Paquistão

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Paquistão
PAQUiSTÃO
PAQUiSTÃO
CONFISSÕES
RELIGIOSAS
Muçulmanos96,2%
Cristãos2,2%
Outros1,6%
Cristãos
3.906.250
Católicos
1.098.000
Circunscrições
eclesiásticas
7
SUPERFÍCIE
796.095km2
POPULAÇÃO
184.753.000
REFUGIADOS
1.740.711
DESALOJADOS
1.230.000
306
A República Islâmica do Paquistão declara que é oficialmente um país
secular. A Constituição aprovada depois da partição da Índia e várias
leis recentes nacionais reiteram a igualdade dos cidadãos aos olhos
da Lei “sem distinção com base na raça ou no credo”. Com a excepção da Liga Muçulmana, de Mawaz Sharif, todos os partidos políticos proclamam a importância da imparcialidade religiosa. O Partido
Popular, conduzido por Asif Ali Zardari, o viúvo de Benazir Bhutto, e
o presidente actual do país, pediu frequentemente aos cidadãos
“tolerância religiosa” e “respeito” como tem feito a Liga Muçulmana
“Q”, dirigida pelo anterior presidente, general Parvez Musharraf. Mas
como provam os relatos de notícias e algumas leis discriminatórias,
trata-se simplesmente de uma fachada. A lei contra a blasfémia e as
Ordenações Hudood, dois instrumentos judiciais terríveis em vigor
no país há décadas, causaram e continuam a causar vítimas entre os
não muçulmanos e a minoria Ahmadi, por entre a simples indiferença
do Governo. A lei sobre a blasfémia é o pior instrumento de repressão religiosa existente no Paquistão; foi introduzida em 1986 pelo
ditador paquistanês Zia-ul-Haq para defender o Islão e o seu Profeta
Maomé de ofensas e insultos, e tornou-se agora um instrumento de
discriminação e de violência. Esta disposição está definida na Secção
295, Parágrafos B e C, do Código Penal paquistanês, e castiga com prisão perpétua todos aqueles que ofenderem o Corão. Também prevê
a pena de morte para aqueles que insultarem o Profeta Maomé. As
acusações contra os alegados blasfemos são frequentemente falsas
ou motivadas por interesses insignificantes que resultam em escândalos e incentivam multidões enfurecidas a infligir justiça por si próprios. Mesmo se um indivíduo for preso tendo por base as acusações
de uma só testemunha, o infeliz arrisca-se a ser alvo de violência e
de tortura infligidas pela polícia. Sob a pressão de multidões incitadas pelos mullahs locais, vários juízes impuseram a pena de morte
mesmo na ausência de qualquer evidência contra o acusado. Juntamente com as Ordenações Hudood, as regras rígidas do Direito Penal
que, baseadas no Corão, castigam até mesmo com açoitamentos e
apedrejamentos todo o comportamento que é incompatível com a
Lei Islâmica, como o adultério, o jogo ou a ingestão de álcool, esta lei
sobre a blasfémia constitui um exemplo de uma das formas de legislação mais sectárias e extremistas, além de preparar o caminho para
uma islamização radical do país.
De acordo com dados fornecidos pela Comissão Nacional da Igreja
Católica para a Justiça e a Paz (CNJP), entre 1986 e 2010, pelo menos
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993 pessoas foram acusadas de ter profanado o Alcorão ou de caluniar o Profeta Maomé.
Entre elas 479 eram muçulmanos, 120 cristãos, 340 Ahmadis, catorze hindus e dez pessoas
que pertencem a outras religiões. Trata-se também de um pretexto para ataques, vingança
pessoal ou assassinatos extra-judiciais, trinta e três ao todo, perpetrados por indivíduos ou
multidões enfurecidas. De acordo com a CNJP, de 2001 até hoje, pelos menos cinquenta cristãos foram mortos usando a lei da blasfémia como pretexto. A estes temos de acrescentar
os pertencentes a outras minorias religiosas no país que foram vítimas de violência infligida
por extremistas muçulmanos, violência que, nalguns casos, também termina com ataques
a muçulmanos. A comunidade Ahmadi, uma confissão religiosa de inspiração muçulmana
que não reconhece Maomé como sendo o último profeta – e por esta razão é considerada
herética por sunitas e xiitas – declarou que, em 2009, pelo menos doze dos seus seguidores
foram mortos. Desde 1984, foram assassinados 107 Ahmadis e 719 foram presos.
