Publicidade e Propaganda
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Publicidade e Propaganda
PUBLICIDADE E PROPAGANDA Coordenação: Profa. Dra. Cristiane Mafacioli Carvalho ([email protected]) Mesa: PUBLICIDADE E DISCURSO Coordenação: Cristiane Mafacioli Carvalho Discurso Publicitário no Turismo: Contratos Enunciativos estabelecidos pela CVC de 2010 a 2014.1 MACHADO, Andréia Ramos Mestranda em Comunicação Social Pontifícia Universidade Católica / RS. 2 Resumo: O turismo mundial vem sofrendo mudanças a cada ano, incentivadas pelos mais variados motivos, dentre eles um novo perfil de turista que vem tomando conta de sua viagem e possui o desejo de viajar cada vez mais. A publicidade no turismo vem se atentando para estas novas características. Evidenciar como o discurso publicitário vem estabelecendo contratos com o turista é o objetivo deste artigo. Para que isto seja possível, foi escolhida a Análise de Discurso como suporte teórico metodológico, com ênfase nas obras de Patrick Charaudeau e Eliseo Verón. A partir deste suporte foi realizada uma análise do discurso da operadora de turismo CVC no período de 2010 a 2014. Ao final foi possível verificar que a operadora pesquisada estabelece contratos enunciativos de parceria com o turista, buscando, por meio de seu discurso, atingir o turista atual, mais conectado e informado. Palavras-chave: Comunicação Social; Turismo; Análise de Discurso; Discurso Publicitário, Contratos Enunciativos. Introdução Analisar o discurso publicitário torna-se tarefa ampla para os pesquisadores, pois é necessário muito mais que analisar as palavras. É preciso estabelecer um conjunto de forças de análise, em que o texto, a imagem, a iconografia são partes de um contexto que sofre a influência social do meio. No segmento do turismo onde o produto é, na maioria das vezes, intangível, os discursos publicitários necessitam ser elaborados de forma a captar a atenção do destinatário e para isto precisam estabelecer contratos valendo-se de estratégias discursivas próprias do discurso publicitário para atingir o objetivo. 1 Artigo apresentado no GT Publicidade e Propaganda no XIII Seminário Internacional de Comunicação, PUCRS, Porto Alegre/RS, Novembro de 2015. 2 Mestranda em Comunicação Social pela PUCRS. MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas. Graduação em Publicidade e Propaganda pela Unisinos/RS e em Gestão do Turismo pela Universidade Católica de Brasília/DF. Consultora de Comunicação e Marketing. [email protected]. 1 Neste artigo é feito um apanhado sobre o discurso publicitário e seus conceitos, baseados principalmente nas premissas desenvolvidas por Patrick Charaudeau e Eliseo Verón, servindo de aporte teórico metodológico para uma análise de discurso ambientada no segmento de pesquisa da autora: o turismo. Para o corpus desta análise foram escolhidos três anúncios publicitários da CVC - importante empresa do segmento turístico brasileiro - de 2010 a 2014. O início do período escolhido demarca um grande crescimento das viagens turísticas no País e os anúncios foram escolhidos por apresentarem mudanças significativas de slogans e logomarca em um curto espaço de tempo, suscitando as inquietações sobre o que estas mudanças significam no contexto da mensagem e seus destinatários. Por fim, procura-se evidenciar os contratos enunciativos estabelecidos por meio desta publicidade identificando suas características através do discurso e verificar de que forma estão sendo determinados estes contratos com o destinatário, buscando-se, ao final, observar como estes anúncios estão “falando” com o novo perfil do turista existente no mercado turístico atual. O Discurso Publicitário e o Turismo Charaudeau (1983), afirma que o discurso publicitário é determinado pela “organização enunciativa, narrativa e argumentativa dos seres de fala, que são postos em cena pelo texto publicitário”. Trata-se de perguntar: Quem está em cena no texto e como está. Variam de acordo com a legitimidade do enunciador, os papéis no texto (o fazer crer e o dever crer) e o lugar atribuído ao destinatário. Na organização enunciativa, para ele, o enunciador é o sujeito configurado pela fala, o apresentador do produto, o Anunciador e o destinatário não é designado por consumidor, mas como suscetível ao consumo. Na organização narrativa, existe uma situação de falta, uma consciência desta necessidade e o produto representa a forma de suprir esta falta. Já a organização argumentativa é descrita como um ato de persuasão que mostra a validade da proposição. Neste texto utilizaremos as nomenclaturas utilizadas por Charaudeau (1983) para representar os agentes participantes do ato de linguagem no discurso publicitário, sendo EUe o anunciador, EUc o sujeito comunicante - o publicitário e TUd o destinatário do discurso. Na publicidade do setor de Turismo, isso não é diferente. São muitos os fatores que afetam o turista na decisão de compra e a escolha do destino não é somente a única dimensão que precisa ser definida, mas também tudo o que se vai fazer neste destino. E como o “produto” total é formado por uma ampla gama de componentes variados, seu 2 anúncio por meio da mídia torna-se a primeira parte da experiência do turista com seu desejo. Não basta informar o indivíduo que existe determinado produto turístico, mas seduzi-lo de tal forma que o influencie a comprar sem usufruir dos benefícios do produto, pois estes só serão experimentados durante a viagem. (LICKORISH e JENKINS, 2000) Sendo assim, os discursos publicitários de produtos turísticos precisam estabelecer estratégias para influenciar as expectativas dos turistas. Como, na maioria das vezes, o produto do segmento turístico é o serviço, não tangível, o discurso precisa impactar o destinatário com uma promessa motivadora de sua escolha. Além disto, é importante conhecer os contratos estabelecidos pelo discurso publicitário no turismo para compreender qual a relação que esta publicidade propõe ao turista. Contratos Enunciativos O ato de linguagem no discurso publicitário é o resultado de uma fala do enunciador se utilizando de estratégias específicas a este gênero de discurso para levar o receptor a crer nos efeitos produzidos por ele. Verón nos diz que o contrato de leitura se dá na relação entre o enunciador (sujeito que fala) com o destinatário do discurso (VERÓN, 1992). Por meio do enunciado, o discurso constroi uma imagem do enunciador, para quem ele está “falando”, assim como estabelece um nexo entre estas duas esferas do discurso. Por meio das escolhas feitas pelo enunciador para propor algo ao destinatário é que se instala o contrato e a fala deve ser de comum conhecimento entre as partes envolvidas. E estas escolhas não são desinteressadas e despretensiosas, o enunciador se utiliza de estratégias em seu projeto de fala. Segundo CHARAUDEAU (1983) o contrato de fala que define o gênero publicitário expõe duas estratégias: ocultação e sedução/persuasão. Determinando as estratégias e o que se quer dizer com elas, estabelece-se o contrato enunciativo. Estabelecer o contrato preenche uma lacuna nas análises dos discursos de comunicação, já que permite a compreensão de como são construídos os laços das marcas/produtos com o consumidor. A análise do contrato permite “resgatar a especificidade” de uma mídia e seus discursos, ressaltar as dimensões que constituem a maneira particular que eles têm de construir essa relação (VERÓN, 1985). 3 Desta forma, para estabelecer o contrato é necessário que aqueles que dele participam aceitem as regras colocadas, mesmo que isso não seja explícito no ato de linguagem, porque é neste que está a sua validação. Analisando o discurso da CVC Antes de desenvolver uma análise do discurso publicitário e determinar que contratos eles estabelecem é importante que se conheça o contexto de produção do mesmo. Na análise proposta por este artigo, o contexto nos mostra características da instância produtora que podem ser determinantes na elaboração das peças publicitárias e o estabelecimento dos contratos. Por isto, é relevante que se conheça esta estrutura, primeiramente de forma geral e, posteriormente, na análise específica de cada peça, de forma pontual, de acordo com o período de elaboração de cada anúncio. Para analisar o discurso das peças publicitárias escolhidas como corpus deste artigo, primeiramente foi definido: a) o Anunciador (EUe) e b) o Enunciador (EUc), como forma de contextualizar o leitor da situação de produção discursiva. Após, em cada um dos anúncios – 2010, 2012 e 2014 - foram definidos os contextos específicos, quem é o destinatário, a falta que o anúncio pretende preencher com o auxiliar de busca (que será chamada de desejo) e o produto anunciado. Então, passa-se à análise dos textos, imagens, slogans e outras características narrativas, para determinar o contrato estabelecido por cada um deles. a) Contexto da situação de produção: o Anunciador (EUe) A CVC iniciou suas atividades em 1972, com os sócios Guilherme Paulus e Carlos Vicente Cerchiari (a sigla CVC vem das iniciais deste nome), na cidade de Santo André, na região do Grande ABC Paulista (SP). Nesta época eles vendiam passagens rodoviárias aos operários das fábricas da região. Neste formato a agência permaneceu por mais quatro anos, quando a sociedade se desfez em 1976 e Guilherme Paulus assumiu a administração da CVC, mantendo o nome com as iniciais do ex-sócio. Em novembro de 2009 o fundo de private equity Carlyle adquiriu por meio da CBTC Participações S.A. ("CBTC"), 63,6% das ações da Companhia. Esta ação fez com que a CVC se fortalecesse e se expandisse ainda mais chegando aos dias de hoje sendo a maior operadora de turismo na América Latina. 4 Oferecem, principalmente, produtos e serviços turísticos para as famílias da classe média brasileira, distribuídos em um portfólio de mais de 1.000 destinos domésticos e internacionais que combinam tarifas aéreas, transporte terrestre, hospedagem, seguro de viagem e outros serviços complementares de viagem. Atuam nos 26 estados do Brasil e no Distrito Federal por meio de contratos master de franquia de longo prazo e contratos de franquia (com prazo de dez anos, ao final do qual são renováveis por acordo mútuo). Contam ainda com mais de 6.500 agentes credenciados independentes que vendem os produtos e serviços nos seus próprios pontos de venda e também com a venda pelo site que tem grande representatividade no rendimento do negócio. b) Contexto da situação de produção: O Enunciador Publicitário (EUc) Até o ano de 2011 os anúncios CVC eram feitos pela GP7, agência criada por Guilherme Paulus como “house agency” que cresceu e conquistou outros clientes além da operadora de turismo. Neste ano, foi incorporada pela então Publicis Red Lion. Nos anúncios analisados, o enunciador é a Agência Publicis Brasil. Pertence ao grupo Publicis Worldwide Brasil, rede composta por seis agências e é controlada pela PWW internacional. Ela integra o Publicis Groupe – terceiro maior conglomerado de comunicação do mundo, comandado por Maurice Lévy.3 A seguir, serão apresentadas as análises de cada um dos anúncios da CVC. c) Anúncio CVC 2010, Onde os sonhos viram conquistas. Publicação: novembro de 2010, em revistas especializadas em Turismo. Contexto: A CVC lançou em novembro de 2010 o anúncio referido na Figura 1, para promover o novo conceito de comunicação baseado na conquista. Neste momento, o País verificava um crescimento no setor do Turismo devido ao aumento de renda da classe média. A empresa realizou uma pesquisa que revelou que a realização do sonho de viagem era uma das principais prioridades dos turistas, ao lado da casa própria e do automóvel. 3 Disponível em www.publicisbrasil.com.br, acesso em 18 de junho de 2015. 5 Figura 1 – Onde os sonhos viram conquistas Fonte: disponível em: http://www.guiavalecondominio.com.br/anuncio/785/cvc, acesso em 19/06/15. Neste anúncio o EUc é a CVC, o EUe é a agência Publicis Red Lion e o.TUd é a classe média brasileira, turistas que estão começando a viajar devido ao aquecimento da economia e pessoas que gostam de viajar com tudo previsto e incluído. O “desejo” é o de uma viagem tranquila, completa e bem organizada. Felicidade. E o Produto são Pacotes de viagem CVC.. A imagem mostra um casal jovem, com filhos, bem vestidos, bom padrão financeiro, pois estão aparentemente em um resort, mas não os mostra totalmente relaxados com as férias, como se acabassem de chegar ao local. A mulher segura uma bandeira que corrobora o objetivo da empresa em trabalhar o conceito de “conquista”, como se estivessem “fincando a bandeira” para conquistar o desejo das sonhadas férias. Com a economia “estável” do período deste anúncio, o EUc utiliza de argumentos para seduzir o destinatário que gosta de comodidade e segurança para viajar, pois muitos estão começando a viajar neste momento. As expressões contidas na chamada já demonstram o público que querem atingir e a atribuição de sentidos que pretende dar com elas: “se preocupa”, “todos os detalhes”, “você não se preocupar”. Na 6 sequência do texto isso fica ainda mais evidente com a utilização de: “tudo para você”, “tranquila, completa, bem organizada”. Para dar segurança e legitimidade, eles utilizam “líder na preferência”, “39 anos de experiência” e “especialista em conquistas”. O anúncio segue toda esta linha de distribuição de imagens e texto, levando o destinatário a interpretar que está tudo bem organizado e que escolhendo um pacote da CVC (agente de busca), ele irá realizar o seu sonho de viajar com a família de forma segura e tranquila. O slogan principal: “CVC. Onde os sonhos viram conquistas” se apresenta com um tipo enunciativo de comportamento elocutivo, onde o anunciador se dá o estatuto de Benfeitor e que incita o destinatário a considerar-se um beneficiário. O segundo slogan expresso na bandeira: “Com a CVC o mundo é meu”, apresenta um tipo argumentativo de singularização onde somente com a obtenção do produto (pacotes da CVC) o destinatário poderá conquistar o que quer, ou seja, as diversas viagens pelo mundo. (CHARAUDEAU, 1983) Por fim, o contrato estabelecido pela CVC por meio deste anúncio é o de realizar sonhos. É de que a família pode realizar o seu sonho, com segurança e sem comprometer o seu orçamento. d) Anúncio CVC 2012, Tudo por uma boa viagem. Publicação: dezembro de 2012, em revistas especializadas em Turismo. Contexto: Há alguns anos trabalhando o sonho de viagem na sua comunicação, a CVC completa 40 anos em 2012 e reformula sua comunicação,vide figura 2, fruto de uma nova fase de gestão e visão de mercado. Figura 2 – Tudo por uma boa viagem Fonte: disponível em http://voxnews.com.br/cvc-embarca-o-bilionesimo-turista-internacional, acesso em 19/06/2015. 7 Duas características de produção neste período são importantes para a compreensão de alguns aspectos deste anúncio: o “sonho” da economia estável e do crescimento econômico começam a enfraquecer e a empresa percebe que viajar tornouse mais usual, não sendo mais um sonho para o turista, fazendo com que o objeto de desejo não seja mais a viagem em si, mas o destino. De acordo com pesquisas divulgadas pela empresa, as classes A e B classificam a viagem como o primeiro item de intenção de compra. Já na classe C, as viagens já alcançaram o terceiro lugar. A empresa divulga que o ‘monte sua viagem’ passou a ser o produto com maior crescimento da operadora onde o segmento prioritário é o lazer. Neste anúncio o EUc é a CVC, o EUe é a Publicis Red Lion e o TUd é a classe média brasileira, que tem recursos suficientes para viajar. São pessoas interessadas em conhecer novos lugares, público composto por jovens adultos. O Desejo é a felicidade, conhecer o mundo e a liberdade. O Produto são as viagens internacionais da CVC. Por mais que a CVC tenha seu maior público consumidor entre as famílias, evidencia-se neste anúncio que desejam atingir o público um pouco mais jovem, que pode viajar sozinho e em grupos, pois não aparecem as tradicionais famílias dos anúncios anteriores da empresa. A chamada do anúncio trabalha o conceito da visada de incitação a fazer, que passa por um “fazer crer” que só precisa de um pequeno motivo para escolher a CVC para viajar, a fim de persuadir o destinatário de que será beneficiário do seu próprio ato (CHARAUDEAU, 1983). Além disso, a frase posterior legitima o enunciado de que a CVC é a melhor opção de viagem internacional: “Nós temos 1 bilhão deles”. O texto explicativo descrito no anúncio, mostra um dado da OMT (Organização Mundial de Turismo) que busca dar legitimidade ao conceito de que muitas pessoas viajam pela CVC, principalmente para o exterior. As expressões: “bilionésimo turista”, “viajar pelo mundo” e “cidades mais visitadas do planeta” dão a amplitude do benefício que se quer fazer crer. É possível viajar para Paris, muitas pessoas o fazem, o destinatário é persuadido de que pode viajar também. E coloca a CVC no patamar de grandes empresas no turismo, pois dá acesso ao mundo para várias pessoas, legitimado pela frase: “CVC, uma das maiores operadoras de viagens do mundo.” O slogan mudou para “Tudo por uma boa viagem”. Aqui a estratégia de comunicação modifica do texto que abordava o sonho de poder viajar, para aquele que já viaja e quer que tudo transcorra bem. A CVC reforça a sua estrutura de assistência 8 antes e durante a viagem, onde o turista pode viajar com mais frequência e contar com a empresa em todos os aspectos da viagem. O tipo enunciativo é o delocutivo, que tem o efeito de incitar o sujeito interpretante a identificar-se com a imagem ideal de um terceiro que seria adquirido na busca apresentada pelo texto (CHARAUDEAU, 1983). Analisando neste anúncio a palavra fugir empregada na chamada e na hashtag “#vamos fugir”, remete a um público de “jovens adultos” que deseja fugir de uma situação de muito trabalho, estudo, da correria diária e se aventurar pelo mundo. E que se antes não via a CVC como um parceiro, agora é levado a crer que pode contar com ela também. Mas também pode significar o desejo do brasileiro de fugir da situação do país que começa a dar vistas de que não está tão bem como era apresentada pela política do governo. Fugir do país, fugir de uma situação de possível crise em alguns anos, pode transparecer na interpretação deste texto. Finalizando a análise deste anúncio, pode-se verificar que o contrato estabelecido pela CVC com o destinatário é o de fugir e viajar pelo mundo. Fugir da rotina e conhecer o melhor que o mundo tem a oferecer, tudo isso com liberdade de escolha e com assistência especializada. e) Anúncio CVC 2014, Sempre com você. Publicação: maio de 2014, em revistas especializadas em Turismo. Contexto: Para celebrar os 42 anos a CVC lança uma campanha com uma alteração no logotipo e um novo slogan, conforme Figura 3. Figura 3 – Sempre com você Fonte: disponível em http:// voxnews.com.br/cvc-apresenta-hoje-novo-conceito, acesso em 19/06/2015. 9 De 2011 para 2014, os números de transações realizadas pelo público entre 18 e 25 anos mais do que triplicou na CVC, tendo sido exatamente a faixa etária com maior crescimento na empresa, à frente da faixa de 26 a 30 anos e da faixa de 31 a 40 anos. Os números indicam que, além de continuar crescendo na faixa etária que envolve a família, a CVC também vem expandindo mercado e share junto às classes mais jovens.4 Neste anúncio o EUc é a CVC, o EUe é a Publicis Brasil e o TUd é a Classe média brasileira, sendo um público mais jovem, incluindo jovens casais. Turistas que buscam a personalização da viagem. O Desejo é a felicidade e a liberdade, mas aqui aparece também a “parceria”. O Produto é a viagem com flexibilidade, mas com segurança. A apresentação do novo conceito da CVC já começa na chamada do anúncio. “Já parou para pensar no que significa CVC?” Poucas pessoas atualmente devem ter passado por esta indagação devido à força da marca já construída e consolidada. E ainda menos turistas devem conhecer que a marca era a inicial do nome de um dos primeiros sócios da empresa. Isso abre uma prerrogativa para que a empresa diga que a sigla CVC representa o que eles querem que signifique. A intenção de dar o significado de “Com VC” para a sigla CVC, demonstra a aproximação que a empresa deseja realizar com o público mais jovem que utiliza estas abreviações e modos de escrita em suas incursões pelas redes sociais e chats de conversação. Inclusive fazem questão de dizer no texto que estão com o turista em qualquer lugar, a qualquer hora, sempre disponível, como é a vida no ciberespaço. Estas expressões acima citadas, juntamente com “sempre prontas”, “no Brasil, lá fora, na praia, nas montanhas”, “milhares de pessoas”, mostram a estrutura que a CVC disponibiliza para quem quer viajar, tomando conta da sua viagem, mas contando com a assessoria de alguém que não está ali para importunar e sim à disposição em qualquer hora e local. Todas estas expressões constroem um destinatário que deve crer que também pode viajar sendo sujeito da sua viagem, mas que, acompanhado da CVC, ele tem a tranquilidade para usufruir o melhor dela. O texto também deixa transparecer que a CVC é flexível, que não comercializa apenas pacotes montados. 4 Disponível em WWW.cvc.com.br. Acesso em 19 de junho de 2015. 10 O novo logotipo inclui um underline após o primeiro C, numa tentativa de aproximar o público jovem do conceito do “com você”, utilizando-se de uma linguagem própria da internet. O slogan “Sempre com Você”, está explicado em todo o texto, mas vem carregado de significações devido à forma como está escrito, remetendo também a linguagem da internet: “sempreComVC”. Portanto, o contrato enunciativo estabelecido pelo EUc neste anúncio é o de que é possível manter-se jovem, viajando com a parceria da empresa que está ali para ajudar sem importunar a felicidade do destinatário. Confere uma intenção de renovação da marca, que busca renovar também seu público. Considerações Finais Nos dias de hoje, o turista modificou muito o seu comportamento de escolha e compra. Possui um grande conjunto de informações que o torna exigente e oscilante em relação ao seu processo de escolha e seu comportamento durante as viagens. O novo turista cada vez mais quer assumir o papel de protagonista, estando bem consciente da relação preço-qualidade (MOLINA, 2003). As tecnologias conectam esse indivíduo com diversas fontes de informação, tornando a tarefa do discurso publicitário ainda mais complexa neste segmento. Não basta construir um texto, é necessário estabelecer contratos eficazes com este novo perfil de consumo no turismo. Durante o período que se transcorreu entre o primeiro e o último anúncio analisados, pode-se evidenciar a intenção da empresa em se aproximar deste novo turista. Existem ainda os clientes que procuram viajar comprando um pacote pronto, mas este público a CVC já tem conquistado em sua carteira de clientes. Para dialogar com este novo perfil de turista é que a empresa tem investido em ações para aproximar a marca deste público. A utilização de linguagens da internet e da flexibilização nos seus serviços aproximam a empresa destes indivíduos, mas ainda está em uma fase inicial de relacionamento. Devido à marca estar consolidada durante estes 43 anos de sua existência como empresa que vende pacotes fechados de viagens, esta aproximação torna-se gradual. A linguagem mais coloquial e as expressões do meio virtual são iniciativas de aproximação e já podem ser evidenciadas no anúncio de 2012. Enfim, as mudanças de slogan e de logomarca da empresa visam colocá-la dentro de um novo cenário mundial de comunicação e de turismo. Aos poucos o 11 discurso da CVC vem conseguindo estabelecer contratos com o novo perfil do turista brasileiro, deixando marcas positivas de que pode ser uma boa opção de escolha por parte dele. Referências Bibliográficas BRASILTURIS. www.brasilturis.com.br (acesso em 19 de junho de 2015). CHARAUDEAU, Patrick. “À propos du genre publicitaire.” In: Language et Discours, por Patrick CHARAUDEAU. Paris: Hachette Université, 1983. CHARAUDEAU, Patrick. “O discurso propagandista: uma tipologia.” In: Análises do Discurso Hoje, vol. 3, por Ida Lucia & MELLO, Renato MACHADO. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. CVC. www.cvc.com.br (acesso em 19 de junho de 2015). Guia Vale. http://www.guiavalecondominio.com.br/anuncio/785/cvc (acesso em 26 de junho de 2015). LICKORISH, Leonard J. e JENKINS, Carson L. Introdução ao Turismo. Rio de Janeiro: Campus, 2000. MOLINA, Sérgio. O Pós-Turismo. São Paulo: Aleph, 2003. PANROTAS. www.panrotas.com.br (acesso em 19 de junho de 2015). VERÓN, Eliseo. “El Análisis del “Contrato de Lectura”: Un Nuevo Método para los Estudios del Posicionamiento de Los Soportes de los Media.” IREP, Paris, 1985. VERÓN, Eliseo. “Reading is doing: Enunciation en the Discourse of the Print Media. .” Marketing Signs. Marketing Signs Research Institute – Indiana University, 1992. VOX NEWS. http://voxnews.com.br (acesso em 26 de junho de 2015). 