências enchardas de propositivas artísticas – aprender
Arte pela Arte. (DEWEY, 2011).
Essa questão, sobre a pesquisa-intervenção de uma disciplina de Artes Visuais no contexto de uma graduação em Pedagogia, emerge de uma pergunta simples
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
(porém extremamente complexa de compreender ou chegar a uma resposta), o que é importante saber um Pedagogo sobre ensino/aprendizagem no campo das
Artes Visuais? Ou melhor, O que fará o Pedagogo com um saber em Artes Visuais? Onde esse conteúdo estará intimamente ligado na sua prática docente?
Como podemos observar, não é uma pergunta, são várias que vão se desdobrando em um percurso muito curto de pensamento, quando buscamos compreender
o papel das Artes Visuais na graduação em Pedagogia.
Não pretendemos esgotar nenhum debate neste artigo, como sempre procuramos fazer, desde o início das nossas ideias com este projeto, de uma cartografia
sobre a inserção da disciplina de Artes Visuais na Pedagogia, desenhamos e re-desenhamos os motivos que nos impulsionam à pesquisa.
Um desses desenhos está ligado as nossas próprias experiências. Como Pedagogo, mestrando em Artes visuais e, como Professora Universitária em um Curso
de Licenciatura e Pós-Graduação em Artes Visuais, estamos unidos diante da inquietação acerca da distância entre essas duas graduações – Pedagogia e Artes
Visuais (aqui nos referimos especificamente a Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC), sendo que a Pedagogia e a Licenciatura em Artes Visuais,
tem objetos de estudo em comum, a infância e sua relação com o ensino/aprendizagem no campo das Artes Visuais, ou seja, como ensinar estudantes da Educação Básica.
Cabe ressaltar que não estamos defendendo uma educação polivalente em Artes, muito menos que seja obrigação do futuro pedagogo ensinar as linguagens
artísticas. O que pretendemos com esta pesquisa-intervenção é fazer ciência humana acerca da Arte/Educação, mais especificamente, o de fazer ciência na
busca de compreender que experiências estéticas podem ser possíveis numa graduação em Pedagogia, com o olhar específico das Artes Visuais, possibilitando
relacionamentos entre infância, Artes Visuais e Arte/Educação.
Entendemos que a “criança habitaria uma espécie de “zona híbrida”, a “zona da ambiguidade do onirismo” em que, em termos da linguagem adulta, realidade e
fantasia se misturam”. (MACHADO, 2012, p. 22).
Nesse sentido, torna-se fundamental compreender como o futuro pedagogo experiência a sua artisticidade, ou ainda, como ele concebe a importância das Artes
Visuais na educação básica. Aliados, professores de artes visuais e pedagogos, se torna possível que surjam ambientes mais criativos de ensino/aprendizagem
em Artes Visuais, pois, ambos estarão norteados por condutas alicerçadas em conhecimentos que envolvem o desenvolvimento infantil e, o da existência de processos artísticos, cada qual com suas especificidades – um conhecedor da infância e o outro dos códigos que lideram as Artes Visuais.
Sobre o campo específico da Licenciatura em Artes Visuais e sua atuação na Educação Básica, acreditamos que renderia outro trabalho sobre como esse profissional vem atuando nas redes regulares de ensino. Nosso debruçamento nesse momento é específico sobre a graduação em Pedagogia e, o de tentar compreender que relação faz-se possível entre Pedagogia e Arte, ou melhor explicando, como esses futuros adultos professores de crianças/adolescentes/adultos
compreendem a importância das Artes Visuais para o desenvolvimento humano.
Foi a partir de algumas vivências como formador de professores de Educação Infantil que fui motivado a buscar uma orientadora Professora/Artista/Pesquisadora.
Acreditando que no Mestrado em Artes Visuais poderia percorrer um outro caminho, que não seria o das pesquisas objetivistas, realistas estrito senso, pautadas
exclusivamente em coletas e tabulações de dados. Nosso objetivo é o realizar uma pesquisa pautados em mapeamentos, descrições das experiências estéticas
que estamos cuidadosamente re-pensando para uma futura atuação na graduação do Curso de Licenciatura em Pedagogia, deambulações percrustadas.
Acreditamos, como afirma Richter (2003, p. 24) que
a experiência estética envolve muito mais do que o simples prazer. Ela pode provocar toda a mente e o espírito do ser humano, pois se relaciona,
de inúmeras maneiras, com outros interesses e experiências e com outros valores.
Como mencionado anteriormente, sobre a infância, que esta habita zonas híbridas, zonas de ambiguidade do onirismo; torna-se imprescindível ao futuro pedagogo
esse saber específico do campo das Artes Visuais, que é o de dar “ênfase às manifestações artísticas das mais diversas culturas, considerando suas visões de
mundo e seus próprios conceitos de arte”. (RICHTER, 2003, P.28).
Nesse sentido a criança, ou sua infância, poderá ser pensada pelo professor como uma etapa da vida dotada de potencilidade criativa. Cabendo a este profissional
criar tempo/espaços que potencializem esse estar-no-mundo. Como afirma Winnicott (1982, p. 77), “pois desta maneira podemos usar a nossa imaginação para
tornar o mundo mais emocionante e usar o mundo real para exercer a nossa capacidade imaginativa”.
Com isso, é tarefa da Pedagogia, conhecer as etapas do desenvolvimento infantil levando em consideração que “para as crianças (...), a vida é apenas uma série
de experiências terrivelmente intensas”. (WINNICOTT, 1982, p. 77).
Diante de uma concepção de infância, onde a capacidade de imaginar e criar são a maneira da criança estar-no-mundo, for compreendida pelo Pedagogo e, que
a criança manifesta suas fantasias, facilmente, através da plasticidade, mais uma vez somos levados a acreditar na importância de um futuro Pedagogo conhecedor de sua poética. Afinal, só ensinamos aquilo que aprendemos ou experimentamos. Um adulto que negligência sua criatividade, possivelmente, não será
um profissional da Educação que seja capaz de valorizar a criação e seus vários processos singulares, nem ao menos de oportunizar esses espaços para os
estudantes. Pois, ter experiências estéticas, ligadas ao saber das Artes visuais, oportuniza mais do que um prazer momentâneo, um ócio; significa compreender
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o mundo convocando conhecimentos de diversas áreas do conhecimento, quem sabe seja um primeiro passo para compreender a transdiciplinaridade.
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
3. Primeiras pistas para a construção de uma cartografia para o Curso de Licenciatura em Pedagogia
Eu nunca sei de antemão o que vou escrever... vou me seguindo e não sei no que vai dar. Depois vou descobrindo o que queria.
Clarice Lispector
Imagem 2 – Foto-cartografia. Primeiro levantamento bibliográfico para a produção deste artigo.
Buscamos com essa maneira de pensar a formação dentro de um Curso de Pedagogia, não compartimentalizar os conteúdos do campo específico das artes
visuais em “caixinhas”, como são consideradas, na maioria das vezes as outras áreas do conhecimento. Esse formato de educação, onde os conhecimentos são
“imposições de cima para baixo e de fora para dentro”. (DEWEY, 2011, p. 21), não se conectam com o que perseguimos como uma experiência singular em artes
visuais.
Para não cair nesse formato de educação onde o ensinar é uma mera transferência de conteúdos ( FREIRE, 2012) e, nem tampouco, uma verticalização de
conhecimentos. Torna-se de fundamental importância propormos outras maneiras de vivenciar as artes visuais, ou seja, pensar uma formação que “recupere a
continuidade da experiência estética com os processos normais do viver”. (DEWEY, 2010, p. 70).
O que isso significa dentro desse projeto de formação em andamento?
Acreditamos, considerando as bases sólidas da cartografia, como um percurso a ser seguido – um caminho metodológico, que este não se distancia da nossa
maneira de pensar a Arte/Educação alicerçada na experiência. Passos e Barros (2012), evidenciam que:
A cartografia como método de pesquisa é o traçado desse plano da experiência, acompanhando os efeitos (sobre o objeto, o pesquisador e a
produção de conhecimento) do próprio percurso da investigação (...) mergulhados na experiência do pesquisar, não havendo nenhuma garantia
ou ponto de referência exterior a esse plano (...) o ponto de apoio é a experiência entendida como um saber-fazer, isto é, um saber que vem, que
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
emerge do fazer. Tal primado da experiência direciona o trabalho da pesquisa do saber-fazer ao fazer-saber, do saber na experiência à experiencia
do saber. Eis aí o “caminho” metodológico. (Passos e Barros, 2012, p. 18)
Talvez o mais importante a ser observado nesse percurso que seguimos, ou melhor dizendo, perseguimos, seja a compreensão que chegamos, após uma certa
caminhada no que tange o ensino e a aprendizagem em artes visuais à recusar as dicotomias, ou seja, não separar a educação ou as artes visuais da vida cotidiana. Só assim, nos aproximamos da prerrogativa dewyniana de que “a nova educação está em harmonia com os princípios do crescimento, o que é natural”.
(DEWEy, 2011, p. 31).
Porém, sabemos, como adverte Dewey que o “fácil e o simples não são idênticos” (DEWEY, 2011, p.31), o autor adverte que,
Descobrir o que é realmente simples e agir de acordo com essa descoberta é uma tarefa extremamente difícil. Uma vez que o artificial e complexo
é institucionalmente establecido e enraizado no costume e na rotina, é mais fácil percorrer o caminho já trilhado do que, após adotar um novo ponto
de vista, colocar em funcionamento o que, na prática, envolve esse novo ponto de vista. (DEWEY, 2011, p. 31).
Por isso, observamos atentamente o nosso percurso enquanto profissionais da educação, revisitando sistematicamente a nossa prática como arte/educadores.
Tendo os nossos “voos e pousos” nos nossos referenciais teóricos e na nossa experimentação estética. Afinal, são essas vivências, esse ir e vir na teoria, unificada
com a prática estética que nos servirão como “bússola” para “a localização de pistas, de signos de processualidade” (KASTRUP, 2012, p. 40), para a intervenção
estética que sugere esta pesquisa.
Somente dessa maneira, considerando a nossa própria vivência estética no campo da Arte/Educação somada aos nossos estudos teóricos-práticos, torna-se
possível sugerir um plano de formação na Licenciatura em Pedagogia, ligado ao conceito de experiência singular evidenciado por Dewey.
A experiência singular, segundo o autor é,
uma unidade que lhe confere seu nome (...) a existência dessa unidade é constituída por uma qualidade ímpar que perpassa a experiência inteira,
a despeito da variação das partes que a compõem. Esa unidade não é afetiva, prática nem intelectual, pois esses termos nomeiam distinções que
a reflexão pode fazer dentro dela. (DEWEY, 2010, p. 112).
Ainda sobre experiência singular, Dewey (2010) nos revela que o material dessa experiência singular em contraste com o de uma experiência vivida de maneira
incipiente, define-se pelas situações e episódios vividos, como nos são dados pela realidade de forma espontânea. A experiência singular, para deixar claro, tomando a mesma metáfora que o autor utilizou em sua obra, é como um rio, algo que flui, “o fluxo vai de algo para algo (...) há pausas, lugares de repouso, mas
eles pontuam e definem a qualidade do movimento”. (DEWEY, 2010, P. 111).
Pensando nessa experiência singular em nossas escolas de educação básica, fica quase impossível prever quando uma experiência se torna, de fato, singular.
Já nos advertia Paulo Freire (2013), sobre a dicotomia entre prática e teoria. A concepção do autor sobre educação nos revela o quanto são fragmentados os
sistemas educacionais na América Latina. (FREIRE, 2013, p. 169)
Um sistema educacional fragmentado, com conteúdos mecanicistas e gradeados, dificultam o acesso à essas experiências que relatamos anteriormente. Cabe
a nós educadores refletir sobre essas dicotomias, porém, que esse sistema dicotômico e gradeado, longe de ser resolvido de imediato, não estanque o percurso
de uma aprendizagem significativa em artes visuais, afinal, a tarefa do professor, acreditamos, é a de transgredir o sistema que nos encerra, assim como fazem
as artes visuais na contemporaneidade, ou seja:
A arte cria o mundo em que a subverção da experiência própria da arte se torna possível: o mundo formado pela arte é reconhecido como uma
realidade reprimida e distorcida na realidade existente. Esta experiência culmina em situações extremas (...) que explodem na realidade existente
em nome de uma verdade normalmente negada ou mesmo ignorada. A lógica interna da obra de arte termina na emergência de outra razão, outra
sensibilidade, que desafiam a racionalidade e a sensibilidade incorporadas nas instituições dominantes. (MARCUSE, 2007, p. 17)
Nessa perspectiva, acreditamos que uma vivência estética pautada no sistema das artes visuais, empenhado na percepção de como vivenciamos as nossas
experiências,é um dos primeiros percursos a serem definidos nessa pesquisa, que tem como método a cartografia. Afinal, o ponto de partida para uma compreensão do que é a presença das Artes Visuais na licenciatura em pedagogia, perpassa, antes de tudo, a conscientização de que a Arte é um processo específico
e exclusivamente humano.
Vale ressaltar, que uma proposta de formação docente que tem como base as especificidades das artes visuais, ancorado no método cartográfico, com vistas a
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
impulsionar experiências singulares, adentramos no campo das transgressões, compreendo a transgressão como uma tomada de consciência capaz de transformar, produzir, de decidir, de criar, de recriar, de comunicar-se. (FREIRE, 2011).
Sendo assim, o conhecimento nesse projeto é compreendido como um processo de produção de conhecimento. E para tanto, torna-se necessário um espaço
para se pensar e fazer Arte.
4. Referências bibliográficas
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<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141324782002000100003&lng=e n&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 18 fev. 2014.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Fabio Wosniak, é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais na Linha de Pesquisa de Ensino de Artes Visuais, sob orientação da Profa.
Dra. Jociele Lampert.
e-mail: [email protected]
Jociele Lampert, é Professora Adjunta na Universidade do Estado de Santa Catarina. Desenvolveu pesquisa como professora visitante no Teachers College
na Columbia University na cidade de New York como Bolsista Fulbright (2013), onde realizou estudo intitulado: “ARTISTS DIARY AND PROFESSORS DIARY:
ROAMINGS ABOUT PAINTING EDUCATION”. Doutora em Artes Visuais pela ECA/USP (2009); Mestre em Educação pela UFSM (2005).
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
A RESSOCIALIZAÇÃO NA FORMAÇÃO INICIAL D@ ARTISTA/PROFESSOR@/PESQUISADOR@:
UM ESTUDO BASEADO NA PESQUISA SOBRE ARTES
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Fábio José Rodrigues da Costa
Líder do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos GPEACC/CNPq / Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri - URCA
Introdução
Ingressar em um Curso de Licenciatura em Artes Visuais promove a ressocialização dos sujeitos? O confronto entre conhecimentos, atitudes e emoções provocadas pelos componentes curriculares de um curso são geradores de processos de ressocialização? Se os sujeitos já ingressam no curso de Licenciatura em
Artes Visuais socializados em que medida os conflitos cognitivos provocados pelos componentes curriculares asseguram uma ressocialização entendida como
resultante da recognição e da reinvenção?
Em agosto de 2008 iniciamos a Graduação em Artes na Universidade Regional do Cariri – URCA – Ceará/Brasil. Nosso objetivo foi e ainda é o de assegurar a
formação inicial de professor@s para a área de Artes e, considerando as transformações ocorridas a partir dos anos 90 seria fundamental que esta graduação
Alun@s da primeira turma da Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Teatro (2008).
Componente Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes I. Foto: Fábio Rodrigues
acolhesse as demandas locais e refletisse as lutas nacionais. Assim, o projeto político pedagógico que concebemos trouxe para a Região do Cariri cearense os
Cursos de Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Teatro. A formação de professores de Artes no Brasil remonta aos anos 70 do século passado e como
em muitos países de língua portuguesa e espanhola recebeu a denominação de Educação Artística (Educación Artística).
A trajetória da formação de professores em Artes foi acumulando experiências e críticas que resultaram em reformulações significativas e necessárias a ponto
da área de Artes ser concebida em 04 (quatro) subáreas: Artes Visuais, Teatro, Dança e Música. Diferentemente das universidades que haviam implantado seus
cursos desde os anos 70, a Universidade Regional do Cariri – URCA veio a ingressar nos territórios da formação de professores em artes no ano de 2008.
Portanto, tudo era novo e isso nos permitiu pensar e elaborar os projetos dos cursos respeitando a história e trajetória da formação de professores para a Educação Básica, a história da formação de professores em Artes e as especificidades epistemológicas inerentes a cada subárea.
Em nossos encontros1 para elaboração dos projetos para cada curso nos dávamos conta de que era possível experimentar outras formas de organização curricular tendo em vista a possibilidade de um currículo que evitasse preconceitos e limitações e que tendesse a um hibridismo entre a formação artística, docente e
pesquisadora. Portanto, o profissional a ser formado seria @ artista/professor@/pesquisador@ (a/p/p) concebido a partir da indissociabilidade entre ensino/pesquisa/criação de arte (IRWIN, 2008) e que no processo de formação inicial experimentassem estratégias de aprendizagem construtoras de significados revelados
ao “re-criarem, re-pesquisarem e re-aprenderem modos de compreensão, apreciação e representação do mundo” (IDEM, p. 91). E o conjunto de componentes
1 Participaram desta etapa os professores Frederyck Sidou Piedade, Ana Cláudia Lopes de Assunção e Fábio José Rodrigues da Costa do Curso de Artes Visuais e os professores Duílio
Cunha, João Dantas Filho e Marcio Alessandro Rodrigues do Curso de Teatro.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Alun@s da primeira turma da Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Teatro (2008).
Componente Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes II. Foto: Fábio Rodrigues
curriculares deveriam tanto refletir tal concepção como, também, exercitá-la ao longo dos 04 (quatro) anos de formação inicial.
No tocante a formação docente chegamos à conclusão de que esta não deveria repetir os equívocos que marcaram a histórica formação de professores em artes,
assim deveria dar lugar a unidade entre “saber, ação e criação” (IBIDEM). Esta unidade evitaria que nas graduações em Artes Visuais e Teatro os componentes
curriculares da formação docente fossem ofertados praticamente no final dos cursos como tradicionalmente temos observado.
Elaborar um currículo em que os componentes curriculares da formação docente caminhassem lado a lado com as da formação artística e investigadora pareceria
ser uma tarefa impossível dado aos nossos próprios limites oriundos da nossa formação acadêmica que foi marcada por uma visão em que a docência foi tratada
como secundária na formação inicial dos professores de artes. Mas, para Souza (2004):
É possível encontrar ou inventar, na prática pedagógica, espaços capazes de ressignificar os discursos oficiais da política educativa de tal maneira
Alun@s da primeira turma da Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Teatro (2008).
Componente Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes III. Foto: Fábio Rodrigues
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
que permitam processos educativos em outras direcionalidades que não as que se quer impor a partir dos discursos pedagógicos oficiais.” (p. 111).
Tomados por reflexões sobre o lugar dos componentes curriculares da formação docente no currículo para a Licenciatura entendida como o lugar da docência
buscamos ou ousamos (re)significar o que viria a ser a graduação em Artes Visuais e a graduação em Teatro. Assim, propusemos um conjunto de componentes
que seriam ofertados a partir do primeiro semestre de curso numa perspectiva de aproximar os estudantes das questões epistemológicas da Arte/Educação e a
partir dela da formação de professor@s em artes. Estabelecemos, portanto, como eixo componentes que se dedicariam aos estudos, reflexões, práticas e pesquisas sobre o fenômeno educativo em artes seja no âmbito formal ou informal.
A recontextualização pedagógica indica que os discursos, os textos, para cumprirem sua função educativa, têm que assumir suas dimensões formativas a partir das condições e situações dos educandos. E exige uma competência dos educadores a ser desenvolvida tanto na formação inicial
quanto contínua para garantir a tarefa da recontextualização.” (SOUZA, 2004, p. 111)
Assim, propusemos como componentes curriculares da formação docente: Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes, Didática do Ensino das Artes Visuais e Estágio Supervisionado em Ensino das Artes Visuais para a Licenciatura em Artes Visuais e Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes, Didática do Ensino do Teatro
e Estágio Supervisionado em Ensino do Teatro para a Licenciatura em Teatro. Entendendo que o fenômeno educativo não se traduz apenas no campo epistemo-
Alun@s da primeira turma da Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Teatro (2008).
Componente Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes III. Foto: Fábio Rodrigues
lógico das Artes, mantivemos os componentes: Didática Geral, Políticas Educacionais e Psicologia da Educação.
Nos últimos cinco anos experimentamos este currículo o que nos permite hoje exercitar algumas aproximações sobre essa trajetória e suas implicações para a
formação d@ artista/professor@/pesquisador@ e para isso optamos por fazê-lo tomando como objeto de análise o componente curricular Pesquisa e Prática
Pedagógica em Artes.
No entanto, quais são os limites entre o proposto e o vivido? Como avaliar o lugar de um componente curricular e suas contribuições para a formação inicial d@
artista/professor@/pesquisador@? Até que ponto um componente curricular como Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes assegura a unidade entre teoria e
prática e sua dimensão interdisciplinar requeridas no acrônimo a/p/p (artista/professor@/pesquisador@)?
Este artigo objetiva apresentar as primeiras aproximações teóricas emergidas de uma investigação orientada pela crítica interna, ou seja, o olhar para dentro do
lugar de atuação profissional d@ professor@ formador@ que busca no exercício da prática auto avaliar sua própria atuação e, ao mesmo tempo, o Projeto Político
Pedagógico proposto para a formação inicial d@ artista/professor@/pesquisador@.
A pesquisa está vinculada ao Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq do Centro de Artes da Universidade Regional
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
do Cariri – URCA na linha de pesquisa Didática do Ensino das Artes Visuais.
O Componente Curricular Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes
O componente curricular Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes – PPPA, constitui o Currículo da Graduação/Licenciatura em Artes Visuais e da Graduação/
Licenciatura em Teatro e, em breve, o da Graduação/Licenciatura em Dança do Centro de Artes Reitora Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri – URCA. Sua inclusão no currículo foi uma decisão política, uma vez que,
La incorporación de asignaturas a la enseñanza no consiste en una decisión imparcial, racional sobre lo que se juzga de interés para los alumnos. Es
un acto político concebido de modo mucho más amplio en el que todo los grupos de interés, tal como debe ser dentro de una democracia, tienen la
palabra; pero es un error considerarlo un ejercicio objetivo y racional. Es un ejercicio eminentemente político, y en mi opinión debemos comprender
este proceso (GOODSON, 2000. p. 43).
Como um ato político não deixou de ser um ato epistemológico, ou seja, atender as exigências da Arte/Educação contemporânea e as transformações que se operam
na atualidade quanto ao campo de formação inicial d@ artista/professor@/pesquisador@. Portanto, o político e a epistemologia estão imbricados. Reconhecer tal
imbricamento é ultrapassar a noção de verdade única (KINCHELOE, 2001) imposta pela modernidade e sua concepção de conhecimento que se orienta por uma
aprendizaje de lo que ya había sido definido previamente como tal. Los Estudiantes de la epistemología de verdad única de la modernidad son tratados como monigotes, recompensados tan sólo por la retención memorística, a corto plazo, de verdades certificadas (KINCHELOE, 2001, p. 14).
O político e o epistemológico se convertem, a nosso ver, em categorias analíticas para o exercício de compreensão das disciplinas (componentes) dos currículos
para a formação de professor@s de Artes. Soma-se a estas categorias o contexto para o qual esta formação deverá atender. Assim, o contexto também exerce
um papel determinante na construção curricular para diferentes campos de formação e, em nosso caso, para a formação de artistas/professor@s/pesquisador@s
brasileiros. “Cada currículo envolve tanto as decisões políticas do governo quanto a expectativa dos pais, empregadores e a comunidade em geral. Então, o currículo é sempre uma norma política/social/cultural.” (PIMENTEL, 1999, p. 118-119).
Considerando que estamos tratando de um componente constituidor do Currículo da Graduação/Licenciatura em Artes (Artes Visuais e Teatro) de uma dada
Universidade, compreendemos que nossos argumentos se fixam em um “estudo de caso” uma vez que tratamos da experiência vivenciada por uma instituição
específica, porém em diálogo com outras experiências tanto no Brasil como em outros contextos culturais.
Alun@s da primeira turma da Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Teatro (2008). Componente Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes II. Foto:
Fábio Rodrigues
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Que o Currículo está determinado por forças políticas e de poder (MOREIRA, 1995; PIMENTEL, 1999; GOODSON, 2000; KINCHELOE, 2001) não temos dúvidas.
Assim, acreditamos que propor uma formação em Artes para a Região do Cariri cearense seria confrontar as estruturas políticas e de poder que impediram a interiorização dessa área do conhecimento que tradicionalmente esteve centrada nas capitais e nos grandes centros urbanos a partir dos anos 70 do século passado.
Portanto, insistir na oferta de Graduação em Artes por uma Universidade Pública localizada no interior do Estado do Ceará seria enfrentar inúmeras dificuldades
e pressões quanto a sua urgente necessidade.
Antes da interiorização da Graduação em Artes no Ceará ocorrida efetivamente em 2008 pela Universidade Regional do Cariri - URCA, a história registra que
em 1953 foi criada a Escola de Belas-Artes, em Fortaleza, pela Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP). Infelizmente, a Escola nem chegou a formar sua
primeira turma. Posteriormente, em 1977 foi criado o Curso de Música pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, também, em Fortaleza, permanecendo até
os dias atuais.
Contrariamente ao que ocorria no restante do país, o Ceará terminou o século XX oferecendo apenas o Curso de Música como única opção para formação do
Alun@s da primeira turma da Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Teatro (2008).
Componente Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes II. Foto: Fábio Rodrigues
professor@ de Artes. No Ceará esta formação tardou a chegar uma vez que as universidades tanto públicas quanto particulares não demonstraram qualquer
interesse em oferecer os então criados cursos de Licenciatura em Educação Artística com ou sem Habilitações.
Possivelmente, muitas gerações que frequentaram a educação básica ofertada pelo governo estadual assim, como, pelos governos municipais tenham sido vítimas
de uma negligência que somadas a outras tantas afetaram profundamente a formação de homens e mulheres conhecedores, fluidores da arte e do conhecimento
dela construído e requerido pelo mundo contemporâneo.
No tocante a formação d@ professor@ de arte no Brasil e, especificamente, no Ceará, Gisbert e Costa (2005) no artigo “La Investigación, ámbito para la formación
y educación del professor de arte” observam que:
Na região Nordeste, constituída por 09 estados há 07 cursos num total de 11 universidades. É interessante observar que no Estado do Ceará a
Universidade Federal do Ceará – UFC não oferta este curso como outras instituições de educação superior. Neste estado não existe onde formar
o professor para o ensino da arte (p. 6).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
A pesquisa realizada por Gisbert e Costa (2005) encontra na própria trajetória histórica da formação d@ professor@ de artes para o contexto da educação básica
brasileira sua explicação e isso em decorrência de diversos fatores e, um deles, pode ser o fato de que no Ceará a concepção de ensino e aprendizagem da arte
tenha permanecido circunscrita a uma interpretação equivocada quanto ao lugar da arte na escola e o lugar do artista na sociedade.
Alun@s da primeira turma da Licenciatura em Artes Visuais (2008). Componente Estágio Supervisionado em Ensino das Artes Visuais I.
Foto: Fábio Rodrigues
É importante destacar que o cenário ao qual Gisbert e Costa (2005) analisaram foi transformado e hoje (2013) no Ceará a Universidade Federal do Ceará oferta
a Graduação em Dança, Teatro e Educação Musical. O curso de Licenciatura em Educação Musical é ofertado pela Universidade Federal do Cariri – UFCA a
partir de 2013. Já a Universidade de Fortaleza oferece na capital a Graduação em Artes Visuais e Teatro e o Instituto Federal do Ceará, Unidade Fortaleza, as
Licenciaturas em Artes Visuais e Teatro.
Por iniciativa de alguns professores da Universidade Regional do Cariri – URCA que haviam acumulado experiência por meio da Pós-Graduação Lato Sensu em
Arte/Educação desde 1998 e da criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino da Arte – NEPEA (1999), em 2005 é dado o primeiro passo em direção à
oferta de cursos de graduação em Artes no Ceará voltados a formação d@ artista/professor@/pesquisador@.
Naquele momento e, ainda hoje, este projeto recebeu pouca atenção de dirigentes locais e da esfera de governo do estado do Ceará, portanto, o mesmo tem
sido um compromisso político de professor@s e alun@s que fazem o Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA. Sem dúvida o esforço e o
compromisso em criar a Graduação em Artes em uma Universidade localizada no interior e não na capital representou um dos mais significativos deslocamentos
e rupturas com o imaginário colonizador e que ainda predomina na relação capital e interior no Brasil. Como nos lembra Freire (2001):
No habría cultura ni historia sin innovación, sin creatividad, sin curiosidad, sin libertad ejercitada o sin libertad por la que, negada, se luche. No habría
cultura ni historia sin riesgo, asumido o no, es decir, riesgo del que tenga mayor o menor conciencia el sujeto que lo corra. Puedo no saber ahora
a qué riesgos me enfrento, pero sé que, en cuanto presencia en el mundo, corro peligro. El riesgo es un ingrediente necesario de la movilidad, sin
la cual no hay cultura ni historia. De ahí la importancia de una educación que, en lugar de tratar de negar el riesgo, estimule a las mujeres y a los
hombres a asumirlo. Asumiendo el riesgo, su carácter inevitable, me preparo o me hago apto para afrontar este riesgo que me desafía ahora y al
que debo responder. Es fundamental que sea que no hay existencia humana sin riesgo, sin un peligro de mayor o menor relieve. (p. 40-41).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
O projeto para a Graduação em Artes/Licenciatura era ousado e previa a oferta de quatro áreas de formação: Artes Visuais, Teatro, Dança e Música. Em 2008,
foram iniciadas as Licenciaturas em Artes Visuais e Teatro.
A concepção para o Currículo das Graduações foi desde o primeiro momento de sua gestação orientada pela compreensão de que estaríamos situados na Região
do Cariri e que nosso desafio seria atender a uma demanda de jovens e jovens-adultos que aguardavam por um Centro de Artes como lócus para a formação d@
artista/professor@/pesquisador@ desde a graduação até a pós-graduação (Lato Sensus e Stricto Sensus).
Naquela ocasião, ou melhor, naquele momento de nossa recente história no cariri, mas não no mundo, já sabíamos que o Projeto Educativo era um Projeto Político, um Projeto Político/Educativo/Estético/Artístico que só por sua existência enquanto ideia já provocava mudanças. Mudanças que revelam
una educación crítica nunca puede prescindir de la percepción lúcida del cambio que, incluso, revela la presencia interviniente del ser humano en el
mundo. También forma parte de esta percepción lúcida del cambio la naturaleza política e ideológica de nuestra postura ante él, con independencia
de que seamos o no conscientes de ello; del cambio en proceso, en el campo de las costumbres, en el de gusto estético en general, de las artes
plásticas, de la música, popular o no, en el campo de la moral, sobre todo en el de la sexualidad, en el del lenguaje, como del cambio históricamente
necesario de las estructuras de poder de la sociedad, aunque aún se nieguen a ello las fuerzas retrógradas. (FREIRE, 2001, p. 42)
Todos estávamos tomados pela mudança, mudança que “estamos permanentemente nos refazendo, produzindo-nos, construindo-nos” (SOUZA, 2004, p. 139).
