Resumo: As fontes de meditação do mundo árabo-islâmico
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Resumo: As fontes de meditação do mundo árabo-islâmico
Resumo: As fontes de meditação do mundo árabo-islâmico a respeito da filosofia política é o tema do presente artigo. A fundação, estruturas e características da “cidade islâmica” são analisadas tomando por base a obra Opinião dos habitantes da cidade virtuosa de Alf×r×b÷, desde suas relações com a filosofia grega até os desdobramentos no interior da falsafah. Palavras-chave: Filosofia Medieval, Filosofia Árabe, Islamismo, Alf×r×b÷, Falsafah Abstract: The arab-islamic sources of meditation on political philosophy are the subject of the present paper. The foundation, structures and features of the “islamic city” are analyzed according to Al-farabi’s Kit×b mabda’ ’×r×’ ’ahl almadinah alf×Åilah, from its relations with the greek philosophy to its unfoldings in the context of falsafah. Key words: Medieval Philosophy, Arabic Philosophy, Islamism, Alfarabi, Falsafah. * UNIVERSIDADE COMPLUTENSE DE MADRI. ** MESTRANDA DO PROGRAMA DE LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA ÁRABE, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ARTIGOS A “Cidade Excelente” de Alfārābī RAFAEL RAMÓN GUERRERO* TRADUÇÃO: JACQUELINE BEYROUTI DEL NERO** “Aquela cidade na qual por meio da associação se pretende a mútua ajuda naquelas coisas com as quais se obtém a felicidade que é verdadeira é a Cidade Excelente”.1 ANO III 2006 1. A Cidade islâmica Pretensão comum de todos os homens é a aquisição da felicidade como bem supremo. A Grécia pela boca dos seus filósofos já o havia afirmado claramente2. Tarefa individual que, no entanto, logo haveria de se complicar, ao desenvolver esta idéia no centro de uma cultura que fazia da sociedade humana seu fundamento. Refiro-me à civilização que surgiu em torno de uma “manifestação” divina, a Palavra de Deus realizada no Livro. O Alcorão tornou possível a aparição de uma realidade histórica, que hoje conhecemos pelo nome de “Islã”, o qual se articulou em torno da ’Ummah ou Comunidade de crentes. Esta se manifestou nas representações utópicas como aquela sociedade perfeita cujos integrantes haveriam de conseguir a verdadeira perfeição ou felicidade. A busca desta sociedade perfeita guiou grande parte do trabalho intelectual muçulmano, inclusive na própria arquitetura enquanto construção tridimensional. Alfārābī: Kitāb almadīnah (mabādi’ ’ārā’ ’ahl almadīnah alfāÅilah), p. 230. 2 Aristóteles: Et. Nic., I, 4, 1095a 15-20; 7, 1097b 1-5. 1 pp. 90-103 ARTIGOS 92 A “Cidade Excelente” de Alfārābī O fundamento do Islã como fé repousa Mas a reflexão propiciada pela reve- na šahādah, a expressão do princípio cardeal lação também se exerceu sobre as relações desta religião: “Não há divindade a não ser humanas numa comunidade e suscitou di- Deus e Maomé é seu Profeta”. Essa fórmula versas teorias em torno da sociedade, do Es- expressa os dois âmbitos que dão forma ao tado e das suas formas de governo, porque universo do conhecimento para todo muçul- desde os começos do Islã, religião e política mano. A esfera da realidade, por um lado estiveram unidas e implicadas mutuamen- reconhecida na primeira parte da fórmula, te. A missão de Maomé estava dirigida aos que confessa a existência de uma só e única seus conterrâneos e à universalidade dos realidade, a divina, da qual deriva e depende homens: “Prega a teus parentes mais pró- tudo quanto existe; o espaço da revelação e ximos” (XXVI, 214). “Dize: Homens! Sou da profecia, por outro lado, que afirma o ca- o Enviado de Deus para todos vocês” (VII, minho pelo qual o homem conhece e sabe da 158). Deu-lhes a conhecer que Deus é Uno e existência e unicidade de Deus. Único, Criador e Senhor, a cuja vontade hão O fato profético, que explica e dá a ra- de submeter-se: muçulmano é quem se sub- zão da revelação, foi o núcleo sobre o qual se mete à vontade de Deus. Por isso Deus rege articulou o pensamento no Islã. A revelação a vida e a conduta de cada homem em parti- transmitiu aos homens a vontade de Deus, cular e de todos os homens em suas relações exortou-os a obedecê-la e colocou à disposi- mútuas. Deus rege a estrutura social na sua ção deles um conhecimento sobre o principio totalidade, através da lei revelada. Por esta de toda realidade, a que o homem se vê obri- razão, Maomé recebeu o encargo de instituir gado, porque o conhecimento é uma tarefa “a melhor comunidade que se fez surgir para humana consagrada pela mesma palavra de os homens” (III, 110), a ’Ummah. A socie- Deus. O Alcorão convida com suas aleyas, os dade islâmica está fundada, dessa maneira, seus versículos, ao conhecimento e ao saber: numa visão religiosa da