12 XIII SEMINARIO INTERNACIONAL DE COMUNICACIÓN PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDAD DE COMUNICACIÓN SOCIAL PROGRAMA DE POS-GRADUACIÓN EN COMUNICACIÓN SOCIAL DISCURSO PUBLICITARIO EN LA BEATIFICACIÓN DE MONSEÑOR ÓSCAR ARNULFO ROMERO ÓSCAR A. ELIZALDE PRADA GRUPO DE TRABAJO: PUBLICIDAD Y PROPAGANDA COORDINACIÓN: PROF. DRA. CRISTIANE MAFACIOLI CARVALHO PORTO ALEGRE NOVIEMBRE DE 2015 RESUMEN 13 Este trabajo ofrece una contribución a la comprensión de los discursos publicitarios en la comunicación de la fe religiosa. Concretamente, el acontecimiento de la beatificación de Óscar Arnulfo Romero, obispo católico mártir de El Salvador, el 23 de mayo de 2015, posibilita un análisis crítico de los sentidos y contra-sentidos de la campaña publicitaria que antecedió a la ceremonia de beatificación. En un primer momento se presenta una sumaria aproximación sobre el significado del martirio de monseñor Romero en el contexto social, político y eclesial del país centroamericano, en la perspectiva de la “Iglesia de los pobres y para los pobres” preconizada por el papa Francisco. Luego, a partir de algunos presupuestos teóricos desarrollados por Patrick Charaudeau y Maria Lília Dias de Castro, se debaten los dispositivos de los escenarios y de las tensiones discursivas que se evidencian en las estrategias publicitarias y en el discurso propagandista que fueron encaminados por la Conferencia Episcopal de El Salvador. En la tercera parte del trabajo se argumenta cómo la figura de monseñor Romero, presentada por la campaña “oficial” de su beatificación, se encuadra en la publicidad sustentada en el valor simbólico del consumo. Finalmente, a modo de conclusión, se indaga si el discurso propagandista religioso se encuentra referido a las estrategias de persuasión o de seducción normales o en el orden de las estrategias de manipulación de los espíritus. PALABRAS CLAVES Discurso publicitario, Óscar Romero, persuasión, discurso promocional RESUMO Este trabalho apresenta uma contribuição para a compreensão dos discursos publicitários na comunicação da fé religiosa. Concretamente, o acontecimento da beatificação de Óscar Arnulfo Romero, bispo católico mártir de El Salvado, em 23 de 14 maio de 2015, possibilita uma analises crítica dos sentidos e contra-sentidos da campanha publicitária que antecedeu à cerimonia da beatificação. Em um primeiro momento apresentamos uma sumária aproximação sobre o significado do martírio de dom Romero no contexto social, político e eclesial do país centroamericano, na perspectiva da “Igreja dos pobres e para os pobres” preconizada pelo papa Francisco. Em seguida, a partir de alguns pressupostos teóricos desenvolvidos por Patrick Charaudeau e Maria Lília Dias de Castro, se debatem os dispositivos dos cenários e das tensões discursivas que se evidenciam nas estratégias publicitárias e no discurso propagandista que foram encaminhadas pela Conferência dos Bispos de El Salvador. Na terceira parte do trabalho argumenta-se o jeito como a figura de dom Romero, apresentada pela campanha “oficial” da sua beatificação, enquadra-se na publicidade sustentada no valor simbólico do consumo. Finalmente, a modo de conclusão, indaga-se se o discurso propagandista religioso encontra-se na ordem das estratégias de persuasão e sedução normais ou na ordem das estratégias de manipulação dos espíritos. PALAVRAS CHAVE Discurso publicitário, Óscar Arnulfo Romero, persuasão, discurso promocional. DISCURSO PUBLICITARIO EN LA BEATIFICACIÓN DE MONSEÑOR ÓSCAR ARNULFO ROMERO 5 Óscar A. Elizalde Prada6 El presente trabajo fue realizado con apoyo del Programa Estudantes-Convenio de Pós-Graduaçao – PEC-PG, de la CAPES/CNPq – Brasil. 5 15 Introducción Los procesos socio-históricos de la humanidad están atravesados por discursos que, de acuerdo con Charaudeau, “son el resultado de un proceso doble de transformación y de transacción del saber”7 (2013, p. 57) que “antes de representar el mundo, representa una relación” (2013, p. 42). En el contexto de la fe religiosa los discursos publicitarios ofrecen sentidos y contrasentidos que no escapan a intereses y lógicas, ni desprecian el potencial de las estrategias publicitarias que configuran los escenarios mediáticos, a través de dispositivos que se derivan de los acontecimientos noticiados. Este artículo, referido al discurso publicitario “oficial”8 que acompañó el acontecimiento de la beatificación de monseñor Óscar Arnulfo Romero en San Salvador, el 23 de mayo de 2015, parte de una breve aproximación sobre el significado del martirio de quien fuera el arzobispo de San Salvador entre 1977 y 1980, asesinado por un francotirador mientras celebraba la eucaristía en la capilla del hospital de la Divina Providencia. A la luz de este acontecimiento se proponen algunos trazos teóricos para delinear los dispositivos escénicos en los que se insertan el video, el slogan y el brochure con los cuales se promocionó la ceremonia de beatificación. Al final, se propone un análisis crítico para confrontar el Romero de la historia con el Romero del “discurso promocional”. Se concluye con algunas acuciantes interpelaciones que transitan entre la persuasión y la manipulación. 1. El martirio de monseñor Óscar Arnulfo Romero9 6 Licenciado en Educación con especialidad en Ciencias Religiosas y Magíster en Estudios y Gestión del Desarrollo (Universidad de La Salle – ULS, Bogotá, Colombia). Estudiante de doctorado en Comunicación Social (Pontíficia Universidade do Rio Grande do Su – PUCRS – Porto Alegre, Brasil). Integrante del grupo de investigación Intersubjetividad y educación superior de la ULS. 7 Traducción libre del texto original en portugués. La misma anotación es válida para todas las referencias de este escrito. 8 La referencia a un discurso publicitario “oficial” alude explícitamente a la acción encaminada, sobre este asunto, por parte de la jerarquía de la Iglesia católica de El Salvador. 9 Una primera versión de estos planteamientos que ofrecen algunos trazos sobre el significado de la beatificación del obispo Óscar Arnulfo Romero fueron expuestos en el artículo de opinión Monseñor Romero, “padre de los pobres”, publicado en la Revista Vida Nueva Colombia No. 124 (ELIZALDE, 2015). 16 Hace 10 años, en la celebración del 25º aniversario del martirio de monseñor Óscar Arnulfo Romero, se presenciaba una multitudinaria romería de jóvenes “romeristas” que acudían con devoción a su tumba, en la cripta de la catedral donde cada domingo pronunciaba sus trascendentales homilías. Sobre el túmulo del mártir, donde se leía la inscripción de su lema episcopal (“Sentir con la Iglesia”), abundaban las expresiones de afecto de la gente. Romero estaba arropado entre rosas y pequeñas cartas escritas a mano. Una de ellas decía: Monseñor Romero, profeta y mártir de El Salvador (el enviado de Dios): Tengo 16 años de edad. Desde que entré al colegio me inculcaron mucho el valor que tú tienes. Mi familia tiene recuerdos hermosos de ti (…). Te pido que me ilumines para poder ayudar a las personas más necesitadas como tú lo hacías (…) (Carta manuscrita)10. En el pueblo salvadoreño la devoción profunda y espontánea por el arzobispo mártir no distingue géneros ni generaciones. Los pobres han sido los primeros en proclamar la resurrección del “pastor que dio la vida por sus ovejas”. Sus manifestaciones de piedad han desbordado todo intento de regulación por parte de las autoridades políticas y de la jerarquía eclesiástica, que no han ahorrado esfuerzos, en estos 35 años, para infiltrar en la prensa y en los medios de comunicación la idea de un obispo “comunista”, “ideologizado”, “cercano a las guerrillas”, e incluso “cooptado por la política” y “enemistado con la Iglesia (de Roma)”. Paradójicamente, dos semanas antes de que fuera asesinado el 24 de marzo de 1980, Romero había declarado al periodista mexicano José Calderón Salazar que “como cristiano, no creo en la muerte sin resurrección. Si me matan, resucitaré en el pueblo salvadoreño”. Tres días después de su martirio, el jesuita Ignacio Ellacuría –mártir también– dijo que “con monseñor Romero Dios pasó por El Salvador”. Como salvadoreño y pastor, Romero se identificó con los problemas de su pueblo hasta sus últimas consecuencias. En múltiples oportunidades y de manera especial en sus homilías dominicales y en sus cartas pastorales, asumió “la voz de los que no tienen voz 10 Fragmento de una carta autógrafa e inédita, encontrada por el autor de este trabajo sobre la tumba de monseñor Oscar Arnulfo Romero, en la cripta de la Catedral de San Salvador, el 23 de marzo de 2005. 17 para gritar contra tanto atropello contra los derechos humanos” (ROMERO, Homilía del 28 de agosto de 1977). Por su parte, el pueblo salvadoreño –que no hace muchas diferencias entre las categorías de beato y santo– lo canonizó el mismo día de su martirio, cuando una bala traspasó su corazón mientras celebraba la misa. Desde entonces Romero vive en la memoria de su pueblo, es el “Padre de los pobres”, como lo proclamó el papa Francisco, que “en tiempos de difícil convivencia, supo guiar, defender y proteger a su rebaño, permaneciendo fiel al Evangelio y en comunión con toda la Iglesia. Su ministerio se distinguió por una particular atención a los más pobres y marginados” (FRANCISCO, 2015). La figura de monseñor Romero se erige como “protomártir” de la opción por los pobres preconizada por la Iglesia católica latinoamericana en Medellín, Colombia (1968) y en Puebla, México (1979). Fue mártir por amor a los pobres. Su sacrificio, como el de Rutilio Grande, Octavio Ortiz, los mártires de la UCA y decenas de sacerdotes y catequistas que se suman a miles de víctimas de la guerra civil de El Salvador, son “espíritu y vida” para un pueblo que clama justicia y paz. De ahí que no sean vanas las tensiones que se han generado en torno a su beatificación, ante el peligro de desdibujar la osadía profética de Romero, sustrayéndolo de su contexto socio-histórico, de su compromiso con los pobres, y de sus opciones pastorales –inspiradas en el Magisterio de la Iglesia posconciliar– a favor de la justicia, la comunión y el diálogo. Es en este sentido que el teólogo Jon Sobrino advirtió en una entrevista el riesgo de que “beatifiquen a un monseñor Romero aguado” y no “a un Romero vivo, más cortante que una espada de doble filo, justo y compasivo” (METALLI, 2015). Su beatificación en la víspera de Pentecostés y en su propia tierra, constituye un desafío inaplazable para un país agobiado por la violencia y para la “Iglesia en salida” (FRANCISCO, 2014) que peregrina hacia las periferias existenciales, al encuentro de los pobres, puesto que, como se ha dicho más de una vez, los mártires no murieron para salvar almas, sino para salvar vidas. 18 2. Dispositivos de escenificación y tensiones discursivas En el mundo católico, y más allá del escenario religioso, Romero no es un mártir desconocido. Tampoco lo fue en vida. Y sin embargo, cuando lo mataron nadie pudo prever el impacto de este acontecimiento que rápidamente se tornó noticia mundial. “Podremos llamar ‘noticia’ a un conjunto de informaciones que se relacionan con un mismo espacio temático, teniendo un carácter de novedad, proveniente de una determinada fuente y pudiendo ser diversamente tratado” (CHARAUDEAU, 2013, p. 132. Las cursivas corresponden al autor). El asesinato de Romero fue un hecho de dominio público (espacio temático), con un carácter actual permanente (novedad) y relatado por distintas instancias de información (fuentes), unas más creíbles que otras. Para comprender las lógicas que están en juego en el discurso publicitario de la beatificación de monseñor Romero, es preciso considerar también cómo ha sido relatado el acontecimiento su martirio. Un “acontecimiento relatado”, según Charaudeau, comprende hechos y dichos. “Hechos que tienen relación con el comportamiento de los individuos y con las acciones que estos emprenden (…). Y dichos que tienen relación con pronunciamientos diversos, pronunciamientos que pueden adquirir valor de testimonio o de decisión, o de reacción” (2013, p. 152). El “hecho relatado” produce una narrativa, justamente a partir de los hechos que revelan el qué, quién, dónde y cuándo. “El problema que se coloca a la instancia mediática es el de la autenticidad o de la verosimilitud de los hechos que describe” (CHARAUDEAU, 2013, p. 153). Ante esto, el acontecimiento de la muerte violenta de Romero fue un hecho relatado bajo intereses diferentes: - El gobierno (primero como dictadura militar y después como partido político), profundamente comprometido con su asesinato, lideró campañas de desprestigio en su 19 contra, y sin pudor manipuló informaciones que por muchos años oscurecieron los hechos del crimen. Sin embargo, en la medida que Romero se tornó “popular”, particularmente durante los últimos años, los líderes gubernamentales no han escatimado esfuerzos para apropiarse de su significativa imagen. - La jerarquía de la Iglesia durante 35 años omitió y/o descalifico las “virtudes” del mártir Romero, como ocurrió también durante sus años de arzobispo de San Salvador. Una vez que optó por los más pobres, pronto descubrió el aislamiento y el rechazo de sus hermanos en el episcopado lo mismo que de las familias más ricas y poderosas de El Salvador. - El pueblo salvadoreño, particularmente los pobres y los campesinos, así como las organizaciones sociales, “canonizaron” al mártir Romero el mismo día en que se produjo su muerte. Vale la pena señalar que en no pocas oportunidades los relatos de las organizaciones sociales se han prestado para la manipulación de su figura con fines e intereses políticos. Por otra parte, “el discurso relatado es un acto de enunciación por el cual un locutor relata lo que fue dicho por otro locutor, dirigiéndose a un interlocutor que, en principio, no es el interlocutor de origen” (CHARAUDEAU, 2013, p. 161). A partir de estos presupuestos, el discurso relatado es verídico si se encuadra bajo criterios de autenticidad, responsabilidad y verdad. De este modo consigue posicionarse con autoridad y poder. Para ello, la manera de relatar puede ser citando, integrando, evocando o narrando el dicho de origen. Estos modos de relatar, de alguna u otra forma han sido utilizados en la campaña publicitaria que se desarrolló a propósito de la beatificación de monseñor Romero. No obstante, lo interesante del caso del obispo mártir es que él, como víctima relatada, ¡también es un narrador! (narrativa de simultaneidad). Independientemente de los diferentes intereses expuestos, la voz de Romero, grabada en su diario personal (audio), en las homilías dominicales (audio también, posteriormente publicadas en varios tomos) y en sus cuatro cartas pastorales (publicadas en vida), constituye un legado veraz sobre quién era, en realidad Óscar Romero, así como su obra y su pensamiento. Durante 35 años, a pesar de su omisiones, nadie ha logrado callar ni suplantar su voz. El pueblo salvadoreño es su principal depositario. 20 3. Sentidos y contra-sentidos publicitarios, a propósito de la beatificación del mártir Romero El análisis realizado sobre los sentidos y contra-sentidos de los discursos publicitarios que se oficializaron con motivo de la beatificación de monseñor Óscar Arnulfo Romero, el 23 de mayo, se refieren a tres objetos publicitarios: el video, el slogan y el brochure. El video oficial, disponible en Youtube11 y descargable en la página oficial de la beatificación (www.beatificacionromero.org), tiene una duración de 30 segundos y consiste en una animación (sin imágenes reales) con un único narrador, sin música de fondo, estéticamente muy bien lograda y con un mensaje concreto y claro. El texto del video dice lo siguiente: “El Salvador estará de fiesta. Monseñor Romero será beatificado. Porque después de un largo proceso la Iglesia ha reconocido que es un testigo de la fe, es un mártir. Porque su compromiso por la paz, la justicia y la reconciliación es un ejemplo para todos. Porque él nos enseñó a construir la civilización del amor en medio de las dificultades y la violencia. ¡Nos vemos el 23 de mayo! en la plaza Salvador del Mundo para la beatificación de Monseñor Romero”. El video, lo mismo que el slogan y el brochure, han sido producidos por la Conferencia Episcopal de El Salvador (institución oficial de la Iglesia católica en El Salvador). El slogan reza la frase “Romero mártir por amor” y fue popularizado en las redes sociales con el Hashtag #RomeroMártirPorAmor y acompañado de algunos motivos iconográficos en color naranja, en forma de Banner (ver figuras 1, 2 y 3). Figura 1: Banner 1 #RomeroMártirPorAmor. Fuente: www.beatificacionromero.org (2015). 11 Cfr. https://www.youtube.com/watch?v=wQBjjO09MAM 21 Figura 2: Banner 2 #RomeroMártirPorAmor. Fuente: www.beatificacionromero.org (2015). Figura 3: Banner 3 #RomeroMártirPorAmor. Fuente: www.beatificacionromero.org (2015). El brochure cuenta con seis cuerpos plegables a 2x2 tintas (ver figuras 4, 5 y 6), entre los cuales se distribuye, sumariamente, siete tipo de informaciones: - Frases de Juan Pablo II y de Romero, a modo de introducción. - Motivo de la celebración del martirio y reconocimientos de otras instituciones como la Conferencia Episcopal Italiana y las Naciones Unidas. - Evocación del asesinato de Romero mientras celebraba la eucaristía, incluyendo referencias del propio Romero y de Juan Pablo II sobre su martirio. - Breve reseña biográfica. - Defensa de la identidad eclesial de Romero como un “obispo unido a Roma”. - Agenda con las actividades celebrativas. - Canales de información oficiales en medias, entre los que se destacan las redes sociales. 22 Figura 4: Brochure beatificación de Romero (1ª parte). Fuente: www.beatificacionromero.org (2015). Figura 5: Brochure beatificación de Romero (2ª parte). Fuente: www.beatificacionromero.org (2015). 23 Figura 6: Brochure beatificación de Romero (3ª parte). Fuente: www.beatificacionromero.org (2015). Desde un punto de vista crítico-analítico se puede afirmar que los objetos que han hecho parte de la campaña publicitaria “oficial” de la beatificación de Romero se encuentran caracterizados por tres dimensiones: - Comercial: interesada en el posicionamiento de la “marca” oficial del evento, introduciendo temas y discursos genéricos (“mártir por amor”, “civilización del amor”…) que difícilmente generan pasiones encontradas ni sentidos de compromiso entre los interlocutores. - Simbólica: cautivante en su intensión de vender una imagen de un mártir “neutro”, poco expresivo, tal vez sencillamente un “buen hijo de la santa madre Iglesia”. - Informativa: preocupada por ofrecer uniformidad informativa y canales de información “oficiales” sobre el evento de la beatificación, que supone una única celebración y desconoce otro tipo de manifestaciones alternas. Estas características, propias del “discurso promocional”, están presentes tanto en el video como en el slogan y en el brochure que publicitaron la ceremonia de beatificación 24 del 23 de mayo. Para ello, se recurrió al uso simultáneo de lenguajes verbales y visuales: En la fusión de imágenes, colores, movimientos, la publicidad explora desde la forma bella (la forma invade la información) hasta el lenguaje ambiguo, oscuro para forzar el sujeto a fijar el mensaje. En este juego, ella se presenta como una forma discursiva menos rígida, eliminando la solemnidad y el peso del discurso verbal, promoviendo el orden frívolo de los signos y, sobre todo, valorando menos la excelencia de los productos y más la dimensión estética (CASTRO, 2008, p. 44). Teniendo en cuenta estos presupuestos, conviene indagar cuál es el mártir Romero publicitado por la Iglesia católica de El Salvador: - Un mártir “sin rostro”. Tampoco existen rostros de personas ni escenarios alusivos a su compromiso con los más pobres. - Un mártir “sin voz”, aunque él llegó a ser “la voz de los que no tenían voz” en su país, precursor de los derechos humanos e intercesor de los excluidos y violentados. - Un mártir “por amor”, pero no se sabe para quien o a qué causa depositó su amor. - Un mártir “unido a Roma”, ante un pueblo “invisibilizado” en el discurso publicitario, como si él no hubiera dado su vida por el pueblo salvadoreño y resucitado en él. Evidentemente, aunque la finalidad de una propuesta publicitaria con carácter religioso sea la convocación, la motivación y la orientación de los “creyentes” y seguidores del obispo mártir, potenciales participantes de la celebración de la beatificación, el 23 de mayo de 2015, el discurso que sustentó los productos publicitarios oficiales están marcados por la naturaleza del anunciante –la Iglesia católica (jerárquica) de El Salvador– y su deseo de diseñar un “prototipo” de mártir Romero conciliador, neutral y símbolo nacional, sin pasión ni opciones radicales. Un Romero “políticamente pertinente”. De todos pero, al mismo tiempo, de nadie. ¿Cuál es la lógica que sustenta esta publicidad y cuáles son sus estrategias? “En el caso de la publicidad, la lógica funciona como una especie de mediación entre las racionalidades y el consumo propiamente dicho, lo cual implica un movimiento de acción sobre los destinatarios para llevarlos al consumo” (CASTRO, 2004, p. 2). De este modo, a partir de la clasificación propuesta por Castro (2004), la publicidad del 25 acto de la beatificación de monseñor Óscar Romero se encuadra en la publicidad sustentada en el valor simbólico del consumo, que intenta traducir el consumo en deseo de conquista de un espacio en la sociedad: La intención es hacer incorporar al consumidor determinados valores simbólicos y pasar a desearlos con vehemencia, como condición para obtener una posición destacada en la sociedad (…). La gran vía de esa publicidad es la simulación de episodios que se traduzcan en ascensión y reconocimiento en la sociedad” (CASTRO, 2004, 7). Visto así, el martirio de Romero abre las puertas a la “ascensión” de todo un país que celebra la inclusión de uno de los suyos como el primer salvadoreño –¡y obispo!– en el libro de los santos. Se trata de un “divino” reconocimiento que se deriva en fuente de bendiciones ¡para todos!, sin distinciones entre justos e injustos, ricos y pobres, víctimas y victimarios –incluyendo a los responsables de la muerte de Romero–… todos pueden ser exaltados y colmado de bendiciones en el presente, nadie tiene deudas con el pasado ni, menos aún, compromisos con el futuro. Este sentido de consumo de un Romero “descafeinado” y light –en contra-sentido con el Romero histórico, comprometido con la causa de los pobres, defensor de los derechos humanos, comunicador audaz de la verdad y crítico ante la represión de los sistemas que generaban violencias y muertes en su tiempo– es el que deviene de un tímido slogan como lo es “mártir por amor”, en lugar de “mártir por haber sido la voz de los sin voz”, por ejemplo. Como dato curioso, cabe señalar que las presiones del pueblo pobre y sencillo y de las organizaciones que fueron excluidas de los equipos publicitarios y de la organización de la ceremonia de beatificación, manifestaron su indignación ante el slogan “oficial” y lograron transformarlo, con herramientas mediáticas, a fin de que reflejara un matiz muy concreto: “mártir por amor a los pobres” (#MártirPorAmorALosPobres). La “batalla” se ganó a pocos días de la beatificación. A modo de conclusión: ¿persuasión o manipulación? Ante el discurso propagandista, Charaudeau señala que “es necesario distinguir lo que es del orden de las estrategias de persuasión y seducción normales (inclusive las 26 demagógicas), y lo que es del orden de la manipulación de los espíritus, aunque reconozcamos que la frontera entre los dos sea un tanto porosa” (2010, 67). El discurso propagandista religiosos, lo mismo que a nivel político, tiene muchos vicios de manipulación que pasan por la ilusión y el providencialismo, las crisis y las necesidades, la profecía y las promesas. La manipulación es probablemente, para nuestro caso de estudio, una manifestación de ausencia real de poder, toda vez que en un sentido general, la manipulación procede de una perspectiva de incitación a hacer: cada vez que nos encontramos en una situación en al cual precisamos del otro para realizar nuestro proyecto y en la cual no tenemos autoridad absoluta sobre este otro para obligarlo a actuar de una cierta manera, empleamos estrategias de persuasión o de seducción que consisten en hacer que se comparta con el otro (individuo o público) un cierto “hacer creer”. Al respecto, cualquier discurso que corresponda a una perspectiva de incitación sería manipulador (CHARAUDEAU, 2010, p. 67). Los mártires, ciertamente, hablan con su propia vida, no necesitan de publicistas ni periodistas para comunicar su mensaje. El mejor servicio que podría llevar a cabo las ciencias de la comunicación, sería recuperar y actualizar sus palabras y sus obras. En este sentido, otros discursos publicitarios, “no oficiales”, lograrían “persuadir” a los modelos oficiales y “resistir” a las tendencias de manipulación. Bibliografía CASTRO, Maria Lília Dias de (2004). Lógicas e estratégias em publicidade. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 27. Porto Alegre. CASTRO, Maria Lília Dias de (2008). Prácticas publicitárias: o embaralhamento do discurso promocional. In: DUARTE, Elizabeth e CASTRO, M. Lília. Em torno das mídias: prácticas e ambiências. Porto Alegre: Sulina. CHARAUDEAU, Patrick (2010). O discurso propagandista: uma tipologia, in MACHADO, Ida Lucia & MELLO, Renato, Análises do Discurso Hoje, vol. 3 Rio de Janeiro: Nova Fronteira (Lucerna). P. 57-78. CHARAUDEAU, Patrick (2013). Discurso das mídias. São Paulo: editora contexto. 27 ELIZALDE, Óscar (2015). Monseñor Romero, “padre de los pobres”. In: Revista Vida Nueva No. 124, Bogotá: PPC. p. 38. FRANCISCO, Papa (2014). Evangelii Gaudium. El Vaticano. METALLI, Alver (2015). Los que no aplauden. In: Tierras de América: noticias y análisis desde América Latina. Disponible en: http://www.tierrasdeamerica.com/2015/05/22/los-que-aplauden-tambien-hay-vocescriticas-en-los-dias-previos-la-ceremonia-queremos-que-beatifiquen-un-romero-aguadoadvierte-jon-sobrino-cercano-al-obispo/ Recuperado el: 28 de mayo de 2015. ROMERO, Óscar (1977). Homilías, tomo I. San Salvador: UCA. 28 O contrato de fala e a construção de estereótipos no discurso publicitário Paula VIEGAS12 RESUMO: Além de produtos e serviços, a publicidade vende também estereótipos, normas e regras a serem seguidas. Apesar das mudanças de comportamento do consumidor e um pedido por uma diversidade maior entre os profissionais da indústria da propaganda, algumas mensagens publicitárias ainda fazem uso de estereótipos femininos, reforçando a desigualdade de gênero. O presente trabalho pretende refletir acerca das lógicas econômicas em que a publicidade está inscrita e de como ela busca ocultar isso através das estratégias apontadas por Charaudeau, resultando em um discurso clássico quanto à representação de gênero que reforça estereótipos em um processo histórico. PALAVRAS-CHAVE: Comunicação social, discurso publicitário, estereótipos, contrato de fala. Introdução Os estereótipos femininos na publicidade não são uma novidade, mas eles têm sido debatidos com mais frequência atualmente, a partir da popularização dos sites de rede social. Um exemplo deste debate é o texto “machismo é a regra da casa 13”, altamente compartilhado nos sites de rede social. A reflexão aborda a construção social da mulher na publicidade como um problema que nasce com os próprios publicitários e suas organizações de trabalho. O texto traz o depoimento de uma diretora de criação que criou um projeto para trabalhar acerca da construção social da mulher na publicidade. ‘Antes de falarmos sobre publicidade machista, temos que falar sobre machismo na publicidade’ argumenta a diretora de criação Thaís Fabris, idealizadora do projeto 65|10 que discute o papel da mulher na publicidade. ‘O 65 vem do dado de uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão que aponta que 65% das mulheres brasileiras não se identificam com a publicidade e com a forma com que são retratadas pela publicidade. O número 10 é de uma pesquisa que nós fizemos que mostrou que apenas 10% dos criativos dentro das agências brasileiras são mulheres. E é na criação que as campanhas são feitas. Apesar de diversas mulheres trabalharem em agências de publicidade, poucas delas atuam na área da criação. Segundo Carla Purcino, outra entrevistada do texto, 12 Mestranda do curso de Comunicação Social da PUCRS com bolsa PROSUP/CAPES, formada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica de Pelotas. Email: [email protected] 13 FONTE: http://apublica.org/2015/03/machismo-e-a-regra-da-casa/ Acesso em 27 de maio de 2015. 