Displasia cemento ósseo periapical e o diagnóstico diferencial com

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Displasia cemento ósseo periapical e o diagnóstico diferencial com
Full Dent. Sci. 2014; 6(21):138-141.
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Displasia cemento ósseo periapical e o diagnóstico diferencial com lesões
de origem endodôntica – relato de caso
Periapical cemento osseous dysplasia and differential diagnosis with lesions of
endodontic origin – case report
Simone Verçosa Simões Amaral1
Marília Fagury Videira Marceliano-Alves2
Rosana Belchior Miranda3
Beatriz Coutinho da Silveira4
Resumo
A Displasia Cementária Periapical é um tumor odontogênico de origem mesenquimal,
derivado do ligamento periodontal. Por não apresentar sinais e sintomas, normalmente é
descoberto em exames radiográficos de rotina. O aspecto radiográfico é semelhante a lesões
periapicais de origem endodôntica, o que pode confundir o clínico no momento do diagnóstico e levá-lo a um tratamento desnecessário. O objetivo deste trabalho foi relatar um caso
clínico de Displasia Cementária Periapical, apresentar as características, bem como ressaltar a
importância do correto diagnóstico diferencial.
Descritores: Tumores odontogênicos, ligamento periodontal, cisto radicular, granuloma
periapical.
Abstract
Periapical Cemento Dysplasia is an odontogenic tumor of mesenchymal origin, derived
from the periodontal ligament. Because it doesn’t show signs and symptoms, it is usually discovered on routine radiographic examination. The radiographic appearance is similar to periapical lesions of endodontic origin, which can confuse the clinician at the time of diagnosis
and lead to an unnecessary treatment. The aim of this study was to report a case of Periapical
Cemento Dysplasia, and present its characteristics as well as underscoring the importance of
the proper diagnosis.
Descriptors: Odontogenic tumors, periodontal ligament, radicular cyst, periapical granuloma.
Esp. em Endodontia – OASD/RJ, Capitão-dentista - CBMERJ.
Pós-Doutoranda – Universidade Estácio de Sá, Profª. do Curso de Especialização em Endodontia– OASD/RJ, 1ª Tenente Dentista – OASD/RJ.
3
Doutoranda em Endodontia – UERJ, Profª. do Curso de Especialização em Endodontia – OASD/RJ, Major Dentista – OASD/RJ.
4
Ma. em Endodontia – UFRJ, Profª. do Curso de Especialização em Endodontia – OASD/RJ, Tenente Cel. Dentista – OASD/RJ.
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2
E-mail do autor: [email protected]
Recebido para publicação: 30/10/2013
Aprovado para publicação: 08/05/2014
Como citar este artigo:
Amaral SVS, Marceliano-Alves MFV, Miranda RB, Silveira BC. Displasia cemento ósseo periapical e o diagnóstico diferencial com lesões de origem
endodôntica – relato de caso. Full Dent. Sci. 2014; 6(21):138-141.
Relato de caso / Case report
Full Dent. Sci. 2014; 6(21):138-141.
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Introdução
A displasia cementária periapical (DCP) é uma lesão fibro-óssea benigna, assintomática que representa
10% das lesões fibrosas que acometem os maxilares.
Esta patologia é originada de células mesenquimais derivadas da membrana periodontal, normalmente envolve os dentes anteriores e inferiores na região periapical
e acomete, principalmente, mulheres melanodermas
(70%) entre 30 e 50 anos5,7,10.
Dagistan et al.4 (2007) relataram que essas lesões
apresentam etiologia desconhecida, embora tenha
sido sugerido que podem ser resultado de trauma crônico leve ou oclusão traumática. Segundo Heuberger
et al.6 (2010), a DCP apresenta características clínicas,
histopatológicas e radiográficas de lesões benignas.
Radiograficamente, estas lesões guardam correlação
com o grau de maturação da lesão e são divididas em
três estágios (Tabela 1).
Nas lesões de DCP o córtex ósseo não é expandi-
do e o crescimento progressivo é raro, normalmente as
lesões são descobertas no exame radiográfico de rotina, exceto quando se localizam próximas ao forame
mentoniano, quando podem causar desconforto, dor e
parestesia pela compressão do nervo13.
Essa patologia em muito se assemelha às de origem endodôntica (cistos e granulomas), por isso, é de
suma importância o teste de sensibilidade pulpar. Na
DCP a polpa dentária não está envolvida e encontra-se vital, não sendo necessária nenhuma intervenção
endodôntica e o tratamento consiste em proservação
periódica, já que a lesão tem tendência a se estabilizar2.
O presente estudo teve por objetivo apresentar
um caso de DCP em paciente atendida na Clínica de
Endodontia da Odontoclínica de Aeronáutica Santos
Dumont (OASD), no qual se valeu dos recursos semiotécnicos para o correto diagnóstico e tratamento.
Tabela 1 – Classificação, características clínicas e diagnóstico diferencial da DCP.
