Diretrizes Antecipadas de Vontade do Paciente

Transcrição

Diretrizes Antecipadas de Vontade do Paciente
Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna
• Mestrando em Criminal Justice pela California Coast University
• Pós-graduado/Especialista em Direito Constitucional pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
• Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas
(UFAM)
• Ex-advogado (2009 – 2011)
• Agente Técnico – Jurídico do Ministério Público do Estado do
Amazonas (2011 – atual)
• CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0905406400420244
• Critical Thinking in Global Challenges (The University of Edinburgh)
• Introduction to Philosophy (The University of Edinburgh)
• Introduction to International Criminal Law, with Distinction (Case Western
Reserve University)
• The Law of the European Union: An Introduction (Leiden University)
• English Common Law: Structure and Principles, with Distinction (University of
London)
• From the Big Bang to Dark Energy (University of Tokyo)
• 9/11 and its Aftermath – Part I, with Distinction (Duke University)
• International Human Rights Law: Prospects and Challenges, with Distinction
(Duke University)
• Constitutional Law (Yale University)
• Health and Society (Harvard University)
• Introduction to Philosophy: God, Knowledge and Consciousness (MIT)
• Conditions of War and Peace (University of Tokyo)
• Think Again: How to Reason and Argue, with distinction (Duke University)
• Astrobiology and the Search for Extraterrestrial Life (The University of Edinburgh)
• Moralities of Everyday Life (Yale University)
• International Human Rights (Université Catholique de Louvain)
• Curso Avançado de Direito Constitucional (IBDP)
• Argumentação Jurídica Contemporânea (FGV)
• O Direito Fundamental à Liberdade de Consciência e a Impossibilidade de
Imposição de Valores Morais pelo Estado através de Normas Penais. Revista
Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 12, p. 157-179, 2011.
• Normas de Direitos Fundamentais: regras, princípios e proporcionalidade. Revista
Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 13, p. 217-246, 2012.
• “Princípio da Irrelevância Penal do Fato”, Princípio da Insignificância e Crimes
Bagatelares: distinção necessária ou criação inoportuna?. Revista Jurídica do
Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 14, p. 214-259, 2013.
• Direitos Fundamentais na relação profissional da saúde x paciente: direito de
recusa a tratamento. 2013. (Apresentação de Trabalho/Simpósio).
• Texto, Norma e Decisão: Porque não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer
coisa”. Boletim Conteúdo Jurídico, Brasília, n. 300, ano VI, 26 a 31 de mai. 2014.
• Direitos Fundamentais e Competência de Reforma Constitucional: os limites materiais das
emendas à Constituição. São Paulo: Baraúna, 2014.
Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna
• O desenvolvimento científico-tecnológico traz benefícios
inquestionáveis às diversas esferas da saúde humana.
Constantemente somos surpreendidos com as inovações
terapêuticas e possibilidades de intervenção nos processos
da vida humana, a exemplo do prolongamento artificial
da vida.
• Destarte, necessita-se de reflexões bioéticas que objetivem
debater a limitação médico-terapêutica, subsidiada pelo
princípio do respeito à autonomia, de forma a fornecer
mecanismos que garantam a concretização do respeito à
vontade do paciente.
“Bioética seria, em sentido amplo, uma resposta da ética às
novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde,
ocupando-se não só de problemas éticos, provocados pelas
tecnociências biomédicas, mas também a vários aspectos das
pesquisas em seres humanos, como, por exemplo, a
clonagem, mudança de sexo, esterilização, eugenia,
eutanásia, dentre outros.” (Maria Helena Diniz)
“A disciplina que examina e discute os aspectos éticos
relacionados com o desenvolvimento e as aplicações da
biologia e da medicina, indicando os caminhos e os modos
de respeitar os valores da pessoa humana” (Francisco dos
Santos Amaral Neto)
• O termo Bioética foi usado pela primeira vez em 1971,
pelo oncologista e biólogo estadunidense Van Rensselder
Potter, da Universidade de Winsconsin, Madison, em sua
obra Bioethics: Bridge to the Future.
• A Bioética abrange: (a) a macrobioética, que trata de
questões ecológicas, em busca da preservação da vida
humana; e (b) a microbioética, que cuida das relações
entre médico e paciente, instituições de saúde públicas ou
privadas e entre estas instituições e os profissionais da
saúde.
Experiência
com Animais
Bioética
Aquecimento
Global
Experiência
com
Humanos
• Por que a Bioética surgiu?
•
Charles Darwin publica, em 1859, seu estudo
“Sobre a Origem das espécies por meio da Seleção
Natural”.
. Há organismos que se reproduzem.
.Os descendentes herdam as características de
seus progenitores.
. Há variação nas características.
. O ambiente não suporta todos os membros de
uma população.
________________________________________
 Aqueles membros da população com
características menos adaptativas (de acordo
com o ambiente) morrerão.
________________________________________
 Aqueles membros com características mais
adaptativas (de acordo com o ambiente)
prosperarão.
• Por que a Bioética surgiu?
• Hebert Spencer publica, em 1874, seu livro “O
Estudo da Sociologia”, onde defende o uso da
seleção natural na sociedade, criando aquilo que
ficou conhecido como “Darwinismo Social”.
• “Pois se os indignos são ajudados a aumentar,
protegendo-os da mortalidade que sua indignidade
naturalmente implicaria, o efeito é o de produzir,
geração após geração, uma maior indignidade [...].
Fomentar o ‘bom-para-nada’ às custa do bom é uma
crueldade extrema. É um deliberado armazenamento de
misérias para as gerações futuras. Não há maior
maldição para a posteridade do que o de legar-lhes uma
população crescente de imbecis, desocupados e
criminosos. Ajudar o mal a se multiplicar, é, na
verdade, o mesmo que maliciosamente prover para os
nossos descendentes uma multidão de inimigos.”
• Por que a Bioética surgiu?
• Francis Galton, em 1883, publica seu livro
“Investigação sobre as faculdades humanas e seu
desenvolvimento”.
•
Convencido de que era a natureza, não o
ambiente, quem determinava as habilidades
humanas, Galton dedicou sua carreira científica à
melhoria da humanidade por meio de
casamentos seletivos.
•
Galton criou um termo para designar essa nova
ciência: eugenia (bem nascer), que nada mais é
do que a ciência que estuda as possibilidades de
apurar a espécie humana sob o ângulo genético.
•
Havia
grande
preocupação
quanto
à
“degeneração biológica” do país, pois o declínio
na taxa de nascimentos era muito maior nas
classes alta e média do que na classe baixa.
• Por que a Bioética surgiu?
• Para muitos parecia lógico que a qualidade da
população pudesse ser aprimorada por proibição
de uniões indesejáveis e promoção da união de
parceiros bem-nascidos.
•
As propostas de Galton ficaram conhecidas como
“eugenia positiva”. Nos EUA, porém, elas foram
modificadas, na direção da chamada “eugenia
negativa”, de eliminação das futuras gerações de
“geneticamente
incapazes”
–
enfermos,
racialmente indesejados e economicamente
empobrecidos –, por meio de proibição marital,
esterilização compulsória, eutanásia passiva e, em
última análise, extermínio.