29 normalmente a função de atendimento é mais adequada para a mulher, que devem ser bonitas para seduzir os clientes. A diferença salarial entre os gêneros também reforça uma relação de superioridade masculina. Na profissão de publicitário (a), as mulheres recebem em média R$ 2.67814, diferente dos homens que recebem R$ 2.99115, o que resulta em uma diferença de 11,7%. Contudo, o modelo das agências de propaganda que conhecemos está se esgotando. Em entrevista16, Brad Jakeman - presidente da Pepsico - acredita que a publicidade não tem acompanhado as mudanças da indústria. Um dos aspectos citados por Brad é a falta de diversidade no mercado publicitário: Eu estou enjoado de, como cliente, me sentar nas reuniões com agências e encontrar um bando de homens brancos e heterossexuais me dizendo sobre como vender as nossas marcas, que são compradas por 85% de mulheres. (...) Inovação e disrupção não vêm de um grupo homogêneo de pessoas. Em termos econômicos, o aumento da participação feminina na força de trabalho também seria benéfico. Segundo relatório do McKinsey Global Institute17, se as mulheres estivessem trabalhando na mesma proporção dos homens, o PIB global em 2025 somaria mais US$ 28 trilhões em seu valor total, número que representa quase a soma das duas maiores economias do mundo hoje (Estados Unidos e China). Segundo o relatório, as mulheres são responsáveis por 75% do trabalho não pago, como cozinhar e cuidar dos idosos, e estão desproporcionalmente representadas em empregos de meio período e setores de baixa produtividade. Esta clara desigualdade no mercado de trabalho publicitário também é refletida nas mensagens publicitárias. Diversos anúncios constroem socialmente a mulher em papéis bastante restritos como o de dona-de-casa ou objeto de desejo masculino, com o dever de ser sedutora, organizada, delicada, etc. A página da 65/1018 no Facebook apontou estes estereótipos em algumas postagens veiculadas entre e setembro e novembro de 2015, são eles: (1) a mulher objeto/hipersexualizada; (2) A mulher como 14 O valor abaixo representa o salário médio inicial para a ocupação, calculado com base nas 1755 contratações observadas entre set/2014 e fev/2015. FONTE: http://salarios.org.br/#/salariometro 15 O valor representa o salário médio inicial para a ocupação, calculado com base nas 1287 contratações observadas entre set/2014 e fev/2015.FONTE: http://salarios.org.br/#/salariometro 16 FONTE: http://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/noticias/2015/10/21/Executivo-daPepsiCo-tem-palavras-duras-para-as-agencias.html. Acesso em 3 de novembro de 2015 17 FONTE: http://www.brasilpost.com.br/2015/10/01/igualdade-genero-pib-global_n_8229242.html. Acesso 3 de novembro de 2015 18 https://www.facebook.com/meiacincodez/?fref=ts 30 única responsável pela casa e pelos filhos; (3) A beleza ideal; (4) A mulher que não sabe lidar com dinheiro; (5) A mulher que faz tudo ao mesmo tempo. Estes estereótipos são perigosos, pois estão inscritos repetidamente no contexto histórico brasileiro, reforçando e naturalizando a dominação e a violência contra a mulher. No estudo proposto, desejamos debater principalmente sobre o terceiro item, ou seja, a beleza ideal. Algo difícil de ser totalmente alcançado, mas que é um argumento presente incessantemente na publicidade de cosméticos. O consumidor está mudando, cobrando representações na publicidade menos estereotipadas e mais inclusivas. Além disso, a discussão sobre a diversidade na indústria da propaganda também tem aparecido com mais frenquência nas mídias. Alguns discursos publicitários já têm mudado o seu foco, buscando repensar sua forma de informar e vender seus produtos e serviços, porém, ainda há um caminho longo até atingirmos efetivamente a igualdade de gênero. A publicidade está inscrita em lógicas econômicas e precisa buscar a identificação do seu público, e alguns discursos ainda utilizam estratégias clássicas que acabam reforçando tais estereótipos. É a partir deste pressuposto que o presente trabalho pretende partir, pensando em uma justificativa, e ao mesmo tempo uma crítica, à construção de estereótipos no discurso publicitário como um “objeto ideal” reforçado em seu contexto social, histórico e econômico. A publicidade será pensada como um sistema (GOMES, 2008) inscrito em uma lógica econômica, tecnológica e simbólica de mercado (CHARAUDEAU, 2006), que tem por consequência um discurso publicitário que reforça estereótipos previamente criados para evocar a identificação do consumidor com o produto em questão. O sistema publicitário e o contrato de fala A publicidade está inscrita em um contexto capitalista e é uma das ferramentas utilizadas para informar e vender produtos ou serviços. Após a revolução industrial e o crescimento do mercado de grande consumo, por volta da segunda metade do século XIX, a publicidade se consagrou como um instrumento indispensável de comunicação persuasiva, se tornando um sistema que envolve diferentes técnicas e teorias, e que faz uma “rota mais curta entre produção e consumo” (GOMES, 2008, p. 83). Neste sentido, o sistema publicitário é um 31 conjunto de elementos interrelacionados, mediante processos mais ou menos complexos, claramente hierarquizados, por sua vez, bastante estruturados também, e que conduzem o sistema a um objetivo comercial determinado (...) cujo marco referencial é o universo econômico da empresa capitalista (GOMES, 2008, p. 11). A relação da publicidade com as lógicas econômicas implica em diversos consequências que podem ser observadas em todos os processos deste sistema, desde a produção até a recepção. Segundo Gomes (2008), o anunciante tem necessidade de comunicar-se publicamente, informar sobre seu produto e promovê-lo persuasivamente, despertando o interesse de compra no consumidor. Neste processo, a agência é o codificador da mensagem publicitária, o que inclui sua equipe de profissionais, intermediária ao anunciante e os meios de comunicação. De acordo com Gomes (2008), “a finalidade específica da publicidade não é vender. Como meio de comunicação, seu objetivo é modificar ou reforçar atitudes e/ou hábitos” (p. 69), pensamento que se aproxima muito das teorias de Patrick Charaudeau. Para ele, a publicidade busca o ocultamento das lógicas econômicas, que inclui os interesses econômicos e o enriquecimento dos agentes dentro da instância de produção. Isso se dá através da venda de um “objeto ideal”, ou seja, o deslocamento do foco no produto para um discurso narrativo e argumentativo. Ao falarmos de mercado, estamos pensando em atingir um público consumidor. Para isso são necessárias estratégias para vender em um sistema econômico de livre concorrência (CHARAUDEAU, 2006). Para Charaudeau (2006), as mídias são um suporte organizacional que utiliza de diversas lógicas para atingir seus objetivos, como a econômica (fazer viver uma empresa), tecnológica (estender a qualidade e a quantidade de sua difusão) e simbólica (servir à democracia cidadã). É através da lógica simbólica que ocorrem as construções sociais de estereótipos, manipulando e reforçando signos e, dessa forma, produzindo sentido. A lógica simbólica governa as demais lógicas, auxiliando, por exemplo, na ocultação das lógicas econômicas, que é uma das estratégias do contrato de fala. É no circuito sócio-econômico da publicidade que “os parceiros são ligados por relações de interesses” (CHARAUDEAU, 1983, p. 7). A publicidade busca ocultar esta lógica em que o ato de compra gera enriquecimento dos parceiros. Isto se dá a partir de uma fabricação de imagem de sujeito que enuncia (EUe), que mascara o anunciador, a agência de publicidade e seus demais parceiros (EUc). Um exemplo é quando o discurso 32 publicitário é representado por famosos ou pessoas queridas/admiradas por um determinado público-alvo. Além disso, há um deslocamento do lugar de produto. O objeto de troca (produto ou serviço a ser vendido) dá lugar ao objeto ideal, como veremos a seguir. Além da estratégica de ocultação, o contrato de fala põe em cena também a estratégia de sedução/persuasão, ou seja, uma construção de imagem de sujeito destinatário suficientemente sedutora ou persuasiva para que o locutor se identifique com isso e se torne um consumidor-justificado. É uma estratégia em que a instância da produção busca “fazer-crer” que o objeto ideal de cada um pode encontrar a sua concretização em um objeto de troca. O “fazer-crer” e a construção de estereótipos Em Charaudeau, o que o discurso publicitário vende é o “objeto ideal”, ou seja, uma construção imaginada de sujeito para que o consumidor possa se identificar com o produto a ser vendido e se tornar um “consumidor-justificado”, como poder ser visto na figura abaixo. Figura: Esquema narrativo do discurso propagandista segundo Charaudeau Fonte: esquema apresentado no curso “Comunicação, linguagem e discurso em processos comunicacionais”, ministrado por Patrick Charaudeau em junho de 2015, na Universidade Feevale. Neste esquema o consumidor imaginado é representado pelo “tu”, que deve sentir uma carência e ir em busca disso. Este esquema quando o discurso propagandista deve incitar o consumidor a crer que ele precisa de seu produto. Charaudeau utiliza o exemplo da venda de um creme antirrugas. O consumidor (tu) deve sentir um carência e ir em busca deste objeto ideal, que neste caso é a pele bonita e jovial. O creme antirrugas é apenas o meio de atingir este objeto ideal. 33 Esta estratégia é denominada por Charaudeau de narrativa/argumentativa. Narrativa, pois para fazer com que a instância de recepção queira este “objeto ideal”, ela precisa ter uma falta, sentir a necessidade deste objeto – necessidade esta que será suprida se acontecer a busca pelo produto anunciado, chamado por Charaudeau de “meio”, pois o produto é o meio de alcançar este objeto ideal. Argumentativa, pois segue uma lógica de “você não pode não querer esta busca” e “somente o meio que te proponho (meu produto) vai te permitir realizá-la. A falta que Charaudeau expõe pode ser compreendida em Baudrillard como o que ele chama de “vazio evocador”. Para Baudrillard (2000), a função da publicidade não é persuadir o consumidor quanto à marca em si, mas as significações latentes que ela impõe, através de uma racionalização da compra, de um “fazer crer”. Para ele, “os signos publicitários nos falam dos objetos, mas sem explicá-los em vista de uma práxis (ou muito pouco): de fato, remetem aos objetos reais como a um mundo ausente” (BAUDRILLARD, 2000, p. 294). Esta imagem cria um vazio e por isso mesmo é “evocadora”, ou seja, sentir uma falta que deverá ser suprida. Na crítica de Baudrillard, a publicidade angustia e acalma. Citando Vance Packard, Baudrillard mostra como a publicidade se faz clandestina através deste discurso, não tão relacionada ao fato da compulsão de compra, mas com uma relação pessoal entre o “tu” e a sociedade. Através da publicidade, “o consumidor interioriza, no próprio movimento do consumo, a instância social e suas normas” (BAUDRILLARD, 2000, p. 295), ou seja, ele sente e preenche este vazio suscitado pela publicidade e completado com o consumo do produto anunciado. Em Baudrillard, estas carências devem estar inscritas em um imaginário coletivo, por isso a importância de um reforço de estereótipos que naturalize certas necessidades. E, “se é normal que vivamos nossos desejos em referência coletiva, a publicidade se dedica, todavia, a transformar tal constância na dimensão sistemática do desejo” (BAUDRILLARD, 2000, p. 297). Discursos propagados nos meios de comunicação atingem diversas pessoas, mas tentam focar em um público-alvo imaginado, como se todos fossem iguais e tivessem as mesmas necessidades. Dessa forma ela foca no que Baudrillard chama de “funcionamento do coletivo”, e os integrantes deste público acabam suscitados a este desejo, se submetendo as normas do grupo. Podemos usar o creme antirrugas como exemplo, que é um produto normalmente dirigido a mulheres de meia-idade ou idade avançada. O anúncio 34 publicitário tende a criar esse vazio evocador, produzindo uma necessidade nesse público alvo que está sendo inscrita e reforçada em um imaginário coletivo, que neste caso, é ter uma pele jovem e bonita. Mas, por outro lado, é o próprio anúncio que mostra meios de suprir essas necessidades, ou seja, o creme antirrugas (objeto de troca). Nesta situação, o estereótipo criado no imaginário coletivo “faz-crer” que todas as mulheres devem buscar uma pele jovem e bonita, sem permitir que o tempo deixe marcas no rosto. Dessa forma, a publicidade cria diversas carências através de seu objeto ideal, pois age em cima do discurso de “você não pode não querer isso”. Ou seja, “a publicidade que silencia sobre os processos objetivos de produção e de mercado também omite a sociedade real e suas contradições (BAUDRILLARD, 2000, p. 296). Ocultar as lógicas econômicas através do deslocamento do foco no produto cedendo protagonismo as necessidades, carências e estereótipos, faz com que a publicidade crie um imaginário coletivo de insatisfação e descontentamento. Apontamentos finais Reforçados em um silencioso processo histórico, estes estereótipos tendem a se naturalizar, tornando-se verdades quase incontestáveis. Neste sentido, a publicidade que se direciona a mulher tende a ser reducionista, nem sempre representando a diversidade da beleza feminina brasileira. A mulher magra, alta, loira, com pele e cabelos perfeitamente cuidados nem sempre é a mulher que vemos nas ruas todos os dias. A rotina criada para essas mulheres é insatisfação com a própria aparência. Mesmo quando tenta fugir desta lógica, a mulher segue sendo impactada por milhares de outros discursos publicitários que a estereotipa e a inferioriza. Algumas mudanças já podem ser observadas em campanhas que tendem a representar a “beleza real” das mulheres, mas ainda há um longo caminho em busca da libertação da mulher de um estereótipo de “beleza ideal”. A insatisfação sobre a publicidade que está sendo debatida nos sites de rede social também deve ser levada em conta e rediscutida no ambiente de trabalho e na formação acadêmica dos publicitários. Além disso, a indústria da propaganda deve investir na diversificação de gênero, sexualidade, raça e etnia para atingir o maior público-alvo possível sem reduzir este a um modelo quase inatingível. 35 Referências bibliográficas BAUDRILLARD, Jean. Significação da publicidade. In. LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. 5. ed. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2000. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2006. CHARAUDEAU, Patrick. À propôs du genre publicitaire. In: CHARAUDEAU, Patrick. Language et discours. Paris: Hachette Univeristé, 1983. Tradução: Daniela Ilha Porto. GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva. Porto Alegre: Sulina, 2008. 36 PROPOSTA METODOLÓGICA DE ANÁLISE AUDIOVISUAL PUBLICITÁRIA: PENTAD E ACD Otavia Alves Cé19 RESUMO: O trabalho tem como objetivo verificar a aplicação de uma metodologia de análise construída a partir de pressupostos da Análise Crítica do Discurso (ACD) e das teorias sobre performance e teatro ilustradas pelo Pentad de Burke (1973) em peças audiovisuais publicitárias. O objetivo do sistema de análise visa encontrar, por meio de marcas verbais e não verbais, discursos ideológicos relacionados às questões dos estudos de gênero. O corpus de análise é composto por dois filmes publicitários veiculados na televisão brasileira, tendo como enfoque a representação do papel feminino. PALAVRAS-CHAVE: audiovisual; propaganda; gênero; ideologia; representação O discurso verbo-visual sob uma perspectiva crítica A Análise Crítica do Discurso (ACD) relaciona-se com o texto (seja verbal ou visual) inserido em um determinado contexto e as possibilidades de significações que a sua prática social engloba e constrói. A ACD concebe a linguagem tal qual prática social (FAIRCLOUGH; WODAK, 1997) e considera o seu contexto de uso como elemento vital (WODAK, 2000). Ela não constitui um método, mas sim “um domínio de práticas acadêmicas, uma transdisciplina distribuída por todas as ciências humanas e sociais” (VAN DIJK, 2008, p. 11). De acordo com Fairclough (2010) “[...] a análise do discurso preocupa-se com várias ‘modalidades semióticas’ das quais a linguagem é apenas uma (outras são linguagens visuais e ‘corporais’)” (p. 230). A ACD vê o discurso como um momento de prática social, que inclui elementos tais como: atividade e meios de produção, identidades, relações sociais, valores culturais, consciência e semiose. A teoria “[...] não se concentra apenas sobre a semiose como tal, mas sobre as relações entre a semiótica e outros elementos sociais” (p. 231). Todos esses fatores se encontram relacionados dialeticamente, ou seja, não são elementos discretos, embora sejam diferentes. A ACD analisa e procura explicar as relações dialéticas entre discurso e realidade social, visando esclarecer de que modos processos de relações de poder 19 Doutora em Linguística Aplicada. Professora do Centro de Educação e Comunicação da Universidade Católica de Pelotas. Contato: [email protected] 37 desiguais são construídos, reproduzidos e transformados. Ela “[...] estuda principalmente o modo como o abuso de poder, a dominação e a desigualdade são representados, reproduzidos e combatidos por textos orais e escritos no contexto social e político” (VAN DIJK, 2008, p. 113). Segundo Van Dijk (2012), a análise ‘contextual’ do discurso ultrapassa as análises e entendimentos gramaticais, ‘textuais’ ou interacionais, na medida em que “a análise de propriedades relevantes do contexto leva ao entendimento contextualizado” (p. 18). O contexto abrange “categorias tais como as identidades e os papéis dos participantes, o lugar, o tempo, as instituições, as ações políticas e o conhecimento político, entre outros componentes” (VAN DIJK, 2012, p. 17). Situação, circunstâncias e entorno, portanto, são conceitos relacionados ao contexto. O discurso deve ser estudado em relação ao seu ambiente. A ACD desempenha um papel investigativo, a partir do qual, segundo Wodak (2004), a teoria é vista como um “campo fundamentalmente interessado em analisar relações estruturais, transparentes ou veladas, de descriminação, poder e controle manifestas na linguagem” (p. 225). A pesquisa desenvolvida pela ACD contribui com a busca de soluções para os “[...] ‘erros' sociais do cotidiano (em um sentido amplo ─ injustiça, desigualdade, falta de liberdade, etc), por meio da análise de suas fontes e causas, da resistência a eles e das possibilidades de superálos” (FAIRCLOUGH, 2010, p. 231). Caracterizada como heterogênea e transdisciplinar, a ACD se diferencia de outras teorias por tratar o discurso de uma maneira que extrapola a esfera do verbal, pois inclui em seu campo de análise elementos visuais, que possibilitam uma ampliação do universo a ser pesquisado. Para a ACD o termo discurso é visto como um fator da vida social que está “intimamente interligado com outros elementos” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 3) e não pode ser considerado isoladamente. Ele abrange vários conceitos, incluindo o de construção de significado como um elemento de processo social, o da linguagem associada a um determinado campo social, ou prática, e o de uma forma de interpretar os aspectos do mundo associada a uma perspectiva social particular. A ACD não se preocupa exclusivamente com textos verbais; os significados podem se revelar também por meio de imagens e gestos. Da mesma forma que a linguagem verbal, a linguagem visual constitui um campo em que as relações sociais se 38 manifestam. Todavia, os estudos desenvolvidos carecem de mecanismos específicos de análise de imagens. O objetivo da gramática visual pode ser descrito como: [...] a intenção de fornecer inventários das principais estruturas de composição que se estabeleceram como convenções no curso da história da semiótica visual, e analisar como eles são usados para a produção de significado por construtores de imagem contemporâneos (p. 1). Na gramática visual, Kress e van Leeuwen buscam identificar e compreender possíveis padrões que se repetem nos diversos modos de representação visual e nas relações que esses modos constroem. Os fundamentos da gramática visual seguem parâmetros de gramáticas verbais, tendo suas bases formuladas sobre as metafunções – ideacional, interacional e textual – propostas por Halliday (1985) em sua Gramática Sistêmico Funcional. Esta gramática vai além de regras ou normas, sendo compreendida como um fator representacional que possibilita um inúmero montante de opções para se interpretar e descrever o mundo e as relações vivenciadas A linguagem visual incorpora significados como as estruturas linguísticas fazem, e, dessa forma, aponta para diferentes interpretações de experiências e de formas de interação social. Os significados que podem ser concebidos na linguagem verbal e na visual em parte se sobrepõem – alguns significados podem ser expressos tanto visual quanto verbalmente. Outros significados, porém, divergem ─ podem ser expressos somente de maneira imagética e outras apenas de modo verbal. Uma dada sociedade utiliza uma variedade de modos de representação, os quais variam de acordo com o contexto cultural na qual está inserida. Um gesto corporal que pode ser trivial em um determinado contexto é capaz significar algo ofensivo em outro ambiente. Da mesma forma, cores, vestimentas, postura, etc. têm seu significado atrelado ao contexto social e somente com a identificação do mesmo esses elementos podem ser analisados de forma eficiente. Diferentes objetos e sujeitos possuem diferentes potenciais de representação e constroem significados distintos. A compreensão da gramática visual é específica de seu contexto: o não conhecimento do código acarreta a não compreensão da mensagem. Segundo Kress e Van Leeuwen (2006) “a linguagem visual não é transparente, nem universalmente compreendida, mas sim culturalmente específica” (p. 4). Dessa 39 forma, a atriz social deve ser competente na compreensão imagética para poder “ler” as estruturas presentes na comunicação visual. Kress e Van Leeuwen sugerem que o código visual, assim como a gramática verbal, possui formas e padrões próprios de representação, as quais constroem relações de significado a partir de sua composição e inter-relação. O aparelho de análise formulado por Kress e Van Leeuwen foi pensado primeiramente para ser utilizado em imagens estáticas, porém nada impede que a gramática visual seja aplicada a imagens em movimento – como as peças audiovisuais publicitárias. Elementos de análise da performance dramática Em 1969, Kenneth Burke propôs um modelo de análise que considerava tipos de comunicação baseada em textos específicos. Segundo ele, um trabalho criativo é a resposta de um criador para as questões colocadas por uma situação particular. Tal modelo, chamado pentad (figura 1) é amplamente utilizado para se analisar eventos dramatúrgicos, “cada evento de comunicação é um pouco como um drama” (JAFFE, 2006, p. 63). O pentad envolve cinco elementos: o ato, o agente, a cena, a proposta, e a agência. Figura 1 – Pentad de Burke. Fonte: elaborada pela autora com base em JAFFE, 2006, p. 64. O(s) agente(s) é (são) a(s) personagem(s). Agente ou agentes são identificados respondendo-se a pergunta “quem?”. Esses agentes podem ser tanto personagens reais como fictícias, humanas, animais ou objetos personificados. Suas características pessoais motivam e influenciam suas decisões. 40 O ato é a resposta para a pergunta “o quê?”. Em um texto lírico, as palavras e pensamentos da persona compõem o ato. A cena responde as perguntas “onde?” e “quando?”. Os elementos da cena incluem a data e a localização geográfica do ato, assim como o contexto social e cultural. Agência é o termo relativo à pergunta “como?”. Ela envolve uma análise da linguagem e da estrutura do texto em si, buscando escrutinizar a forma pela qual o agente realiza o ato. A maneira como palavras e frases são dispostas no texto e falas são proferidas na performance, assim como elementos da comunicação não verbal como gestos, tom de voz e expressões faciais são elementos da agência. A proposta busca responder a questão “por quê?”. Ela deve ser examinada em dois níveis: a ideia geral do autor e a visão da personagem. O subtexto, aquilo que a personagem pensa ou sente, mas não pode ou não irá expressar em palavras, é um elemento crucial da proposta. Aplicação do modelo de análise A análise trata de peças publicitárias audiovisuais permeadas por interdiscursos referentes aos papéis sociais de gênero representados pelo corpo feminino. Compõem o corpus de análise – O Verão Chegou, da cerveja Itaipava, e Diva, Devagar, da esponja de aço Bombril - peças escolhidas com base na repercussão que causaram, sendo a primeira taxada de machista, enquanto a segunda foi denominada “feminista”20. Para contemplar a análise utilizo como base o pentad de Burke (1973). Aqui, o pentad proposto visualmente por Jaffe (2006, p. 64) apresenta-se sob uma perspectiva nova, pois o complemento ao adicionar ao desenho básico categorias de análise pertencentes à análise crítica do discurso e à gramática visual, as quais permitem desvendar os questionamentos propostos. O pentad na sua forma original é composto pelos aspectos seguintes: 1) agente: quem está envolvido e quais são seus papéis; 2) ato: o que está acontecendo; 3) cena: onde o ato se passa; 4) agência: como os agentes se comportam; 5) proposta: por que agem dessa maneira. Sobre este formato acrescento as categorias dos demais veios teóricos. Da ACD são utilizadas as seguintes categorias: a) ethos: reúne aspectos que 20 Nesse caso, o termo foi errônea e amplamente utilizado como uma espécie de “machismo feminino”. 