Sabíamos que estávamos entre fronteiras que se apresentavam na forma de um saber popular, cientifico e de massa e que as resistências as mudanças seriam
Alun@s da primeira turma da Licenciatura em Artes Visuais (2008).
Componente Estágio Supervisionado em Ensino das Artes Visuais II. Foto: Carlos Robério
presentes e até angustiantes. Mas nossa presença no mundo/mundo e mundo/cariri não poderia prescindir de “um ato de mestiçagem que estrategicamente
apaga essa fronteira e as barreiras, uma vez sustentada entre o colonizador e o colonizado.” (IRWIN, 2008, p. 90). Sabíamos que seria uma trajetória marcada
pela capacidade de nos re- pensarmos, nos re-vivermos e nos re-fazermos. Era preciso nos darmos conta de nossa própria Ressocialização para podermos na
presença do outro colaborarmos com sua ressocialização entendendo que “Os processos de socialização que vamos experimentar ao longo de nossa existência/
experiência, depois do processo vivido na primeira infância, denominamos de RESSOCIALIZAÇÃO.” (SOUZA, 2004, p. 139).
Nosso Projeto Educativo/Formativo/Estético/Artístico seria na verdade um Projeto Educativo de Ressocialização? Até que ponto temos a consciência de nossa
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Ressocialização? Como afirmar que os sujeitos que ingressam nos Cursos de Artes na URCA estão passando por processos de ressocialização?
Para Souza (2004) a RESSOCIALIZAÇÃO resulta de uma RECOGNIÇÃO e de uma REINVENÇÃO. Para o autor a RECOGNIÇÃO seria o resultado das mudanças na nossa forma de pensar, “de compreender a nós mesmos, aos outros, a natureza, a cultura e as instituições sociais...” (p. 140). Ainda segundo o autor “As
mudanças nas emoções, nas formas de agir, alcunhamos de REINVENÇÃO” (IDEM). Seria a RESSOCIALIZAÇÃO a renovação da experiência humana defendida
por Dewey (2004)? Para Freire (2001) a educação tem sentido porque somos projetos de seres humanos
La educación tiene sentido porque el mundo no es necesariamente esto o aquello, porque los seres humanos son proyectos y, a la vez, pueden tener
proyectos para el mundo. La educación tiene sentido porque las mujeres y los hombres han aprendido que, aprendiendo, se hacen y se rehacen,
porque las mujeres y los hombres han sido capaces de asumirse como seres capaces de saber, de saber que saben, de saber que no saben, de
saber mejor lo que ya saben, de saber lo que aún no saben. La educación tiene sentido porque, para ser, las mujeres y los hombres necesitan estar
siendo. Si las mujeres y los hombres fuesen sin más, no habría porqué hablar de educación. (p. 50)
Educação como prática da liberdade (FREIRE, 2003) seria vivenciada ao longo de nossos processos de RESSOCIALIZAÇÃO que no âmbito da Arte e da Arte/
Educação contemporânea está intrinsecamente determinada por relações históricas, sociais, ideológicas e de poder em toda e qualquer sociedade (GISBERT,
1996). Uma Arte/Educação enquanto epistemologia contemporânea e pós/moderna busca ultrapassar a ideia de progresso como o resultado do uso da razão e
do conhecimento científico em favor de uma única forma de cultura humana (EFLAND; FREEDMAN; STUHR, 2003), ao mesmo tempo em que objetiva reconceitualizar o conhecimento do professor@ formador@ (KINCHELOE, 2001) e do futuro artista/professor@/pesquisador@.
As bases epistemológicas que fundamentam a Arte/Educação contemporânea e pós/moderna entende que o ensino de arte ocorre em diferentes contextos deliberadamente organizados como em uma sala de aula da educação infantil ou em uma faculdade de arte, mas também nas galerias dos museus, nos centros
culturais, nas residências, na rua, nos cinemas (FREEDMAN, 2006).
Partindo do pensamento de Aguirre (2005) é possível afirmar que a Arte/Educação contemporânea orienta-se na ideia de que a Arte é mediadora de valores culturais e que a função do ensino de artes é reconhecer estas metáforas e seu valor em diferentes culturas. A Arte/Educação contemporânea e pós/moderna está a
exigir um perfil de artistas/professor@s/pesquisador@s que explorem “um novo território, uma fronteira de reforma e transformação, um lugar geográfico, espiritual,
social, pedagógico, psicológico e físico inter e intra-subjetivamente localizado no diálogo, e através dele.” (IRWIN, 2008, p. 92). Portanto,
aptos para cultivar um repertório de estratégias instrucionais sensíveis à cultura, tendo em conta que os estilos de aprendizagem eleitos estão
mais que geneticamente, culturalmente determinados. Por outro lado, a ênfases que a reconstrução põe no significado mais que na forma requer
docentes habituados com a descodificação e a desconstrução das imagens visuais (AGUIRRE, 2005, p. 315).
A formação inicial d@ artista/professor@/pesquisador@ situada na concepção da educação como ressocialização se pauta na recognição enquanto superação
da visão modernista piagetiana que desconsidera o fato de que grande parte de nossa aprendizagem resulta das interações entre os indivíduos (EFLAND, 2004),
portanto, a recognição estaria orientada por uma concepção sociocultural vygotskyana. Segundo Efland (2004) o conceito de mediação de Vygotsky teria antecipado o que viria a constituir a concepção metacognitiva dos anos 70/80 do século passado dado que
cuando los sistemas de signos, como el lenguaje, la escritura, los sistemas numéricos y las obras de arte se internalizan, tienen como resultado
transformaciones del comportamiento que crean un puente entre las formas tempranas y posteriores de desarrollo. (IDEM, p. 55)
Para Eisner (2004) a aprendizagem da arte suscita, refina e desenvolve o pensamento tanto para a própria arte quanto para outras áreas de conhecimento, isso
porque “cuando observamos el mundo com un marco de referencia estético e interacionamos con formas que hacen posible estas experiências.” (p. 15)
A partir das considerações aqui formuladas poderíamos considerar que o componente curricular Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes presente nos dois primeiros anos dos cursos de Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Teatro contribui para o processo de recognição e reinvenção como requisitos essenciais
para uma ressocialização entendida no âmbito da formação d@ artista/professor@/pesquisador@ como o “processo de aprender a crearnos a nosotros mismos;
y esto es lo que fomentan las artes entendidas como processo y como los frutos de esse processo.” (EISNER, 2004, p. 19).
O componente Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes orienta-se por uma concepção de pesquisa, em arte/educação, que significa aplicar o processo organizado, sistemático e empírico que segue o método científico para compreender, conhecer, explicar e interpretar a realidade, como base para construir a ciência e
desenvolver o conhecimento científico da área (BISQUERRA, 2004).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Alun@s da primeira turma da Licenciatura em Artes Visuais (2008).
Componente Estágio Supervisionado em Ensino das Artes Visuais II. Foto: Fábio Tavares
A pesquisa em educação desempenha sua função quando dar respostas aos problemas que a sociedade em geral e as escolas, como parte dessa sociedade,
tem que resolver. Não se trata de uma concepção de pesquisa em arte, pois não se ocupa diretamente do “trabalho de pesquisa em criação artística, empreendido
por artistas que objetivam obter como produto final a obra de arte” (ZAMBONI, 2006, p. 6).
A pesquisa sobre arte, territórios da arte/educação, possibilita ao pesquisador@ “lançar mão de métodos de pesquisa habitualmente utilizados em educação, em
ciências sociais, psicologia etc” (IDEM, p. 6). Esse “lançar mão” é melhor compreendido a partir do conceito de bricolagem entendida como “o relacionamento
entre as formas de ver de um pesquisador e o lugar social de sua história pessoal” (KINCHELOE E BERRY, 2007, p. 16).
Por prática pedagógica em artes compreendemos os processos/modos deliberadamente organizados pel@s professor@s para ensinar artes tanto nos contextos
formais de escolarização e educação quanto nos informais. Seria, portanto, a organização do trabalho pedagógico ou trabalho docente (FREITAS, 2001). O trabalho docente em artes não ocorre apenas nas escolas de educação básica, mas também em organizações não governamentais, em museus, centros culturais,
hospitais e na universidade.
Por prática pedagógica entendemos também as relações que se estabelecem entre o “trabalho dos professores e à sua formação, ao pensamento dos professores
e à sua história de vida, às relações entre a cultura escolar e a cultura dos professores, ao lugar do saber dos professores entre os saberes sociais etc.” (TARDIF,
2001, p. 112)
O componente Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes toma para si as atuais considerações para a formação inicial d@ professor@ de artes e, neste sentido,
ultrapassa as concepções de formação anteriores sem desconsiderar a trajetória da área que surge com a Licenciatura em Educação Artística e suas Habilitações,
porém opta por uma concepção de formação centrada na especialidade das Artes Visuais, do Teatro, da Música e da Dança de acordo com a contemporaneidade
da área e da Arte/Educação brasileira.
O objetivo principal é promover mudanças na formação inicial d@ professor@ de artes passando a compreendê-l@ como artista/professor@/pesquisador@ e
que esta concepção deve orientar as ações educativas no interior da universidade até chegar aos múltiplos espaços de presença e atuação profissional do arte/
educador@.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Considerações Finais
Optamos por trabalhar com uma vertente da pesquisa qualitativa conhecida como pesquisa biográfico-narrativa uma vez que “A pesquisa biográfico-narrativa, para
além de uma mera metodologia de coleta/análise de dados, se constitui com uma perspectiva própria, como forma legitima de construir conhecimento na pesquisa
educativa”. (BOLÍVAR, DOMINGO & FERNÁNDEZ, 2001, p. 10). Uma pesquisa biográfico-narrativa ou autobiográfica exige diálogos com diferentes abordagens
metodológicas como a bricolagem de Kincheloe e Berry (2007) ao afirmarem que a mesma “destaca o relacionamento entre as formas de ver de um pesquisador
e o lugar social de sua história pessoal” (p. 16). Por se tratar de uma pesquisa sobre artes e, especificamente, sobre a formação inicial d@ artista/professor@/
pesquisador@ encontra na a/r/tografia como mestiçagem proposta por Irwin (2008, p. 94) outro referente para o diálogo biográfico-narrativo uma vez que “cria um
momento imaginativo ao teorizar ou explicar os fenômenos por meio de experiências estéticas que integram saber, prática e criação: experiências que valorizam
simultaneamente técnica e conteúdo por meio de atos de questionamento...”
Estabelecendo um diálogo com o objeto de pesquisa a metodologia nos lançou ao desafio de experimentar como técnica de coleta de dados “diálogos narrativos”,
ou seja, se pretendíamos dar voz/escrita ao egresso do curso de Licenciatura em Artes Visuais era fundamental e imprescindível utilizarmos um instrumento de
coleta que desse lugar a estas vozes/escritos. Mas por se tratar de uma pesquisa sobre artes com ênfases na formação inicial d@ artista/professor@/pesquisador@ nos amparamos também em Irwin (2008, p. 95) ao afirmar que a “Teoria como a/r/t é de uma só vez textual e visual, e a/r/tografia como mestiçagem é de
uma só vez visual e interlinguagem. Diferentes textos, imagens e linguagens se fundem, se rompem, e se fundem de novo e de novo.” Com base nos fundamentos
teórico/metodológicos da pesquisa qualitativa, se fez necessário delimitar os sujeitos sociais da pesquisa. Por sujeitos compreendemos @s egressos da primeira
turma (2008-2011) do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri – URCA, ou seja, estão sendo considerados
os cinco (05) egressos já que foram os primeiros a concluírem o curso.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
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ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.
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Índice
Index
Início
Start
GRUPO DE PESQUISA ENSINO DA ARTE EM CONTEXTOS CONTEMPORÂNEOS:
TENSÕES ENTRE APRENDIZAGENS E PESQUISA
Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Fábio José Rodrigues da Costa
Líder do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos GPEACC/CNPq / Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri - URCA
Introdução
O presente texto tem por objetivo refletir sobre as tensões entre aprendizagens e pesquisa vivenciadas no Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC, vinculado ao Centro de Artes e a Pró-Reitoria de Pós- Graduação e Pesquisa da Universidade Regional do Cariri – URCA e, integrante
do Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil/CNPq.
O GPEACC foi criado em 2007 e a ele se vincularam pesquisadores e estudantes da área de artes, educação e educação física uma vez que os cursos de artes
ainda não haviam iniciado. Ainda em 2007 o Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos teve sua primeira participação em um evento
científico no XVII Congresso Nacional da Federação dos Arte/Educadores do Brasil – CONFAEB com a comunicação Atualidade da FAEB/CONFAEB para a Formação Inicial do Professor de Artes.
Os primeiros projetos de pesquisa desenvolvidos pelo grupo foram: Estudo dos
Egressos do Curso de Especialização em Arte/Educação da URCA numa Perspectiva Contemporânea e Cultural Visual e Lazer dos Jovens Trabalhadores da
Grendene: um estudo de caso. Os dois projetos foram orientados por mim e realizados pelos bolsistas de iniciação científica: Samantha Macedo Oliveira, aluna
do curso de Pedagogia com bolsa da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP (2008/2009) e Ítalo Luiz Batista de
Freitas, aluno do curso de Educação Física com bolsa da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP (2008/2009).
A partir de 2008 com a criação do Centro de Artes, dos Departamentos de Artes Visuais e Teatro, com a oferta dos cursos de graduação em Artes Visuais e Teatro
na Universidade Regional do Cariri – URCA, o GPEACC vinculou-se a este centro. Como grupo de pesquisa o GPEACC orienta-se pelo princípio da relação e do
relacionamento norteado por três categorias: Cultura, Arte e Arte/Educação. Estas categorias são mediadoras interdisciplinares uma vez que ensinar e aprender
arte envolve o estabelecimento de relações e conexões com outras áreas do conhecimento e, com os próprios conhecimentos artísticos. Abriga pesquisadores e
estudantes em duas linhas de pesquisa: Didática do Ensino de das Artes Visuais e Cultura, Arte e Arte/Educação.
Na Linha de Pesquisa Didática do Ensino das Artes Visuais investiga as Pedagogias Contemporâneas e seus Modelos Educativos para o ensino e aprendizagem das artes visuais. Esta linha está imbricada inicialmente no contexto da formação inicial d@ artista/professor@/pesquisador@ de artes visuais, portanto,
estabelecendo conexões diretas com a Licenciatura em Artes Visuais. A Linha de Pesquisa Cultura, Arte e Arte/Educação problematiza temáticas referentes
às dimensões da cultura, da arte e da arte/educação tanto em relação à formação d@ artista/pesquisador@ quanto do artista/professor@.
Para o pesquisador e educador português António Nóvoa (2000, p. 132) as universidades do “futuro” serão reconceitualizadas ao ponto das tradicionais aulas e
disciplinas serem substituídas pelos Grupos de Pesquisa. Tal afirmação tenciona o modelo cartesiano de conhecimento e, evidentemente, de universidade que
ao longo de sua história tem se mantido fechada a outras possibilidades de organização e formação. “[...] as universidades vão progressivamente conceder uma
maior atenção aos processos de acompanhamento dos alunos, através de formas de orientação e
tutoria, de aconselhamento e integração dos alunos em grupos de pesquisa”. Para Nóvoa (2000) os grupos de pesquisa darão um novo sentido a universidade
“quando os alunos buscarem inserir-se em grupos de pesquisa” (p. 133).
Essa provocação estaria orientando as ações do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos? Os encontros semanais entre pesquisadores
e estudantes tencionam de verdade a relação entre aprendizagem e pesquisa?
Metodologia
A metodologia aplicada para o exercício da reflexão sobre as tensões entre aprendizagens e pesquisa se insere na pesquisa qualitativa pela própria natureza de
nosso objeto. Segundo Flick (2004, p. 15) os métodos de pesquisa se fundamentam em uma compreensão específica de seu objeto, portanto, não se separam do
processo de pesquisa e do problema a ser estudado. “Estão incrustados especificamente no processo de investigação e se compreendem e descrevem melhor
utilizando uma perspectiva de processo”.
A pesquisa qualitativa em arte/educação significa aplicar de modo organizado, sistemático e empírico o método científico para compreender, conhecer e interpretar
a realidade, como base para construir a ciência e desenvolver o conhecimento científico da arte/educação (BISQUERRA, 2004).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Para Eisman (2004) a “pesquisa educativa desempenha sua autentica função quando serve para dar respostas aos problemas que a sociedade em geral e os
centros educativos, como parte dessa sociedade, tem que resolver” (p. 09). Como o Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC está vinculado a uma instituição educativa (universidade) o mesmo se constituiu no objeto empírico da pesquisa. Assim como a Plataforma Mydocumenta
utilizada pelo grupo como lugar/território de sua organização e veiculação de sua produção científica.
A delimitação do objeto de pesquisa exigiu a definição da metodologia de trabalho ou metodologia para coleta e análise de dados configurando-se em um Estudo
de Caso. Por estudo de caso compreendemos
um método de pesquisa de grande relevância para o desenvolvimento das ciências humanas e sociais que implica um processo de indagação caracterizado pelo exame sistemático e em profundidade de casos de um fenômeno, entendido estes como entidades sociais ou entidades educativas
únicas (BISQUERRA, 2004, p. 309).
O estudo de caso dentro da pesquisa qualitativa é o “estudo da particularidade e da complexidade de um caso singular, para chegar a compreender sua atividade em circunstâncias importantes” (STAKE, 1999, p. 11). Neste sentido, a pesquisa considerou a trajetória do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos
Contemporâneos – GPEACC no período de 2007 a 2010. Esta fase inicial da pesquisa analisou os dados contidos no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil
do CNPq e a Plataforma Mydocumenta também utilizada pelo grupo.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Os resultados parciais obtidos pela análise do conteúdo do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil do CNPq (Imagem 1), revelam que o GPEACC integra os
grupos de pesquisa da área de Artes, subárea Artes Visuais e, especificamente, no território do ensino/aprendizagem das artes visuais. Possui 11 pesquisadores
e 62 estudantes. De acordo com o Censo 2010 (dgp/cnpq), o Grupo de Pesquisa ao longo do período de 2007 a 2010 (Imagem 2) apresentou um desempenho
satisfatório no tocante a produção bibliográfica, sendo 05 em 2007; 34 em 2008; 20 em 2009 e 39 em 2010.
Os indicadores de produtividade do GPEACC indicam que a estratégia dos encontros semanais, agenda do grupo, colabora para que seus integrantes ultrapassam
os limites da sala de aula uma vez que se utilizam dos conhecimentos produzidos nos componentes curriculares como referenciais para as discussões, revisões
da literatura, sistematização de ideias e compreensão da pesquisa em/sobre artes.
Os encontros semanais aproximam @s estudantes d@s professor@s/pesquisador@s permitindo que estes estudantes sejam protagonistas de suas aprendizagens como afirmam Krahl, Sobiesiak , Poletto, Casarin, KnopfI, Carvalho e Motta (2008):
A participação de acadêmicos em grupos de pesquisa favorece uma visão ampliada do processo de pesquisa, uma vez que produz vínculo e intimidade com o tema abordado e com os professores- pesquisadores integrantes do grupo. Com sua adesão, são inseridos em todas as fases da
pesquisa, acompanhando as atividades desenvolvidas, tais como: produção textual a partir da revisão de literatura, com buscas eletrônicas em
bibliotecas e revistas virtuais e no acervo bibliográfico da instituição e do grupo; acompanhamento regular das reuniões do grupo para discussões
e deliberações; organização e realização de seminários sobre o referencial teórico envolvido na pesquisa; validação da entrevista semi-estruturada
até o envolvimento com a coleta de dados, favorecendo o contato com a realidade e estabelecendo paralelos com o referencial teórico; participação
ativa no processo de transcrição, elaboração do banco de dados e análise dos resultados e elaboração de resumo, pôsteres e artigos.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Um dos aspectos mais significativos das dinâmicas ou estratégias utilizadas pelos grupos de pesquisa em diversas áreas do conhecimento é sem dúvida a elaboração
de resumos, pôsteres e artigos pel@s estudantes sejam el@s autor@s ou co- autor@s. A inserção de estudantes nos grupos de pesquisa tem ampliado as competências cognitivas dos mesmos uma vez que exercitam processos de aprendizagem articuladas entre os componentes curriculares da graduação com a pesquisa.
Nos grupos de pesquisa tanto estudantes quanto pesquisador@s se aproximam do sentido da educação defendida por Freire (2001):
La educación tiene sentido porque el mundo no es necesariamente esto o aquello, porque los seres humanos son proyectos y, a la vez, pueden tener
proyectos para el mundo. La educación tiene sentido porque las mujeres y los hombres han aprendido que, aprendiendo, se hacen y se rehacen,
porque las mujeres y los hombres han sido capaces de asumirse como seres capaces de saber, de saber que saben, de saber que no saben, de
saber mejor lo que ya saben, de saber lo que aún no saben. La educación tiene sentido porque, para ser, las mujeres y los hombres necesitan estar
siendo. Si las mujeres y los hombres fuesen sin más, no habría porqué hablar de educación. (p. 50).
Partindo do pensamento de Freire (2001) afirmamos que os grupos de pesquisa são lugares de educação. Nestes lugares habitam sujeitos epistêmicos (SANTOS,
1976), sujeitos de muitos saberes e de diversas experiências.
Como sujeitos epistêmicos colaboramos diretamente com a produção e socialização do conhecimento. Esta colaboração se revela por meio da presença em diferentes eventos de natureza científico/artística. O Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq desde sua criação tem
produzido conhecimento e insistido em participar de eventos entendendo-os como espaços de socialização e propagação de sua produção científico/artística.
O GPEACC como muitos outros grupos de pesquisa tem se utilizado das tecnologias contemporâneas para também socializar sua produção acadêmica. Fazendo
uso da Internet, como ferramenta, o grupo de pesquisa se utiliza da Plataforma Mydocumenta (Imagem 3). Por meio desta Plataforma amplia as possibilidades
de acesso, contato, acompanhamento, dinâmica que se utiliza o grupo.
Ainda no contexto das tecnologias contemporâneas, o GPEACC participa de Redes Sociais com o objetivo de interagir com outros grupos de pesquisa e socializar
suas experiências (Imagem 4).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Artes Visuais / Visual Arts
Referências Bibliográficas
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vol. 62, núm. 1, fevereiro, 2008, pp. 146-150, Associação Brasileira de Enfermagem. Brasil.
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Índice
Index
Início
Start
DIÁRIO DE UMA APRENDIZA: RASCUNHO DE HISTÓRIAS
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Suzana Carneiro de Souza / Aline dos Santos Sousa
Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/CNPq / Universidade Regional do Cariri – URCA
Resumo
Este artigo surge a partir de uma experiência do Estágio Supervisionado II, na Associação Maria Mãe da Vida, o qual foi campo de estudo para a pesquisa desenvolvida no Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos - GPEACC, sobre a poética existente na junção das práticas artísticas, pedagógicas,
e de pesquisa.
Nesse sentido, de forma prazerosa, orgânica e por que não dizer intuitiva, encontro formas e motivos de se ensinar/aprender/pesquisar. O presente artigo trata
das narrativas ou “estórias” encantadas/encenadas que venho desenvolvendo como atriz-professora-pesquisadora, estando essas três ações, de certa forma,
imbricada uma nas outra, proporcionando assim, uma vivência mais ampla e menos delimitada nos resultados dos meus projetos artísticos em desenvolvimento.
Palavras-chave: Narração de historia, ensinar, aprender.
Resumén
Este artículo proviene de una experiencia supervisada de fase II, en asociación María, Madre de la vida, que ha sido materia de estudio de la investigación desarrollada en _GPEACC, en la poética en el cruce de las prácticas artísticas, educativas y de investigación.
En este sentido, de una manera agradable, orgánica y ¿por qué no decirlo intuitivo, encuentro las formas y razones para enseñar /aprender /pesquisar. El presente
artículo se refiere a las descripciones o “historias” estaban encantados/que estoy desarrollando como actriz y docente-investigador, siendo estas tres acciones, de
una manera, imbricado en otra, por lo tanto ofrece una experiencia más extensa y menos limitada sobre los resultados de mis proyectos artísticos en el desarrollo.
Palabras-clave: De la enseñanza de la historia, narrativa, el aprendizaje.
Introduçâo
Sendo estudante do Curso de Licenciatura em Teatro, na Universidade Regional do Cariri - URCA, esse artigo nasce dentro do Grupo de Pesquisa Ensino de Arte
em Contextos Contemporâneos - GPEACC, no qual a partir da trajetória/sujeito/objeto nos estimula a desenvolver uma pesquisa pessoal sobre nossas práticas
quanto professor/artista/pesquisador dentro da universidade. Aproprio-me então, da disciplina Estágio Supervisionado II do curso e uso-a como campo de estudo.
Seguindo essas pontuações o artigo em questão passa a ser transcrito como uma espécie de diário, narrando trechos/textos do dia a dia de uma aprendiza. Seguindo ainda, as indicações de Jorge Larrosa Bondía quando nos fala que:
O que vou propor aqui é explorarmos juntos outra possibilidade, digamos que mais existencial (sem ser existencialista) e mais estética (sem ser
esteticista), a saber, a pensar a educação a partir do par experiência/sentido... As palavras produzem sentidos, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das palavras e, também, que as palavras fazem coisas
conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavra, não pensamos a partir de uma
suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos
tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece” (LARROSA, Nota sobre a experiência e o
saber da experiência, p.20, 21).
Dentro de essa citação começo gerenciar outro olhar no Grupo de Pesquisa - GPEACC, percebendo então o grande banquete de ideias que se produz a cada encontro. Dessa forma, a mesa é posta. Degluto devagar, degusto o gosto de cada coisa, saboreando-me, nutrindo-me. Essa é a sensação depois de cada encontro.
Volto pra casa digerindo o que foi absorvido, vou e volto de dentro pra fora de mim, ruminando palavras sigo “silenciando” _ que significa andando em silêncio.
Em uma dessas tardes de encontros nos foi narrado, por algum motivo que não estava no roteiro dos textos em estudo, um trecho de uma história do livro: “Armazém de Imagens”, naquele instante percebi, meu gosto guloso pelas palavras fabricadas. A narrativa lembrou-me certa sala existindo no ano de 1994, a meia
luz, cheirando a carteiras de madeira e giz de cera, uma fita cassete narrava estórias encantadas, uma professora com sombra de fada folheia o livro desenhado
às histórias. Lembrei-me depois de um velho vó “enredado” em balanço no meio da sala, no vai e vem da rede me balançava em estórias, eu na escuta... E foram
chegando recortes da minha infância com os mesmos cheiros, as mesmas cores, descobri os silêncios de todas as bibliotecas morando dentro de mim, na parte
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
interna do meu corpo empilhadas centenas de histórias. Como isso tudo pode chegar até aqui quase intacto, que grande importância isso tinha para vir junto comigo até aqui, segundo Busatto:
[...] Narrar enquanto ação que se liga a recorda-re, re-cordar(cor, cordis: coração, em latim), trazer para o coração o que estava na memória, e
fazer da memória um coração, numa relação com a narração original, no sentido de narração que se ouviu primeiro, a que primeiro despertou no
imaginário. Quando conto uma história é a história que se narra através de mim. Eu me torno a historia. Eu me torno a minha própria história. Nesse contexto, o contador de história é também um espectador, um leitor. Ao trazer do coração para o corpo presente as historias narradas e suas
significações, ativa-se a instancia do recordar a si próprio, da experiência vivida.
(BUSATTO;2013;p.12)
Então, respiro fundo, e entendo a liberdade de saber que aprendemos com a nossa própria existência, entendendo mais ainda que “experienciamos” com nossos
semelhantes, em casa, na escola, com os amigos... Não dá pra ter prazer com a experiência quando não sabemos da existência dela, primeiro é preciso entender
cada instante como portador de experiência, é preciso está oniricamente atento a cada braçada de chão que pisamos, para depois fazer disso conhecimento.
Dessa forma percebi naquela tarde que o Prof. Dr. Fábio Rodrigues nos conduzia para um imbricamento entre sentido e teoria, para mim ficou entendido a partir
dali que quando atingirmos a parte sensível da experiência estamos automaticamente nos provocando para o mundo e neste instante, creio, que nos tornamos
encantadores de universos.
A partir dai isso se torna de foto o grande objetivo da presente pesquisa transcender o real através do imaginário, para logo em seguida tornar real a coisa imaginada. Nesse sentido acabo por escolher ser contadora de histórias, e fazer da sala de aula uma fábrica de palavrarias. Sobre contar histórias Busatto nos indica:
É nesse panorama que vejo a contação de história como um instrumento capaz de servir de ponte para ligar as diferentes dimensões e conspirar
para a recuperação dos significados que tornam as pessoas mais humanas, integras, solidárias tolerantes, dotadas de compaixão e capazes de
“estar com”.(BUSATTO;2013;p.12)
Metodologia
É então a parti da experiência que por hora vos narro que começo a laborar a presente pesquisa, dentro do Estágio Supervisionado II, na Associação Maria Mãe
da Vida, na cidade de Juazeiro de Norte, a turma de educandos tinha entre 09 e 15 anos. Para isso contei com a valorosa orientação da Prof.a Aline Sousa, que
durante todo o semestre, estimulou minha pesquisa buscando junto comigo fundamentos teóricos, mas principalmente estimulando-me com sua própria prática
como professora, quando me NARRAVA suas experiências dentro dos estágios. Dessa forma, fiz das primeiras aulas uma espécie de sondagem, assim descobri
que apenas contar história com as crianças era muito pequeno para a grandeza que as quatro paredes da sala de aula poderiam nos proporcionar.
A sala não ficava um minuto parada. Era barulhenta, movediça. Não me importava à desordem, existe um caos criativo. Começamos então a partir de desenhos,
falas, textos, músicas, entrevistas, contar nossa própria história, a cada aula íamos descobrindo uns aos outros, estreitando laços, gerando a presença da fala e
o poder da escuta afetiva e efetiva, revelando nossas venturas e desventuras.
Contudo percebi que muitas vezes esse diálogo era travado, não pela falta do que contar, mas pelo fato de não sabe como contar. Então fui tomando nota das reações dos educandos, entre tantas, as mais comuns eram: eu desenho feio, não sei fazer, minha letra não é bonita, tenho vergonha de falar, não gosto do meu jeito,
minha vida é chata... Esses desestímulos estavam explícitos, outros. Tive que debruçar meu olhar sobre a personalidade da criança/adolescente para captá-los.
Algumas com problemas familiares, de cognição, de atenção, mas a maioria deles afetivos. Sobre isso Desgranges cita Meirieu quanto a sua pesquisa realizada
com crianças entre seis e doze anos, em 1992, a qual percebeu que “uma das características dessas crianças, que sentem fracassadas pessoal e socialmente, é
a absoluta incapacidade de pensar uma história, de pensar a própria história” (Meirieu, 1993, p.14. In. Desgranges; 2006; p.22). A proposta então era levar a cada
encontro, livros infanto-juvenis, aprenderíamos com os livros como criar histórias. Enquanto líamos, brincávamos de conhecer a nós mesmos. Para esse etapa
selecionei títulos de história infanto-juvenis que guardavam nas entre linhas relatos que emparelhavam-se com a estória de vida de cada criança/adolescente da
sala, a cada livro construíamos um universo poético, nos colocávamos como as próprias personagens das histórias, aprendíamos junto com elas inventar nosso
lugar. Depois dessa fase os educandos tiveram mais liberdade para criação.
