Diretrizes Antecipadas de Vontade do Paciente
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Diretrizes Antecipadas de Vontade do Paciente
Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna • Mestrando em Criminal Justice pela California Coast University • Pós-graduado/Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) • Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) • Ex-advogado (2009 – 2011) • Agente Técnico – Jurídico do Ministério Público do Estado do Amazonas (2011 – atual) • CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0905406400420244 • Critical Thinking in Global Challenges (The University of Edinburgh) • Introduction to Philosophy (The University of Edinburgh) • Introduction to International Criminal Law, with Distinction (Case Western Reserve University) • The Law of the European Union: An Introduction (Leiden University) • English Common Law: Structure and Principles, with Distinction (University of London) • From the Big Bang to Dark Energy (University of Tokyo) • 9/11 and its Aftermath – Part I, with Distinction (Duke University) • International Human Rights Law: Prospects and Challenges, with Distinction (Duke University) • Constitutional Law (Yale University) • Health and Society (Harvard University) • Introduction to Philosophy: God, Knowledge and Consciousness (MIT) • Conditions of War and Peace (University of Tokyo) • Think Again: How to Reason and Argue, with distinction (Duke University) • Astrobiology and the Search for Extraterrestrial Life (The University of Edinburgh) • Moralities of Everyday Life (Yale University) • International Human Rights (Université Catholique de Louvain) • Curso Avançado de Direito Constitucional (IBDP) • Argumentação Jurídica Contemporânea (FGV) • O Direito Fundamental à Liberdade de Consciência e a Impossibilidade de Imposição de Valores Morais pelo Estado através de Normas Penais. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 12, p. 157-179, 2011. • Normas de Direitos Fundamentais: regras, princípios e proporcionalidade. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 13, p. 217-246, 2012. • “Princípio da Irrelevância Penal do Fato”, Princípio da Insignificância e Crimes Bagatelares: distinção necessária ou criação inoportuna?. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 14, p. 214-259, 2013. • Direitos Fundamentais na relação profissional da saúde x paciente: direito de recusa a tratamento. 2013. (Apresentação de Trabalho/Simpósio). • Texto, Norma e Decisão: Porque não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”. Boletim Conteúdo Jurídico, Brasília, n. 300, ano VI, 26 a 31 de mai. 2014. • Direitos Fundamentais e Competência de Reforma Constitucional: os limites materiais das emendas à Constituição. São Paulo: Baraúna, 2014. Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna • O desenvolvimento científico-tecnológico traz benefícios inquestionáveis às diversas esferas da saúde humana. Constantemente somos surpreendidos com as inovações terapêuticas e possibilidades de intervenção nos processos da vida humana, a exemplo do prolongamento artificial da vida. • Destarte, necessita-se de reflexões bioéticas que objetivem debater a limitação médico-terapêutica, subsidiada pelo princípio do respeito à autonomia, de forma a fornecer mecanismos que garantam a concretização do respeito à vontade do paciente. “Bioética seria, em sentido amplo, uma resposta da ética às novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde, ocupando-se não só de problemas éticos, provocados pelas tecnociências biomédicas, mas também a vários aspectos das pesquisas em seres humanos, como, por exemplo, a clonagem, mudança de sexo, esterilização, eugenia, eutanásia, dentre outros.” (Maria Helena Diniz) “A disciplina que examina e discute os aspectos éticos relacionados com o desenvolvimento e as aplicações da biologia e da medicina, indicando os caminhos e os modos de respeitar os valores da pessoa humana” (Francisco dos Santos Amaral Neto) • O termo Bioética foi usado pela primeira vez em 1971, pelo oncologista e biólogo estadunidense Van Rensselder Potter, da Universidade de Winsconsin, Madison, em sua obra Bioethics: Bridge to the Future. • A Bioética abrange: (a) a macrobioética, que trata de questões ecológicas, em busca da preservação da vida humana; e (b) a microbioética, que cuida das relações entre médico e paciente, instituições de saúde públicas ou privadas e entre estas instituições e os profissionais da saúde. Experiência com Animais Bioética Aquecimento Global Experiência com Humanos • Por que a Bioética surgiu? • Charles Darwin publica, em 1859, seu estudo “Sobre a Origem das espécies por meio da Seleção Natural”. . Há organismos que se reproduzem. .Os descendentes herdam as características de seus progenitores. . Há variação nas características. . O ambiente não suporta todos os membros de uma população. ________________________________________ Aqueles membros da população com características menos adaptativas (de acordo com o ambiente) morrerão. ________________________________________ Aqueles membros com características mais adaptativas (de acordo com o ambiente) prosperarão. • Por que a Bioética surgiu? • Hebert Spencer publica, em 1874, seu livro “O Estudo da Sociologia”, onde defende o uso da seleção natural na sociedade, criando aquilo que ficou conhecido como “Darwinismo Social”. • “Pois se os indignos são ajudados a aumentar, protegendo-os da mortalidade que sua indignidade naturalmente implicaria, o efeito é o de produzir, geração após geração, uma maior indignidade [...]. Fomentar o ‘bom-para-nada’ às custa do bom é uma crueldade extrema. É um deliberado armazenamento de misérias para as gerações futuras. Não há maior maldição para a posteridade do que o de legar-lhes uma população crescente de imbecis, desocupados e criminosos. Ajudar o mal a se multiplicar, é, na verdade, o mesmo que maliciosamente prover para os nossos descendentes uma multidão de inimigos.” • Por que a Bioética surgiu? • Francis Galton, em 1883, publica seu livro “Investigação sobre as faculdades humanas e seu desenvolvimento”. • Convencido de que era a natureza, não o ambiente, quem determinava as habilidades humanas, Galton dedicou sua carreira científica à melhoria da humanidade por meio de casamentos seletivos. • Galton criou um termo para designar essa nova ciência: eugenia (bem nascer), que nada mais é do que a ciência que estuda as possibilidades de apurar a espécie humana sob o ângulo genético. • Havia grande preocupação quanto à “degeneração biológica” do país, pois o declínio na taxa de nascimentos era muito maior nas classes alta e média do que na classe baixa. • Por que a Bioética surgiu? • Para muitos parecia lógico que a qualidade da população pudesse ser aprimorada por proibição de uniões indesejáveis e promoção da união de parceiros bem-nascidos. • As propostas de Galton ficaram conhecidas como “eugenia positiva”. Nos EUA, porém, elas foram modificadas, na direção da chamada “eugenia negativa”, de eliminação das futuras gerações de “geneticamente incapazes” – enfermos, racialmente indesejados e economicamente empobrecidos –, por meio de proibição marital, esterilização compulsória, eutanásia passiva e, em última análise, extermínio. • O líder do movimento eugenista dos EUA foi Charles Davenport, que dirigia o laboratório de biologia do Brooklin Institute of Arts and Science, em Long Island, instalado em Cold Spring Harbor. • Por que a Bioética surgiu? • Em 1903, obteve da Carnegie Institution o estabelecimento de uma Estação Biológica Experimental no local, onde a eugenia seria abordada como ciência genuína. O próximo passo de Davenport foi identificar os que deveriam ser impedidos de se reproduzir. • Em 1909 criou o Eugenics Record Office para registrar os antecedentes genéticos dos norteamericanos e pressionar por legislação que permitisse a prevenção obrigatória de linhagens indesejáveis. Para isso, o grupo concluiu que o melhor método seria a esterilização, e o estado de Indiana foi a primeira jurisdição do mundo a introduzir lei de esterilização coercitiva, logo seguido por vários outros estados. Desde o início, porém, o uso de câmaras de gás estava entre as estratégias discutidas para eliminação daqueles considerados indignos de viver. • Por que a Bioética surgiu? • O movimento cativou tanto a elite americana da época que, a partir de 1924, leis que impunham a esterilização compulsória foram promulgadas em 27 Estados americanos, para impedir que determinados grupos tivessem descendentes. • O modo de ação preferido da eugenia estadunidense foi a esterilização compulsória. • Houve também isolamentos – para que os “débeis mentais”, conceito que nunca foi explicitado com clareza, não se reproduzissem – e restrição a casamentos, principalmente entre brancos e negros, mas a grande vitória do movimento eugenista dos Estados Unidos foi conseguir aprovar leis estaduais que permitiam a médicos esterilizar seus pacientes. • Por que a Bioética surgiu? • Em 1914, havia cerca de 44 instituições educacionais oferecendo “instrução eugenista”. Havia uma cadeira de Eugenia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Havia outro curso na New York University, outro na Stanford University, outro no Alma College e outro no Bates College. Em uma década, o número cresceria para centenas, com cerca de 20 mil alunos por ano. • Em 1917, estreou o filme The Black Stork (A Cegonha Negra), que tinha roteiro do repórter Jack Lait, do Chicago American. O protagonista era Harry Haiselden, um médico eugenista que dizia: “A morte é o grande e eterno desinfetante.”