realidade. “Ou por acaso não consideraram o reino dos Muitos versículos corânicos falam da céus e da terra e as coisas que Deus criou?” dupla vocação do Islã, a religiosa e a comu- (Alcorão, VII, 185). “Não sigas aquilo de que nitária. A ’Ummah se configurou como uma não tens conhecimento” (XVII, 36). “Deus “união ou associação de crentes”, como a elevará aqueles dentre vós que crêem e que “comunidade islâmica daqueles que profes- receberam a ciência” (LVIII, 11). São alguns sam a crença no Deus único”. É a religião, exemplos de como a Palavra de Deus exige portanto, o que principalmente caracteriza do crente a sua entrega ao conhecimento. esta comunidade. Porém, na própria cultura Constituiu-se a partir dessa exigência uma islâmica encontram-se outros valores atri- ¬ikmah, uma sabedoria baseada na reflexão buídos à ’Ummah, que afirmam ao mesmo do homem sobre Deus e o universo. tempo a sua natureza laica, dado incluso na DR. RAFAEL RAMÓN GUERRERO utilização que o Alcorão faz desse termo, suas hierarquias eclesiásticas. É enfim igua- aplicado a sociedades étnicas, lingüísticas litária, porque todos os homens se conside- ou confessionais, objeto do plano divino de ram irmãos, iguais entre si6. salvação3. O elemento religioso é um dos A ’Ummah representou também o elementos que qualificam a ’Ummah, mas cumprimento político da vontade de Deus. ele foi explicitado, comentado e definido em A data que pôs fim à Jāhiliyyah ou época relação a outros elementos alheios . Estabe- de ignorância prévia ao Islã não foi o ano leceu-se assim como a Cidade muçulmana, em que se iniciou a revelação de Deus ao 4 distante equivalente da πόλıζ grega, que (Casa da salvação). Foi entendida como uma Cf. Watt, 1968: 9-14. Scarcia Amoretti, 1982-1983: 124. 5 Cf. Lewis, 1984: 3-14; Najjar, 1984: 92-110. 6 Gardet, 1976: 31-68. 7 Cf. Viguera Molins, 1990: 325-369. cidade ideal, realizável neste mundo e inse- Profeta em Meca, mas quando Maomé foi parável da realidade histórica, uma vez que reconhecido como chefe político da comuni- está vinculada às atividades dos homens. dade, isto é, quando houve uma constituição teve sua expressão lingüística nas fórmulas Dār al’islām (Casa do Islã) e Dār assalām 3 4 Como forma de associação humana, política, a chamada Constituição de Medina, exigiu uma siyāsah, uma forma de gover- por meio da qual se podia acatar e obede- no5 sustentada pela šar÷cah, a lei de origem cer à vontade divina. O Islã exigia, assim, divina que rege todas as manifestações da uma instituição política na qual os crentes vida humana, em seu aspecto social como prestassem obediência e submissão a Deus, lei civil e em seu aspecto individual como cumprindo os preceitos da revelação. lei religiosa. A ’Ummah se definiu, então, Rapidamente iniciou-se uma reflexão pela universalidade de sua lei e não por seus sobre o poder e a autoridade. Foram elabo- traços lingüísticos, étnicos ou de parentes- radas teorias políticas, que tentaram integrar co: a religião seria o único laço que vincula os diversos aspectos que regulavam as rela- todos os seus integrantes. Por conseqüência, ções dos homens com Deus, as dos homens a comunidade se caracterizou por ser uma consigo mesmos e a dos homens uns com os teocracia, ao corresponder o poder a Deus: outros. Essa reflexão se efetuou em cinco ní- só Deus é o soberano supremo, a única fonte veis diferentes: o teológico, o jurídico, o da legítima de autoridade; Deus faz a lei e con- literatura moral, o filosófico e o histórico7. fere a autoridade. É laica pela inexistência No filosófico, os pensadores muçulmanos se nela da função sacerdotal e a ausência do aproveitaram da filosofia grega, na qual en- poder institucional mediador entre Deus e o contraram elementos ausentes nas teorias po- crente, embora em alguns grupos islâmicos, líticas dos primeiros muçulmanos, e trataram como os xiitas, os teólogos desempenhem de colocá-la em relação com o ensinamento um papel próximo ao do clero cristão, com religioso. Influenciados pelas doutrinas de 93 ARTIGOS A “Cidade Excelente” de Alfārābī Platão e Aristóteles, os quais foram vistos muçulmanos dessa época. O primeiro que como mestres da filosofia política8, os fi- expôs estas idéias no Oriente muçulmano lósofos muçulmanos puderam propor uma foi Alfārābī, um dos primeiros pensado- nova teoria política, cujos fundamentos não res a escrever obras de teoria política no se encontravam nas práticas da realidade po- mundo islâmico e, por isso, criador de um lítica islâmica, mas na crença de que o me- vocabulário político novo, no qual ele usa lhor regime político devia ser aquele que se equivalentes árabes para os termos gregos, deduzisse única e exclusivamente de prin- misturando-os com os vocábulos usados para expressar a tradição religioso-política Al-Mas ýdī, 1894 reimp. 