Percebendo isso, pensei em desenvolver um mecanismo de construção de narrativas a partir da vida pessoal de cada criança/adolescente sem intervir de forma
invasiva na sua pessoalidade, então transformo os problemas em material para investigação: - e se tivesse como encantar as estórias chatas, se ao invés de falar
de mim, eu falasse de quem eu gostaria de ser, e se nessa sala se pudesse falar de tudo até das coisas que não existem. Eram essas as questões lançadas a cada
dia de trabalho, assim fomos descobrindo que narrar-se é uma aventura. Entramos em um universo de fabricações, de tecelagem de mentirinhas. O resultado foi
a criação de pessonas para habitar o mundo que inventavamos dentro da sala. Meu único papel foi permitir a total liberdade para a imaginação e acima de tudo,
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
acreditar no que estava sendo narrado. Optei por, vagarosamente ir entendendo cada criança dentro das suas possibilidades, as aulas nesse sentido foram criando
dinâmicas próprias, as narrativas escritas por elas eram revisadas por mim, tendo que recorrer a elas, mais de uma vez para que decifrassem pra eu o que estava
escrito, já que tinham muitos problemas na escrita. Outras vezes a narrativa vinha pelo corpo, agora menos travado e respondendo a meus questionamentos com
mais segurança, hora era em desenhos, vídeos, em música... Dessa bagunça de ideias fui dando forma ao que gostaríamos e fosse dito, fui estruturando o texto,
encaixando as concordâncias verbais, dizendo com minhas palavras, usando as palavras que elas me diziam, transcrevendo seus desenhos, assim surge o conto
chamado: “Minhas Reais Mentirinhas”.
Discussão E Resultados
Esse é o resultado do Estágio, o qual a minha intervenção na construção do trabalho era estimular a imaginação e o prazer da brincadeira nas crianças, a partir
da contação de história, dos seus “desenhos mentais”, das narrativas e das questões pessoais que traziam para sala de aula, fomos estreitando laços de aprendizagem, auto-estima e passamos a nos conhecer e perceber as diferenças e qualidades presentes na gente e nos outros.
A finalização do trabalho não foi teatral, mesmo a instituição me pedindo um resultado mais prático. Optei por não expor tanto as crianças, pois percebi que ainda
não estavam preparadas para encarar a plateia, passamos todo o período do estágio desenvolvendo formas e motivos para criar a estória, mostrá-la ao público
seria a segunda etapa da aventura. Contudo mesmo sem um resultado totalmente prático minha avaliação final sobre as crianças é positiva, essa análise consegui
fazer ainda durante o período de estágio, no sentido que: as crianças estavam mais aptas para a leitura e a escrita, viram também que, mesmo de forma literal, é
possível expressar suas ideias, isso deu credibilidade as suas fantasias infantis, na sala já nos últimos dias de aula existia mais compreensão e companheirismo
para com as dificuldades dos colegas de classe... E tantas outras questões mais subjetivas, que só mais tarde serão percebidas e absolvidas por mim, e pelas
crianças.
A partir desse resultado começo a encenar profissionalmente as histórias que as crianças fabricaram dentro da sala de aula, é através delas que passo a pensar
cientificamente no labor e na “artesanária” do artista, percebo que a matéria-prima do educador-artista é seu próprio ambiente de trabalho, é no labor dos dias que
está a matéria-prima para sua criação. Esse relato de experiência é fruto da minha convivência com um grupo de educandos que por hora talvez nem imaginem
quão grandiosa tornaram minha profissão. Isso tudo pude refletir seguindo provocações de uma das autoras, em estudo, dentro do Grupo de Pesquisa, quando
nos fala:
Mestiçagem é uma metáfora para artistas-pesquisadores-professores que transpõem esses papeis às suas vidas profissionais e pessoais. É também
uma metáfora para os processos e produtos criados e utilizados em sua atividade. (IRWIN, p.92, 2008).
Essa indicação coloca-nos em alerta para pensar como e o que temos desenvolvido durante nossa trajetória (nesse caso dentro da universidade). “Repenso”,
“refaço”, “reinvento” percebendo assim que é possível nos apropriarmos dos espaços. Essa tríade Saber/Prática/Criação, suponho ser lugares entre e dentre o
cotidiano, entendendo que deve existir uma atenção quase religiosa dentro dessa mestiçagem.
Referências
IRWIN, Rita. A/r/tografia: uma mestiçagem metonímica. Em BARBOSA, Ana Mae& AMARAL, Lilian (orgs.). Inter Territorialidade/ mídias, contextos e educação.
São Paulo: Editora Senac São Paulo/Edição SESC SP, 2008.
LARROSA, Jorge Bondía. Nota sobre a experiência e o saber de experiência. Universidade de Barcelona, Espanha.
BUSSATTO, Cléo. A arte de contar historia no século XXI: tradição ciberespaços, Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
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Suzana Carneiro de Souza, Graduando no 6º semestre de Licenciatura Plena em Teatro pela Universidade Regional do Cariri- URCA. Integrante da
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Comunidade Oitão de Teatro como interprete/criadora desde agosto de 2008. Membro do Grupo de Pesquisa Ensino de Arte em Contextos Contemporâneos
– GPEACC/CNPq na linha de pesquisa Cultura, Arte e Arte/ Educação. http://lattes.cnpq.br/6907082737662498.
e-mail: [email protected]
Aline dos Santos Sousa, Professora Substituta do Departamento de Teatro da Universidade Regional do Cariri - URCA. Licenciada em Teatro pela Univer-
sidade Regional do Cariri - URCA (2012). Ministra as disciplinas de Pesquisa e Prática Pedagógica em Artes I e IV e Didática do Ensino do Teatro II. Participa
do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos sob a direção do Professor Dr. Fábio Rodrigues. Atriz do Grupo de Teatro Louco em
Cena (2008-2013). Professora do Colégio Objetivo Jr. (Barbalha(CE) 2012-2013). Experiência na área de Artes, com ênfase em Teatro. Experiência em Cultura
Popular, Produção e Gestão Cultural desenvolvendo trabalhos na Secretaria de Cultura e Turismo de Barbalha no período de 2002 a 2008.
http://lattes.cnpq.br/2315459372077913 / e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
TEATRO FOLIA
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Antonio Gomes Pereira Neto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
1.Teatro Social
O projeto Teatro Folia buscou beneficiar e contribuir para o processo de ensino-aprendizagem do aluno das redes públicas e aproximá-los de suas raízes populares e do folclore de sua região. As atividades tiveram residência na ONG Pro Dia Nascer Feliz no Município de Santa Rita – PB, um espaço de cultura e tradição
focada na educação e na cidadania dos participantes. Este projeto possibilita um caminho à aquisição das raízes folclóricas e da estética teatral, uma representação dramática do povo nordestino, onde os participantes restabelecem um encontro com sua cultura, através de oficinas e laboratórios teatrais. No entanto, o
do projeto dialoga com a criação de produtos teatrais acabados, não sendo este o foco principal das jornadas de atividades, os resultados com apresentações se
deram pela vontade de participar dos alunos, em ter a experiência com o novo, possibilitando a descoberta dos fazeres e o olhar contundente da sua realidade,
além de ter um contato direto com o público e vivenciar o processo de criação artística.
Assim sendo, estudos e pesquisas foram aprofundados nas adaptações dos textos e nas montagens dos espetáculos, fortalecendo os valores humanos como a
amizade, companheirismo e a confiança, necessários na formação da cidadania do jovem. O teatro transforma e provoca a reflexão de problemas, estimula ações
e atitudes, desenvolve as aptidões do seu principal instrumento de estudo e trabalho, o homem. Os subtextos das peças trazem uma reflexão sobre a liberdade
de expressão do homem e da arte, as lutas de resistência, a opressão, interface ao folclore, a fé e toda mítica das manifestações populares. Uma arte que faz
respirar qualquer comunidade desfavorecida e distanciada de políticas públicas e culturais. O teatro acontece como uma possibilidade de libertação, de ação e
força que levanta o homem e o coloca a pensar, como nos revela Altimar Pimentel.
A força da criação espontânea do povo à beleza rude e maravilhosa de um teatro antiilusionista, primitivo e anárquico. A trama possui o encantatório
do improviso, do feito na hora, daí as transformações por que passa, em processo dinâmico, adaptando-se a cada nova realidade, e a irresistível
atração e o interesse permanentes.1
(ALTIMAR PIMENTEL, 2004, p.106)
Os brincantes de pés no chão, XVI Festival de Teatro do Estudante, UFPB/NTU
1 PIMENTEL, Altimar de Alencar. Boi de Reis. João Pessoa: Gráfica Mundial e Editora, 2004.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Existe uma energia que condiciona o homem na resistência e na lutar para sua sobrevivência, cristalizando cada vez mais esta forma de teatro, sendo assim,
pouco provável que deixe de existir. Uma arte de renovar-se e adaptar-se entre espaços e culturas mais diversificadas por todo mundo. Uma forma de comunicar,
aprendido e preservado através da intergeracionalidade entre todas as classes, possuindo uma raiz folclórica que tem a cara do povo brasileiro, do homem simples, astuto e esperto, características de uma arte subversiva e transgressora.
Dotado de uma criatividade admirável, uma percepção do natural e uma espontaneidade, mesmo com todo processo de escravidão, censura e exclusão, a vida
sempre gritou mais alto para este povo que não ficou no habitual e na desesperança cavalgas nas naus do sonho. Para este narrador popular, atrevido e anárquico, com tantas propriedades, transformar-se através de rituais religiosos e situações cotidianas representa o significado da sua reflexão, seu olhar crítico é
estimulante para ativar o imaginário múltiplo de seus valores. Recria uma ponte para os fatos da sociedade, causando uma ruptura com a prisão psicológica e o
crime da ausência a educação, cultura e informação, aos maus tratos e ao desrespeito com os valores humanos. O teatro está como um instrumento dialético e
facilitador do processo pedagógico na educação, com sua irreverência e continuidade, um enriquecimento à expressão e sabedoria do homem.
Compreende-se que os jogos de improvisação, jogos dramáticos e exercícios teatrais, é uma maneira pela qual o aluno absorve a técnica e descobre sua forma
de representar e criar. A fim de apresentar as diversas vertentes do teatro, cuja riqueza está no próprio indivíduo, partindo de suas vontades, desejos e do impulso
de exercitar e construir. Além de contribuir na sua formação artística, estética e auxiliar em suas ideias e faz crescer como em uma transfiguração para um universo de sabedoria e conhecimento. No entanto, fomentar sua autoconfiança, afetividade e lealdade, contribuindo para seu desenvolvimento intelectual e auxiliando
em suas relações interpessoais, sendo estes, os elementos essenciais na busca de conhecimento e felicidade, consequentimente ter um bom desempenho em
outras atividades que venha a realizar.
2.O processo artístico-educacional
As aulas de teatro foram direcionadas em horário de contra turno, para os alunos, durante dois dias semanais, alunos das escolas públicas do município de Santa
Rita. Em seu ciclo de atividades os participantes desenvolviam atividades de arte cênicas, integrando aos jogos a musica, através dos instrumentos, aproximando
de suas manifestações populares. Tendo no folclore e nos brincantes populares elementos essenciais para recriada nos alunos a fantástico imaginários da criação.
Tendo no teatro o papel importante para a socialização e convivência com os mestres de cultura popular, cantadores e brincantes, um dialeto do aprender a
aprender, que acontece ao tocar e entoar uma canção, um forte instrumento social e transformador. Esta reflexividade surge ao observar o universo amostral que
permeia o processo de formação, através dos seus relacionamentos no dia a dia, e sua participação na comunidade.
Abrindo caminhos para um imaginário amplo e infindo de criatividade e criação. Encontrados nos elementos folclóricos, na fé, nos fazeres de cada povo, de cada
comunidade, um real fantástico imaginaria, uma estética inacabada dos personagens. Uma vasta possibilidade e vertentes de criação, partindo da improvisação
e utilizando os recursos de interpretação, a técnica e o sentido nato e original de suas raízes teatrais.
O teatro pela sua dinâmica tem o poder de influenciar, por isso é forte. Só que quando se trata de teatro na educação precisamos orientá-lo pedagogicamente de tal forma que sua prática se torne uma atividade construtiva e solidária, criativa e conscientizadora.2
(CARLOS CARTAXO, 2001, p.64)
2 CARTAXO, Carlos. Ensino das artes cênicas nas escolas fundamental e média. João Pessoa: Gráfica JB, 2001.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Os títeres de porrete, XX Festival de Teatro do Estudante, UFPB/NTU
As dinâmicas de grupo, atividades lúdicas, jogos dramáticos são recursos indispensáveis para o ensino e formação dos participantes. Esta prática foi utilizada
como recurso para desenvolver a técnica e fazer com que o aluno se torne participativo durante todo processo de aprendizagem. Os exercícios auxiliam na aquisição da arte teatral e aproxima a criança e o adolescente das atividades artísticas. Tornando seus momentos alegres e criativos, contribui para sua alto estima,
possibilita aos alunos se envolverem em uma tríade importante neste processo o fazer, apreciar e o construir. Orientando para que se identifique como grupos e se
relacionem buscando a amizade e a confiança, uma base para a construção da personalidade e o crescimento do aluno com aspectos de solidariedade, respeito,
compreensão, democracia, liderança e liberdade, conceitos importantes para o seu convívio em sociedade.
Nos momentos seguintes acontecem os jogos dramáticos com características simbólicas e de livre expressão, sem direção, texto ou plateia, representando a
realidade fantástica do pensamento, do aqui agora. Um exercício ao músculo da imaginação, uma busca pela intuição, pela criação das ações e jogos de improvisação. Trabalha-se aspectos emocionais e ações físicas do aluno, um exercício de representação que traz uma carga de signos, adquiridos desde sua fase afetiva. Sendo direcionado como atividade programática, respeita os limites do aluno e a compreensão do seu senso artístico e social, seu caráter. Um exercício que
estimula o gosto pela livre criação e reflexão, tornando-se um jovem mais participativo e formador de opinião. Nesta atividade o aluno sugere temas e assuntos,
jogos de palavras e pantomimas, priorizando sua expressão e respeitando seus sentimentos, suas emoções e ideias.
Como atividade livre, o espaço das aulas tem características pedagógicas, faz uma reflexão política e social, discutindo conceitos de cidadania e censura. Trabalha
a criatividade do participante, suas sensibilidades e o relacionamento com o outro, a maneira de interpelar ou abordar um assunto, a utilização da palavra e dos
símbolos corporais, como atividade criativa e educativa. Além de promover uma visão mais abrangente dos acontecimentos, uma análise entre o imaginário fantástico e o se mágico, a ação teatral pré-estabelecida, cristalizada e estruturada para representação, para o diálogo com o público, uma expressiva transgressora.
Essa atividade tem regras que estimulam a disciplina, a lealdade, alto-estima e afetividade, elementos essências à busca de conhecimento e felicidade, consequentemente um bom desempenho nos momentos seguintes da criação cênica. O aluno utiliza desta linguagem da expressão e comunicação no meio escolar eem
outros ambientes extraescolares, questões cotidianas que são abordadas e resolvidas utilizando o jogo, qual está contribuindo para a construção da sociedade,
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
com espírito coletivo e facilitador das relações interpessoais.
Após exercitar os jogos dramáticos, os alunos desenvolvem um estudo sobre a história do teatro, leitura de peças, poesias e romance, que facilitaram a aquisição
de técnicas de dicção e construção de personagens, a utilização da palavra em jogo, desenvolvendo a escrita e leitura, a interpretação de cenas e poemas, contribui
na convicção de suas ideias, buscando a compreensão do autor e do texto. Algumas peças foram analisadas em cenas, subcenas, rupturas, situação significante,
perguntas sobre as ações das personagens e criação da fábula. Uma maneira de formar a opinião do participante a respeito da pesquisa, compartilhada com o
grupo, estimulando a criatividade, importante no processo de montagem da encenação e o estudo das palavras nas ações e partitura corporal.
Com as informações adquiridas os alunos buscam resolver pequenas cenas com o jogo da improvisação retirado dos folguedos da região, redescobrir caminhos
de construção da personagem e seu estilo de criação, suas mensagens direcionadas ao espectador. Os alunos realizaram uma pesquisa de campo sobre as manifestações populares presentes na comunidade, conversaram com mestres e cantadores sobre sua forma de expressão, suas danças, toadas, os personagens
que compõe a encenação, ao tocar instrumentos musicais e utilizar a técnica dos brincantes, desenvolve a improvisação para utilizar no enredo criado. Uma forma
teatral com grandes valores culturais e estéticos, que provoca o encantamento do imaginário, observa Altimar Pimentel.
Quanto à construção dramática, de um modo geral, cumpre inicialmente observar o caráter anárquico, por vezes arbitrário, descontinuo, por outro
lado permite avaliar uma estrutura totalmente desmontada, como que improvisada, surgida na hora, as situações decorrem da própria cena, como
numa espécie de cena-puxa-cena. 3
(ALTIMAR PIMENTEL, 2003, p. 14)
Nesta troca de informação foi encontrada a base da construção para as apresentações, o jogo do improviso, utilizado pelos brincantes serviu como caminho para
encontrar as respostas que as cenas necessitavam para se cristalizar, trabalhando sempre neste processo com fins pedagógicos para o jovem compreendendo
suas emoções, seu crescimento pessoal, fazendo da expressão a mais livre possível. Acreditar em suas ideias é um fato decisivo para sua comunicação com as
artes, adquirindo as técnicas teatrais promove o novo, o flexível, dentro de um universo de mudanças, mostram os aspectos que são da improvisação, da momentaneidade. A fim de tornar-se apreciável, estimulante e que desenvolva os caminhos da imaginação, os cinco sentidos e a intuição. Busca produzir uma forma
característica para ação acabada, preocupando-se com a estética teatral e os limites do imaginário do aluno. Através das personagens do folguedo expressão suas
ideias, dinamicidade e criatividade, passa a compreende o desenvolvimento da construção das cenas e o significando de utilizando da música e outras vertentes
como o teatro e circo, o teatro de bonecos e a dança como suporte para as cenas. Dando sequência a este processo de criação argumenta Chacra.
A forma teatral é o resultado de um processo voluntário e premeditado de criação, onde a espontaneidade e o intuitivo também exercem um papel
de importância. A esse processo podemos chamar de improvisação, como algo inesperado ou inacabado, que vai surgindo no decorrer da criação
artística, aquilo que se manifesta durante os ensaios para se chamar a ação acabada. 4
(SANDRA CHACRA, 1991, p. 14)
3.Teatro de continuidade
Nesta jornada os participantes têm a possibilidades de vivenciar o fazer teatral. Através de personagens com características dos brincantes, menestréis, saltimbancos e cantadores foram dando forma as montagens, dando formas as cenas através da observação do cotidiano das pessoas da comunidade. Observando o
folclórico, festas populares e a religiosidade.
Foram encenados textos do Teatro Dramático Folclórico do diretor Altimar Pimentel, em Auto da cobiça e encenados texto do Teatro Popular Nordestino da escritora
Lourdes Ramalho, em As aventuras de João grilo e Viagem no pau de arara. Além de texto adaptados de autores variados, encenados com as características do
folclore e das manifestações populares da região, tendo em Os brincantes de pés no chão uma montagem do próprio grupo, com a criação do texto e das cenas,
“com falas, improvisação, cenas cômicas, situações típicas da Commedia dell’arte, cada qual com seu papel fixo, mas deve improvisar falas de acordo com a
situação dada, caracterizado pelo desenvolvimento de entrechos dramáticos em prosa e versos, entremeados de contos e loas.” (Pimentel, 2003).
3 PIMENTEL, Altimar de Alencar. Teatro de Raízes Populares. João Pessoa: Editora do Autor, 2003
4 CHACRA, Sandra. Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo: Editora Perspectiva, 1991.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
A bruxinha que era boa, XVIII Festival de Teatro do Estudante, UFPB/NTU
Com a montagem da peça Os brincantes de pés no chão utilizam-se os elementos estéticos encontrados nos folguedos populares como o cavalo marinho, mestre
curandeiro e rabequeiro, sendo foi feito um estudo para a construção das cenas. Criaram um enredo em que o Mateus sai para capital atrás de um curandeiro, o
caboclo de Arubá, para trazer uma reza que ressuscitará o Boi ele que matou, para dar sua língua a Catirina que está com desejo. O Capitão Marinho, dono da
fazenda, descobre o feito e jura matá-lo se não encontrar o tal curandeiro. Nesta procura, encontra outros personagens como o Mestre Ambrosio, São Domingos,
Baltazar e os Caboclos de Lança que o encaminham ao caboclo de Arubá que vive nas estradas do canavial. Nestes encontros são interpretados textos críticos e
políticos, com interferências nas canções e na poesia, com características dos ritmos regionais como o baião, ciranda, samba, maracatu tocado pelos personagens.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Auto da Cobiça, XIX Festival de Teatro Estudantil de Santa Rita – PB
Durante o processo de oficinas e a montagem das encenações foi observado como é forte a expressão popular de cada povo, de cada pessoa. Jovens estudantes
que buscam refletir através do teatro a sua história de vida, sua cultura, suas raízes populares, construindo assim para construção da identidade do povo brasileiro, uma expressão nata e autoral. Um teatro do povo, abrindo caminhos para possibilidade de recriar-se na estrada da continuidade e transformação das artes.
Com novas perspectivas de interpretação, se atrelado aos valores educacionais, contribuindo para que o jovem se sinta capaz de fazer seu destino, de mudar sua
história, passe há ter metas e pensar adiante, assumindo responsabilidades políticas e individuais, integradas ao seu desenvolvimento cultural e social.
Os alunos do projeto vivenciaram o fazer teatral com apresentações de peças na sua escola, dinamizando o ambiente escolar e em cidades vizinhas, através de
festival estudantil na capital e região metropolitana. Proporcionando uma reflexão sobre arte, fatos da atualidade e educação. Uma valiosa troca de informações
entre plateia e aluno-ator, dando o direcionamento dos valores culturais e artísticos, a apreciação as artes, sua liberdade de pensamento, o alto conhecimento e
o domínio de técnicas teatrais, vivenciada em ações artístico-eduacionais.
Com a progressão deste processo entre os jogos, exercícios, pesquisa, montagem e apresentação, as turmas compreenderam a importância do teatro para sua
escola e comunidade, percebendo o dinamismo desta arte tão antiga quanto o homem, vivenciada na sua própria realidade, onde o palco é o palco, e não uma
extensão da vida, com suas magias, momentos e encantos. Um espaço transcende, por onde o aluno transfigura para realizar o fenômeno da imitação, a prefiguração da representação dramática. Este teatro na educação não visa produtos artísticos acabados, mas direcionar esta energia para o enriquecimento individual
do aluno, explorando a pesquisa da estética teatral e o desenvolvimento intelectual do mesmo, um Teatro Folia com ferramentas eficazes para a aquisição de
conhecimento, novas diretrizes e vertentes pedagógicas congêneres com a educação.
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RAMALHO, Lourdes. Teatro Infantil. Campina Grande: RG Editora e Gráfica. 2004.
ROUBINE, Jean-Jacques. A arte do Ator. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1987.
STANISLAVISK, Constatin. Construção da personagem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1999.
SPOLIN, Viola. Improvisação para teatro. São Paulo: Perspectiva, 1992.
KUSNET, Eugênio. Ator e método. Rio de Janeiro: Serviço nacional de teatro, 1975.
Antonio Gomes Pereira Neto, Arte/Educador, Ator, formado em Educação Artística - Habilitação em Arte Cênica pela UFPB, 2010. Curso de Formação
do ator, FUNESC - PB, 2005. Atualmente é Professor de Artes da Secretária de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Norte e cursa na UFRN a
Especialização Educação Ambiental para Escolas Sustentável. Produtor cultura e Diretor artístico com trabalha no teatro, música e cinema como o Show Tudo
Tem Viola, a direção e produção do filme Paraíso dos homens, ator e diretor do espetáculo Operetita da sertânia, direção dos espetáculos Auto Folclórico Nordestino durante oito anos na cidade de Santa Rita – PB, outras direções no Auto da Cobiça, Os brincantes de pés no chão, Os Títeres de Porrete, A bruxinha
que era boa, As aventuras de João Grilo, Viagem no pau de arara, As dores de Cristo. Ator em Lampião vai ao inferno buscar Maria Bonita, Guiomar, filha da
mãe e Jesus, uma paixão. Na literatura tem o Prêmio Poetize 2014, Concurso Nacional Novos Poetas.
Capacitações em Oficinas de Elaboração de Projetos, Oficina de Mamulengo, Processo da Realização Cinematográfica, Iluminação Cênica, Dramaturgia do
Teatro Épico-Dialético. Arte/Educador nas Oficinas Culturais nos Bairros - FUNJOPE, Movimento S.O.S. Rio Cuiá, João Pessoa – PB; voluntário do Projeto de
Ação Pós- Escola, ONG Pro Dia Nascer Feliz, Santa Rita – PB; Projeto Teatro na Escola, Secretaria de Educação, Itambé – PE; programa “Mais Educação”,
Escola Ângelo Notare, João Pessoa – PB; Projeto Teatro na Escola, Secretaria de Educação Pedras de Fogo – PB; Projeto Teatro na Escola, Escola Santa
Maria, Timbaúba – PE.
Têm na trajetória de espetáculos em festivais e mostras culturais os XVII, XIX, XX e XXI Festivais de Teatro do Estudante - NTU/UFPB, Festival de Teatro Estudantil de Santa Rita – PB, Mostra Interestadual do Áudio Visual Paraibano, Outubro no Teatro - Projeto Cena Aberta, XXIX Festival de Inverno de Campina
Grande, XI Mostra Estadual de Teatro e Dança FUNESC, Prêmio Ednaldo do Egypto, III Festival Nordestino de Teatro de Guarabira, Agosto no Teatro, Cajazeiras.
Desenvolve uma pesquisa no Teatro Dramático Folclórico do Nordeste, com projetos na área da Educação e Cultura com a pesquisa de promover a expressividade autoral da arte, interface ao processo de interação artístico- educacional.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
CAMINHOS/ENCONTROS QUE SE CRUZAM COMO VENTOS
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Maria Edvânia Martins Barbosa / Alysson Amâncio de Sousa
Centro de Arte Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau
Universidade Regional do Cariri – URCA
Resumo
Este escrita surge a parti da disciplina Pesquisa e Pratica Pedagógica em Artes III, da Licenciatura em Teatro, da Universidade Regional do Cariri – URCA, uma
reflexão sobre contribuições do ensino de arte/teatro em ONGs para crianças e adolescentes que frequentam as aulas de Teatro na Comunidade Beneficente Zaíla
Lavor, situada na cidade de Juazeiro do Norte-Ce. A proposta é engendrada a partir dos perfis dos educandos, as atividades artísticas empregadas nas oficinas
e a recepção dos alunos e também no imbricamento da relação artista e professor. Uma pesquisa qualitativa que se utiliza da metodologia do estudo de caso e
nos revela que o ensino de arte nessa instituição contribui de modo bastante significativo, para o desenvolvimento pessoal e social desses alunos, melhorando
suas perspectivas para o futuro.
Palavras-chave: Ensino de Arte. Teatro. Organização Não Governamental.
Resumen
Este escrito surge disciplina parti Pedagógico de Investigación y Práctica de las Artes III, la Licenciatura en Teatro, de la Universidad Regional de Cariri - URCA,
una reflexión sobre la contribución de las ONG de enseñanza de arte / teatro para niños y adolescentes que asisten a clases en el Teatro el Compasivo Comunidad Zaila Lavor, ubicada en la ciudad de Juazeiro- Ce. La propuesta se generó a partir de los perfiles de los alumnos, actividades artísticas empleadas en los
talleres y la acogida de los estudiantes y también en relación de solapamiento artista y maestro. Un estudio cualitativo que utiliza la metodología del estudio de
caso y nos muestra que la educación artística en esta institución contribuye muy significativamente al desarrollo personal y social de los estudiantes, la mejora
de sus perspectivas de futuro.
Palabras-clave: educación artística. Theatre. Organización No Gubernamental.
1 - Os ventos que me impulsionaram
Desde o inicio ao passar no vestibular do curso de Teatro da Universidade Regional do Cariri – URCA, em 2008, teve a certeza de que estava no curso certo,
profissionalizar-me nas artes cênicas era o que queria para a minha vida! No entanto, algo me perturbava neste ensino superior, uma palavra, ou melhor, a formatação do curso, era uma Licenciatura e não um bacharelado.
Já frequentando a universidade e satisfeita por estar percorrendo outros caminhos ainda não trilhados, atrás de novos conhecimentos. Os questionamentos sempre pairavam: Quero ser professora? O que é ser professora? Qual é o prazer de ensinar arte? Naquele momento não tinha resposta para estas indagações e
costumava proclamar pelos corredores “Não quero ser professora! Quero ser artista!”
De 2008 até 2013, minha vida mudou completamente, cursei varias disciplinas, conheci artistas e professores, participei de espetáculos, li vários autores, tranquei
a faculdade, casei, viajei e voltei para a Academia. Desta vez. Não mais limitada ao desejo dos palcos mais compreendo que ensinar é também um ato poético e
teatral. Usando as palavras de Paulo Freire onde “(...) todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje (...). Temos de saber o que fomos para saber o que
seremos”, e é neste sentido que busco a compreensão das escolhas feita para assim seguir em frente.
Importante salientar que durante o período do trancamento estive afastada da universidade, mas não do Teatro, e é neste tempo que vivencio uma experiência que
mudaria os caminhos, ironicamente, precisei ir para fora para ver como já era essencial o que eu estava construindo dentro. Fui contratada para ser professora
pela Cia Plural de Artes Cênicas, (Ver imagem 1 e 2) situada na cidade de fortaleza - Ce.
A Cia Plural de Artes Cênicas trabalha com o ensino do teatro desde os anos 2000 desenvolvendo trabalhos de pesquisa, difusão, fomento e ensino das artes
cênicas, além de montagem, produção e apresentação de espetáculos utilizando as linguagens das artes cênicas: teatro, circo, mímica e dança, estas três últimas
como intercomunicantes e complementares do Teatro.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Figura 1 – Aula de Teatro para criança
Figura 2 – Aula de Teatro para Adolescentes
Ao viver de fato a experiência do ensinar, comecei a descobrir o prazer e a importância deste oficio. Percebi que aquela minha verdade, de querer ser apenas
artista, dos primeiros semestres da graduação estava esvaindo-se. Contudo, eu “estava” professora será que de fato “era” professora? Eu não me reconhecia
como tal, pois não tinha concluído a graduação eram os outros que me reconheciam como professora. Então me perguntava: O que é ser professor? Será que
ser Professor é quem dá aulas? Quem ensina os conteúdos escolares? Então eu buscava elaborar uma síntese sobre a diferença que há entre ser professor, ser
educador e ser artista. É possível ser os dois?
O trabalho concreto dos artistas-professores é um processo que acontece numa realidade diversificada, não estática nem definida; daí a
complexidade desta inter-relação (ALMEIDA, 2009 p.136)
A minha volta para concluir a Licenciatura em Teatro se deu a partir das espectativas supracitadas. Se para alguns alunos o curso significa o começo de uma
formação em Arte, estudar teatro hoje significa um recomeço, se faz a partir de contextos onde o ensino da arte me possibilitou outras formas de pensar, de ver
e de sentir a vida. A Licenciatura em Teatro mostrou-me como pode ser, e é generoso o gesto de ensina. Com este inicio passei a ver uma forma de atuação profissional como artista/professor/pesquisado, entendendo que não se pode separa um do outro.