•
O líder do movimento eugenista dos EUA foi
Charles Davenport, que dirigia o laboratório de
biologia do Brooklin Institute of Arts and Science, em
Long Island, instalado em Cold Spring Harbor.
• Por que a Bioética surgiu?
• Em 1903, obteve da Carnegie Institution o
estabelecimento de uma Estação Biológica
Experimental no local, onde a eugenia seria
abordada como ciência genuína. O próximo
passo de Davenport foi identificar os que
deveriam ser impedidos de se reproduzir.
•
Em 1909 criou o Eugenics Record Office para
registrar os antecedentes genéticos dos norteamericanos e pressionar por legislação que
permitisse a prevenção obrigatória de linhagens
indesejáveis. Para isso, o grupo concluiu que o
melhor método seria a esterilização, e o estado de
Indiana foi a primeira jurisdição do mundo a
introduzir lei de esterilização coercitiva, logo
seguido por vários outros estados. Desde o início,
porém, o uso de câmaras de gás estava entre as
estratégias discutidas para eliminação daqueles
considerados indignos de viver.
• Por que a Bioética surgiu?
•
O movimento cativou tanto a elite americana
da época que, a partir de 1924, leis que
impunham a esterilização compulsória foram
promulgadas em 27 Estados americanos, para
impedir que determinados grupos tivessem
descendentes.
•
O modo de ação preferido da eugenia
estadunidense foi a esterilização compulsória.
•
Houve também isolamentos – para que os
“débeis mentais”, conceito que nunca foi
explicitado com clareza, não se reproduzissem
– e restrição a casamentos, principalmente
entre brancos e negros, mas a grande vitória
do movimento eugenista dos Estados Unidos
foi conseguir aprovar leis estaduais que
permitiam a médicos esterilizar seus pacientes.
• Por que a Bioética surgiu?
•
Em 1914, havia cerca de 44 instituições
educacionais
oferecendo
“instrução
eugenista”. Havia uma cadeira de Eugenia na
Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Havia outro curso na New York University,
outro na Stanford University, outro no Alma
College e outro no Bates College. Em uma
década, o número cresceria para centenas,
com cerca de 20 mil alunos por ano.
•
Em 1917, estreou o filme The Black Stork (A
Cegonha Negra), que tinha roteiro do repórter
Jack Lait, do Chicago American. O protagonista
era Harry Haiselden, um médico eugenista
que dizia: “A morte é o grande e eterno
desinfetante.”. No filme, um casal, que tem um
filho “imperfeito”, dá autorização para que a
criança deficiente seja morta.
• Por que a Bioética surgiu?
•
Confrontada com a questão, a Suprema Corte
fez o pior, dando sua bênção à eliminação dos
mais fracos. “Em vez de esperar para executar
descendentes degenerados por crimes, a sociedade
deve se prevenir contra aqueles que são
manifestadamente incapazes de procriar sua
espécie.”, disse o Justice Oliver Wendell Homes
Jr. No caso Buck v. Bell 274 U.S. 200 (1927), o
Justice Oliver Homes disse a famosa frase: “Três
gerações de imbecis são o suficiente”, sustentando a
constitucionalidade das Leis de Esterilização
Compulsórias.
•
Entre 1920 e 1960, perto de 70 mil americanos
foram esterilizados compulsoriamente.
• Por que a Bioética surgiu?
• Os esforços americanos para criar uma superraça nórdica chamaram a atenção de Hitler.
• Apesar de a Alemanha ter desenvolvido, ao
longo dos primeiros vinte anos do século XX,
seu próprio conhecimento eugenista, os
adeptos alemães da eugenia ainda seguiam
como modelo os feitos eugenistas americanos,
como os tribunais biológicos, a esterilização
forçada,
a
detenção
dos
socialmente
inadequados, e os debates sobre a eutanásia.
• Enquanto a elite americana descrevia os
socialmente indignos
como “bactérias”,
“vermes”,
“retardados”,
“mestiços”
e
“subumanos”, uma raça superior de nórdicos
era progressivamente considerada a solução
final para os problemas eugenistas do mundo.
• Por que a Bioética surgiu?
• “Enquanto nós evitamos compromissos, os alemães
chamam as coisas pelos devidos nomes. [...] Se Hitler
conseguir realizar sua esterilização no atacado, será
uma demonstração que levará a eugenia mais longe
do que poderiam cem sociedades eugenistas. Se ele
fracassar, o movimento retrocederá a tal ponto que
nem mesmo cem sociedades eugenistas jamais poderão
ressuscitá-lo.”, (Leon Whitney, presidente da
Sociedade Americana de Eugenia).
• “Um dos maiores estadistas e pesquisadores sociais do
mundo.” (idem).
• Por que a Bioética surgiu?
• Mais de um milhão de crianças, dois milhões de
mulheres e três milhões de homens judeus
morreram durante o Holocausto. Uma rede de
mais de 40 mil instalações na Alemanha e nos
territórios ocupados pelos nazistas foi utilizada
para concentrar, manter, explorar e matar
judeus e outras vítimas.
• O assassinato em massa de ciganos e de pessoas
com deficiência deve ser incluído na definição
do termo e alguns usam o substantivo
“holocausto” para descrever outros assassinatos
em massa feitos pelos nazistas, como o
extermínio de prisioneiros de guerra e de
civis soviéticos, poloneses e homossexuais.
• Entre 10 e 11 milhões de civis e prisioneiros de
guerra foram intencionalmente assassinados
pelo regime nazista.
• Por que a Bioética surgiu?
Desastre de Lübeck (1929,
Alemanha)
Um desastre causado pelo BCG
atingiu a cidade alemã de Lübeck.
Durante 1929 e 1930, foi realizado
um teste com vacina BCG em 252
crianças, sem a obtenção do
consentimento de seus responsáveis
para a participação na pesquisa. 72
bebês morreram de tuberculose.
Muitas outras crianças ficaram
doentes
como
resultado
da
vacinação. Descobriu-se mais tarde
que vacina utilizada foi contaminada
com uma cepa da tuberculose
humana que estava sob estudo no
mesmo laboratório.
• Por que a Bioética surgiu?
• “Eles decidem quem vive, quem morre”, artigo de autoria da jornalista
Shana Alexander, publicado na Revista Life, em 1962. Foi contada a
história da criação de um comitê de ética hospitalar em Washington,
nos EUA (Comitê de Admissão e Políticas do Centro Renal de
Seattle).
 O Comitê tinha como meta definir as prioridades para a alocação de
recursos para os pacientes renais. Uma das questões enfrentadas pelo
Comitê foi sobre os critérios de admissão de pacientes renais crônicos
a tratamento de hemodiálise, em razão de que o número desses
pacientes ultrapassava o de máquinas de hemodiálise disponíveis.
• Em 1967, Henry Beecher publica o artigo “Ética e Pesquisa Clínica”,
enfocando 22 pesquisas médicas, subsidiadas por verbas
governamentais e de companhias médicas.
• Por que a Bioética surgiu?