1967: 116-117: “[Em nosso livro sobre As diferentes classes de conhecimentos y sucessos dos séculos passados] narramos a história dos filósofos [gregos], suas doutrinas metafísicas e físicas. Quais morreram, as opiniões que, desde a época de Sócrates, Platão e Aristóteles, tiveram sobre filosofia política, doutrinas novas que eles opuseram às doutrinas anteriores daqueles que os precederam; falamos da filosofia primeira natural, a que ensinavam Pitágoras, Tales de Mileto, a maioria dos gregos e sábios do Egito, que em nossa época subsistem como sábios de ©arrān. Já havia dito Aristóteles isto em seu Tratado dos Animais, em dezenove livros, quando afirmou que fazia uns cem anos, desde Sócrates, se havia passado da filosofia natural à filosofia política”. 8 c do Islã10. Foi também, frente à tradição helênica anterior que via em Platão um místico ou um metafísico, o primeiro a reconhecer o caráter político dos diálogos de Platão, nos quais, segundo ele, este trata de instruir os cidadãos nas opiniões corretas.11 cípios racionais. A Política foi considerada como a ciência suprema, como a ciência arquitetônica9, aquela que somente se alcança 2. A filosofia política de Alfārābī após uma árdua meditação sobre a realidade 94 humana, por ser a ciência do primeiro, por Abý-Na½r Alfārābī (m. 950), um dos ser uma ciência que estuda o fim a que tende maiores filósofos muçulmanos segundo o pa- o homem. Os filósofos árabes viram que o recer do biobibliógrafo Ibn-åallikān12 e sem conhecimento ou saber teórico buscava, em dúvida o verdadeiro criador do sistema filo- definitivo, a ação prática individual e social, sófico de tradição grega entre os árabes, pro- a ética e a política ao mesmo tempo. O saber pôs uma elaborada teoria do conhecimento da político se apresentava como a culminação qual depende a sua filosofia política. de uma tarefa. A perfeição ontológica do homem resi- A filosofia no mundo islâmico foi, de no processo cognoscitivo, que por sua vez em grande parte, uma aplicação do pensa- é perfeição da natureza social do ser humano. mento filosófico grego à realidade históri- A descrição e explicação do procedimento ca, concreta e individual, em que viviam os pelo qual o homem alcança a contemplação das formas imateriais, em virtude da qual ob- Assim a qualificou Aristóteles em Et. Nic., I, 1, 1094 a 27. 10 Cf. Lewis, 1990: 53-54. 11 É o que faz em sua obra Falsafat ’AflāÐýn. 12 Ibn-åall÷kān, 1972: 153. 9 tém a perfeição máxima, converte-se assim em preâmbulo necessário da sua exposição da Cidade Excelente, que é reflexo fiel do DR. RAFAEL RAMÓN GUERRERO universo, o que significa que toda a sua filo- até chegar aos últimos seres, aqueles sofia, em todas as suas partes, está articulada cujas ações são somente servir. Mostra em torno do homem e de sua natureza espe- que estes são os últimos, sem que haja cífica. O esquema segundo o qual ao conhecimento do universo segue o conhecimento do homem, que por sua vez é pressuposto nada posterior a eles em relação ao ser, e cujas ações não podem ser de modo algum ações de governo; que aquele Ser Primeiro, Uno e o mais anterior, é aquele para o conhecimento da sociedade perfeita, que não pode ter nada que seja mais é um programa que se repete nos seus prin- preeminente que ele e que a sua ação não cipais textos. Encontramo-lo explicitamente pode absolutamente ser ação de servir; elaborado no seu Kitāb almad÷nah alfāÅilah que cada um dos graus intermediários (Livro da cidade excelente)13 e no seu Kitāb que existem abaixo do primeiro alsiyāsah almadaniyyah (Livro da Política14); mas também esboçado nos seus Fusýl <alcilm> almadan÷ (Artigos da <Ciência> governante realizam ações próprias de governo pelas quais servem ao primeiro governante. Faz conhecer, além disso, a harmonia, a mútua vinculação e a Política15) e no seu Kitāb almillah (Livro da ordem de uns com os outros, e a ordem religião), especialmente quando diz: e a mútua colaboração de suas ações, a Não cessa de elevar-se, segundo a perfeição desta ordem, de um grau de governo a outro grau mais perfeito que ele, até chegar a um grau no qual não pode haver senão um só ser -uno em número e uno por todos os aspectos da unidade-. Tampouco pode haver algum governo acima dele, sendo que é o governante que está neste grau quem rege tudo que está abaixo dele; e não pode em absoluto ser regido por outro, pois ele rege tudo o que está abaixo dele; fim de que, apesar da sua multiplicidade, sejam como uma só coisa, a partir da capacidade de reger que esse K. almadīnah. Alfārābī, Kitāb alsiyāsah almadaniyyah. 15 Alfārābī. Fu½ýl almadanī. 