. No filme, um casal, que tem um filho “imperfeito”, dá autorização para que a criança deficiente seja morta. • Por que a Bioética surgiu? • Confrontada com a questão, a Suprema Corte fez o pior, dando sua bênção à eliminação dos mais fracos. “Em vez de esperar para executar descendentes degenerados por crimes, a sociedade deve se prevenir contra aqueles que são manifestadamente incapazes de procriar sua espécie.”, disse o Justice Oliver Wendell Homes Jr. No caso Buck v. Bell 274 U.S. 200 (1927), o Justice Oliver Homes disse a famosa frase: “Três gerações de imbecis são o suficiente”, sustentando a constitucionalidade das Leis de Esterilização Compulsórias. • Entre 1920 e 1960, perto de 70 mil americanos foram esterilizados compulsoriamente. • Por que a Bioética surgiu? • Os esforços americanos para criar uma superraça nórdica chamaram a atenção de Hitler. • Apesar de a Alemanha ter desenvolvido, ao longo dos primeiros vinte anos do século XX, seu próprio conhecimento eugenista, os adeptos alemães da eugenia ainda seguiam como modelo os feitos eugenistas americanos, como os tribunais biológicos, a esterilização forçada, a detenção dos socialmente inadequados, e os debates sobre a eutanásia. • Enquanto a elite americana descrevia os socialmente indignos como “bactérias”, “vermes”, “retardados”, “mestiços” e “subumanos”, uma raça superior de nórdicos era progressivamente considerada a solução final para os problemas eugenistas do mundo. • Por que a Bioética surgiu? • “Enquanto nós evitamos compromissos, os alemães chamam as coisas pelos devidos nomes. [...] Se Hitler conseguir realizar sua esterilização no atacado, será uma demonstração que levará a eugenia mais longe do que poderiam cem sociedades eugenistas. Se ele fracassar, o movimento retrocederá a tal ponto que nem mesmo cem sociedades eugenistas jamais poderão ressuscitá-lo.”, (Leon Whitney, presidente da Sociedade Americana de Eugenia). • “Um dos maiores estadistas e pesquisadores sociais do mundo.” (idem). • Por que a Bioética surgiu? • Mais de um milhão de crianças, dois milhões de mulheres e três milhões de homens judeus morreram durante o Holocausto. Uma rede de mais de 40 mil instalações na Alemanha e nos territórios ocupados pelos nazistas foi utilizada para concentrar, manter, explorar e matar judeus e outras vítimas. • O assassinato em massa de ciganos e de pessoas com deficiência deve ser incluído na definição do termo e alguns usam o substantivo “holocausto” para descrever outros assassinatos em massa feitos pelos nazistas, como o extermínio de prisioneiros de guerra e de civis soviéticos, poloneses e homossexuais. • Entre 10 e 11 milhões de civis e prisioneiros de guerra foram intencionalmente assassinados pelo regime nazista. • Por que a Bioética surgiu? Desastre de Lübeck (1929, Alemanha) Um desastre causado pelo BCG atingiu a cidade alemã de Lübeck. Durante 1929 e 1930, foi realizado um teste com vacina BCG em 252 crianças, sem a obtenção do consentimento de seus responsáveis para a participação na pesquisa. 72 bebês morreram de tuberculose. Muitas outras crianças ficaram doentes como resultado da vacinação. Descobriu-se mais tarde que vacina utilizada foi contaminada com uma cepa da tuberculose humana que estava sob estudo no mesmo laboratório. • Por que a Bioética surgiu? • “Eles decidem quem vive, quem morre”, artigo de autoria da jornalista Shana Alexander, publicado na Revista Life, em 1962. Foi contada a história da criação de um comitê de ética hospitalar em Washington, nos EUA (Comitê de Admissão e Políticas do Centro Renal de Seattle). O Comitê tinha como meta definir as prioridades para a alocação de recursos para os pacientes renais. Uma das questões enfrentadas pelo Comitê foi sobre os critérios de admissão de pacientes renais crônicos a tratamento de hemodiálise, em razão de que o número desses pacientes ultrapassava o de máquinas de hemodiálise disponíveis. • Em 1967, Henry Beecher publica o artigo “Ética e Pesquisa Clínica”, enfocando 22 pesquisas médicas, subsidiadas por verbas governamentais e de companhias médicas. • Por que a Bioética surgiu? Nesses artigos, eram relatadas situações de desrespeito aos pacientes que eram “cidadãos de segunda classe”: internos em hospitais de caridade; adultos e crianças com deficiências mentais; idosos, pacientes psiquiátricos institucionalizados, presidiários, recém-nascidos, enfim, pessoas sem autonomia e sem direito de fazer escolhas. Dentre as atrocidades praticadas, cite-se que uma pesquisa exigia a inoculação intencional de vírus da hepatite em indivíduos institucionalizados por retardo mental, visando o acompanhamento da etiologia da doença. Foram injetadas células vivas de câncer em 22 pacientes idosos e senis hospitalizados, os quais não foram comunicados de que as células eram cancerígenas. Em 1967, Christian Barnard, da África do Sul, transplantou o coração de um paciente tido pela equipe do médico como “quase morto”, enquanto que o paciente que recebeu o coração foi diagnosticado como paciente cardíaco terminal. • Por que a Bioética surgiu? “As ideias da bioética surgiram a partir: a) dos grandes avanços da biologia molecular e da biotecnologia aplicada à medicina realizados nos últimos anos; b) da denúncia dos abusos realizados pela experimentação biomédica em seres humanos; c) do pluralismo moral reinante nos países de cultura ocidental; d) da maior aproximação dos filósofos da moral aos problemas relacionados com a vida humana, a sua qualidade, o seu início e o seu final; e) das declarações das instituições religiosas sobre os mesmos temas; f) das intervenções dos poderes legislativos como também dos poderes executivos em questões que envolvem a proteção à vida ou os direitos dos cidadãos sobre sua saúde, reprodução e morte; e, g) do posicionamento dos organismos e entidades internacionais.” (Joaquim Clotet). • Em 1979, os filósofos James Childress e Tom Beauchamp escrevem o livro Principles of biomedical ethics, talvez o livro mais importante da história da Bioética. • No livro, os autores propunham “analisar sistematicamente os princípios morais que deveriam ser aplicados à biomedicina”. Princípios da Bioética Beneficência Autonomia Consentimento Informado Justiça • Princípio da Beneficência Art. 2º do Código de Ética Médica (CEM): O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. As experimentações médicas devem se pautar em fazer o bem, preservando-se a integridade e o direito à vida do que a elas são submetidos. Esse princípio deve ser visto de forma relativa, eis que mitigado pelo princípio da autonomia. • Princípio da Autonomia Autonomia = auto (auto, por si só) + nomos (nomos, lei, território) Na 4ª edição de seu livro, Beauchamp e Childress subdividiram tal princípio em: (a) autonomia; e (b) respeito a autonomia. Autonomia autogoverno do sujeito para tomar decisões sobre sua vida, integridade e saúde. Respeito a autonomia reconhecimento de que ao indivíduo cabe a tomada de decisão segundo seu plano de vida, fundamentado em sua crença, aspirações e valores próprios, mesmo quando estes não coincidem com os dominantes na sociedade. • Princípio da Autonomia “Inicialmente, não podemos esquecer que a visão tradicional hipocrática sobre a ‘beneficência’ deve ser encarado num contexto histórico diferente do nosso. De fato, vivemos numa era em que cada vez mais os direitos do paciente e do cidadão (e aqui se inclui a autonomia) vêm ganhando mais destaque na bioética e na ciência jurídica. Ao contrário do que acontecia na Idade Média, o médico não mais é encarado como uma autoridade (de caráter quase que mítica) inquestionável e autoritária.” (Bruno Marini) Reconhece à pessoa o direito de decidir, livre de pressões externas, sobre a sua submissão a determinada terapia ou tratamento médico; pode o paciente inclusive rejeitar toda e qualquer espécie de tratamento. Significa autogovernar-se, fazer escolhas, ter liberdade para decidir acerca de seu comportamento. • Princípio do Consentimento Informado (ou Esclarecido ou Princípio da não maleficência) Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa. Obrigação do médico, antes de qualquer intervenção terápica ou cirúrgica, esclareça ao paciente os benefícios e riscos correspondentes, bem como informe acerca de alternativas ao tratamento proposto, possibilitando, assim, que o doente escolha o tratamento que reputar mais conveniente. • Princípio do Consentimento Informado (ou Esclarecido ou Princípio da não maleficência) “Mesmo que o acontecimento escape ao controle da mente e do livre-arbítrio, a pessoa poderá sempre compreendê-lo e tomar posição frente a ele, ainda que esta compreensão seja o entendimento da fatalidade àquilo que a sobrepuja. Em que sentido o paciente tem o direito de decidir? Na relação terapêutica habitual, o médico detém o privilégio do conhecimento daquilo que é melhor para o paciente. Ainda assim, a administração de terapêuticas está, em princípio, sujeita ao acordo do paciente, de seus familiares e dos eventuais responsáveis. Para obter o necessário consentimento, o médico transmite ao interessado a informação pertinente, assegurando-se de que a resposta estará condicionada ao correto entendimento da informação.” (Franklin Leopoldo e Silva). • Princípio da Justiça Ganha força quando surge a necessidade de conscientização acerca da distribuição igualitária e geral dos benefícios e avanços propiciados pelos serviços de atendimento à saúde. “Justiça envolve respeitar as diferenças existentes na comunidade, e ao invés de discriminá-las ou segregá-las, deve-se buscar meios de compreendê-las e satisfazê-las” (Bruno Marini) Impõe, p.ex., a obrigação de o Estado possibilitar o acesso, especialmente na rede pública, de tratamentos alternativos às transfusões de sangue para os objetores de consciência. • As normas e princípios da bioética não são coercitivos. É necessário que o direito regulamente atitudes lícitas, definindo seus contornos com base no princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecendo regras e limites à investigação. • Daí surge então o Biodireito, que nada mais é do que a normatização jurídica de permissões de comportamentos médico-científicos, e de sanções pelo descumprimento destas normas. • “Biodireito e bioética são ordens normativas, e, como tais, têm caráter prescritivo. A distinção, todavia, está na forma de abordagem e na força cogente.” (Maria de Fátima Freire de Sá e Bruno Torquato de Oliveira Neves). Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna • Caso Karen Ann Quinlan – In Re Quinlan 355 A.2d 647 (NJ. 1976) Em Abril de 1975, Karen Ann Quinlan, de 21 anos de idade, por razões nunca totalmente conhecidas, deixou de ventilar durante dois longos períodos de tempo. Em consequência da apneia, sofreu lesões cerebrais irreversíveis, ficando em estado vegetativo persistente. A ausência de funções cognitivas privou-a de qualquer tipo de relação exterior e tornou-a dependente de suporte ventilatório, o que levou o pai de Karen a pedir ao médico para suspender o suporte de vida e permitir que a filha morresse. Frustrado com a recusa do médico em suspender o suporte de vida, sob a alegação de que se tal viesse a acontecer seria considerado homicídio, o Sr. Quinlan recorreu aos tribunais e pediu para ser nomeado tutor da sua filha de forma a poder legalmente representála. Após ser reconhecido como tutor invocou o direito de Karen à privacidade e à integridade física para interromper o suporte de vida. • Caso Karen Ann Quinlan – In Re Quinlan 355 A.2d 647 (NJ. 1976) • O Supremo Tribunal de New Jersey aceitou a petição proposta, rematando: “O tribunal postulou que Karen, se capaz, seria constitucionalmente teria o direito de resistir a intervenção médica de suporte a vida. À luz da incapacidade de Karen, seu amoroso pai deve ser autorizado a exercer essa liberdade nome da filha. O tribunal repudia quaisquer noções de assassinato ou interferência indevida no julgamento médico”. • De acordo com o tribunal, a recusa de tratamento médico não é considerada homicídio. Possíveis interferências com a ética biomédica foram repudiadas, uma vez que é reconhecido às pessoas o direito de decidir sobre cuidados de saúde e, caso no momento sejam incapazes de se autodeterminar, deverá ser garantida a possibilidade de as decisões serem tomadas por um representante. • O caso de Karen Ann Quinlan é significativo porque pela primeira vez foi abordada a problemática da retirada de suporte ventilatório em doentes inconscientes. • O respirador foi retirado em 1976, mas Karen Ann surpreendeu a todos, continuando a respirar sem a ajuda de aparelhos e foi alimentada artificialmente por mais 9 anos. • Karen Ann permaneceu em estado vegetativo até sua morte em 1985, decorrente de complicações de pneumonia. • Caso Nancy Cruzan – Cruzan v. Director, Missouri Department of Health, 497 U.S. 261 (1990) Em 1983 Nancy Cruzan ficou gravemente ferida num acidente de automóvel, que a fez permanecer durante vários anos em estado vegetativo persistente. Embora ventilasse espontaneamente, era incapaz de comunicar, bem como de qualquer tipo de vida em relação e dependia de um tubo para se alimentar e hidratar pois tinha abolido o reflexo de deglutição. Confrontados com o estado da filha os pais de Nancy apresentaram no tribunal uma petição para que fosse autorizada a retirada do tubo e a consequente suspensão da alimentação e da hidratação artificiais. O tribunal condicionou o diferimento do pedido à prova convincente e irrefutável de que esse era o desejo de Nancy antes do acidente. • Caso Nancy Cruzan – Cruzan v. Director, Missouri Department of Health, 497 U.S. 261 (1990) Após vários debates judiciais e a demonstração cabal (por via de testemunho de amigos) da vontade previamente manifestada por Nancy, a Suprema Corte de Missouri permitiu a retirada do tubo que a mantinha artificialmente viva. O tubo foi retirado no início de dezembro de 1990. Nancy Cruzan faleceu em 26 de Dezembro de 1990, aproximadamente duas semanas após a retirada do tubo de respiração artificial. • Caso Terri Schiavo – Schiavo-Schindler v. Schiavo, US 11th Circuit, 05-11628 (2005) Theresa Marie (Terri) Schindler-Schiavo, teve uma parada cardíaca, em 1990, talvez devido a perda potássio associada a bulimia. Ela permaneceu cinco minutos sem fluxo sanguíneo cerebral. Desde então, devido a grande lesão cerebral, ficou em estado vegetativo. Após longa disputa familiar, judicial e política, teve retirada a sonda que a alimentava e hidratava, vindo a falecer em 31 de março de 2005. O caso teve grande repercussão devido a discordância entre seus familiares na condução do caso. O esposo desejava que a sonda de alimentação fosse retirada, enquanto que os pais da paciente, assim como seus irmãos, lutaram para que a alimentação e hidratação fossem mantidas. Por três vezes o marido ganhou na justiça o direito de retirar a sonda. Nas duas primeiras vezes a autorização foi revertida. • Ética Hipocrática (Início do Século XX) Princípio da beneficência Profissional da saúde assumia a postura de “protetor do paciente”, justificando-se qualquer medida destinada a restaurar sua saúde ou prolongar sua vida Paternalismo: legitimava a intervenção do profissional por seus próprios critérios, ainda que sem a anuência do paciente ou contra sua vontade expressa. • Fim da II Guerra Mundial marca o início da superação do Paternalismo Código de Nuremberg (1947) Regulava as pesquisas com seres humanos Fundado no princípio da autodeterminação da pessoa Estabeleceu o consentimento informado como requisito para a validade ética das experiências médicas Declaração de Helsinki (Agência Médica Mundial, 1964) • Fim da II Guerra Mundial marca o início da superação do Paternalismo Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina Assinado por 21 países-membros do Conselho da Europa; Realizada em 1997, entra em vigor em 1º/12/1999; Art. 5º. Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efectuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objectivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos. A pessoa em questão pode, em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento. • Fim da II Guerra Mundial marca o início da superação do Paternalismo Declaração Universal sobre Bioética e os Direitos Humanos (2005) Art. 5º. Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia. Art. 6º, a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito. • Profunda alteração nos paradigmas da ética médica: o paternalismo e a beneficência deram lugar à autonomia do paciente como fundamento da bioética • Paciente deixa de ser um objeto da prática médica e passa a ser sujeito de direitos fundamentais • Reconhecimento da dignidade da pessoa humana Todas as pessoas tem o direito de realizar autonomamente suas escolhas existenciais Cabe ao paciente anuir ou não com determinado exame ou tratamento; o Profissional da Saúde não pode substituir-se a ele para tomar essa decisão ou impor qualquer espécie de procedimento, ainda que fundado em critérios técnicos. • Nova perspectiva não inverte a equação para sujeitar o Profissional da Saúde ao paciente: também o profissional pode se recusar a realizar um procedimento ou a acompanhar um paciente que se recuse a receber tratamento • Preserva-se também o direito do Profissional da Saúde de se pautar pelos seus padrões éticos em matéria de cuidado à saúde. Autonomia Consentimento Genuíno Vontade Livre Vontade Informada • Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (Portaria nº 675/2006 do Ministério da Saúde), que disciplina o consentimento ou recusa de procedimentos, bem como o dever do paciente de assumir a responsabilidade pela decisão tomada. • Paradigma paternalista deu lugar à autonomia do paciente, nas suas relações com o Profissional da Saúde. • Ao profissional não se reconhece mais autoridade para impor determinada terapia ou para se substituir ao indivíduo nas decisões essenciais a respeito de sua integridade física e moral. • A manifestação de vontade do paciente, no entanto, sobretudo quando importe recusa de tratamento, deve estar cercada de um conjunto de cautelas e exigências. O que o profissional da saúde deve fazer quando o paciente, correndo risco de morte, se recusa a receber o tratamento que poderá curá-lo? • Deve respeitar a vontade dele? • Aplicar o tratamento contra a vontade do paciente? • E se o paciente não puder expressar sua vontade? • E se o paciente for menor de idade? O que fazer nesses casos? • Tanto a doutrina jurídica quanto os Tribunais são vacilantes • Os profissionais da saúde veem-se acuados diante de tal situação por carregarem consigo o dever, como Profissional da Saúdes, de salvaguardar o direito à vida do paciente. • O ordenamento jurídico brasileiro dá pistas para a solução de tais indagações. • Exemplo de colisão entre direitos fundamentais. Ocorre a colisão de direitos fundamentais sempre que no caso concreto for possível se aplicar duas ou mais normas que possuem consequências jurídicas total ou parcialmente incompatíveis Ex.: direito à liberdade de imprensa vs. direito à privacidade No caso específico da recusa a tratamentos: direito à vida e à saúde vs. autodeterminação e liberdade de consciência Como resolver esse conflito? O direito pode permitir a recusa ao tratamento? E se a pessoa for incapaz de manifestar sua vontade? Terceiros podem decidir por ela? Moldura normativa de Hans Kelsen? Discricionariedade de H. L. A. Hart? Resposta jurídica complexa Dimensão de peso de Ronald Dworkin? Especificidade de Friedrich Müller? Liberdades básicas de John Ralws? Concordância prática de Konrad Hesse? Proporcionalidade de Robert Alexy? • A dignidade da pessoa humana tornou-se, ao final da Segunda Guerra Mundial, um dos grandes consensos éticos do mundo ocidental. • Na Constituição brasileira vem inscrita como um dos fundamentos da República (art. 1º, III). • Exige que toda pessoa seja tratada como um fim em si mesma, consoante uma das enunciações do imperativo categórico kantiano. • Ninguém existe no mundo para atender os propósitos de outra pessoa ou para servir a metas coletivas da sociedade. “O único propósito para o qual o poder pode ser exercido realmente sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra a sua vontade, é para evitar danos a outros. Seu próprio bem, seja físico ou moral, não é garantia suficiente. À força não pode executar qualquer ato particular porque isso é o melhor para ele, porque o fará mais feliz, porque as opiniões dos outros são mais sábias ou corretas. Estas seriam boas razões para discutir ou argumentar com ele, para persuadir, para implorar que o faça; mas não forçar, ameaçar ou castigá-lo por tê-lo feito [...] A única parte da conduta de qualquer pessoa, pela qual deve responder perante a sociedade é aquela que diz respeito os outros. [...] Cada um é guardião correto de sua saúde [...] A humanidade é que mais lucra ao permitir que cada um viva como bem lhe parece, em vez de compelir cada pessoa a viver como parece ser bom para os demais.” (John Stuart Mill) • Veda a instrumentalização ou funcionalização de qualquer indivíduo. • Responsabilidade de cada um por sua própria vida, pela determinação de seus valores e objetivos. • Decisões cruciais na vida de uma pessoa não devem ser impostas por uma vontade externa a ela. • Autonomia da vontade: direito de eleger seus projetos existenciais e de não sofrer discriminações em razão de sua identidade e de suas escolhas. Condições adequadas para o exercício da autodeterminação Capacidade de Autodeterminação Dignidade da Pessoa Humana • Autonomia Capacidade de autodeterminação, o direito de decidir os rumos da própria vida e de desenvolver livremente a própria personalidade. Poder de realizar as escolhas morais relevantes, assumindo a responsabilidade pelas decisões tomadas. Decisões sobre a própria vida de uma pessoa, escolhas existenciais (religião, casamento, ocupações e outras opções personalíssimas que não violem direitos de terceiros) não podem ser subtraídas do indivíduo. • Condições para o Exercício • Não basta garantir a possibilidade de escolhas livres, sendo indispensável prover meios adequados para que a liberdade seja real, e não apenas retórica. • Para que um ser humano possa traçar e concretizar seus planos de vida, por eles assumindo responsabilidade, é necessário que estejam asseguradas mínimas condições econômicas, educacionais e psicofísicas. • Evitar que decisões com grave repercussão para o indivíduo sejam tomadas de forma caprichosa ou simplesmente desinformada. • Art. 11 do CC. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. • Afirmação peremptória da indisponibilidade parece imprecisa ou, no mínimo, exige qualificações e exceções. • A disposição de posições jurídicas subjetivas decorrentes de direitos fundamentais faz parte, com frequência, do próprio exercício do direito. • Cessão do direito de imagem para uma campanha publicitária • Autolimitação do direito de privacidade por parte das pessoas que aceitam participar de um reality show • Tatuar o corpo de alguém contra a sua vontade representa uma forma grave de violação à integridade física e moral (art. 129 do CP) • Basta o consentimento para que a conduta se torne socialmente aceita • A liberdade é a regra e a disposição, em muitos casos, é uma forma de exercer o direito. • A ordem jurídica pode, em casos excepcionalíssimos, instituir restrições expressas para proteger o direito de terceiros, a ordem pública ou o próprio titular do direito fundamental. • Não pode fazer é anular integralmente a liberdade pessoal e a autonomia moral do indivíduo, vivendo sua vida para poupá-lo do risco. • O direito à vida é especial. Qualquer flexibilização da sua força jurídica ou moral é delicada e deve envolver cautelas múltiplas. • Um dos consensos mínimos que compõem a dignidade nas sociedades ocidentais é a preservação da vida, tanto como um direito individual quanto como valor objetivo. • Criminalizar atos que atentem contra a vida humana faz parte do receituário básico de qualquer sociedade civilizada. • O próprio texto constitucional brasileiro contempla a possibilidade de restrição ao direito à vida, ao admitir a pena de morte em caso de guerra declarada (art. 5º, XLVII, “a”). • Código Penal exclui expressamente a ilicitude da conduta que ocasione morte de outrem quando o ato é praticado em estado de necessidade, em legítima defesa (art. 23, I e II). • Razoável sustentar que o direito à vida tem um peso abstrato maior, desfrutando de uma posição preferencial dentro do sistema constitucional. O direito geral de liberdade cede o passo, preterido pelos deveres de proteção do Estado em relação ao próprio titular do direito e mesmo em relação a terceiros. • Embora o simples consentimento não seja suficiente para um ato de disposição do direito à vida por seu titular, é possível que outros valores ou direitos fundamentais justifiquem essa decisão. • O valor objetivo da vida humana deve ser conciliado com o conjunto de liberdades básicas decorrentes da dignidade como autonomia. •O Estado não pode proibir alguém de praticar esportes radicais, ainda que o risco seja elevado ao extremo. •O Estado não pode proibir alguém de prestar ajuda humanitária em uma região de guerra. • Admite-se sem maior controvérsia que a vida seja colocada em risco pelo próprio indivíduo para que ele possa levar adiante inúmeras decisões pessoais e realizar seu próprio projeto de vida. • O risco de morte é aceito quando seja indissociável do exercício autônomo da vida, que não pode se converter em mera subsistência, privada de sentido para o seu próprio titular. “...a liberdade de consciência permite ao cidadão que forme seus próprios juízos, ideias ou opiniões sobre si mesmo, sobre o mundo e até mesmo sobre os outros seres que lhe circundam. Possibilita, pois, ao cidadão, a garantia de construir sua própria moral, impondo ao Estado e aos demais cidadãos o dever de respeitar este juízo de consciência edificado, seja não intervindo coercitivamente quando de sua formação [...], seja não tolhendo quaisquer direitos do ser humano em razão de seus pensamentos.” (VIANNA, Felipe Augusto Fonseca. O Direito Fundamental à Liberdade de Consciência e a Impossibilidade de Imposição de Valores Morais pelo Estado através de Normas Penais. In: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 12, n. 1/2, 2011, p. 176) • A ordem jurídica respeita até mesmo decisões pessoais de risco que não envolvam escolhas existenciais, a exemplo da opção de praticar esportes como o alpinismo e o paraquedismo, ou de desenvolver atuação humanitária em zonas de guerra. Com mais razão deverá respeitar escolhas existenciais. • É legítima a recusa de tratamento por parte do paciente. Tal decisão funda-se no exercício de autodeterminação, da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito de fazer suas escolhas existenciais. • Além de proteger a capacidade de autodeterminação moral do indivíduo, a dignidade da pessoa humana exige que lhe sejam asseguradas condições próprias para a tomada de decisões • Requisito essencial para a disposição de um direito fundamental, que se torna tanto mais relevante quando se trate da recusa de tratamento, com risco de morte • Trata-se da validade e da adequação da manifestação de vontade: o consentimento genuíno. Sujeito do Consentimento • O titular do direito fundamental em questão, que deverá manifestar de maneira válida e inequívoca a sua vontade • Vontade válida: civilmente capaz e estar em condições adequadas de discernimento para expressá-la • Vontade inequívoca: personalíssima e expressa. Liberdade de Escolha • Não deve ter sido produto de influências externas indevidas, como induções, pressões ou ameaças Conhecimento Compreensão Consequências Consentimento Informado • Art. 15 do CC. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. • Art. 17 do Estatuto do Idoso. Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável. • Art. 10 da Lei nº. 9.343/1997. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento. • Art. 6º, a) da DUBDH. Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito. Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna • A primeira abordagem acerca da declaração prévia de vontade do paciente terminal, referenciada sob a expressão original “living will”, fora proposta em 1967 pela Sociedade Americana para a Eutanásia e caracterizada como documento de cuidados antecipados, pelo qual o indivíduo poderia registrar seu desejo de interromper as intervenções médicas de manutenção da vida. • Em 1969, na cidade de Chicago, Louis Kutner, então advogado, criou o primeiro testamento vital, lutando pelo direito de os enfermos terminais terem suas vontades resguardadas no que concerne aos tratamentos de suporte à vida. • A declaração prévia de vontade do paciente terminal, mais conhecida como testamento vital, surgiu como documento legal na California na década de 70. • Em 1976, fora aprovado no Estado da California o documento intitulado “Natural Death Act”, elaborado pela Faculdade de Direito da Universidade de Yale, que se tornou o primeiro diploma legal a, de fato, autenticar de forma textual a diretriz antecipada de vontade do paciente terminal. • Na California, outro documento, o Guidelines and Directive, fora elaborado por associações médicas com o intuito de auxiliar os médicos no uso dos métodos artificiais de prolongamento de vida. • Outros estados norte-americanos regulamentaram o testamento vital, em função da aprovação do Natural Death Act. • Em 1990 foi aprovado o Patient Self-Determination Act (PSDA), instituindo a primeira lei federal norte-americana a reconhecer o direito à autodeterminação do paciente. • O projeto de autoria dos senadores J. C. Danforth e D. P. Moynihan foi convertido na lei PSDA, aprovada em 1990 pelo Congresso dos Estados Unidos e efetivada a partir de 1º de dezembro de 1991. • “A PSDA reconhece o direito das pessoas à tomada de decisões referentes ao cuidado da saúde, aí incluídos os direitos de aceitação e recusa do tratamento, e ao registro por escrito, mediante documento, das mesmas opções, prevendo uma eventual futura incapacidade para o livre exercício da própria vontade.” (Joaquim Clotet). • Em 2012, Portugal publicou a Lei 25, que regula as diretrizes antecipadas de vontade, sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados à saúde, e criou o Registro Nacional de Testamento Vital. • A Lei nº. 74/1997, da Islândia, nominada de “Patients’ Rights Act’” é talvez a lei mais avançada sobre direitos do paciente já feita. • Seu art. 9º abre exceção ao “princípio do consentimento para o tratamento” nos casos em que o paciente estiver inconsciente ou incapacitado de comunicar sua vontade. Inobstante isso, se preteritamente à impossibilidade de manifestação era conhecida sua recusa por uma espécie de tratamento, sua vontade será respeitada. • Seu surpreendente art. 24 chancela a possibilidade de o paciente morrer com dignidade, conferindo a ele o direito de fazer cessar um tratamento na fase terminal. • Acrescenta, ainda, que se o paciente for mentalmente enfermo ou estiver impossibilitado fisicamente, o médico deverá consultar os parentes antes de decidir sobre o fim ou a continuidade do tratamento. • Em junho de 2000 o British Medical Journal publicou um estudo realizado em dois hospitais de Londres, onde 74 de 76 pacientes internados responderam um questionário aplicado por um entrevistador. • Tal estudo objetivou determinar o conhecimento de idosos internados no Reino Unido sobre o testamento vital e a vontade de se manifestarem sobre suas escolhas de saúde. • Todos os participantes detinham idade superior a 65 anos e tiveram pontuação normal no teste mental. Por meio de um estudo de entrevista, esta investigação concluiu que a grande maioria não desejaria prolongar a vida por meio do suporte de intervenções médicas quando em