O problema desta lei contra a blasfémia piorou de forma drástica em 2001, quando os sentimentos anti-Ocidente aumentarem no país, alcançando o seu ponto mais alto com a intervenção americana no Iraque e no Afeganistão. O Governo admite que falhou neste aspecto
e o ministro para os Direitos Humanos relatou no Parlamento que, nos últimos três anos,
ocorreram no Paquistão mais de onze mil casos de violações dos direitos humanos neste
contexto, sendo que oito mil de entre eles ainda se encontram pendentes e a aguardar julgamento. O ministro Syed Mumtaz Alam Gilani admitiu os resultados “desastrosos” alcançados
pelos governos das províncias em “levar os culpados perante a justiça”. Ao responder a uma
questão colocada por um deputado que pertence à Liga Muçulmana do Paquistão – Quaid
(PML-Q), o partido da oposição do país, ele explicou que “a pior situação é a que ocorre em
Sindh (província no Sudeste) onde apenas 783 pessoas consideradas culpadas foram castigadas em cerca de seis mil casos de violações dos direitos humanos.” Na província de Fronteira
do Noroeste (NWFP), uma zona que é palco de confrontos entre o exército e as milícias Talibãs, de entre duas mil violações, foram resolvidos apenas 730 casos. O Punjab reportou que
foram iniciados 2131 processos e 814 destes resultaram em acções em tribunal. Finalmente,
no Baluchistão, os tribunais resolveram 305 casos de entre as 823 queixas apresentadas
por violações dos direitos humanos. Gilani especificou que o processo tinha sido resolvido
directamente pelos juízes e não devido a uma ordem do Ministério, o qual está a atravessar
problemas financeiros e depende de ajuda por parte de ONGs nacionais e internacionais. A
Igreja Católica, as confissões religiosas protestantes, as comunidades Ahmadi e várias ONGs
têm-se oposto, há já algum tempo, à lei sobre a blasfémia e a discriminação. Graças ao empenho demonstrado pela Comissão Nacional para a Justiça e a Paz, também a União Europeia
e a Administração norte-americana se insurgiram contra esta lei. No entanto, Islamabad
parece ser escrava dos extremistas e não parece desejar mudar a situação.
Ataques contra cristãos
No dia 30 de Junho de 2009, uma multidão de cerca de 600 muçulmanos atacou cerca de
100 residências cristãs em Bahmani, uma aldeia no distrito de Kasur, na província do Pun307
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jab. As notícias foram reportadas pela Comissão Nacional para a Justiça e a Paz (CNJP), uma
organização que pertence à Igreja Católica paquistanesa, declarando que os ataques tinham
causado danos graves às residências de cristãos e que objectos de valor e dinheiro tinham
também sido roubados. O clero na mesquita local incitara os habitantes muçulmanos da
aldeia à violência, acusando os cristãos de blasfémia. A CNJP informou que o que realmente
se encontrava por detrás destes ataques foi um evento que teve lugar alguns dias antes.
Irfan Barkat, um membro da Comissão, disse à AsiaNews que os confrontos tinham começado na segunda-feira, 29 de Junho, depois de uma briga entre um homem cristão e um
menino muçulmano. O menino muçulmano, Muhammad Riaz, estava a andar de bicicleta
quando encontrou pela frente Sardar Mashi, um cristão de 38 anos a conduzir um tractor.
Riaz colocou-se no caminho do tractor de Mashi e, quando o homem pediu permissão para
passar, o jovem muçulmano ficou aborrecido. A briga entre os dois foi a razão para o começo
dos confrontos, de acordo com fontes locais, quando Riaz recorreu ao líder muçulmano da
aldeia, o qual sugeriu que ele deveria acusar o homem de blasfémia.