13 14 alguém tem e de seu poder influir sobre a totalidade deles, na medida do seu grau e de acordo com o que necessariamente tem quem está nesse grau do ser, segundo o que por natureza merece e segundo as ações pelas quais se serve, pelas deixa saber que não pode haver nele quais se governa ou por ambas ao imperfeição sob nenhum aspecto, que mesmo tempo, que necessariamente não pode haver perfeição mais absoluta se encomenda a ele. Depois faz isto que a sua, nem existência mais excelente mesmo nas faculdades da alma humana. que a sua; que em tudo o que há abaixo Depois faz isso mesmo nos órgãos do dele existe, de algum modo, imperfeição; corpo humano. Depois faz isso mesmo e que o grau mais próximo ao seu é o também na cidade virtuosa e estabelece a mais perfeito dos graus que há abaixo do categoria do rei e do primeiro governante seu. Logo, à medida que vai descendo, nela, em relação à categoria de Deus, os seres em cada grau aumentam em que é o primeiro dirigente dos seres, do multiplicidade e diminuem em perfeição, universo e de quantas espécies existem 95 ARTIGOS A “Cidade Excelente” de Alfārābī nele. Assim não cessa de baixarem em existente quando recebe uma existência. os graus na cidade até chegar àqueles De onde esta lhe vem? Somente pode proce- grupos de seus habitantes, cujas ações der de um ser no qual essência e existência se são tais que não podem ser governantes por elas, mas somente servir.16 identifiquem. Tal é o Ser Necessário, o qual Alfārābī caracteriza como o Ser Primeiro, a Conforme se pode apreciar nesse Causa Primeira de todas as coisas, o Uno, texto, a estrutura do universo se correspon- perfeito, auto-suficiente, incausado18, imóvel, de com a da faculdade humana e com a da imaterial, sem contrário e não suscetível de Cidade Excelente como perfeita realização ser definido. E este Ser é o Deus da religião, pois dele “se deve crer que é Deus e a causa K. almillah, pp. 90-91. 17 Risālah fī mā yanbaðī, p. 52; trad., p.12. 18 K. almad÷nah; K. assiyāsah, pp. 42-52; trad., pp. 17-24. 19 K. assiyāsah, p. 31; trad., p. 6. 20 Assim o identifica em sua Risālah f÷ macān÷ alcaql (Epístola sobre os sentidos de “intelecto”), pp. 35-36; trad., pp. 371-389. 21 K. almad÷nah, p. 70; trad., p.13. 16 do intelecto agente”.19 O Ser Primeiro ocupa o vértice da realidade, coincide com o Uno de Plotino e com a Unicidade divina afirmada no Alcorão. da sociedade humana. Quem é capaz de per- Mas, além disso, possui um traço que o dis- ceber essa estrutura é o filósofo, em quem tingue com toda nitidez da Unidade plotinia- se conjugam o saber teórico e o saber prá- na. É a Razão, o Nous de que Aristóteles fala tico visando à realização da felicidade: “O no livro XII da Metafísica, cuja ocupação é fim ao que se tende ao estudar a filosofia é pensar a si mesmo20. O Uno plotiniano supera conhecer o Criador altíssimo: que é Uno, toda inteligibilidade, enquanto o Uno farabia- Imóvel, Causa eficiente de todas as coisas e no “entende sua própria essência e por enten- Organizador deste mundo por sua bondade, der sua essência é inteligente e intelecto em sabedoria e justiça. As ações que o filósofo ato21”. Este pensar a si mesmo é o que gera a deve realizar consistem na imitação do Cria- multiplicidade num processo que segue, re- dor na medida do possível ao homem ”. Es- motamente, o esquema neoplatônico da pro- sas palavras podem ser tomadas como uma cessão dos seres, dando lugar a uma gradação declaração programática de seu autor. ontológica de seres, nos quais os superiores 17 96 próxima da existência das causas segundas e O Universo está estruturado segundo um modelo neoplatônico matizado com dou- são mais perfeitos em relação aos inferiores, em virtude de uma lei necessária. trinas aristotélicas. Partindo da distinção en- Do Ser Primeiro emana o primeiro in- tre ser necessário e ser possível, Alfārābī mo- telecto, ao se pensar aquele como intelecto. difica, como conseqüência da teoria da cria- Sendo uno também, este primeiro ser ema- ção afirmada no Islã, a metafísica aristotélica, nado contém já a pluralidade, pelo fato que ao explicar a mudança como a recepção da pode pensar-se a si mesmo como distinto existência por parte de uma essência: o que do Ser primeiro, de um lado, e pode pensar não é, o ser meramente possível, converte-se o Ser Primeiro do qual procede, de outro. DR. RAFAEL RAMÓN GUERRERO Dele surge um segundo intelecto e a esfera ra, do Ser Primeiro. O universo é racional do primeiro céu. Por sua vez, deste segundo porque sua origem está na Razão Absoluta. intelecto emanado e pelo mesmo procedi- O homem, como ser superior do mun- mento de natureza estritamente intelectual, do sensível, reúne em si uma estrutura se- brota um terceiro intelecto e uma segunda melhante à do universo. Dois mundos, um esfera, a