Estágio
Classificação
Características
Diagnóstico diferencial
I
Primário ou fibroso
Radiolúcido com pequenos focos de
calcificação
Granuloma periapical, cisto radicular,
osteíte rarefaciente periapical
II
Fase mista
Focos radiolúcidos e outros radiopacos
internos
Área cicatricial
III
Maturado
Opacificações da lesão resultando em massa
homogênea bem definida com halo radiopaco
Osteíte condensante, odontoma
complexo, cementoblastoma
A paciente C.C.C., 42 anos, do sexo feminino,
melanoderma, compareceu à seção de Endodontia da
OASD, encaminhada pela especialidade de Ortodontia,
para tratamento endodôntico dos dentes 32 ao 42,
pois estes apresentavam lesões periapicais. No exame clínico inicial, foi realizado o teste de sensibilidade
com gás refrigerante (ENDO ICE MAQUIRA®- PR/ Brasil)
dos dentes 33, 32, 31, 41, 42 e 43, que apresentaram
indícios de vitalidade pulpar. Ao exame radiográfico,
foram observadas imagens compatíveis com lesões
periapicais, mas que não tinham relação com infecção
endodôntica, uma vez que os dentes estavam hígidos
e a paciente não relatou histórico de trauma (Figura 1).
Como método adicional de diagnóstico por imagem, foi realizada, na OASD, a Tomografia Computadorizada Cone Beam (TCCB) para visualização da extensão da lesão, bem como do aspecto tridimensional
desta. O exame demonstrou que a patologia estava
restrita ao periápice dos dentes 42 ao 31. Nos elementos 42 e 41 a lesão apresentava-se em sua forma inicial
(totalmente radiolúcida) e media cerca de 0,5 cm e 0,3
de diâmetro, respectivamente, e no 31 mostrava-se
maturada (área radiopaca circulada por área radiolúcida) e media 0,7cm de diâmetro (Figura 2).
Para confirmação do diagnóstico de DCP e para
deixar a paciente mais tranquila, foi realizada acesso à lesão óssea, biópsia e exame histopatológico na
região periapical do dente 31 no Hospital Central da
Aeronáutica – Rio de Janeiro, o que confirmou a suspeita inicial de displasia cementária periapical. Mediante a confirmação do diagnóstico de DCP e por conhecer que esta alteração da normalidade não exige
intervenção, o tratamento consistiu na proservação
do caso, além da indicação do acompanhamento radiográfico semestral da lesão. Assim, seis meses após
o atendimento inicial a paciente retornou para proservação, sendo observada a manutenção das lesões de
DCP, porém os dentes envolvidos continuaram apresentando resposta positiva ao teste de sensibilidade
(Figura 3).
Amaral SVS, Marceliano-Alves MFV, Miranda RB, Silveira BC.
Relato de caso
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Figura 2 – Imagem TCCB dos dentes 32 ao 42, demonstrando
imagens sugestivas de DCP.
Figura 1 – Radiografia periapical dos dentes 32 ao 42, demonstrando imagens sugestivas de lesão perirradicular associada ao
ápice dos dentes.
Relato de caso / Case report
Figura 3 – Radiografia periapical dos dentes 32 ao 42 seis meses
do início do tratamento inicial demonstrando imagens de DCP.
Discussão
As lesões de DCP são normalmente assintomáticas, descobertas em exames radiográficos de rotina, e
o diagnóstico diferencial depende da fase de desenvolvimento da lesão3,4,8,9.
No caso clínico relatado, as características comuns
à DCP, como raça, idade, sexo, localização, aspecto
radiográfico e presença de vitalidade pulpar dos den-
tes envolvidos estão em consonância com a literatura4,6,7,9,10. Ainda assim, Sallum et al11. (1996) relataram
caso de DCP em uma mulher de cor branca.
O caso apresentado demonstrou a presença de lesões na mandíbula compatíveis com características de
DCP. A paciente era melanoderma, 42 anos, encaixando-se no perfil epidemiológico apresentado por Sallum
et al.11 (1996) que, realizando revisão de 350 casos de
pacientes afetados com DCP, demonstrou que esta esteve presente em pacientes com idade entre 14 e 82
anos, sendo notada maior incidência nos pacientes
de meia idade. Em 339 casos, cento e noventa e duas
melanodermas (69,1%) foram afetadas, sendo que
68,15% estavam localizadas na região mandibular.
As características comuns da DCP podem auxiliar
no diagnóstico, não necessitando, na maioria dos casos, de biópsia para confirmação9. No presente caso,
foi realizado o acesso cirútciso, biópsia para a tranquilização da paciente, pois mesmo com o extenso esclarecimento de que se tratava de uma alteração da
normalidade, essa somente se convenceu quando foi
confirmado, após o exame histopatológico, que não se
tratava de uma lesão maligna, e sim de um caso de
displasia cementária periapical.
Radiograficamente, a DCP poder apresentar-se
com aspecto radiolúcido (dependendo do grau de maturação) e por localizar-se no periápice dos dentes, é
comum a realização de tratamento endodôntico ou
exodontia de um ou mais dentes envolvidos devido a
erros de diagnóstico1,4,5,6,7,10,12. Assim, se faz de extrema
importância o conhecimento do profissional da existência dessa patologia, bem como a correta conduta
clínica para, desta forma, evitar tratamentos desnecessários que podem trazer consequências negativas ao
paciente.
Conclusão
Para o correto diagnóstico da DCP, faz-se necessário o conhecimento desta e de outras patologias de características semelhantes, assim como a realização de
um bom exame clínico e radiográfico. Assim, decisões
errôneas e tratamentos desnecessários serão seguramente evitados visto que, na displasia cementária periapical, a intervenção endodôntica não é a indicação e
sim apenas o acompanhamento radiográfico periódico.
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Amaral SVS, Marceliano-Alves MFV, Miranda RB, Silveira BC.
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