 Nesses artigos, eram relatadas situações de desrespeito aos pacientes que
eram “cidadãos de segunda classe”: internos em hospitais de caridade; adultos
e crianças com deficiências mentais; idosos, pacientes psiquiátricos
institucionalizados, presidiários, recém-nascidos, enfim, pessoas sem
autonomia e sem direito de fazer escolhas.
 Dentre as atrocidades praticadas, cite-se que uma pesquisa exigia a
inoculação intencional de vírus da hepatite em indivíduos institucionalizados
por retardo mental, visando o acompanhamento da etiologia da doença.
Foram injetadas células vivas de câncer em 22 pacientes idosos e senis
hospitalizados, os quais não foram comunicados de que as células eram
cancerígenas.
 Em 1967, Christian Barnard, da África do Sul, transplantou o coração de um
paciente tido pela equipe do médico como “quase morto”, enquanto que o
paciente que recebeu o coração foi diagnosticado como paciente cardíaco
terminal.
• Por que a Bioética surgiu?
“As ideias da bioética surgiram a partir: a) dos
grandes avanços da biologia molecular e da
biotecnologia aplicada à medicina realizados nos
últimos anos; b) da denúncia dos abusos realizados
pela experimentação biomédica em seres humanos; c)
do pluralismo moral reinante nos países de cultura
ocidental; d) da maior aproximação dos filósofos da
moral aos problemas relacionados com a vida
humana, a sua qualidade, o seu início e o seu final; e)
das declarações das instituições religiosas sobre os
mesmos temas; f) das intervenções dos poderes
legislativos como também dos poderes executivos em
questões que envolvem a proteção à vida ou os direitos
dos cidadãos sobre sua saúde, reprodução e morte; e,
g) do posicionamento dos organismos e entidades
internacionais.” (Joaquim Clotet).
• Em 1979, os filósofos James Childress
e Tom Beauchamp escrevem o livro
Principles of biomedical ethics, talvez o
livro mais importante da história da
Bioética.
• No livro, os autores propunham
“analisar sistematicamente os princípios
morais que deveriam ser aplicados à
biomedicina”.
Princípios da Bioética
Beneficência
Autonomia
Consentimento
Informado
Justiça
• Princípio da Beneficência
Art. 2º do Código de Ética Médica (CEM): O alvo de toda a
atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual
deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade
profissional.
As experimentações médicas devem se pautar em fazer o
bem, preservando-se a integridade e o direito à vida do
que a elas são submetidos.
Esse princípio deve ser visto de forma relativa, eis que
mitigado pelo princípio da autonomia.
• Princípio da Autonomia
 Autonomia = auto (auto, por si só) + nomos (nomos, lei,
território)
Na 4ª edição de seu livro, Beauchamp e Childress subdividiram
tal princípio em: (a) autonomia; e (b) respeito a autonomia.
Autonomia  autogoverno do sujeito para tomar decisões
sobre sua vida, integridade e saúde.
Respeito a autonomia  reconhecimento de que ao indivíduo
cabe a tomada de decisão segundo seu plano de vida,
fundamentado em sua crença, aspirações e valores próprios,
mesmo quando estes não coincidem com os dominantes na
sociedade.
• Princípio da Autonomia
“Inicialmente, não podemos esquecer que a visão
tradicional hipocrática sobre a ‘beneficência’ deve ser
encarado num contexto histórico diferente do nosso. De
fato, vivemos numa era em que cada vez mais os direitos
do paciente e do cidadão (e aqui se inclui a autonomia)
vêm ganhando mais destaque na bioética e na ciência
jurídica. Ao contrário do que acontecia na Idade
Média, o médico não mais é encarado como uma
autoridade (de caráter quase que mítica) inquestionável
e autoritária.” (Bruno Marini)
 Reconhece à pessoa o direito de decidir, livre de pressões externas,
sobre a sua submissão a determinada terapia ou tratamento médico;
pode o paciente inclusive rejeitar toda e qualquer espécie de
tratamento. Significa autogovernar-se, fazer escolhas, ter liberdade
para decidir acerca de seu comportamento.
• Princípio do Consentimento Informado (ou Esclarecido ou
Princípio da não maleficência)
Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu
representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser
realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o
termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa
envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza
e as consequências da pesquisa.
Obrigação do médico, antes de qualquer intervenção terápica
ou cirúrgica, esclareça ao paciente os benefícios e riscos
correspondentes, bem como informe acerca de alternativas ao
tratamento proposto, possibilitando, assim, que o doente
escolha o tratamento que reputar mais conveniente.
• Princípio do Consentimento Informado (ou Esclarecido
ou Princípio da não maleficência)
“Mesmo que o acontecimento escape ao controle da mente e do
livre-arbítrio, a pessoa poderá sempre compreendê-lo e tomar
posição frente a ele, ainda que esta compreensão seja o
entendimento da fatalidade àquilo que a sobrepuja. Em que
sentido o paciente tem o direito de decidir? Na relação terapêutica
habitual, o médico detém o privilégio do conhecimento daquilo
que é melhor para o paciente. Ainda assim, a administração de
terapêuticas está, em princípio, sujeita ao acordo do paciente, de
seus familiares e dos eventuais responsáveis. Para obter o
necessário consentimento, o médico transmite ao interessado a
informação pertinente, assegurando-se de que a resposta estará
condicionada ao correto entendimento da informação.”
(Franklin Leopoldo e Silva).
• Princípio da Justiça
Ganha força quando surge a necessidade de
conscientização acerca da distribuição igualitária e geral
dos benefícios e avanços propiciados pelos serviços de
atendimento à saúde.
“Justiça envolve respeitar as diferenças existentes na comunidade,
e ao invés de discriminá-las ou segregá-las, deve-se buscar meios
de compreendê-las e satisfazê-las” (Bruno Marini)
Impõe, p.ex., a obrigação de o Estado possibilitar o
acesso, especialmente na rede pública, de tratamentos
alternativos às transfusões de sangue para os objetores de
consciência.
• As normas e princípios da bioética não são coercitivos. É
necessário que o direito regulamente atitudes lícitas,
definindo seus contornos com base no princípio da
dignidade da pessoa humana, estabelecendo regras e
limites à investigação.
• Daí surge então o Biodireito, que nada mais é do que a
normatização jurídica de permissões de comportamentos
médico-científicos, e de sanções pelo descumprimento
destas normas.
• “Biodireito e bioética são ordens normativas, e, como tais, têm
caráter prescritivo. A distinção, todavia, está na forma de
abordagem e na força cogente.” (Maria de Fátima Freire de Sá
e Bruno Torquato de Oliveira Neves).
Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna
• Caso Karen Ann Quinlan – In Re Quinlan 355 A.2d 647 (NJ. 1976)
 Em Abril de 1975, Karen Ann Quinlan, de 21 anos de idade, por
razões nunca totalmente conhecidas, deixou de ventilar durante dois
longos períodos de tempo. Em consequência da apneia, sofreu lesões
cerebrais irreversíveis, ficando em estado vegetativo persistente.
 A ausência de funções cognitivas privou-a de qualquer tipo de relação
exterior e tornou-a dependente de suporte ventilatório, o que levou o
pai de Karen a pedir ao médico para suspender o suporte de vida e
permitir que a filha morresse.