das estrelas fixas. Assim prossegue sensível e submetido à geração e corrupção, a emanação de seres em uma processão de- o corpo, e outro de natureza superior, separá- crescente e necessária, até chegar ao décimo vel do corpo e de origem divina, a alma e sua intelecto e à nona esfera, a da lua, na qual faculdade intelectual. Seguindo a Aristóteles, finaliza o universo superior. afirma que o homem é composto de corpo e 22 O décimo intelecto, terceiro dos prin- alma, em que as almas vegetativa e sensitiva cípios assinalados por Alfārābī23 é conhecido são perfeição do corpo. No entanto, não apli- pelo nome de Intelecto Agente, denominação ca à alma racio- que os comentaristas gregos deram ao segun- nal sua definição Ibidem, pp. 100-104; trad., pp. 28-30. O Ser Primeiro e as causas segundas são os dois primeiros, enquanto que alma, forma e matéria são os três últimos, cf. K. assiyāsah, p. 31; trad., p.5. 24 Cf. Ramón Guerrero, 1992. 22 23 do dos intelectos mencionado por Aristóteles de ser “perfeição no capítulo 5 do livro III do De anima24. Este do corpo”, prova- intelecto agente se ocupa do mundo inferior, velmente porque a região sublunar, constituída pelo mundo da a alma racional geração e da corrupção, isto é, pela terra. Um não está na mesma relação de subordinação mundo que está formado por quatro elemen- com o corpo como as outras duas almas. tos que procedem da matéria informada por Introduz assim uma variante em relação ao esse Intelecto, cuja função especifica é a de aristotelismo, ao afirmar que a alma está se- dar formas, pelo que foi chamado o “Doador parada do corpo por sua ação, sua sabedoria de formas” (Dator Formarum), para a cons- e pelo pensamento, unida ao mundo superior tituição dos seres do mundo sublunar e para através do intelecto e encontrando o seu fim atualizar a capacidade cognoscitiva do ho- no Intelecto Agente. mem. Neste mundo inferior, o processo pelo Através do intelecto, faculdade huma- qual se compõem os seres é inverso ao que na superior, o homem pode alcançar sua per- tem lugar no mundo superior, pois se formam feição, fazendo-se semelhante ao Intelecto em primeiro os seres mais imperfeitos e as- Agente, que cumpre neste processo um tra- sim se sucede até chegar ao mais perfeito. balho similar ao do Ser Primeiro em relação O Universo, por conseguinte, está or- ao universo. Conhecer é assimilar as formas ganizado e sistematizado de acordo com uma inteligíveis, razão por que lhe interessa o pro- lei necessária, que implica um determinismo cesso pelo qual o inteligível passa do estado absoluto que rege o processo da emanação, de potência ao de inteligível em ato. O movi- mas nem por isso deixa de ser racional, dado mento para unir-se com o Intelecto Agente, que tudo que existe procede da Razão primei- no qual consiste a felicidade, inicia com o 97 ARTIGOS A “Cidade Excelente” de Alfārābī intelecto em potência ou “material”; quando inteligíveis em potência, sendo a sua relação entra em contato com as formas inteligíveis, com o intelecto que está em potência como a atualiza-se e se converte em intelecto em ato, relação do sol com o olho, que é vista em po- para o qual é necessário que os inteligíveis tência enquanto não está iluminada pelo sol26. em potência, que informam as coisas mate- Sua ação consiste numa iluminação sobre o riais, façam-se inteligíveis em ato. Atualiza- intelecto em potência. E sua função é levar do o intelecto e produzida a identificação en- o homem à perfeição: “Próprio do intelecto tre formas inteligíveis e intelecto, a faculdade agente é ocupar-se do homem e procurar que humana é capaz de realizar uma operação alcance o grau mais elevado de perfeição que mais elevada: pode voltar-se sobre si mes- lhe cabe esperar: a felicidade suprema.”27 Re- ma e conhecer as formas inteligíveis que já aliza-se assim a mesma estrutura que existe possui; pensa-se como intelecto em ato e se no universo; o Intelecto Agente é o equiva- aperfeiçoa, Esta racionalidade que preside a tota- do. E ao conhecer seus lidade do real se manifesta também no pen- próprios conteúdos em samento político de Alfārābī que pode ser ato, este intelecto cria considerado como o desejo de proporcionar a possibilidade de ad- novas normas sobre as quais se estabeleça quirir as formas sepa- uma ordem social perfeita, ideal, virtuosa ou radas, as formas imateriais subsistentes por excelente, na qual o homem, definido como si no mundo supralunar. Pensá-las é possível ser social por natureza, possa alcançar sua porque seu ser é semelhante ao ser das formas última perfeição e sua felicidade, isto é, na inteligíveis já pensadas. Por esta semelhança, qual se dêem as condições exigidas para al- as formas puras podem ser conhecidas num cançar aquela união com o intelecto Agente ato de intuição intelectual, sem relação com ao qual antes se aludia. Essa intenção con- o sensível. O intelecto adquirido é, assim, a fere à filosofia farabiana seu caráter funda- perfeição do intelecto humano, pois permite mentalmente político. a união com as substâncias separadas e põe o 98 lente ao Ser Primeiro. a ser intelecto adquiri- Cf. Risālah f÷ macān÷ alcaql, pp. 15-22; trad., pp. 380-383. 