41 contribuem para a construção do eu ou de identidades sociais; b) polidez: uso de estratégias linguísticas que demarcam o status e as relações de poder entre as personagens; e c) transitividade: dá conta dos tipos de processos e de participantes mais favorecidos no texto. Das metafunções da gramática visual incluo as categorias: a) representação conceitual: possibilita a associação da personagem a um determinado grupo social; b)ação/reação: a ênfase recai na atitude das personagens em direção a suas metas e nos vetores das linhas do olhar; e c) contato: permite determinar a relação das personagens com o público, seja como demanda, seja como oferta. Análise 1: O verão chegou a) Agentes: Dois homens, sem nomes específicos, que atendem (supostamente) em um quiosque na praia e dona Vera/Verão mulher, que também trabalha no mesmo quiosque. Em relação ao ethos, nessa categoria, somente o personagem masculino 1 (o que conduz o texto) apresenta demarcações específicas - possui sotaque acentuado, remetendo à fala típica do povo do nordeste do Brasil. Tanto o personagem masculino 2 quanto a feminina não possuem falas suficientes para que haja uma representativa construção de identidades sociais linguísticas. Tomando como base a representação conceitual, percebemos que: a) Personagem masculino 1: homem, branco, idade entre 30 e 40 anos. Veste camisa de botões de manga curta, cor clara, com a marca da cerveja estampada no bolso frontal. Sua vestimenta sugere que seja o dono ou, pelo menos o gerente do local. Tem cabelos curtos, encaracolados e escuros e barba por fazer. Possui um biótipo físico comum, possibilitando fácil identificação do público alvo masculino do comercial. b) Personagem masculino 2 – homem, branco, relativamente mais jovem se comparado ao personagem masculino 1. Ostenta cabelos desgrenhados e uma camiseta de manga curta, o que sugere que seja empregado do quiosque. c) personagem feminina (Vera): mulher, branca, idade entre 25 – 35 anos. Possui longos cabelos negros e pele bronzeada. Veste minissaia e top nas cores da marca da cerveja. Suas roupas revelam seu corpo escultural e enfatizam as pernas, a barriga e os seios. A minissaia, cujo tecido leve voa com o vento, sugere desinibição. Os brincos grandes e os cabelos soltos sugerem vaidade. Todo o conjunto imagético da personagem Verão trabalha com ícones comuns do 42 imaginário fetichizado: saia muito curta e esvoaçante, blusa decotada que mostra a barriga, longos cabelos soltos e salto alto. b) Ato: Os dois personagens masculinos, enquanto preparam copos e cervejas no quiosque, expressam sua felicidade pela chegada do verão. Dona Vera adentra o quiosque e começa a lavar pratos. É revelado que o “Verão” pelo qual anseiam é, na verdade, a dona Vera. Segue com assinatura da campanha: “O verão é nosso”, acrescido do slogan “Itaipava, a cerveja 100%”. No quesito Ação/reação, no início da propaganda, vemos a atenção das personagens masculinas voltadas para seus afazeres. A personagem masculina 1, procura um maior contato com a personagem masculina 2 no momento em que busca valorizar e provar suas ideias. Num terceiro momento, a atenção de ambos se volta para a personagem feminina. Por fim, as personagens masculinas, voltam a atenção uma para outra, no momento em que revelam que Vera é o tema das ideias expostas. Percebe-se que a personagem masculina 1 é quem realiza a ação que desencadeia toda a trama. Quanto à personagem feminina, ela não mantém contato visual direto com nenhuma outra personagem, reforçando seu papel de reator. c) Cena: Em um quiosque de beira de praia, em um dia ensolarado. De acordo com a transitividade: O personagem masculino 1 é favorecido em relação ao texto verbal, é ele quem profere praticamente todas as falas da propaganda. Já no quesito visual, a personagem feminina é priorizada, tendo sua figura mais explorada. Enquanto ambas personagens masculinas só aparecem da cintura para cima, praticamente do mesmo ângulo, a personagem feminina é mostrada em diversos ângulos, geralmente de corpo inteiro. d) Agência: A peça é conduzida pelo texto proferido por um dos personagens masculinos, o qual é feito de maneira ambígua, associando a estação do verão com a personagem feminina em cena. Quanto à polidez, percebe-se uma certa formalidade no trato do personagem masculino 2 em relação à personagem feminina, pois a adereça como “Dona vera”, o que sugere respeito ou grau hierárquico. Já o personagem masculino 1 comporta-se de forma oposta, tratando a personagem feminina como “Verão”, sugerindo uma maior intimidade. A personagem feminina, por sua vez só se dirige ao personagem masculino 2, de maneira imparcial, respondendo ao seu cumprimento. 43 e) Proposta: A intenção final da peça publicitária é a venda de seu produto, no caso a cerveja. Em relação ao contato, nenhuma personagem mantém contato direto com o público, comportando-se todos como oferta, aqueles que devem ser vistos. Todavia, numa escala de valores, medida pelo tempo de exposição de sua figura aliado à forma como essa é feita, a personagem feminina assume o papel de oferta “principal”. Ela está ali para ser vista e desejada. Conforme a análise, a peça O verão chegou, apresenta uma forma recorrente na publicidade nacional, de associar praia, calor e mulheres bonitas ao consumo de cerveja. A propaganda reforça a objetificação do corpo feminino e também silencia a personagem feminina que parece não só não se importar com as brincadeiras e cantadas, como também parece gostar das mesmas. Análise 2: Diva, Devagar a) Agente: as celebridades nacionais Ivete Sangalo, Dani Calabresa e Mônica Iozzi. A propaganda faz uso de celebridades presentes no cotidiano do públicoalvo. Elas reforçam sua identidade e representação fazendo uso do adjetivo “diva” para demarcar-se e também referenciar “todas as brasileiras”. Fazem uso de verbos com carga positiva tais como “brilhar”, “arrasar” e “divar”, e que permeiam o vocabulário feminino atual. Todavia, além do ethos feminino, há na propaganda a construção de um ethos masculino incapaz e preguiçoso, denominado “devagar”. Dessa forma, acabam reiterando o papel social feminino tradicional atrelado a tarefas domésticas e satisfeito com tal fato. De acordo com a análise da representação conceitual, todas as três celebridades são brasileiras, brancas, com cabelos bem penteados, maquiadas, com as unhas bem feitas, ostentando acessórios tais como, brincos, pulseiras e anéis e trajando vestidos de festa. Esses elementos unidos atribuem um status elevado, distanciando-as da mulher comum e do imaginário popular da pessoa que faz limpeza. b) Ato: Estão discursando sobre qualidades femininas e acabam fazendo um comparativo com inaptidões masculinas. De forma geral, os papéis de ator e reator se confundem, pois, salvo breves trocas de olhares e alguns gestos manuais, as três não parecem interagir entre si. c) Cena: em um estúdio que emula uma bancada, onde são vistos diversos produtos de limpeza da marca anunciada. Não existe um favorecimento verbal, 44 porém em termos imagéticos a figura da cantora Ivete Sangalo é privilegiado pelo seu posicionamento central e pelo vestido de cor diferente das outras duas. d) Agência: As três mulheres proferem o discurso de forma convincente e apaixonada, com toques de humor. O texto verbal sugere um certo grau de intimidade entre os sujeitos presentes, pois tratam-se pelo nome, sem nenhuma referência mais formal. Existe também um grau de intimidade com a observadora mulher, no momento que este é incluído no texto apresentado, sendo referido como “a gente”. Na contramão, existe um afastamento e rebaixamento do observador masculino, o qual é tratado como “esses daí”. e) Proposta: além da almejada venda, busca legitimar qualquer dupla jornada enfrentada por mulheres, afirmando que essas são capazes de tal feito. Na grande maioria do tempo as três mantém contato visual com o observador, assumindo o papel de demanda. Em toque de humor, comportam-se brevemente como oferta, quando fazem pose. Diva, devagar foi cantada como propaganda “feminista”, na forma mais equivocada do uso do termo. Primeiro, pois, diferente do ideal de igualdade de gênero, reforça estereótipos do binarismo através do deboche. E segundo reitera a cristalização do papel social da mulher na sociedade patriarcal: a mulher domesticada, cuja tarefa é cuidar do lar. De forma preocupante, a propaganda ainda glamurisa esse status. Considerações finais Levando em consideração o breve estudos dessas duas peças publicitárias, o modelo de análise composto pelo pentad de Burke, acrescido de categorias da ACD e da gramática visual, mostrou-se satisfatório. Devido ao curto tempo de duração das peças (30 segundos), algumas categorias escolhidas para integrar o modelo mostraram-se superficiais – o que poderia ser melhor trabalhado caso fossem analisadas peças integrantes de campanhas mais extensas, as quais possuíssem mais produções audiovisuais. Outra alternativa seria diminuir o número de categorias de análise ou substituí-las por outras de acordo com a necessidade. 45 Referências Bibliográficas: BURKE, Kenneth. A grammar of motives. Oakland: University of California Press, 1969. BUTLER, Judith. Performative acts and gender constitution: an essay in phenomenology and feminist theory. Theatre Journal, Baltimore, v.40, n. 4, p. 519531, 1988. ___, Judith. Gender trouble. Londres: Routledge, 1990. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. de Izabel Magalhães Brasília: Universidade de Brasília, 2001. ___. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres e Nova York: Routledge, 2003. ___. Critial discourse analysis: the critical study of language. Harlow: Longman, 2010. ___; WODAK, Ruth. Critical discourse analysis. In: VAN DIJK, T.A. (Ed.). Discourse as social interaction. London: Sage, 1997. p. 258-284. JAFFE, Clella. Performing literary texts: concepts and skills. Toronto: Thomson Wadsworth, 2006. KRESS, Gunther.; van LEEUWEN, Theo. Reading images: the grammar of visual design. Londres: Routledge, 2006. VAN DIJK, Teun. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2008. ___. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. Trad. de Rodolfo Hari. São Paulo: Contexto, 2012. WODAK, Ruth. Does sociolinguistics need social theory? New perspectives on critical discourse analysis. Discourse & Society, v. 2, n. 3, 2000. pp. 123-147. ___. Do que trata a ACD – um resumo de sua história, conceitos importantes e seus desenvolvimentos. Revista Linguagem em (Dis)curso, v. 4, n. especial, 2004. pp. 223-243. 46 O slogan como instrumento da sucessão de signos na publicidade Luciana da Silva Souza Reino21 Resumo: a partir dos artigos “A informação no estágio meteorológico” e “O mundial e o universal”, de Jean Baudrillard, publicados em Tela Total (2002), e do livro O Slogan (1975) de Olivier Reboul, este artigo apresenta reflexões sobre características do slogan descritas por Reboul, as ideias de Baudrillard sobre os signos na sociedade do consumo e o papel do slogan como veículo da “sucessão” destes signos. Palavras-chave: comunicação; publicidade; sociedade; slogan. Sobre Reboul e O Slogan Em se tratando de slogan, boa parte dos pesquisadores de comunicação com ênfase em texto/discurso publicitário afirma que a função do slogan é: fazer aderir, prender a atenção, resumir, ter entre quatro e seis palavras, ter sua forma atrelada ao conteúdo; que ele deve “eliminar as ‘palavras-ferramenta’ em benefício de palavras plenas (verbos, adjetivos e nomes)” (REBOUL, 1975, p. 46), e que deve explorar as funções poética e conativa da linguagem, bem como as diversas figuras de linguagem, sonoridade, ritmo, concisão. Resumidamente, essas são as características essenciais necessárias para um “bom slogan”, segundo Reboul, e estas definições são reproduzidas em outras obras que tratam de redação publicitária. Historicamente, o slogan tem origem nos gritos de guerras e possuía uma função mais política do que comercial. Sua origem é do gaélico, e quer dizer “o grito de guerra de um clã” (REBOUL, 1975, p.7), e seu uso aplicava-se a frases de efeito para identificar grupos de batalhas, movimentos sociais e manifestações. Reboul – pesquisador em retórica e filosofia da educação – ocupou-se de encontrar uma definição que pudesse ser aplicada tanto para 21 Doutoranda no programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS. E-mail: [email protected] 47 slogans publicitários quanto para slogans políticos, de movimentos sociais, ou como ele mesmo afirmou, slogans ideológicos. Mas ele foi além de definições, ao emitir opiniões sobre uma fórmula ideal. Para ele, sempre que um problema vital se apresenta a uma sociedade, ela é tentada a responder-lhe por slogans. Isso se daria por meio dos intelectuais, que dispõem da bagagens de certos autores, e a partir daí os pensamentos se tornariam slogans, eles seriam como pensamentos prontos. Reboul afirmou que sua pesquisa foi a busca por uma resposta que dissesse se existe um bom slogan, e, a mais louvável das intenções, seu estudo pretendeu mostrar a abundância, o poder e o domínio do slogan. Sua análise foi feita a partir da observação de 124 textos, fazendo considerações pertinentes sobre aspectos linguísticos e estilísticos. Representações do slogan Para Reboul, todas essas características fazem do slogan algo pejorativo, porque possui um conteúdo passional, repetitivo, de forte teor psicológico, autodissimulador. Para ele a publicidade “é um considerável desperdício”, e ela é uma “consequência da concorrência que, por sua vez, é uma decorrência da economia capitalista” (p.154) e sugere que nos “resignemos” à publicidade e seus efeitos. Resignar-se também ao slogan que é, para ele, não refutável, porque afirma sem espaço para dúvidas. Aqui se estabelece uma conexão entre Olivier Reboul e Jean Baudrillard. Por exemplo, a publicidade faz uso da verossimilhança em seu discurso, tanto em textos verbais quanto visuais: o BigMac bonito e apetitoso do cartaz jamais será reproduzido no BigMac do restaurante, mas o cartaz não mente, todos os componentes do sanduíche estarão lá, a representação supera o real, é mais. Não é verdadeiro, mas verossímil. São critérios que não foram planejados ou estabelecidos somente pela publicidade, mas que são manifestados por meio dela, já que ela é fruto da sociedade do consumo. 48 Concluindo esta ideia, Baudrillard nos mostra que o que percebemos são “nada mais de critérios de verdade ou objetividade, mas uma escala de verossimilhança. Enquanto não for desmentida, será verossímil. (...) Contrariamente à verdade, a credibilidade não tem limites, não se refuta, pois é virtual” (p.45). Aqui ele defere Reboul, que afirmou que os slogans são feitos para não serem questionados, para evitarem a reflexão, que são irrefutáveis. Bom, é importante ressaltar, primeiramente, que a publicidade é um dos principais recursos utilizados pelo marketing, este entendido como um complexo processo que abrange estratégias administrativas, logísticas e comunicacionais para alavancar o reconhecimento de ideias, marcas e o lucro de empresas. Em segundo lugar, a publicidade é entendida como uma atividade independente, geradora de imenso conteúdo, composta por mensagens ricas em criatividade, às vezes com uma produção quase artística. É instrumento de divulgação de marcas, produtos e ideias, por meio de um discurso que, ao longo do tempo, tornou-se único e que criou regras próprias em sua produção. Reboul disse que a publicidade é fruto de uma economia capitalista e que este capitalismo estabeleceu toda uma forma de relacionamento com as coisas e com os signos, algo que Baudrillard expôs em A Sociedade do Consumo e que ele trata um pouco mais em Tela Total. Para Reboul, os sintagmas que compõe um slogan não seriam verdadeiros nem falsos, o slogan estaria além e aquém do verdadeiro e do falso; Reboul cita Baudrillard, ao dizer que a linguagem da publicidade e da propaganda situa-se além do verdadeiro e do falso. Mais adiante, no artigo Meteorologia publicado em Tela Total (2002), o Baudrillad fala da mesma relação verdadeiro/falso em se tratando da informação, e que esta “ultrapassou a barreira da verdade para evoluir no hiperespaço do nem verdadeiro nem falso, pois que aí tudo repousa sobre a credibilidade instantânea (p.45)” Existe uma certa credibilidade instantânea em boa parte da comunicação publicitária, e um dos seus elementos que abre caminho para esta credibilidade é o slogan. Ele está sempre atrelado ao símbolo da marca que representa, assina as peças da campanha, é repetido ao final de cada VT 49 promocional ou spot de rádio, é dito para ser lembrado e dizer algo importante sobre a marca/empresa. Slogan como sucessão Concordando com Baudrillard quando este fala de sucessão, a comunicação publicitária se impõe pela sucessão de mensagens. Na prática publicitária, é de conhecimento tácito do profissional de publicidade que a campanha deve ter uma “unidade”, um apelo básico presente e subsequente nas peças de uma mesma campanha. A publicidade se estabelece não só pelo sucesso de vendas ou consumo daquilo que ela divulga, mas parte de sua grandeza vem do sucesso e relevância de suas campanhas. Baudrillard já falava do consumo virtual, de que o que consumimos não são os signos presentes da propaganda, mas consumimos continuamente o espetáculo promovido pela publicidade, mensagem após mensagem. Podemos dizer que também consumimos marcas, slogan após slogan. Eles se fazem presentes em nossas mentes, nos meios que consumimos, mesmo que aquela marca ou produto que eles representam não seja comprado por nós. Nossos eletrodomésticos não precisam ser "nenhuma Brastemp", ou a esponja de aço na minha pia não é aquela com "mil e uma utilidades", mas eu consumimos estas frases de efeito, elas nos lembram a presença constante das outras marcas. Mesmo sem efetivamente comprar, consumimos estas e muitas outras marcas por meio de seus slogans. Baudrillard diz que a mundialização (globalização, em termo mais familiar) promove a promiscuidade das trocas e dos produtos, uma promiscuidade que afeta também os signos. Os signos são usados de forma tão contínua e uniforme, desconectada, que Baudrillard fala de uma pornografia dos signos, pois para ele pornografia é uma sucessão: continuação, perpetuação; difusão mundial de tudo e de qualquer coisa ao longo das redes (p.112). Quando Baudrillard fala de mundialização das trocas e das universalidades dos valores, penso um slogan como forma de ilustração desta visão do autor. A marca de cartões de crédito Mastercard usa, desde o fim da 50 década de 1990, o slogan Priceless – não tem preço, em português – traduzido exatamente assim e também com este mesmo sentido em outras línguas, sem necessidade de adaptações. O “não tem preço” de Mastercard é apresentado sempre como derivação de uma afirmação maior de que “Existem coisas que o dinheiro não compra. Para todas as outras existe MasterCard”. É interessante observar o jogo que se processa dentro do slogan quanto ao sentido de “valor”. Um cartão de crédito basicamente dá a chance de comprar sem dinheiro vivo, de parcelar, de jogar para frente as nossas dívidas, de realizar desejos financeiros. Mastercard parece aceitar que não pode comprar coisas inestimáveis, como amor, felicidade e bons momentos, mas que pode comprar o que o mercado oferece. Mas a mensagem implícita, é a de que a felicidade, como valor, está embutida naquilo que eu compro com Mastercard. Esta é a “pegadinha” da comunicação publicitária. Mas não é uma pegadinha ingenuamente mentirosa. As pessoas sabem das implicações do uso do cartão, sabem que existem outras marcas concorrentes e que este discurso faz parte das estratégias mercadológicas de Mastercard. Mas a sociedade de consumo não liga pra isso, ela vê verdades na ideia de que para tantas coisas não há dinheiro que pague. Mas eu entendo que Mastercard pode me ajudar a ser um pouco mais feliz do que sou agora. Mastercard é só um breve exemplo do que Baudrillard fala da promiscuidade de todas as trocas e de todos os produtos, “fluxo perpétuo do dinheiro; a promiscuidade de todos os signos e de todos os valores” (p. 112). Evolução? Reboul afirmou que os slogans se proliferam a esmo, e que as empresas lançam a cada ano novos slogans como se isso fosse uma autopublicidade, criar publicidade por criar (p. 51). Talvez em 1975 isso ainda acontecesse, mas desde esta época o marketing das empresas evoluiu bastante e a comunicação publicitária também. 51 Evoluiram no sentido de compreenderem melhor a si mesmos, o mercado e a sociedade, como esta sociedade se estabeleceu como uma sociedade do consumo já vislumbrada por Baudrillard. Os slogans têm função atrelada àquilo que as marcas/empresas querem que as pessoas pensem delas. Se antes o marketing se preocupava claramente com ganhos e lucros, hoje estes últimos estão embutidos em focos muito mais importantes, para o marketing, como o valor, este representado pelo signo. Tomemos a marca de sabão em pó Omo. Durante muito tempo, Omo desenvolveu suas campanhas com base na qualidade que seria proporcionada por ele e pela superioridade que o sabão afirmava ter frente à concorrência. Como primeiro sabão em pó do Brasil, teve uma larga vantagem em relação às marcas posteriores, numa época em que se associava a propaganda às demonstrações públicas da eficiência do produto, feitas por todo o Brasil. Os valores positivos de Omo, inicialmente, foram concentrados em suas próprias qualidades, partindo de “dentro pra fora”, falando de seu caráter único e superior como sabão em pó, se mostrando sempre disposto a fazer e mostrar essa característica, o que era afirmado em seus antigos slogans: Omo faz, Omo mostra; Melhor que Omo só Omo; Só Omo lava mais branco. Porém, a partir dos slogans: Não há aprendizado sem manchas; Porque se sujar faz bem, Omo modificou a construção suas campanhas e passou a valorizar outros termos, construiu novas relações entre os signos, que revelaram valores alheios às suas próprias qualidades e mais voltados ao sentimento de seu público-alvo. Ao valorizar o bem-estar e o conhecimento, concentrou a importância de seu discurso não mais para potencialidades de Omo, mas para a liberdade de viver, aprender e “se sujar” que seu público já estaria “autorizado” a ter, já que o conhecimento da superioridade e exclusividade de Omo já estaria fixado. Ainda sobre o valor, mais uma reflexão a partir de Baudrillard se apresenta. “Abra a felicidade”, de Coca-Cola. Um slogan simples e pretencioso, ao mesmo tempo conectado ao produto: abra uma garrafa ou latinha de CocaCola; e veja que o que está nesta embalagem representa a sua felicidade. Junto do slogan, VTs, jingles, imagens de jovens extremamente felizes e 52 sorrindo, e esses mesmos jovens dizendo que “existem razões para acreditar”. Não os jovens, mas a Coca-Cola que diz que existem razões para acreditar em quem? Interpreto que razões para acreditar na felicidade. Tudo isso configurando uma hiperrealidade. Quando Baudrillrd disse que informação ultrapassou a barreira da verdade para evoluir no hiperespaço do nem verdadeiro nem falso, o real se apresenta neste hiperespaço, num hiperreal que não sendo real, parece mais que o real. É mais colorido, mais vivo, mais vermelho, mais feliz. Conforme Baudrillard descreveu o efeito de consumo se dá nos veículos: encontra-se, graças aos suportes e aos meios técnicos da TV e do rádio, no recorte do acontecimento e do mundo em mensagens descontinuas. Mas quando penso em sucessão, penso que estas mensagens promovem a sucessão falada em Tela Total, e hoje, com a internet, ainda mais contínua graças a diversas ferramentas. O slogan tem sido usado atrelado a um dos instrumentos mais populares da internet hoje, a hashtags (#). O símbolo é antigo, "jogo da velha”, tralha ou cerquilha, estava lá em nossos telefones sem sabermos muito bem o porquê. Começou a ser usado para demarcar assuntos no Twitter, e logo depois é usado em outras redes sociais, como Facebook e Instagram. Não demorou muito para as marcas se apropriarem do símbolo em suas campanhas na internet e o que antes era “Feito para você”, do banco Itaú, virou #feitoparavoce, e a campanha da Fiat em 2013 virou #vemprarua, e depois disso, virou slogan de manifestações populares, que não caberia discutir neste artigo. Com a hashtag, o slogan finalmente encontra um instrumento palpável de sucessão, a “copulação interativa” que Baudrillard falou, persistindo, continuando como uma grande mensagem única. Uma definição interessante de hashtag: uma forma de comunicação cultural, típica do momento em que vivemos: resumem um sentimento ou uma ideia, em uma única expressão, que é imediatamente compreendida pelos leitores. 22 Resume tudo em nada. 22 http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/11/historia-da-hashtag-no-twitter-recurso-ja-foirejeitado-pelo-microblog.html 53 A partir desta breve reflexão, compreende-se que a publicidade é parte de nossa sociedade, não só da sociedade do consumo, mas da sociedade além deste. Desde tempos anteriores fazemos uso de lemas, frases, máximas para resumir e simplificar nossas ideias, intenções e ideais. Além do que as marcas nos oferecem, podemos, de alguma forma, descontinuar a sucessão de mensagens, e perceber o que existe subjacente a elas. Referências REBOUL, Olivier. O Slogan. São Paulo: Cultrix: 1975. BAUDRILLARD, Jean. Tela Total. Porto Alegre: Sulina, 2002. 