 Frustrado com a recusa do médico em suspender o suporte de vida,
sob a alegação de que se tal viesse a acontecer seria considerado
homicídio, o Sr. Quinlan recorreu aos tribunais e pediu para ser
nomeado tutor da sua filha de forma a poder legalmente representála.
 Após ser reconhecido como tutor invocou o direito de Karen à
privacidade e à integridade física para interromper o suporte de vida.
• Caso Karen Ann Quinlan – In Re Quinlan 355 A.2d 647 (NJ. 1976)
• O Supremo Tribunal de New Jersey aceitou a petição proposta,
rematando: “O tribunal postulou que Karen, se capaz, seria
constitucionalmente teria o direito de resistir a intervenção médica de suporte a
vida. À luz da incapacidade de Karen, seu amoroso pai deve ser autorizado a
exercer essa liberdade nome da filha. O tribunal repudia quaisquer noções de
assassinato ou interferência indevida no julgamento médico”.
• De acordo com o tribunal, a recusa de tratamento médico não é
considerada homicídio. Possíveis interferências com a ética biomédica
foram repudiadas, uma vez que é reconhecido às pessoas o direito de
decidir sobre cuidados de saúde e, caso no momento sejam incapazes
de se autodeterminar, deverá ser garantida a possibilidade de as
decisões serem tomadas por um representante.
• O caso de Karen Ann Quinlan é significativo porque pela
primeira vez foi abordada a problemática da retirada de suporte
ventilatório em doentes inconscientes.
• O respirador foi retirado em 1976, mas
Karen Ann surpreendeu a todos,
continuando a respirar sem a ajuda de
aparelhos
e
foi
alimentada
artificialmente por mais 9 anos.
• Karen Ann permaneceu em estado
vegetativo até sua morte em 1985,
decorrente
de
complicações
de
pneumonia.
• Caso Nancy Cruzan – Cruzan v. Director, Missouri Department of
Health, 497 U.S. 261 (1990)
Em 1983 Nancy Cruzan ficou gravemente ferida num
acidente de automóvel, que a fez permanecer durante vários
anos em estado vegetativo persistente. Embora ventilasse
espontaneamente, era incapaz de comunicar, bem como de
qualquer tipo de vida em relação e dependia de um tubo para
se alimentar e hidratar pois tinha abolido o reflexo de
deglutição.
Confrontados com o estado da filha os pais de Nancy
apresentaram no tribunal uma petição para que fosse
autorizada a retirada do tubo e a consequente suspensão da
alimentação e da hidratação artificiais. O tribunal
condicionou o diferimento do pedido à prova convincente e
irrefutável de que esse era o desejo de Nancy antes do acidente.
• Caso Nancy Cruzan – Cruzan v. Director, Missouri
Department of Health, 497 U.S. 261 (1990)
Após vários debates judiciais e a demonstração cabal (por
via de testemunho de amigos) da vontade previamente
manifestada por Nancy, a Suprema Corte de Missouri
permitiu a retirada do tubo que a mantinha
artificialmente viva.
O tubo foi retirado no início de dezembro de 1990. Nancy
Cruzan faleceu em 26 de Dezembro de 1990,
aproximadamente duas semanas após a retirada do tubo
de respiração artificial.
• Caso Terri Schiavo – Schiavo-Schindler v. Schiavo, US 11th Circuit, 05-11628
(2005)
 Theresa Marie (Terri) Schindler-Schiavo, teve uma parada cardíaca, em 1990,
talvez devido a perda potássio associada a bulimia.
 Ela permaneceu cinco minutos sem fluxo sanguíneo cerebral. Desde então,
devido a grande lesão cerebral, ficou em estado vegetativo.
 Após longa disputa familiar, judicial e política, teve retirada a sonda que a
alimentava e hidratava, vindo a falecer em 31 de março de 2005.
 O caso teve grande repercussão devido a discordância entre seus familiares na
condução do caso. O esposo desejava que a sonda de alimentação fosse
retirada, enquanto que os pais da paciente, assim como seus irmãos, lutaram
para que a alimentação e hidratação fossem mantidas.
 Por três vezes o marido ganhou na justiça o direito de retirar a sonda. Nas
duas primeiras vezes a autorização foi revertida.
• Ética Hipocrática (Início do Século XX)
Princípio da beneficência
Profissional da saúde assumia a postura de “protetor do
paciente”, justificando-se qualquer medida destinada a
restaurar sua saúde ou prolongar sua vida
Paternalismo: legitimava a intervenção do profissional por
seus próprios critérios, ainda que sem a anuência do
paciente ou contra sua vontade expressa.
• Fim da II Guerra Mundial marca o início da superação do
Paternalismo
Código de Nuremberg (1947)
Regulava as pesquisas com seres humanos
Fundado no princípio da autodeterminação da pessoa
Estabeleceu o consentimento informado como requisito
para a validade ética das experiências médicas
Declaração de Helsinki (Agência Médica Mundial, 1964)
• Fim da II Guerra Mundial marca o início da superação do
Paternalismo
Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina
Assinado por 21 países-membros do Conselho da Europa;
Realizada em 1997, entra em vigor em 1º/12/1999;
Art. 5º. Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser
efectuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu
consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber
previamente a informação adequada quanto ao objectivo e à
natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos.
A pessoa em questão pode, em qualquer momento, revogar
livremente o seu consentimento.
• Fim da II Guerra Mundial marca o início da superação do
Paternalismo
Declaração Universal sobre Bioética e os Direitos Humanos
(2005)
Art. 5º. Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar
decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a
autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para
proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer
autonomia.
Art. 6º, a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e
terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e
esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada.
O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser
retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer
razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito.
• Profunda alteração nos paradigmas da ética médica: o
paternalismo e a beneficência deram lugar à autonomia do
paciente como fundamento da bioética
• Paciente deixa de ser um objeto da prática médica e passa a ser
sujeito de direitos fundamentais
• Reconhecimento da dignidade da pessoa humana
Todas as pessoas tem o direito de realizar autonomamente suas
escolhas existenciais
Cabe ao paciente anuir ou não com determinado exame ou
tratamento; o Profissional da Saúde não pode substituir-se a ele
para tomar essa decisão ou impor qualquer espécie de
procedimento, ainda que fundado em critérios técnicos.
• Nova perspectiva não inverte a equação para sujeitar o
Profissional da Saúde ao paciente: também o profissional
pode se recusar a realizar um procedimento ou a
acompanhar um paciente que se recuse a receber
tratamento
• Preserva-se também o direito do Profissional da Saúde de
se pautar pelos seus padrões éticos em matéria de cuidado
à saúde.
Autonomia
Consentimento
Genuíno
Vontade Livre
Vontade Informada
• Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (Portaria nº 675/2006
do Ministério da Saúde), que disciplina o consentimento ou
recusa de procedimentos, bem como o dever do paciente de
assumir a responsabilidade pela decisão tomada.
• Paradigma paternalista deu lugar à autonomia do paciente, nas
suas relações com o Profissional da Saúde.
