Imagem - Diogo Azeredo

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Imagem - Diogo Azeredo
“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
Índice
Introdução .................................................................................................................................................... 1
Estudo do Contexto ...................................................................................................................................... 2
Contexto Temático e Musical .................................................................................................................... 2
Contexto Sociocultural e Religioso............................................................................................................ 4
Interpretação ................................................................................................................................................. 5
O início no deserto................................................................................................................................. 6
A Estrela-Cadente.................................................................................................................................. 7
A Erupção do Azul ................................................................................................................................ 7
A Cascata de Água ................................................................................................................................ 8
Pequeno contexto religioso .................................................................................................................... 9
O aparecimento dos Jackson 5 ............................................................................................................... 9
Relação Fogo e Água ........................................................................................................................... 10
O caminhar sobre as águas ................................................................................................................... 10
As cores predominantes: azul e laranja ................................................................................................ 11
A lua como embrião ............................................................................................................................ 12
Michael Jackson, uma superestrela em ascensão .................................................................................. 12
A concepção da estatueta dourada........................................................................................................ 13
Início da Evangelização ....................................................................................................................... 14
“Can You Feel It?” .............................................................................................................................. 14
O Cosmos ............................................................................................................................................ 15
O Processo de Evangelização............................................................................................................... 16
O Arco-Íris .......................................................................................................................................... 16
Música como linguagem universal ....................................................................................................... 17
A “Terra Prometida” e o Fim do Mundo .............................................................................................. 17
Conclusão ................................................................................................................................................... 18
Referências Bibliográficas
Trabalhos Consultados
“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
Introdução
Neste trabalho, procuramos realizar uma análise do ponto de vista semiótico do videoclipe dos Jackson 5,
“Can You Feel It?”, ou seja, obter uma melhor compreensão e significação deste macro-signo através da sua
decomposição em diversos elementos constituintes, micro-signos, com um determinado objetivo: a
descodificação da sua mensagem.
Para tal, sentimos a necessidade de elaborar um estudo de contexto e seguir uma rigorosa metodologia.
Segundo Jacoby e Hoyer, o conteúdo explícito corresponde apenas à ponta do Iceberg. A maior parte do
conteúdo é conteúdo implícito mas só é acessível a quem tem conhecimento dos contextos. Assim sendo, e
visando atingir o segundo nível de descodificação, o nível conotativo, tivemos em atenção contextos
temático-musicais e contextos socioculturais e religiosos, de emissão e recepção. De destacar a importância
da religião e dos mitos para a descodificação de inúmeros signos que vão surgindo ao longo do videoclipe,
tal como destaca Carl Gustav Jung. Na perspectiva junguiana, “o conhecimento dos mitos é importante para
melhor compreensão do material arquetípico que irrompe ao longo do trabalho analítico” e “é a chave
para um conhecimento profundo do ser humano, um conhecimento que vai além do palpável e do racional.”
Do ponto de vista metodológico, começamos por elaborar uma grelha de levantamento dos signos que
surgem ao longo do vídeo. Esta grelha serviu como base para a nossa análise semiótica. Através dela,
procedemos à divisão da música em oito períodos de tempo que encontramos ao longo do espaço
audiovisual, sem nunca desvirtuar a narrativa e o macro-signo que representa o videoclipe no seu todo. No
trabalho escrito, esta divisão em oito partes orientou-nos mas optamos por exibir várias subdivisões, de
acordo com os signos mais relevantes e a narrativa em que surgem, mais uma vez, sempre com a
preocupação de não os analisar isoladamente, retirando-os do seu contexto textual. Após esta fragmentação,
usamos a grelha para fazer enumerar os signos, o número de vezes que surgiram e as cores predominantes,
juntamente com uma descrição literal do que víamos e uma interpretação inicial, não muito profunda e
apenas orientadora. As interpretações iniciais que fizemos vieram, na sua grande parte, a revelar-se muito
distintas da nossa interpretação final, após um estudo e análise mais aprofundados. Por fim, para uma
melhor compreensão da análise semiótica que apresentamos, é aconselhável uma leitura acompanhada do
visionamento do videoclipe, de modo a obter uma visão mais clara dos signos referenciados ao longo do
trabalho.
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“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
Com vista à aquisição de conhecimentos junto a especialistas na matéria, elaboramos ainda uma entrevista a
Francisco Vidinha, docente no Curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade
do Porto. Francisco Vidinha licenciou-se em Sidney, pela “City Art Institute”, e é um profissional com uma
vasta experiência com clientes internacionais e nacionais de renome, quer como diretor de fotografia, quer
como diretor de iluminação. Realizou alguns anúncios conhecidos, como o “O Chafariz”; “B! Dos
Bosques”; “TMN Moche”; “Optimus Praia”; e videoclipes, como “Beauty of You”, dos Coldfinger.