No dia 1 de Julho de 2009, Imran Masih, um jovem cristão de Hajwary (um distrito em Faisalabad) foi torturado e mais tarde considerado culpado de blasfémia. O P. Yaqub Yousaf, da
paróquia de Hajwary, confirmou à AsiaNews que as acusações “eram totalmente inventadas”
e que as razões para o confronto tiveram originalmente que ver com “negócios”. A loja propriedade da família do jovem cristão encontrava-se na realidade situada numa localização
favorável e desfrutava de um rendimento melhor que outras na zona. Com receio de ataques
adicionais por parte de extremistas, os familiares de Masih fugiram para se esconderem num
local secreto. “Imran estava a limpar a sua loja de frutas e vegetais”, disse o P. Yaqub, “e depois
recolheu o papel usado e queimou-o na rua como é o costume naquela zona”. O dono de
uma loja vizinha acusou o jovem cristão de queimar páginas do Alcorão, atraindo a atenção
de outros muçulmanos. Pouco tempo depois, uma multidão começou a agredir e a torturar o
jovem, que apenas foi salvo pela intervenção da polícia. Um testemunho proporcionado por
outro muçulmano resultou na abertura de uma investigação sobre Masih. As notícias da sua
detenção espalharam-se por muitas mesquitas na cidade. A prisão na qual o cristão estava
detido foi atacada por milhares de extremistas enfurecidos pedindo a morte do jovem. A
multidão bloqueou as principais vias de acesso e incendiou pneus. No dia 18 de Janeiro de
2010, o tribunal em Faisalabad condenou-o a prisão perpétua.
Ainda em Julho, Rao Zafar Iqbal, um activista paquistanês, hindu e advogado de direitos
humanos, recebeu ameaças de morte por causa do seu trabalho em defesa das minorias.
As cartas vieram de Jan Nisaran-e-Nabuwat e de Aqeeda-e-Tahafuz-e-Kathme Nabuwat. O
activista reportou estas ocorrências à polícia, que se recusou a abrir uma investigação. Pouco
tempo depois, foi morto a tiro por um assassino contratado. No dia 4 de Agosto, o jornal diário Daily Pavel publicou uma coluna declarando a “legitimidade” do assassinato de Rao Zafar
Iqbal porque a sua morte “era um serviço ao Islão.”
No dia 1 de Agosto de 2009, uma multidão de muçulmanos pilhou e pegou fogo a setenta e
cinco casas de cristãos e incendiou duas igrejas na aldeia de Korian, no distrito de Toba Tek
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Singh, no Punjab. Este ataque foi despoletado por uma acusação de alegada blasfémia contra
Mukhtar Masih, Talib Masih e o seu filho Imran Maseeh. Os três tinham alegadamente profanado o Alcorão durante uma cerimónia de casamento.
De acordo com fontes locais, os atacantes vieram de uma aldeia perto de Korian. No dia 30 de
Julho, atacaram as casas dos cristãos, enquanto um grupo tentou organizar uma espécie de
julgamento público para obrigar Talib Masih a pedir desculpa pelo gesto de que era acusado.
A multidão bloqueou depois a estrada que une Faisalabad a Gojra e a entrada para os quartéis do Corpo de Bombeiros, obstruindo os socorros e impedindo qualquer hipótese de apagar os fogos. No decurso destes confrontos, oito pessoas, entre as quais quatro mulheres e
uma criança de sete anos, foram queimadas vivas, e vinte outras ficaram feridas. Pelo menos
cinquenta casas de cristãos foram queimadas e destruídas e milhares de crentes fugiram
para evitar serem executados. Os familiares das vítimas recusaram-se a cuidar dos corpos
das vítimas e não irão realizar os serviços fúnebres até os culpados serem presos. Alguns
daqueles mortos foram identificados como sendo: Hamed Masih, de 50 anos; Asia Bibi, de
20 anos; Asifa Bibi, de 19 anos; Imamia Bibi, de 22 anos; Musa, de 7 anos; Akhlas Masih, de 40
anos; e Parveen, de 50 anos.
No dia 15 de Setembro de 2009, um jovem cristão, detido três dias antes numa aldeia no
Punjab e acusado de blasfémia, foi morto na prisão. Os investigadores tinham acabado de
confirmar que Fanish, de vinte anos de idade, iria permanecer na prisão até as investigações
terminarem. Pela manhã, os guardas prisionais da prisão distrital de Sialkot descobriram o
corpo inanimado do jovem, que tinha sinais evidentes de ferimentos. “Trata-se de assassínio
legalizado “, afirmou Nadeem Anthony, um membro da Comissão de Direitos Humanos do
Paquistão (HRCP). Condenando “sem margem para dúvidas” mais um caso de violência contra cristãos, de entre um número infindável, o activista explicou à AsiaNews que “a polícia
fala de suicídio, dizendo que ele se enforcou na prisão, mas isso não faz sentido nenhum.”