• Ao profissional não se reconhece mais autoridade para impor
determinada terapia ou para se substituir ao indivíduo nas
decisões essenciais a respeito de sua integridade física e moral.
• A manifestação de vontade do paciente, no entanto, sobretudo
quando importe recusa de tratamento, deve estar cercada de
um conjunto de cautelas e exigências.
O que o profissional
da saúde deve fazer
quando o paciente,
correndo risco de
morte, se recusa a
receber o tratamento
que poderá curá-lo?
• Deve respeitar a vontade
dele?
• Aplicar o tratamento contra a
vontade do paciente?
• E se o paciente não puder
expressar sua vontade?
• E se o paciente for menor de
idade?
O que fazer nesses
casos?
• Tanto a doutrina jurídica quanto os Tribunais são
vacilantes
• Os profissionais da saúde veem-se acuados diante de tal
situação por carregarem consigo o dever, como
Profissional da Saúdes, de salvaguardar o direito à vida do
paciente.
• O ordenamento jurídico brasileiro dá pistas para a
solução de tais indagações.
• Exemplo de colisão entre direitos fundamentais.
Ocorre a colisão de direitos fundamentais sempre que no
caso concreto for possível se aplicar duas ou mais normas
que possuem consequências jurídicas total ou
parcialmente incompatíveis
Ex.: direito à liberdade de imprensa vs. direito à
privacidade
No caso específico da recusa a tratamentos: direito à vida
e à saúde vs. autodeterminação e liberdade de consciência
Como
resolver
esse
conflito?
O direito
pode
permitir a
recusa ao
tratamento?
E se a pessoa
for incapaz
de
manifestar
sua vontade?
Terceiros
podem
decidir
por ela?
Moldura normativa de Hans
Kelsen?
Discricionariedade de H. L.
A. Hart?
Resposta
jurídica
complexa
Dimensão de peso de
Ronald Dworkin?
Especificidade de Friedrich
Müller?
Liberdades básicas de John
Ralws?
Concordância prática de
Konrad Hesse?
Proporcionalidade de
Robert Alexy?
• A dignidade da pessoa humana tornou-se, ao final da
Segunda Guerra Mundial, um dos grandes consensos
éticos do mundo ocidental.
• Na Constituição brasileira vem inscrita como um dos
fundamentos da República (art. 1º, III).
• Exige que toda pessoa seja tratada como um fim em si
mesma, consoante uma das enunciações do imperativo
categórico kantiano.
• Ninguém existe no mundo para atender os propósitos de
outra pessoa ou para servir a metas coletivas da sociedade.
“O único propósito para o qual o poder pode ser
exercido realmente sobre qualquer membro de uma
comunidade civilizada, contra a sua vontade, é para
evitar danos a outros. Seu próprio bem, seja físico ou
moral, não é garantia suficiente. À força não pode
executar qualquer ato particular porque isso é o
melhor para ele, porque o fará mais feliz, porque as
opiniões dos outros são mais sábias ou corretas. Estas
seriam boas razões para discutir ou argumentar com
ele, para persuadir, para implorar que o faça; mas
não forçar, ameaçar ou castigá-lo por tê-lo feito [...]
A única parte da conduta de qualquer pessoa, pela
qual deve responder perante a sociedade é aquela que
diz respeito os outros. [...] Cada um é guardião
correto de sua saúde [...] A humanidade é que mais
lucra ao permitir que cada um viva como bem lhe
parece, em vez de compelir cada pessoa a viver como
parece ser bom para os demais.” (John Stuart Mill)
• Veda a instrumentalização ou funcionalização de qualquer
indivíduo.
• Responsabilidade de cada um por sua própria vida, pela
determinação de seus valores e objetivos.
• Decisões cruciais na vida de uma pessoa não devem ser
impostas por uma vontade externa a ela.
• Autonomia da vontade: direito de eleger seus projetos
existenciais e de não sofrer discriminações em razão de
sua identidade e de suas escolhas.
Condições
adequadas para o
exercício da
autodeterminação
Capacidade de
Autodeterminação
Dignidade
da Pessoa
Humana
• Autonomia
Capacidade de autodeterminação, o direito de decidir os
rumos da própria vida e de desenvolver livremente a
própria personalidade.
Poder de realizar as escolhas morais relevantes,
assumindo a responsabilidade pelas decisões tomadas.
Decisões sobre a própria vida de uma pessoa, escolhas
existenciais (religião, casamento, ocupações e outras
opções personalíssimas que não violem direitos de
terceiros) não podem ser subtraídas do indivíduo.
• Condições para o Exercício
• Não basta garantir a possibilidade de escolhas livres,
sendo indispensável prover meios adequados para que a
liberdade seja real, e não apenas retórica.
• Para que um ser humano possa traçar e concretizar seus
planos de vida, por eles assumindo responsabilidade, é
necessário que estejam asseguradas mínimas condições
econômicas, educacionais e psicofísicas.
• Evitar que decisões com grave repercussão para o
indivíduo sejam tomadas de forma caprichosa ou
simplesmente desinformada.
• Art. 11 do CC. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos
da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não
podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
• Afirmação peremptória da indisponibilidade parece
imprecisa ou, no mínimo, exige qualificações e exceções.
• A disposição de posições jurídicas subjetivas decorrentes
de direitos fundamentais faz parte, com frequência, do
próprio exercício do direito.
• Cessão do direito de imagem para uma campanha publicitária
• Autolimitação do direito de privacidade por parte das pessoas
que aceitam participar de um reality show
• Tatuar o corpo de alguém contra a
sua vontade representa uma forma
grave de violação à integridade física
e moral (art. 129 do CP)
• Basta o consentimento para que a
conduta se torne socialmente aceita
• A liberdade é a regra e a disposição, em muitos casos, é uma
forma de exercer o direito.
• A ordem jurídica pode, em casos excepcionalíssimos, instituir
restrições expressas para proteger o direito de terceiros, a
ordem pública ou o próprio titular do direito fundamental.
• Não pode fazer é anular integralmente a liberdade pessoal e a
autonomia moral do indivíduo, vivendo sua vida para poupá-lo
do risco.
• O direito à vida é especial. Qualquer flexibilização da sua força
jurídica ou moral é delicada e deve envolver cautelas múltiplas.
• Um dos consensos mínimos que compõem a dignidade nas
sociedades ocidentais é a preservação da vida, tanto como um
direito individual quanto como valor objetivo.
• Criminalizar atos que atentem contra a vida humana faz parte
do receituário básico de qualquer sociedade civilizada.
• O próprio texto constitucional brasileiro contempla a
possibilidade de restrição ao direito à vida, ao admitir a
pena de morte em caso de guerra declarada (art. 5º,
XLVII, “a”).
• Código Penal exclui expressamente a ilicitude da conduta
que ocasione morte de outrem quando o ato é praticado
em estado de necessidade, em legítima defesa (art. 23, I e
II).
• Razoável sustentar que o direito à vida tem um peso
abstrato maior, desfrutando de uma posição preferencial
dentro do sistema constitucional. O direito geral de
liberdade cede o passo, preterido pelos deveres de
proteção do Estado em relação ao próprio titular do
direito e mesmo em relação a terceiros.