Estudo do Contexto
Contexto Temático e Musical
Os Jackson 5 surgem nos Estados Unidos da América nos anos 60 como grupo musical que ameaçava dar
cartas. Composto por cinco elementos, irmãos, o grupo mostrou uma forte inovação com as perfomances
que fazia em público. Talvez a novidade tenha sido a principal razão que levou The Jackson 5 aos topos de
alvos vendidos na América do Norte. "I want you back", "ABC", "The love you save", "I'll be there" foram
temas que marcaram o arranque da banda e que voaram para o topo das vendas musicais norte-americanas e
não só. Os top-ten de vários países europeus foram preenchidos com músicas dos Jackson. O início do grupo
musical fica associado à Motown, uma editora discográfica americana fundada nos anos 50. Na altura, o
produtor falava do grupo como a “última grande estrela que está na minha linha de montagem”. Motown
teve um papel fulcral no arranque da formação musical que eram os Jackson. Esta editora trabalhou com
Stevie Wonder, Marvin Gaye, Diana Ross & The Supremes e Temptations, por exemplo, mostrando um
novo género musical, o “pop negro”. Aparece assim, um género musical de rutura, onde os Jackson 5 se
inseriram, capaz de separar barreiras entre negros e brancos, papel cumprido por Michael Jackson quando se
apresentou como cantor a solo. A revista Billboard descreveu o grupo como “cinco jovens irmãos que são o
símbolo de uma nova era da Motown”. Esta parceria rendeu milhares de álbuns vendidos, só que em 1975,
já depois de alguma controvérsia e divergências, The Jackson 5 decidem cessar o acordo com a editora por
eventualmente, a Motown não permitir que o grupo apresentasse as suas ideias e originais. Assinam o
contrato com a CBS Records e mudam o nome para The Jacksons e havendo a mudança de alguns elementos
do grupo. Nesta altura, Michael Jackson já se destaca dos irmãos pela forma como se apresentava. Muitos
eram os que o consideravam o mais talentoso, como cantor e dançarino, acarinhado e excêntrico. Michael já
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tinha a sua carreira a solo e só abandonou definitivamente os The Jacksons nos anos 80. Ao mesmo tempo
que Michael Jackson tinha a sua carreira a solo e fazia parte do grupo com os irmãos (Jackie, Tito, Jermaine,
Marlon e Randie), projetou os Jacksons devido ao sucesso de Michael. A sua partcipação no grupo passou a
ser vista como um trabalho paralelo. O álbum “Triumph”, 1980, foi um dos mais vendidos do grupo, com 3
milhões de cópias. Deste grupo, faz parte o tema “Can You Feel It?”. Este tema, produzido pelos The
Jacksons e composto por Michael e Jackie Jackson, foi um dos que obteve melhores resultados na Europa,
ao contrário da América. Cantada por Randy e Michael Jackson (os instrumentos ficaram a cargo de Greg
Phillinganes, Ronnie Foster, Tito Jackson, David Williams, Watts Nathan, Ollie Brown e Gary Coleman),
foi das músicas que inspirou outras, ao longo dos anos, como a dos King of House, em 2003. “Victory” foi o
álbum da banda, em 1984, que juntou os temas mais bem-sucedidos da banda. Aos poucos Michael Jackon
abandonou o grupo por causa da sua carreira a solo e no último álbum deste, “2300 Jackson Street”, apenas
participou numa música. Michael Jackson torna-se no “rei da pop” com o lançamento de álbuns
imensamente vendidos por todo o mundo até à sua morte, em 2009. Voltando ao tema “Can You Feel It?”,
as vendas superaram os 100 milhões de discos vendidos. O seu videoclipe, o nosso objeto de análise, foi
realizado por Robert Abel & Associated. Esta empresa era pioneira em sistemas tecnológicos, como efeitos
computorizados e videojogos, e isso reflete-se na inovação com que o vídeo é apresentado nos anos 80. Este
trabalho, dirigido por Bruce Gowers e Robert Abel, teve um custo de 140 mil dólares. A empresa ficou
notável com este trabalho em 1981 e foi premiada várias vezes por causa dos efeitos animados e digitais,
gráficos e imagens que criou e promoveu. Os efeitos especiais que passam no videoclipe mostram efeitos
especiais invulgares na data, muito intensos. O videoclipe foi muito bem recebido, atingindo vários records
de vendas, nomeadamente no Reino Unido, nos Estados Unidos e na Holanda, graças ao uso destes efeitos
espaciais visuais, que chamou muito à atenção do seu público-alvo, jovens que gostassem de funk, soul e
pop, e sonoridades poderosas e energéticas. Ken Nordine, locutor norte-americano fez a narração que se
encontra no início do videoclipe. De acordo com Francisco Vidinha, o nosso entrevistado, quando falamos
da década de 80 “estamos a falar dos primórdios do videoclipe. Já existiam alguns antes disso, mas eram
pouco utilizados”. Até então, “muitas vezes os videoclipes não tinham que contar história alguma porque
isso era inerente à canção, à letra, e portanto era importante ver o artista interpretar isso no palco”. Já em
2001, “Can You Feel It?” é eleito um dos 100 melhores vídeos de todos os tempos numa votação que
assinalou o 20º aniversário da MTV.
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Contexto Sociocultural e Religioso
Os Jackson nasceram no seio de uma família negra que vivia nos Estados Unidos. Michael Jackson e todos
os seus irmãos nasceram entre 1950 e 1960, período em que o racismo era um dos principais problemas dos
Estados Unidos da América. Havia um grande movimento contra as pessoas de cor. Em 11 de junho de
1963, o presidente dos EUA, Martin Luther King, fez o mítico discurso “I Have a Dream” ao povo
americano para que examinassem a sua consciência na crise racial que transtornava a nação. Os anos 70
foram marcados por um período de grande intolerância religiosa e racial, não só no Estados Unidos mas em
todo o mundo. A 29 de Junho de 1972, onze atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de Munique são mortos
num ataque à Aldeia Olímpica protagonizado por um grupo de terroristas árabes. Na África do Sul, o
apartheid era mais intenso. A partir de finais da década de 1970, os negros foram privados da sua cidadania
na África do Sul, para além da segregação na saúde, educação e outros serviços públicos, fornecendo aos
negros serviços inferiores aos dos brancos. A nível económico as coisas também se complicaram. O
problema do desemprego, que no princípio dos anos 70 quase desaparecera, volta a afligir as economias
europeias, mas desta vez é um desemprego muito focalizado: atinge essencialmente jovens sem formação
especializada, mulheres, trabalhadores imigrantes e os operários das indústrias tradicionais. Os trabalhadores
imigrados, em luta pelos seus postos de trabalho, são vítimas da marginalização social e, em alguns países,
são alvo de movimentos xenófobos. As raízes do conflito racial são profundas nos Estados Unidos e a luta
contra o racismo foi sempre uma das grandes “bandeiras” de Michael Jackson na sua produção criativa e
musical. Em 1987, Michael Jackson apoia uma campanha contra o racismo da National Association for the
Advancement of Colored People (NAACP) para lutar contra o preconceito sofrido por artistas negros.
Talvez por ter sido vítima desta “falha” da sociedade, o artista sempre deu importância às mensagens de
união das raças nas suas músicas e nas suas acções. Isto está intrinsecamente ligado às inúmeras causas
humanitárias a que Michael Jackson estava associado. Apaixonado pela “cura do mundo” e por torná-lo um
lugar melhor, doou centenas de milhões de dólares para a caridade e usou a sua fama mundial como uma
força para causas humanitárias em redor do mundo. Por exemplo, o dinheiro arrecadado com as vendas do
single “We’re the World” é doado para as pessoas que passam fome na África. Também o dinheiro das
vendas do single “Man In The Mirror” vão para o “Camp Ronald McDonald for Good Times”, um
acampamento para crianças que sofrem de cancro.