54 Mesa: PUBLICIDADE, ENTRETENIMENTO E CONSUMO Coordenação: Cristiane Mafacioli Carvalho Dumb Ways To Die: o entretenimento como ferramenta publicitária Carolina Borrin Marcinkowski Graduanda em Publicidade e Propaganda (Famecos/PUCRS) [email protected] Liana Gross Furini Mestre em Comunicação Social (PPGCOM/PUCRS) Professora Famecos/PUCRS [email protected] Resumo: As tecnologias digitais e a convergência midiática possibilitaram um maior acesso à informação, fazendo com que o público se tornasse cada vez mais exigente, atento e seletivo. Para atingir esse novo usuário, as empresas precisam criar novos atrativos, entregando a ele conteúdo, informação e entretenimento. Este trabalho apresenta a campanha Dumb Ways to Die para falar sobre as mudanças ocorridas na comunicação digital, impulsionadas por esse novo público. Palavras-chave: Entretenimento. Internet. Comunicação Digital. Dumb Ways to Die. Introdução A grande evolução tecnológica que vem ocorrendo e gerando impacto nas mídias e no âmbito da comunicação, acaba fazendo com que o consumidor se transforme também. A partir da evolução do paradigma da comunicação, uma das principais mudanças que ocorreu foi a facilidade com a qual informações são disseminadas nos dias de hoje. As novas mídias, em especial a internet, possibilitam que o usuário, antes tido como mero receptor, participe ativamente da produção do conteúdo. Nesse cenário, os consumidores são expostos todos os dias a inúmeras 55 mensagens publicitárias, informações, conteúdos e estímulos que, concomitantemente, disputam sua atenção. Esse público é mais exigente e, para atingi-lo, as empresas devem explorar diferentes abordagens, como o entretenimento. Segundo Jenkins (2009, p. 27), nesse ambiente “todo consumidor é cortejado por múltiplos suportes de mídia”. Partindo desse pressuposto, as marcas precisam entender que a atenção dos consumidores é finita e quanto mais conteúdo é produzido, mais difícil é atê-la. Com tantos marcas surgindo e se esforçando para chamar a atenção do público, mesmo as coisas que podiam interessa-lo anteriormente, hoje acabam passando despercebidas devido à quantidade de estímulos parecidos que são enviados a ele todos os dias, reafirmando assim, que a atenção das pessoas atualmente se tornou um patrimônio pelo qual as empresas têm lutado. E, num mundo com ADD (attention déficit disorder), em que a atenção é cada vez mais escassa e disputada, as marcas precisam de uma certa dose de tensão para garantir a atenção. Do contrário, passam despercebidas ao mar da concorrência cada vez mais acirrada e com um consumidor mais inapetente para receber mensagens comerciais. (LONGO, 2014, p. 260). Como afirma Longo (2014, p. 147), “a regra de transmissão da informação mudou de unidirecional para multidirecional. A recepção não é mais passiva, é interativa – tanto no mundo da informação quanto no da publicidade e do entretenimento”. A partir de mídias interativas que possibilitam a participação do público, ele deixa de ser apenas consumidor da informação e passa a ser também multiplicador e, até mesmo, produtor. Levando em consideração também sua capacidade de filtrar os conteúdos possibilitada pelas novas tecnologias, assim podem escolher o que desejam consumir e pular ou ignorar as informações que não lhe interessam. Conforme Martinuzzo (2014, p. 9), “a atenção merece destaque pelo fato de que, em ambiente de comunicação cada vez mais abundante, ela, que já é limitada, torna-se cada vez mais disputada – e, por isso, escassa”. A preocupação em serem mais uma no meio da multidão e a atual busca pela atenção do público, que tem se mostrado uma tarefa árdua, faz com que as empresas tenham que achar novas maneiras de se diferenciar. Martinuzzo (2014) acrescenta que “a atenção é a alma do negócio. Ainda mais quando ela, que é finita em razão dos limites de nossa capacidade cognitiva” (p. 9), o que reflete a importância da criação de uma forma de comunicação que vai além da mensagem puramente publicitária. 56 Nesse contexto, a Metro Trains Melbourne (MT), empresa que opera a rede de ferrovias de Melbourne, na Austrália, lançou uma campanha baseada no entretenimento, com o objetivo de chamar a atenção para a questão da segurança no trem. A agência, ao invés de criar uma campanha focada nas mortes e acidentes que poderiam ocorrer nos trens, com um tom sério, optou por abordar o assunto com humor, de maneira inusitada. Como resposta, foi desenvolvida uma campanha que continha personagens coloridos e cativantes, encenando “maneiras idiotas de morrer”, entre elas descuidos na estação de trem. A campanha, entitulada Dumb Ways to Die, objeto de pesquisa deste trabalho, se aproveitou do perfil do público na internet e o convidou a interagir, participar e compartilhar o material, utilizando o entretenimento para gerar engajamento. Advertainment Para atingir esse público, cada vez responsável pela escolha do conteúdo que quer consumir e com uma atenção cada vez mais escassa, a publicidade precisa se reinventar e utilizar novas ferramentas como, por exemplo, o entretenimento. O termo advertainment foi criado para definir as grandes conexões entre conteúdos de entretenimento e publicidade. Advertainment pode ser definido como a aproximação do entretenimento em relação à atividade publicitária das marcas. Segundo Brown (2006, p. 55, tradução nossa), “advertainment é uma forma de publicidade que é consumida e apreciada pelo consumidor como se fosse para fins de entretenimento. Advertainments são anúncios disfarçados de entretenimento”. Para Russel (2007, p. 3, tradução nossa): “Isto refere-se a práticas promocionais que integram comunicações da marca dentro do conteúdo de produtos de entretenimento”. De acordo com Russel, essa prática têm crescido por causa da situação na qual a publicidade se encontra atualmente – exigindo um custo muito alto das marcas, com consumidores saturados das mensagens tradicionais e encontrando cada vez mais maneiras de evitá-las. Segundo Ribaric (2011), esse novo cenário que obrigou as empresas a criarem conteúdos mais inteligentes e criativos, se deu devido ao novo tipo de consumidor mais atento e seletivo que se afastara cada vez mais da publicidade tradicional. Com estas mudanças, a comunicação das marcas deixa de ser uma interrupção e passa a despertar o interesse do público. De acordo com Iossi (2011), os publicitários necessitam atingir o 57 cérebro e o coração do consumidor através de algo que faça sentido para o consumidor, muito além de apenas um conteúdo. O interesse do público pelo conteúdo e o seu envolvimento aumenta a chance de um conteúdo ser compartilhado. Brown (2006) afirma que os advertainments, por serem distribuídos como entretenimento e não como publicidade, são muito facilmente compartilháveis “entre milhares de consumidores, sem nenhum custo” (p. 55, tradução nossa). Dumb Ways to Die Atitudes imprudentes nas linhas de trem como parar na beira das plataformas, correr sobre os trilhos ou desrespeitar as cancelas dos cruzamentos ao andar de carro estavam preocupando a Metro Trains Melbourne (MT), empresa que opera a rede de ferrovias suburbanas de Melbourne, na Austrália. Segundo artigo publicado na Harvard Business Review (QUELCH, 2014), a empresa transportava em torno de 415 mil pessoas por dia, por meio de 203 trens, o que fazia com que, apesar de a comunicação sobre a prevenção de acidentes ser realizada, o controle em relação à segurança de seus passageiros se tornasse ainda mais difícil, principalmente no que dizia respeito ao público jovem. Com o objetivo de diminuir o número de mortes oriundas de acidentes nas linhas de trem, a rede MT entrou em contato com a agência McCann Melbourne para solicitar o desenvolvimento de uma campanha que demonstrasse a importância de respeitar as normas de segurança e que tivesse impacto, principalmente para o público jovem, quem mais tinha o costume de ignorar os avisos. A partir do briefing passado pela MT, a McCann Austrália tinha em suas mãos o desafio de desenvolver uma campanha que se diferenciasse do tom tradicional dos anúncios e informativos sobre segurança nos trens que já vinham sendo veiculados até então. A campanha deveria fugir dos padrões para que pudesse chamar a atenção das pessoas que utilizam o serviço, um público bem heterogêneo. Tudo isso deveria ser feito com um orçamento de mídia limitado a aproximadamente duzentos mil dólares, segundo Quelch (2014). Então, foi desenvolvida uma animação de três minutos, na qual personagens coloridos e cativantes encenam várias “maneiras idiotas de morrer”. Ao fundo, é cantada uma música que auxilia na transmissão da mensagem, narrando as atitudes que 58 os personagens tomam, com uma melodia suave. Os personagens tornaram-se característicos por serem apresentados um a um, ao encenarem suas próprias maneiras de morrer. Além disso, ao longo do vídeo, enquanto novos personagens vão surgindo, todos os que já foram apresentados reaparecem no refrão com alguma característica física que relembre o motivo pelo qual sua morte ocorreu. Após apresentar diversas maneiras diferentes de morrer, o vídeo introduz as “maneiras mais idiotas de morrer”. E é neste momento que a mensagem principal do comercial começa a ser passada. Todas os personagens seguintes morrem por não seguirem as normas de segurança nas plataformas de trem, e, de todas as mortes mostradas até então, estas são consideradas as mais estúpidas. A campanha “Dumb Ways to Die” se tornou um sucesso por diversos motivos. Para Adrian Mills, Diretor Administrativo da McCann Austrália, agência que desenvolveu a campanha, o briefing que lhes foi passado era de que eles precisavam elaborar uma campanha que atingisse o público jovem – entre 15 e 25 anos – e que causasse impacto neles, diferenciando-se de todas as campanhas sem sucesso que já haviam sido veiculadas. Por nos encontramos em um momento no qual o público tem recebido muitas informações e estímulos todos os dias, contexto apontado por Jenkins (2009), o púbico se torna disperso e acaba por ignorar muitas mensagens que lhe são passadas. Nesse cenário, as empresas devem se esforçar para conseguir se diferir das demais e chamar atenção de seu público. No caso dessa campanha, a agência tinha um desafio ainda maior: chamar a atenção dos jovens que, segundo The Best Of Global Digital Marketing23, não funcionam à base do “não faça isso ou aquilo” (tradução nossa). Ainda de acordo com o site, os jovens têm um comportamento reativo à publicidade, tornando ainda mais difícil a ideia de uma campanha mudar seu comportamento. Para que isso aconteça, precisa ser realizada uma abordagem muito diferente das utilizadas atualmente. Além disso, o assunto por si só – segurança nas plataformas de trem - não ia de encontro aos interesses desse público. A McCann precisou desenvolver uma campanha totalmente diferenciada para que surtisse efeito no público desejado e atendesse aos pedidos da Metro. A premissa básica utilizada para o desenvolvimento da campanha foi, segundo Mills (2015, tradução nossa): “Se você tem uma mensagem que você precisa que as pessoas ouçam, transmita-a de uma maneira que as pessoas queiram ouvir”. A partir disso, a agência 23 Disponível em: <http://www.best-marketing.eu/case-study-metro-trains-dumb-ways-to-die/> Acesso em 30 de outubro de 2015. 59 percebeu que deveria se distanciar do tom mórbido que esse tipo de mensagem teria e partiu para a criação de algo com o que os jovens pudessem se identificar, que despertasse sua vontade de falar sobre o assunto. Percebeu-se assim, que o entretenimento poderia ser um aliado da publicidade na hora de contar essa história. A estratégia utilizada para aproximar os jovens e fazer com que eles se interessassem pelo assunto foi a utilização do entretenimento como ferramenta de publicidade. Com o objetivo de criar advertainments, a empresa manteve seu foco em desenvolver conteúdos de entretenimento para, através destes, passar a mensagem desejada e atingir o público. Segundo Mills, todas as peças desenvolvidas para a campanha sempre foram pensadas como entretenimento, e o desenvolvimento de conteúdos adicionais à primeira mídia - a animação -, que possibilitou a interação do público, foi apenas o progresso da estratégia inicial. Outro ponto importante para o sucesso da campanha foi o desenvolvimento de peças que foram veiculadas em meios adequados, explorando suas melhores qualidades e, dessa maneira, incentivando a interatividade do público. A McCann demonstrou apostar neste quesito ao lançar a primeira peça da campanha em um ambiente digital. A campanha tinha como peça base uma animação de 3 minutos, através da qual o público poderia curtir, dar sua opinião e compartilhar. Assim, segundo Mills (2015), o conteúdo era distribuído de forma descentralizada, utilizando as redes de cada usuário para fazer com que o conteúdo fosse distribuído entre as pessoas, como apontado por Ford, Green e Jenkins (2014). A campanha contou com uma grande amplitude transmidiática: além da animação, a campanha contou com música, Tumblr, duas versões de jogos mobile, livro, website e outdoor. A criação de um contexto para que essa mensagem fosse passada foi algo muito importante. A campanha tornou-se uma narrativa transmidiática ao passar a mensagem através de diversos meios, contando um pouco da história por meio de cada um deles. A agência criou novos pontos de contato com o consumidor ao disseminar a campanha com o apoio de variadas mídias, criando um conteúdo diferente, uma possibilidade de interação e de disseminação da mensagem, especial para cada uma delas. O YouTube foi utilizado para a primeira divulgação da campanha, nele foi postado o vídeo que apresentava os personagens e era embalado pela música cativante. Em seguida, para ajudar a contar essa história, os gifs dos personagens foram disponibilizados no Tumblr oficial para que pudessem ser compartilhados. Além disso, a criação dos aplicativos como games, aumentava ainda mais o enredo da história, possibilitando que o público 60 pudesse interagir e explorar mais personagens e cenários nesse contexto. O website viabilizou que as pessoas pudessem obter mais informações acerca dos personagens e sobre segurança nos trens. A partir da demanda educativa que surgiu, a agência também transformou a campanha em conteúdo para um livro infantil. Para que houvesse uma interatividade maior em meios físicos, foi desenvolvida a versão karaokê da música, para que as pessoas pudessem acompanhar a letra e cantar a música nas plataformas de trem. Enfim, os diferentes meios utilizados colaboram entre si para a divulgação da campanha, aproveitando o que cada um possui de melhor. Isso possibilitou que o público compartilhasse esse tipo de conteúdo e até mesmo criasse suas próprias versões da campanha, resultando na criação de diversas paródias. A criação de conteúdos que interessassem e instigassem o público e a sua divulgação através de diferentes tipos de mídia que possibilitassem aproximação ao público consistia em uma estratégia de buzzmarketing planejada pela agência. A estratégia foi elaborada para que a mensagem fosse compartilhada de pessoas para pessoas e não da empresa para as pessoas. De acordo com Mills (2015), o desejo da agência era de que o conteúdo fosse compartilhado P2P24. Eles objetivavam essa descentralização da disseminação de informação através do interesse que desejavam causar nos jovens a partir do entretenimento. Para Mills, as pessoas naturalmente compartilham conteúdo que lhes interessa e era nisso que eles focariam para que a campanha obtivesse sucesso – desenvolver conteúdo de interesse do público. Ao comparar o conteúdo da campanha com as cinco características que tornam o conteúdo mais suscetível a ser compartilhado, elaboradas por Ford, Green e Jenkins (2014), é possível analisar que todos os quesitos foram contemplados. Conteúdo disponível quando e onde o público quiser: a campanha transpassou-se por diversas mídias, tanto online quanto off-line, facilitando desta maneira que o público tivesse contato com o material de alguma maneira, através de algum dos meios. Portátil: apesar de se tratar de uma campanha sobre um tema específico - segurança nas plataformas de trem de Melbourne -, pelo modo como foi abordada, a campanha pode ser citada e apropriada de diversas maneiras pelo público. Facilmente reutilizável de uma série de maneiras: por ser apresentada de diversas maneiras ao público – através do vídeo, através da música, através de gifs, por meio dos jogos – a campanha abria margem para 24 P2P: do inglês peer-to-peer, que significa par-a-par) é um formato de rede de computadores em que a principal característica é descentralização das funções convencionais de rede, onde o computador de cada usuário conectado acaba por realizar funções de servidor e de cliente ao mesmo tempo. Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/torrent/192-o-que-e-p2p-.htm> Acesso em 02 de novembro de 2015. 61 indeterminadas maneiras de utilização do conteúdo pelo público. Relevante para os vários públicos: o conteúdo atinge mais do que o público-alvo, atingiu também outras pessoas até mesmo de outros estados, de outros países, por possuir um amplo conteúdo sobre as “maneiras idiotas de morrer”, não apenas sobre os trens de Melbourne. Parte de um fluxo constante de material: mesmo que o vídeo e a música por si só tivessem gerado um sucesso inestimável, diversos conteúdos continuaram a ser desenvolvidos para diferentes tipos de mídia – foram lançados após as primeiras peças, jogos, livros infantis, site oficial, entre outros. Considerações Finais A campanha segue a mesma linha apresentada por Jenkins (2009), que aponta que o consumidor, em tempos de convergência mediática, é cortejado pelas empresas em diferentes mídias. Esta campanha é um exemplo de criação de novos e diversos pontos de contato entre marca e consumidor pois não objetiva que o público receba uma única vez a mensagem, mas viabiliza que o contato entre marca e consumidor possa ser realizado através de diversos meios, possibilitando que seja criada uma relação contínua entre eles, não apenas um contato único. Apresenta-se como um exemplo bem sucedido sobre como aumentar o número de interações com o consumidor, provando que, se bem feito, pode surtir o efeito desejado. Segundo Mills (2015, tradução nossa): “As oportunidades são infinitas. Como agência nós criamos coisas. Nós construímos coisas. Nós fazemos com que as coisas se transformem em marcas. Basta encontrar uma maneira de desempenhar um papel significativo na vida de alguém. Isso não precisa ser apenas um anúncio”. Por ter o foco no desenvolvimento de conteúdo de entretenimento que interessasse os consumidores, a agência conseguiu fazer com que o público fosse o maior disseminador da campanha, ela começou a ser compartilhada do público para o público, atingindo o objetivo da agência através de sua estratégia de buzzmarketing. O estudo sobre o entretenimento como ferramenta de publicidade mostra que esse tipo de desenvolvimento de campanha – focado no conteúdo – possibilita novos pontos de contato entre marca e consumidor e viabiliza que as mensagens passadas pelas marcas diferenciem-se da grande quantidade que é transmitida ao consumidor todos os dias. 62 A campanha foi compartilhada através de meios como YouTube, rádio, apps, website, entre outros, e utilizou-se das melhores características de cada mídia para disseminar um tipo de mensagem adequado através de cada uma delas. Com isso, foi desenvolvida uma narrativa transmidiática que fez sucesso no mundo inteiro. Referências: BROWN, Bruce C. How to use Internet to advertise, promote and market your business or website with little or no money. USA: Atlantic Publishing Group, 2006. FORD, Sam; GREEN, Joshua; JENKINS, Henry. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio de mídia propagável. São Paulo: Editora Aleph, 2014. IOSSI, Licínia De Freitas. TV digital sob a perspectiva publicitária: Uma análise do advertainment na narrativa audiovisual. Dissertação (Mestrado em em TV Digital) Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista "Júlio De Mesquita Filho", Bauru, 2011. Disponível em: <http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/bba/33004056088P9/2011/iossi_lf_ me_bauru.pdf>. Acesso em 19 de outubro de 2015. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência: a colisão entre os velhos e novos meios de comunicação. São Paulo: Editora Aleph, 2009. LONGO, Walter. Marketing e comunicação na era pós-digital: As regras mudaram. São Paulo: HSM do Brasil, 2014. MARTINUZZO, José Antonio. Os públicos justificam os meios – Mídias customizadas e comunicação organizacional na era da economia da atenção. São Paulo: Summus editorial, 2014. MILLS, Adrian. Dumb Ways To Die [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 11 de setembro de 2015. RIBARIC, Marcelo Eduardo. Breve síntese sobre a trajetória do filme publicitário. In: Anais do VII Encontro Nacional de História da Mídia. Unicentro, Guarapurava: 2011. RUSSELL, Cristel Antonia. Advertainment: Fusing Advertising and Entertainment. University of Michigan, 2007. Disponível em: <http://www.bus.umich.edu/facultyresearch/researchcenters/centers/yaffe/downloads/ad vertainment_teaching_materials.pdf>. Aceso em: 19 de outubro de 2015. QUELCH, John. Dumb Ways To Die: Advertising Train Safety (A). Harvard Business Review, Jan. 2014. Disponível em: <https://hbr.org/product/dumb-ways-to-dieadvertising-train-safety-a/514079-PDF-ENG>. Acesso em: 30 ago. 2015. 63 ADVERSONGS: DA MÚSICA À PUBLICIDADE, DA PUBLICIDADE À MÚSICA. Por Ticiano Paludo – FAMECOS/PUCRS – [email protected] 1. Notas sobre publicidade e propaganda Se buscarmos o senso comum presente no dicionário (Larrouse, 1992, p. 920), enontraremos para o vocábulo publicidade, as seguintes definições: "Caráter do que é feito em presença do público. Notoriedade pública. Conjunto de meios empregados para tornar conhecido um bem ou serviço, visando seu sucesso comercial. Atividade profissional que se dedica a esse fim". O mesmo dicionário diz que publicitário é aquele que trabalha em publicidade. Complementando (ibidem, p. 911), se procurarmos o significado de propaganda, a resposta será: "Divulgação de ideias ou informações cujo conhecimento público interessa ao divulgador". A história da publicidade e propaganda é rica e detalhada, e não iremos entrar em suas minuscias. Porém, alguns pontos chave devem ser mencionados para este artigo. Martins (2004) afirma que a propaganda nasceu quando alguém disse para outro alguém que possuía alguma coisa a oferecer, quer seja um produto ou um serviço. O autor ajuda a compreender esse processo partindo de alguns marcos históricos. Para ele, propaganda pode ser entendida, ainda, como um ato de semeadura, isto é, de plantio e posterior colheita. Estabelecendo quatro pontos didáticos para pensar a história da propaganda de forma resumida, podemos iniciar afirmando que o termo propaganda começou a ser difundido no início do Século XVII, a partir de uma organização criada pelo Vaticano para propagar a fé católica. Se a Igreja Católica deu um pontapé inicial para a propaganda, Joseph Goebbels, ministro das comunicações do Terceiro Reich, aparece como peça chave em um segundo recorte histórico: ele sedimentou-a com a divulgação e consolidação das idéias nazistas de Adolf Hitler para o povo alemão, na primeira metade do Século XX, através de métodos e técnicas sistematizadas de produção e difusão de mensagens para grandes audiências. O terceiro grande momento da publicidade pode ser localizado após a IIa Guerra Mundial, na segunda metade do Século XX, quando os meios de comunicação de massa eletrônicos (rádio, cinema e televisão) começaram a atingir uma gama considerável de pessoas em larga escala. O 64 quarto e último (até então) estágio é o atual, calcado nas comunicações digitais conectadas em rede e amplificadas pelos dispositivos móveis de comunicação. Sampaio (2003, p. 23) aponta a propaganda como catalisadora das ações humanas, ao afirmar que ela "[...] seduz nossos sentidos, mexe com nossos desejos, revolve nossas aspirações, fala com o nosso inconsciênte, nos propõe novas experiências, novas atitudes, novas ações". O autor (2003, p. 26) define, ainda, o termo como "[...] a manipulação planejada da comunicação visando, pela persuasão, promover comportamentos em benefício do anunciante que a utiliza". Pensemos para este artigo, então, a propaganda no campo das ideias e a publicidade no campo do consumo. 2. Da canção ao jingle Apontados os fundamentos da publicidade, voltaremos nossa atenção para um de seus instrumentos: o áudio publicitário. O primeiro ponto a ser definido diz respeito a uma categorização (Paludo, 2009) comumente utilizada por produtores musicais dentro do campo do áudio publicitário que visa diferenciar as peças musicais que são compostas com finalidade publicitária e aquelas que acabam exercendo esse papel por uma apropriação a posteriori. O áudio publicitário é também comumente chamado de áudio funcional. Ele recebe essa classificação pois obrigatoriamente tem um papel a cumprir. Todo som é uma negociação. No caso, este papel diz respeito a ser uma ferramenta propulssora de vendas, quer seja de uma idéia, produto ou serviço. Em oposição, a outra classificação é denominada áudio artístico. Ainda que o áudio artístico seja um produto obviamente vendável (o intérprete ou compositor podem vender a sua obra gravada ou sua partitura mediante acordos de licenciamento musical), a sua gênese tem como propósito uma criação declaradamente artística. Mediante permissão e acordos comerciais de licenciamento, a composição artística poderá acabar sendo utilizada como elemento publicitário a posteriori. Já que a publicidade tem no seu bojo uma obrigação de vender, e a arte, embora também deva vender (uma vez que o artista profissional é aquele que vive da sua arte, diferentemente de a arte ser um passatempo), tem uma pressão aparentemente menor 65 nesse sentido, ela pode ser vista como mais livre em relação ao fazer publicitário. Dentre os produtos pertencentes ao universo do áudio publicitário, um dos mais conhecidos é o jingle (Paludo, 2009). Para compreendermos o jingle, primeiro precisamos acessar o conceito referente à canção. Uma canção é uma composição autoral musical que possui os seguintes elementos fundadores: uma letra (o texto a ser cantado); uma melodia (as notas que ancoram o texto executadas de forma horizontal, linear e sequencial através do canto); e uma harmonia (conjunto de progressões de acordes musicais que ancoram a melodia e dão sustentação à obra musical). Toda a canção criada a priori com finalidade publicitária (isto é, funcional) é chamada de jingle. Dentro do meio do áudio publicitário, existe uma área que tem crescido consideravelmente nos últimos anos denominada de music branding. O branding é um campo da publicidade que se ocupa de todos os esforços de comunicação e marketing nessessários para a criação, gerenciamento e manutenção de uma marca. Guerra (2013, p. 45) aponta que [...] a música tem o poder de provocar associações. Como uma ponte mágica, longa o bastante para conectar territórios bem distintos entre si, a música é capaz de construir e dar sentido aos mais diversos tipos de laços, mesmo aqueles tidos como impossíveis ou improváveis. [...] Laços que criam e reforçam associações entre consumidores e marcas, numa relação de troca que gera valor verdadeiro para ambas as partes. Esse poder de conexão vem de longa data. Castanheira; Coelho (2012) lembram da importância que os sinos desempenhavam desde a Idade Média como signos sonoros associados ao comportamento humano, quer seja para sinalizar o culto litúrgico ou indicar outras situações, como o chamada a uma reunião emergencial ou o anúncio de algum momento de perigo para a comunidade. Isso ocorria, pois desde os tempos primitivos o homem aprendera a utilizar a audição como instrumento de localização e sobrevivência, fugindo de eventuais predadores e encontrando caças potenciais para sua alimentação. Se, como apontado anteriormente, a Igreja Católica contribuiu para a publicidade de modo geral, parece ter igualmente contribuído para a utilização do som como ferramenta publicitária no badalar de seus sinos litúrgicos. 