26 Ibidem, pp. 24-25; trad., pp. 383-384. 27 K. assiyāsah, p. 32; trad., p. 7. 28 Kitāb attanb÷h calà sab÷l assacādah, p. 177; trad., p. 43. 25 chegando homem em relação com o mundo superior.25 Como já se disse, reconheceu explicitamente o desejo veemente que todo homem Porém, para que todo o processo de sente para adquirir a felicidade: “A felicida- atualização e aperfeiçoamento do intelecto de é um fim que todo homem deseja. Todo humano seja possível, é necessária a inter- aquele que se dirige com seu esforço até ela venção do Intelecto Agente, causa da inte- tende a ela somente enquanto é uma certa ligibilidade e da intelecção do intelecto hu- perfeição. E isto é algo que não precisa ser mano. É um intelecto em ato, forma separada explicado por meio de razão alguma, pois e imaterial, que faz intelecto em ato do inte- é sumamente conhecido: toda perfeição é lecto em potência e inteligíveis em ato dos um fim que o homem deseja”.28 Insiste em DR. RAFAEL RAMÓN GUERRERO que a felicidade é o fim último a que ten- numa sociedade, com a ajuda de alguém que de todo homem: “Uma vez que o objetivo o conduza e encaminhe até ela: “Em razão da existência do homem está em alcançar a do que já se disse sobre a diferença existente felicidade última, é necessário que para al- nas disposições naturais dos homens indivi- cançá-la conheça o que é a felicidade, que duais, nem todo homem pode conhecer por estabeleça o seu fim e que este seja objeto si mesmo a felicidade, nem aquelas coisas da sua atenção; em seguida deve conhecer que deve fazer, sendo- as coisas que o capacitam para alcançar a lhe necessário, para isso, K. assiyāsah, p. 78; trad. p. 47. Kitāb ta¬½÷l assacādah (Aquisição da felicidade), p. 49. 31 K. assiyāsah, p.78; trad., p. 47. 32 Cf. Daiber, 1986. 33 K. almillah, pp. 52-53; trad., p. 82. 34 K. ta¬½÷l, p. 63. 29 30 felicidade e logo há de executá-las” . Vê- um mestre e um guia” . se aqui a implicação entre conhecimento e Seguindo Platão, afirma ação, entre saber teórico e saber prático, ao que esse mestre ou guia evidenciar como o homem deve conhecer não pode ser outro senão primeiramente aquelas coisas pelas quais se o filósofo, que, enquanto conhece a felicidade e depois realizá-las. tal, haverá de converter-se no governante da 29 31 O fim da vida humana é a aquisição cidade perfeita ou excelente, a única em que da felicidade, porque é um fim que se esco- o homem pode alcançar a que é verdadeira- lhe por si mesmo e não por razão de outra mente felicidade. coisa. Quem quiser alcançá-la deve seguir É o filósofo-governante32, que vai um caminho: “As coisas humanas por meio possuir de maneira perfeita a Ciência Polí- das quais, quando se realizam nas nações e tica, porque esta é a única pela qual se pode entre os cidadãos, eles conseguem a felici- adquirir essa felicidade: “A Ciência Políti- dade terrena nesta vida e a felicidade últi- ca se ocupa primariamente da felicidade... ma na outra vida são de quatro classes: as Também se ocupa das ações, modos de vi- virtudes teóricas, as virtudes deliberativas, ver, qualidades morais, costumes e hábitos as virtudes morais e as artes práticas”30. As voluntários”33. “A ciência política consiste primeiras artes são a filosofia propriamente no conhecimento das coisas por meio das dita. Daí que a felicidade somente se alcança quais os habitantes das cidades alcançam a através da filosofia propriamente dita. Nesse felicidade através da associação política”34. texto não faz referência ao homem indivi- A Política, assim, se converte numa ciên- dual como o primeiro sujeito da felicidade, cia necessária para o fim a que tende todo mas utiliza os termos “nações” e “cidadãos”, o homem: alcançar a felicidade. Por inter- isto é, fala no plural. E sendo fiel tanto à co- médio dela, o filósofo-governante fundará munidade em que vive como à tradição pla- a cidade excelente, perfeita, ideal, na qual tônica e aristotélica, pensa que a felicidade os cidadãos possam encontrar as melhores ou perfeição suprema e última do homem condições possíveis para que cada um de- não é algo em relação ao indivíduo isolado e les, na medida das suas capacidades, obte- solitário, mas que ela só pode ser alcançada nha sua perfeição última. 