• Embora o simples consentimento não seja suficiente para
um ato de disposição do direito à vida por seu titular, é
possível que outros valores ou direitos fundamentais justifiquem
essa decisão.
• O valor objetivo da vida humana deve ser conciliado com
o conjunto de liberdades básicas decorrentes da dignidade
como autonomia.
•O Estado não pode proibir alguém
de praticar esportes radicais, ainda
que o risco seja elevado ao extremo.
•O Estado não pode proibir alguém
de prestar ajuda humanitária em
uma região de guerra.
• Admite-se sem maior controvérsia que a vida seja
colocada em risco pelo próprio indivíduo para que ele
possa levar adiante inúmeras decisões pessoais e realizar
seu próprio projeto de vida.
• O risco de morte é aceito quando seja indissociável do
exercício autônomo da vida, que não pode se converter
em mera subsistência, privada de sentido para o seu
próprio titular.
“...a liberdade de consciência permite ao cidadão que forme seus
próprios juízos, ideias ou opiniões sobre si mesmo, sobre o mundo e
até mesmo sobre os outros seres que lhe circundam. Possibilita, pois,
ao cidadão, a garantia de construir sua própria moral, impondo ao
Estado e aos demais cidadãos o dever de respeitar este juízo de
consciência edificado, seja não intervindo coercitivamente quando
de sua formação [...], seja não tolhendo quaisquer direitos do ser
humano em razão de seus pensamentos.” (VIANNA, Felipe
Augusto Fonseca. O Direito Fundamental à Liberdade de
Consciência e a Impossibilidade de Imposição de Valores
Morais pelo Estado através de Normas Penais. In: Revista
Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 12, n.
1/2, 2011, p. 176)
• A ordem jurídica respeita até mesmo decisões pessoais de
risco que não envolvam escolhas existenciais, a exemplo
da opção de praticar esportes como o alpinismo e o
paraquedismo, ou de desenvolver atuação humanitária
em zonas de guerra. Com mais razão deverá respeitar
escolhas existenciais.
• É legítima a recusa de tratamento por parte do paciente.
Tal decisão funda-se no exercício de autodeterminação, da
dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o
direito de fazer suas escolhas existenciais.
• Além de proteger a capacidade de autodeterminação
moral do indivíduo, a dignidade da pessoa humana exige
que lhe sejam asseguradas condições próprias para a
tomada de decisões
• Requisito essencial para a disposição de um direito
fundamental, que se torna tanto mais relevante quando se
trate da recusa de tratamento, com risco de morte
• Trata-se da validade e da adequação da manifestação de
vontade: o consentimento genuíno.
Sujeito do Consentimento
• O titular do direito fundamental em
questão, que deverá manifestar de maneira
válida e inequívoca a sua vontade
• Vontade válida: civilmente capaz e estar em
condições adequadas de discernimento para
expressá-la
• Vontade inequívoca: personalíssima e
expressa.
Liberdade de
Escolha
• Não deve ter sido produto de
influências externas indevidas, como
induções, pressões ou ameaças
Conhecimento
Compreensão
Consequências
Consentimento
Informado
• Art. 15 do CC. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco
de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
• Art. 17 do Estatuto do Idoso. Ao idoso que esteja no domínio de suas
faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de
saúde que lhe for reputado mais favorável.
• Art. 10 da Lei nº. 9.343/1997. O transplante ou enxerto só se fará com
o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de
espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do
procedimento.
• Art. 6º, a) da DUBDH. Qualquer intervenção médica preventiva,
diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento
prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em
informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser
manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer
momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou
preconceito.
Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna
• A primeira abordagem acerca da declaração prévia de vontade do
paciente terminal, referenciada sob a expressão original “living will”,
fora proposta em 1967 pela Sociedade Americana para a Eutanásia e
caracterizada como documento de cuidados antecipados, pelo qual o
indivíduo poderia registrar seu desejo de interromper as intervenções
médicas de manutenção da vida.
• Em 1969, na cidade de Chicago, Louis Kutner, então advogado, criou
o primeiro testamento vital, lutando pelo direito de os enfermos
terminais terem suas vontades resguardadas no que concerne aos
tratamentos de suporte à vida.
• A declaração prévia de vontade do paciente terminal, mais conhecida
como testamento vital, surgiu como documento legal na California na
década de 70.
• Em 1976, fora aprovado no Estado da California o documento
intitulado “Natural Death Act”, elaborado pela Faculdade de Direito da
Universidade de Yale, que se tornou o primeiro diploma legal a, de
fato, autenticar de forma textual a diretriz antecipada de vontade do
paciente terminal.
• Na California, outro documento, o Guidelines and Directive, fora
elaborado por associações médicas com o intuito de auxiliar os
médicos no uso dos métodos artificiais de prolongamento de vida.
• Outros estados norte-americanos regulamentaram o testamento vital,
em função da aprovação do Natural Death Act.
• Em 1990 foi aprovado o Patient Self-Determination Act (PSDA),
instituindo a primeira lei federal norte-americana a reconhecer
o direito à autodeterminação do paciente.
• O projeto de autoria dos senadores J. C. Danforth e D. P.
Moynihan foi convertido na lei PSDA, aprovada em 1990 pelo
Congresso dos Estados Unidos e efetivada a partir de 1º de
dezembro de 1991.
• “A PSDA reconhece o direito das pessoas à tomada de decisões
referentes ao cuidado da saúde, aí incluídos os direitos de aceitação e
recusa do tratamento, e ao registro por escrito, mediante documento, das
mesmas opções, prevendo uma eventual futura incapacidade para o
livre exercício da própria vontade.” (Joaquim Clotet).
• Em 2012, Portugal publicou a Lei 25, que regula as diretrizes
antecipadas de vontade, sob a forma de testamento vital, e a
nomeação de procurador de cuidados à saúde, e criou o
Registro Nacional de Testamento Vital.
• A Lei nº. 74/1997, da Islândia, nominada de “Patients’ Rights
Act’” é talvez a lei mais avançada sobre direitos do paciente já
feita.
• Seu art. 9º abre exceção ao “princípio do consentimento para o
tratamento” nos casos em que o paciente estiver inconsciente
ou incapacitado de comunicar sua vontade. Inobstante isso, se
preteritamente à impossibilidade de manifestação era
conhecida sua recusa por uma espécie de tratamento, sua
vontade será respeitada.
• Seu surpreendente art. 24 chancela a possibilidade de o
paciente morrer com dignidade, conferindo a ele o direito
de fazer cessar um tratamento na fase terminal.
• Acrescenta, ainda, que se o paciente for mentalmente
enfermo ou estiver impossibilitado fisicamente, o médico
deverá consultar os parentes antes de decidir sobre o fim
ou a continuidade do tratamento.
• Em junho de 2000 o British Medical Journal publicou um
estudo realizado em dois hospitais de Londres, onde 74
de 76 pacientes internados responderam um questionário
aplicado por um entrevistador.
• Tal estudo objetivou determinar o conhecimento de idosos internados
no Reino Unido sobre o testamento vital e a vontade de se manifestarem
sobre suas escolhas de saúde.