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Agora o contexto religioso. A família Jackson teve, desde muito cedo, um contacto muito próximo com as
Testemunhas de Jeová. Katherine Jackson, mãe de Michael, foi batizada em 1963, quando Michael Jackson
tinha cinco anos de idade. Em entrevista compilada no vídeo “Michael Jackson fala que acredita em Jeová”,
acedido na plataforma “Youtube”, o ídolo pop afirma como se lembra da mãe a dizer-lhe para agradecer a
Deus pelas dádivas que tinha recebido, nomeadamente graças ao seu dom musical. Jackson foi criado como
Testemunha de Jeová e foi activo no cumprimento da crença e na pregação até à sua dissociação em 1987. A
doutrina das Testemunhas de Jeová diz, de maneira clara, que eles crêem ser os únicos verdadeiros cristãos.
Segundo a sua doutrina, estas constituem a organização de Deus na terra, a genuína, a que possui a verdade e
que escapará ao Armagedão, ou seja, ao juízo de Deus. Portanto, quem não faz parte das Testemunhas de
Jeová não poderá não incorrer no juízo de Deus. Por esta razão, andam de casa em casa, para convencer as
pessoas a entrar na sua organização, única arca de salvação que sobreviverá ao fim do sistema de coisas, e
para dar a conhecer as pessoas à palavra de Deus, a Bíblia. Os seus membros têm de participar no trabalho
de pregar e de fazer discípulos. Regra geral, todas as Testemunhas são estudantes da Bíblia muito aplicados,
usando para isso as publicações da Sociedade Torre de Vigia. Como parte do seu serviço a Deus, para além
da pregação porta-a-porta, assistem regularmente às reuniões congregacionais, no chamado de Salão do
Reino, para conhecimento colectiva e edificação mútua. Sempre que podia, Michael Jackson tentava arranjar
uma forma de “espalhar as boas novas do Reino” pelas pessoas. No livro “La Toya: Growing Up in the
Jackson Family”, La Toya Jackson descreve a educação religiosa e fé de Michael: "Michael and I were very
active in the Jehovah's Witness faith. Five days a week the two of us and Mother studied the Bible at home
and attended the Kingdom Hall. Every morning Michael and I witnessed, knocking on doors around Los
Angeles, spreading the word of Jehovah. As my brother's fame grew, he had to don convincing disguises,
like a rubber fat suit he bought years later”.
Interpretação
A segmentação da música em partes, tal como referimos na nossa Introdução, é passível de ser efectuada
sem influenciar a sua compreensão ou significado, tal como sugere Kofi Agawu em “The Challenge of
Semiotics”. Segundo Agawu, “a musical text, like a verbal text, is organized into discrete units or segments.
Music is therefore segmentable”. Contudo, é de salientar que esta divisão foi realizada sem nunca descuidar
todo o macro-signo que representa o videoclip no seu todo. Não procedemos a uma análise isolada de signos
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pois isso seria retirá-lo de um contexto e desvirtuaria o seu significado. Outro erro que procuramos não
cometer foi analisar as imagens móveis como se fossem imagens fixas. Esta alerta surgiu-nos através de
Laurent Gervereau, no seu trabalho sobre análise de imagens em movimento, na obra “Ver, Compreender,
Analisar as Imagens”. Gervereau refere que “o grande perigo das imagens móveis consiste em trata-las
como se estivessem paradas, ou seja, tornar fixo o que era móvel ocultando a temporalidade. A imagem
móvel é movimento por excelência e deve ser cronometrada, “descascada” nas suas sequências e
articulações”. A fragmentação do videoclipe foi realizada atendendo igualmente à narrativa construída.
Segundo Heidi Peeters, no seu artigo “Semiotics of Music Videos: It Must Be Written in the Stars”, “music
videos thus turn out to be anything but shallow postmodern strings without connection or center, but on the
contrary consist of an intricate pattern of representational and nonrepresentational signs. They are not
sloppy incoherent narratives, but poetical constructs, turning like planets around the star whose radiance
lends them their entire splendor”. Seria, portanto, errado ignorar o contexto textual e a narrativa em que
surgem inseridos os vários signos ao longo do videoclipe que começamos agora a analisar semioticamente.
O início no deserto
O videoclip inicia-se com o nascer-do-sol numa planície desértica rochosa. O símbolo do deserto é muito
antigo e está relacionado com a busca interior do ser humano, sendo simultaneamente um local de tentação e
um meio para obter a salvação divina. Atendendo ao seu contexto religioso, o deserto pode ser também
encarado como símbolo da procura de valores mais elevados, o Sinai que os hebreus percorreram para
chegarem à Terra Prometida. Citando ainda Isaías no Antigo Testamento: “Eis a voz do que clama: preparai
no deserto o caminho do Senhor, endireitai no ermo uma estrada para o nosso Deus!”. Este simbolismo do
deserto como local propício a profecias divinas é também evidenciado por São João Batista, que escolhe o
deserto para anunciar a vinda do Messias. Mais à frente retomaremos esta perspetiva na nossa análise do
videoclip. Este cenário, combinado com o discurso do narrador, que se inicia com “In the beggining the land
was pure”, leva a crer que estamos perante os primórdios da humanidade, o nascimento do Homem nesta
extensão imensa, estéril e, portanto, pura, ainda sem a contaminação da maldade do ser humano. O discurso
do narrador prossegue com “soon men and women of every color and shape would be here too”. Esta
passagem volta a reforçar a ideia de um mundo por habitar mas que brevemente será povoado por pessoas de
todos os géneros e raças que “would find it all to easy sometimes not to see the colors, and to ignore the
beauty in each other”. Uma menção ao racismo, uma das grandes lutas ao longo da carreira e vida de
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Michael Jackson. O narrador prossegue, afirmando que, apesar destas divergências, “they would never lose
sight of the dream, of a better world they could unite, and build together, in triumph”. Segundo a nossa
interpretação, por “they” entenda-se os Jacksons 5 e, numa visão mais ampla, as Testemunhas de Jeová no
mundo. O narrador partilha a crença da família Jackson na capacidade em criar um mundo melhor, através
da união de todos os povos. Esta purificação do mundo é exactamente um dos ideais das Testemunhas de
Jeová, a comunidade religiosa na qual cresceu a família Jackson, que crêm na restauração do verdadeiro
cristianismo e na evangelização do planeta. Focando-nos novamente na banda, esta “construção de um
mundo melhor” será realizada “in triumph”, o nome do álbum onde a música “Can You Feel It?” está
inserida. Os Jacksons 5 acreditam assim na mudança através do poder da sua música.