estágio terminal. • Pelo contrário, preferia o cuidado de saúde que proporcionasse apenas um conforto e bem-estar – cuidados paliativos – ou, inclusive, a morte, em contraponto aos tratamentos obstinados que visam à manutenção da vida. • Embora muitos dos pesquisados desconhecessem ou apresentassem insegurança quanto à possibilidade de tomada de decisão mediante termo prévio de vontade de aceitação ou recusa da terapêutica que poderia postergar sua vida, grande porcentagem desses idosos demonstrou interesse em redigir tal termo. • A época em que vivemos caracteriza-se pelo aumento exponencial da esperança de vida da população, porém, muitas vezes sem a devida qualidade. • Os hospitais estão repletos de pessoas cuja existência está totalmente dependente do suporte de máquinas, e cuja existência física nestas condições se pode arrastar durante anos. Num momento em que a “quantidade de vida” parece quase assegurada começa a colocar-se o problema da “qualidade de vida”. • Muitas vezes esta recusa não pode ser verbalizada pelo próprio, pelo simples facto de que já nem sequer está em condições de o fazer. Assim surgem as DAV, como forma de evitar os resultados nefastos para a autonomia pessoal – e para a própria dignidade humana – dessa impossibilidade. • “... o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.” (Art. 1º da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM). • As DAV podem assumir duas modalidades, que não se excluem entre si: (a) se manifesta a vontade que se pretende fazer valer no futuro num documento escrito (testamento vital); (b) se delega a manifestação dessa vontade num procurador especificamente instituído para esse efeito (o Procurador de Cuidados de Saúde). “O testamento vital é um documento escrito no qual uma pessoa dispõe acerca da sua vontade quanto aos cuidados médicos que pretende receber ou não receber quando perca a capacidade de exprimir os seus desejos, ou se encontrar em tal estado de incapacidade que não possa decidir por si.” (Vera Lúcia Raposo) • “Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.” (Art. 2º da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM) • O testamento vital pode apresentar um de dois conteúdos distintos: (a) o testador recusa um tratamento (por exemplo, recusa de uma cesariana, de quimioterapia, de transfusões de sangue); ou (b) testador solicita a aplicação de determinado tratamento, sendo certo que, nesta última hipótese, se o tratamento não se revelar adequado para aquele paciente de acordo com o estado atual do conhecimento científico o médico não está obrigado a aplicá-lo. • “O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.” (Art. 2º, §2º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM c/c art. 14 do CEM). • Uma outra modalidade de DAV consiste na nomeação de um Procurador de Cuidados de Saúde (PCS), através de um documento que lhe atribui poderes para tomar decisões em questões relacionadas com a saúde da pessoa quando esta se encontre incapaz de o fazer. • Ao invés do testamento vital, no qual a decisão sobre o tratamento a receber ou não receber é tomada previamente, a nomeação de um representante permite que este último interprete a suposta vontade do representado de acordo com os seus valores e objetivos, juízo este que o Procurador deverá estar apto a fazer dada a relação de proximidade existencial que mantém com a pessoa que representa. • O testamento vital defronta-se com a dificuldade de abarcar na sua previsão os múltiplos cenários possíveis nas quais se pode vir a encontrar o seu titular. Pode bem suceder que o contexto com o qual o médico se depara seja tão inesperado que o testador nunca o tenha previsto. • Esta é uma vantagem da figura do Procurador de Cuidados de Saúde, pois permite adequar a vontade às múltiplas vicissitudes da vida real. • Não é inédita a possibilidade de terceiras pessoas tomarem decisões em nome do doente. Afinal, é o que acaba por suceder com os incapazes, caso em que a decisão transita para os seus representantes legais, em regra os familiares. • Art. 1.634 do CC. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento. • Art. 10 da Lei de Transplantes. § 1o Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. • Art. 17, Parágrafo único do Estatuto do Idoso. Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será feita: I – pelo curador, quando o idoso for interditado; II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser contactado em tempo hábil; III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar; IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público. • “Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.” (Art. 2º, §1º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM). • A DAV apenas podem ser celebradas por quem possuir capacidade jurídica à data da sua feitura, o que significa que se excluem interditos e incapazes. • Embora a Resolução nº. 1.995/2012 – CFM não o exija, é aconselhável registrar as DAV em documento escrito, de preferência frente a um Tabelião (forma pública). Isto é obrigatório na legislação lusitana (art. 3º da Lei nº. 25/2012). • Art. 2º, §3º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM. As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. • Em existindo DAV e sendo ela comunicada ao médico, deve ele obedecer ao desejo do paciente, sob pena de responsabilidade ética (arts. 22 e 24 do CEM), criminal (art. 146 do CP) e civil (arts. 186 c/c 927 do CC). • Art. 2º, 53º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM. Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente. • Art. 2º, §4º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM. O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. • Caso haja DAV escrita, o médico deve, a fim de trazer maior segurança aos procedimentos por ele adotados, anexar cópia da DAV ao prontuário do paciente. • Caso o paciente tenha constituído PCS, tal informação também deve constar do prontuário, bem como as medidas e decisões adotadas pelo PCS. Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna • No Brasil, não há lei específica sobre a DAV. • No entanto, vez que o ordenamento jurídico brasileiro aceita a recusa a tratamento médico, pode-se dizer que o procedimento médico está resguardado juridicamente. • Algumas leis e atos normativos esparsos tratam do problema, mas apenas quando envolvem pacientes terminais. • A Lei 10.245/1999, do estado de São Paulo. afirma ser direito do paciente “recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida”. • A Resolução nº. 41/1995, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), vinculado ao Ministério da Justiça, em texto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, garante ao paciente jovem ou infante “o direito a ter uma morte digna, junto a seus familiares, quando esgotados todos os recursos terapêuticos disponíveis”. • Art. 40, parágrafo único do CEM. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. • A Resolução nº. 1.995/2012 – CFM, único ato normativo que trata especificamente das DAV também somente é aplicável aos casos de pacientes em estado terminal, como se vê de seus Consideranda. “CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo;”. Assim, a Resolução deixa em vácuo normativo todas as outras situações que poderiam ser objeto das DAV, tais como a recusa a se submeter a tratamentos que exijam transfusão de sangue. Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna • O consentimento genuíno exige que o consentimento expressado na recusa seja atual, ou seja, manifestada logo antes do procedimento. “A recusa de tratamento plasmada na directiva antecipada não vincula o médico porque se trata de um consentimento não actual, logo, ineficaz. O paciente pode ter entretanto mudado de opinião e quem sabe se hoje, à beira da morte, não estará disposto a aceitar aquele tratamento que na altura lhe parecia repugnante. As directivas antecipadas terão, na melhor das hipóteses, um valor indiciário quanto à vontade do paciente.” (Augusto Lopes Cardoso). • “Um dissenso que siga, e não preceda as informações relativas à caracterização de um perigo de vida iminente e inevitável de qualquer outra forma, um dissenso que seja atual e não preventivo, uma recusa ex post, e não ex ante, na ausência de qualquer consciência da gravidade de suas condições de saúde atuais” (Corte de Cassação da Itália, Sentença nº. 23676/2008). • Nem sempre o consentimento tem que ser prestado no exato momento do ato médico. Veja-se o que sucede com os doentes inscritos para cirurgias no SUS, em que o consentimento é prestado muitos meses antes da realização da cirurgia. • O consentimento não pode ser visto como um fugaz momento. Ele mantém-se enquanto não for revogado e, nesta medida, é sempre atual. “O consentimento dado neste documento é, e mantém-se actual, desde que o seu autor não tenha posteriormente manifestado, por qualquer meio, a sua vontade de o alterar ou revogar.” (Paulo Pinto de Albuquerque) • Caso de “mandato duradouro”, i.e., sem prazo determinado. • Será admissível representação em matéria de consentimento para intervenções médico-cirúrgicas? Qual a garantia de que o PCS escolherá aquilo que eu escolheria, se estivesse em condições de exprimir minha vontade? • Não seria melhor deixar tais escolhas aos representantes legais ou familiares? • Sucede, porém, que as pessoas que nos estão ligadas biologicamente não são necessariamente aquelas que melhor nos conhecem, e podem inclusivamente sufragar valores totalmente contraditórios com os nossos. Este perigo está em princípio arredado no caso do PCS, em virtude das particularidades da sua escolha. • Quanto à pessoalidade da escolha de submissão a tratamento, é de se ver que o Direito Civil admite que atos estritamente pessoais sejam realizados mediante procuração, o que demonstra que não se trata de questão estranha ou contrária ao nosso direito. • Art. 1.542. O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais. • Art. 1° da Lei 8560/1992. “O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório” • A Resolução nº. 1.995/2012 – CFM não exige a forma escrita para a DAV. • Essa omissão da Resolução deve ser criticada, por gerar extrema insegurança jurídica tanto ao paciente quanto ao médico. • As legislações estrangeiras que tratam do tema exigem a forma escrita, sendo que as legislações espanholas e portuguesas exigem que a