Nadeem acrescentou que o jovem tinha “sido torturado e como consequência morrera”. Ele
disse também que havia “sinais visíveis de agressões e feridas no corpo, como provam as
fotografias.” Fanish tinha sido preso no dia 12 de Setembro e acusado de blasfémia. No dia
anterior, uma multidão de muçulmanos reunira-se ao redor da igreja da aldeia em Jaithikey,
não muito longe da cidade de Samberial, no distrito de Sialkot (Punjab), para “dar” à comunidade cristã “uma lição”. Os extremistas começaram por danificar o edifício e depois atearam
fogo ao mesmo, pilhando também duas casas situadas perto da igreja.
No dia 22 de Janeiro de 2010, uma menina cristã de doze anos morreu devido a violência
infligida pelo seu empregador, um advogado muçulmano rico e poderoso de Lahore. A sua
morte despoletou protestos por parte da comunidade cristã, a qual organizou uma manifestação de protesto à porta do gabinete do governador da província do Punjab. As autoridades
tentaram acalmar as pessoas e prometeram que seria feita justiça. O presidente paquistanês,
Zardari, prometeu a devida indemnização à família. A ONG protestante Sharing Life Ministry
Pakistan (SLMP), informou que Shazia Bashir, de 12 anos de idade, trabalhava há oito meses
como empregada na casa de Chaudhry Muhammad Naeem, advogado e o presidente da
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Ordem dos Advogados de Lahore. Fontes cristãs acrescentaram que a menina sofrera assédio
contínuo e que tinha sido violada e torturada antes de ser morta. O patrão da menina foi
preso mas, no dia 13 de Fevereiro, o juiz adjunto do tribunal em Lahore, Shafiq-ur-Rehman,
libertou-o sob fiança. O advogado do indivíduo afirmou que a autópsia efectuada no corpo
da menina “não mostrou nenhum sinal que indicasse que ela tinha sido assassinada.” Pelo
contrário, o relatório declarou que a morte dela foi causada por uma infecção que surgiu
em feridas previamente existentes. Ele acrescentou também que não se tratava de um caso
de assassinato e que a polícia, após duas semanas de investigações, não tinha encontrado
nenhuma evidência que indicasse que Muhammad Naeem ou qualquer membro da sua
família fosse culpado. A comunidade cristã opôs-se a esta decisão, mas em vão. Durante as
duas semanas de audições, os advogados cristãos e aqueles que tentaram representar juridicamente a família da vítima, foram ameaçados e intimidados. Os activistas apontaram além
disso as semelhanças, raiando a conivência, no testemunho dos advogados, da polícia, dos
juízes e do Governo durante a tentativa (bem sucedida) para enterrar o caso.
No início de Fevereiro de 2010, Riaz Masih, um cristão de 26 anos de Kallur Kot, uma vila no
Punjab, foi brutalmente espancado pelos seus irmãos porque se recusou a converter-se ao
Islão. Os pais de Riaz Masih, ambos cristãos, morreram quando ele era pequeno. Juntamente
com os seus irmãos, ele tinha sido criado pelo imã local, Moulvi Peer Akram-Ullah. O líder
muçulmano tinha tentado frequentemente, em vão, converter o menino ao Islão. No dia 8 de
Fevereiro, indivíduos não identificados pilharam a sua casa em Kallur Kot, uma pequena vila
no Punjab, 233 km a sudoeste de Islamabad, a capital. “Eles ameaçaram-me”, disse o menino,
“dizendo que estava num ponto sem retorno: ou me convertia ao Islão ou morria.” De acordo
com o relatório do jovem, os seus irmãos pressionaram-no dizendo que “matar um infiel não
é pecado” e, pelo contrário, que tal é “completamente acertado em nome de Deus Todo-Poderoso”. Anteriormente, o Imã Akram-Ullah e os seus irmãos tinham-lhe oferecido um milhão
de rupias (cerca de 8600 euros), uma esposa à sua escolha e uma casa, se ele adoptasse o
Islão. Foi desta maneira que o imã persuadira os seus irmãos a se converterem e a adoptarem
a visão mais extremista do Islão. Mas o jovem cristão recusara-se a ceder ante a lisonja e por
isso acabou por passar seis meses no hospital.