A Estrela-Cadente
Em simultâneo com esta mensagem do narrador, uma estrela-cadente é avistada no horizonte. Ao longo dos
anos, a estrela-cadente tornou-se a representação da esperança, associada à intervenção divina. As
civilizações mais antigas encaravam estes fenómenos como “bolas de fogo” que caíam sobre a Terra e,
sendo o fogo símbolo da iluminação, continham “the breath, essence and enlightenment of divinity”,
segundo expressão de Joseph Panek em “A Seeker’s Thoughts”. As estrelas-cadentes, para além de serem
capazes de concretizar desejos, são sinal de boa fortuna, que um evento grandioso aproxima-se, de um novo
nascimento e que grandes mudanças estão para acontecer. Atendendo a todo este simbolismo, podemos
afirmar que o recurso à estrela-cadente no videoclipe, no preciso momento em que são escutadas as palavras
“sight of the dream” por parte do narrador, tem uma dupla função: primeiro, a de presságio que o desejo dos
Jacksons 5 em criar um mundo melhor será concretizado; segundo, a de anunciar o novo nascimento da
humanidade, a mudança, que um acontecimento grandioso está para breve. Antes de prosseguirmos com a
nossa análise, sentimos a necessidade de destacar o trabalho de Richard Dyer na discussão do uso de
cenários utópicos em filmes, televisão e no entretenimento para as massas. Dyer descreve a utopia na sua
obra “Only Entertainment” como “the image of ‘something better’ to escape into, or something we want
deeply that our day-to-day lives don’t provide”. É inegável que este sentimento conduziu a família Jackson
na idealização do videoclip de “Can You Feel It?”: o desejo por um mundo melhor.
A Erupção do Azul
O videoclipe prossegue com o início do instrumental da música e com a aparição duma bola de fogo azul.
De acordo com a escritora e apresentadora de televisão evangelista, Patricia King, em “The Blue Flame of
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The Lord – Divine revelation, passionate love and the essence of Heaven”, “the blue flame is the hottest and
most intense part of a fire, and the color blue is often a prophetic symbol of divine revelation, God's love,
and an open Heaven”. A aparição da bola de fogo azul no videoclipe representará o início da intervenção
divina na criação deste novo mundo. Considerando uma margem de interpretação que existe sempre, devido
à capacidade criativa simbólica ser infinita e à polissemia dos signos, esta bola de fogo azul é passível de ser
interpretada e explicada de um ponto de vista mais científico. É um facto que processos de origem vulcânica
estiveram na origem do planeta Terra e esta bola de fogo remete-nos para esta época de criação. Nesta
interpretação, o que diferencia esta erupção de uma outra seria a sua cor. O fogo azul ocorre quando uma
combustão é completa, ou seja, a reação entre o combustível e o oxigénio está quimicamente balanceada. A
este sentido de “equilíbrio” e “perfeição” associamos ainda a temperatura muito mais elevada que atinge o
fogo azul, em comparação ao fogo encarnado ou laranja. Assim sendo, na origem deste mundo não estão as
tradicionais erupções vulcânicas de fogo vermelho, estão erupções de fogo azul, o mais quente, equilibrado e
perfeito de todos os fogos, impossível de desassociar a fruto duma intervenção divina.
A Cascata de Água
De origem extraterrena é também a cascata de água que surge no céu e desagua em pleno deserto. Desde
logo, a água é vista como o ponto de partida. Para existir vida é necessário haver água. Na tradição judaicocristã, a água é mãe, matriz e útero, fonte de todas as coisas, é um símbolo do Genesis e do nascimento. Por
outro lado, a terra sem água, o deserto, é sinal de morte. A água, símbolo de fertilidade, vem retirar ao
deserto o seu carácter estéril. Esta fertilidade-esterilidade é uma das várias oposições simbólicas que surgem
ao longo do videoclipe e que poderemos analisar posteriormente. A singularidade das capacidades
intrínsecas da água e o facto da sua existência apenas estar confirmada cientificamente no planeta Terra, faz
com que esta seja considerada uma hierofania, ou seja, uma manifestação do transcendente. A água é dada à
Terra por uma entidade divina para que se possa desenvolver vida. No Antigo Nascimento, quando Isaías
profetiza uma nova era, afirma que “brotará água no deserto”. A analogia com o demonstrado no videoclipe,
a água a surgir do céu e a cair no deserto, é evidente. A água remete-nos para a origem, não só de todas as
formas de vida, mas de uma nova era, e é fruto da criação divina. É igualmente de destacar que esta cascata
de água surge por cima duma ponte natural de pedra. Esta formação apresenta grande semelhança com o
Rainbow Bridge National Monument, a maior ponte natural do mundo, situada no Glen Canyon National
Recreation Arena, no Utah, Estados Unidos da América. Esta “ponte arco-íris” carrega consigo um
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simbolismo muito forte que mais à frente exploraremos na nossa análise. Após a cascata brotar sobre o
deserto, observa-se que este passa a conter água na sua planície. O deserto já não é mais deserto, um local
estéril, e estão reunidas as condições necessárias para a existência de vida. A terra foi abençoada. Do ponto
de origem de onde a água brotou, feixes de luzes são absorvidos. A luz, entre os vários simbolismos a que
lhe são reconhecidos, é símbolo universal da espiritualidade, divindade e conhecimento. Atentamos a estes
três neste contexto interpretativo específico. No Antigo Testamento, segundo Jó, “a água é dada por Jeová
à terra, mas trata-se de uma outra água, mais misteriosa: provém da Sabedoria, que presidiu, no momento
da criação, á formação das águas”. A água é uma manifestação de Deus e os pontos de luzes são o rasto
resultante da criação do obreiro que, no fim, retornam ao ponto de origem.
Pequeno contexto religioso
Antes de prosseguirmos com a análise semiótica do videoclipe, sentimos a necessidade de frisar que tanto
Michael Jackson, criador do conceito do videoclipe, como os seus irmãos, detinham educação religiosa para
codificarem intencionalmente esta significação ao longo do videoclipe de “Can You Feel It?”. Voltando a
declarações do próprio Michael Jackson, em entrevista compilada no já citado vídeo “Michael Jackson fala
que acredita em Jeová”, acedido na plataforma “Youtube”, Michael afirma: “Tenho muito orgulho de termos
feito isto porque aqueles valores foram muito importantes e não sei se teria feito tudo tão bem sem eles”.
Com esta última frase, Michael afirma que toda a sua educação religiosa teve grande influência no seu
processo de criação musical ao longo da sua carreira.