99 ARTIGOS A “Cidade Excelente” de Alfārābī 3. A Cidade Excelente são maus. Por isso, nem toda cidade permite alcançar a felicidade. Então, a cidade A associação política, a vida em socie- na qual se pretende pela mútua colaboração dade é necessária ao homem para realizar o chegar àquelas coisas com as quais se conse- seu fim. O homem não pode viver por si mes- gue a verdadeira felicidade, é a Cidade Ex- mo, não pode bastar-se frente às necessida- celente, e a sociedade pela qual se colabora des da vida e para assegurar a sua existência. mutuamente para conseguir a felicidade é a Deve unir-se com os demais em comunida- sociedade excelente”36. des. Estas podem ser perfeitas ou imperfeitas. Essa cidade é aquela em que se re- O grau de perfeição ou imperfeição depende aliza a ordem do universo e em medida de seu tamanho. As incompletas ou imperfei- menor, a ordem humana, organizada pelo tas estão formadas conhecimento desta ordem e estruturada por aldeias, bair- em seus graus hierárquicos. Contudo, por ros, ruas ou casas. mais Ideal que seja, não pode ser concebida As comunidades como uma obra de criação humana segundo perfeitas são de três classes: “A comunidade um modelo divino, como se o Profeta-legis- grande é a comunidade de muitas nações, que lador fosse uma espécie de Demiurgo. Pelo se associam e cooperam entre si mutuamente; contrário, como lemos no texto anterior, o a média é a nação; a pequena é a que ocupa o bem -e o mal- dependem da liberdade, quer espaço de uma cidade” . A perfeição e o bem dizer, da vontade humana. Isto significa mais excelente se obtêm na cidade, mas não que a edificação de tal Cidade pretende em cidades imperfeitas, que só se limitam a eliminar a exigência do mecanicismo rígi- satisfazer as necessidades humanas mínimas do que ocorre no universo. A providência e nas quais inclusive se ignora em que consis- divina permite que a decisão humana não te a perfeição humana. seja arbitrária, porque o homem está dota- K. assiyāsah, p. 69; trad. p. 41. Lê-se o mesmo em K. almad÷nah, p. 228; trad., pp. 82-83. 36 K. almad÷nah, p. 230; trad., p. 83. 35 35 100 Assim, não bastam as sociedades me- do da faculdade de escolha, especialmente nores. É necessária uma cidade em que se encaminhada para o desejo de felicidade. possa obter a verdadeira felicidade: “O bem Para que o homem possa escolher, Deus mais excelente e a perfeição mais elevada ilumina, através do Intelecto Agente, o Pro- somente se alcançam, antes de tudo, na cida- feta-legislador que faz real tal Cidade Ex- de, não na sociedade que é menos completa celente. Mas é necessário além disso que os que ela. E como a verdadeira condição do homens creiam na sua missão, o que exige bem é ser alcançado pela liberdade e pela conhecimento da ordem hierárquica do uni- vontade e, da mesma forma, os males so- verso e reflexão sobre essa ordem para po- mente acontecem pela vontade e a liberdade, der perceber com claridade qual é o lugar e é possível fundar uma cidade para colaborar a função deste Profeta-legislador, filósofo- mutuamente em conseguir alguns fins que governante, Chefe primeiro, em suma. DR. RAFAEL RAMÓN GUERRERO Daí advém o papel privilegiado que pertencentes às artes, disposições e hábitos tem esse Chefe. Seu posto é semelhante ao voluntários, a fim de que se realizem com- que a Causa Primeira ocupa na hierarquia pletamente os bens voluntários em cada uma cósmica: “A relação da Causa Primeira com das cidades e nações segundo seu grau e me- o resto dos seres é como a relação do rei (ma- recimento, para que por causa dele as comu- lik) da Cidade Excelente com o resto de suas nidades das nações e cidades cheguem à fe- partes”37. É comparado também ao membro licidade nesta vida e na vida futura”41. Esta é principal do corpo humano: “Assim como o a tarefa da sabedoria prática: conhecer todas órgão que governa o corpo é por natureza o as ações por meio das quais se estabelecem e mais perfeito e mais completo de seus órgãos conservam na Cidade os hábitos e costumes em si mesmo e no que tem de próprio (...) as- virtuosos, capazes de conduzir seus habitan- sim o Chefe (ra’÷s) da Cidade é a parte mais tes à felicidade verdadeira, faculdade esta perfeita dela” . Deve possuir, por isso, todas que requer uma grande experiência. 