• Todos os participantes detinham idade superior a 65 anos e tiveram
pontuação normal no teste mental. Por meio de um estudo de entrevista,
esta investigação concluiu que a grande maioria não desejaria prolongar
a vida por meio do suporte de intervenções médicas quando em estágio
terminal.
• Pelo contrário, preferia o cuidado de saúde que proporcionasse apenas
um conforto e bem-estar – cuidados paliativos – ou, inclusive, a morte,
em contraponto aos tratamentos obstinados que visam à manutenção
da vida.
• Embora muitos dos pesquisados desconhecessem ou apresentassem
insegurança quanto à possibilidade de tomada de decisão mediante
termo prévio de vontade de aceitação ou recusa da terapêutica que
poderia postergar sua vida, grande porcentagem desses idosos
demonstrou interesse em redigir tal termo.
• A época em que vivemos caracteriza-se pelo aumento
exponencial da esperança de vida da população, porém, muitas
vezes sem a devida qualidade.
• Os hospitais estão repletos de pessoas cuja existência está
totalmente dependente do suporte de máquinas, e cuja
existência física nestas condições se pode arrastar durante anos.
Num momento em que a “quantidade de vida” parece quase
assegurada começa a colocar-se o problema da “qualidade de
vida”.
• Muitas vezes esta recusa não pode ser verbalizada pelo próprio,
pelo simples facto de que já nem sequer está em condições de o
fazer. Assim surgem as DAV, como forma de evitar os
resultados nefastos para a autonomia pessoal – e para a
própria dignidade humana – dessa impossibilidade.
• “... o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados
pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não,
receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre
e autonomamente, sua vontade.” (Art. 1º da Resolução nº.
1.995/2012 – CFM).
• As DAV podem assumir duas modalidades, que não se
excluem entre si: (a) se manifesta a vontade que se
pretende fazer valer no futuro num documento escrito
(testamento vital); (b) se delega a manifestação dessa
vontade num procurador especificamente instituído para
esse efeito (o Procurador de Cuidados de Saúde).
“O testamento vital é um documento escrito
no qual uma pessoa dispõe acerca da sua
vontade quanto aos cuidados médicos que
pretende receber ou não receber quando
perca a capacidade de exprimir os seus
desejos, ou se encontrar em tal estado de
incapacidade que não possa decidir por si.”
(Vera Lúcia Raposo)
• “Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se
encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira
livre e independente suas vontades, o médico levará em
consideração suas diretivas antecipadas de vontade.” (Art. 2º da
Resolução nº. 1.995/2012 – CFM)
• O testamento vital pode apresentar um de dois conteúdos
distintos: (a) o testador recusa um tratamento (por
exemplo, recusa de uma cesariana, de quimioterapia, de
transfusões de sangue); ou (b) testador solicita a aplicação
de determinado tratamento, sendo certo que, nesta última
hipótese, se o tratamento não se revelar adequado para
aquele paciente de acordo com o estado atual do
conhecimento científico o médico não está obrigado a
aplicá-lo.
• “O médico deixará de levar em consideração as diretivas
antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua
análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo
Código de Ética Médica.” (Art. 2º, §2º, da Resolução nº.
1.995/2012 – CFM c/c art. 14 do CEM).
• Uma outra modalidade de DAV consiste na nomeação de
um Procurador de Cuidados de Saúde (PCS), através de
um documento que lhe atribui poderes para tomar
decisões em questões relacionadas com a saúde da pessoa
quando esta se encontre incapaz de o fazer.
• Ao invés do testamento vital, no qual a decisão sobre o
tratamento a receber ou não receber é tomada
previamente, a nomeação de um representante permite
que este último interprete a suposta vontade do
representado de acordo com os seus valores e objetivos,
juízo este que o Procurador deverá estar apto a fazer dada
a relação de proximidade existencial que mantém com a
pessoa que representa.
• O testamento vital defronta-se com a dificuldade de abarcar na
sua previsão os múltiplos cenários possíveis nas quais se pode
vir a encontrar o seu titular. Pode bem suceder que o contexto
com o qual o médico se depara seja tão inesperado que o
testador nunca o tenha previsto.
• Esta é uma vantagem da figura do Procurador de Cuidados de
Saúde, pois permite adequar a vontade às múltiplas vicissitudes
da vida real.
• Não é inédita a possibilidade de terceiras pessoas tomarem
decisões em nome do doente. Afinal, é o que acaba por suceder
com os incapazes, caso em que a decisão transita para os seus
representantes legais, em regra os familiares.
• Art. 1.634 do CC. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos
menores: V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil,
e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes
o consentimento.
• Art. 10 da Lei de Transplantes. § 1o Nos casos em que o receptor seja
juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam
a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo
será dado por um de seus pais ou responsáveis legais.
• Art. 17, Parágrafo único do Estatuto do Idoso. Não estando o idoso em
condições de proceder à opção, esta será feita:
I – pelo curador, quando o idoso for interditado;
II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser
contactado em tempo hábil;
III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo
hábil para consulta a curador ou familiar;
IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido,
caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público.
• “Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas
informações serão levadas em consideração pelo médico.” (Art. 2º, §1º, da
Resolução nº. 1.995/2012 – CFM).
• A DAV apenas podem ser celebradas por quem possuir
capacidade jurídica à data da sua feitura, o que significa
que se excluem interditos e incapazes.
• Embora a Resolução nº. 1.995/2012 – CFM não o exija, é
aconselhável registrar as DAV em documento escrito, de
preferência frente a um Tabelião (forma pública). Isto é
obrigatório na legislação lusitana (art. 3º da Lei nº.
25/2012).
• Art. 2º, §3º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM. As diretivas
antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não
médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.
• Em existindo DAV e sendo ela comunicada ao médico, deve
ele obedecer ao desejo do paciente, sob pena de
responsabilidade ética (arts. 22 e 24 do CEM), criminal (art.
146 do CP) e civil (arts. 186 c/c 927 do CC).
• Art. 2º, 53º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM. Não sendo
conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem
havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de
consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da
instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica
do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para
fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta
medida necessária e conveniente.
• Art. 2º, §4º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM. O médico
registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que
lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.
• Caso haja DAV escrita, o médico deve, a fim de trazer
maior segurança aos procedimentos por ele adotados,
anexar cópia da DAV ao prontuário do paciente.
• Caso o paciente tenha constituído PCS, tal informação
também deve constar do prontuário, bem como as
medidas e decisões adotadas pelo PCS.
Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna
• No Brasil, não há lei específica sobre a DAV.
• No entanto, vez que o ordenamento jurídico brasileiro
aceita a recusa a tratamento médico, pode-se dizer que o
procedimento médico está resguardado juridicamente.
• Algumas leis e atos normativos esparsos tratam do
problema, mas apenas quando envolvem pacientes
terminais.
• A Lei 10.245/1999, do estado de São Paulo. afirma ser
direito do paciente “recusar tratamentos dolorosos ou
extraordinários para tentar prolongar a vida”.