O aparecimento dos Jackson 5
A ação continua com os Jackson 5 a surgirem pela primeira vez no videoclip. O seu aparecimento provem
da água e do fogo. Na própria Bíblia Sagrada existem dezenas de referências ao fogo, sendo que uma das
mais marcantes referências trata-se da sua associação à presença Divina. Assim sendo, os Jackson 5 surgem
fruto duma intervenção extraterrena, em analogia com a missão das Testemunhas de Jeová, como
mensageiros e ao serviço de Deus na Terra. A origem divina dos Jackson 5 é reforçada através do plano de
imagem apresentado. Segundo o nosso entrevistado Francisco Vidinha, para a “parte visual” de uma história
contribuem “muitas coisas que não são imediatamente visíveis ou perceptíveis, ou seja, a colocação das
luzes, a cor dessas luzes, a cor do ambiente, a cor do guarda-roupa, cenário, maquilhagem, planos. Tudo
isso faz parte da compreensão e da codificação dessa história”. A utilização destes recursos semióticos é
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evidente nesta passagem do videoclip. A opção por um plano contrapicado transmite a sensação de queda do
cosmos, que a família Jackson provém de uma entidade superior e divina.
Relação Fogo e Água
Voltando ao símbolo fogo, este não surge isoladamente e é necessário atender ao contexto textual e à
contaminação dos signos que o rodeiam, ou seja, a água. A água e o fogo são ambos símbolos de purificação
e regeneração. Este “novo nascimento” só é possível através do fogo e da água baptismal. O baptismo
consiste na imersão e emersão. Com a imersão, o ser morre e com ele todos os pecados de uma vida passada,
voltando à origem aquosa do útero materno. Com a emersão, o ser renasce limpo e purificado, preparado e
sintonizado com uma vida espiritual nova. Esta “imersão” dos Jackson 5 no “útero materno”, visto também
eles, antes da sua elevação espiritual, serem originários do mundo terreno, é simbolicamente representado
pela espécie de sucção da água que aparece momentaneamente nesta passagem. Com isto, entenda-se que a
elevação espiritual está ao alcance de qualquer ser humano. A “emersão” dos Jackson 5 será desenvolvida
mais à frente na nossa análise. Apesar de tanto a água como o fogo serem símbolos de regeneração, existe
uma forte oposição simbólica entre ambos, pelas características intrínsecas de cada um. Esta oposição é uma
das muitas que surgem ao longo do videoclipe, como a oposição entre deserto e água já abordada. Estes
opostos são apresentados como complementares e produtores de algo. Neste exemplo concreto, é da união e
junção do fogo e da água que os Jacksons 5 surgem. Mais à frente na nossa análise aprofundaremos esta
simbiose de opostos mas, para já, temos obrigatoriamente de destacar a importância do contexto
sociocultural da época de emissão e recepção da mensagem já apresentado.
O caminhar sobre as águas
O videoclipe prossegue com os Jackson 5 a aterrarem na superfície e a correrem sobre a água. Esta ação e
uma relação com o milagre de Jesus caminhando sobre as águas, relatado no Evangelho de Mateus, é
imediata. O facto dos Jackson 5 caminharem sobre a água é assim um novo símbolo do caráter místico e
divino dos mesmos, com poderes superiores aos da generalidade dos humanos. Para além desta
interpretação, também podemos concluir, com base no contexto textual em que a cena surge, ou seja, depois
do aparecimento dos Jackson analisado no capítulo anterior, que é a sua leveza espiritual que lhes permite
caminhar sobre as “águas dadas por Jeová à Terra”. Esta divinização da família Jackson, como mensageiros
de Deus, é uma constante ao longo videoclipe. A transparência dos seus corpos transmite essa
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espiritualidade metafísica enquanto a sua cor alaranjada está associada a inúmeros significados, que
analisaremos no capítulo seguinte.
As cores predominantes: azul e laranja
Com sensivelmente um minuto e trinta segundos do videoclipe já esmiuçados, duas cores surgem
predominante ao longo do mesmo: o azul e o laranja. Esta predominância cromática irá permanecer até ao
fim do vídeo. Para Harald Kuppers, na obra ““Fundamentos de la teoria de los colores”, “hay artistas que
utilizan el color de forma puramente intuitiva. Se limitan a dar rienda suelta a sus sentimentos, y de esta
manera toman com enorme seguridade la decisión apropriada”. Contudo, esta abordagem está longe de ser
a mais apropriada “para el configurador de colores, pues su misión consiste más bien en encontrar
soluciones según critérios objetivos. La selección puramente emocional del color debe terminar com
máximo allí donde acaba el arte no utilitário”. Assim sendo, consideramos que seria um desperdício
enorme de recursos semióticos a composição cromática do videoclipe ser assente em gostos pessoais dos
artistas e realizador, sem função comunicativa objetiva. Voltando a citar a entrevista que realizamos a
Francisco Vidinha, “sabe-se que, psicologicamente, as pessoas reagem a certas cores de uma maneira mais
pacífica e a outras cores de uma maneira mais agressiva ou energética. E, portanto, poder-se-á utilizar uma
série de cores no ambiente para transmitir essas sensações”. Assim, é necessário consultar estudos
psicológicos a respeito das cores para descodificar esta paleta cromática. O laranja é uma cor quente, que
transmite alegria, vitalidade, prosperidade, sucesso, criatividade e energia, para além de, sobretudo, ser uma
cor libertadora das emoções negativas, que nos faz sentir mais compreensivos com os defeitos dos outros,
que contribui para a vontade de perdoar, renova a fé na vida e desperta a mente, auxiliando-a no processo de
assimilação de novas ideias. Estas sensações e significados associados à cor laranja são espelho da postura
energética dos Jackson 5 ao longo do vídeo. A própria cor laranja entra assim, graças ao seu significado
psicológico e sensações cromáticas já mencionadas, no apelo dos Jackson 5 na sua mensagem de
compreensão e aceitação de todos os povos, de todas as raças e cores, e de assimilação dos ideais que
poderão conduzir à salvação e formação de um “novo mundo”. Contudo, não devemos entrar no erro de
analisar isoladamente este signo não-verbal. O laranja surge ao longo do videoclipe associado e em
simultâneo com a cor azul. O azul é a cor da purificação, a única com grande poder de desintegrar energias
negativas. Estimula a introversão, a busca da verdade interior e é sedativa. O azul representa ainda a noite, o
céu e o cosmos. Quando combinada com a cor laranja, obtemos uma oposição que gera complementaridade
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“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
cromática. O laranja e o azul são cores opostas no espectro cromático, que não intervém na formação uma da
outra, que se harmonizam, segundo Modesto Farino, no livro “Psicodinâmica das Cores”. Esta é mais uma
das várias oposições simbólicas que surgem ao longo do vídeo que já mencionamos anteriormente. É
importante entender esta complementaridade dos opostos como símbolo da mensagem de união racial e de
todos os povos a que apelam os Jackson 5 ao longo da música ”Can You Feel It?”. Ou seja, para além do
azul, “the hue in the sky seen as spiritual”, e o amarelo-laranja, “in the sky seen as good luck/vision”,
segundo diapositivos da Argosy University, exibidos durante a aula de Semiótica de Comunicação do dia 15
de novembro, contribuírem para a criação de um ambiente místico e cósmico no videoclipe, a própria
combinação destas cores opostas mas complementares é representativa do potencial criador e produtor da
união dos diferentes povos. Daí ler-se na letra da música que “all the colors of the world should be lovin'
each other wholeheartedly”.