DAV seja feita perante Tabelião. • De qualquer modo, considerando o teor da Resolução, não há outro meio de se chegar à vontade real do paciente, se não por meio da confiança no que for alegado pelos que estavam presentes em tal momento. • Essa, aliás, a tradição de nosso Direito que, como já dito, nos casos de incapacidade do paciente, deixa ao talante dos seus familiares ou representantes legais a decisão acerca dos tratamentos. • De qualquer sorte, para maior segurança do médico, é de bom alvitre registrar todo o ocorrido no prontuário do paciente e, no caso de recusa à submissão ao tratamento, solicitar que os familiares assinem o prontuário e o Termo de Consentimento Informado e de Responsabilidade. • Art. 2º, §3º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM. As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. • O médico, discordando da DAV, pode deixar de obedecêla, já que, segundo a Resolução, ela só prevalece sobre outro parecer não médico? • Não! O que susomencionado §3º deve ser interpretado em conformidade com o §2º do mesmo artigo, que ordena ao médico deixar de cumprir a DAV que contrarie as normas do CEM. • Ou seja, a DAV não prevalece sobre o parecer médico quanto à deontologia da DAV. O médico deve, p.ex., descumprir uma DAV que diga que caso o paciente entre em estado vegetativo, ele deseja que o médico lhe injete quantidade mortal de morfina. • Assim, se o médico deixa de observar a DAV apenas por discordar da escolha do paciente, não respeitando sua autonomia validamente manifestada, responderá: (a) por lesão corporal e constrangimento ilegal (arts. 129 e 146 do CP) se submeter o paciente a tratamento não desejado; ou (b) por homicídio (art. 121 do CP) ou omissão de socorro (art. 135 do CP) se não submeter o paciente a tratamento por ele desejado (salvo se o tratamento por ele desejado se mostrar inútil a sua recuperação, segundo a literatura médica). • E se após o paciente firmar sua DAV a ciência médica encontrou novos tratamentos para a enfermidade que veio a lhe acometer? • Se o paciente já nomeou procurador , esse ficará responsável por declarar a submissão ou não do paciente ao novo tratamento. • Mas e se paciente não constituiu PCS? O que deve o médico fazer? • Como no Brasil não há lei disciplinando tais casos, não existe resposta segura quanto ao tema. • É possível fazer a interpretação de três maneiras distintas: (a) restritiva; (b) a expansiva; e (c) sistemática Restritiva a leitura da DAV deve se ater ao que foi escrito e manifestado, o que acarretaria a aceitação irrestrita de um tratamento novo. Se o paciente não recusou antecipadamente, ele não deverá ser privado da possibilidade, logo, deverá se valer da novidade. Expansiva Mesmo não tendo se manifestado expressamente, o paciente já havia declarado a sua negação aos tratamentos, os quais incluiriam inclusive os posteriormente descobertos. Sistemática Se deve observar, no contexto da DAV, a base axiológica do paciente e tentar, ao máximo, se aproximar dela. Ex.: A hanseníase, que afeta a humanidade há pelo menos 4000 anos, foi considerada por muito tempo incurável e os pacientes atingidos eram forçados a se isolar da sociedade. Atualmente, essa enfermidade pode ser tratada com ajuda de antibióticos, que também impedem sua transmissão para outras pessoas. Surge, então, uma questão igualmente complicada: quem seria o responsável por fazer essa interpretação? Pode-se pensar em atribui r a responsabilidade à família ou ao Comitê de Bioética do hospital. Entretanto, a família pode ir de encontro aos interesses do paciente e apresentar posição tendenciosa. Sem embargo, o Comitê de Bioética pode agir injustamente e causar desconforto familiar. Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna • Como já dito, a DAV, no Brasil, não se aplica aos casos de recusa a tratamento quando não se trate de paciente em estado terminal. • Nesse contexto, merece especial envolvendo transfusão de sangue. atenção as questões • O exemplo emblemático que se tem atualmente é o dos seguidores da religião de Testemunhas de Jeová que se recusam a receber transfusão de sangue com base na interpretação de alguns trechos bíblicos e por entenderem que o sangue é sagrado. • A seita Christian Science (Church of Christ Scientist) foi fundada em Boston, em 1879, por Mary Baker Eddy e também não admite a transfusão de sangue com base da objeção de consciência. Os aspectos da objeção dessa seita são ainda mais extensos, pois acreditam que os males podem ser curados pela oração. • A pergunta que se faz é, seria possível alguém se recusar, com risco de morte, determinado tratamento médico? • Ao estudarmos a questão anteriormente, demos a ela resposta positiva. • Entretanto, algumas cautelas devem ser ressaltadas e os casos devem ser analisados sob prismas diferentes, a depender da situação do paciente: (a) negativa por pacientes capazes no momento em que exprime tal negativa; (b) negativa expressa por representantes legais ou familiares de pacientes incapazes. • Negativa por Pacientes Capazes Em se tratando de negativa exposta por paciente capaz, sua vontade deve ser respeitada. “Nos contextos médicos, essa autonomia está frequentemente em jogo. Por exemplo, uma Testemunha de Jeová pode recusar-se a receber uma transfusão de sangue necessária para salvar-lhe a vida, pois as transfusões ofendem suas convicções religiosas. Uma paciente cuja vida só pode ser salva se suas pernas forem amputadas, mas que prefere morrer logo a viver sem as pernas, pode recusar-se a fazer a operação. Em geral, o direito norteamericano reconhece o direito de um paciente à autonomia em circunstância desse tipo.” (Ronald Dworkin). • Negativa por Pacientes Capazes “Em tais situações a questão jurídica é em princípio clara. Não haverá punibilidade, porque não é permitido tratar um paciente contra a sua vontade. [...] A vontade do paciente é decisiva, mesmo nos casos em que um juízo objetivo a considere errônea, ou que seja irresponsável aos olhos de muitos observadores. Também quando a mãe de quatro filhos proíbe aos médicos, por motivos religiosos, que lhe ministrem uma transfusão de sangue que lhe salvaria a vida – este caso realmente ocorreu – devem os médicos curvarse e deixar a mulher morrer.” (Claus Roxin) • Negativa por Pacientes Capazes “É legítima a recusa de tratamento que envolva a transfusão de sangue, por parte das testemunhas de Jeová. Tal decisão funda-se no exercício de liberdade religiosa, direito fundamental emanado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito de fazer suas escolhas existenciais. Prevalece, assim, nesse caso, a dignidade como expressão da autonomia privada, não sendo permitido ao Estado impor procedimento médico recusado pelo paciente. Em nome do direito à saúde ou do direito à vida, o Poder Público não pode destituir o indivíduo de uma liberdade básica, por ele compreendida como expressão de sua dignidade.” (Luís Roberto Barroso). • Negativa por Pacientes Capazes • Decisões no direito comparado Estados Unidos In Re Estate of Brooks 32 Ill. 2d 361 (1965) Devido a uma úlcera, paciente Testemunha de Jeová solicitou atendimento médico. Por repetidas vezes alertou ao médico de sua negativa em receber tratamento com sangue, inclusive firmando um documento de exoneração da responsabilidade do profissional. O médico, sem informar previamente à paciente, transfundiu sangue. O Tribunal de Apelação do Estado de Illinois afirmou que a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos protege o direito de cada indivíduo à liberdade de sua crença religiosa e seu respectivo exercício. • Negativa por Pacientes Capazes Canadá Mallete v. Schulman Ontario Court of Appeal, 72 O.R 2d 417 (1989) Em consequência de um acidente automobilístico, uma Testemunha de Jeová sofreu graves ferimentos. Na sala de emergência do hospital foi encontrada uma diretriz médica, por ela firmada, de que não aceitaria tratamento médico à base de sangue, mesmo que em situação de emergência. O médico do turno, de forma deliberada, ignorou tal manifestação de vontade, transfundindo sangue no paciente. A filha adulta da paciente havia objetado energicamente a tal transfusão de sangue, mas mesmo assim o médico não se furtou de fazê-la. • Negativa por Pacientes Capazes Canadá “Um adulto capaz geralmente tem o direito de recusar um tratamento específico ou qualquer tratamento, ou de selecionar uma forma alternativa de tratamento, ainda que essa decisão possa acarretar consigo riscos tão sérios como a morte ou possa parecer equivocada aos olhos da profissão médica ou da comunidade. Independentemente da opinião do médico, é o paciente quem tem a palavra final quanto a submeter-se a tratamento.”. • Negativa por Pacientes Capazes Chile No ano de 1996, foi rejeitado o Recurso de Protección Rol nº. 805-96 na Corte de Apelações de Santiago. Com o recurso, o Hospital San José pretendia transfundir sangue contra a vontade do paciente, com o argumento que a vida era um bem superior. Ficou decidido de maneira sucinta, mas profunda, que “ninguém pode ser forçado a defender seu próprio direito”. • Negativa por Pacientes Capazes Argentina Caso Galacher (CNCiv. Sala G, 11.08.95 ED 154-655, Buenos Aires) Tratava-se do caso de uma mulher adulta, de 30 anos de idade, seguidora da religião Testemunha de Jeová, que sofria da enfermidade de leucemia aguda. Possuía filhos pequenos. Com a concordância expressa do cônjuge, opunha-se a receber uma transfusão de sangue indicada pelos médicos. O “Fiscal de Cámara”, sustentou que o Estado Federal sempre reverenciou o “fenômeno religioso”; destacou, ainda, que a Sra. Gallacher possuía vontade real e lúcida, além do desejo de continuar vivendo, mas não à custa dos sacrifício de suas convicções religiosas. O Tribunal priorizou na sua decisão a objeção de consciência, afirmando que o direito de decidir a forma pela qual se possa morrer é um direito personalíssimo. • Negativa por Pacientes Capazes • “A decisão recorrida deferiu a realização de transfusão sanguínea contra a vontade expressa da agravante, a fim de preservar-lhe a vida. A postulante é pessoa capaz, está lúcida e desde o primeiro momento em que buscou atendimento médico dispôs, expressamente, a respeito de sua discordância com tratamentos que violem suas convicções religiosas, especialmente a transfusão de sangue. Impossibilidade de ser a recorrente submetida a tratamento médico com o qual não concorda e que para ser procedido necessita do uso de força policial. Tratamento médico que, embora pretenda a preservação da vida, dela retira a dignidade proveniente da crença religiosa, podendo tornar a existência restante sem sentido. Livre arbítrio. Inexistência do direito estatal de ‘salvar a pessoa dela própria’ quando sua escolha não implica violação de direitos sociais ou de terceiros. Proteção do direito de escolha, direito calcado na preservação da dignidade, para que a agravante somente seja submetida a tratamento médico compatível com suas crenças religiosas.” (TJ/RS, AI 70032799041, j. 06/05/2010) • Negativa por Pacientes Incapazes Art. 7º da DUBDH. Em conformidade com a legislação, proteção especial deve ser dada a indivíduos sem a capacidade para fornecer consentimento. Menores de Idade “Art. 12 da Convenção Sobre os Direitos da Criança e do Adolescente. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e da maturidade da criança.” • Negativa por Pacientes Incapazes Art. 15 do ECA. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. Art. 16 do ECA. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso; Doutrina no “menor amadurecido” (mature minor doctrine), do direito anglo-americano. Aos adolescentes maiores de 16 anos, deve-se aceitar a recusa, sem maiores considerações. Àqueles entre 12 e 16 anos, seria necessário analisar as condições psicológicas a fim de se verificar se se trata de um “menor amadurecido”. • Negativa por Pacientes Incapazes Pole v. Region 2 Hospital Corporation, 1994 CanLII 4470 (NB CA) “Em declarações juramentadas anexadas à petição, tanto a Dra. Scully como o Dr. Dolan dispuseram que [J.] estava cônscio de seu quadro clínico, do tratamento deste e da possibilidade mui real de que sua recusa de aceitar sangue ou hemoderivados lhe pudesse ser fatal. Todavia, ambos acharam que [J.] era suficientemente amadurecido para entender as consequências de sua recusa de receber transfusões. [...] No Canadá, o Direito Comum reconhece a doutrina do menor amadurecido, a saber, de um que é capaz de entender a natureza e as consequências do tratamento proposto. Assim sendo, o menor, se amadurecido, tem deveras a capacidade jurídica de dar consentimento para seu próprio tratamento médico.”. Esta tese não encontra respaldo na doutrina ou jurisprudência esmagadoramente majoritária do Brasil. “...se deve realizar a transfusão de sangue nas situações em que não seja possível obter ou confirmar a recusa personalíssima, expressa e informada do paciente, mesmo contra a vontade de familiares ou amigos” (Luís Roberto Barroso). “Mesmo no caso de pacientes que estejam, temporária ou permanentemente, impossibilitados de manifestar sua vontade, no que se incluem os pacientes menores, por isso incapazes, o médico também tem a obrigação de ministrar o tratamento, até mesmo porque nem sempre é possível obter a anuência do responsável legal.” (Pablo Stolze e Pamplona Filho) “...A menor autora não detém capacidade civil para expressar sua vontade. A menor não possui consciência suficiente das implicações e da gravidade da situação pata decidir conforme sua vontade. Esta é substituída pela de seus pais que recusam o tratamento consistente em transfusões de sangue. Os pais podem ter sua vontade substituída em prol de interesses maiores, principalmente em se tratando do próprio direito à vida. A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no princípio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada à preservar à saúde da autora: é necessária porque em face do risco de vida a transfusão de sangue torna-se exigível e, por fim ponderando-se entre vida e liberdade de crença, pesa mais o direito à vida, principalmente em se tratando não da vida de filha menor impúbere. Em consequência, somente se admite a prescrição de medicamentos alternativos enquanto não houver urgência ou real perigo de morte” (TRF/4, AC 155 RS, DJ 01/11/2006). “Em se tratando de menor, é uníssona no sentido de que cabe ao Poder Judiciário substituir a vontade dos pais e autorizar o tratamento médico até que o paciente tenha capacidade de decidir por si.” (TJ/RS, AI 70032799041, j. 06/05/2010) Paciente Capaz Vontade deve ser respeitada Autonomia expressa de forma legítima Paciente Incapaz O médico pode realizar o tratamento Autonomia não pode ser expressa de forma legítima Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna • Os avanços tecnológicos dos últimos anos trouxeram um fato novo e curioso no campo científico. Hoje a medicina possui um grande poder de intervenção sobre a vida e morte das pessoas. A morte faz parte da vida e da existência de todos os seres humanos e, mesmo assim, as pessoas de um modo geral não estão preparadas a enfrentá-la, seja pela cultura, religião, filosofia, ou qualquer outro aspecto do conhecimento humano. Pensar na finitude da vida é um dos aspectos mais delicados da sociedade. • Estudos realizados nas últimas décadas apontam que mais de 80% dos cidadãos norte-americanos morrem em hospitais, índice que tem crescido significativamente ao longo dos anos (President’s Commission for the Study of Ethical Problems in Medicine and Biomedical Research). • Em nível nacional, estima-se que 40% dos leitos do país estão ocupados por pacientes terminais (CRM/BA). • Em decorrência dessas premissas cabe levantar o questionamento sobre o que é obrigatório, opcional ou indevido proporcionar ao paciente, postura essa que, “acorde com as novas metas da medicina atual, assume o dever do cuidado quando o doente encontra-se em caso de irreversibilidade” (The Hastings Center). • O debate acerca da questão não é novo. • Os espartanos arremessavam os idosos e recém-nascidos deformados do alto do Monte Taijeto. • Em Atenas, o Senado determinava a eliminação de anciãos doentes, ministrando-lhes veneno. • Na Índia, lançavam ao Ganges os incuráveis, mas antes vedavam-lhes a boca e a narina com lama sagrada. • Os povos nômades das regiões rurais da América do Sul, para evitar que ancião, ou enfermo sofresse ataque de animais, matavam-no. • O assunto tem sido alvo de amplo debate na sociedade e até no cinema. • Pode-se apresentar como exemplos o filme “Uma Prova de Amor” (My Sister´s Keeper), 2009, baseado no romance de Jodi Picoult, que aborda questões polêmicas como direito ao próprio corpo, manipulação genética de embriões, eutanásia, dentre outros. • O filme “Mar Adentro” (Mar Adentro), 2004, baseado em fatos reais. O filme aborda o drama vivido por Ramon Sampedro, um espanhol tetraplégico que solicitou a justiça espanhola o direito de morrer que não foi concedido. Com o auxílio de alguns amigos planejou a sua morte de maneira a não incriminar os mesmos. Ele gravou um vídeo de seus últimos minutos que teve repercussão mundial. Uma das amigas de Ramón Sampedro foi incriminada pela polícia como sendo a responsável pelo homicídio. Um movimento internacional de pessoas enviou cartas “confessando o mesmo crime”. A justiça, alegando impossibilidade de levantar todas as evidências, acabou arquivando o processo. • Também o filme “Dr. Morte” (You Don’t know Jack), 2009, que conta a história do Dr. Jack Kervokian, conhecido como “Dr. Morte”, por ter participado e auxiliado mais de 130 doentes terminais a cometerem suicídio, sendo que um deles foi filmado e transmitido pela TV. • Vários são os exemplos do tratamento dispensado à morte, em diversas épocas e culturas da humanidade. • “É possível ao paciente ser o sujeito do processo médico-hospitalar que comumente precede o fim da vida?” (Joaquim Clotet). • As discussões atuais por meio de instrumentos jurídicos vêm defendendo que seja valorizado o consentimento de pacientes que possuem autonomia reduzida, caso dos pacientes terminais, de modo que estes documentos façam valer a vontade deste paciente e que esta prevaleça em situações futuras – exemplo disso é a DAV. • A dignidade da pessoa humana traz em seu bojo a proteção no que tange a qualquer ato de cunho degradante ou desumano. • A manutenção de uma vida moribunda, contra a vontade do paciente, pode configurar tratamento desumano e degradante. • A morte deve ser idealizada como uma fase da vida. Ao se entender pela proteção da dignidade da morte, visualiza-se a necessidade de atribuir a esse fenômeno fúnebre um caráter mais humano. Como consequência desse processo, deve ser repensado o papel do médico nos casos de terminalidade, o qual deve ser o de ajudar o paciente, aliando os protocolos médicos às convicções pessoais do paciente com o intuito de tornar tal experiência o menos dolorosa possível. • Em suma, a vida digna possui proteção constitucional, que, através de interpretação extensiva e sistemática, abarca a morte digna. • Entende-se, assim, a morte como uma fase da vida. Sendo assim, há a clara aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana, protegendo e humanizando este momento derradeiro. • Aqui , o papel do médico é fundamental e ativo, devendo ele aliviar o sofrimento e a angústia do paciente, propiciando dignidade a este momento e respeitando as disposições finais do paciente contidas em sua DAV. “O filósofo do século XIX John Stuart Mill argumentou que os indivíduos são, em última análise, os melhores juízes e guardiões de seus próprios interesses. Assim, em um exemplo famoso, ele disse que, se você vir pessoas prestes a atravessar uma ponte você sabe que é insegura, você pode detê-los à força, a fim de informá-los sobre o risco da ponte entrar em colapso, mas, se eles decidirem continuar, você deve ficar de lado e deixá-los cruzar, porque só eles sabem a importância para eles de cruzar a ponte e só eles sabem como equilibrar isso contra a possível perda de suas vidas. [...] Qualquer pessoa que valoriza a liberdade individual deve concordar com Mill que a pessoa cuja quem a vida pertence deve ser a única a decidir se que a vida vale a pena continuar. Se uma pessoa com capacidades intactas para julgamento chega à conclusão de que o seu futuro é tão nebuloso que seria melhor morrer do que continuar a viver, a razão de costume contra matar – que priva o ser morto dos bens que a vida vai trazer – se transforma em seu oposto: uma razão para aderir ao pedido da pessoa.” (Peter Singer) “Três condutas são admissíveis frente a pacientes terminais: 1) adiar o processo do morrer sob terapêutica obstinada e uso excessivo de drogas e