66 Os jingles contemporâneos seguem a estrutura base da música pop, ou seja, melodias de fácil compreensão, letras simples, refrão marcante (muitas vezes o próprio nome do anunciante ocupa essa posição) e repetição. O estilo musical adotado dependerá de uma série de fatores como conceito da comunicação, público alvo e tipo de produto/serviço/conceito anunciado. Sergl (2010, p. 221) afirma que "Ao analisarmos o jingle, precisamos ter em mente que a propaganda lida com elementos do tempo e do espaço na medida em que reúne passado, presente e futuro. O passado fixado na memória, o presente implícito na observação e o futuro na imaginação". Se o ápice da música popular é o refrão, isto é, um trecho curto que se repete e que, normalmente, contém a idéia central da canção ou sua temática evidenciada, Serlg (2010, p. 229) lembra que "O jingle criativo, de real musicalidade, leva o nome do produto a ser repetido inconscientemente, na medida em que todos cantam a melodia que se fixa na memória". Essa repetição enquanto forma de prazer e aprendizado já era percebida por Aristóteles, quando ele relatava que a tendência para imitação era instintiva no homem desde a infância. Como afirmava Aristóteles (2011, p. 30) sobre o homem: "Neste ponto distingue-se de todos os outros seres, por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquire seus primeiros conhecimentos, por ela todos experimentam o prazer". Deste modo, o jingle convida o ouvinte a entoar repetidamente o mantra de sua mensagem publicitária, seja mentalmente ou verbalmente, mimetizando a sua mensagem. Ouvir diz respeito ao estímulo sonoro. Escutar diz respeito à produção de sentido. O jingle deve ser fazer ouvir e escutar. 3. Do fazer artístico ao advertainment Pitatininga (1994) promove um amplo debate sobre as fronteiras entre arte e publicidade. O autor retoma a história da arte ao afirmar que a ideia de diferencial começa a se estabelecer após o período do Renascimento. Avançando no tempo, afirma que a civilização industrial se desenvolveu à medida que todas as formas da atividade criadora foram gradativamente subordinadas à racionalidade instrumental e à necessidade de acumulação de capital. A criatividade artística foi progressivamente colocada a serviço do consumo. Os impulsos mais elementares do homem, gerados pela necessidade de auto-identificar-se e de situar-se no universo, sempre foram forças motrizes do processo criativo. Tendo em mente que o ser humano é um ser cada vez mais imerso em um universo simbólico, o fazer artístico tem a capacidade de emoldurar 67 em simulacros de realidade um conjunto de emoções e sentimentos. Simulacros, pois a obra de arte sempre é uma aproximação selecionada de aspectos da realidade que busca espelhar e transmitir leituras sobre essa realidade. Pois, se a arte reveste de valores simbólicos os objetos do mundo, o mesmo faz a publicidade com os produtos, serviços e conceitos que ela ajuda a construir e fazer reverberar. Piratininga (1994) provoca a discussão sobre o valor artístico da publicidade ao colocar em relevo uma semelhança importante: tanto a obra de arte quanto a publicidade nunca querem só representar, e sim, possuem em sua essência a persuasão. Se a publicidade é massiva, a arte também pode ser. E esse processo é planejado e nada ingênuo. Como aponta o autor (ibidem, p. 60 - grifo do autor): "Acreditar que toda manifestação da arte seja produto de uma total espontaneidade em seu conteúdo e forma e que, por isso, as manifestações artísticas da sociedade de massa seriam 'menos arte', é mais do que ingenuidade". Andy Warhol, um dos principais expoentes do movimento pop arte, aproximou a arte para perto da publicidade e a publicidade para perto da arte. Na década de 1960, nos Estados Unidos, como aponta Honnef (2004, p. 23), “[...] cinema, design e publicidade pertenciam ao ambiente cultural, tal como os hambúrgueres e a Coca Cola". Se os movimento dadaísta do início do Século XX, que tinha o objetivo de provocar reflexões profundas sobre o fazer artístico, encabeçado por nomes como o de Duchamp, trouxe os objetos do cotidiano para o plano da arte, os integrantes da pop arte fizeram o mesmo, porém de uma forma mais leve, ainda que igualmente crítica. Nesse cenário, a diferença entre a cultura elitista e a popular desaparece. A publicidade passa a ser um dos temas preferidos do movimento. A pop arte celebra a sociedade de consumo. (Paludo, 2010). O consumo na pop arte é encarado como meio para se obter prazer. Ainda que em muitos momentos ela provocasse uma reflexão crítica sobre o consumo e a arte, artistas como Warhol gostavam muito de consumir e serem objeto de consumo, quer seja midiático, quer seja de suas obras. Segundo Strickland (2004, p. 175), Warhol pegava seus temas nas prateleiras de supermercados e nas manchetes de tablóides e apresentava uma produção de massa com imagens de Marilyn Monroe ou de latas de sopa Campbell, numa espécie de linha de montagem, repetindo a imagem por meio de silk-screen. As imagens populares trouxeram a arte para fora dos museus. 68 Quando, por exemplo, Warhol cria a identidade visual para as latas de sopa Campbell, ele promove um nó na discussão sobre fronteiras envolvendo arte e publicidade, uma vez que o trabalho passa a desempenhar um duplo e simultâneo papel nos dois mundos, dificultando o delineamento de onde começa um e termina o outro. Johnson (2012) afirma que as formas mais depreciativas de diversão em massa tem um valor muito relevante para a construção simbólica do mundo. Como aponta (ibidem, p. 17): "Na maior parte das vezes, as críticas que levam a cultura pop a sério realizam algum tipo de análise simbólica, decodificando a obra para mostrar de que maneira ela representa algum outro aspecto da sociedade". Warhol (2008, p. 109) também pensava assim: "Sempre gosto de trabalhar com restos, fazer as coisas de restos. Coisas que foram jogadas fora, que todo mundo sabia que não prestavam, eu sempre achei que elas tinha um grande potencial [...]". Nesse caso, potencial de ressignificação. Se a publicidade começou a se fundir com a arte, ambas também se juntaram à indústria do entretenimento. E a essa fusão, deu-se o nome de advertainment, isto é, a junção de advertising (propaganda) com enterteinment (entretenimento). Conforme Russell (2007), este casamento contribui para o auxiliar branding das marcas anunciantes. O advertainment tem crescido principalmente em reação ao excesso de mensagens publicitárias veiculadas em diversos meios (tradicionais ou não), à escalada dos custos de publicidade e à perda de potênia e eficácia reduzida de mensagens publicitárias tradicionais. Os consumidores estão exponencialmente mais expostos a mensagens comerciais mas, ao mesmo tempo, se tornam mais resistentes e acabam encontrando novas maneiras de evitá-las. Levando em conta que por décadas a TV foi a grande vitrine de exibição de anúncios, à medida que a convergência entre ela e a internet cresceu, os consumidores foram ganhando cada vez mais controle sobre o que ver e quando ver. Hoje os anunciantes estão atentos para alternativas como o entretenimento de marca dentro de programas, patrocínios de programas, publicidade interativa durante os programas, anúncios em vídeo on-line e, também, para a técnica de product placement, que consiste em inserir os produtos e serviços como integrantes da narrativa de filmes, series, novelas, games e outros produtos midiáticos. 69 Majerol (2011) acredita a volta da inserção narrativa da publicidade a que se assiste atualmente seja uma volta aos clássicos, uma vez que, no rádio e na TV da década de 1950, já era comum produtos serem utilizados como nome agregado a títulos oferecidos pela programação, como por exemplo, "Colgate Comedy Hour" (Hora da Comédia Colgate) ou a "Texaco Star Theater" (Teatro das Estrelas Texaco). Agora, porém, em muitos casos, a narrativa já é planejada desde o início pensando nas possíveis associações de produtos que podem figurar durante a trama. A explicação para essa volta ao passado pode ser justificada diante da saturação de excesso de mensagens publicitárias despejadas sobre o público, fato que gera ressistência e rejeição. A audiência, empoderada pela facilidade atual de fuga das paradas obrigatórias narrativas geradas pelos intervalos comerciais, e cansada das ofertas tradicionais de anúncios, acaba procurando conteúdo em outras fontes menos poluídas de reclames ou simplesmente buscando outras propostas de diversão. Majel (2011) aponta um forte crescimento da utilização de product placement com apelo de advertainment na indústria musical, afirmando que no ano de 2010 esse valor beirava a casa dos 20 milhões de dólares. O vídeoclipe se converte em uma nova vitrine para expor produtos. A diferença do advertainment para o product placement é que o primeiro procura ser mais sutíl e menos explícito e agressivo do que o segundo. 4. Adversongs Até aqui, discutimos conceitos referentes à arte, publicidade, áudio publicitário e fusões entre arte, narrativa e propaganda. O artigo propõe, então, um novo conceito denominado adversongs, isto é, a junção entre advertising e songs (canções). Pelo que foi visto até então, fica claro que desde a segunda metade do século XX, publicidade e propaganda e arte caminharam juntas, em uma relação dialógica. Ao observarmos a vida dos compositores eruditos de séculos passados, veremos que suas canções e composições sempre estiveram a serviço de seus mecenas. como pode ser constatado na afirmação de Bach ao ter dito que "o objetivo de toda a música devia ser a gloria de Deus". (Thomas; Thomas, 1965, p. 9). ou Mozart (ibidem, 1965) que compôs diversas peças sob encomenda para a nobreza. Se a música sacra de Bach tinha como objetivo glorificar a Deus (e ao anunciante que contratava Bach, isto é, o clero), e se os temas de Mozart visavam divertir a nobreza (e, muitas vezes, também o clero, ambos seus contratantes), não poderíamos encará-los como jingles primitivos? Se no passado 70 distante pode parecer nebuloso, no presente esta perspectiva se mostra mais evidente. Ao prestarmos atenção às letras das canções, veremos que elas possuem um rico discurso sobre diversos aspectos da vida humana, e que, assim como um cojunto de discursos políticos constrói um político ou um conjunto de discursos religiosos constrói um sacerdote e uma religião, um conjunto de discursos musicais constrói uma banda, cantor e assim por diante. Esse foco hoje é dado pelos artistas e pelos profissionais de A&R (artista e repertório)25, gestores de suas carreiras. Trazendo a olhar para tempos mais recentes, a banda de rock Rolling Stones lançou em 1965 a canção "Satisfaction"26 ("Satisfação") na qual cantava de forma repetida a frase "I can't get no satisfaction" ("Eu não consigo ficar satisfeito"), demonstrando a inquietude juvenil que sempre envolveu o mundo dos jovens, prova da atualidade do tema que faz sucesso até hoje. Poucos anos depois, Janis Joplin gravava uma de suas últimas canções intitulada "Mercedes Benz" 27 . Nesse exemplo, o próprio título é uma marca. Mesmo que com um certo tom crítico sobre o consumo, acabava por auxiliar na mitologia da marca cantada. Tomando um outro exemplo, citamos o DJ Fatboy Slim e sua canção com letra minimalista que repete durante toda a gravação única e exclusivamente a frase "Fatboy Slim is Fucking in Heaven"28 ("Fatboy Slim está fodendo no paraíso"). Podemos pensar muitas possibilidades de leitura sobre essa letra: o artista está tendo prazer infinito com seu trabalho; demonstra estado de êxtase com seu sucesso; canta uma ode hedonista. Ainda que a história da música seja recheada de diversos e variados discursos musicais, os exemplos apresentados dão conta de demonstrar que as obras musicais questionam e exaltam a existência humana. Como aponta Figueiredo (2009, p. 1), De Atenas às antenas, muito se sofisticou no processo de persuasão, em especial no discurso publicitário, que bebe de infinitas fontes desde a filosofia, a antropologia, a sociologia, a psicologia, a linguística, a semiótica, a arte, e tem, ainda hoje, entre suas mais podersas armas, a palavra. As canções, palavras musicadas, formam o inventário artístico dos músicos, compositores e interpretes da indústria musical. Elas são uma interface entre o público, as ideias e os compositores e intérpretes. Conforme apresentamos, a 25 Para mais informações sobre A&R, consulte Paludo (2010). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=HoxRFOr_sQ0> acesso em 10.06.14 27 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Qev-i9-VKlY> acesso em 10.06.14 28 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=XmKJOdRf_3s> acesso em 10.06.14 26 71 publicidade, em senso comum, se caracteriza por um conjunto de meios empregados para tornar conhecido um bem ou serviço, visando seu sucesso comercial. Propaganda, constrói ideias. Pois as canções não vendem o discurso artístico? Não são um convite à experiência do espetáculo ao vivo (a obra acontecendo na experiência)? Ser fã é um ato de fé, de crer: fé em um arquétipo, em um ídolo, em uma idéia, em uma ideologia. Como vimos, a propaganda se desenvolveu através da fé. Da mesma forma, a fé pode se ampliar pela propaganda (no caso, pelas canções). Verificamos, ainda, que o processo de persuasão publicitária se dá mediante a manipulação planejada da comunicação visando promover comportamentos em benefício do anunciante que a utiliza e que as produtoras de áudio geram sons que tem por objetivo incrementar vendas. O mesmo não valeria para a indústria do disco (ou do stream e downloads, atualmente) e suas canções? Nesse sentido, as canções se parecem com as latas de sopa Campbell: uma fusão entre obra e criador, artista e anunciante, publicidade e arte (musical). Nesse plano, as fronteiras entre jingle e canção ficam rarefeitas. Quando elas são readymades ressignificados, também. O videoclipe é a nova vitrine. Como no conto do "Flautista de Hamelin" escrito pelos Irmãos Grimm (Constanza, 2011), as adversongs são textos entoados e notas tocadas, e trocadas por moedas, atraíndo uma multidão de fãs consumidores. Se as adversongs profanam ou sacralizam a obra musical é uma discussão para outro artigo. BIBLIOGRAFIA: ARISTÓTELES. 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Com as alterações da publicidade contemporânea no contexto multiplataforma, mostra-se pertinente mapear e analisar os engajamentos provocados por essas representações, entendendo como as relações de poder reproduzidas na televisão são desdobradas nas redes sociais. Palavras-chave: publicidade e propaganda; representações; homossexualidades; redes sociais. Abstract: this paper presents a cutting of research about the representations of the heteronormative model variants in the advertising present on Brazilian broadcast TV. Considering the contemporaneous advertising alterations in the multiplatform context, it is pertinent to map and to analyze the engagements provoked by such representations, understanding how the power relations reproduced on TV are unfolded on social networks. Key-words: advertising and propaganda; representations; homosexualities; social networks Introdução A legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo pela Suprema Corte dos Estados Unidos32, no final de junho deste ano, repercutiu na rede social Facebook33 através de manifestações. Entre elas, a aplicação de um filtro com cores de arco-íris nas 29 Trabalho apresentado no GT Publicidade e Propaganda, integrante da XVIII Seminário Internacional da Comunicação. 30 Professor Adjunto na Fabico da Universidade Federal do Rio grande do Sul, Porto Alegre (UFGRS). Graduado em Comunicação Social – habilitação em Publicidade e Propaganda. Mestre em Comunicação e Informação. Doutor em Comunicação e Informação, todos pela UFRGS, com Doutorado-sanduíche na UFRJ. Vice-diretor da Fabico. ( [email protected]) Esse trabalho contou com a colaboração da bolsista de Iniciação Científica Amanda de Carvalho ([email protected]), aluna do Curso de Publicidade e Propaganda da UFRGS, e de Márcia Leão Soares Pereira ([email protected]), aluna do Curso de Publicidade e Propaganda da UFRGS. 32 Suprema Corte dos EUA aprova o casamento gay em todo o país. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/suprema-corte-doseua-aprova-o-casamento-gay-nacionalmente.html, em novembro de 2015. 33 Casamento gay ganha apoio no Facebook. Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/06/casamento-gay-ganha-apoiono-facebook-veja-como-mudar-seu-perfil.html, em novembro de 2015. 31 75 fotos de perfil dos internautas, que se colocavam favoráveis à legalização, demonstrou, em parte, o que as plataformas digitais acrescentam como alternativas aos processos comunicacionais contemporâneos. No mesmo mês, no Brasil, a rede social também foi protagonista de um embate de opiniões sobre a peça publicitária veiculada em TV aberta pelo anunciante O Boticário para o dia dos namorados, ao incluir dois casais homossexuais. A partir desses exemplos, percebe-se que temas ligados às causas LGBT34 ainda provocam muita polêmica, e demandam discussões em diversos níveis. O Facebook é um espaço que permite o posicionamento de seus usuários através do compartilhamento de suas ideias e opiniões. Situações de fora do mundo virtual são debatidas neste espaço, quando é possível defender ou rechaçar uma causa pela rede social, no caso, temas ligados às sexualidades não normativas. Com as alterações da publicidade no contexto multiplataforma mostra-se relevante mapear e analisar os tipos de engajamentos nas redes sociais, em especial no Facebook, resultantes das representações das homossexualidades veiculadas em peças publicitárias na TV aberta brasileira. Interessa identificar como a publicidade vem se apropriando estrategicamente do potencial de engajamento das redes sociais a partir do que é representado na publicidade. Para tanto, foi analisado o comercial da marca O Boticário alusivo ao dia dos namorados, “As sete tentações de Egeo”, e o impacto na sua página do Facebook. Este texto inicia com uma discussão sobre o termo homossexualidades, com aporte teórico sobre gênero e sexualidade. As representações dessa temática na publicidade são abordadas sob uma categorização que baliza metodologicamente a leitura da produção publicitária veiculada em TV aberta. Com parte do fenômeno apresentado, segue um panorama do impacto das plataformas digitais na publicidade, e formas de se identificar e analisar estratégias em mídias interativas, em específico as interações como elemento balizador do potencial de engajamento. Na sequência, se faz uma apresentação do corpus, comercial da marca O Boticário e as manifestações em sua página na rede social. Com essa estrutura, espera-se apresentar como ocorre a repercussão desta peça publicitária veiculada na TV aberta na rede social Facebook. 34 A sigla remete a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros. De caráter principalmente político (diferenciando-se da mercadológica GLS), vem se modificando e estendendo: de GLBT passou a LGBT (posicionando as lésbicas no início da sigla), evoluindo para LGBTT e LGBTTTS, incluindo também, sob o signo do S, os simpatizantes – heterossexuais apoiadores dos direitos gays. 76 Homossexualidades e sua Veiculação na Publicidade: Estereotipadas e Desconstrucionistas Diante de um debate contemporâneo sobre a diversidade sexual e a ascensão a direitos civis à população LGBT, entre eles o casamento entre pessoas do mesmo sexo, que repercutem na vida social, e alteram comportamentos, como a manifestação pública de afeto, sugere-se conquistas políticas apoiadas em uma garantia democrática às diferentes identidades de gêneros e sexuais, para além de um binarismo masculino e feminino (BUTLER, 2003). Esse debate sobre as identidades sexuais vem se ampliando a partir das reformas liberais dos anos 1960 numa perspectiva política de afirmação (WEEKS, 2001). As muitas formas de fazer-se mulher e homem, de viver os prazeres e desejos corporais, são sempre renovadas, reguladas, condenadas e também negadas (LOURO, 1999). As possibilidades de expressar prazer, desejos e escolhas sexuais também são socialmente estabelecidas e codificadas. “As identidades de gênero e sexuais são compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade.” (LOURO, 1999, p. 11). As identidades sexuais são constituídas e definidas no âmbito da cultura e da história, incluindo-se como parte de sua construção as de outra ordem como de classe e de raça. Os corpos, assim como as identidades de gênero e sexuais, não são condicionados apenas biologicamente, mas significados pela cultura e alterados continuamente por ela. (RODRIGUES, 2009). As homossexualidades, alinhadas a uma perspectiva política de inclusão social, pautam a reivindicação de suas visibilidades, daquelas que poderiam ser definidas como variantes sexuais, amparadas em instituições e movimentos organizados da sociedade civil. Como uma alternativa de se nomear o que está sempre em desconstrução, em alteração, considera-se o termo homossexualidades, no plural, como uma alternativa contemporânea de nomear os que estão à margem de um modelo hegemônico heteronormativo. Contudo, admite-se as suas limitações. Há ainda outras nomenclaturas que abarcam outros grupos, além dos homossexuais, no entanto, para este trabalho, utilizaremos a termo mencionado acima. Apoiando-se em uma sequência de análises já realizadas desde 1978 até 2008 para tese de doutorado, intitulada As Representações das Homossexualidades na Publicidade e na Propaganda veiculadas na televisão brasileira: um olhar contemporâneo nas últimas três décadas (RODRIGUES, 2008), e dando continuidade a esse levantamento já realizado, através do projeto de pesquisa “Estudos de Gênero e da 77 Sexualidade na Publicidade e Propaganda Brasileira: as representações das homossexualidades em anúncios publicitários televisivos” procura-se mapear, identificar e analisar como o texto publicitário veiculado na TV aberta brasileira aborda as variantes do modelo heteronormativo, também entendidas como homossexualidades. Os comerciais analisados, desde 1978, delineiam o que vem sendo exposto através da polarização entre estratégias estereotipadas, que reafirmam o modelo hegemônico, e desconstrucionistas, que tensionam e provocam rupturas com o modelo vigente. Interessa-nos expor, dentro das análises dos comerciais encontrados, as formas de representação das homossexualidades. Através de recorte diacrônico de mais de 70 comerciais35 veiculados desde meados da década de 1970, procura-se identificar como o texto publicitário veiculado na TV aberta no Brasil aborda as homossexualidades. Os comerciais analisados foram identificados em duas categorias de representação: estereotipadas e desconstrucionistas. As representações estereotipadas são aquelas que seguem a construção histórica de estigmatizar uma parcela da sociedade, inserindo-a em uma relação de poder que a inferioriza e desvaloriza, acionando a inserção de estereótipos amparados em trejeitos, modo do personagem se vestir e pensar, bem como pelo cenário, edição e fala do locutor. A desvalorização ou redução a um atributo reduz esses personagens a elementos disfuncionais, ao mesmo tempo que garante as fronteiras da “normalidade”. (RODRIGUES, 2008). As representações desconstrucionistas são aquelas que mostram novas vivências da sexualidade que não estão necessariamente enquadradas em um contexto que privilegia o modelo heteronormativo. Mostra formas alternativas e supera expectativas do que é visualizado entre os personagens tradicionais. Mesmo que regulada sobre o que pode ser tornado público (MOSCOVICI, 2003; ABRIC, 2000) das homossexualidades, há um tensionamento nessas representações, pois provocam, ou pressupõem, ruptura com a norma. As formas de representações veiculadas na TV aberta permitem identificar as relações de poder intrínsecas nesse tema, as quais também refletem a postura das agências de publicidade, dos anunciantes, da própria sociedade brasileira, e, ainda, o que pode e o que não pode ser dito sobre as variantes de um modelo hegemônico. A Publicidade no Contexto Contemporâneo 35 Os títulos dos comerciais, o nome dos anunciantes e das agências de publicidade serão mantidos sob sigilo. 78 A publicidade contemporânea pode ser descrita como uma “Publicidade Multiplataforma”, ou seja, ela se utiliza de diversos meios para atingir objetivos de maneira mais precisa e customizada. O advento das novas tecnologias digitais se mostra como um facilitador de novas formas de se conceber a comunicação publicitária, não só por proporcionar novas plataformas como também por, através das mesmas, emergir um novo tipo de consumidor não-linear36 que se caracteriza por demandar a sua participação nos processos de consumo e (inclusive) de produção do conteúdo, produtos e serviços que utilizam. Portanto, o desafio atual é o de se pensar na repercussão da comunicação de marcas e produtos nas redes sociais e, mais do que a própria repercussão, como é possível observar a interação e o engajamento desses novos públicos interagentes através dessas plataformas (RODRIGUES e TOALDO, 2015) No estudo “The End of Advertising as we know it” (BERMAN et al, 2007), realizado por IBM Institute for Business Value, são propostos quatro drivers, ou tendências, que estariam mudando a forma de se pensar e fazer a publicidade. Essas tendências, aqui sintetizadas, apontariam para consumidores que vêm assumindo o controle na sua maneira de se relacionar com a publicidade; ao produzirem ou reproduzirem conteúdos; em que a manifestação individual é possível; dentro de uma nova cultura do compartilhamento. Alterações com a Publicidade Multiplataforma: de receptor a interagente. A emergência de um consumidor que possui poder e voz ativa dentro de um sistema comunicacional cada vez mais permite se observar um processo dialógico entre os participantes dos processos comunicacionais. Tendo isso em vista, Primo (2000) propõe que se chame os emissores e receptores de interagentes, pressupondo que as partes envolvidas não somente emitem ou recebem mensagens como também interagem entre si. O autor ainda separa essa interação em dois tipos: as interações reativas cujo funcionamento é baseado “na relação de um certo estímulo e de uma determinada resposta” (PRIMO 2000, p.87), ou seja, existem respostas pré-determinadas o que gera limitações; e as interações mútuas em que “cada agente, ativo e criativo, influencia o comportamento do outro, e tem seu comportamento influenciado” (PRIMO, 2000, p. 87). Quando falamos em “consumidor não-linear” estamos querendo frisar que esse novo público flui por diversas plataformas afim de buscar conteúdo acerca daquilo que deseja se informar, fazendo, portanto, a utilização não-linear das mídias. 