No dia 25 de Fevereiro de 2010, Qamar David, um cristão acusado de blasfémia, foi condenado a prisão perpétua. A sentença baseou-se no facto de que o homem tinha alegadamente “ofendido os sentimentos” dos muçulmanos enquanto o seu co-acusado foi absolvido
por falta de provas. A polícia prendera o homem em 2006, embora não existisse nenhuma
evidência real contra ele. O juiz adjunto para o tribunal distrital de Karachi julgou o cristão culpado porque ele usara “palavras blasfemas” sobre o Profeta Maomé e o Alcorão. De
acordo com o jornal diário paquistanês Dawn, o juiz proferira a sentença depois de ouvir os
argumentos da defesa e a alocução final do delegado do Ministério Público. No veredicto
de culpado, pode ler-se que Qamar David possuía um cartão SIM de telemóvel, o qual utilizara para enviar mensagens de texto alegadamente consideradas ofensivas para o Islão. As
provas foram reunidas graças à cooperação da companhia de telefones que, de acordo com
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o delegado do Ministério Público, apresentou as listas relativas ao número de telefone que
pertencia ao cristão. Uma pessoa próxima do réu afirmou que os factos, a evidência e a lei
estavam, pelo contrário, todos a favor dele. As provas recolhidas, realçou, eram resultado de
boatos, e um co-réu muçulmano acusado da mesma ofensa foi completamente absolvido.
No dia 2 de Março de 2010, o tribunal em Kasur, no Punjab, condenou a vinte e cinco anos de
prisão por blasfémia o casal cristão Munir Masih e Ruqqiya Bibi. O juiz adjunto Ajmal Hussain condenou o casal porque eles alegadamente tocaram no Alcorão sem terem lavado as
mãos. No passado mês de Janeiro, Munir Masih e Ruqqiya Bibi foram libertados sob fiança
e deixaram a prisão. Algumas semanas mais tarde, a polícia voltou a prendê-los com base
na condenação do juiz. O homem encontra-se detido na prisão distrital de Kasur e a mulher
está na prisão feminina em Multan. Irão passar os próximos vinte e cinco anos atrás das
grades. Activistas da CLAAS, uma organização que luta para defender os direitos dos mais
pobres e dos mais alienados, informaram que marido e mulher foram acusados de ter “contaminado” o Alcorão depois de nele tocarem sem terem lavado as mãos. O incidente ocorreu
em Dezembro de 2008 e incitou a raiva dos extremistas, os quais exerceram pressão sobre
as forças policiais. Fontes não confirmadas acrescentaram que os extremistas alegadamente
subornaram a polícia com dinheiro para assim conseguirem descobrir “elementos novos”
para justificar a sentença. Depois de as investigações serem concluídas, o casal foi acusado
de blasfémia.
No dia 11 de Março de 2010, uma menina cristã morreu depois de ser violada e queimada
viva pelo filho do muçulmano para quem trabalhava como empregada. A jovem morreu no
hospital depois de dois dias de agonia causada pelas queimaduras que cobriam 80% do seu
corpo. Kiran George trabalhava para uma família muçulmana em Sheikhupura, uma cidade
no Punjab. A jovem morreu no Hospital de Mayo, em Lahore, onde tinha estado hospitalizada
no dia 9 de Março em estado extremamente grave. A raiva assassina do filho do seu patrão
foi despoletada pela ameaça de ser denunciado à polícia por violar a menina. Mohammad
Ahmda Raza alegadamente violara a menina cristã, a qual inicialmente apenas contara aos
amigos, uma vez que temia perder o emprego. As condições de pobreza extrema experimentadas pela família induziram a menina a permanecer em silêncio. Mas quando Kiran George
ameaçou o seu agressor de que contaria tudo à polícia, o jovem fechou-a dentro de casa para
a impedir de fugir, cobriu-a com combustível, com ajuda da sua irmã, e ateou-lhe fogo. Em
vez de levar a menina para o hospital, o patrão muçulmano telefonou aos pais dela e contoulhes que as roupas dela tinha pegado fogo enquanto ela estava a limpar a cozinha.
No dia 19 de Março de 2010, um grupo de extremistas islâmicos queimou vivo Arshed Masih,
motorista empregado por um homem de negócios muçulmano rico de Rawalpindi. A sua
esposa trabalhava como empregada na mesma propriedade, situada em frente a uma esquadra de polícia. Recentemente tinham ocorrido discussões entre o casal e o seu patrão, Xeique
Mohammad Sultan, devido à sua fé cristã. O casal tinha sido ameaçado e intimidado como
forma de ser forçado a converter-se ao Islão. Arshed Masih morreu após três dias de dor e
agonia no Holy Family Hospital em Rawalpindi, na província do Punjab. A sua mulher Martha
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Arshed foi violada pelo polícia a quem tentou informar sobre a violência infligida ao seu
marido. Os três filhos do casal, com idades compreendidas entre os 7 e os 12 anos, foram forçados a assistir à tortura infligida aos seus pais. Desde 2005 que Arshed Masih e a sua esposa
trabalhavam e viviam na propriedade do Xeique Mohammad Sultan. Nos últimos tempos, a
pressão para abandonarem o Cristianismo e converterem-se ao Islão tinha sido incessante e
o patrão tinha mesmo ameaçado com “consequências terríveis” para os persuadir a renegar
a sua fé. O casal também tinha sido acusado de um recente roubo na casa do homem e ele
prometera retirar as acusações se eles se convertessem.