2 - Contexto Histórico da Formação de Professores de Arte no Brasil
Em meados do século XX assistimos o surgimento do Movimento das Escolinhas de Arte do Brasil – MEAB que formularam os princípios, que já vinha sendo
idealizados nas décadas anteriores, no tocante ao ensino e aprendizagem da Arte. O Movimento Escola Nova (1927 a 1935) foi um dos primeiros a pensar o ensino de artes no Brasil com seus principais representantes, entre eles Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho fieis defensores das ideias de John
Dewey, Decroly e Claparède.
No Brasil o ensino da arte foi introduzido no currículo do sistema educacional brasileiro em 1971 por meio da Lei 5.692. No entanto, os primeiros cursos para formação de professores para a docência em arte foram criados a partir de 1973 com a denominação de Cursos de Licenciatura Curta ou Plena em Educação Artística.
Vale lembrar que o ensino de Artes vem se fortalecendo nas ultimas décadas deste século. Estudos apontam para o crescente numero de instituições que trabalham na perspectiva do saber científico-educacional através e/ou sobre Artes. Em sintonia com as aspirações da sociedade atual, constitui-se assim agente ativo
do processo de desenvolvimento supramencionado, prioritariamente.
Ao trazermos a realidade do Ceará, continuamos com lacunas na formação em artes. É sabido, que as universidades tanto públicas quanto particulares só vieram
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
a demonstrar interesse em oferecer graduação em Artes, mais especificamente de Teatro, nos primeiros anos do século XXI. A Licenciatura em Teatro, da Universidade Regional do Cariri – URCA é criada em 2008 e, em seu Projeto Político Pedagógico respeita a história da formação de professores para a Educação
Básica, a história da formação de professores em Artes e as especificidades epistemológicas inerentes à área de Teatro.
Encontramos na organização curricular da Licenciatura em Teatro outras formas de experimentar e vivenciar a arte. Tendo em vista a possibilidade de um currículo
que se propõe a evitar preconceitos e limitações na busca por um hibridismo entre a formação artística, a formação docente e formação investigadora. Portanto, o
profissional formado na Licenciatura em Teatro será o artista/professor/pesquisador, refletindo assim o conjunto de disciplinas que refleti a concepção da formação
inicial.
3 - Ensino não formal
De acordo com as pesquisas de Maria da Glória Gohn (1997) o maior número de Organizações Não Governamentais - ONGs brasileiras exercem atividades no
setor educativo, o então conhecido como terceiro setor, de apoio às crianças e adolescentes. Esse fato é consequência da dimensão que é a problemática de
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade no Brasil.
A maioria das ONGs do setor educativo vem recebendo os chamados artista/professor/pesquisador. Com base nos ensinamentos de Paulo Freire considerando
que: em países como o Brasil, a instrução, por si só, não seja um fator capaz de transformar a sociedade brasileira. Consideram que a transformação só será
alcançada pela conjugação entre educação e consciência política.
A educação nas ONGs se diferencia da educação formal, proporcionada pelas escolas públicas ou privadas. Elas atuam como instituições complementares à
educação formal, estendendo as ações educativas para dimensões que vão além das oferecidas nos sistemas escolares. Merece destaque o fato de todas que
atendem crianças e adolescentes utilizarem o ensino artístico como a principal diretriz de suas ações educativas.
A despeito de nos últimos anos terem surgido algumas pesquisas sobre o ensino de artes em ONGs, ainda há poucos escritos acerca das contribuições do ensino
artístico sobre as crianças assistidas nestas instituições. Sabemos que existem várias ONGs atuando nesse sentido, entretanto, a eficácia de seu ensino tem sido
pouco avaliada.
Apesar do crescimento significativo dessas instituições e da evidencia de que as práticas educativas comumente integram atividades artísticas em
suas propostas pedagógicas, as discussões sobre o ensino artístico tem sido mais voltadas para o ensino nas escolas formais. O papel da arte e
de seu ensino nas ONGs exige discurssões mais amplas, tem sido analisado e investigado (CARVALHO, 2008 p.16).
Ao retornar a graduação no curso de Licenciatura em Teatro, passo a participar do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos GPEACC voltado para o estudo e a investigação em arte/educação. Impulsionada pela a disciplina Pesquisa e Pratica Pedagógica III, nosso interesse em investigar
as Organizações Não Governamentais foi estabelecido para que cada aluno visitasse uma ONG, neste momento se deu o primeiro contato com a Comunidade
Beneficente Zaíla Lavor. Os conhecimentos adquiridos embasaram e solidificaram minha crença de que o ensino pode transformar a vida e que a arte também
presta sua contribuição.
4 - O encontro: Instituição e Discente
A trajetória rumo a ONG, se apresentou com varias possibilidades a minha frente, optei pelo caminho que me levou a Comunidade Beneficente Zaíla Lavor. Uma
instituição que aponta múltiplas possibilidades nas artes, cabia a mim a escolha. Em meio a concretude do ensino, encontrei-me com velhas sombras: medo,
insegurança, ansiedade, duvida que aos poucos foram dando lugar a um sentimento de extrema felicidade por esta voltando ao teatro, agora assumindo outro
papel “professora de Teatro”. Então determinada a atuar neste papel aos poucos fui me permitindo a viver a experiência sem criar expectativa.
A Comunidade Beneficente Zaíla Lavor fundada oficialmente em 2008, embora desde 2006 já executasse várias ações sociais sistemáticas, quando sua mentora
ainda estava viva. A história da instituição se confunde com a história pessoal de Zaíla Lavor, cidadã juazeirense, que “dedicou a sua vida ao trabalho social praticando a solidariedade, a justiça e o amor ao próximo, acolhendo pessoas em situações de extrema vulnerabilidade, promovendo e ajudando-as socialmente, em
resgate da sua cidadania e uma convivência de harmonia e paz.” Como nos diz Claudia Lavor, filha e hoje, Coordenadora da Comunidade Beneficente Zaíla Lavor.
Antes de realizarmos algo é preciso sonhar como nos aponta Nietzsche “O que fazemos em sonhos, fazemos acordados: Inventamos e construímos a pessoa
com quem lidamos – Para em seguida esquecer que assim fizemos.”( NIETZSCHE, 2005, p. 40) Neste sonho desejar ver realizado, para Dona Zazá, a sociedade
tinha de ser justa e com um verdadeiro amor de Mãe ela acolhia a todos os filhos do coração em sua casa. Claudia Lavor coordenadora da Comunidade Beneficente Zaíla Lavor cresce com este exemplo, e hoje recore as suas memórias de infâncias para criar um ambiente lúdico, cheio de possibilidades imagéticas,
apresentados tanto no espaço físico da instituição e em suas ações, com as atividades em artes integradas. Para assim manter os anseios de Dona Zazá que
sempre buscou o fortalecimento da autoestima das crianças e adolescentes diante das adversidades da vida numa perspectiva da construção de um projeto de
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
vida digna, permanece vivo.
Descrevo as principais ações desenvolvidas pelaComunidade Beneficente Zaíla Lavor, a partir de diálogo com as coordenadoras Claudia Lavor e Neylian Mafra:
1. Núcleo de Arte e Cultura; 2. Programa Educação Ambiental: 3. Programa Áudio Visual:
1.Núcleo de Arte e Cultura - Pró-Cidadania Herdeiros da Paz e Arte e Cultura:
Atividades sócio pedagógico favoráveis ao exercício da cidadania na busca por melhorias na qualidade de vida das crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade social atendidos no projeto no contra turno escolar, visando o emponderamento de conhecimentos que revelem seus próprios direitos e deveres
enquanto cidadãos numa perspectiva de resgate da dignidade humana. As atividades culturais, realizadas diariamente, através do Teatro, Música, Artes Visuais
e cinema uma mensagem de esperança para construir um mundo mais harmônico e transformador.
2. Programa Educação Ambiental - Farmácia Verde Vida, Projeto Raízes de Juazeiro, Anjos das Estradas, Raízes da Chapada:
São atividades que se baseiam na manipulação de ervas medicinais, tendo como finalidade sua utilização terapêutica. Plantamos, cultivamos e preparamos as
plantas com as crianças e adolescentes. Buscamos uma melhor compreensão da relação Meio-ambiente e Indivíduo através da informação e consequente conhecimento das ervas medicinais da região, resgatando a cultura popular associado ao saber científico. Em parceria com o Cariri Jeep Clube e Trilheiros da Região
promove assistência às famílias em situações de extrema vulnerabilidade socioeconômica, moradoras na Zona Rural em áreas de difícil acesso na Chapada do
Araripe.
3. Programa Áudio Visual -Projeto Oficina de Espia Juá; Cine-cultura; Oficina de elaboração de roteiro:
Através deste projeto trabalhamos a memória do nosso povo com visitas a pontos históricos do município, registrando com foto e vídeo as suas riquezas culturais
materiais e imateriais. A programação é composta de filmes culturais (documentários, curtas e longas metragens, etc.) de caráter regional e nacional. Para tanto,
promovemos encontros, oficinas e cursos sobre o sistema áudio visuais.
Os projetos apresentados aqui se dão de forma a criar uma relação de companheirismo dentro da instituição, entre educadores e alunos assistidos pela comunidade. É opinião das crianças e adolescentes a relação com o amor maternal que veio de sua mentora Zaíla Lavor, ou como era conhecida “Dona Zazá”. Hoje
o amor foi transferido para a Claudia Lavor, coordenadora da comunidade, ou simplesmente Mãe Claudia, como é chamada por muitas das crianças assistidas
dentro dos projetos da ONG.
5 - O vento para o Baile
Figura 3 – cena do espetáculo Baile do Menino Deus
Figura 4 – Cena final do espetáculo Baile do Menino Deus
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
O vento soprou suave acalmando meu coração e, com os pensamentos claros e as imagens conscientes que a ONG me afirmar, encontrei sonhos que tinham
se perdido e que é sob a dependência dos quatro elementos fundamentais que este sonho/devaneio se fundamenta sendo um ser distinto e ao mesmo tempo
híbrido de um mesmo ser. Foram numerosos os ensaios que ligaram a doutrina dos quatro elementos materiais, sendo eles, o Corpo, a Luz Cênica, o Figurino,
a Maquiagem às quatro características orgânicas, respiração, interpretação, sonorização, energia que constituíram o espetáculo Baile do Menino Deus, um texto
de Ronaldo Correia e Brito, com direção de Josué Farias, um dos adolescentes assistido pela Comunidade Beneficente Zaíla Lavor. (Ver imagem 3 e 4)
Ao florescer das forças criativas viu-se refletido como que em um espelho da alma o mundo imaginário de crianças e adolescentes que sonham e buscam por
melhores condições de vida. O mundo inebriante do teatro cheio de possibilidades, onde você veste a mascara que assim desejar, se mostra como uma saída
para os problemas de sua realidade. E é diante das imagens de universo de desejos e sonhos que se constrói o espetáculo Baile do Menino Deus, cheios de uma
“realidade imaginada” as cenas vão se construindo e cada personagem é representado na sua melhor forma, ganhando o sobro de vida em cada ação.
É no momento da cena que as crianças e adolescente esquecem as marca de uma vida difícil. O uso da personagem apresenta-se com uma brisa fria que abranda
o seus corações e aponta outras direções. No entanto, vale lembrar que, estão contidas nas entrelinhas dos espetáculos teatrais características sociais, culturais
e históricas que serão importantes na abordagem que entrecruza os aspectos da criação cênica como afirma Hélder Pinheiro: “[...]. Toda obra artística é a simbolização de uma experiência humana e está ligada – queira ou não o autor – a um contexto histórico, mantém relações – de consonância ou não – com a tradição,
dentre outros traços. [...].” (PINHEIRO, 2003, p. 23).
O teatro pode ser um exercício de cidadania, sendo um condutor de conhecimentos diversos levando a criança e o adolescente a se expressa melhor. A linguagem teatral ajuda a desenvolver a capacidade expressiva e artística, no que se refere ao trabalho em grupo, bem como a contribuir nos exercícios das relações
de cooperação, diálogo, respeito mútuo com os colegas, flexibilidade de aceitação das diferenças e aquisição de sua autonomia, além de desperta o interesse do
aluno por diversos textos e autores variados.
A partir desta experiência a imagem poética, que se apresenta para mim é de um novo ser, sujeito de uma linguagem corpo/vocal, que em nada se compara. Seguindo o modo de uma metáfora própria, usando uma válvula que se abriria para liberar instintos reiniciados no momento propício para a construção do mesmo
ser. Mas de que ser estamos falando? De um construtor de sua própria historia de vida, reiniciando reconstruindo, enfim, vivendo e experênciando a vida, sempre
em buscar por um futuro melhor. Permitindo-nos contaminar com o pensamento de Gaston Bachelard podemos disser que “imagem poética ilumina é a luz da
consciência, que vai procurar antecedentes “inconscientes”.” (BACHELARD, 1988, p. 3)
Por tanto, relatamos as vivencias de uma aluna da graduação em Teatro. Um encontro de vários caminhos os ventos direcionam os atores desta cena, sendo
estes a Comunidade Beneficente Zaíla Lavor e a Estagiaria, criando assim uma relação de companheirismo, trabalho, respeito, bem como de amor ao próximo.
6 - Considerações Finais
Por tanto, as vivencias como aluna de uma graduação em Teatro dariam um livro, mas que no momento se mostra como um artigo apresentado à disciplina Pesquisa e Pratica Pedagógica em Artes III, relatando um encontro de vários caminhos onde os atores desta cena são a Comunidade Beneficente Zaíla Lavor e a
Estagiaria, criando assim uma relação de companheirismo, trabalho, respeito, bem como de amor ao próximo.
Por meio de uma contextualização sobre a trajetória das ONGs no Brasil, chamo a atenção para o aumento extraordinário do número dessas instituições em todo
território nacional e discuto os motivos que ocorreram para tal fato. Observo que o crescimento dessas instituições se deve, principalmente, pela incorporação
de meios apropriados para agir em favor de grupos com demandas específicas, as quais o Estado encontra dificuldade para atender e não são do interesse dos
setores privados.
E, diante de todos os trabalhos desenvolvidos nesta comunidade fiquei me sentindo um ser que não é somente um ser, mas que neste mundo pode fazer algo
além do que achar ser capaz, basta se ter um pouco de amor no coração, ou como as crianças da Comunidade Beneficente Zaíla Lavor dizem “um verdadeiro
amor de mãe”.
7 - Referências Bibliográficas
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ALMEIDA, Célia Maria de Castro Almeida. Ser artista, ser professor: razões e paixões do oficio.São Paulo: Editora UNESP, 2009.
JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do Ensino de Teatro. Campinas: Papirus, 2001.
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Linhares, Ângela Maria Bessa. (2003). O tortuoso e doce caminho da sensibilidade: um estudo sobre arte e educação. 2 ed. Ijuí, RS: Ed. Unijuí.
KOUDELA, I. D. Jogos Teatrais. 4. ed. São Paulo : Papirus. 2002.
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio / Gaston Bachelard; [tradução Antônio de Pádua Danesi.] - São Paulo : Martins Fontes, 1988.
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
PINHEIRO, Herder (org). Pesquisa em Literatura. Campina Grande: Bagagem, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Maria Edvânia Martins Barbosa, Graduanda da Licenciatura em Teatro - Centro de Arte Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau / Departamento
de Teatro - Universidade Regional do Cariri – URCA.Membro do Grupo de Pesquisa Ensino de Arte em Contextos Contemporâneos.
e-mail: [email protected]
Alysson Amâncio de Sousa,Professor do curso de Licenciatura em Teatro - Departamento de Teatro - Centro de Arte Reitora Violeta Arraes de Alencar
Gervaiseau Universidade Regional do Cariri – URCA.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
O CONTEXTO PÓS-MODERNO/CONTEMPORÂNEO EM AS VELHAS, DE LOURDES RAMALHO
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
João Dantas Filho
Programa de Pós-Graduação em Artes – DINTER - Universidade Federal de Minas Gerais - Universidade Regional do Cariri
Grupo de Pesquisa: Dramaturgia e Encenação/CNPq
Introdução
Neste artigo, a nossa proposta é apresentar um esboço em torno da pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvida no Programa de Pós Graduação em
Artes – DINTER/UFMG-URCA, tendo como foco a análise da temática abordada, pela dramaturga Lourdes Ramalho, na construção dramatúrgica do texto teatral
As Velhas. A pesquisa em voga se detém ao estudo acerca de sua estrutura dramática e suas possíveis conexões com o contexto pós-moderno/contemporâneo,
por entender que objetivamos identificar a temática em consonância com a tessitura textual da autora. Buscamos discorrer, todavia, sobre os aspectos históricos
e sociológicos que possam revelar a situação sociopolítica do Brasil na década de 1970, bem como suas conexões com a cena teatral brasileira desse decênio e
o lugar d’As Velhas nesse contexto.
O campo criativo da nossa dramaturga nos remete ao sofrimento e ao heroísmo de duas mães, são elas; Mariana e Ludovina - protagonistas da trama ramalhiana - que convivem com pragas, juras e desventuras, proporcionadas ora pelas condições sociais, ora por situações atribuídas ao próprio destino. Os encontros e
desencontros, em As Velhas, registram a fragilidade do ser humano, vencido pelo poder dos mais fortes e alimentado por uma vã esperança. Apesar desse poder
estabelecido, tal espera costuma compor o imaginário de significativa parte do povo nordestino, na luta pela vida, indo ao encontro da inevitabilidade da morte.
Vale lembrar que, nessa pesquisa, estamos tendo a oportunidade de observar como Lourdes Ramalho constrói a estrutura dramática d’As Velhas, nos proporcionando um importante acesso ao modo de como é apresentada parte da problemática sociopolítica da região nordeste. As personagens d’As Velhas, são vítimas do
sistema político que rege o país, são homens e mulheres condenadas a enfrentar as tramas tecidas, possivelmente, pelo próprio destino, mas que, seguramente,
estão cercadas por crenças e costumes inerentes, há muito tempo, à sua própria cultura.
Nos seus 106 textos, inclusive em As Velhas, Lourdes Ramalho desenvolve uma estrutura dramática que podemos atribuir grande consistência. Na nossa pesquisa estamos considerando os fatos que deram início a eclosão do conflito que propicia o reencontro entre duas mulheres sertanejas, Ludovina e Mariana, que se
odeiam, mas precisam de ajuda mútua para solucionar um problema envolvendo seus respectivos filhos, José e Chicó. Trata-se de um texto composto por fortes
traços da tradição teatral ocidental; nele encontramos referências que nos conduzem às tragédias da Grécia antiga, mergulham na Ibéria medieval, nos levam à
Europa renascentista em consonância com o teatro da modernidade, tais elementos são ressignificados pela autora na pós-modernidade/contemporaneidade.
Por que As Velhas e o contexto pós-moderno/contemporâneo? Por entender que a Pós- modernidade permite a diversificação das formas, abertura ao passado,
acolhimento de novas possibilidades e relações da obra dramatúrgica com o presente. Assim convivem nela o contemporâneo e o antigo, as particularidades regionais/universais, as tradições culturais, tendo em vista que a linguagem pode ser universal, porém, as referências são colhidas na individualidade e na história
de cada região/país. Os conceitos da pós- modernidade/contemporaneidade são discutidos em uma ação reflexiva, sobre esse embate, talvez uma mudança
de direção, talvez uma reorganização de suas relações entre presente e passado ou ainda um reajuste nos vínculos que podem existir entre a modernidade e
a tradição. (ROCHA, 1988).
Lourdes Ramalho e As Velhas
Nos anos sessenta do século XX, uma vertente de caráter regionalista foi incorporada na literatura dramática do Nordeste, enfatizando as diferentes condições
sociais, políticas e culturais de homens e mulheres dessa região. A produção cultural da região nordeste parece despertar interesses na literatura brasileira como
um instrumento que fortalece a dramaturgia nacional. São autores de textos teatrais, nos quais são apresentados diferentes modos de luta em prol de melhores
condições de vida da referida região do país. Nesta mesma década, dentro da chamada “nova dramaturgia”, surge dramaturgos nordestinos de repercussão
nacional como Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna. Na Paraíba, temos Paulo Pontes, Luiz Marinho, Altimar Pimentel e a dramaturga Lourdes Ramalho, esta
última ainda hoje não reconhecida nacionalmente com seus mais de cem textos teatrais, dos quais destacamos As Velhas.
Maria de Lourdes Nunes Ramalho nasceu no ano de 1923 em Jardim do Seridó - RN, mas criou-se na Paraíba, onde reside até hoje, na cidade de Campina Grande.
Seus textos são escritos tanto em prosa quanto em verso, incluindo dramas, tragédias, comédias, farsas, além de textos infanto-juvenis. Entre eles destacamos
Fogo-fátuo (1974), A feira (1976), Os mal- amados (1977), Guiomar, sem rir sem chorar (1982), Frei Molambo, ora pro nobis (1987), Romance do conquistador
(1990), O Reino de Preste João (1994), Charivari (1997), Chã dos esquecidos (1998), O trovador encantado (1999), Guiomar, a filha da mãe... (2003), bem como
o antológico As velhas (1975).
A dramaturgia de Lourdes Ramalho é considerada hoje uma das mais representativas do teatro nordestino. Mesmo não estando situada, entre as referências de
cunho nacional, As Velhas tornou-se, por sua força própria, um texto que marcou diferentes pontos de inflexão do teatro paraibano, no que se refere, por exemplo,
à história de suas montagens locais. (MACIEL, 2010). Nesse texto, são reveladas as condições de vida de significativa parte do povo nordestino; seus problemas,
suas aflições, sua condição social, as tristezas e as alegrias. Sua fortuna crítica enfoca, principalmente, questões relacionadas às circunstâncias enfrentadas nas
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
lutas e desventuras de suas personagens, as relações amorosas, as questões de cunho sociopolítico, vivenciadas por homens e mulheres vitimas da miséria, da
corrupção e da relativa cultura autoritária, ainda vigente na região nordeste.
As Velhas é um texto dramático escrito em 1975 e apresenta duas famílias: De um lado, Mariana e seus dois filhos, Branca e Chicó; e de outro a cigana Lodovina, seu filho José e seu marido Tonho. No passado, Tonho foi marido de Mariana, tendo ido embora com a cigana Ludovina. No presente, Branca e José, filhos
das duas inimigas, se apaixonam, namoram e assim surge uma gravidez. Temos também a personagem Tomás (o mascate), que transita entre as duas famílias
e torna-se alcoviteiro do namoro dos dois jovens. Ainda incluímos o Dr. Procópio que, assim como Tonho, aparece apenas nas entrelinhas do texto, porém, são
personagens essenciais para a inserção do conflito e o desfecho da trama.
Em decorrência da seca, as personagens Mariana e seus filhos, Branca e Chicó, tornam-se nômades, passando a levar uma vida de retirantes. Ao mesmo tempo, essa matriarca procura a inimiga e, possivelmente, seu ex-marido. Os papéis das protagonistas se invertem; a cigana Ludovina, uma pessoa nômade, passa
a morar em um lugar fixo, enquanto Mariana encara o nomadismo. Ela sai do sertão de Piancó – Paraíba, percorre parte dos estados do Rio Grande do Norte,
Ceará e Pernambuco, até retornar à Paraíba, possivelmente no município de Santa Luzia, onde acontece a ação.
As Velhas marcaria o início do teatro contemporâneo na Paraíba, a partir de uma montagem, em meados dos anos setenta do século XX. Esse texto já foi transposto para o palco em montagens que marcam significativamente a história do teatro paraibano. Sua primeira montagem foi realizada em 1975, em Campina
Grande - PB, pelo Grupo do Centro Cultural Pascoal Carlos Magno, sob direção de Rubens Teixeira. Em 1988 foi encenado, também em Campina Grande, pelo
diretor espanhol Moncho Rodriguez. No ano 2000, o Grupo de Teatro Contratempo, de João Pessoa, com direção de Duílio Cunha, estreou outra montagem que
se manteve até 2008 e em 2010, foi à vez do diretor teatral Luiz Marfuz, professor de teatro da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, realizar mais
uma encenação.
A temática abordada por Lourdes Ramalho em As Velhas nos mostra que velhas também são as condições de vida do povo nordestino – notadamente aquele
do Sertão - empobrecido pelas condições difíceis da região, humilde e massacrado; velhas também são as promessas dos políticos; velhas são as mazelas que
atravessam a vida de homens e mulheres; são velhas as sentenças de morte, as emboscadas, a luta por justiça social. Neste sentido, se velhas são as estruturas
mantenedoras da miséria e da pobreza, faz-se necessária à emergência de artistas capazes de, na forma dramática, condensar sentidos e, pelo seu trabalho,
atuar na transformação e na mudança. (DANTAS FILHO, 2012).
Ingressando no Pós-moderno
No que se refere ao pós-moderno, é importante ressaltar que se trata de um fenômeno que marca diferentes manifestações, em todos os níveis, ocorridos em fins
do século XX, sobretudo a partir da década de 1950, após a Segunda Guerra Mundial. A partir disso, o mundo reestabeleceu um ciclo de rearranjos na política,
economia, geopolítica, etc. Os valores sociais e culturais introduzidos a partir desse novo patamar deixaram de enxergar homens e mulheres como indivíduos
solitários, na singularização do cidadão burguês ou do herói romântico, passando a considerá-lo como povo, classe, nação, etnia, etc. Neste sentido, as coisas
haveriam de ser recolocadas e recodificadas. (GUINSBURG; FERNANDES, 2008).
Jean-François Lyotard (2013), ainda acrescenta um argumento quando se refere à posição do “saber” nas sociedades mais desenvolvidas, ao mesmo tempo em
que se optou por chamá-la de “pós-moderna”: “A palavra é usada, no continente americano, por sociólogos e críticos. Designa o estado da cultura após as transformações que afetam as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX. [...].” (LYOTARD, 2013, p. XV).
No entanto, a pós-modernidade é uma “virada” de direção da humanidade, é uma reavaliação. É a constatação de que há uma multiplicidade aberta de práticas,
de ideias, de posicionamento, de pontos de vistas, de povos, de hábitos, de inteligências, de crenças, de compreensões, e que tudo isso, mesmo se por vezes
conflitantes, pode ser elemento enriquecedor e ativo. É inerente à contemporaneidade essa convivência entre tensões, ora convergentes ora divergentes. Podemos, nesta perspectiva, entender que estamos em um tempo de diversidade, de massa e de grupos.
Por tudo isso e por considerar a contemporaneidade inserida nos conceitos da pós- modernidade, podemos perceber que, neste caso, permite-se a “multivalência” das formas, a abertura ao passado, o acolhimento de novas relações de leitura para a obra, convivendo nela o contemporâneo e o antigo. Neste contexto,
também encontramos as particularidades regionais, convidando a um retorno prudente às nossas origens, à interpretação ativa daquilo que continua a existir. O
homem contemporâneo luta por alargar seu conhecimento através de diversos relacionamentos e de um pensamento conjuntivo que aceitaria “isto e aquilo”. A
tradição, por exemplo, ao invés de ser uma possibilidade incômoda e que impediria um avanço rumo ao futuro, passa a ser vista como fonte inspiradora na compreensão que o indivíduo faz de si e de sua história. Neste sentido, a tradição volta a ser incorporada à arte e à vida pessoal, na forma de um retorno ao sagrado,
aos valores e crenças locais, às características regionais da cultura dos povos, à contribuição significativa das diferenças, ainda que provindas do pensamento
moderno. (ROCHA, 1998).
Metodologia da Pesquisa
Nesta pesquisa, estamos buscando nosso referencial teórico em livros, artigos, periódicos, sites e outros meios de informação. Estamos procedendo, neste primeiro
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
momento, ao levantamento da bibliografia de apoio teórico crítico referente ao período pós- moderno/contemporâneo. Estamos realizando a sistematização de
leituras e fichamentos do material selecionado. Nessa etapa estamos trabalhando autores como com David Harvey (2012), Jean-François Lyotard (2013), Stuart
Hall (2005), Adriana Magalhães Rocha (1998), J. Guinsburg e Ana Mae Barbosa (2008), entre outros autores que discutem a pós- modernidade, o que subsidiará nossa discussão em torno das diferentes possibilidades de conexões abordadas em As Velhas. Para sua relação com a realidade da época em que o texto
foi escrito, 1975, e suas possibilidades de denuncia crítica ao sistema político vigente, recorremos aos historiadores e sociólogos, Jaime Pinski (1977), Marcos
Napolitano (2008), Euclides da Cunha (2004), Michel Foucault (1999), Dave Robinson (2008), Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2006 e 2011), entre outros
autores, como fundamento referente aos acontecimentos históricos, políticos e sociais.
Para dar continuidade, buscamos autores que elaboram o contexto histórico do teatro brasileiro como Anatol Rosenfeld (2008), Sábato Magaldi (1997), Décio de
Almeida Prado (1999 e 2001), entre outros. A seguir, procederemos à realização das entrevistas com a autora do texto em análise, como também aos estudos dos
pesquisadores da sua obra dramatúrgica, a saber: Diógenes Maciel (2004, 2005 e 2010), Valéria Andrade (2004, 2005a e 2005b), Sabine Möller-Zeidler (1993),
Maria das Vitórias de Lima Rocha (1989), Vanuza Souza Silva (2005), José Sandro dos Santos (2009) e os escritos produzidos e publicados pela própria Lourdes
Ramalho (2002). Outras leituras, que contextualizem histórica e culturalmente a produção da autora, serão igualmente realizadas nesta etapa da pesquisa.
Do mesmo lado, no intuito de apreender outros olhares a respeito de como estão construídos os procedimentos estéticos, referentes à construção dramatúrgica,
desse universo ficcional inserimos, sobretudo, os estudos de Aristóteles (1997), Horácio (1997), Marvin Carlson (1997), Jean-Jacques Roubine (2003), Jean-Pierre Ryngaert (1995), David Ball (2005) e Renata Pallottini (1989), que abordam questões relacionadas ao texto dramático em suas especificidades. Além disso,
procederemos à leitura de outros textos dramáticos de Lourdes Ramalho buscando uma apreensão do conjunto da sua obra, particularmente ao formato da sua
dramaturgia e ações humanas que se entrecruzam.
Cumpridas essas etapas, passaremos à análise propriamente dita do texto, cujo foco estará na temática abordada. Neste sentido, vamos investigar sua relação
com o teatro da Antiguidade Clássica, os ícones da cultura medieval, traços do teatro renascentistas, envolvendo o moderno e sua apresentação na Pós-modernidade. Abordaremos os demais componentes d’As Velhas, como personagens, relações, ações, etc. Para isto, teremos Margot Berthold (2003), Cesari Molinari
(2010), Hermilo Borba Filho (1968), Junito de Souza Brandão (2007), Jonh Gassner (2007), Raymond Williams (2002), Peter Szondi (2011), Jean- Pierre Sarrazac
(2012), entre outros autores que, assim como esses, nos oferecem a história do teatro ocidental, bem como a discussão crítica em torno da dramaturgia.