36 79 Ao pensarmos na comunicação como um processo de interação e não como um sistema “[...] linear, mecanicista, hierárquico e desigual” (PRIMO, 2000, p. 81) reconhece-se também o caráter dialógico37 que a publicidade adquire nessas multiplataformas. Há novas possibilidades de se desenvolver um relacionamento mais aprofundado e próximo das marcas com os consumidores. Segundo Rodrigues e Toaldo (2013, p.13) “[...] é preciso considerar não só o diálogo que o consumidor estabelece com a marca em si, mas o que desenvolve com outros consumidores a respeito da marca [...]”. Essas conversas estabelecidas nas redes sociais de internet e a interação (reativa ou mútua) entre os seus interagentes nos possibilita observar o surgimento ou fortalecimento de laços sociais e consequentemente a formação de capital social. Os laços sociais, propostos por Recuero (2012), são divididos em duas grandes categorias, as daqueles considerados fortes e a dos considerados fracos. Os laços fortes seriam formados através de conexões e relações sociais mais íntimas, duradouras e imbricadas de valores sociais compartilhados, por consequência exigem maior esforço para serem mantidas. Já os laços considerados fracos, segundo a autora, são aqueles em que não existe um empenho tão grande dos interagentes, não são tão profundos e os valores sociais estão menos visíveis. Podemos correlacionar esses tipos de laços propostos por Recuero (2012) com a ideia de interação de Primo (2000) que já mencionamos acima, ou seja, é possível se pensar em laços fortes como provenientes de interações mútuas e os laços fracos, por sua vez, provenientes das interações reativas. A partir dessa ideia, a autora também propõe a possibilidade de formação de um Capital Social através desses laços. Esse Capital Social seria a discussão e transformação social a partir de valores sociais compartilhados a partir dessas interações geradoras de laços. Sendo os laços fortes mais propícios à criação desse capital. Interações, Laços, Capital Social e o Engajamento no Facebook Ao constatarmos a existência de uma Publicidade Multiplataforma, de um novo consumidor interagente e vinculando suas percepções sobre representações das homossexualidades veiculadas pela publicidade, comentadas no início do artigo, mostra-se relevante analisar os engajamentos provocados pela reprodução de peças 37 Falar sobre caráter dialógico é falar sobre a possibilidade da geração de respostas e produção de conteúdo a partir de outro. No caso da publicidade, é proporcionar que marca e consumidor tramem uma conversação. 80 publicitárias na televisão aberta. Espera-se, portanto, identificar e analisar estratégias de anunciantes e de agências de publicidade, e os desdobramentos dessas representações e suas relações de poder. Para tanto, busca-se nos conceitos de Interação, Laços e Capital Social uma forma de se analisar essas conversações nas redes sociais, pois acredita-se que a presença ou não desses elementos indique o engajamento dos consumidores. Para esse artigo escolheu-se como objeto a campanha “As sete tentações de EGEO”, veiculada na TV aberta em rede nacional38, já mencionada anteriormente, incluindo na coleta de dados a sua repercussão na rede social Facebook39. O corpus para análise do engajamento foi levantado dos comentários feitos de consumidores nas postagens feitas pelo O Boticário em sua página oficial do Facebook e que diziam respeito à campanha em questão. Ao total foram analisados 1.643 comentários durante seis dias (de 24/05/2015 a 30/05/2015) utilizando o filtro de comentários “mais recentes” disponibilizados pela própria ferramenta. A escolha desse filtro se dá por julgarmos que os outros filtros disponíveis, de alguma maneira, influenciam nos dados coletados sem que saibamos quais são os critérios para tal separação pela rede social Facebook na linha do tempo do pesquisador, a saber são eles os demais filtros: “comentários mais relevantes” e “principais comentários”. As Sete Tentações de Egeo O comercial “As sete tentações de Egeo” de O Boticário, produzido pela ALMAP BBDO, tem como tema principal o dia dos namorados, de 2015, e o lançamento da nova linha de perfumes EGEO que apresenta sete fragrâncias unissex. A peça publicitária propõe uma sequência cênica que sugere a expectativa de encontros afetivos, que se aproximam de estereótipos de romantismo heterossexual, típicos de comerciais alusivos ao dia dos namorados, ou outros que inserem encontros afetivos. Quando os casais começam a se formar, cria-se um tensionamento, pois diferem daqueles que comumente são representados pela publicidade, sugerindo um rompimento 38 A primeira veiculação da peça ocorreu no dia 24/05/2015, no intervalo do programa Fantástico da Rede Globo. No mesmo dia, o comercial também foi postado na página da rede social Facebook da marca, gerando uma polarização entre apoios e críticas por parte dos internautas à decisão da marca de inserir casais homossexuais na peça. 39 Justifica-se a escolha do Facebook em detrimento das demais redes sociais porque, segundo a pesquisa F/Radar do ano de 2014, 68% dos entrevistados possuem preferência por essa rede social além disso, como já mencionado, a plataforma se mostra propícia para o compartilhamento de opiniões. Disponível em http://www.fnazca.com.br/index.php/2014/12/16/fradar-14%C2%AA-edicao/ acessado em outubro de 2015. 81 com as expectativas dessas representações, ao não seguirem os padrões heteronormativos. O comercial apresenta de forma sutil casais homossexuais e heterossexuais e, também, casais com certa diferença de idade, são oito personagens (quatro homens e quatro mulheres de idades distintas), brancos e de classe média, sugerida pela construção cênica. Desde a trilha sonora instrumental, “Toda a forma de amor” de Lulu Santos, até a luminosidade e enquadramento das cenas, é demonstrado a quem está assistindo uma ambientação romântica ao sugerir encontros tratados com igualdade nos diferentes tipos de relacionamentos amorosos. Apesar de o afeto ser demonstrado apenas por troca de olhares, sorrisos e abraços, não chegando ao ápice de um beijo, a peça não deixa espaço para dúbia interpretação, já que sua assinatura remete ao dia dos namorados. Pode-se afirmar, portanto, que se trata de um comercial da categoria Desconstrucionistas, já que apresenta uma postura inclusiva40 dos casais ao relacioná-los ao Dia dos Namorados. A peça teve bastante repercussão chegando a ser alvo de protestos e ameaças de boicote à marca nas redes sociais e até de denúncia junto ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). O relator considerou que o filme retratou uma realidade da sociedade contemporânea e sugeriu o arquivamento do processo, o que foi concedido por unanimidade.41 O Engajamento na campanha As 7 Tentações de EGEO Durante a observação do corpus42 pode-se perceber a existência de dois grupos principais de interagentes, além da própria marca: um grupo claramente a favor das causas LGBT que apoiava a representação feita pela marca no comercial que foi veiculado na TV; e outro claramente contrário a essas representações e que julgaram que seus valores estavam sendo afrontados. Resolvemos então nomear esses dois grupos 40 Reconhece-se que a discussão sobre a inclusão de modelos não normativos na publicidade pode sugerir uma adequação a normas, tornando-os palatáveis a um consumidor imbricado num contexto heteronormativo, contudo essa discussão sugere outras produções e avanços desta pesquisa. 41 O relator - representante da sociedade civil no Conselho de Ética - considerou que o filme retratou uma realidade da sociedade contemporânea. "Aos pais, tios, avôs que questionam, entre estupefatos e indignados nas mensagens ao Conar, como vão explicar às crianças as cenas do filme, resta-nos dizer: esta é uma missão, ainda que muito árdua, da família. Não contem com a publicidade para omitir a realidade". Seu voto, pelo arquivamento da representação, foi aceito por unanimidade. Representação 088/15 no Conar, disponível em: www.conar.org.br, em novembro de 2015. Até o dia 05/11/2015, a postagem do comercial havia recebido 69.457 curtidas, sido compartilhada 17.557 vezes e comentada por 6.502 pessoas, já o vídeo, dentro da rede social, havia sido visualizado 1,9 milhões de vezes. 42 82 com a mesma categorização previamente feita por Rodrigues (2008) e os chamaremos Desconstrucionistas e Estereotipados, respectivamente. Com relação ao primeiro grupo, nota-se que existe uma forte tendência de criação de laços, normalmente fortes com a marca. Isso porque tanto O Boticário quanto o grupo Desconstrucionistas demonstram compartilhar valores sociais compatíveis com os interesses do grupo LGBT, tais como igualdade, representatividade, apoio à diversidade e respeito à alteridade das homossexualidades. Esse compartilhamento se manifesta na aproximação do público com a marca, que pode ser observado pelo tratamento com alto grau de afetividade, e com a utilização de emojis43. É demonstrada uma postura de reforçar os sentimentos dos interagentes. Deve-se comentar, porém, que as respostas da marca a essas tentativas de conversação quase sempre são bastante sintéticas, sem a preocupação de dar continuidade à conversa. Apesar disso, decidimos não categorizarmos essas respostas como interações somente reativas, por dois motivos: primeiramente, porque durante as observações feitas, consideramos como interações reativas os compartilhamentos, curtidas e citações; e como interações mútuas todas as tentativas de conversação através de comentários, pois se pressupõe que esses exigem a criação e a intervenção efetiva por parte dos interagentes. Em segundo lugar, essas respostas normalmente vinham em formas de emojis que, mesmo sendo elementos programados, possuem alto grau de representatividade por seu apelo emocional. Já com relação ao grupo dos interagentes Estereotipados, nota-se um tensionamento gerado por divergências de valores. Enquanto a marca propõe uma visão de igualdade e progressista, o grupo recorre a um pensamento reacionário amparado num discurso religioso dogmático e biológico reprodutivista para justificar a sua desaprovação perante a temática homossexual. Há aqui, por vezes, o rompimento de laços entre esses consumidores e O Boticário ou, em casos menos graves, um afastamento entre os interagentes. Notou-se também que a marca não respondeu às tentativas de conversação desse grupo e, quando se mostravam ofensivas à marca, as respostas e defesa partiam do grupo dos Desconstrucionistas, o que demonstra, de fato, a criação de um vínculo afetivo dessa outra categoria. Considerações Finais 43 Uma pequena imagem ou ícone usado para expressar uma ideia ou emoção através de mensagens eletrônicas. Fonte: Dicionário Informal. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/emoji/ 83 Portanto, pode-se apontar, através da análise dos comentários, que existiu a criação de uma discussão acerca das representações das homossexualidades e o engajamento foi possível de ser aferido. O comercial veiculado em TV aberta repercutiu na rede social da marca no Facebook, o que nos leva a demonstrar, mesmo que ainda de forma preliminar, a formação de um Capital Social entre a marca e o grupo de interagentes desconstrucionistas. Essa formação se evidencia quando, por exemplo, existe a citação de pessoas conhecidas pelos internautas, nas postagens desconstrucionistas, as quais são chamadas para a conversa e aumentam a circulação das discussões, reverberando-a. Além disso, observou-se mais comentários Desconstrucionistas do que Estereotipados, ou seja, o engajamento daquelas pessoas com quem a marca se propôs a criar um vínculo com o comercial foi maior do que o engajamento não desejado. Podese, por isso, ponderar que há elementos específicos a sugerir tanto formas diferenciadas de se abordar a temática das sexualidades não normativas na TV aberta quanto de se definir estratégias nas plataformas digitais pela publicidade, a partir do que se observou do potencial de engajamento na rede social Facebook com base em sua repercussão do comercial veiculado na televisão. Referências ANDERSON, Chris. A cauda longa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. BERMAN, Saul J. et al. The end of advertising as we know it. In: GERBARG, Darcy. (Ed.) Television goes digital. New York: Springer, 2009. P.29-55. (The Economics of Information, Communication and Enterneinment, v.1). BUTLER, Judith. Corpos que Pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. IN:LOURO, Guacira Lopes. (Org.) O Corpo Educado: pedagogias da sexualidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. ___________. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. F/NAZCA SAATCHI & SAATCHI. F/Radar 14. ed.: internet móvel, cidadania e consumo no Brasil. São Paulo, 2014. 55 slides. Apresentação da pesquisa em PDF. Disponível em: <http://www.fnazca.com.br/index.php/2014/12/16/fradar-14%C2%AAedicao/> Acesso em: 28 abr. 2015. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. 84 LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho : ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Trad. de Tomas Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 9-34. NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 9, jan. 2000. ISSN 0104-026X. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/11917>. Acesso em: 10 set. 2015. PRIMO, Alex . Interação mútua e reativa: uma proposta de estudo. 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Publicidade e Propaganda: 200 anos de História no Brasil. Novo Hamburgo: Feevale, 2009. p. 327-347. 85 RODRIGUES, André Iribure; ZANIN, Veruska Gallina. As representações das homossexualidades em anúncios veiculados na televisão brasileira entre os anos de 2008 e 2012. Conexão - Comunicação e Cultura. Caxias do Sul, v. 13, n. 25, jan./jun. 2014. VOLLMER, Christopher; PRECOURT, Geoffrey. Sempre Ligado!: propaganda, marketing e mídia em uma era controlada pelo consumidor. Porto Alegre: Bookman, 2010. WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 37-82. 86 Publicidade, Juventude e Ética – uma relação correspondente? Mariângela M. Toaldo44 Gino Giacomini Filho45 Resumo Propõe-se investigação sobre como a publicidade contemporânea vem abordando em suas mensagens questões presentes no cotidiano dos jovens, demonstradas em suas postagens no Facebook. Interessa analisar a correspondência entre os interesses dos jovens evidenciados em suas postagens e os expressos em conteúdos abordados pela publicidade, envolvendo temas gerais e sob a perspectiva ética. Trata-se de pesquisa bibliográfica e documental. Palavras-chava: Publicidade; Juventude; Ética 1- Introdução O presente texto faz parte de uma pesquisa maior intitulada “Publicidade e Ética – questões sobre a publicidade contemporânea a partir da visão do jovem brasileiro”. Nesse momento, pretende-se explorar um dos objetivos que propõe identificar como a publicidade contemporânea vem abordando em suas mensagens algumas questões presentes no cotidiano dos jovens, demonstradas em suas postagens no Facebook46. Surge a curiosidade sobre a correspondência dos interesses dos jovens evidenciados em suas postagens e os expressos em conteúdos abordados pela publicidade. Em função de muitas postagens envolverem temáticas relacionadas a valores, levanta-se também a questão dessa correspondência segundo a perspectiva ética. Trata-se de pesquisa bibliográfica e documental. O texto inicia com uma fundamentação teórica a respeito da juventude contemporânea e sobre a relação entre o jovem e a publicidade; em seguida apresenta-se alguns exemplos do material analisado na pesquisa na tentativa de responder ao objetivo proposto. 2- Juventude Contemporânea 44 Professora Adjunta do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – [email protected] 45 Professor Titular da Universidade de São Paulo (USP) e Professor no Programa de Pós-graduação em Comunicação na Universidade Municipal de São Caetano do Sul – [email protected] 46 Essas postagens são documentos coletados na pesquisa nacional Jovem e Consumo Midiático em Tempos de Convergência, realizada no período 2012-2015, que analisa o consumo midiático no contexto da convergência e especialmente as práticas dos jovens brasileiros no site de rede social Facebook. Ver artigo completo em www.alaic.org. 87 A concepção de juventude aqui adotada parte de um espectro maior que considera a impossibilidade de relacioná-la a um conceito único, relacionado a um período temporal. Considera-se algumas variáveis dos contextos histórico-culturais que contribuem para constituir a noção de juventude. A primeira delas é a concepção de que existe um momento na vida que dispõe de um crédito temporal, denominado por Margulis e Urresti (2008) como “moratória vital” ou “capital temporal”. Concomitante à possibilidade do uso do tempo de forma livre e despreocupada, há nos indivíduos uma condição física que lhes incluem automaticamente na esfera juvenil: emoções, inexperiências, signos usados, força corporal, energia e capacidade produtiva, sentimento de invulnerabilidade diante da vida. A segunda variável refere-se à possibilidade do indivíduo vivenciar de fato esses aspecto em função de condições sócio-culturais, em especial postergar suas preocupações com as responsabilidades referentes ao trabalho e à vida em família (MARGULIS e URRESTI, 2008). Há, ainda, a alteração no ciclo de vida dos indivíduos estimulada pela reconfiguração de aspectos tradicionais da trajetória da juventude para o estágio adulto como a coresidência familiar e o adiamento nos ritos de passagem – estabilização profissional, residência autônoma, conjugalidade e parentalidade. Esses fatores podem contribuir para retardar a transição do estágio jovem para o adulto (PAPPÁMIKAIL, 2012). Se analisada isoladamente, a idade perde seu caráter referencial. A individualização dos percursos permite que os indivíduos vivenciem seus momentos sem atrelar suas práticas à etapa da vida a qual estas correspondem (PAPPÁMIKAIL, 2012). Para além da demarcação de uma fase da vida denominada de juventude, relacionada a um período temporal, é preciso considerar a noção simbólica que permite compreendê-la como um fenômeno social. Trata-se de construções sociais relacionadas à maneira do ser jovem na contemporaneidade. Destacam-se alguns valores identificados por Rocha e Pereira (2014) como próprios a esse jovem: Fragmentação – suas experiências refletem vínculos mais precários, sem intenção de exclusividade e continuidade; Ambivalência – a posição intermediária entre o estágio infantil e o adulto faz com que as expectativas em relação ao seu comportamento e a construção da sua identidade ora refiram-se a um estágio, ora a outro; Afetividade – o objeto de afeto do jovem está vinculado aquilo em que possa 88 confiar; Autenticidade – a existência de algo comum que reúne todos que se encontram nessa fase, dividindo questões que se repetem e reconhecendo a autenticidade individual; Gregarismo – vivência em grupo, lugar em que dividem suas experiências; Questionamento – tomam a dúvida e o questionamento como meios para seus aprendizados. Dentre os valores identificados como próprios do jovem contemporâneo, destaca-se a sociabilidade. A troca, o ato de compartilhar significações e produzir subjetividades é o que o estimula a dedicar seu tempo às atividades que realiza. “O “não fazer nada” é importante e valorizado, mas só quando estabelece laços sociais. Ficar diante da TV não é prestigioso. Ficar na frente da TV com o laptop navegando no facebook é um “não fazer nada” prestigioso” (ROCHA e PEREIRA, 2014, p. 23). As práticas juvenis encontram lugar e sentido nessa era de interatividade na comunicação justamente por proporcionar-lhes a possibilidade relacional que sustenta suas experiências. A tecnologia aparece como uma grande mediadora das experiências de sociabilidade da juventude. “Desde os anos 1990, a cultura midiática passou a aproximar a tecnologia da juventude” (ROCHA e PEREIRA, 2014, p. 29). Além de se tratar de uma geração47 que cresceu em meio à tecnologia, os valores anteriormente mencionados têm profunda relação com as características que os aparatos tecnológicos e as práticas deles advindas oferecem. Esses valores alimentam a simbiose entre jovem e tecnologia. Celulares, smartphones, ipods, entre outros gadgets, permitem a conexão entre os jovens, sua participação em seus diferentes ambientes de vivência e tudo o que lhes é próprio fazer a partir daí: a troca seletiva de informações, o compartilhamento de preferências; a intensidade de viver o tempo útil e o tempo livre; a acumulação de experiência; a ampliação das redes sociais; o potencializar e o expandir dos corpos e, sobretudo, o consumo para ser único e, no mesmo gesto, realizar a magia de diluir-se entre seus pares (ROCHA E PEREIRA, 2014, p. 35-36) 3- Jovem e Publicidade Na esteira das trocas que permeiam as conexões entre os jovens, o consumo de mensagens publicitárias e o compartilhamento que fazem das mesmas constituem práticas sociais que são temas de suas conversações (JACKS; SCHMITZ; TOALDO; 47 Pela classificação do IBGE, a faixa etária juvenil corresponde a dos 15 aos 24 anos. 89 COSTA; WOTRICH; MAZER, 2014)48. Mesmo antes dessa aderência dos jovens às redes sociais, estudos anteriores sobre significados e usos da publicidade entre os jovens (RITTSON, R. ELLIOTT, 1999; MITCHELL, MALKIN e PAXMAN, 2007 apud VERGARA e RODRÍGUEZ, 2010), evidenciam a função aglutinadora da publicidade. Observam que o conhecimento sobre o que veicula na publicidade faz parte do cotidiano dos jovens e das trocas entre eles. (VERGARA e RODRÍGUEZ, 2010). Em sua própria pesquisa, Vergara e Rodrígez (2010) se propõem a identificar a relação dos jovens49 com a publicidade e como a incorporam em suas estratégias de socialização. Os autores identificam dois usos da publicidade por esses jovens: uma postura crítica sobre as mensagens publicitárias e uma afetividade, incorporando seus conteúdos nos processos de socialização. O estudo mostra um conhecimento profundo dos jovens sobre os conteúdos publicitários e as ofertas sobre bens, indicando que são objetos de seus interesses (VERGARA e RODRÍGUEZ, 2010). No caso brasileiro, há os estudos de Rocha e Pereira (2012), Rocha, Pereira e Barros (2014) e Pereira e Antunes (2014), que abordam a experiência da juventude e seu envolvimento com a tecnologia, em especial com os gadgets50. Suas pesquisas abrangem também várias formas de abordagens publicitárias contemporâneas, entre elas nas redes sociais. Pereira e Antunes (2014) consideram a publicidade uma instância mediadora e expressão da cultura por expor representações das sociedades, tratando de suas práticas e o que as caracterizam. As abordagens publicitárias nesse sentido se referem sobre modos de agir, os bens de consumo – permeados de significados simbólicos – e as maneiras de consumir e fazer circular informação e interagir no ambiente das plataformas digitais. As autoras concordam que o discurso publicitário, “inevitavelmente, serve como mola mestra das conexões simbólicas entre indivíduos e grupos, ordenando a sociedade. Dessa forma, o produto publicitário circula entre os indivíduos implícita ou explicitamente” (PEREIRA e ANTUNES, 2014, p. 92). Aproveitando a participação ativa dos jovens no ambiente interativo das redes sociais e plataformas digitais, a publicidade os estimulam a compartilhar suas mensagens entre suas redes de relacionamentos. Pereira e Antunes (2014, p. 91), 48 Informação obtida na pesquisa nacional Jovem e Consumo Midiático em Tempos de Convergência. Ver artigo completo em www.alaic.org 49 A pesquisa envolve grupos de jovens entre 18 a 24 anos de ambos os sexos, provenientes dos níveis econômicos altos e baixos, da cidade de Santiago do Chile. 50 Bens de consumo tecnológicos ou equipamentos tecnológicos como smartphones, tablets, mp3, etc. 90 esclarecem, no entanto, que o fazer circular suas mensagens ou o comentar sobre elas dependem “da negociação simultânea entre as regras simbólicas daquele ambiente interativo e as regras sociais do próprio grupo”. A partir daí, convém compreender em que termos o que vem sendo abordado pelas mensagens publicitárias corresponde aos interesses dos jovens a fim de verificar suas condições de serem aceitas por eles próprios e pelas regras sociais de seus grupos de interação. No primeiro momento desse estudo, não é possível desenvolver uma investigação junto a jovens, assim, propõe-se uma análise entre temas postados por jovens no site de rede social Facebook e filmes publicitários que tratam de assuntos correspondentes. 4- Jovem, Publicidade e Ética A fim de verificar como a publicidade contemporânea vem abordando algumas questões presentes no cotidiano dos jovens, demonstradas em suas postagens no Facebook, apresenta-se alguns exemplos do material analisado na pesquisa para corresponder aos limites desse artigo. Trata-se de pesquisa documental que parte da seleção de posts de jovens brasileiros51 e de filmes publicitários veiculados em 2015. O critério para as escolhas dos posts é a abordagem de temas que possam ser relacionados a questões morais e éticas; a escolha dos filmes se dá na tentativa de encontrar temáticas relacionadas aos posts dos jovens. Forma-se um conjunto de posts e anúncios de assuntos correlacionados – condizentes ou contraditórios. Organizados em grupos temáticos, constituem categorias de análise a priori da pesquisa. Expõe-se a seguir quatro posts e três anúncios que exemplificam os materiais tratados na categoria “interações sociais e uso da tecnologia”. Cabe lembrar que a pesquisa é qualitativa (GASKELL, 2002) e conta com análise axiológica (OROZCO, 1993) sobre os posts e anúncios. 51 Os posts foram coletados na pesquisa nacional Jovem e Consumo Midiático em Tempos de Convergência (www.alaic.org).A pesquisa envolve jovens entre 18 a 24 anos de ambos os sexos, provenientes de níveis econômicos baixos, de todas as capitais brasileiras. Foram analisadas as práticas dos jovens brasileiros no site de rede social Facebook, envolvendo 10 jovens em cada capital – cinco rapazes e cinco moças. 