38 as perfeições e acumular todas as funções em Este governante, do qual depende matéria de autoridade, aplicando a Ciência o bem fazer do cidadão Política com o máximo conhecimento dela. com a finalidade da aqui- É homem de Estado, filósofo, legislador e sição da felicidade, “é educador39. É um filósofo porque está dotado capaz de determinar, de- da sabedoria especulativa e prática. Por meio finir e dirigir essas ações da filosofia teórica chega a conhecer a ordem até a felicidade. Isto só divina do universo: “Segue-se também ne- existe em quem tem grandes disposições cessariamente que o governante primeiro da naturais e superiores, quando sua alma se Cidade Excelente deve conhecer a filosofia une com o Intelecto agente. Somente pode teórica de modo completo, porque somente conseguir isto quando se atualiza primei- partindo dela poderá empregar aquela orga- ramente o intelecto passivo e em seguida, nização que Deus Altíssimo estabelecera no em continuação, o intelecto que se chama universo, de forma que possa imitá-lo”. Uma adquirido, pois a atualização do intelecto imitação que é o fim supremo de toda filoso- adquirido consiste na união com o Intelecto fia, segundo a máxima que toma de Platão40. agente, como se diz no Livro da alma”42. Cf. Arnaldez, 1951: 144. K. almad÷nah, p. 236; trad., p. 87. 39 Ibidem, p. 234; trad., p. 86. 40 Cf. Gómez Nogales, 1985: 241-249. 41 K. almillah, p. 66; trad., p. 86. 42 Cf. Berman, 1961. 37 38 “Em resumo, <a ciência política mostra> que O conhecimento é necessário ao fi- <o filósofo> deve imitar a Deus e seguir as lósofo-governante para poder aplicar o seu pegadas da direção daquele que rege o uni- saber político, pois é por ele que se conse- verso quando dá às diferentes classes de se- gue a felicidade. E como os homens, na sua res os dons naturais, natureza e disposições maioria, mostram-se incapazes de alcan- próprias que lhes estabeleceu e que nelas se çá-la por si mesmos, o governo da filoso- assentam... <O filósofo> deverá estabelecer fia no Estado é a única garantia para ele. nas cidades e nações coisas similares a estas, Desta maneira, Alfārābī estabelecia como 101 ARTIGOS 102 A “Cidade Excelente” de Alfārābī o Estado em que pensava –imitação fiel da aristotelismo e o neoplatonismo se fundem República platônica- deve reger-se pelas numa união produtiva, e onde o sistema normas que procedem da razão, em virtude edificado pela razão se conclui numa fi- do conhecimento que adquire o filósofo do losofia política, que estabelece as regras universo inteiro através da sua faculdade pelas quais deverá ser regida a sociedade intelectual. Qualquer outra comunidade humana, tomando-as das leis racionais que não governada pelas leis racionais será um regem a estrutura similar e paralela do uni- Estado imperfeito. verso. Mas foi, sobretudo, por harmonizar Com efeito, Alfārābī descreve todas todos os aspectos da filosofia no tema da aquelas Cidades opostas à Excelente por alma e do intelecto: ao estudar a natureza estarem desprovidas de sabedoria. O fim do homem e seu fim último, a felicidade, dessas cidades não é o bem verdadeiro e elevou-se da alma até o intelecto como a felicidade, mas aqueles bens particulares faculdade de conhecimento e de ação éti- que só são bens em aparência. Essas cida- ca, política e técnica, até o intelecto como des são: a Cidade ignorante (Almad÷nah elemento que produz e governa o mundo aljāhilah), cujos habitantes não conhecem sublunar, até os intelectos como motores a verdadeira felicidade e se subdivide em dos céus, e até o intelecto que é, como dis- outras cidades inferiores, a da necessida- se Aristóteles, o pensamento que pensa a si de, a da troca, a infame e desprezível, a mesmo e que Alfārāb÷ converte em Ser Pri- das honrarias e a do domínio e poder; a meiro, Principio primeiro de todos os seres, Cidade imoral ou corrompida (Almadīnah a Verdade e a Realidade absolutas. Isto é, a alfāsiqah), cujas doutrinas são boas mas totalidade da filosofia -epistemologia, cos- suas ações são más; a Cidade do erro mologia, metafísica e ética e política- con- (Almadīnah almutabaddalah), cujos habi- siderada da perspectiva da sua teoria do in- tantes são enganados naquilo que se refere telecto e do conhecimento. E, como ciência à verdadeira felicidade; e por fim a Cidade arquitetônica, a Política ensina o homem o extraviada (almadīnah aÅÅāllah), aquela caminho de uma ascensão gradual desde a cujos habitantes possuem falsas opiniões. percepção do mundo físico até a do mundo Alfārābī trouxe para a filosofia do superior. Tal é a tarefa à qual deve consa- Islã o seu caráter próprio: uma visão do grar-se o Chefe da Cidade Excelente, única mundo em que o real e o divino estão per- que torna possível o verdadeiro caminho feitamente combinados, de forma que o até a felicidade. DR. RAFAEL RAMÓN GUERRERO BIBLIOGRAFIA Alfārābī. Kitāb almadīnah (mabādi’ ’ārā’ ’ahl almadīnah alfāÅilah) (ed. R. Walzer, Oxford: Clarendon Press, 1985; tradução espanhola de M. Alonso: La Ciudad Ideal, presentación de M. Cruz Hernandéz, Madri: Tecnos, 1985). ____. Kitāb almillah wa-nu½ý½ ’uærà (ed. M. Mahdī, Beirute: Dār Alma¹riq, 1968; trad. espanhola: Al-Farabi: Obras filosófico-políticas). ____. 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