Em 19 de Julho de 2010, Rashid Emmanuel e Sajid Masih Emmanuel, dois irmãos cristãos que
estavam a ser julgados depois de serem acusados de blasfémia, foram mortos a tiro à saída
do tribunal. Um grupo de assassinos não identificados atacou-os à saída do tribunal Faisalabad, no Punjab. Ambos os homens estavam algemados, uma vez que estava previsto regressarem ao tribunal no final da audiência. Nos dias que antecederam o assassinato, a comunidade cristã na cidade tinha feito soar o alarme, temendo novos ataques. Os muçulmanos
tinham organizado uma marcha de protesto exigindo a pena de morte para os dois homens.
O crime foi cometido no exterior do tribunal em Faisalabad, onde tinha acabado de decorrer
uma audiência para Rashid e Sajid Masih, ambos acusados de blasfémia, tratando-se de uma
verdadeira execução planeada. Os dois homens estavam algemados e provaram ser um alvo
fácil para os extremistas. Um polícia também ficou ferido neste ataque. Durante vários dias,
a comunidade muçulmana da cidade, incitada pelos imãs, tinha protestado e pedido que os
irmãos fossem condenados à morte. Tinham sido detidos um mês antes, depois de vários
folhetos “blasfemos”, profanando a memória de Maomé, terem sido encontrados alegadamente com os seus nomes neles escritos. De acordo com fontes locais, a polícia estava a
ponto de absolver ambos os homens das acusações de blasfémia, porque testes grafológicos
realizados às assinaturas nos folhetos revelaram que estas não correspondiam à letra dos
dois irmãos. Shahbaz Bhatti, ministro das Minorias, falou de falsas acusações contra cristãos,
cuidadosamente elaboradas por pessoas com queixas pessoais contra os dois irmãos, um
dos quais era um pastor protestante. Também a família sempre defendera a sua inocência.
Ataques contra os Ahmadis
A perseguição contra a comunidade Ahmadi continua a acontecer no Paquistão. Esta escola
de pensamento é considerada herética porque não reconhece Maomé como sendo o último
profeta. No dia 1 de Abril de 2010, três proprietários de lojas foram mortos a tiro em Faisalabad, a terceira cidade mais importante no Punjab. Os líderes das comunidades Ahmadiyya
reportaram os assassinatos, falando de uma “execução direccionada”, no seguimento da qual
os assassinos armados fugiram e desapareceram. Ashraf Pervez, de 60 anos, Masood Javed,
de 57 anos, e Asif Masood, de 24 anos, regressavam a casa no seu carro depois de fecharem a
loja. De repente os atacantes alcançaram-nos e alvejaram-nos. Os três homens morreram a
caminho do hospital. Pervez e Javed eram irmãos, enquanto Masood era filho de Javed. O jornal diário paquistanês Dawn reportou que duas semanas antes de serem mortas, as vítimas
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tinham informado a polícia de que tinham sido ameaçadas. Os polícias aconselharam-nos
a “restringir os movimentos e contratar guarda-costas” para assegurarem a sua segurança.
De acordo com relatórios dos líderes da comunidade Ahmadiyya, os homens tinham sido
recentemente sequestrados e mais tarde libertados mediante o pagamento de um avultado
resgate. Os criminosos tinham aparentemente dito às vítimas que tinham sido sequestrados
por causa das suas convicções religiosas. O comunicado oficial (da comunidade Ahmadiyya)
continua, dizendo que “é razoável partir do princípio que os criminosos, ou pelo menos os
seus cúmplices, são conhecido das autoridades, porque os grupos que estão contra os Ahmadis não fazem nenhum esforço para esconder o seu ódio.” De algum tempo para cá, Faisalabad tem sido palco de ataques dirigidos à comunidade Ahmadiyya. Foram mortas nove
pessoas nos últimos anos, sem que a polícia ou as autoridades governamentais interviessem,
isto apesar de conhecerem os responsáveis. Líderes da comunidade culpam o movimento
Khatme Nabuwwat, muçulmanos que acreditam que a profecia foi totalmente cumprida
com Maomé e que são responsáveis por perseguições contra aqueles que consideram ser
muçulmanos “heréticos”. No Punjab, os promotores da lei islâmica podem fomentar a violência contra os Ahmadis e permanecer impunes, declarando que “eles deveriam ser mortos” (Wajib ul Qatl). Os líderes do movimento reportaram a indiferença das autoridades, as
quais, além de não castigarem os responsáveis, nem sequer se pronunciam contra a violência. Desde a promulgação do Regulamento Anti-Ahmadiyya, em 1984, que sanciona perseguições contra alegados “hereges”, foram mortas 108 pessoas por causa das suas convicções
religiosas. Em muito poucos casos se assistiu à prisão dos assassinos e, na ocasião rara em
que eles compareceram em tribunal, foram absolvidos ou libertados depois de um curto período curto na prisão.