A lua como embrião
Enquanto os Jackson correm sobre as águas, um outro signo de grande importância surge igualmente na tela.
Do lado direito do ecrã, é possível avistar, aparentemente, a lua. Para além da lua ser símbolo da figura
feminina, responsável inclusive pelos períodos de fertilidade da mulher, analisando-a mais cuidadosamente,
reparamos que a lua, na realidade, assume a forma de um embrião, mais uma referência a este processo de
“novo nascimento” da Humanidade que, por enquanto, ainda está na fase embrionária, dentro do “útero
materno” que é a Terra, que referimos a quando da descida dos Jackson para a sua missão evangelizadora.
De destacar também a posição da lua na imagem. Esta surge do lado direito, no lado fisiologicamente mais
facilmente perceptível pela mente humana. Assim sendo, a colocação desta lua neste local estratégico
prende-se com a intenção do realizador e de Michael, o responsável pelo conceito do videoclipe, que o
espetador repare nesta e consiga descodificar a sua carga icónico-simbólica.
Michael Jackson, uma superestrela em ascensão
Após a descida ao mundo terreno dos Jackson, Michael rodopia sobre a água e faz uso dos seus poderes para
começar a difundir a sua mensagem pelo mundo, através da junção das suas mãos, abrindo-as de seguida e
lançando um feixe de luz que rasga o céu. Quando Michael une as mãos, um grande plano permite uma forte
aproximação da ação e mostra o fogo e a água que, quando combinados, permitem a difusão da luz de
Michael. Estes dois elementos surgem como complementares e produtores. Mais uma vez, sinal que os
opostos devem fundir-se e trabalhar juntos. Foquemo-nos agora nos Jackson 5. No início dos anos 80, data
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“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
da realização desta música e videoclipe, o mundo preparava-se para testemunhar o nascimento duma
superestrela: Michael Jackson. O mais talentoso e célebre de todos os irmãos da família Jackson começava a
descolar para a ribalta. Ainda que a música “Can You Feel It?” tenha sido fruto de um trabalho de equipa,
foi Michael que liderou o processo criativo da mesma, para além de, durante a ação, ser Michael que assume
os momentos de maior protagonismo, afirmando-se não só como o líder da banda mas, também, como o
líder deste processo de unificação e purificação do mundo e transmissão da mensagem evangelizadora.
Michael surge mais próximo da câmara que os seus irmãos e no centro de gravidade da imagem. É também
ele que utiliza os seus poderes para iniciar a difusão da mensagem, captando para si as atenções, através do
apontar de dedos dos seus irmãos para si e do “zoom in” da câmara no seu feito. Segundo o já citado artigo
“Semiotics of Music Videos: It Must Be Written in the Stars”, de Heidi Peeters, “from the wide range of
short films to visualize a song or a piece of music, only those that actually were meant to create a star image
for the musical performer, would remain within the scope of the medium”. Assim sendo, tendo em atenção
as billboards e charts de “Can You Feel It?” e as suas constantes reedições e covers até ao presente,
exploradas no nosso estudo do contexto, podemos afirmar que este tema foi bastante importante na criação e
projecção da estrela que se tornaria Michael Jackson. Voltando a citar Heidi Peeters a propósito da projeção
da superestrela no mundo musical, stars seem to have always been around in one way or another during
western history. Ancient Greece had its Olympus, the Middle Ages their saints and later kings were
introduced as loci of divinity. The star system that developed in the twentieth century would not be very
different. Film and pop stars were taken to be typical of the average citizen and at the same time superior
and special, raised above the masses”.
A concepção da estatueta dourada
Após Michael Jackson a conceber um feixe de luz que rasga a noite, o espaço em que decorre a ação muda
radicalmente. Aparece um caminho quadriculado que leva ao horizonte, que acaba por ser rodeado, como
que abraçado, pela água. Do horizonte, surge um ponto luminoso e uma estátua nua, aparentemente de ouro,
em posição fetal. Apesar desta sequência de encriptação de grande complexidade, convém citar Francisco
Vidinha que afirma que “videoclipes destes, com certeza que logo à partida têm o conceito muito discutido,
principalmente nessa época, em que todos esses efeitos eram muitíssimo complicados, muitíssimo caros e
demoravam muito tempo para se conseguirem. Tinha que ser um conceito muito pensado à priori, em préprodução, porque as coisas são filmadas para se encaixarem num determinado efeito. Portanto, não há
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“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
nada deixado ao acaso”. Frisada esta contextualização que consideramos importante, iniciamos a nossa
interpretação desta sequência com o caminho quadriculado que associamos, por semelhança, ao pavimento
de mosaico axadrezado, frequentemente presente nos trabalhos musicais de Michael Jackson, como na capa
de “Blood On The Dance Floor”. Este chão simboliza os opostos, o ying e o yang, e, segundo Fábio
Gardenal Inácio, é o “símbolo da diversidade do globo e das raças”. A rodear este caminho, temos a água,
símbolo maternal como já mencionado, que abraça todos os povos do planeta, une-os, e dá à luz uma
Humanidade perfeita, materializada na estatueta dourada em posição fetal. O ouro, muito louvado na
mitologia Egípcia, é o único metal não corrosivo com a passagem do tempo, sendo símbolo portanto da
elevação espiritual, divindade e imortalidade. Pontos de luzes englobam a estatueta e assimilam-na, dando a
entender que a luz que os Jackson 5 espalham, tal como veremos no próximo capítulo, é a oferenda da
imortalidade através da elevação espiritual e início do “novo mundo”.