91 POSTS ---------------------------------------------------------------------------------------É assim mesmo -------------------------------------------------------------------------------------- ---------------------------------------------------------------------------------------- ------------------------------------------------------------------------ANÚNCIOS Link: https://www.youtube.com/watch?t=1&v=O2eHUI2-AxU Peça - Anunciante: Vivo - Usar bem pega bem / Ano: 2015 Miniatura: 92 O filme se propõe a estimular uma reflexão sobre o uso do celular, iniciando com o questionamento: “será que a gente tá usando o celular do jeito certo? ... “quer dizer, do jeito que ele ajuda nossa vida mesmo”... A partir daí são exibidas uma série de cenas que retratam situações em que se coloca em questão o uso que as pessoas estão fazendo do celular e suas conseqüências para os diálogos pessoais, vivência em família, entre amigos, etc. -------------------------------------------------------------------------Link: https://www.youtube.com/watch?v=CeeNbKSEZCg Anunciante - Peça: Catho - Escute seu lado lutador – Cadu / Ano: 2015 Miniatura: O filme aborda um personagem com dois lados – “Cadu lutador” e “Cadu corpo mole”. Enquanto o segundo dedica sua vida a jogar no celular, o primeiro tenta convencê-lo a procurar um emprego, o que só consegue quando arranca o celular de suas mãos. -------------------------------------------------------------------------------------- Link: https://www.youtube.com/watch?v=HbFrdZ0DDbc Peça - Anunciante: Vivo – Arquibancada / Ano: 2015 O filme apresenta dois jovens na arquibancada de um jogo de futebol. Ambos mostram-se preocupados em registrar o que acontece durante o jogo nas redes sociais, filmando, postando, curtindo e comentando. Enquanto um assiste o jogo, o outro faz os registros, concentrado no celular, e acaba perdendo de assistir um “golasso” e finaliza “ih vacilei, mas já postei!”. 93 Nesse momento de análise preliminar, os documentos apresentados permitem constatar que os jovens abordam em seus posts temas de seus cotidianos – gostos, valores, preocupações, pontos de vista, interesses, etc. O conteúdo dos posts, por sua vez, tem profunda relação com abordagens publicitárias, o que confirma os resultados da pesquisa de Vergara e Rodríguez (2010) e Pereira e Antunes (2014) de que a publicidade promove temas que fazem parte do cotidiano dos jovens e das trocas entre eles. No que se refere à correspondência entre os interesses dos jovens e às sugestões publicitárias sobre produtos/serviços/marcas, usos dos mesmos, comportamentos, estilos, ideias, valores, etc. percebe-se que as temáticas são semelhantes, suas abordagens é que às vezes diferem. Os jovens mostram-se mais reflexivos e questionadores; os conteúdos publicitários tratam de questões importantes, mas os enfoques ainda demonstram seguir padrões convencionais, o que é facilmente identificado na representação do uso dos celulares pelos jovens e em assuntos presentes em outras categorias como beleza, forma física da mulher, etc. Alguns posts não deixam claro se há uma aprovação ou não do jovem a respeito do seu conteúdo, como, por exemplo, a expressão “adeus mundo idiota” – “é assim mesmo!”. Não se sabe se esse “é assim mesmo” quer dizer que é uma crítica sobre como as pessoas se comportam ou se é uma recomendação para se comportarem daquela forma. Por outro lado, a publicidade também traz mensagens ambíguas. Os filmes “Vivo arquibancada” e “TIM - Infinity Turbo WhatsApp” não deixam claro se a intenção é mostrar positivamente a relação intrínseca dos jovens com o celular ou fazer uma crítica a ela. Nesse sentido, percebe-se a necessidade de ouvir os jovens sobre os conteúdos das postagens, assim como saber as intenções dos anúncios. Quanto às questões éticas e morais contemporâneas é possível perceber que permeiam tanto os posts quanto os anúncios. A reflexão sobre aspectos importantes da vida que são deixados de lado pelo uso excessivo da tecnologia é um bom exemplo. Os posts e os filmes colocam apresentam expressões e cenas que permitem colocar em questão a vivência de diálogos pessoais, situações em família e entre amigos, o aproveitamento do real em detrimento do virtual, o isolamento no mundo individual, etc. Essas questões e seus opostos, estimuladas pelo vício na tecnologia, trazem à tona uma preocupação sobre as relações dos indivíduos com seus pares. A fuga do mundo “real”/“social” e a intensificação das vivências no mundo virtual, mesmo que com o cultivo dos relacionamentos nessa esfera, apontam algumas dificuldades já possíveis de 94 se notar como conseqüências para as relações humanas. A dificuldade do diálogo presencial, que envolve o olho no olho, a proximidade física e a negociação implícita no agir com e em relação ao outro; a redução da sensibilidade pelo outro e práticas inadequadas socialmente, são alguns exemplos que surgem nesse contexto (BAUMAN, 2011). Por ser um estudo inicial, cabe apontar a necessidade de perseguir os rastros apresentados até o momento, aprofundá-los a partir da análise dos demais documentos presentes nas outras categorias envolvidas na pesquisa. Cabe, ainda, aproximar-se de jovens para compreender melhor as idéias de seus pares expressos nos posts e sobre os conteúdos abordados pela publicidade. Referências Bibliográficas BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Rio de Janeiro: Zahar, 2011. GASKELL, George. “Entrevistas individuais e grupais”. In: BAUER, Martin e GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002. JACKS, Nilda A.; SCHMITZ, Daniela; TOALDO, Mariângela; COSTA, Sarah M.; WOTRICH, Laura H.; MAZER, Dulce. Jovem brasileiro e consumo midiático em tempos de convergência: panorama preliminar In: XII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación. Lima-Peru, 2014. JACKS, Nilda A.; TOALDO, Mariângela M. 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A partir desse tópico abordaremos o uso de experimentos sociais como um interessante formato de filme, fácil de viralizar, a partir do despertar do efeito do real. A consciência e a crítica do consumidor são cada vez maiores, havendo resistência à publicidade convencional, obriga as empresas a buscarem conteúdos que sejam mais criativos, que não se caracterizem como uma publicidade em si, criando e fortalecendo laços entre consumidores e produto/marca. Para tanto, abordaremos o conceito de buzz marketing e marketing viral na visão de autores como Kotler, Marins, Rosen, Thomas, entre outros; as novas mídias e a interação, por Santaella e Negroponte; a transformação do consumidor em produtor a partir da evolução tecnológica, por Castells, Birchall, Rossini, Tietzmann e Recuero; analisando o caso do filme “The Decision”, da cerveja holandesa Heineken. 2 –Buzz marketing e marketing viral No português, buzz significa murmuro, sussurro, cochicho ou buxixo. (MARINS, 2007). No entanto, existem várias definições, de diferentes autores. Emanuel Rosen (2000, p.7) afirma que o buzz marketing “é todo o boca-a-boca a respeito de uma marca”. Seguindo a mesma linha, Thomas Jr. Já conceitua como “a amplificação dos 52 Publicitária e Jornalista, mestranda no PPGCOM/PUCRS. 97 esforços iniciais de marketing por terceiras partes através de sua influência ativa ou passiva”(THOMAS Jr. 2004, p.64). Mesmo com as semelhanças, a maior diferença que existe entre o boca-a-boca e o buzz marketing é que o primeiro visa a comunicação face a face, já o segundo agrega “todas as comunicações de pessoa para a pessoa sobre um produto, serviço ou empresa específicos a qualquer hora.”(MCCONNEL E HUBA, 2006, p.48). Rosen, já em 2000, denominava as pessoas responsáveis por espalhar mensagens a partir da estratégia de buzz marketing como “hubs”. Os hubs são conhecidos como fontes confiáveis de informação, dividindo-se entre Megahubs53 e Hubs de Redes Individuais54. (MCCONNEL E HUBA, 2006). Com o desenvolvimento da Internet como meio de comunicação e negócios, muito através das redes sociais, surgiu uma nova forma de interação entre os clientes e as marcas. A famosa propaganda boca-a-boca ganha o novo formato e passa a ser chamada de marketing viral, utilizando esses novos canais. De acordo com Steve Barrets (2001) o marketing viral é a propagação de mensagens através do boca-a-boca eletrônico. Já Stanbouli (2003, p.97) afirma que nada mais é do que um método de marketing adaptado à internet. Para ele, marketing viral é “(...) uma readaptação dos dispositivos e materiais simbólicos utilizados pela propaganda, integrado-se aos códigos e especificidades da internet para distribuir uma dada mensagem, com o máximo de eficácia”. A definição que mais interessa é a de Subramani e Rajagopalan (2003, p.300), que acreditam que marketing viral é “a tática de criar um processo pelo qual pessoas interessadas envolvem outras”. Para os autores, a inovação em relação ao boca-a-boca é a “influência inter-pessoal [sic!] no Marketing Viral ocorre em ambientes mediados por computadores, e é bem diferente do contexto convencional em diferentes maneiras”. A maior diferença entre o marketing viral e o buzz marketing é o campo de influência quando comparamos a internet ao meio tradicional do boca-a-boca. O fluxo de comunicação da rede trabalha em sincronia. Dessa forma, Subramani e Rajagopalan (2003, p.301) complementam: (...) na habilidade de influenciar um grande número de indivíduos, o mínimo esforço é necessário para implementar tentativas de influência, e a flexibilidade para desenvolver uma variedade de estratégia por meio de tecnologias da informação São os “formadores de opinião”, pessoas importantes pelos seus cargos, ou em quem a população tem confiança. Jornalistas, colunistas, celebridades. MCCONNEL E HUBA, 2006 54 Influentes em determinado grupo, em uma rede de amigos ou colegas. Disseminam mensagem face a face, pela internet, telefone, ou seja, meios de comunicação direta. MCCONNEL E HUBA, 2006 53 98 representam uma poderosa combinação que faz da influência por meio de redes sociais online consideravelmente mais acessível e persuasiva que nas interações inter pessoais convencionais. Já para Andrade, Mazzon e Katz (2006, p.8), o Marketing Viral busca a influência através da convivência social online: (...) Marketing Viral atua no sentido estratégico de capturar a atenção do consumidor e de fazê-lo, ao mesmo tempo, um agente de venda, ou dito de outra forma, possibilita a um receptor (passivo) a se tornar num emissor (ativo), buscando influenciar sua rede de convivência social online. Podemos concluir que, ao contrário do boca-a-boca, que ocorre de maneira espontânea, as ações de Marketing Viral tem por trás uma estratégia definida. (ANDRADE, MAZZON E KATZ, 2006). Ou seja, inicialmente ocorre um movimento, através dos hubs, para que a mensagem seja disseminada na internet. Na opinião de Brier (BRIER, 2005 apud ANDRADE, MAZZON E KATZ, 2006, p. 9), o esforço do Marketing Viral para ser bem sucedido não tem a preocupação de incubar a mensagem, e sim espalhá-la. Para que a disseminação seja mais eficaz e veloz, as empresas tem utilizado ações que se baseiam em experimentos sociais. Hoje, as empresas de comunicação fazem propaganda de forma que não pareça propaganda. É engajar o consumidor para que ele goste da marca, mesmo sem saber o porquê, e de repente acabe optando por ela por já tê-la impregnada em seu imaginário. Uma das maneiras de evolução desse processo é a disseminação através de formadores de opinião, mas principalmente com um plano consistente de relações públicas. De acordo com Kotler (2005, p.625): À medida que o poder da propaganda de massa enfraquece, os gerentes de marketing estão se voltando mais para atividade de RP de marketing. […]ações criativas de RP podem afetar a conscientização do público por uma fração do custo da propaganda. A empresa não paga pelo espaço ou pelo tempo obtido na mídia. Ela paga só a equipe para desenvolver histórias interessantes, que poderiam ser aproveitadas pela mídia de notícias e valer milhões de dólares em anúncios equivalentes. […] Alguns especialistas dizem que os consumidores são cinco vezes mais propensos a serem influenciados pela mensagem editorial do que pela propaganda. Os objetivos expressos da publicidade são “aumentar o consumo”, “abrir mercados” e “vender um produto”, entretanto, Rocha (1990) questiona essas posições e amplia para a tradução do sistema de idéias, representações, pensamentos e 99 comportamentos da sociedade industrial e capitalista, apontando esta razão para o estudo antropológico da publicidade, do consumo e da indústria cultural. O que reforça essa visão é que o consumo de anúncios é maior do que de produtos, já que os primeiros vendem não apenas mercadorias, mas também conceitos55. Os produtos são disponibilizados para quem pode comprar, enquanto os anúncios têm uma distribuição mais autônoma e menos limitada (ROCHA, 1990, pp. 26-27). 3 – Novas mídias e interação O surgimento das novas mídias não descarta o consumo das tradicionais, porém, quem produz o conteúdo deve saber o que é mais interessante ser veiculado em cada uma delas, para que a atração ao consumidor tenha sucesso. De acordo com Briggs e Burke (2006, p.17), todas elas são importantes umas para as outras, e interagem entre si: ...ao se introduzirem novas mídias, as mais antigas não são abandonadas, mas ambas coexistem e interagem. Com o surgimento das publicações, os manuscritos continuaram sendo importantes assim como os livros e o rádio na idade da televisão. A mídia precisa ser vista como um sistema, um sistema em contínua mudança, no qual elementos diversos desempenham papéis de maior ou menor destaque. De modo geral, o ser humano busca inovação, acessa conteúdos customizados de acordo com seu perfil, e cada vez mais a sociedade se utiliza de mídias que tenham mobilidade e portabilidade. Tendo maior facilidade de acesso, o indivíduo participa mais, interagindo com o meio, e colaborando com informações para outros usuários. Com a modernização tecnológica, a sociedade, aos poucos, vai se tornando mais exigente, demanda por serviços e produtos que ofereçam informações mais completas, personalizadas e mais rápidas. Isso tudo é uma consequência do avanço da informática. Sendo assim, o consumidor torna-se mais crítico e contestador. Santaella (2004) afirma que forma digital significa que a mesma tecnologia básica pode ser usada para transmitir todas as formas de comunicação – seja na forma de textos, áudio ou vídeo – em um sistema de comunicação integrado, tal como aparece na internet. E com essa digitalização todo e qualquer tipo de signo pode ser recebido, armazenado, tratado e difundido, via computador. Nas redes, a grande inovação da comunicação está no seu caráter interativo, que é inseparável do caráter hipertextual e hipermidiático de sua linguagem. 55 “estilos de vida”, “sensações”, “emoções” 100 Comparando-se com outras mídias de massa, de fato, a internet é a única inteiramente dialógica e interativa. A digitalização também permite que os meios de comunicação atinjam os usuários e obtenham um feedback imediato. Negroponte (1999, p.72): A interação está implícita em tudo quanto é multimídia. Se a experiência pretendida fosse passiva, então tanto a televisão legendada para deficientes auditivos quanto os filmes com legenda poderiam ser também definidos como uma combinação de vídeo, áudio e dados. Na contemporaneidade, a informação é onipresente, e sua velocidade de circulação é maior que a capacidade de assimilação pessoal. Ou seja, muito mais do que apenas criar as novas mídias, deve-se estudar de que maneira esta irá atingir o consumidor, se este vai aceitá-la e usufruir destaem detrimento das mídias tradicionais. De acordo com a demanda do usuário, e pela mudança notada nos hábitos de consumo de informação e entretenimento, cada vez mais a informação é mais interativa, e menos passiva. Tendo isso em mente, a necessidade de interação, e uma dificuldade maior na conquista da atenção do consumidor, nota-se o constante uso de experimentos sociais em filmes publicitários. Tais experimentos abordam a realidade, fazendo com que a marca se aproxime mais do consumidor, sem a necessidade de vender um produto em si, e normalmente para mostrar como a marca faz coisas pelo bem de pessoas comuns. 4 – A evolução da tecnologia transforma o consumidor em produtor Castells (1999) e Martín-Barbero (1997) afirmam que a linguagem é um sistema flexível da cultura de algumas sociedades humanas, sendo a cultura absorvida por meio de uma comunicação obtida por interações com diferentes linguagens e o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. O surgimento do Youtube, em 2005, e a sua popularização, combinado à evolução tecnológica e a apropriação que as pessoas fazem dela, criaram uma proximidade do consumidor ao produtor. De acordo com Birchall, a internet hospeda vídeos de realidade que não têm espaço na televisão, e exibe informações íntimas das pessoas, chamando atenção de outros. O imediatismo, tornando mais próximo de situações da vida real, minimizando a 101 distância entre o que se vê e o que foi produzido, transmite um ar quase caracterizado como amadorismo, atraindo o público para que esse conteúdo seja consumido. Esse posicionamento também é defendido por Rossini e Tietzmann, que afirmam que a evolução tecnológica transforma os espectadores em produtores audiovisuais, mesmo que amadores. A internet exibe produções menores, captadas com equipamentos que são acessíveis ao antigo consumidor do conteúdo, permitindo assim que estes mesmos criem, e se atraiam por formatos próximos aos que eles poderiam assinar. Os autores ainda defendem que as novas ferramentas permitem uma maior circulação de formatos, seja amador, profissional, formatos tradicionais e novos formatos, destacando os audiovisuais de acontecimento, “(...) fruto da ubiqüidade de câmeras digitais e de canais que facilitam a circulação desses produtos”. Raquel Recuero (2009, p.116), afirma que é essencial a capacidade de análise e estratégia para entender a mudança de comportamento do público em relação à comunicação: O surgimento da Internet proporcionou que as pessoas pudessem difundir as informações de forma mais rápida e mais interativa. Tal mudança criou novos fluxos e canais e, ao mesmo tempo, uma pluralidade de novas informações circulando nos grupos sociais. Juntamente com essa complexificação, o aparecimento de ferramentas de publicação pessoal, tais como weblogs, fotologs, e mesmo o Youtube, por exemplo, deu força e alcance para esses fluxos (Adar&Adamic, 2005), ampliando a característica de difusão das redes sociais. Recuero (2009) afirma que as redes sociais ampliaram as possibilidades de conexões e a capacidade de difusão de informações de determinado grupo. Essas informações são amplificadas, reverberadas, discutidas e repassadas, proporcionando mais voz às pessoas e um maior potencial de disseminação de informações, por meio da teia de conexões estabelecidas entre pessoas de um determinado grupo. Ou seja, Recuero, Rossini e Tietzmann tem a mesma ideia em relação aos autores dos conteúdos, da cultura participativa, já há algum tempo debatida por Levy (2000) e as modificações da mesma com a evolução tecnológica, abordada por Jenkins (2009) na cultura da convergência. Unindo essas definições de que o consumidor assumiu também um papel de produtor, ganha sentido o que afirma Marek sobre a circulação do conteúdo. Quanto mais o conteúdo chama atenção, mais ele circula, e circulando ele se manterá vivo. 102 5 – A busca pelo real A liberdade que os novos formatos despertam um desejo de saber sempre mais sobre a vida dos outros. Podemos notar um surgimento desse comportamento com a popularização dos reality shows na TV brasileira. De acordo com Andacht (2003, p.13): O atual, o que ocorre no momento em que é observado, é o que o público acostumou-se tradicionalmente a ver representado nas notícias televisionadas(...) do encontro face a face que não tem a rede de contenção que é o roteiro(...) Cosette Castro (2006) afirma que o Big Brother é uma mistura de formatos audiovisuais. O público se sente colaborando, participa, e é como se fosse uma “novela da vida real”. Ou seja, a ausência de um roteiro, pelo menos oficialmente, faz com que o público sinta uma proximidade com o que acontece no programa. A identificação com o mais próximo ao cotidiano faz com que essas novas formas sejam assumidas, para Barthes (1984, p.153) a fotografia pode apresentar um testemunho. Neste artigo analisaremos um filme publicitário baseado em um experimento, tendo uma história real sendo contada, sendo assim, é mais provável que exista uma maior identificação do público com a narrativa. É em meio a tantas mensagens claramente publicitárias, merchandisings que não disfarçam, que a busca por apresentar a marca e o produto de forma mais real, inserido no cotidiano das pessoas, ganha cada vez mais espaço. A busca pela aproximação do real tem feito com que o conteúdo produzido pelas marcas se aproxime ao formato de documentário, definido por Fernão Ramos como: (...) documentário é uma narrativa com imagens-câmera que estabelece asserções sobre o mundo, na medida em que haja um espectador que receba essa narrativa como asserção sobre o mundo. A natureza das imagens-câmera e, principalmente, a dimensão da tomada através da qual as imagens são constituídas determinam a singularidade da narrativa documentária em meio a outros enunciados assertivos, escritos ou falados. 6 – Caso Heineken, “The Decision” A marca de cerveja holandesa Heineken costuma criar ações e fazer filmes a partir desses experimentos, para conquistar mídia espontânea e atrair admiradores para a marca. Em cima do slogan “Open your world”56a marca parece querer se aproximar dos consumidores muito mais pela sua identidade do que pelo produto em si. 56 Slogan da marca desde 2011 103 Em 2013, colocou na rua a campanha global “Road tothe Final” que era sobre a sensação de ter um bilhete em mão para a final daUEFAChampionsLeague57 no último minuto. Seguindo essa ideia, a marca realizou no México outra ação, que teve como resultado o filme “The Decision”58. O experimento se realizou em um bar, 24 horas antes da partida final. Os homens que bebiam Heineken foram convidados por uma mulher, que tinha ingressos para a partida, para pegar um vôo no mesmo dia para Wembley. O filme mostra o ambiente de um bar real, não cenográfico, onde qualquer pessoa poderia estar. A atriz fala com pessoas reais, e não figurantes. O objeto de desejo, o ingresso para o jogo, é comum a muitos homens. Ou seja, o que aconteceu no bar e com o vencedor da ação poderia ter acontecido com qualquer consumidor. Um estudo do caso realizado pela marca59mostra que o vídeo no Youtube teve mais de 3 milhões de acessos e 300.000 euros em mídia espontânea. 7 – Considerações Finais O ser humano está sempre buscando inovar, acessa conteúdos customizados de acordo com seu perfil, e cada vez mais a sociedade se utiliza de mídias que tenham mobilidade e portabilidade, com facilidade de acesso, e cada vez mais interativas. O usuário participa e colabora com o meio. Além disso, com a convergência digital, e pelo custo mais baixo da produção de audiovisuais e das novas tecnologias que permitem adaptações, o conteúdo deixou de ser para um único meio: é possível veicular qualquer conteúdo nos mais diversos meios de comunicação, como televisão, internet e celular. O filme produzido especificamente para a web, uma vez que se aproxima cada vez mais da realidade dos consumidores,ganha espaços maiores nas timelines dos consumidores e disputam espaços com as publicações dos amigos. Isso se dá pela mudança notada nos hábitos de consumo de informação e entretenimento, cada vez mais a informação é mais interativa, e menos passiva. 57 A ChampionsLeague, ou Liga dos Campeões é competição de futebol mais importante da UEFA (Union ofEuropean Football Associations), envolvendo grandes clubes europeus e alguns dos melhores jogadores do mundo. 58 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=t_5-j5WCKXI 59 Disponível em http://www.creativereview.co.uk/feed/june-2014/10/heineken-the-decision-case-study. 104 A ideia é atrair a atenção pela mensagem transmitida independente de ter atraído pela marca ou produto anunciado. A partir da atração pela mensagem, o próprio torna seus meios de comunicação uma mídia valiosa para o compartilhamento desse conteúdo. De acordo com Terra (2012, p. 87),o espaço poder do público em geral foi concedido pela tecnologia da informação: “O poder de comunicar, antes restrito aos grandes grupos de mídia e aos conglomerados corporativos, passa a estar também nas mãos do público”. Para a autora(2012), a mídia “espalhável” é um recurso utilizado por esses usuários-mídia quando os mesmos têm, em mãos, conteúdos relevantes: Ou seja, quando os conteúdos chamam a atenção se tornam viralizáveis entre os usuários-mídia. É tarefa do profissional gestor dos relacionamentos no ambiente digital encontrar formadores de opinião on-line e estimulá-los com conteúdos de interesse para suas audiências. Nesse estudo de caso não tivemos como saber qual o número de acessos foi viral e qual foi por meio de mídia paga, mas o número de acessos é bastante significativo, e o valor estimado de mídia espontânea também. Em função da busca pelo real, abordada anteriormente, a disseminação através de consumidores e também a partir de matérias feitas por assessoria de imprensa, é bem mais representativa do que um resultado da veiculação de um comercial completamente pago, e com um roteiro fantasioso. O experimento praticamente se utiliza de técnicas de documentários para sua captação e montagem. Isso também faz com que convença o consumidor de que a marca fez algo de verdade, sem ter produzido as reações, e a partir das surpresas, dividem o sentimento de que pode acontecer com qualquer consumidor. Os novos formatos, com uma estética mais simples, também fazem parte dessa adequação às formas de consumo de conteúdo. Uma linguagem simples, e a captação beirando ao amadorismo deixa o público mais confortável e confiante de que a marca não tem o objetivo apenas de mostrar o seu produto, uma vez que tradicionalmente quando se mostra o produto tenta-se ter sempre uma estética agradável e atraente. Uma vez conquistada à atenção do consumidor, mantendo a imagem perante o mesmo, a fidelidade pode ser conquistada, e é isso que aparentemente a Heineken tenta com a utilização dessas ações. A imagem da marca ligada a estilos de vida agrega valor 105 perante o cliente60 e as experiências que a marca mostra afirma uma preocupação em proporcionar vivências diferenciadas ao seu consumidor. Com isso podemos dizer que hoje em dia uma marca representa grande parte do valor de uma empresa, e isso deve ser explorado da melhor maneira, tendo como diferencial, muito mais que o produto, sua identidade. Como projeto de dissertação, o tema em questão deve ser aprofundado, não abordando apenas um caso, mas um apanhado de casos e comportamento de marcas diversas diante da evolução das mídias, da tecnologia e do comportamento do consumidor. Referências ANDACHT, Fernando. Uma aproximação analítica do formato televisivo do reality show Big Brother. 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