No dia 28 de Maio de 2010, um duplo ataque a mesquitas Ahmadi em Lahore, durante as orações de sexta-feira, matou pelo menos noventa e três pessoas. Um dos líderes do movimento,
Raja Ghalab Ahmad, especificou que noventa e três pessoas morreram neste massacre, no
seguimento da morte de treze pessoas que tinham sido hospitalizadas. Pelo menos uma
centena de pessoas ficou ferida e algumas de modo bastante grave. Durante as orações de
sexta-feira, um grupo de homens armados e bombistas suicidas atacara as duas mesquitas
Ahmadi. Estes locais de culto estão situados, um numa parte rica da Cidade Modelo, e o outro
na movimentada zona de Garhi Shahu. O “grupo terrorista armado e bem treinado tinha
AK-47s, pistolas, granadas e usava coletes cheios de explosivos. Abriram fogo indiscriminadamente sobre a multidão, ocupando a mesquita durante várias horas e detendo os crentes
como reféns. Quando a polícia decidiu invadir a mesquita, os extremistas fizeram-se explodir,
causando assim ainda maior carnificina. Os polícias recuperaram o controlo da zona cerca das
cinco da tarde. Por seu lado, o ataque na mesquita da Cidade Modelo foi mais rápido. Quatro
terroristas abriram fogo sobre os crentes e lançaram granadas de mão. Uma testemunha
ocular disse que “era como estar numa guerra. Tudo o que eu podia fazer era rezar para que
Deus me salvasse daquele inferno”. De acordo com os investigadores, os Talibãs tinham sido
auxiliados por “cúmplices” que conseguiram escapar entrosando-se com a multidão.
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Discriminação também contra Siques e Hindus
A violência religiosa não afecta apenas os cristãos (considerados “ocidentais”) ou os “hereges”
Ahmadis. No decurso do último ano, os Talibãs da Província de Fronteira do Noroeste (NWFP)
começaram também a ameaçar os hindus e os siques, fazendo-lhes um ultimato. Eles têm de
deixar a região ou pagar a jizya, um imposto de protecção islâmico para as minorias religiosas. Muitas famílias hindus e siques foram obrigadas a abandonar a província, procurando
refúgio em Peshawar e noutras zonas vizinhas. As ameaças contra os siques e os hindus são
apenas as últimas numa série dirigida a grupos religiosos minoritários na NWFP, entre os
quais muitos cristãos obrigados a pagar a jizya e depois a viver sob a lei da Sharia. “Vivemos
com medo” disse um líder sique a um jornalista do Daily Times, um dos jornais mais importantes do país. “Temos medo dos Talibãs, do Laskhar-e-Islam e de todos os outros grupos
armados.” Cerca de 400 famílias siques e cinquenta e sete famílias hindus já deixaram as
cidades de Bara e Tirah, onde vendiam materiais, roupas, mercearias e medicamentos tradicionais. O líder sique afirmou também que “Vários grupos militantes ameaçaram as minorias
em Orakzai e Khyber, dizendo-lhes que se convertessem ou seria melhor deixar a região. Com
efeito, eles gerem um Governo paralelo. Os hindus e os siques já não se sentem seguros em
Orakzai, em Bara ou em Tirah. Decidimos migrar; pelo menos aqui podemos experimentar
um pouco de paz e sentirmo-nos seguros.” Na região de Orakzai, os Talibãs exigem o pagamento do imposto por parte de adultos siques do sexo masculino, ocupando as suas lojas e
as suas casas. Nos últimos dois meses, este imposto espalhou-se também à zona de Khyber,
a região tribal que cria uma ligação natural com o Afeganistão. Aqui o grupo Lashkar-e-Islam,
conduzido por Manghal Bagh, anunciou que os hindus e os siques serão autorizados a viver
naquela zona apenas se pagarem a jizya. Mas as ameaças continuam a aumentar e, por esta
razão, centenas de famílias que pertencem a estas minorias religiosas fugiram para áreas
vizinhas, principalmente para Peshawar. O Lashkar-e-Islam opera de modo semelhante aos
Talibãs, agindo como uma espécie de polícia religiosa, obrigando as pessoas a rezar cinco