aparelhos, ou seja, a prática da distanásia; 2) abreviar o fim da vida por meio de condutas ativas ou passivas de interrupção da vida, prática conhecida como eutanásia; 3) fomentar o uso de cuidados paliativos a fim de aliviar o sofrimento deste paciente, abrindo mão de mecanismos que pretendam prolongar de maneira artificial e desproporcional o processo de morte, medida conhecida como ortotanásia, aceitando, portanto, a condição da morte humana.” (Maria Elisa Villas-Bôas). • Eutanásia Etimologicamente, significa “boa morte”. Vem do grego eu (eu, bem) e thanatos (thanatos, morte). O termo foi usado pela primeira vez no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon. Todavia, hoje o termo eutanásia é utilizado com outro significado, como ato de provocar a morte de alguém em sofrimento. “Por eutanásia entende-se a ajuda que é prestada a uma pessoa gravemente doente, a seu pedido ou pelo menos em consideração à sua vontade presumida, no intuito de lhe possibilitar uma morte compatível com a sua concepção de dignidade humana” (Claus Roxin) • Eutanásia Se divide em duas categorias: Ativa Quando se provoca a morte mediante drogas ou outros meios letais. Passiva Eliminação dos meios que prolonguem a vida. “A eutanásia ativa será aquela em que o evento morte é resultado de uma ação direta do médico ou de interposta pessoa, como, por exemplo, o ator de ministrar doses letais de drogas ao paciente. A eutanásia passiva, ao contrário, é uma conduta omissiva, em que há a supressão ou interrupção dos cuidados médicos que oferecem um suporte indispensável à manutenção vital.” (Luciano de Freitas Santoro) • Distanásia “Pela distanásia, também designada obstinação terapêutica (L’acharnement thérapeutique) ou futilidade médica (medical futility), tudo deve ser feito mesmo que cause sofrimento atroz ao paciente. Isso porque a distanásia é a morte lenta e com muito sofriemento. Trata-se do prolongamento exagerado da morte de um doente terminal ou tratamento inútil.” (Maria Helena Diniz). A distanásia consiste no prolongamento artificial do processo de morte, muitas vezes implicando sofrimento para o paciente, ainda que sabendo que no estado atual da ciência não é possível a sua cura ou sequer a melhoria do seu estado de saúde. A isto se chama obstinação terapêutica. Tem sido fomentada pelos constantes avanços tecnológicos. Não é hoje incomum que o corpo humano permaneça anos a fio ligado a uma máquina que lhe mantém artificialmente as funções vitais. • Ortotanásia Provem do grego orthos (orthos, direito, normal, correto) e thanatos (thanatos, morte) Também é chamada de limitação médico-terapêutica. Consiste em não proporcionar ou afastar recursos terapêuticos considerados não proporcionais ou excessivos, reduzindo o uso de recursos que apenas prolonguem o processo de morte quando nada mais pode ser feito em prol da cura do paciente “A ortotanásia é o oposto da distanásia, ou seja, refere-se ao não prolongamento artificial da vida. Deve ser praticado por médico (e apenas por médico) naqueles casos em que o paciente já se encontra no processo natural de morte.” (Vera Lúcia Raposo). • Ortotanásia Não se verifica aqui qualquer colaboração com a morte, mas simplesmente a aceitação do poder limitado da ciência e do próprio ser humano. “A ortotanásia, assim, é o comportamento do médico que frente a uma morte iminente e inevitável, suspende a realização de atos para prolongar a vida do paciente, que o levariam a um tratamento inútil e um sofrimento desnecessário, e passa a emprestar-lhe os cuidados paliativos adequados para que venha a falecer com dignidade.” (Luciano Freitas Santoro). Não há que se falar em encurtamento da vida na ortotanásia, existindo simplesmente o reconhecimento do seu termo efetivo, j á que a morte em si já foi iniciada por razões naturais. • Ortotanásia Não se deve confundir ortotanásia e eutanásia passiva. “Nem todo paciente em uso de suporte artificial de vida é terminal ou não tem indicação da medida. A eutanásia passiva consiste na suspensão ou omissão deliberada de medidas que seriam indicadas naquele caso, enquanto na ortotanásia há omissão ou suspensão de medidas que perderam sua indicação, por resultarem inúteis para aquele indivíduo.” (Maria Elisa Villas-Bôas). • Na eutanásia passiva, omitem-se ou suspendem-se arbitrariamente condutas que ainda eram indicadas e proporcionais, que poderiam beneficiar o paciente. Já as condutas médicas restritivas são lastradas em critérios médicocientíficos de indicação ou não-indicação de uma medida, conforme a sua utilidade para o paciente, optando-se conscienciosamente pela abstenção, quando já não exerce a função que deveria exercer, servindo somente para prolongar artificialmente, sem melhorar a existência terminal. • Holanda • A Holanda foi o primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia ativa em 2001, por meio da Lei de Comprovação da Terminação da Vida a Petição Própria e de Auxílio ao Suicídio (Wet toetsing levensbeëindiging op verzoek en hulp bij zelfdoding, Stb. 2001, 194), embora desde há anos tal prática fosse tolerada no país. • Já em 1984 o Tribunal Supremo havia admitido a hipótese de não sancionar alguns atos de eutanásia, e em 1993 fora aprovada uma lei que, embora não chegasse a descriminalizála, autorizava efetivamente a sua aplicação em casos determinados. • Bélgica O exemplo holandês foi seguido pela vizinha Bélgica, que no ano seguinte admitiu a eutanásia dentro de certas e estritas condições. Em Setembro de 2003 a Bélgica foi o segundo país do mundo a legalizar a eutanásia, com a entrada em vigor da lei relativa à eutanásia (Loi relative a l´euthanasie, du 28 mai 2002). • Estados Unidos O estado de Oregon, nos EUA, foi o primeiro lugar do mundo onde a eutanásia ativa foi legalizada, em 1994, conquanto várias vicissitudes legais e políticas tenham protelado a entrada em vigor de um regime jurídico para 1997. Esta lei autoriza os médicos a prescrever substâncias letais aos pacientes em estado terminal (cuja esperança de vida não ultrapasse os seis meses), se a seu pedido e remetendo também aos próprios pacientes a administração da substância letal. A eutanásia ativa esteve permitida no norte da Austrália, onde o Dr. Philip Nitschke implantou à luz do Rights of the Terminal Ill Act, de 1996, um método de suicídio assistido que permitiu a quatro pessoas porem termo à vida antes do diploma ser revogado pelo Parlamento, um ano depois. Na Suíça está autorizado o auxílio ao suicídio. Uma vez que nos restantes países esta prática é proibida têm sido frequentes os relatos de pacientes em estado terminal que viajam para território suíço, num fenómeno já apelidado de “turismo de morte”. Na Islândia o art. 24 do Patients’ Rights Act permite a “morte digna” do paciente. No Japão, o Tribunal Supremo autorizou o suicídio assistido em situações determinadas em 1995. Na Colômbia foi igualmente o Tribunal Constitucional que em 1997 o reconheceu como um direito dos doentes terminais. Não obstante, volta e meia surgem iniciativas nacionais no sentido de criar um fundamento jurídico para certas práticas relacionadas com o consentimento dos pacientes para atos médicos, o que traz esta questão para a luz da ribalta. Esse é o caso do Brasil, atualmente. • Resolução nº. 1.805/2006 – CFM. • Art. 1º. É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. § 1º. O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. § 2º. A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. § 3º. É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. • Art. 2º. O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. • A Resolução nº. 1.805/2006 – CFM somente permite a prática de ortotanásia, sendo ainda proibida a prática da eutanásia. • Art. 41 do CEM. É vedado ao médico: Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. • Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. • O Ministério Público Federal chegar a contestar judicialmente a Resolução nº. 1.805/2006 – CFM, por entender que ela permitia aos médicos a eutanásia. • Contudo, o próprio MPF, no decorrer da ação, entendeu que não se tratava de eutanásia, e sim de ortotanásia, de forma que mudou seu entendimento e a ação foi por fim julgada improcedente. • Como se vê, a ortotanásia se encontra legitimada pelo ordenamento jurídico-constitucional, enquanto a eutanásia e a distanásia são proibidas por ele. • APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. • 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. • 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. • 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. • 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. • 5. Apelação desprovida. (TJ/RS APC 70054988266, j. 20/11/2013) Eutanásia Distanásia Ortotanásia • • • • Proibida Crime (art. 121 do CP) Violação Ética (art. 41 do CEM) Ilícito Civil Indenizável (art. 186 e 927 do CC) • Proibida • Crime (arts. 121, ou 129 e/ou 146 do CP) • Violação Ética (art. 14 do CEM) • Ilícito Civil Indenizável (art. 186 e 927 do CC) • Permitida pelo ordenamento. • “Nesse contexto, mais relevante do que a alteração da lei penal – alvo de projetos desde 1984, porém com notáveis falhas em seu teor e que somente representaria o esclarecimento da licitude dessas condutas – faz-se mister a uniformização interpretativa de que a conduta do médico que restringe a terapêutica fútil não fere o Direito, pois atua em seu regular exercício profissional de agir em favor do paciente (para se mencionar causa de justificação consignada no Direito positivo), levando-se em conta que o tratamento suspenso já não fazia efeito contra a doença de base nem servia ao conforto do enfermo. A morte que acaso daí decorra não terá sido antecipada nem provocada pelo médico se sua decisão ocorreu dentro dos trâmites profissionais e amparada por avaliações especializadas. Nesse caso, a morte veio a seu tempo, já que a medicina apenas poderia, artificial, dolorosa e precariamente, protelá-la.” (Maria Elisa Villas-Bôas). 1. Bioética e Biodireito 2. Noções Conceituais e Axiológicas 3. Diretrizes Antecipadas de Vontade 4. Situação Normativa e Resolução nº. 1.995/2012 do CFM • 5. Algumas questões Controvertidas • 6. Transfusão de Sangue • 7. Distanásia, Eutanásia e Ortotanásia. • • • • Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna [email protected]
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