Por último, haverá uma análise em torno da pesquisa, bem como uma nova visita aos teóricos citados. Nessa etapa serão elaboradas as considerações finais
comprovando e, ao mesmo tempo, justificando os questionamentos abordados em torno do tema, tendo em vista a problematização, os questionamentos e as
discussões da nossa investigação. Situaremos o leitor sobre os assuntos pesquisados, através da elaboração da introdução da tese.
Considerações Finais
A importância desta pesquisa se justifica por vários fatores. Em primeiro lugar, o interesse por esse trabalho configura-se pela necessidade de ampliar a compreensão em torno da obra da dramaturga Lourdes Ramalho, principalmente nos aspectos que envolvem o contexto pós-moderno/contemporâneo. Vale ressaltar
que, nas pesquisas às quais tivemos acesso, abrangendo a dramaturgia da autora, não incluem qualquer discussão referente aos conceitos e análise da pósmodernidade/contemporaneidade.
A realização desse trabalho também irá colaborar com a divulgação da obra de Lourdes Ramalho e oferecerá subsídios capazes de difundir a dramaturgia ramalhiana por caminhos ainda não percorridos nacionalmente, uma vez que, mesmo diante de seu potencial criativo, reconhecido na região Nordeste, Lourdes
Ramalho e sua obra dramatúrgica encontram-se fora do cânone de autores da dramaturgia brasileira. Esta pesquisa também poderá colaborar com os estudos
na área de dramaturgia e teatro, bem como em áreas afins. Neste sentido, também podemos fornecer informações relevantes aos estudantes e pesquisadores
no âmbito das escolas de teatro e universidades. A realização deste trabalho será fundamental, pois, trata-se da oportunidade de observarmos parte do teatro
produzido na região nordeste na década de 1970 e que viria denunciar as injustiças sociais e, ao mesmo tempo, evidenciar a realidade sociopolítica que vitimava
uma significante parcela de homens e mulheres nessa região do país.
As fronteiras entre tolerância e oposições, muitas vezes, são confundidas com comportamentos de caráter comprometedor, em que a arte se torna mediadora
entre povo e poder, o que nos levará a refletir a respeito dos limites que aproxima o universo fictício da realidade. Tudo isso termina por ligar o antigo e o novo,
uma dualidade que se repete, seja através da recriação; seja a partir de fatos reais, no entanto nos parece que nada é novo, as próprias circunstâncias são tão
velhas quanto a vida e a morte.
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Universidade Regional do Cariri – URCA. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Artes – DINTER/UFMG-URCA.
Grupo de Pesquisa: Dramaturgia e Encenação/CNPq
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
“CULTURA VISUAL” E “ETNOCENOLOGIA”, NO CAMPO ARTÍSTICO: REINVENTANDO A RODA?
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Norton Figueiredo Corrêa
Universidade Federal do Maranhão - UFMA
Departamento de Sociologia e Antropologia
Desde 1990, quando ingressei como professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA, lecionei Antropologia no curso de Música e a mesma
disciplina, além de Folclore e Cultura Popular I e II na Licenciatura em Educação Artística. Especialista em cultura popular e desde a graduação dedicado à Antropologia Simbólica, tenho como foco as religiões e cultura afro-brasileira, relações raciais e manifestações não alinhadas, necessariamente, com tais quesitos,
desenvolvidas a partir dos finais dos anos 1960. comecei a fazer pesquisas de campo intensivas e mais sistematizadas sobre tais assuntos. O fato de ministrar
aulas num curso de Artes me levou a promover, nas aulas, costuras entre o campo antropológico e o artístico, o que muito contribuiu para que percebesse a importância da arte não apenas nas áreas em que trabalho, mas no cotidiano, e procurar me aprofundar no assunto.
O presente trabalho pretende mostrar que a criação do que seriam novas disciplinas da área de Artes, mais especificamente visuais e cênicas (Cultura Visual e
Etnocenologia), por focarem o mesmo objeto, arcabouço teórico e metodológico da Antropologia (especialmente a Simbólica), fazem pouco mais do que reproduzir,
mas sob novas roupagens, o que é feito, desde muito tempo, no campo antropológico. Igualmente, que tentarem incorporar os princípios da Antropologia, além de
contemplarem a cultura popular, representam uma busca elogiável quanto a livrar-se dos velhos e rançosos cânones e princípios positivistas que regem as Belas
Artes, fantasmas que ainda rondam o campo artístico. O problema, porém, é que a tentativa de adotar tais princípio funciona no plano teórico, mas certamente
encontra muitas dificuldades, na prática, para a aplicação em sala de aula.
Para o campo artístico, selecionei, entre vários textos a que tive acesso, os de autores mais representativos de ambas as áreas, ênfase nos brasileiros, pelo critério
de melhor explicitarem objetivos, metodologia, objeto, arcabouço teórico, que me permitissem obter uma compreensão do assunto.
O positivismo – elementos
Auguste Comte, considerado o “Pai” do positivismo, reuniu e sistematizou várias ideias vigentes, na época, e elaborou outras tantas, com isto proporcionando
uma revolução na ciência da época, pois desenvolveu uma metodologia para a compreensão de fenômenos diversos. O auge da doutrina ocorreu nos meados
dos anos 1800, quando o autor publicou várias obras, que foram traduzidas e divulgadas em muitos países, resultando no fato de que suas ideias alcançaram o
século atual, no percurso sendo adotadas em várias áreas e pela maciça maioria dos intelectuais e cientistas do Ocidente.
A metodologia consistia, basicamente, em observar e descrever detalhadamente o fenômeno e classificá-lo em categorias, permitindo, assim, que fosse possível,
por semelhança, identificá-lo, onde ocorresse, por uma ciência que deveria ter caráter universal. As principais críticas ao positivismo devem-se à presença de
fatores interligados, como a rigidez que tais classificações terminaram por assumir, fragmentando e tornando praticamente estanques as áreas do conhecimento,
uma concepção limitada de Ciência e um caráter reducionista que simplifica e mutila os fenômenos.
No Brasil, o positivismo, implantado oficialmente no sistema de ensino, em 1891, abrangeu praticamente todas as disciplinas, na escola, tendo continuidade até
hoje, porque está na base filosófica que rege a educação brasileira. (CORRÊA, 2004).
É bem possível que a doutrina de Comte, por se propor como produtora de verdades e certezas e ter sido adotada pelas academias de todas as áreas, tenha
inflado ainda mais o sentimento de arrogância e orgulho destas elites intelectuais. Quanto mais, por se considerarem, a si mesmas e pelo oficialismo, como detentoras do monopólio do saber e da verdade científica. Ou, em outras palavras, pensar e agir como se ocupantes fossem de um pedestal. Teorias como a da
relatividade, de Einstein, e a quântica, muito contribuíram para a queda do positivismo, pois colocaram em cheque a base de uma das ciências consideradas mais
exatas, a Física. As ciências humanas, na esteira deste efeito, viram seus paradigmas acompanhar tal queda. Não obstante isto, as ideias positivistas continuam
ainda vigentes entre muitos intelectuais da Academia1.
Artes e positivismo
Certas características da Academia Imperial de Belas Artes, tudo indica, têm muito a ver com estas questões levantadas. Criada no Brasil, no século XIX, com
professores franceses “(...) e com o dirigismo característico do espírito neoclássico de que estava impregnada (...)” (Barbosa, 1978: 16), seus integrantes tinham
razões de sobra para se colocarem num pedestal. Primeiro, porque sua produção possuía muita visibilidade e status, pois em prédios públicos e particulares de
alto luxo e sofisticação, monumentos, estátuas em locais importantes, como as praças centrais. Tal visibilidade certamente contribuiu para marcar um padrão
1 Uso o termo Academia como um genérico de instituições oficiais de várias áreas do conhecimento, compostas por intelectuais, referindo especificamente a área quando for o caso.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
artístico como o ideal, já que criado e chancelado pela Academia, e o popular, inferior2. Ou seja, tornava a arte erudita, seu lugar de produção e seus produtores
como os representes da verdadeira arte. O próprio adjetivo “belas” já revela a existência de um padrão estético tacitamente tomado como superior, nobre. Já o
“ofícios”, remete à ideia de atividade inferior, manual, oposta a intelectual, mecânica: “oficina mecânica”.
Não é demais considerar, por isto, que tais academias considerem “templos do saber artístico”3(e a arquitetura de muitas lembra a dos congêneres gregos), o que
talvez acentuou a ideia de a arte erudita ser uma manifestação sublime, o artista um iluminado (por Deus, claro), seu trabalho, sobretudo é intelectual e resultado
de pura inspiração (divina, também). Logo, não influenciada por fatores econômicos, políticos, sociais, culturais, por exemplo. E ele possui, também, uma aura
especial (idem) que o faz diferente e pairar acima dos demais mortais4. Tais coisas me levam a concluir que os membros dessas academias se imaginavam sobre
um pedestal (mas coríntio, claro).
O campo antropológico
A Antropologia é uma disciplina que vem conquistando um progressivo reconhecimento, também fora da Academia, possivelmente em função do grande espectro de temas que abrange e a eficácia de suas ferramentas teóricas e metodológicas, que permitem consideráveis avanços na compreensão de fenômenos do
campo das ciências humanas.
Como o antropólogo convive com grupos muito diversos, lhe fica mais fácil transpor barreiras sociais e culturais, o que tende a inibir efeitos-pedestal.
Para Morin (2008) a espécie humana possui quatro dimensões básicas que se combinam e dialogam entre si: cérebro altamente complexo e sofisticado; o fator
biológico, igualmente complexo; é portadora de cultura e vive em sociedade. Cabe acrescentar que em seu processo evolutivo, a espécie humana inventou a
cultura, mas a cultura a inventou, como espécie, hoje, e continuará nos inventando no futuro. Por tudo isto, para se estudar a cultura em todas as suas múltiplas
dimensões, é imprescindível estudar seu criador e com as também múltiplas dimensões deste, pois compõem um binômio. Graças a estes fatores, Antropologia
é, por natureza, interdisciplinar.
O método antropológico estuda microuniversos culturais, comparativamente. Como técnicas, a história de vida, a entrevista e a observação. A partir disto realiza
uma etnografia, um registro descritivo, escrito, fotográfico ou filmado (ou todos estes), sobre o que observa.
Atua nos microuniversos porque neles se encontram os mesmos fenômenos dos macro, as dimensões menores dos grupos facilitando a análise. A abordagem é
qualitativa porque busca a qualidade do fenômeno, seus aspectos mais amplos e profundos. O problema maior, quanto a isto, é a dependência do grau de subjetividade do pesquisador. Como se pode perceber, tais técnicas implicam no convívio, o maior possível, com o pesquisado, pois é o alicerce em que se apoia e
estrutura o arcabouço teórico antropológico. Por isto, tempo de pesquisa é necessariamente longo.
Para explicar a meus alunos o que é a subjetividade, criei uma metáfora: todos nós, ao nascer, temos “ lentes” transparentes e imperceptíveis, diante dos olhos.
Tais lentes vão sendo progressivamente coloridas, durante o processo de socialização, com a “cor” - o etos, visão de mundo – da cultura onde estamos inseridos.
O antropólogo, sobretudo, tem de levar em conta de que tem tais lentes, que são coloridas e distorcem, por isto, o seu olhar sobre o outro, as coisas do mundo.
Para minimizar tal efeito (o processo é gradual e lento), a solução é conviver com o diferente, o portador de outra cultura, tentando entender o que ele pensa,
como pensa e porque pensa de tal ou qual forma. Ou, ainda na metáfora, descolorir o tanto quanto possível suas lentes e recolori-las, também o quanto possível,
com a “cor” do outro. Conviver com o maior número de grupos e o mais longamente possível, faz parte deste treinamento, um exercício em que se aprende que
a nossa cultura não é a única, a correta e nem superior às demais. É por estas razões que os antropólogos procuram pesquisar populações que portem outras
culturas que não a sua, pois trabalha, por dever de ofício, com a diversidade e a comparação.
Quanto à comparação, ao observar a cultura alheia, terminamos, inevitavelmente, por compará-la com a nossa, o que chamo de “efeito-espelho”: vemos a nós
mesmos quando olhamos o outro. Um dos resultados disto é que o antropólogo, automaticamente, passa a “estranhar” a sua própria cultura, como se não fosse
sua e, consequentemente, os conceitos (e preconceitos), visão de mundo que ele possui: é ficar policiando, analisando e criticando, mento. Isto é, tem de estar
constantemente analisando, policiando e criticando o seu próprio olhar. Por isto é que a Antropologia também é um bom antídoto contra preconceitos, verdades
absolutas e eternas, certezas arraigadas e imutáveis ou “ismos”, com quer Morin (2008), doutrinas que tenham tal terminação, de outrem e nossas.
Fatores mencionados acima, como a metodologia, a base teórica, abrangência de assuntos, por ser um antídoto contra as certezas absolutas e ismos, a indispen2 Não esqueçamos, as teorias raciais de superioridade ariana, branca e de inferioridade de outros povos não europeus, estavam em vigência, nesta época. Entre o que afirmavam, o nível de
inteligência de cada “raça” se refletia no seu nível de cultura. Como negros e mestiços eram considerados inferiores, sua produção artística era automaticamente tida como inferior e vice-versa. Acresça-se que a escravidão estava em vigor e os negros e mestiços compunham a maior parte da população brasileira.
3 Os prédios monumentais, luxuosos e requintados das academias de Belas Artes refletem tal status.
4 O título de “imortais”, que recebem os membros das academias de letras, parece ter relação com o mesmo contexto.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
sável e constante cobrança que o antropólogo faz a si mesmo sobre seu olhar, resulta no fato de que a Antropologia navegue com considerável tranquilidade nos
mares insondáveis, complexos, inconstantes, revoltos e escolhosos da pós-modernidade. É por isto que está sendo buscada por outras áreas do conhecimento,
como é o caso da História e das Artes.
Como mencionei antes, o antropólogo pode se restringir a realizar uma etnografia simples, um mero registro. Um avanço bem maior é realizar uma “interpretativa”
ou “densa” como menciona Geertz (2011: 4). O que define as diferenças entre ambas, diz, (...) é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma “descrição densa”. Como exemplo (já famoso, aliás), enfoca o piscar de olhos: par lubrificar a lubrificar a superfície ocular); reação também ocular
quanto a um corpo estranho; tique nervoso; ou algo proposital, quando então ganha um sentido, um significado – e este é cultural, por ser um código, inteligível
apenas para quem pertence à cultura do autor da piscadela.
Com longo tempo de trabalho, constatei que boa parte dos antropólogos que atuam nessa área (inclusive eu!) não explicitam claramente, em suas obras, os fundamentos epistemológicos da escola. Face a isto, por leciona, procurei sistematizá-los.
Sucintamente, cada cultura tem, internamente, uma articulação, entre seus elementos, coerência e lógica. Nosso cérebro tem alta capacidade de simbolizar. Nós
assimilamos a cultura do grupo onde nascemos e crescemos. A cultura é um sistema de símbolos criados (e/ou adotados) coletivamente. O símbolo (um código) é
algo que representa algo. Nós nos expressamos por símbolos: a fala, a escrita, o gesto, a postura corporal, noções de espaço, de tempo cronológico, por exemplo.
Simbolizar é atribuir um significado, a algo antes sem sentido, sentido este que mudar, com o tempo. Por significar algo, o símbolo “fala”.
O conjunto de concepções, sentimentos, ideias, valores que atribuímos às coisas e fenômenos de nosso universo cultural, corresponde à nossa visão de mundo
(ou as “lentes”, como referi), a qual subsidia nosso pensamento e orienta nossas ações. Cada cultura tem sua visão de mundo, mas há nuances individuais. Nossa
visão de mundo pode ser projetada sobre o espaço físico que nos rodeia, “construindo-o”. E sobre nosso próprio corpo.
As emissões simbólicas são coletivas e similares, pois a socialização dos membros da mesma sociedade também é similar, já que transmitida mutuamente. Em
função disto, o antropólogo, ao conviver com o grupo, apreende o significado (ou as “falas”) dos símbolos que este emite, o que revela os aspectos mais importantes da visão de mundo deste.
Quando Geertz (2011: 4) usa a expressão “risco elaborado para uma descrição densa” alerta sobre o fato de que uma interpretação5 tem sempre um viés pessoal.
Mas isto não significa que não possa ser uma explicação procedente e verossímil do fenômeno. Finalmente, insista-se em dizer que é indispensável o convívio
do pesquisador com a cultura que estuda, pois só assim consegue decifrar os códigos que a caracterizam.
A Cultura Visual
Entendida por seus seguidores como uma nova disciplina, a criação da Cultura Visual, duas décadas atrás, deveu-se, possivelmente, aos efeitos da pós-modernidade, tsunami que derrubou paradigmas e fronteiras entre áreas do conhecimento e apagou caminhos percorridos desde muito tempo, pela ciência ocidental como
um todo. O novo rumo foi a Semiótica, o estudo dos significados das expressões que os seres humanos emitem através das suas mais diversas manifestações
culturais, das quais a arte é uma delas.
Para Tourinho, integrante deste grupo, tal disciplina é “um campo de estudo emergente e transdisciplinar, que se fundamenta no princípio de que práticas de ver
são construídas social e culturalmente”. Comenta, igualmente, que ela “discute impactos e implicações das experiências de ver e ser visto, na contemporaneidade”. Para a autora, a imagem e arte são consideradas como cultura, o que permite a Cultura Visual abranger “(...) um amplo espectro de visualidades que inclui
imagens da arte, ficção, publicidade, entretenimento e informação”, permitindo o uso destes elementos para fins pedagógicos e educativos. Mais adiante, comenta
que “As imagens, como eixo de articulação de significados e sentidos sobre quem somos, como nos vemos, como vemos o outro e como operamos no mundo,
são temas a serem debatidos e elaborados com vista a compreender e explorar seus usos e funções na formação escolar dos indivíduos”. (Tourinho, 2011: 4; 5).
Tais significados, reconhece, podem variar de cultura para cultura e mesmo subgrupos que nela se insiram, o que significa que o pesquisador precisa conviver
com os pesquisados para entender o que pensam. E então tem de se aprender a ver, como menciona. (2012: 234 e ss.).
Os prudentes cuidados com que Tourinho, trata o assunto, no texto, parecem mostrar que tem considerável aprofundamento e conhecimento sobre questões
que envolvem o campo artístico, especialmente quando da adoção da Semiótica: as dificuldades que cercam tal adoção, os fantasmas que rondam a abordagem
qualitativa, as subjetividades do pesquisador, que podem influenciar seu olhar. Também, a existência da diversidade das culturas, cujos códigos precisam ser apre5 “Interpretar” vem do Latim , “ julgar através de”., o que remete à possibilidade de uma opinião individual.
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endidos e desvendados, para a boa compreensão dos aspectos que lhes são subjacentes. Ainda, os percalços de assumir a virada: a indispensável recalibragem
do olhar, por parte de profissionais da arte, pois percebe que muitos continuam presos aos parâmetros das Belas Artes – ao que acrescento o efeito-pedestal.
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Para Aguirre, a expressão Cultura Visual surgiu em 2003, destacando Mitchell (2003), que definiu o campo que abrange as representações visuais e como são
percebidas pelo espectador. (Aguirre, s/d: 73). Para ele a arte é “uma forma de simbolização (...) que se articula com outros sistemas simbólicos no seio de cada
contexto cultural” (ibid., p. 71).
A cultura visual, segundo autores consultados, se estende por diversas áreas, como a estética, a história da arte, os chamados estudos culturais, entendendo que
os objetos artísticos são construções sociais. Adotam a perspectiva, igualmente, de que tanto o olhar do artista, como o do espectador, têm de ser considerados
no processo de análise da imagem e do objeto artístico.
O fato de privilegiar as imagens do cotidiano, incluindo as da produção popular, além do grande coeficiente de flexibilidade que possui no trato com seu objeto,
indica que a disciplina almeja um rompimento com os rígidos parâmetros das Belas Artes, que se reportavam às escolas europeias, as quais, por sua vez, bebiam
na cultura grega. A concepção que não existe uma arte erudita e uma popular e sim o campo artístico como um todo, também faz parte dos fundamentos da Cultura Visual.
Aspecto enfatizado é a projeção didática da disciplina, a Educação da Cultura Visual. Defende que a arte visual deve atuar como um veículo de ação política que
promova a cidadania e uma perspectiva crítica sobre o contexto sociocultural em que se inserem.
Dias, referindo o VizCult, grupo formado por autores estrangeiros que adotam a pedagogia crítica e que comunga dos pressupostos brasileiros da disciplina, afirma:
“(...) é imperativo educar os estudantes a interpretar a cultura visual de modo que os auxiliem a entender a extensão ampliada de suas formas, sentidos e objetivos”. Isto seria importante para permitir ao aluno “o enriquecimento de saberes e possibilidade cognitivas que inclui os lados emocional e racional dos estudantes
(...).(Dias, 2012: 63). A Cultura Visual, quando aplicada à educação, toma título de Educação da Cultura Visual, que “é entendida, aqui, mais como um projeto do
que como um método e constitui-se num grupos flexível de conceitos transdisciplinares para promover, entre outras coisas, a identidade individual e a justiça social”. E visa despertar “(...) a consciência crítica e a crítica social como um diálogo preliminar, que conduz à compreensão e, então, à ação”. (Dias, 2008: 63; 39).
Conquanto certo assunto não apareça claramente nos textos, aflora, aqui e ali, nas entrelinhas: as dificuldades de implementar os objetivos, propostos pela disciplina. O autor, citando Duncum (2002a)6, que teria ouvido queixas de arte-educadores, protesta. Os reclamantes alegavam não ter o conhecimento necessário
para atender às exigências da educação da cultura visual. A reação de Dias é curiosa: ao invés de tentar entender ou contestar tais queixas, acusa, generalizadamente, outros professores quanto a outra metodologia sobre a qual, supõe-se, também, deva ouvir queixas similares: a abordagem triangular. Pergunte-se o
que isto tem a ver com a primeira questão? - a menos que as queixas destes professores o tenham incomodado muito. Inquirindo a si mesmo, questiona , como
os que alegam tais dificuldades se sentem preparados para ministrar aulas de “teoria, história e crítica da arte, fundamentos da linguagem visual, estética e fazer
artístico como tem sido exigido pelo DBAE ou a metodologia triangular, no Brasil. Sobretudo porque, para trabalhar com esses tipos de estruturas curriculares,
eles também necessitam de uma abordagem interdisciplinar”. (Dias, 2008: 46). Concordo totalmente com sua opinião, mas não resisto à tentação de comentar o
caso, embora – data vênia – seja apenas antropólogo.
A Abordagem Triangular7 foi criada para o campo artístico, mais especialmente as artes visuais. Em função disto, Dias, como a maioria dos arte-educadores, como
observo, parece entender que se limita a tal campo, o que não procede. Outro equívoco: talvez por todos os autores da Visual enfatizarem tanto a promoção de uma
educação crítica ou libertadora (o surrado e sobretudo inócuo jargão da Pedagogia), pode parecer que apenas tal disciplina adote tais ações. Entendo, porém, que
a Triangular, graças a certos aspectos. pode até ser mais adequada para atingir tais metas, por dois motivos. Um deles, a Arte, dependendo de como é utilizada,
presta-se, talvez mais do que qualquer outra manifestação, para fins políticos, no sentido partidário ou não, dependendo de quem a usa. Outro: pessoalmente,
utilizo os princípios da Triangular para trabalhar assuntos como as religiões afro-brasileiras. Elas, como o objeto artístico, têm uma história; estão relacionadas
a um contexto onde se pode destacar as condições e ambiente da escravidão e o racismo. E, finalmente, apresentam aspectos artísticos riquíssimos, musicais,
visuais e cênicos mais do que suficientes para um fazer artístico que atue como veículo de sensibilização do aluno, politicamente – sem se falar em dimensões
históricas, antropológicas, sociais, culturais, econômicas, políticas, psicológicas. Ou seja, a Triangular está muito além de supostas neutralidades.
Voltando à questão inicial, a resposta sobre as queixas, dei razão a Dias porque entendo que para nos arriscar a trilhar caminhos que pouco conhecemos, ferra6 Duncum (2002a), apud Dias, 2008: 46.
7 Barbosa, 1978.
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mentas e bagagem são implementos indispensáveis.
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Etnocenologia
A Etnocenologia objetiva analisar os cenários onde certas manifestações, especialmente as populares, ocorrem. Nada de novo, , porque é exatamente isto que
uma boa antropologia deve fazer: o cenário próximo faz parte indissociável da manifestação, que inclui o ritual, o templo e os seguidores. Tudo isto compõe um
contexto que extrapola os intramuros dos templos e se imbrica na sociedade (ou cenário) maior, o que não pode ser esquecido.
Tive acesso a dois textos: uma coletânea sobre a Etnocenologia, “Procênio” (1998) e “Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos” (2009), de Bião, disponível
na internet. O primeiro, “Procênio” é um caderno com folhas tipo A-4, em xerox, editado pelo Programa de Pós- Graduação em Artes Cênicas da UFBA, em 1998.
A coletânea, veicula artigos, fotos de espetáculos teatrais, resenhas, receitas para manipular aparatos cênicos, portfólios de professores do curso, comentários
sobre obras, relatos de experiências elaborados por alunos e professores da instituição.
Exceção de um único artigo, o de Pradés, considerado um dos expoentes internacionais da disciplina, o teor da maioria dos demais, quando resultantes de pesquisas de campo, se restringe apenas a etnografias não interpretativas de manifestações culturais diversas, quase todas populares. Em outros, seus autores
partem para interpretações e aprofundamentos sobre o que observaram, mas sem estabelecer quaisquer relações com os princípios da Etnocenologia. Face a
isto, abordo o artigo de Pradés.
Segundo Pradés, “A etnocenologia nasceu de uma convergência de trabalhos, de encontros que conduziram à necessidade da proposta de uma disciplina específica, com o que isto implica em termos de aparelhamento teórico e de métodos heurísticos”. Seu objeto é “(...) é um evento complexo que implica em um ou
mais indivíduos considerados em sua inteireza biológica, física, espiritual e social”. Quanto ao objetivo, é estudar “(...) as práticas e os comportamentos humanos
organizados (PCHSO) dos diversos grupos étnicos e comunidade culturais do mundo inteiro”. Sobre o arcabouço teórico da disciplina, afirma que, “Como para
toda a ciência, a etnocenologia não é um corpo de saber já constituído e dogmático, mas, bem ao contrário, uma direção dada, um elã em favor de um canteiro
de investigações permanentes”. (1998: 9). Mais adiante, falando, ainda, no que seriam os objetivos, comenta que “A ambição da etnocenologia consiste menos
em compor um repertório de práticas espetaculares humanas que em compreender o natureza dos vínculos que unem, em profundidade, formas tão diversas”.
(1998: 12).
Em seu artigo, Pradés busca, através de digressões e longa argumentação, estabelecer as bases teóricas, objeto, metodologia e justificativa da criação da Etnocenologia como disciplina autônoma. Para tanto, mostra muita erudição, reúne e comenta uma ampla série de informações variadas – arte, dança, fisiologia
corporal e do cérebro, evolução humana, referências a antropólogos. Tal procedimento, como uma moldura de quadro, visaria, simultaneamente, dar suporte e
delimitar o tema.
O que evidentemente transparece – a razão de reunir tantos dados – é a extrema dificuldade de estabelecer, taxativamente, bases sólidas, consistência científica
suficiente para comprovar a afirmação de que a Etnocenologia se constitui em uma disciplina autônoma, na área das ciências humanas, digna de um nome que a
caracterize. A falta de articulação desses dados entre si e em torno ao ponto que deveria ser central, e o volume destes face ao todo, é tão grande que obscurece
o principal, os fundamentos epistemológicos e teóricos da Etnologia. O apelo para tal massa de dados, as citações constantes parecem uma tentativa de buscar
apoio para tentar exorcizar a fragilidade de suas afirmações.
“Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos”, trata, como título informa, de uma coletânea de artigos que seu autor, Bião (2009), publicou. Ele é considerado
o expoente brasileiro maior da disciplina. A apresentação do trabalho é de Michel Maffesoli, antropólogo francês que atua no campo da Antropologia Simbólica.
O texto de Bião, “Um trajeto, muitos projetos”(2009) se assemelha ao de Pradés, quanto à grande massa de dados, e muitas citações. O autor arrola, como objetos da etnocenologia, um grande espectro de manifestações: as “artes do espetáculo”, amadoras e profissionais, o teatro, a dança, a ópera, o circo, a música
cênica, o happening, a performance, o folguedo popular, as danças dramáticas. Além destas, os “(...) os ritos espetaculares”, os similares ao teatro e à ópera (...)
brincadeira comunitária, circo, rituais religiosos e políticos, festejos públicos, culinária. E completa, enfim: “Nesse grupo de objetos, ser espetacular implicaria uma
qualidade complementar, imprescindível, decerto, para sua conformação, mas não substantivamente essencial”. (p. 51-3).
Quanto ao que considera metodologia (mas o que se confunde com o objetivo), diz: “[A Etnocenologia] mapeia relações inter-teóricas entre diferentes universos
de conhecimento como os da Antropologia, das Ciências Cognitivas, da Estética, da Filosofia e assim por diante”. Na frase seguinte, em que refere, objetivamente
259
a questão metodológica, esta não é explicitada: “A diferença está em como são trabalhadas estas relações, envolvendo a análise de objetos das mais variadas
áreas, do teatro à culinária, passando par manifestações populares, estudos do corpo e de rituais”. (p. 53-4).
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Balanço geral
Aqui, traço um balanço geral, crítico, dos textos.
Um primeiro comentário é elogiar a iniciativa do grupo em procurar romper com os já mais do que seculares pressupostos positivistas que assolam o sistema de
ensino brasileiro. O positivismo, em minha opinião, é um dos fatores mais importantes para fazer da escola a mais poderosa agência promotora de desigualdades
sociais do País. A montanha de conteúdos inúteis, para a vida cotidiana, faz do egresso, depois de 12 anos no sistema, seguidamente, não poder nem minimamente se sustentar com o que aprendeu. Rumar para a cultura popular, a de referência, do aluno, também é um ponto muito positivo, porque se lida com algo com
conteúdos que muitos deles conhecem. A preocupação em sensibilizar os alunos para refletirem, politicamente, sobre suas condições de existência, também é
muito positiva. Há que tomar cuidados, porém, para não cair na armadilha que tal discurso oferece. Alardear aos quatro ventos, em falas e escritos, que se almeja
um aluno participativo, crítico e consciente quanto às suas condições concretas de existência - sonho dourado acalentado por professores e pedagogos, é um vir
a ser que dificilmente virá, a não ser em futuro remoto, porque a escola é engessada pelo positivismo, que apenas reforçou certos aspectos que vêm dos tempos
da Colônia.
Tourinho (2012: 234 e ss.), merece destaque, entre os autores consultados, pela desconfiança (pelo menos entendi assim), uma vez que se preocupa menos com
a parte visível do edifício Cultura Visual, do que com as condição dos alicerces deste, a metodologia. Por isto se dedica a refletir sobre eles, se instrumentalizar
para poder cavar e inspecioná-los de perto, avaliar seu grau de solidez.