vezes por dia e castigando violentamente aqueles que são acusados de prostituição ou de
outros vícios. A nenhuma mulher, muçulmana ou não, é permitido sair sozinha, tendo de
ser acompanhada por um familiar do sexo masculino. Todas as mulheres, mesmo as idosas,
têm de usar a burqa. É agora obrigatório para os homens deixarem crescer uma barba e
usarem um chapéu. Os que se recusam a fazê-lo são agredidos ou obrigados a pagar uma
multa de entre 200 e 500 rupias. A lei da Sharia foi imposta à maioria da população da NWFP
(na região de Malacan) devido a um acordo entre os Talibãs e o Governo regional, apoiado
também pelo Governo central. Islamabad quebrou depois o acordo, lançando uma ofensiva
contra os Talibãs, mas o Governo regional continua a ser a favor da imposição da lei da Sharia
a toda a população. A Igreja Católica já se manifestou frequentemente contra esta obrigação
de tornar os grupos não muçulmanos sujeitos à Lei da Sharia, uma vez que se trata de uma
violência contra os grupos minoritários, cuja liberdade é defendida pela Constituição do país.
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Os ataques também afectam os meios de comunicação
PAQUiSTÃO
No Paquistão, as acusações de blasfémia foram também dirigidas à Internet, a qual se encontra agora “sob observação” por parte das autoridades. Por entre os sítios da Internet que arriscam a censura encontram-se sítios secundários e outros mais importantes, como o Google,
o YouTube, o Yahoo!, a Amazon, o Bing, o Msn e o Hotmail, todos acusados de conter material
que ofende os povos muçulmanos e a sua religião. No seguimento de instruções recebidas do
Ministério da Informação e da Tecnologia, o porta-voz da Autoridade das Telecomunicações
paquistanesa, Khurram Mehran, anunciou, no dia 26 de Junho de 2010, que, no seguimento
de uma sentença dos tribunais em Bahawalpur, ele tinha ordenado o bloqueio do YouTube e
de oito outros sítios da Internet, respondendo assim a uma petição que se referia à presença
de materiais que vão “contra os princípios fundamentais do Islão.” “Se ligações e materiais
ofensivos para o Islão continuarem a aparecer nestes sítios da Internet, serão bloqueados
sem que tal, no entanto, perturbe o normal funcionamento dos sítios da Internet “, explicou Mehran. O Governo paquistanês declara que os sítios da Internet controlados por motivos de segurança nacional e assegura que nenhum dos principais motores de pesquisa será
censurado. Estas foram palavras que, no entanto, não sossegaram os responsáveis por estes
colossos da Internet. O porta-voz do Google, Scott Rubin, disse que, “o Google e o YouTube
são plataformas para a livre expressão e nós continuaremos a garantir a implementação das
nossas políticas tanto quanto nos for possível.” O Yahoo também reiterou que a empresa
está “assente no princípio de que o livre acesso à informação melhora a vida das pessoas.”
De momento, foram bloqueados cerca de dezassete endereços da Internet devido a “ligações
e conteúdos anti-islâmicos e blasfemos”. Entre os sítios da Internet bloqueados contam-se o
islamexposed.blogspot.com, um blogue criado através do Google que contém uma petição
anti-Islão online e um post intitulado “Islão, a derradeira hipocrisia”. No passado Maio, o Tribunal Superior ordenara que a rede social Facebook fosse encerrada durante duas semanas,
devido a publicação de uma caricatura blasfema sobre Maomé. A proibição foi levantada
depois de protestos por parte de centenas de jovens muçulmanos que usam a rede social. As
referências jurídicas citadas pelo Governo e pelo Tribunal Superior para justificar esta censura foram as das denominadas “leis sobre a blasfémia”.
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Paquistão

Paquistão Comissão dos Direitos Humanos do Paquistão, Perils of Faith, Dezembro de 2011.

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