Início da Evangelização
Prosseguindo no videoclipe, os Jackson5 aparecem em ponto grande a espalharem pontos de luz por uma
cidade. A luz é o símbolo universal da espiritualidade, conhecimento, iluminação e divindade. Atendendo
aos contextos textuais e hipertextuais deste videoclipe, interpretamos estes feixes luminosos como a difusão
da mensagem divina da família Jackson, na crença que a sua doutrina religiosa será capaz de unificar e
regenerar a Humanidade, oferecendo-lhe a hipótese de salvação através da elevação espiritual e da
concessão da imortalidade, como analisamos no capítulo anterior. Assim, podemos interpretar também este
espalhar da mensagem pela cidade representativo da pregação porta a porta que os Jackson 5 faziam
enquanto crianças, para difundir os seus ideais religiosos. Os Jacksons continuam assim a levar as suas
crenças a casa de todas as pessoas, através da sua música. O facto dos irmãos Jackson se encontrarem
maiores que os próprios prédios da cidade leva-nos mais uma vez a destacar a sua divinização ao longo do
videoclipe, surgindo num estatuto superior aos dos seres humanos.
“Can You Feel It?”
Ao longo de toda a música, e com principal incidência quando os Jackson 5 distribuem a luz da mensagem,
ouvimos continuamente a questão “Can You Feel It? Can You Feel It?”. Esta é a principal parte da letra da
música que fica retida na memória após concluída a audição do tema. Nesta parte do videoclipe, esta
repetição é interpretada pelos Jackson 5 a questionarem as pessoas, a quem estão a enviar o chamamento
divino, se o estão a sentir, se o estão a receber e se estão a converter-se a ele. O nosso entrevistado,
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“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
Francisco Vidinha, vai mais longe e assume mesmo que, num tema destes, com um refrão construído há
volta desta pergunta, “há claramente uma mensagem que querem transmitir e não é propriamente pela letra.
A mensagem aqui tem que ser completamente reforçada pela imagem. É evidente que a música vai ter uma
informação, quase que subliminar, tão forte ou tão subtil quanto algumas sequências de imagens”.
O Cosmos
Nesta fase do videoclip surge o espaço sideral ou cosmos. O “kosmos”, do grego antigo, significa ordem,
organização, beleza, harmonia. Segundo o cientista Carl Sagan, o cosmos é "tudo o que já foi, tudo o que é e
tudo o que será". Este espaço paralelo, que surge pela segunda vez no vídeo, retrata toda a cosmogonia
presente neste videoclipe. A cosmogonia fala da história hipotética da formação do mundo ou do universo,
seja no campo científico, religioso ou mitológico. Nesta altura do vídeo fica a sensação daquilo que o olhar
humano alcança e, mais longe ainda, o que a mente humana alcança. A “nova humanidade”, simbolizada
pela figura dourada que já analisamos previamente, surge a planar, a fazer uma viagem para a frente no
espaço, como sinal de liberdade e busca do conhecimento. De seguida, a figura dourada é envolvida numa
explosão de fogo e água, multiplicando-se em várias. Mais uma vez, assistimos a uma das inúmeras
oposições simbólicas - o fogo e a água - que surgem ao longo do videoclipe, e que visam retratar os opostos
como complementares e produtores, visando atingir os conflitos sociais/raciais da época e apelando à união.
Outra oposição que podemos encontrar nesta passagem é o contraste entre a vida e a morte, através da letra
da música: “every breath you take, is someone's death in another place, every healthy smile, is hunger and
strife to another child”. As figuras douradas surgem de seguida formando um círculo, em rotação no sentido
contrário aos ponteiros do relógio, ou seja, em “sentido positivo”, simbolizando o contínuo ciclo da vida. Ao
mesmo tempo, os Jackson 5 cantam “but the stars do shine, in promising salvation, is near this time”, Na
imagem também é perceptível, ao longe, dois arco-íris ligados entre si, igualmente em forma circular. Mais à
frente na nossa análise exploraremos a significação deste símbolo. Também nesta cena cósmica, é de
salientar o fogo verde que surge por debaixo de toda esta ação já descrita. Este fogo causou-nos,
inicialmente, grande intriga, por romper com a paleta cromática de todo o videoclipe. Após alguma
pesquisa, e tendo em atenção a contaminação sígnica dos restantes símbolos presentes, concluímos que o
fogo verde é símbolo de esperança, de renascimento - de acordo com diapositivos da Argosy University,
exibidos na aula de Semiótica da Comunicação do dia 15 de novembro - mas também da verdade e protector
de todos aqueles que buscam a verdade e a coloca em prática, ou seja, os Jacksons. O surgimento, de
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“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
seguida, de uma bola de fogo, agora com a face de uma mulher, significa o fim do ciclo de vida tal como
conhecemos, ou seja, tudo começa (água) e tudo tem um fim (fogo). Voltamos também a encontrar uma
nova oposição, entre o Sol e a Lua, representada pelo rosto feminino. Roland Barthes, no seu livro
“Mitologias”, destaca ainda a importância do uso do rosto humano no cinema, dando o exemplo de Greta
Garbo: “Garbo pertence ainda a essa fase do cinema em que a percepção do rosto humano lançava a maior
perturbação no meio das multidões, em que as pessoas se sentiam literalmente perdidas numa imagem.
Alguns anos antes, o rosto de Valentino provoca suicídios; o de Garbo participa ainda no mesmo reinado
do amor cortês, em que a carne gera sentimentos místicos de perdição”. O realizador recorre, portanto, ao
rosto humano também para focar as atenções dos seus espetadores.
O Processo de Evangelização
O videoclipe prossegue com os Jacksons a distribuírem luz, à semelhança do já ocorrido e analisado
previamente. A primeira criança que é iluminada por esta luz reage com espanto. Já dizia Fernando Pessoa,
“primeiro estranha-se, depois entranha-se”, exactamente o que acontece com a segunda criança que abraça
o conhecimento que recebe, transmitindo um sentimento muito positivo. A terceira pessoa iluminada por
esta luz eleva as mãos ao céu, como que em agradecimento. Durante todo o processo, os Jacksons assistem
felizes. É importante salientar que a iluminação destas três pessoas em particular retrata todo o processo de
evangelização da religião Jeová, desde o “chamamento” de cada pessoa para a religião até à aceitação
individual de cada um. De destacar também é a questão racial. As três pessoas que surgem são duas crianças
de cor e um homem asiático, e representam a união de todos os povos, de todas as cores e raças, na formação
deste novo mundo, através da religião. O videoclipe prossegue com a tentativa dos Jacksons de transmitirem
a iluminação ao resto das pessoas, no entanto, estas não recebem a luz e limitam-se a apontar o dedo com
uma expressão de espanto pela dimensão dos Jackson. Esta sequência de imagens tem uma carga simbólica
muito forte. O “apontar o dedo” surge como símbolo da rejeição e perseguição que as Testemunhas de Jeová
foram vítimas ao longo da história, todos os dedos apontados e portas fechadas que os Jackson sentiram
quando pregavam porta-a-porta. Esta multidão constitui as pessoas que não receberam a mensagem e mais
tarde, a quando do juízo final, não se salvarão do Apocalipse.