Um ponto em comum do material lido é a preocupação, dominante em quase todos os textos, em justificar a criação da disciplina e consolidá-la, objetivando
que assuma a condição de um campo independente, nas ciências humanas. Daí o apelo a massas de dados e autores que de alguma forma possam contribuir
para tanto. O perceptível cuidadoso cultivo das relações de troca em nível nacional e internacional, representado por publicações coletivas intergrupais, citações
mútuas, também seriam estratégias de fortalecimento do grupo e de suas ideias. É de se questionar se a ênfase do discurso é para os outros ouvirem ou para o
discursador se convencer do que é verdade o que diz? Ou, se este ímpeto nas externalidades da construção faz com que a metodologia, calcanhar de Aquiles,
seja praticamente esquecida. Ou, pelo contrário, tal ímpeto e efervescência em externalidades seriam uma forma derivativa para deixar Dom Diabo quieto.
Outro ponto é que a referência a símbolos, significados, é geral, pois na verdade são a chave mestra para a disciplina atingir plenamente seus objetivos, a sensibilização dos alunos para o contexto que envolve a arte. O problema é que, para lidar com o símbolo, como mencionei. anteriormente, é necessário usar as
ferramentas imprescindíveis e, conditio sine qua non, um longo convívio, tanto junto aos alunos, os receptores, digamos, como os emissores (as imagens e seus
produtores), para poder apreender e decifrar os códigos referentes às respectivas visões de mundo. A pergunta incômoda, sem dúvida, é saber até que ponto isto
é viável, inclusive pela questão do tempo necessário para tanto. Se positivo, ótimo; do contrário, um problemaço, pois será um verme voraz que estará corroendo,
eternamente, justamente os alicerces das construções que almejam ser disciplinas com D maiúsculo. Eis as razões porque os alicerces dos dois edifícios continuam são frágeis, mesmo depois de uma vintena de anos de existência, e porque ambos precisam de muitas estacas de apoio – argumentação e justificativas
trabalhosas (e não raro discutíveis), bibliografia abundante, antropólogos – para manter um equilíbrio instável.
Um dos problemas da Etnocenologia, considerando as ideias do autor, é que os limites do objeto são tão amplos que tendem ao infinito, o que, na prática, inviabiliza a pesquisa.
Finalmente, uma disciplina, para ser considerada independente, tem que contar com um arcabouço teórico, um objeto e uma metodologia. O problema principal
da Cultura Visual e da Etnocenologia é que, centrando-se nos mesmos princípios da Semiótica ou da Antropologia Simbólica (da qual a Antropologia Visual é uma
ramo)8, vão sempre experimentar com muitos problemas para poderem afirmar que são disciplinas novas. Não é por outra razão que Bauerlein (2004, apud Dias,
2008: 47), junto com outros intelectuais da área, artística, como tenho constatado, acusam a Cultura Visual (mas o que serve para a Etnocenologia) por se basear
em “(...) praticas e características (...) limitadas (...) [e] utilizar várias disciplinas sem conhecê-las em profundidade”)11. Ou seja, que estariam reinventando a roda.
Referências
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260
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BAUERLEIN, M. Symposium – Arts Education and Visual Culture Education: The Burdens of Visual Culture. Arts Education Policy Reviews. V. 106, n. 1. P.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
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BIÃO, Armindo. Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos. Salvador: P&A Gráfica e Editora, 2009. (http://www.teatro.ufba.br/gipe/arquivos_pdf/ETNOCENOLOGIA1.pdf).
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GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2011.
MITCHEL, W.J.T. Mostrando el ver: una crítica de la cultura visual. In: Revista Estudidos Visuales,v. 1, p 17-40, Nov. 2003
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2008.
PRADÉS, Jean-Marie. Etnocenologia: A carne do espírito. In: Repertório – teatro & dança. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Ano 1, no 1, 1998.
TOURINHO, Irene. Cultura Visual e Escola (Introdução). In: Cultura Visual e Escola.In:, Salto para o Futuro, programa TV Escola, ano XXI, Boletim 9, agosto
de 2011.
Norton Figueiredo Corrêa, é Doutor em Antropologia, PUC/SP, Professor Adjunto da Universidade Federal do Maranhão (Depto. de Sociologia e Antro-
pologia) e Antrópologo. Autor dos livros “O Batuque do Rio Grande do Sul – antropologia de uma religião afro-rio-grandense”. São Luís: Cultura&Arte, 2002;
2006 (2a ed); “7 Mentiras sobre a Escola Brasileira: para uma antropologia da Educação. São Luís: Cultura&Arte, 2004.
e-mail: [email protected]
261
Índice
Index
Início
Start
UMA EXPERIÊNCIA NARRATIVA HÍBRIDA PARA O ENSINO DA ARTE
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Carlos Cartaxo - Universidade Federal da Paraíba - UFPB / Grupo de Pesquisa: Teatro na Educação
Georgina Furtado - Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto / Grupo de Pesquisa: Teatro na Educação
Introdução
Este é um trabalho que é fruto de investigação de doutorado em Educação Artística, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Portugal, que tem
se expandido como fonte de estudos, reflexões críticas e debates na Universidade Federal da Paraíba no Brasil com o Grupo de Pesquisa: Teatro na Educação,
linha de pesquisa: Possibilidades Narrativas para o Ensino da Arte.
A pesquisa teve inicio em um Centro Cultural e se prolongou até a escola levando consigo as imagens do acervo e uma “narrativa” que chamamos de “matriz
performática”. Os participantes da prática de investigação são cinco atores e dezoito alunos do 7o ano de uma escola pública municipal. Como a própria gênese
da palavra matriz, onde algo se gera e se transforma, a “matriz performática” é a unidade narrativa elementar e que pedagogicamente foi usada na escola. As experiências com os alunos foram então promotoras da ampliação e transformação desta “matriz”, um elemento híbrido, feito do inter-relacionamento entre o Teatro,
as Artes Visuais e a Literatura e que transformou contextos vividos e elaborados em outros contextos, na construção do conhecimento.
Teoricamente partimos de Walter Beijamim para definir o que compreendemos por narrativa. Uma narrativa não é nada mais, nem nada menos, do que conselhos
tecidos da própria vida e na própria vida, nasce da experiência do próprio narrador e dos seus ouvintes; são incorporados à história contada e não tem intenção
de responder a perguntas ou dar explicações e informações prontas e pré-concebidas sobre algo, pois a comunicação aconteceria não no ato de “transmissão”
de uma mensagem, mas na sugestão de continuação de uma história; quando aprendendo a contá-la, aprende-se com ela (BEIJAMIM, 1992).
Parafraseando Beijamim (1992) o narrador é aquele que sabe dar conselhos, que constrói uma espécie de sabedoria, artesanal, que nasce das coisas imersas
no mundo e do modo de relacionar-se e conviver com elas. A ficção surge com a narrativa e com ela os contadores de histórias.
Fazer do ensino da arte uma narrativa e seus sujeitos contadores de histórias; é realizar no âmbito educativo uma prática pedagógica que se desenvolve a partir
de uma ficção, onde professores e alunos constroem conhecimento buscando construir sentidos de uma história que diz respeito a cada um e a todos ao mesmo
tempo. Nesta construção, o conhecimento é produzido juntamente com a elaboração de sentidos desta mesma história, sendo assim, não acontece como uma
“transmissão” de conhecimentos, onde alguém é detentor de um elemento de verdade que deve ser passado a outro. Ao contrário disto, toda verdade é posta em
causa na busca de uma legitimação, de uma construção de sentido.
Para que algo faça sentido para alguém, se faz necessário que este algo entre em conexão de alguma maneira com a pessoa, seja a partir das suas memórias, seja
a partir das suas experiências de vida, ou até mesmo pelo desencadear de sentimentos e emoções, por sua vez consequências de associações que o indivíduo
pode fazer com as suas práticas e valores sociais e culturais. Desta forma, elaborar sentidos estaria intrinsicamente relacionado a procurar construir e descobrir
uma razão de ser para coisas, fatos e atitudes nos quais estariam relacionados os sujeitos entre si e consigo mesmo.
É trabalhar com um conhecimento que surge do senso comum, do saber comum e a partir daí poder trabalhar com um conhecimento mais elaborado, instigando
a curiosidade epistemológica do aluno, a pesquisa do seu entorno e cotidiano. Deste entendimento não se proporcionaria unicamente o conhecimento de um
conhecimento já existente, que é o que acontece normalmente nas escolas em seus conteúdos disciplinares independentes, mas busca-se produzir um conhecimento compartilhado, dialógico, que ainda não existe, pois surge com a experiência, ou seja, com a narrativa (PAULO FREIRE, 2012).
Proposta Pedagógica Para o Ensino da Arte
A narrativa surge com uma unidade elementar que chamamos de “matriz performática”. Epistemologicamente ela se constitui a partir de um paradigma teórico
da Cultura Visual que considera os artefatos visuais os quais os sujeitos se relacionam como relatos abertos, que produzem representações sociais a partir das
“leituras” ou interações que estes sujeitos elaboram com os artefatos, indo além de uma codificação ou decodificação de imagens, mas fazendo sua reconstrução
a partir de suas interpretações e posicionamentos críticos sobre os mesmos.
O que foi constituindo em nossa pesquisa a partir da construção destes relatos dos artefatos dos museus, a “matriz performática”, “uma maneira de ver e produzir
olhares do qual fazem parte as práticas culturais e sociais e as relações de poder que dela participam”. (AGUIRRE, 2007, p.15) Neste entendimento a arte não
é autônoma reservada aos seus padrões formais e estéticos como preconizava a modernidade, mas considerada um sistema cultural, uma combinação aberta
de elementos em interação e em permanente transformação e constante ressignificação a partir do entremear de relações e em contextos que lhe dão sentido
262
(GEERTZ Apud AGUIRRE, 2007, p.23).
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Considerando o conhecimento gerido a partir das experiências vividas através da arte, (EISNER, BARONE, HERNANDEZ, DIAS, IRWIN, 2013, p.42) a nossa
investigação se faria a partir dos fenômenos que da intervenção performática pudéssemos relacionar aos comportamentos humanos e suas relações sociais e daí
promover debates e indagações, construindo conhecimento. Mas quais seriam estes fenômenos? Como os relacionaríamos em uma Investigação Baseada Nas
Artes? (EISNER; BARONE; HERNANDEZ; DIAS; IRWIN, 2013, p.43).
A partir destas questões, seguimos a outro entendimento, o de que a arte no Centro Cultural de alguma forma ainda limitava-se ou era afetada pelo contexto em que
estava inserida, em suas práticas hegemônicas e de relações de poder, que impunham o que deveria ou não ser usufruído como arte pelos seus públicos. Sendo
assim, havia uma ênfase aos valores e qualidades estéticas, voltados a uma decodificação dos trabalhos artísticos. O artístico era visto como uma linguagem,
como conjunto de sinais e signos que precisavam ser decodificados para serem entendíveis, comunicados e usufruídos como arte. Este fato limitava o artístico a
um cânone, uma regra ou preceito com intuito ser repassado a outra pessoa como uma mensagem, uma espécie de alfabetização visual (AGUIRRE, 2007, p.10).
Seguindo os propósitos de uma investigação baseada nas artes, em nosso trabalho de intervenção performática, buscávamos um contexto que não estivesse
preso ao da “obra de arte” e seus referenciais simbólicos e semióticos, mas propor-se-ia ir além do seu significante. Partiria de um contexto social mais amplo,
que ao mesmo tempo transformaria e seria transformado pelo produto artístico e estaria em constante tensão narrativa na interpretação dos seus significados
(BARONE Apud HERNANDEZ; DIAS; IRWIN, 2013, p.57).
Sendo assim, éramos afetados pela necessidade e urgência de romper com as amarras, que do museu impedia a arte de se democratizar, de se sociabilizar. Mas
como falamos anteriormente, embora a arte seja afetada pelo contexto no qual esteja inserido seria no jogo de relações de dentro e fora da arte, nas tensões
entre os sujeitos e o ato criativo, “para dentro e para fora, para frente e para trás” (DENZIN, LINCOLN Apud HERNANDEZ; DIAS; IRWIN; 2013, p.56), a partir dos
processos de interpretação e subjetivação, nos relatos produzidos na e a partir da mesma, nos inter- relacionamentos mobilizados pelos seus agentes que a arte
se libertaria ou ao contrário disto, se tornaria prisioneira de si mesma.
Neste ponto, o que mais importaria, parafraseando Hernandez, não seria uma habilidade artística e que se refletiria nos valores e qualidades estéticas de uma
“obra de arte”, mas o processo dialético, as reações originárias da manifestação artística e sua responsabilidade social e como isto transformaria a nós mesmos
e aos outros, neste processo de interação (HERNANDEZ; DIAS; IRWIN, 2013, p.57).
Para além do aprisionamento da arte em seus contextos de origem, resolvemos sair do museu à escola, levando conosco o acervo e os trabalhos artísticos em
imagens e também em ato criativo, por sua vez aberto e sujeito a alterações. Mas o que sentíamos mais importar neste ato, não estava no movimento de ir e vir,
mas no que construíamos no meio das relações, nas vivências das experiências, nas trocas realizadas a partir de uma arte mestiça (IRWIN, 2013, p.27), híbrida,
feita do inter-relacionamento entre o Teatro, as Artes Visuais e a Literatura e que ia paulatinamente transformando um contexto em outros contextos, na construção
do conhecimento.
Pela identificação com o trabalho de outros pesquisadores, cujas ideias são também propulsoras das nossas, me interessa também como eles, questionar os
limites das artes, a busca por romper as suas fronteiras e sua implicação nas tramas do sistema cultural. Uma busca por enfatizar a narração de histórias como
uma proposta de educação artística cujos aspectos sociais e políticos são elementos constituintes fundamentais do processo educativo, ao invés dos aspectos
predominantemente formais. Uma maneira de questionar a arte canônica ou culta, em um ato criativo que valorize a partir desta e sua desconstrução, as formas
das artes populares e sua aproximação com os estudos da cultura visual (AGUIRRE, 2007, p.12).
Por conseguinte, uma proposta educativa como narrativa seria uma possibilidade de repensar e tentar, se não reverter, mobilizar estas questões na tentativa de
em ação e criticamente, transformá-las. Pensando relativamente não vemos sentido em criar dicotomias para o ensino da arte, dentro ou fora do contexto em que
estejam inseridas, seja uma escola, um museu ou uma praça; o que está em jogo e o que fará a diferença serão os agenciamentos construídos na arte e dela
possibilitando novos desmembramentos das ações inter-relacionadas para construção do conhecimento.
Segundo Imanol Aguirre, 2007, qualquer projeto educativo deveria levar em conta prementemente a chamada “pedagogia cultural” ao invés do que seria o papel
anteriormente ocupado pela “pedagogia escolar”. Pois assim, seria uma maneira de trazer para o discurso educativo as vozes dos setores sociais marginalizados
e a busca de mecanismos para produção do discurso crítico, dando a capacidade aos estudantes de compreenderem criticamente os seus mundos sociais e
culturais em que vivem e as suas relações estabelecidas e de jogos de poder (AGUIRRE, 2007, p.13).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Aprendendo a aprender a contar uma história, a narrativa vai sendo composta dos inter-relacionamentos e das questões e debates que dela emana. Uma escrita
ao mesmo tempo visual, performática e literária e que levanta questões políticas, sociais do contexto em que está inserida e do contato com outros contextos
construídos e também reelaborados. O que para o ensino da arte na escola, passa-se a obter com a Narrativa, uma escrita que pode dizer respeito a cada um
dos envolvidos no processo de aprendizagem e de todos ao mesmo tempo. Também aliados a seus aspectos sociais e políticos dentro e fora da instituição, já que
os valores sociais de cada um dos envolvidos poderão estar presentes na narrativa. Uma possibilidade de “escrita” e de se conectar com o mundo onde todos
participam e aprendem com ele.
Metodologia
Este trabalho é autoetnográfico por tratar-se de uma investigação em que a pesquisadora é parte integrante como atriz da experiência de intervenção performática
realizada em um Centro Cultural e em uma escola pública municipal. Os sujeitos participantes da prática de investigação são cinco atores, sendo dois, pertencentes à Graduação de Teatro da UFPB, o terceiro ao curso de Ciências da Religião, o quarto, estudante do ensino médio, por fim, a pesquisadora e dezoito alunos
do 7o ano da escola pública municipal.
No Centro Cultural eu e mais quatro atores fomos construindo o ato criativo a partir do que chamamos de “frases geradoras”. As “frases geradoras” são frases
escritas criadas a partir da leitura visual dos acervos (compostos de esculturas, pinturas, fotografias e instalações) e que envolviam sensações, percepções e sentimentos de cada um dos participantes da pesquisa com os artefatos e espaços dos museus. Íamos percebendo que não bastava “passar os olhos” pelos artefatos
como faziam os turistas e estudantes, conduzidos pelos assim chamados “guias” dos museus do Centro Cultural, mas que era preciso aguçar as percepções do
olhar para não apenar ver, mas sentir, perceber o indizível, enxergar o que não podia ser visto.
Uma aproximação com a Cultura Visual onde relatos são produzidos das múltiplas percepções que partem do olhar e geram outras percepções das imagens
elaboradas, também paradoxais e contraditórias. As “frases geradoras” pareciam paradoxais quando escritas, por não ser uma tradução do que era visto, mas
uma expansão do olhar. Escrevíamos as “frases geradoras” e a partir de improvisações individuais e coletivas íamos desmembrando e combinando as “frases”,
transformadas então neste processo, também em frases corporais a partir das intervenções performáticas.
Estas “frases” iam compondo a partir de improvisações cenas de intervenção performática, quando íamos buscando construir os personagens de uma história
fictícia a partir de um texto literário, que nascia com as Artes Visuais. Por serem então originárias das experiências de cada um e de todos ao mesmo tempo nas
trocas e relações estabelecidas no ato criativo, ia constituindo o que chamamos de “Narrativa”, uma composição feita do inter-relacionamento entre o Teatro, as
Artes Visuais e a Literatura. Um processo artesanal de construção que envolvia a interpretação e a construção de sentidos para elaboração de uma história. Se
a imagem falasse o que ela diria? Era um mote que nos impulsionava a escrever.
Entendendo o que realizávamos como um ato educativo e de intervenção, havia momentos em que o nosso trabalho acontecia, ao mesmo tempo, com o trabalho
dos “guias” dos museus e ressaltava as diferenças entre o que construíamos a partir do ato criativo e o tradicionalmente feito nos museus. Não tendo a intenção
de fazer juízos de valor, mas de levantar questionamentos e reflexões pertinentes à pesquisa, citaremos dois momentos:
Em um primeiro momento, por nós vivenciados, os “guias” descreviam o que existia nas imagens do acervo, enquanto um menino levantava os braços e incentivava um dos atores que representando um personagem tentava alçar voo. Os professores que acompanhavam os estudantes exigiam dos alunos a prestarem
atenção ao que os “guias” falavam, enquanto os alunos tentavam interagir conosco. Este fato nos fazia relembrar uma escola e os seus métodos tradicionais de
ensino. Em um segundo momento, uma senhora nos disse: “eu não posso seguir com vocês porque estou do outro lado”. Ela conversava como se se colocasse
dentro da “Narrativa” e trocava ideias e entendimentos sobre o que via e sentia, situando-se na fronteira entre o real e o fictício.
Estas experiências foram se tornando propulsoras de um ato criativo que ia assumindo caráter educativo e abria possibilidades para ser trabalhado com a escola.
Fomos então para a escola levando as imagens dos acervos e a “matriz geradora”, a “Narrativa”, que como uma obra aberta ia possibilitar o preenchimento de
espaços vazios pelos estudantes na reconstrução dos contextos e sentidos da história.
Mas alguns problemas epistemológicos e conceituais nos foram gerando reflexões que se tornam pertinentes à pesquisa:
Quais eram os conteúdos que estávamos trabalhando? Os artefatos artísticos dos acervos seriam os conteúdos ou as “frases geradoras”? Quais conhecimentos
são elaborados? Por se tratar de uma composição de imagens e escrita, não estaríamos já praticando uma a/r/tografia? Portanto uma Narrativa Artográfica? A
Dança e a Música poderiam fazer parte deste processo transdisciplinar? É possível a existência de conteúdos imanentes à arte, sem que isso chegue a presumir
que esteja havendo uma decodificação da mesma?
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Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
Entendemos que os conteúdos podem não nascer de uma técnica e podendo ser considerados globais e universais, seriam construídos da individualidade e que
se faz coletiva a partir das trocas e relações. Isolando elementos dos acervos e os colocando em relação entre si e com os sujeitos da pesquisa, a escrita da tese
também busca identificar conteúdos que não surjam de cada uma das expressões artísticas individualmente, mas das relações entre elas. Que conteúdos seriam
estes? Seria possível identificá-los e assim poder trabalhá-los com o ensino da arte na escola?
A nossa investigação busca construir um novo entendimento sobre as possibilidades de experienciar o patrimônio, buscando oferecer as pessoas à capacidade
de se posicionarem a respeito do que veem a partir de sua construção subjetiva. Como ato educativo, também em seu prolongamento para a escola, seria do
corpo em ação criativa, que relatos vão sendo construídos a partir das imagens incorporadas e que dizem respeito aos hábitos, costumes e valores de cada um.
Uma possibilidade de desvelar o invisível das imagens a partir de relatos de uma “escrita” ao mesmo tempo literária, performática e visual e assim, produzir outras
imagens que poderão servir de análises e promoverem questionamentos sobre tensões sociais e culturais. Uma possibilidade de educação artística que promova
um “saber ver” diferenciado, pois multissensorial e que possa dar a cada um o “apoderamento” sobre o que está aprendendo, e assim, do sentido dado ao seu
aprendizado, construir conhecimento.
A escrita da tese se arriscará na construção deste “apoderamento”, que está por se revelar a partir da construção de sentidos de uma história a partir das imagens
em relação e dos relatos escritos dos sujeitos e também multissensoriais ainda por se construir nesta mesma escrita. Na “Narrativa”, Um Lugar onde As Flores
Nascem dos Passarinhos... também como uma experiência por se vivenciar, estaremos buscando o procedimento de “escrita” na construção da narrativa ficcional.
Um entrelaçar de tempos e espaços, entre sujeitos e personagens que atuam e interatuam relacionando-se aos acontecimentos experienciados no dia-a-dia da
investigação e imersos nos problemas “reais” e “fictícios” vivenciados. Esta “escrita” nascendo também das questões críticas postas em relação, das experiências,
da “Narrativa”, “não é verdadeira e nem falsa, como toda experiência ela é sempre uma ficção; é algo que alguém fabrica para si mesmo, que não existe antes e
passa a existir depois” (FOUCAULT, 1980, p.27).
Resultados e Discussão
Os autores da história são os estudantes que ao mesmo tempo representam personagens criados das experiências vividas na construção desta história. Este
processo pedagógico feito do inter-relacionamento entre o Teatro, as Artes Visuais e a Literatura é uma tentativa de abolir com o que conhecemos como “transmissão de conhecimentos” vista como uma via de mão única. Ou seja, em que uma pessoa transmite o que sabe a outra e esta apenas recebe uma informação,
não tendo abertura ou possibilidades de posicionar-se ou questionar e discordar sobre o que lhe está sendo oferecido como conhecimento.
Este conhecimento é então colocado em causa pelo aluno que é impulsionado a construir outro tipo de conhecimento derivado da experiência. (Eisner Apud Hernandez; Dias; Irwin; 2013, p.43), dando possibilidade a atores e estudantes, por meio da elaboração de “frases geradoras”, a partir da leitura visual do acervo do
Centro Cultural e que se desmembra em ação performática a partir de improvisações, a questionarem sobre os trabalhos artísticos, dando vida a estes trabalhos
a partir das suas construções subjetivas e percepções sobre os mesmos.
Desta forma cada pessoa tem a possibilidade de se posicionar frente aos trabalhos e sem abrir mão dos seus valores, sócio, históricos e culturais, mas pelo
contrário, estes valores são protagonizados em cena pelos personagens e na elaboração dos contextos e sentidos, portanto das experiências de cada um e das
relações criadas entre todos na elaboração da história. Como diz respeito às experiências e valores de cada um, vamos construindo um trabalho que cada vez
mais se aproxima da vida e das coisas relacionadas ao mundo e dessacralizando a “obra de arte” que passa a adquirir outros desmembramentos na construção
do conhecimento e não na transmissão de um conhecimento.
Por ser narrativa, portanto uma ficção, esta proposta pedagógica por sua vez não busca e nem prima por verdades absolutas e não se prende ao desenrolar cronológico dos fatos da “história hegemônica”, pelo contrário, a partir da experiência, transforma-a, recria-a, coloca-a em causa, contradizendo o seu próprio estado
de ser. E mesmo apesar disto tudo, ainda assim se legitima a si mesma porque nasce da experiência individual e coletiva que se faz torna-se (ser) possível. “E
tal experiência não é verdadeira e nem falsa, como toda experiência ela é sempre uma ficção; é algo que alguém fabrica para si mesmo, que não existe antes e
passa a existir depois” (FOUCAULT, 1980, p.27).
Aprendendo a aprender a contar uma história, a narrativa vai sendo composta dos inter-relacionamentos e das questões e debates que dela emana. Uma escrita
ao mesmo tempo visual, performática e literária e que levanta questões políticas e sociais do contexto em que está inserida, e do contato com outros contextos
construídos e também reelaborados. O que para o ensino da arte na escola, passa-se a obter com a narrativa uma escrita que pode dizer respeito a cada um dos
envolvidos no processo de aprendizagem e de todos ao mesmo tempo. Também aliados a seus aspectos sociais e políticos dentro e fora da instituição, já que
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os valores sociais de cada um dos envolvidos poderão estar presentes na narrativa. Uma possibilidade de “escrita” e de se conectar com o mundo onde todos
participam e aprendem com ele.
Referências Bibliográficas
Sessão de Artigos / Papers Session . Teatro / Theater
AGIRRE, Imanol. Teorías y prácticas en Educación Artística. Navarra: Octaedro/EUB, 2007.
BENJAMIN, Walter. O Narrador. In: Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D‟Água, 1992.
DIAS, Belidson, IRWIN, Rita L. Pesquisa Educacional Baseada em Arte:a/r/tografia. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2013.
FOUCAULT, Michel. Conversazione con Foucault. Entrevistador: D. Trombadori. Il Contributo, Roma, v. 4, n. 1, p. 23-84, 1980.
Dr. Carlos Cartaxo, é Doutor em Artes Visuais e Educação pela Universidade de Barcelona (2013). Mestre em Engenharia de Produção pela
Universidade Federal da Paraíba (1987). Especialista em Educação Superior pela Universidade da Amazônia (1992) Possui graduação em Engenharia
Mecânica pela Universidade Federal da Paraíba (1983) e graduação em Educação Artística pela Universidade Federal da Paraíba (1987). Atualmente é professor
efetivo da Universidade Federal da Paraíba. Coordena o Grupo de Pesquisa Teatro na Educação. Tem experiência na área de Artes, atuando principalmente
nos seguintes temas: Artes Cênicas, Artes Visuais, educação, direção e interpretação teatral e dramaturgia.
e-mail: [email protected]
Georgina Furtado, é Doutoranda em Educação Artística - Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto - Portugal – 2012, com pesquisa: Uma Ex-
periencia de Intervenção Performática em busca de outra “narrativa” para o ensino da arte. Graduação em Licenciatura em Teatro – Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), Brasil, em 28 de dezembro de 2011, sendo condecorada com o diploma de “Láurea Acadêmica Destaque da Graduação”, em reconhecimento
ao excelente desempenho acadêmico.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
Start
TRIBAL FUSION E VIDEODANÇA : O DUPLO HIBRIDISMO NA TELA
Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
Kilma Farias Bezerra
Curso de Licenciatura em Dança - Universidade Federal da Paraíba (UFPB )
Grupo de Extensão ContemDança 2.0
Resumo
Abrir uma discussão sobre identidade tendo como ponto norteador o hibridismo cultural presente no Tribal Fusion e na Videodança é a maior contribuição dessa
pesquisa que traz a análise de sete videodanças à luz de diversas técnicas audiovisuais a exemplo da cinematográfica, videoclipe e documental.
A análise se apoia nas três camadas ou dimensões propostas por Schulze (2010). Esse princípio fundamenta-se na teoria de Rudolf Laban (1978).
Palavras-chave: identidade, hibridismo, Tribal Fusion, videodança, análise, Rudolf Laban
1. Entendendo A Cena
As danças classificadas como étnicas são a representatividade da identidade de um povo, compondo traços culturais que se firmam como a personalidade de
uma comunidade imaginada de determinada sociedade. Na busca por uma identidade globalizada, surge a dança Tribal, uma forma contemporânea de dança do
ventre que se desdobrou desse estilo tendo como base o American Tribal Style - ATS – estilo de dança criado pela californiana Carolena Nericcio em 1987 que
aborda o improviso dirigido. Através do grupo FatChance Bellydance, Nericcio propõe uma mescla de danças étnicas diversas, visando unir a corporeidade da
dança do ventre com o flamenco e a dança indiana para formar uma nova dança, sistematizando assim um método codificado para improviso coordenado.
O Tribal surgiu na Califórnia, mas hoje possui personalidades diversas. Ele busca tirar a dança do ventre de sua forma tradicional, agregando traços de diversas
culturas do mundo, ao mesmo tempo em que se torna uma linguagem singular. Além das influências já mencionadas, o Tribal também absorve elementos culturais do hip hop, dança cigana, da subcultura gótica, entre outras “tribos urbanas”. No caso do Tribal Brasil, estilo de dança que venho sistematizando há 11 anos,
estão inseridos também elementos das danças populares e afro-brasileiras.
Ouve-se falar em Tribal Fusion pela primeira vez nos anos 90 quando uma das bailarinas do FatChance Bellydance, Jill Parker, deixou o grupo e formou o Ultra
Gypsy que, sob sua direção, expandiu o repertório de movimentos do ATS por meio de sequencias coreografadas, fusionando sua dança com outros estilos étnicos,
compondo uma nova linguagem de movimento. No lugar do sistema de sinais para improviso dirigido, foram incorporados elementos do estilo cabaret, burlesco,
vintage, dança contemporânea, entre outras linguagens. É comum as bailarinas de Tribal Fusion serem adeptas do body art, forma de expressão de arte contemporânea do(no) corpo onde o artista se coloca no mundo como um ser único, ao mesmo tempo em que traz influências de diversas culturas para expressar sua
individualidade em seu visual como um todo. Isso é percebido através das amplas tatuagens, cabelos multicoloridos, dreads, alargadores, piercings e toda forma
de artefato que modifica o corpo através da arte para comunicar uma identidade híbrida. Vejamos o que diz Stuart Hall (2011) sobre identidade:
[...] preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a nós próprios nessas
identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando- os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos
sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. [...]. A identidade plena unificada, completa, segura e
coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados
por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos
temporariamente.” (HALL, 2011, pp. 12-13).
É na busca por uma possibilidade de identidade múltipla que a dança Tribal ganha em seguidores e em subgêneros, visando construir uma utópica identidade
unificada.
O presente trabalho trata da analise de sete produções de videodanças com foco no Tribal Fusion, onde a linguagem da videodança potencializa o caráter híbrido
do Tribal.
De 2006 até os dias de hoje, partindo do primeiro experimento em videodança da californiana Rachel Brice, Snake Charmer1, podemos reunir centenas de produções no estilo. A utilização do vídeo como meio de expressão e divulgação do Tribal Fusion tornou-se uma constante. Sendo assim, analisei as produções
1 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=qXi-ZXbtfic> Acesso em: 26. nov. 2013.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
Snake Charmer, além de produções de outros artistas como, Isolado2, Lua Nova3, Rosa Maná4, Guerrilha Tribal5, Tribal Interaction6 e Trupe Tribal Gaia7, buscando
relações entre essas duas artes híbridas: o Tribal e a videodança.
O hibridismo é hoje objeto de discussão e investigação em diversos campos do conhecimento. Peter Burke (2006) em “Hibridismo Cultural” defende o conceito
de hibridismo como equivalente ao de mistura. Essa ideia de mistura se estende ao corpo. Trazendo para o Tribal, essa ideia de mistura se estende ao corpo.
Podemos dizer que o processo de hibridação é capaz de moldar outro corpo, outra dança.
A videodança, por sua vez, é um gênero audiovisual de linguagem híbrida onde os limites do real podem ser transpostos na dimensão espaço-tempo. Tudo se
torna possível; dançar de cabeça para baixo, multiplicar o performer em cena, acelerar e desacelerar seus movimentos, inverter o sentido da ação, alterar cores,
sobrepor imagens, entre múltiplas possibilidades. Desse modo, a dança do performer modifica e é modificada pelas técnicas de filmagem e edição. Os movimentos que antes não eram permitidos pelas limitações do corpo, dentro de outro tempo/espaço tornam-se realidades possíveis graças à hibridação corpo/tecnologia
digital. Assim como o Tribal Fusion, a videodança agrega técnicas diversas de outros estilos de arte, dialogando com animação, fotografia e efeitos de computação,
por exemplo.
Referente ao hibridismo entre o corpo e o sintético a pesquisadora brasileira Ludmila Pimentel sugere em sua tese de Doutorado em Artes Visuais pela Universidade Politécnica de Valencia, “El cuerpo híbrido en la danza: transformaciones en ellenguaje coreográfico a partir de las tecnologías digitales”:
Mi hipótesis es que ya que estamos viviendo en una realidad cotidiana inmersa en La “digitalización del mundo”, nuestro cuerpo ya no es solo biológico; la hibridación con las nuevas tecnologías permite que actualmente habitemos un “cuerpo híbrido”. (PIMENTEL, 2008, p. 271).8
Definindo a videodança como uma arte híbrida, propomos a existência de um novo corpo híbrido no vídeo, tomando como ponto de partida o corpo humano que
sofreu transformações através das técnicas de computação gráfica dos softwares de edição e pós- edição sob a ótica de um editor que se percebe “coreoeditor”
de uma nova dança, de um novo corpo. Desse modo,
Os elementos que cercam a composição em Dança e em Audiovisual, como a construção dramatúrgica do corpo, a relação corpo-espaço e mesmo
o processo de decupagem são reconfigurados quando organizados no ambiente digital, binário, dos softwares que compõe e configuram o videodança. Assim, este corpo, imerso neste universo não poderá ser entendido como uma transposição humana, uma cópia ou réplica da realidade,
ele é outro, particular e distinto, ainda que o mesmo. Nesse ambiente de possibilidades digitais as partes escolhidas na composição não falam do
todo, elas são o todo. (VASCONCELLOS, 2012, não paginado).
Penso essa hibridação no Tribal e na videodança como uma forma de sermos “cidadãos do mundo”, e ao mesmo tempo de nos ligarmos às nossas raízes de algum modo, de nos reconhecermos e justamente por isso sermos capazes de transformar nossa noção do todo em movimento. Relativo a esse pensamento, para
falar de identidade, Hall (2011) traz o conceito de Tradução. O tradutor seria uma pessoa com vínculos arraigados com sua cultura local que, por algum motivo,
foi distanciada de sua terra natal. Essa pessoa continuará mantendo forte vínculo com seu lugar de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de retornar ao
passado. “Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas
identidades”. (HALL, 2011, p. 89). Com a particularidade de que elas não serão unificadas porque são o produto de várias culturas interconectadas. “As pessoas
pertencentes a essas culturas híbridas [...] estão irrevogavelmente traduzidas” (HALL, 2011, p. 89).
O Tribal, por assim dizer, seria uma arte traduzida a partir de várias etnias transformada em dança. O corpo sintético que nos fala Ludmila Pimentel (2008) é um
modo de Tradução ao passo que resignifica o corpo biológico. Essa capacidade de ser o todo através das partes, colocando esse todo em movimento, nos direciona à teoria de Laban. Para clarificar esse caminho, Guilherme Schulze (2010) observa que:
Ao procurar-se um caminho focalizado na análise, criação e produção de videodança a partir da interface entre dança e vídeo, propõe-se a teoria de
Rudolf Laban como estruturadora do olhar e do trabalho criativo. Trabalha-se com a premissa de que é possível utilizar-se uma mesma linguagem
2 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=aWiPmV6Bnco> Acesso em: 20. out. 2013.
3 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=2PgcCsVxQDY> Acesso em: 20. out. 2013.
4 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=rNayGI3BuOc> Acesso em: 20. out. 2013.
5 Disponível em: <http://vimeo.com/69382345> Acesso em: 20. fev. 2014.
6 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=lAPGDYSYJ2M>Acesso em: 20. fev. 2014.
7 Disponível em: <http://vimeo.com/70978236> Acesso em: 20. fev. 2014.
8 “Minha hipótese é que já que estamos vivendo em uma realidade cotidiana da ‘digitalização do mundo’, nosso corpo já não é só biológico; a hibridização com as novas tecnologias permite
que atualmente habitemos um ‘corpo híbrido’”. (Tradução minha).
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para lidar com as complexas relações de um processo e produto híbrido por natureza, como a videodança (SCHULZE, 2010).
Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
Schulze (2010) propõe a compreensão da videodança “como síntese de múltiplas dimensões narrativas de análise constituídas essencialmente pelas dimensões
primária, secundária e terciária.” A entender, respectivamente: todos os aspectos constituintes da locação onde é realizado o vídeo, o universo capturado pelas
lentes da câmera e as transformações ocorridas na edição e finalização. Para tanto me utilizei do método de estudo de caso.
2. Análise m Foco
Em 2006, o vídeo Snake Charmer é postado no youtube onde a californiana Rachel Brice aparecia dançando de uma forma diferente de um registro de dança –
uma espécie de videoclipe da música de Bassnectar e Kraddy.
Segundo Rachel Brice (2006), no canal youtube, “uma forma divertida de exploração e experimentação”.
Em 2010 a bailarina brasileira Mariah Voltaire publica no youtube a primeira videodança de Tribal Fusion, Isolado, produzida no Brasil com o propósito de esclarecer e difundir a técnica da videodança junto à comunidade Tribal.
Em 2011, o professor Guilherme Schulze, da UFPB, dentro das produções do ContemDança 2, no NEPCênico, dirigiu a videodança Lua Nova com a bailarina
Kilma Farias, publicada no youtube em 2012. Esse trabalho foi selecionado para o Dança em Foco 2013, levando o Tribal Fusion para um dos maiores eventos
dedicados à videodança na América Latina; também eleito Destaque Videodança Tribal 20139 em enquete internacional voltada para o universo Tribal via internet.
No ano de 2013, diversas videodanças despontaram no Brasil e no mundo destacando- se pela qualidade técnica da linguagem em vídeo e/ou dos performers
em cena. Entre elas, Rosa Maná, abordando o estilo Tribal Brasil, trazendo diálogos sobre identidade brasileira, valendo-se da linguagem cinematográfica; Tribal
Interaction, uma produção internacional que bebe nas influências do videoclipe, influenciando por sua vez a Trupe Tribal Gaia que apresenta estética semelhante;
e Guerrilha Tribal – Gasômetro que propõe a videocoreografia, ou seja, a produção de uma coreografia especificamente para a linguagem do vídeo que não seria
possível existir fora dele, dada a utilização de recursos da computação gráfica, de pós- produção e edição. Partindo para uma primeira análise, temos:
Figura 1: Tabela de influências de linguagens audiovisuais na produção das videodanças analisadas
Em Snake Charmer encontramos uma forte característica do videoclipe. São características dessa modalidade de produção audiovisual ter curta duração, ser
acompanhado por música, geralmente transmite uma mensagem, confere significados e identidade à música e aos músicos, sendo, de certa forma, uma boa publicidade para os artistas envolvidos. Ao iniciar o vídeo, já percebemos o nome dos DJs em créditos como sendo os primeiros elementos visuais na tela, nos levando
a pensar em uma “primeira dimensão” paralela e oculta: os DJs que, apesar de não aparecerem no vídeo, se colocam como um corpo que confere à bailarina
Rachel Brice sua representatividade em cena. Em seguida o nome da música Snake Charmer surge com a performer por trás do grafismo, em um segundo plano,
9 Disponível em:< http://aerithtribalfusion.blogspot.com.br/2014/01/destaques-tribais-resultado-parte-2.html>. Acesso em: 25, mar. 2014.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
em clima de descontração, bastidores; em efeito, imagem muda para detalhe do ventre e torso da bailarina realizando movimentos lentos e logo corta para mais
descontração. A partir de então, a música ganha beat e a performer é buscada pela câmera enquanto encontra-se sentada em, ao que parece ser, um estúdio de
gravação. Nesse ponto ao analisar a “segunda dimensão”, a câmera se porta como um corpo que também tem movimento e personalidade. A performer dubla a
letra da música evidenciando a linguagem musical. Essa construção coloca a performer em favor da música, confirmando nossa conclusão de que o videoclipe é
a linguagem principal do vídeo. A música ganha força pela performer que a ilustra por ser, na época, a principal expoente do Tribal Fusion, agregando considerável
valor junto ao público consumidor do estilo musical em questão, assim como a música ganha respeitabilidade frente ao público Tribal.
Segue-se então uma sequencia de takes entrecortados onde a performer dança a música. Refrão da letra da música em letters nos dá um segundo indício de que
a música é realmente o objeto de maior destaque no vídeo analisado. A partir de 00:38 min., temos uma transição onde a dança ocupa um lugar de destaque no
vídeo, embora mais uma vez a performer sincronize os lábios com a letra da música, mostrando subjetivamente que esta última ainda é a grande estrela.
O que atento aqui é para os padrões de enquadramento, repetições como as que podemos observar, por exemplo, em 1:24 min. e 1:25 min., foco em detalhes
do corpo da bailarina que vão buscar na linguagem da videodança sua forma de colocar a performer na tela. Até então as bailarinas de Tribal Fusion só eram
documentadas em cena tendo como foco principal a coreografia a ser exibida. Mesmo DVDs como Tribal Fusion, The exotic art of Bellydance produzido pelo renomado grupo Bellydance Superstars10 que possuem duas câmeras na captação das coreografias, tiveram o cuidado de, no menu, colocar a opção de visualizar
as coreografias com câmera fixa. E esse experimento musical dançado rompeu com a forma vigente de abordar o Tribal na tela e aproximou as praticantes do
estilo ao gênero artístico da videodança. Ora, se o Tribal é uma arte de vanguarda que pretende quebrar com a estética da Dança do Ventre pré-estabelecida,
extrapolando padrões, unindo técnicas diversas, revolucionando, trazendo o novo; nada melhor do que a videodança para fazer o impossível acontecer na tela,
acelerando e desacelerando movimentos, isolando e recortando o corpo, invertendo o sentido do movimento como observado em 1:30 min. e 1:31 min., alterando
cores, duplicando corpos, fundindo, brincando com a forma desses corpos, etc., tudo isso marcando a personalidade da “terceira dimensão”, o resultado na tela
ou “coreoedição”.
Em 1:54 min. temos nova transição onde observamos bem a participação do editor do vídeo onde o mesmo propõe duplicação da imagem fundindo a performer
em duas de 1:58 min. a 2:03 min. e finaliza com uma câmera subjetiva, viva, que compartilha o espaço daquela gravação no estúdio de áudio (locação do vídeo),
ou “primeira dimensão”, mas pausa todo o movimento para os créditos surgirem entrando na ordem músicos e música, site dos músicos, nome da performer, site
da performer. A finalização fica com plano detalhe do ventre da performer em movimento.
Para mim, fica a tentativa desses artistas (DJs e performer) em agregar suas expressões de arte e lançá-las de modo informal na internet, através do canal youtube, totalmente em descoberta e uso na época para divulgar novos trabalhos. Para tanto, lançaram mão de um videoclipe diferente, caseiro, tendo como personagem principal a Rachel Brice, mesmo que a música seja o principal personagem. A importância desse vídeo vem dos desdobramentos por ele gerados na classe
praticante do Tribal Fusion.
A videodança Isolado foi resultado de um trabalho de pesquisa da aluna e artista visual Mariáh Voltaire do curso de Artes Visuais com Ênfase em Computação da
Universidade Tuiuti do Paraná. Esse foi seu primeiro experimento realizado a fim de fazer uma fusão entre a dança tribal e a videodança no Brasil. Ao clicar no
link de Isolado no youtube, vamos encontrar nas especificações do vídeo a preocupação de Voltaire em esclarecer linguagens.
Não confundam VIDEODANÇA com videoclip, ou com um mero registro coreográfico. Há muita pesquisa e um trabalho poético por detrás de uma
videodança. ‘A videodança pode ser definida como uma linguagem artística híbrida, que surge da combinação entre dança e vídeo. Ela afirma-se
como uma linguagem de mediação tecnológica e não como um processo de colagem; tampouco como mera exploração de efeitos técnicos’.
(VOLTAIRE, 2010, não paginado.).
E ainda ao que se segue,
Há no mundo contemporâneo a necessidade de diluir e deslocar fronteiras culturais. Essa necessidade gerou mudanças nos comportamentos sociais, os meios de comunicação expandiram, e em reflexo, as pessoas se renovam a cada instante, aumentando a interatividade e a relação entre
os indivíduos. A possibilidade de usar o vídeo como um novo meio de conceber arte, fez com que a artista Mariáh Voltaire enxergasse uma nova
realidade corpórea. Nasce dessa investigação uma nova linguagem, a videodança que transmite ao espectador de maneira simples e intimista, todo
o sentimento da artista pela Dança Tribal [...] (VOLTAIRE, 2010, nãopaginado).
A nova realidade corpórea enxergada por Mariáh Voltaire é um corpo duplamente híbrido oferecido pelo Tribal e pela Videodança e suas múltiplas possibilidades.
Trata-se aqui de um vídeo que foi pensado para ser videodança dentro da linguagem do Tribal Fusion. Ao iniciar o vídeo, encontramos letters que trazem o nome
10 Esse assunto pode ser mais bem compreendido em <http://en.wikipedia.org/wiki/Bellydance_Superstars>.
271
Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
da performer, mantendo uma identidade gráfica com a estética do Tribal; em seguida, o vídeo abre espaço para uma citação: [...] o experimentalismo é reencenado
sempre que o artista se vê diante de um novo meio de produção de linguagem e propõe-se como tarefa encontrar a linguagem que é própria do meio. (SANTAELLA, 2007, p. 33, apud VOLAIRE, 2010)11.
O vídeo dialoga com a ideia da relação das partes, que são o todo, trazendo na “primeira dimensão” um corpo composto por um pensamento que evolui do detalhe
para o plano geral e uma locação, que parece ser uma sala vazia ou estúdio de gravação. Logo ao início, percebemos uma preocupação em compor esse tempo/
espaço chamado vídeo onde aos 00:23 min. teremos do lado esquerdo da tela, o braço direito da performer que ondula, até entrar em 00:53 min., do lado direito,
o braço esquerdo também em ondulação, gerando uma oposição. Em 1:11 min., a câmera corta para seu primeiro movimento, mostrando uma personalidade
ativa na “segunda dimensão”, e em 11:16 min. essa imagem se duplica apresentando atividade na “terceira dimensão”, dimensão essa representada por todos os
efeitos gerados na ilha de edição que vão propiciar o resultado final na tela. Assim como, em 1:26 min., a imagem retrocede, em 1:44 min. o tempo desacelera e
em 2:02 min. temos uma sobreposição suave fundindo imagens, mostrando um corpo bem sintético na “terceira dimensão”. As imagens, em Isolado, dialogam de
modo sincronizado com a música, ficando perceptível o caráter planejado da coreografia para ser videodança, uma videocoreografia. Em 2:22 min., temos uma
duplicação na tela, com corpos em tempos diferentes que marcam a música, e segue-se as sobreposições em 2:36 min. Isso vem a confirmar a proposta que
essa coreografia só existe na tela, devido às possibilidades oferecidas pelos recursos audiovisuais. Esse corpo sintético que é gerado em Isolado é reafirmado em
quase todo o vídeo. Penso que na busca pela reafirmação da linguagem da videodança, o caminho dos efeitos de edição tenha sido o mais propício. O recurso de
alteração do fator tempo, diminuindo a dinâmica em 3:05 min. é mais uma vez utilizado, assim como em 3:20 min. a movimentação da câmera entra em um brincar
de retroceder a imagem. Os planos de detalhe de ventre e quadril em tempo/espaço natural são utilizados para pontuar o discurso. Em 3:50 min. temos um corpo
metamorfoseado, deformado, gerando uma outra proposta de corpo no mundo sintético com um quadril e dois ventres, chamando a atenção justamente para as
múltiplas possibilidades de composição de novos corpos sintéticos que não seriam possíveis fora da tela. De 4:20 min. a 4:32 min. teremos takes de duplicação e
variação do tempo, para a partir disso surgirem takes pontuais de partes isoladas do corpo até concluir em 4:36 com a repetição da mesma imagem em 1:11 min.
Isso me remete a uma busca pelo retorno à identidade, às etnias, e no vídeo, pela noção do corpo físico fora da tela, mesmo estando nela.
A videodança Lua Nova tem uma particularidade híbrida; ao mesmo tempo em que se trata de uma coreografia12 que existe anterior à ideia de sua transformação
em videodança, também foi planejada para existir como tal antes de sua gravação, por ser uma produção planejada do ContemDança 2.0 (UFPB). Nesse caso,
temos a realização de uma “coreoedição” proposta por Guilherme Schulze, reorganizando e regendo os movimentos capturados no set de gravação para harmonizarem com a música. O resultado é uma coreografia de imagens de um corpo que dança, estabelecendo oposições de tempo, espaço e fluência na edição.
A “primeira dimensão”, no vídeo em análise, dialoga em tempo integral com a “terceira dimensão”, e com a “segunda dimensão”, visto que os movimentos de
câmera e edição são os mais diversificados possíveis na perspectiva corpo/espaço. De 00:19 min. a 00:30 min. temos uma série de cortes que variam do detalhe,
ao enquadramento geral, passando pelo médio, totalizando 7 imagens diferentes. Em 00:30 min. temos uma desaceleração para em seguida termos mais uma
série de cortes com 10 imagens em enquadramentos diversos. Percebo uma influência da videodança Isolado de 00:46 min. a 00:49 min. sendo essa uma proposta semelhante à imagem de encerramento do vídeo anteriormente analisado. De 00:49 min. a 1:07 min. mais 12 imagens em corte seco dançam a música até
darem espaço para movimentação mais definida e ampla de câmera e, entrando em nova série de cortes secos com enquadramentos variados. Em 1:29 min. há
um distanciamento estético mais evidente da possibilidade de classificá-lo como videoarte ou documental. Podemos entender a videoarte como uma expressão
artística que explora a tecnologia do videotape e da televisão como forma, linguagem e suporte para obras multimídias, inclusive para a videodança e instalações. Já o documental se limita a registrar a ação de modo passivo. Nesse vídeo, o “coreoeditor” utiliza um recurso de modificação da imagem, transformando-a
com algo parecido em uma pintura, levando a performer para uma outra atmosfera mesmo dentro da tela. É como se os mundos coexistissem, mas a fantasia
soa bem evidente por esse recurso visual, assim como pelo apelo sonoro que muda em harmonia com a nova qualidade da imagem proposta. O som dos guizos
nos pés da performer parece ser uma tentativa de manter presente a ideia de que tudo é muito real, que aquele corpo sintético é biológico, sem perder o contato
com a “primeira dimensão”. De 1:43 min. a 2:07 min. vemos uma sequencia de giro que é mostrada pela câmera de diversos pontos, como quem busca múltiplas
identidades em um mesmo objeto de análise. As sequencias entrecortadas dão continuidade ao vídeo, dessa vez alterando bastante o fator tempo entre elas até
3:00 min., onde se inicia uma série que se repete na edição. A meu ver, um questionamento do virtuosismo da técnica. Fora da tela, o quanto os bailarinos se
esforçam sem medidas para repetirem sempre da mesma forma um movimento; tentativa vã, uma vez que a cada segundo já não somos mais os mesmos, consequentemente, por mais semelhante que seja não há movimento que se repita igual. No vídeo, o movimento é exatamente o mesmo, porque ele foi capturado
em um instante específico e esse instante ficou suspenso no tempo; possível de exata repetição. Mas a partir do momento que esse vídeo tem um interlocutor,
esse interlocutor não é mais o mesmo a cada segundo e percebe de modo diferente cada sequencia, nos fazendo pensar sobre o assunto e levantando possíveis
discussões e pesquisas futuras.
A videodança Lua Nova também faz uso de sobreposições e duplicações da performer na tela e, em 4:00 min., retorna à estética inicial do vídeo, assim como em
11 Citação disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=aWiPmV6Bnco> Acesso em: 20. out. 2013.
12 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=k1xT7DnJ0Mo >. Acesso em 25 de mar. 2014.
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Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
Isolado também houve uma busca pelo retorno à uma origem, reafirmando a condição artística do estilo Tribal de revisitar o passado, mas um retorno sempre sob
um novo olhar.
As técnicas cinematográficas são bem evidentes na videodança Rosa Maná, desde a qualidade da imagem aos enquadramentos propostos. É forte característica
dessa linguagem a organização das imagens numa sequencia temporal geralmente direta, indo do detalhe ao enquadramento geral, mostrando o resultado final
como uma sucessão de escolhas tendo em vista retratar uma representação do real.
O vídeo inicia com a imagem da copa das árvores em contraste com o céu com filtro, envelhecendo-a como película antiga, e a partir desse ponto, o colorido
toma conta. Como quem vai buscar no passado uma boa história para ser contada no presente. O subgênero utilizado é o Tribal Brasil, estilo sistematizado por
Kilma Farias e aplicado à Cia Lunay onde as danças populares e afro-brasileiras hibridizam com os elementos presentes no Tribal Fusion. A música brasileira,
Rosa, da cantora Renata Rosa, reafirma o sentimento nacionalista e o desejo de compartilhar uma herança cultural, embora essa herança já seja traduzida, pois,
segundo Hall (2011, p. 63), “as nações modernas são, todas, híbridos culturais.” Consequentemente, nossa “identidade nacional é uma comunidade imaginada”
(HALL, 2011, p.51).
No vídeo, a brasilidade entra em foco pela linguagem do cinema. A câmera com panorâmicas suaves, zoom e enquadramentos que visam mostrar completamente
a “primeira dimensão” tem uma personalidade de observador atento. Aos 00:48 min. a performer com figurino vermelho esboça cantar a música, chamando atenção
para o que foi analisado na videodança Snake Charmer, onde a performer Rachel Brice também cantou a música, dobrando a atenção ao apelo sonoro. Possivelmente uma influência desse vídeo, uma vez que ele é referência na comunidade Tribal. Não vejo aqui o apelo mercadológico da indústria fonográfica, embora
nesse momento a força da imagem ceda à força do áudio. O enquadramento geral é o mais utilizado, assim como o chamado “enquadramento americano”, da
altura do quadril para cima. O uso de plano e contra plano também é bastante presente no vídeo analisado, confirmando que este se vale das técnicas utilizadas
no cinema para sua composição. Diferente das outras videodanças até agora analisadas, Rosa Maná é visivelmente o registro temporal de uma coreografia que
existe fora da tela, sendo filmada e editada na sequencia em que existe, mas de uma perspectiva do cinema. De 2:56 min. a 3:00 min., as palmas da performer
cumprem a mesma aproximação sugerida pelos guizos em Lua Nova: do corpo biológico com o interlocutor que assiste, trazendo-o da tela através do apelo
sonoro, para uma representação, uma lembrança, do real, mesmo ainda estando dentro da tela. A poética das sombras em 3:03 min. e a sequencia de planos e
contra planos que se seguem reafirmam a utilização da linguagem cinematográfica.
Em Guerrilha Tribal – Gasômetro, vamos encontrar logo no início um efeito de computação gráfica, sugerindo raios, energias, que marcam a tela em linhas diagonais de forma afunilada. Em 00:08 min. entra a imagem de três bailarinas com raios semelhantes saindo da cabeça de duas bailarinas e das mãos de uma delas.
Elas começam a interagir com os efeitos uma por uma, até que em 00:30 min. elas expulsam os ditos raios para um limite além da realidade da tela. Mas logo
em 00:33 min. a performer central volta a ter os raios nas palmas de suas mãos. Essa estruturação de imagem nos sugere que esta coreografia foi pensada para
o vídeo, que, fora dele, essa realidade não seria possível, tratando-se ao que nomeamos de “videocoreografia”. Escolhi essa palavra para designar coreografias
que foram estruturadas em função do resultado final pós-edição; pensando junto com os efeitos que seriam sobrepostos na tela para significá-los.
Em 00:50 min., temos uma sequencia de sombras que dançam, projetadas na parede, pensando as performers como um novo corpo refletido, projetado. Em
1.00 min., temos o reaparecimento dos raios. Desta vez, do alto do gasômetro, distribuindo uma espécie de energia ou luz por toda a “primeira dimensão”. Em
1:06 min, temos inversão de imagem, mostrando uma atividade bem presente na “terceira dimensão”. Em 1:12 min., os raios retornam para as mãos de uma das
performers que brinca com as demais de empurrá-las e aproximá-las pela energia virtual, comprovando mais uma vez nossa observação de que essa trata-se de
uma coreografia que foi estruturada para a tela. O vídeo encerra com imagem de reversão e créditos.
Em Tribal Interaction temos um caso de influência mista: tanto da linguagem do videoclipe, quanto do documental ao mesmo tempo em que se estabelece como
uma “videocoreografia”. Ao iniciar, temos o detalhe de uma vela no chão, que parece ser de um palco de algum teatro. Ao observarmos os pés e barra da saia de
uma pessoa passando, surge o nome do grupo. Uma repetição se instaura e o nome da produtora do vídeo surge. Enquadramento abre, mostrando uma cena
cheia de velas ao chão e uma bailarina que caminha deixando o nome do vídeo como um rastro. Ela começa a dançar. Corta para perfil da bailarina em close e
retorna para a primeira imagem da vela ao chão com o nome do estilo de dança a ser abordado na videodança, o ATS. A disposição das velas, interagindo com os
letters nos mostra um roteiro estruturado para essa ação, traços de uma “videocoreografia”. Em 00:30 min., a música ganha mais presença e teremos novamente
o rosto da bailarina em close, em dois enquadramentos diferentes, obedecendo as batidas da música, recurso bem característico do videoclipe. Em 00:39 min.,
temos novamente a bailarina no enquadramento geral, rodeada de velas. Corte para detalhe da bailarina de costas, ventre, e surge rosto de mais uma bailarina.
Tudo bem marcado na música. Agora são duas bailarinas. Em 00:52 min., elas aparecem frente a frente como um duelo, em enquadramento médio, afastando-se
uma da outra. As luzes que aparecem ao fundo em 1:03 min. nos sugere uma gravação num palco, nos levando a um lugar de plateia, pensando em uma câmera
que documentou aquela dança sendo uma testemunha da ação, conferindo um caráter documental à obra.
Em 1:15 min., vamos ter uma alteração de tempo na imagem, deixando-a mais lenta, mostrando interferência do “coreoeditor”. Em 1:20 min., surgem as demais
integrantes do grupo. O tempo desacelerado e a fumaça conferem uma mística à videodança, nos deixando em dúvida seu caráter documental, embora continuemos testemunhas de uma coreografia que seja aparentemente temporal, mas que é modificada pela edição e pontuada pela música. Em 2:03 min., a sonoridade
273
Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
anuncia um novo momento. A tensão é assegurada pela música e movimentação desacelerada, deixando o clima suspenso. Aparecem músicos, sugerindo que a
música está sendo tocada por eles o que aproxima esse vídeo da linguagem do videoclipe. Em 2:20 min., o tempo volta à sua normalidade e músicos e bailarinas
interagem, através da edição, em sequencias dinâmicas de imagem. Em 2:50 min., a música silencia. E todo o grupo desaparece ficando na “segunda dimensão”
apenas a primeira bailarina que apareceu no vídeo, ao centro de um possível palco. Como quem volta da ficção à realidade, a bailarina sai correndo. É quando
aparecem os músicos de costas, distanciando-se e ela junta-se a eles. Ficam apenas as brumas onde entram os créditos finais.
No vídeo da Trupe Tribal Gaia, podemos perceber uma forte influência do Tribal Interaction, com a diferença que as imagens parece terem sido feitas de modo
espontâneo, documental, sem roteiro prévio e a coreografia se definiu na edição. A relação com a música e o caráter mercadológico de divulgação do grupo
também está presente. Logo ao iniciar, temos a marca do grupo no centro do vídeo, conferindo identidade ao que será mostrado e aproximando-o da linguagem
do videoclipe onde uma das características é o apelo mercadológico. Segue-se uma série de imagens de detalhes de bailarinas que dançam o mesmo estilo do
vídeo Tribal Interaction – ATS. A marca do grupo fica em tempo integral no topo esquerdo da tela. Em 00:23 min., percebemos a presença de público, tratandose de uma documentação de uma apresentação do grupo. De todos os vídeos analisados, Esse é o único que inclui plateia na “segunda dimensão”. Do mesmo
modo que em Tribal Interaction, o vídeo se divide em dois momentos: um com um tempo mais dilatado, imagens desaceleradas, e um segundo momento com a
música e movimentos mais ativos, conferindo uma dinâmica maior. Em 1:03 min., temos o início desse segundo momento, porém, a não utilização de nenhum
elemento de passagem, nos confere que o vídeo não foi planejado para ser videodança, com roteiro prévio, sendo sua estrutura resolvida na “terceira dimensão”.
3. Última Sessão
Pensar as produções de videodança analisadas no estilo de dança Tribal e suas múltiplas faces como, por exemplo, o Tribal Fusion, o ATS e o Tribal Brasil é
pensar na reafirmação do desejo de construção de uma arte duplamente híbrida, que busca gerar diálogos sobre identidade e culturas traduzidas.
Os recursos técnicos e de linguagens audiovisuais de que se valem os produtores desses vídeos transitam do videoclipe à videodança, passando pelas referências
que temos de cinema, documentário e videoarte, mas de um modo inter-relacional, aonde os objetivos vão desde divulgar os grupos, solistas ou música utilizada,
a divulgar a própria linguagem da videodança.
Percebe-se a influência que algumas produções exercem sobre as outras, esteticamente, sugerindo uma tendência artística ainda em construção e que se modifica e é modificada por essas mesmas produções. É o caso da influência de Snake Charmer sobre Tribal Interaction, Trupe Tribal Gaia e Rosa Maná, e de Tribal
Interaction sobre Trupe Tribal Gaia. Assim como de Isolado sobre Lua Nova.