O Arco-Íris
Entretanto os Jackson 5 constroem uma ponte de onde mais tarde se forma um arco-íris. O arco-íris é um dos
símbolos predilectos e mais usados por Michael Jackson ao longo da sua carreira. Na Bíblia, aparece
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“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
relatado como uma aliança entre Deus e os Homens. Citando uma passagem do Livro dos Génesis do Antigo
Testamento, “este é o sinal da aliança que faço convosco, com todos os seres vivos que vos rodeiam e com
as demais gerações futuras: coloquei o Meu arco nas nuvens para que seja o sinal da aliança entre Mim e a
Terra”. Muitos povos viam também o arco-íris como uma manifestação da bondade divina. Assim sendo é
uma graça de Deus para as pessoas que se converteram e deixaram guiar por esta luz, fazendo assim a
ligação entre o mundo divino/espiritual e a própria Terra. O arco-íris é elevado ao céu por Michael Jackson,
permitindo a passagem das pessoas que se redimiram e mostraram vontade iluminadas ao céu, em busca da
salvação e do novo início. Enquanto tal acontece, na imagem surgem duas crianças, uma de cor e outra
caucasiana, lado a lado, simbolizando esta união racial a que o vídeo continuamente apela. Neste processo
de elevação espiritual, e por uma última vez no videoclipe, Michael voltar a assumir o protagonismo, sinal
da sua liderança na banda e preparação para o estatuto de superestrela que viria a adquirir com os seus êxitos
nos anos seguintes.
Música como linguagem universal
Após o solo de guitarra de Tito Jackson, os Jacksons materializam-se num ponto luminoso e dão por
concluída a sua presença e missão. O solo de Tito a ditar o fim da missão evangelizadora dos Jackson
reforça a importância da música na difusão de mensagens para a banda, visto que, segundo Kofi Agawu, em
“The Challenge of Semiotics”, “music, like language and possibly religion, is a species-specific trait of
man. All know human societies make music (and this includes societies in whose languages the word
“music” does not exist). Music is thus ‘necessary to us’.” É através da música que os Jackson espalham
agora as suas crenças num mundo melhor, unido através da sua religião.
A “Terra Prometida” e o Fim do Mundo
Momentos antes de surgir Tito na imagem, um efeito aquoso aparece, que já analisamos anteriormente a
quando do aparecimento dos Jackson no videoclipe, e marca agora a “emersão” da banda do “útero materno
terrestre”, fazendo-se acompanhar das pessoas que receberam e seguiram a sua mensagem, obtendo assim a
salvação e alcançando a Terra Prometida, para lá do deserto. Um novo mundo e uma nova humanidade
nasce, onde, segundo o capítulo 21, versículo 4 do livro de Revelação/Apocalipse “não haverá mais morte,
nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas”. Este nascimento e emersão
do “útero terrestre” é igualmente simbolizado pelo choro de um bebé recém-nascido que se faz ouvir e pelo
nascer do Sol. Este cenário contrasta com o do “mundo velho” onde ocorre um eclipse solar. Os antigos
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“Análise Semiótica do videoclipe “Jackson 5 - Can You Feel It?”
Semiótica da Comunicação
costumavam ter uma visão pessimista dos eclipses porque eles representam momentos em que o nosso
planeta não tem ao seu lado a presença do Sol, figura paterna, e da Lua, figura materna, e fica órfão e
desprotegido. Perante esta imagem, vemos as pessoas que ao início rejeitaram a mensagem dos Jackson,
com os braços no ar, esperando serem agora salvas e, ao tomarem consciência que isso não acontecerá,
sentem-se desamparadas. O eclipse solar chama assim a atenção para a necessidade de uma reflexão
profunda acerca dos verdadeiros propósitos que norteiam a vida, como se perguntasse onde pretendemos
chegar e qual a foi a importância do nosso “estágio” aqui na Terra. Os Jackson 5 transmitem a salvação ao
“fim do sistema de coisas” a quem se converteu, tal como capítulo 5, versículo 2 e 5 de 1 Tessalonicenses
diz que quem recebeu a mensagem de Deus não estará na escuridão, “porque são filhos da luz e do dia, não
da escuridão”. Por fim, destacamos o signo que é a própria composição musical, com a batida energética
que acompanhou toda a música a transformar-se numa mais pesada, com tons mais graves e em diminuendo,
transmitindo essa sensação de obscuridade. O livro “O que a Bíblia realmente ensina?”, destaca o som do
vento, também presente nesta cena, como símbolo do vazio, do fim, de algo que deixou de fazer sentido.
Conclusão
A união de todos os povos e raças num mundo “limpo”, onde não há espaço para o mal, para a dor e para a
infelicidade, é o desejo de Deus e aquilo que os Jackson 5, como verdadeiros mensageiros, transmitem
através da sua música, o seu dom, tendo como base todas as suas crenças religiosas.
Depois de uma análise semiótica detalhada do videoclipe “Can You Feel It?” concluímos que, efetivamente,
o uso de signos verbais e não-verbais, tendo sempre em conta os contextos de emissão e recepção do nosso
público-alvo, condicionam a perceção da mensagem que se procura transmitir. Assim, inferimos que, neste
caso, o facto do vídeo se apresentar inovador, a semiótica assume um papel de relevo nesta vanguarda, por
assentar no estudo de signos como formas de transmissão de mensagens mais eficazes. Citando Jorge
Marinho no artigo “Lucrar com a aplicação da Semiótica”, “a semiótica pode servir para apurar a
capacidade de análise da sociedade, vista como um texto, na medida que nos torna mais perspicazes a
observar aquilo que nos rodeia”. Consideramos que este trabalho teve esse mesmo efeito em nós, alertandonos ainda que as análises semióticas. de maneira mais ativa e criativa, conduzem ao uso semiótico à priori,
ao invés do estudo à posteriori, como foi em tempos com a explicação de certos fenómenos comunicacionais
pré-definidos e inalteráveis.
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