Os espaços, assim como a composição da “primeira dimensão” dos vídeos analisados, são em sua maioria salas de gravação ou palcos com os performers em
movimento. Elementos de cena aparecem apenas em Tribal Interaction, através das velas e instrumentos musicais. Isolado e Lua Nova também compartilham
dessa estética dos palcos ou salas próprias para gravação. Trupe Tribal Gaia, apesar de ter um espaço cênico como locação, agrega plateia a “primeira e segunda
dimensões”. Snake Charmer possui uma “primeira dimensão” um pouco mais complexa, desde a presença ausente dos músicos a ambientes de bastidores que
vazam propositalmente na “segunda dimensão”. Rosa Maná e Guerrilha Tribal – Gasômetro se utilizam de locações ao ar livre.
A “terceira dimensão” dos vídeos em análise também dialogam, mostrando a personalidade de um “coreoeditor” mais ativo em Isolado, Lua Nova e Guerrilha Tribal
- Gasômetro, buscando uma maior interface com o Método Laban uma vez que exploram o fator tempo através de aceleração e desaceleração de movimentos,
assim como a inversão do tempo das imagens. O espaço direto e indireto do olhar da câmera, assim como o movimento no corpo das performers conferem uma
riqueza de apelos visuais, assim como o espaço que o corpo ocupa na tela, seja detalhe, enquadramento médio ou geral, além da transformação desses corpos
em outros através de duplicações, sobreposições e demais recursos da edição.
Rosa Maná mostra um produto mais simples na “terceira dimensão”, um pouco mais preocupado em mostrar a coreografia apresentada de modo poético, com
poucos apelos de pós-produção, centrada nos enquadramentos das câmeras. Tribal Interaction e Trupe Tribal Gaia se aproximam da estética de Snake Charmer,
aonde, em função da música, as imagens foram reorganizadas para mostrar uma nova temporalidade da coreografia, que não é mais a real, a dançada no set de
gravação.
Desse modo, penso o exercício dessa análise como a abertura de janelas para futuras produções em videodança pelos praticantes do estilo de dança Tribal,
devido à diversificação das possibilidades que foram aqui apontadas nas videodanças analisadas. Que as ideias discutidas e o mecanismo utilizado nas análises
possam nortear os que desejarem seguir analisando essas e/ou outras produções de Tribal Fusion em videodança e suas inter-relações com o Método Laban,
hibridismo cultural, identidade e com elas mesmas.
6. Referências Bibliográficas
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274
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomás Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
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Kilma Farias Bezerra, Universidade Federal da Paraíba - Curso de Licenciatura em Dança - Grupo de Extensão ContemDança 2.0
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Índice
Index
Início
Start
VIDEODANÇA: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO
Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
Guilherme Barbosa Schulze
Universidade Federal da Paraíba (UFPB )
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Corpo Cênico – NEPCênico
Resumo
A videodança é uma forma artística híbrida que tem se tornado bastante popular por oferecer características diferentes e desafiadoras para o universo da dança.
As investigações sobre o tema que vem sendo desenvolvidas através de projetos no NepCênico se caracterizam por estarem fundamentadas nos estudos sobre
o movimento de Rudolf Laban e em um esboço analítico e criativo para observação de videodanças chamado de Videodança através das Dimensões (SCHULZE, 2010). Neste artigo, propõe-se a configuração de um curso de formação na área de videodança a partir do estudo das experiências realizadas no Grupo de
Videodança ContemDança 2, projeto de extensão desenvolvido na Universidade Federal da Paraíba desde 2011.
Palavras-chave: videodança, formação para videodança, ContemDança 2
Introdução
A videodança é uma arte múltipla envolvendo em sua essência, a dança em seu conceito mais amplo, com as técnicas e o suporte artístico da produção audiovisual.
Por suas características híbridas, diversas outras artes e métodos podem estar presentes com diferentes graus e intensidades, abrindo um leque de incontáveis
poéticas e processos de criação. Coreógrafos, dançarinos, videoartistas e diretores, têm adotado a videodança nos últimos anos como mídia alternativa àquela
presencial, apresentada em teatros e outros espaços onde a presença física é a principal característica. O suporte audiovisual, por seus atributos, amplia o universo
criativo através da manipulação digital da imagem em movimento. A videodança, a partir do ponto de vista adotado aqui, abre um amplo leque de possibilidades
criativas para o estudante que pode encontrar em seus processos de criação e produção, a oportunidade de vivenciar as formas de composição coreográfica,
concomitantemente com os procedimentos de produção do vídeo.
Neste artigo, a videodança é abordada a partir do ponto de vista da dança contemporânea como processo aberto e estética múltipla. Como foco de formação, as
ideias sobre o movimento de Rudolf Laban, que fundamentam diversas linhas de ensino da chamada dança criativa, servem como referência pedagógica. Essa
referência é aplicada ao estudo das relações dentro de cada uma das dimensões contidas no processo de criação da videodança. Assim, além de experimentar
diversas formas de abordar movimentos expressivos tradicionais, no ambiente físico, o estudante tem a oportunidade de investigar as relações proporcionadas
pelas propostas envolvendo o corpo e a câmera, assim como as possibilidades de edição das imagens para a tela.
A dança contemporânea, como é costumeiramente chamada boa parte da produção artística ocidental ligada ao corpo em movimento como fenômeno estético
pós os anos 1950s, é um universo que possui na singularidade sua maior característica. É uma área desterritorializada e, praticamente sem fronteiras. O corpo
e seu movimento passam a ser o “campo de relação com o mundo, como instrumento de saber, de pensamento e de expressão” (LOUPPE, 2012, p. 69). Essa
relação se estabelece em eventos híbridos onde transitam técnicas e tecnologias diversas na busca pela singularização em um mundo onde a distribuição criativa
e o acesso à informação é praticamente universal através das tecnologias digitais.
Uma das opções para uma compreensão introdutória a respeito das diversas concepções que a envolvem, é o trabalho de Valerie Preston-Dunlop que publicou
uma volumosa compilação de conceitos relacionados à dança emitidos por personalidades da área. Em Dance Words (1995) é possível encontrar, por exemplo,
dezenas de definições para o vocábulo dança. Como fundamento para o caminho pedagógico que norteia esta proposta, recorre-se a três coreógrafos atuantes
na segunda metade do século XX. Cada um deles se refere a momentos históricos, contextos e formas distintas de ver/perceber essa arte que foge de conceitos estáticos que se perdem no espaço-tempo dinâmico de cada estilo, de cada intenção e, principalmente de cada dançarino. Para Merce Cunningham (1989),
“dança é movimento no espaço e no tempo” (apud PRESTON-DUNLOP, 1995, p. 3). Enquanto que para Jerome Robbins (1987) “dançar é uma forma de arte que
lida com aquilo que não pode ser verbalizado... o processo criativo físico” (id.). Já para Alwin Nikolais (1969) é “tempo/espaço/forma interagindo em uma relação
dinâmica” (id.). Os três coreógrafos, apesar de contemporâneos, trabalham de formas diferentes e pensam suas respectivas danças diferentemente, no entanto,
oferecem definições complementares se referindo à dança de forma desvinculada de estilos determinados. Sugerem a arte do movimento como um campo aberto
276
Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
à experimentação.
O encontro da dança com o audiovisual
Ao observar os trânsitos do vídeo na arte como interface, a pesquisadora Christine Mello (2008) adota a expressão de vídeo nas extremidades, onde o contato
com outras estratégias discursivas, que não necessariamente dizem respeito àquela do vídeo, pode produzir diversas formas e processos semióticos (2008, p.
29). São processos de conexão do vídeo com outros signos, outras linguagens, outras relações de sentidos. Para Mello, “o vídeo sempre se caracterizou por
sua natureza híbrida, entre a pintura, a escultura, o cinema, a televisão, o computador, a arquitetura, a performance, entre outras linguagens” (2008, p. 28). O
encontro com a dança tem a possibilidade de multiplicar as relações, gerando novos sentidos e novas formas expressivas já que segundo a autora (2008, p. 29),
a hibridez que se observa em grande parte das produções artísticas leva a formas muito mais complexas extrapolando essa pluralidade interna e produzindo um
alargamento dos sentidos.
A produção de uma videodança envolve frequentemente, pelo menos, um corpo a ser registrado imageticamente por um instrumento de captura ou câmera, e um
equipamento para visualização desse registro. Recortes, reorganização e alterações das imagens são procedimentos típicos durante a edição e pós-produção. A
dança pode tomar uma infinidade de formas na videodança. Considera-se que existe uma diferença fundamental com relação ao simples registro de uma apresentação artística. Trata-se do foco com que a produção foi realizada. No registro, o foco encontra-se na documentação mais próxima possível do evento que se
apresenta, respeitando a ordem cronológica (tempo) e espacial da coreografia original. Como exemplo disso, podem-se citar as transmissões, via televisão, de
balés de repertório apresentados por companhias profissionais em grandes teatros. No outro lado disso está o distanciamento de qualquer organização espaçotemporal relacionado com o universo físico imediato, onde a compreensão se dá por analogia com determinadas dinâmicas. A videodança pode transitar entre
esses dois polos.
O estudo da videodança através das dimensões (SCHULZE, 2010) possibilita a compreensão de algumas etapas que podem fazer parte dos processos de análise
e de criação. Da mesma forma que na dança contemporânea, esses processos podem ser tão diversos quanto o número de obras produzidas, ou seja, eventualmente, para cada videodança existe um processo específico. Schulze propõe uma observação isolada de cada dimensão para então buscar relações entre elas
que possibilitem por um lado, uma melhor compreensão de peças já realizadas, e por outro um processo de criação mais rico durante sua produção. A primeira
dimensão se refere ao ambiente onde está sendo realizada a gravação, a locação com todas as suas características visuais e auditivas envolvendo o corpo em
movimento em toda sua multiplicidade de possibilidades. A segunda dimensão aborda tudo aquilo que é capturado pela lente da câmera, envolvendo o recorte
dos enquadramentos. Os planos cinematográficos fazem parte desta dimensão da mesma forma que os movimentos da câmera a partir de um eixo fixo como a
panorâmica ou o tilt, ou aqueles movimentos realizados através do espaço aproximando/distanciando ou movendo junto ou ao redor do dançarino. Finalmente
a terceira dimensão envolve as possibilidades de cortes e combinação das imagens na mesa ou software de edição. Pensando o editor como coreógrafo como
propõe Karen Pearlman (2009), o coreoeditor tem a sua disposição uma infinidade de recursos para lidar, não com a cena convencional, como o palco de um
teatro, mas com as vantagens e limitações da imagem digital como espaço para a dança.
277
Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
O ContemDança 2 como espaço de construção de conhecimento
Neste artigo, propõe-se a configuração de um curso de formação na área de videodança a partir do estudo das experiências realizadas no Grupo de Videodança
ContemDança 2, projeto de extensão desenvolvido na Universidade Federal da Paraíba desde 2011. Nesse Grupo, voltado exclusivamente para a investigação e
produção de videodança, são aplicados procedimentos de improvisação e ludicidade no aprendizado técnico e de produção. Com uma metodologia fundamentada
nos estudos de Rudolf Laban (1976, 1978, 1990), são realizados exercícios corporais e de relacionamento com a câmera a partir de propostas que podem partir
das diversas formas de utilização do espaço, do tempo e da energia.
Antes de tudo, é importante dizer que cada trabalho pode exigir diferentes processos. No ContemDança 2 tem-se um processo pedagógico com resultados que
normalmente tomam a forma de vídeo-exercícios ou videodanças de bolso com duração aproximada de um minuto. Costumam ser realizados com os celulares
ou câmeras domesticas dos participantes. Os trabalhos mais ambiciosos normalmente tem uma duração final de 5 a 10 minutos e são elaborados de forma compartilhada com definição de funções (como produção, câmera e direção), locações fora do campus e roteiros estruturados. No Grupo, parte-se da ideia que os
participantes devem possuir uma compreensão de todas as etapas do processo. Pretende-se que esses participantes adquiram um treinamento não somente
corporal para a dança, mas também de conhecimento e operação de câmera, e de edição. Na prática isso não é facilmente obtido. Hoje, todos os participantes
do ContemDança 2 têm a capacidade de lidar relativamente bem com a relação entre corpo e câmera. Isso quer dizer que se sentem confortáveis tanto em frente
como por trás da câmera. Todos são estimulados a trazer sua própria câmera (doméstica ou celular) o que aumenta a possibilidade de que o participante possua um
razoável conhecimento do aparelho que opera. No entanto, aproximadamente apenas 50% desses participantes possuem conhecimento prévio de algum software
de edição mesmo introdutório como o Windows Movie Maker. Atualmente o grande desafio está exatamente nesta etapa do processo de produção de videodança.
Em síntese, o trabalho desenvolvido no ContemDança 2 possui dois objetivos:
1. Produzir e formatar ideias através da improvisação nos diversos níveis ou dimensões criativas almejando um resultado mais rico e interessante. Todas as propostas são verbalizadas pelo orientador para que cada participante procure sua própria resposta em termos corporais na relação do corpo com outros corpos e
com os contextos visual e sonoro. Da improvisação, os resultados tendem então à fixação na imagem gravada.
2. Criar de forma colaborativa, a partir das particularidades da área de estudos de cada participante; e compartilhada, reconhecendo-se os conhecimentos e vivências em comum desses participantes. Isso torna a relação dentro do processo criativo mais horizontal e participativa podendo produzir resultados surpreendentes.
A partir desses objetivos, diversos temas são propostos de onde, a título de ilustração pode-se citar:
Para trabalhos solo e em duplas: propostas de exploração da Kinesfera utilizando a palma da mão em lugar da câmera – um dos temas introdutórios; auto-filmagem
com a câmera na mão ou ajustada em alguma parte do corpo; atividades em duplas sem câmera utilizando balões e partes do corpo fazendo o papel de câmera;
em duplas um grava o outro utilizando câmera passiva e ativa através dos fatores do movimento; cantar uma música para dar ritmo e suingue para a câmera em
movimento.
Em grupos são realizadas atividades como:
a) Relacionamentos com e sem a câmera onde são abordados alguns fatores labanianos.
Aqui alguns exemplos de vídeo-exercícios que podem ser acessados online:
1. Espaço – com a exploração de diferentes ambientes e do campo do enquadramento como o campo limitado (A valsa (2012)1, Mãos a obra (2012)2); foco em
uma parte do corpo (Joelho (2012)3, Miragem (2012)4); mudança de contexto com uma mesma coreografia (Recontextualizando (2013)5).
2. Tempo – trabalhando com (des)aceleração e ritmo – exploração de uma peça musical como por exemplo: ritmo no manejo da câmera com caminhos pré- definidos (A valsa (2012)6, Anjo da Rua (2012)7 – ritmo a partir do próprio canto); alteração de tempo (Chegada (2012)8 – nas 1ª e 3ª dimensões); loops (Contra-pé
2012)9; sobreposição em cânon (Experimento com Sobreposição em Canon (2013)10)
1 Disponível em: http://youtu.be/F_JfL63XP8s
2 Disponível em: http://youtu.be/CTKSYq5by7Y
3 Disponível em: http://youtu.be/WMelx0Wyfd4
4 Disponível em: http://youtu.be/-uUnKobDhVg
5 Disponível em: http://youtu.be/YRY7SwXZ3dA
6 Disponível em: http://youtu.be/F_JfL63XP8s
7 Disponível em: http://youtu.be/8E97SKUBRM4
8 Disponível em: http://youtu.be/stpiFFomn94
9 Disponível em: http://youtu.be/qy9gblGuIq4
10 Disponível em: http://youtu.be/Kx_DSzxC-rU
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Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
As atividades de edição são realizadas na sala do NepCênico/ContemDança 2 ou no computador de cada participante. Esta etapa do processo é discutida no âmbito do Grupo de acordo com os objetivos de cada produção antes de ser feita a renderização e publicação do vídeo na Internet, geralmente como video-exercício.
Etapas formativas
A partir do conceito mais amplo e aberto relativo à dança contemporânea e a experiência de três anos no ContemDança 2, propõe-se um curso de formação que
está sendo implantado experimentalmente na UFPB, composto de quatro módulos intitulados da seguinte forma: 1. Corpo em movimento; 2. Câmera coreográfica;
3. Coreoedição; e 4. Projetos para videodanca.
1. Corpo em movimento: O primeiro módulo é constituído por uma introdução aos estudos e conceitos de Rudolf Laban com foco nos fatores do movimento e nas
atitudes expressivas resultantes de suas combinações. Nesta etapa não há referência expressa ao trabalho com vídeo. Trata-se de um estudo teórico-prático sobre o uso expressivo do espaço, tempo, esforço e fluência. O foco se dá nas relações que podem ser estabelecidas dentro da kinesfera individual, entre o corpo
e os contextos espaciais e sonoros, além daquelas entre os corpos. A consciência da kinesfera permite movimentos que podem atingir alto nível de detalhamento
produzindo momentos interessantes para, por exemplo, planos fechados.
2. Câmera coreográfica: O segundo módulo aborda a aplicação dos fatores e das atitudes expressivas na relação do corpo com a câmera. Este é um encaminhamento técnico que permite a descoberta de diversas combinações significativas ao reconhecer a relação de, pelo menos, dois performers, um em frente à lente
e outro manipulando a câmera. Katrina McPherson, autora do livro Making Video Dance (2006), manual pioneiro na área, aborda o papel primordial da câmera
como um personagem principal na sua videodança (2006, p. 24). Exemplifica observando que a lente pode entrar na kinesfera do dançarino (área territorial ao
redor do corpo), focando em um detalhe do movimento e permitindo uma intimidade que seria inalcançável em um contexto presencial.
3. Coreoedição: O terceiro deve ser desenvolvido integralmente através do aprendizado dos softwares de edição e pós-produção como ferramentas criativas,
sem deixar de observar os elementos levantados nos módulos predecessores. Em seu artigo Edição como Coreografia, Karen Pearlman considera a coreografia
como “a arte de manipular o movimento: expressar seu tempo, espaço e energia em formas e estruturas sensíveis” (2009, p. 38). Dessa forma ela aponta para
uma analogia entre o ato de coreografar uma dança, de compor uma peça musical e o de editar. Pearlman se refere ao ritmo como interface entre essas três
atividades, estimulando o editor a pensar criativamente o movimento.
4. Projetos para videodanca: Finalmente o quarto módulo se constituirá na integração de todos os módulos através da elaboração e execução de projetos para a
produção de peças de videodança. Aqui é o momento em que o processo criativo da videodança é operacionalizado de forma cooperativa e colaborativa.
Esta proposta está em fase preliminar em sua especificidade já que existem poucas abordagens acadêmicas dedicadas à ideia de constituir uma sistemática
de formação nessa área. Essa formação não conduzirá o participante apenas a uma vivência relacionada à videodança. O conteúdo teórico e prático propiciará
uma compreensão mais ampla da criação/composição coreográfica, mesmo para espaços presenciais, além de uma reconceituação do próprio corpo enquanto
instrumento criativo e produto de criação. Esta abordagem inova na medida em que não se submete diretamente às tradições da produção audiovisual, por obedecer um viés que propõe trazer a cultura da dança para o processo de produção do vídeo. Estimula, portanto, uma sistemática criativa mais próxima da dança
através da improvisação e dos parâmetros do movimento, como vistos na literatura de autoria de Laban (1976, 1978, 1990) e seus contribuidores a exemplo da
pesquisadora Valerie Preston-Dunlop (1998).
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Sessão de Artigos / Papers Session . Dança / Dance
Considerações finais
A investigação de interfaces e conexões entre os estudos sobre o movimento de Rudolf Laban e a cultura coreográfica própria da dança, com a linguagem do
cinema/vídeo, vem abrindo caminhos na UFPB para a produção de diversas peças de videodança apresentadas em Mostras no Brasil e Argentina. Esta pesquisa
tem gerado conhecimentos e ferramentas envolvendo temas como criatividade, movimento, utilização de ferramentas digitais, vídeo e educação. Esse fato permite
a verificação da importância da produção e ensino de videodança como exercício de criação envolvendo o corpo e novas tecnologias.
Referências
LABAN, Rudolf. Choreotics. London: MacDonald/Evans, 1976.
______. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone, 1990.
______. Domínio do movimento. São Paulo: Summus Editorial, 1978.
LOUPPE, Laurence. Poética da dança contemporânea. Lisboa: Orfeu Negro, 2012.
McPHERSON, Katrina. Making vídeo dance. Abingdon: Routledge, 2006.
MELLO, Christine. Extremidades do vídeo. São Paulo: Senac, 2008.
PEARLMAN, Karen. Edição como coreografia. Dança em foco vol. 4: a dança na tela, Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria/Oi Futuro, 2009.
PRESTON-DUNLOP, Valerie. Dance words. Amsterdam: Harwood, 1995.
______. Looking at dances. London: Verve, 1998.
SCHULZE, Guilherme. Um olhar sobre videodança em dimensões. São Paulo: Anais do VI Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, 2010.
Disponível em:
http://www.portalabrace.org/vicongresso/pesquisadanca/Guilherme%20Barbosa%20Schulze %20-%20Um%20olhar%20sobre%20videodan%E7a%20em%20
dimens%F5es.pdf. Acesso em 20/02/2014.
Guilherme Schulze, é professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba onde coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Corpo Cênico
(NEPCênico). Atua na área de dança, videodança e teatro, com ênfase em processos de criação coreográfica, análise do movimento, interfaces com as novas
tecnologias e pesquisa em videodança. Atualmente suas atividades incluem a coordenação do projeto de pesquisa PIBIC-UFPB ‘Dança em 2D: dimensões
analíticas e criativas’ e o Grupo de Videodança ContemDança 2 através do qual assina diversas produções como diretor e editor. É graduado em Música pela
Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Especialista em Coreografia pela Universidade Federal da Bahia, Mestre em Artes pela Universidade Estadual de
Campinas - UNICAMP e Doutor em Estudos da Dança pela Universidade de Surrey - Inglaterra.
e-mail: [email protected]
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Índice
Index
Início
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RECITAL DIDÁTICO: FATOR MOTIVACIONAL NO ENSINO APRENDIZAGEM DA MÚSICA
Sessão de Artigos / Papers Session . Música / Music
Lucilene Ferreira de Oliveira
Instituto Federal do Rio Grande do Norte
Resumo
Esta pesquisa pretende evidenciar o processo de aprendizagem e preparação na realização do recital didático do projeto de música da Escola Municipal Ferreira
Itajubá na cidade do Natal-RN. Para desenvolvermos o estudo, tomaram-se como sujeitos alunos do Ensino fundamental II e alunos do projeto de música. O foco
de análise para tanto, apontamos como referencial teórico Bortoli. Romeu (2011), Schlindwein (2011), Sampaio (2012), Arroyo (2004), Kebach (2008). Recorremos como procedimentos metodológicos à pesquisa-ação, os dados coletados foram através de questionários aplicados aos alunos, professores e monitores.
Os resultados revelaram que tanto o recital didático, a realização das oficinas e a participação dos grupos do projeto contribuíram para a ampliação do repertorio
musical, bem como um fator motivacional no estímulo da aprendizagem musical dos alunos e a formação de plateia na comunidade.
Palavras chave: Recital didático; Musica no Ensino Fundamental II; Educação Musical.
Abertura
Este trabalho tem como objetivo descrever a vivencia musical na preparação do recital didático, refletindo sobre os benefícios que o recital produz para a ampliação
do conhecimento musical. O recital foi realizado por alunos do Ensino Fundamental II e grupos do projeto social inserido no contexto escolar.
O projeto de música Severino Cordeiro situado no contexto escolar formal, é unidade de ensino básico de música Municipal, têm realizado em parceria com a UFRN,
trabalha a pesquisa, extensão universitária e estágio supervisionado em música. São diversas as iniciativas que objetivam o desenvolvimento dos graduandos, de
forma que possam participar, de maneira efetiva e significativa, de atividades que ampliem seu campo de ação e a capacidade de entrada no mercado profissional.
Criado em 2002, o projeto configura-se como espaço de suporte de aulas teóricas e práticas, estruturado com instrumentos musicais e equipamentos de áudio e
vídeo. O projeto conta ainda com diversos grupos musicais com repertórios ecléticos e contemporâneos, buscando uma formação diversificada para os alunos,
oportunizando o preparo dos mesmos para atuar-nos diversos contextos sociais e culturais.
Movidos e estimulados durante sua graduação por vivências musicais diversificadas. Segundo (Arroyo, 2000) descreve sobre as interações diversas onde as representações sociais são uma forma de saber conceitual e prático, construído e compartilhado coletivamente partir das interações sociais. Dessa forma pensamos
em levar até a comunidade as práticas musicais do projeto.
O recital foi realizado no dia 9 de dezembro de 2013 as 18h00min, na igreja Batista do Avivamento, o espaço alugado para realização do recital foi escolhido
propositalmente devido à experiência anterior, onde no espaço escolar não há estrutura adequada para receber os pais dos alunos e convidados. Para o tema
formação de plateia e aprendizagem cogitamos aproximar-se da comunidade para fazer conhecidos os trabalhos musicais do projeto e as atividades realizadas
pelos alunos durante o ano letivo.
As oficinas de aprendizagem tiveram como objetivo ampliar a escuta musical dos alunos, sendo trabalhadas a apreciação musical e a expressão corporal. Na atuação dos alunos da escola para se apresentarem no recital inicialmente houve resistência, observamos que durante as oficinas íamos trabalhando a performance
e a responsabilidade de estudarem diariamente para o futuro evento, o que ocasionou um aceleramento no aprendizado por parte dos alunos, mais dedicação e
empenho gerando com isso uma maior habilidade expressiva musical.
Neste trabalho descrevemos como as oficinas foram realizadas na concretização do recital didático no qual tomamos como ponto de partida a iniciação musical
dos alunos fundamental II e as aulas teóricas e práticas destinadas aos alunos da comunidade oferecidas pelo projeto de música no contexto escolar.
O artigo apresenta primeiramente contribuições teóricas literárias sobre escuta musical e formação de plateia. Logo, apresentamos os procedimentos metodológicos
relacionados com a pesquisa, foram utilizados a observação e aplicados questionários aos alunos e professores participantes do recital. Em seguida, apresento a
coleta dos dados e análise dos questionários aplicados. Nas considerações finais trago minhas percepções sobre o estímulo que o recital didático aponta através
das oficinas descritas na pesquisa.
A aprendizagem através do estímulo
Atualmente existem diversas maneiras de se ouvir música, através da facilidade do acesso das novas tecnologias midiáticas é comum vermos nos ambientes
escolares alunos e pessoas com tais tecnologias. Com isso refletimos que o acesso á música pode ser um processo facilitador da escuta musical e os meios
tecnológicos um elemento para se obter essa apreciação, observamos que estes alunos ouvem musica como passatempo e entretenimento.
Diante do exposto organizamos o recital didático no ambiente escolar para a formação de plateia dos alunos e da comunidade. Os recitais didáticos seguidos
de práticas educativas estimulam a aprendizagem, pois propõe metas e desafios tanto para professores e alunos, no sentido de superarem suas deficiências e
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Sessão de Artigos / Papers Session . Música / Music
melhorarem nas habilidades instrumentais e vocais.
Segundo Bortoli, Romeu (2011) o recital didático serve para fomentar a formação de plateia e a escuta musical servido para a ampliação do repertorio musical
dos alunos juntamente com as ações pedagógicas. Nesse sentido os autores reforçam a necessidade de se trabalhar com o recital didático no espaço escolar
enfatizando a aprendizagem.
De acordo com Schlindwein (2011), o recital didático busca promover uma escuta musical crítica, não apenas formação de expectadores, mas propiciar o conhecimento dos estilos musicais tanto no desempenho vocal quanto instrumental. Refletimos que dessa maneira abordaremos uma escuta musical consciente e
reflexiva dos alunos envolvidos no processo de aprendizagem.
De acordo com a autora o recital sistematizado propõe a ampliação do conhecimento musical construído e a interação dos grupos no processo de aprendizagem.
Nesse sentido o recital didático propõe não só os conhecimentos sistemáticos e habilidades, mas a aprendizagem cooperativa entre os alunos marcando as diferenças e diversidades dos grupos existentes.
A aprendizagem cooperativa visa à construção da responsabilidade individual, liderança compartilhada, interação entre alunos e professor, responsabilidade de grupo, interdependência entre alunos e a auto reflexão grupal, contribuindo para o desenvolvimento dos alunos.
Rocha, Braga, Dantas (2010)
A aprendizagem cooperativa só pode ser observada quando um aluno corrige o outro interagindo no processo de aprendizagem, os alunos entre si ficam menos
desinibidos no momento da troca de informações ocasionando um processo mais rápido de assimilação no processo de aprendizagem.
Metodologia
Esta pesquisa foi baseada em Engel (2000), a pesquisa-ação sendo a mais apropriada para este tipo de atividades educativas musicais promovendo uma reflexão
na ação dando importância ao objeto de pesquisa. A pesquisa em questão tem sua dimensão epistemológica, que são as interações humanas que se corporificam
no desenvolvimento do processo ensino- aprendizagem, durante o exercício da docência.
Envolvendo dois tipos de ações que acontecem simultaneamente à ação docente e a ação pesquisadora. A pesquisa foi realizada por meio de oficinas preparatórias finalizando com o recital didático na periferia promovendo a participação dos alunos, grupo escolar e a comunidade buscando valorizar as diferenças entre
os grupos e a interação na aprendizagem.
As oficinas
Para realização do recital didático do projeto de musica Severino Cordeiro elaboramos um planejamento com a equipe do projeto composta por 5 professores e
19 estagiários do curso de música da UFRN, nesta fase inicial apresentamos a propostas para os alunos do projeto tanto os que estudam no horário regular de
aulas quantos os do contra turno, apresentamos a gestão escolar da escola Municipal Ferreira Itajubá.
Nesses encontros apresentamos de que forma deveriam acontecer as atividades pedagógicas musicais e o recital didático como apresentação final que seria fora
do ambiente escolar, mas mantendo a proposta para a realização do recital na comunidade.
O tempo de preparação para o recital ocorreu entre os meses de julho a dezembro 2013, devido ao numero elevado de turmas do projeto e pouco espaço dividimos as oficinas preparatórias semanalmente até a realização do recital. Nessa etapa definimos previamente a seleção do repertorio para serem executados, os
professores ficaram livres nas escolhas das musicas para serem apresentadas.
Apesar da liberdade de escolha por parte de cada professor o repertorio escolhido foram as musicas de Luiz Gonzaga e outros estilos musicais. Para esta definição
do repertorio selecionamos musicas instrumentais e cantadas, depois da definição das musicas, trabalhamos os arranjos para os ensaios em grupos e individuais.
Para isso contamos com a participação da base da banda de música do projeto e músicos da comunidade convidados para o evento. O repertório ensaiado foi
contextualizado na medida em que iam sendo executados pelos alunos.
Na execução das oficinas a proposta inicial seria sua realização semanal, mas devido aos compromissos da banda de música do projeto praticamente as oficinas
ficaram comprometidas no mês de setembro. Sendo retomadas em meados de outubro as aulas no projeto mantendo o foco de todas as oficinas na concretização
para o recital.
As oficinas de instrumento ocorreram inicialmente de forma individual trabalhando nas dificuldades e aprendizado dos alunos envolvidos, seguidamente agrupamos esses alunos para os ensaios. Notamos que durante esse processo houve um interesse dos alunos em estudar diariamente seu instrumento focando sua
apresentação.
As oficinas de saxofone, clarinete trombone e trompete ocorreram de forma individual e 

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