• A Resolução nº. 41/1995, do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA),
vinculado ao Ministério da Justiça, em texto elaborado
pela Sociedade Brasileira de Pediatria, garante ao paciente
jovem ou infante “o direito a ter uma morte digna, junto a seus
familiares, quando esgotados todos os recursos terapêuticos
disponíveis”.
• Art. 40, parágrafo único do CEM. Nos casos de doença incurável
e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos
disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas
inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade
expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu
representante legal.
• A Resolução nº. 1.995/2012 – CFM, único ato normativo
que trata especificamente das DAV também somente é
aplicável aos casos de pacientes em estado terminal, como
se vê de seus Consideranda.
“CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos
permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o
sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e
que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo
mesmo;”.
Assim, a Resolução deixa em vácuo normativo todas as
outras situações que poderiam ser objeto das DAV, tais
como a recusa a se submeter a tratamentos que exijam
transfusão de sangue.
Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna
• O consentimento genuíno exige que o consentimento
expressado na recusa seja atual, ou seja, manifestada logo antes
do procedimento.
“A recusa de tratamento plasmada na directiva
antecipada não vincula o médico porque se trata de um
consentimento não actual, logo, ineficaz. O paciente
pode ter entretanto mudado de opinião e quem sabe se
hoje, à beira da morte, não estará disposto a aceitar
aquele tratamento que na altura lhe parecia repugnante.
As directivas antecipadas terão, na melhor das hipóteses,
um valor indiciário quanto à vontade do paciente.”
(Augusto Lopes Cardoso).
• “Um dissenso que siga, e não preceda as informações relativas à caracterização
de um perigo de vida iminente e inevitável de qualquer outra forma, um
dissenso que seja atual e não preventivo, uma recusa ex post, e não ex ante,
na ausência de qualquer consciência da gravidade de suas condições de saúde
atuais” (Corte de Cassação da Itália, Sentença nº. 23676/2008).
• Nem sempre o consentimento tem que ser prestado no
exato momento do ato médico. Veja-se o que sucede com
os doentes inscritos para cirurgias no SUS, em que o
consentimento é prestado muitos meses antes da
realização da cirurgia.
• O consentimento não pode ser visto como um fugaz
momento. Ele mantém-se enquanto não for revogado e,
nesta medida, é sempre atual.
“O consentimento dado neste documento é, e
mantém-se actual, desde que o seu autor não
tenha posteriormente manifestado, por
qualquer meio, a sua vontade de o alterar
ou
revogar.”
(Paulo
Pinto
de
Albuquerque)
• Caso de “mandato duradouro”, i.e., sem prazo determinado.
• Será admissível representação em matéria de consentimento
para intervenções médico-cirúrgicas? Qual a garantia de que o
PCS escolherá aquilo que eu escolheria, se estivesse em
condições de exprimir minha vontade?
• Não seria melhor deixar tais escolhas aos representantes legais
ou familiares?
• Sucede, porém, que as pessoas que nos estão
ligadas
biologicamente não são necessariamente aquelas que
melhor nos conhecem, e podem inclusivamente sufragar
valores totalmente contraditórios com os nossos. Este perigo
está em princípio arredado no caso do PCS, em virtude das
particularidades da sua escolha.
• Quanto à pessoalidade da escolha de submissão a
tratamento, é de se ver que o Direito Civil admite que
atos estritamente pessoais sejam realizados mediante
procuração, o que demonstra que não se trata de questão
estranha ou contrária ao nosso direito.
• Art. 1.542. O casamento pode celebrar-se mediante procuração,
por instrumento público, com poderes especiais.
• Art. 1° da Lei 8560/1992. “O reconhecimento dos filhos havidos
fora do casamento é irrevogável e será feito: II - por escritura
pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório”
• A Resolução nº. 1.995/2012 – CFM não exige a forma
escrita para a DAV.
• Essa omissão da Resolução deve ser criticada, por gerar
extrema insegurança jurídica tanto ao paciente quanto ao
médico.
• As legislações estrangeiras que tratam do tema exigem a
forma escrita, sendo que as legislações espanholas e
portuguesas exigem que a DAV seja feita perante
Tabelião.
• De qualquer modo, considerando o teor da Resolução,
não há outro meio de se chegar à vontade real do
paciente, se não por meio da confiança no que for alegado
pelos que estavam presentes em tal momento.
• Essa, aliás, a tradição de nosso Direito que, como já dito,
nos casos de incapacidade do paciente, deixa ao talante
dos seus familiares ou representantes legais a decisão
acerca dos tratamentos.
• De qualquer sorte, para maior segurança do médico, é de
bom alvitre registrar todo o ocorrido no prontuário do
paciente e, no caso de recusa à submissão ao tratamento,
solicitar que os familiares assinem o prontuário e o Termo
de Consentimento Informado e de Responsabilidade.
• Art. 2º, §3º, da Resolução nº. 1.995/2012 – CFM. As diretivas
antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer
não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.
• O médico, discordando da DAV, pode deixar de obedecêla, já que, segundo a Resolução, ela só prevalece sobre
outro parecer não médico?
• Não! O que susomencionado §3º deve ser interpretado em
conformidade com o §2º do mesmo artigo, que ordena ao
médico deixar de cumprir a DAV que contrarie as normas
do CEM.
• Ou seja, a DAV não prevalece sobre o parecer médico
quanto à deontologia da DAV. O médico deve, p.ex.,
descumprir uma DAV que diga que caso o paciente entre
em estado vegetativo, ele deseja que o médico lhe injete
quantidade mortal de morfina.
• Assim, se o médico deixa de observar a DAV apenas por
discordar da escolha do paciente, não respeitando sua
autonomia validamente manifestada, responderá: (a) por
lesão corporal e constrangimento ilegal (arts. 129 e 146 do
CP) se submeter o paciente a tratamento não desejado; ou
(b) por homicídio (art. 121 do CP) ou omissão de socorro
(art. 135 do CP) se não submeter o paciente a tratamento
por ele desejado (salvo se o tratamento por ele desejado se
mostrar inútil a sua recuperação, segundo a literatura
médica).
• E se após o paciente firmar sua DAV a ciência médica
encontrou novos tratamentos para a enfermidade que
veio a lhe acometer?
• Se o paciente já nomeou procurador , esse ficará
responsável por declarar a submissão ou não do paciente
ao novo tratamento.
• Mas e se paciente não constituiu PCS? O que deve o
médico fazer?
• Como no Brasil não há lei disciplinando tais casos, não
existe resposta segura quanto ao tema.
• É possível fazer a interpretação de três maneiras distintas: (a)
restritiva; (b) a expansiva; e (c) sistemática
Restritiva  a leitura da DAV deve se ater ao que foi escrito e
manifestado, o que acarretaria a aceitação irrestrita de um
tratamento novo. Se o paciente não recusou antecipadamente,
ele não deverá ser privado da possibilidade, logo, deverá se
valer da novidade.
Expansiva  Mesmo não tendo se manifestado expressamente,
o paciente já havia declarado a sua negação aos tratamentos, os
quais incluiriam inclusive os posteriormente descobertos.
Sistemática  Se deve observar, no contexto da DAV, a base
axiológica do paciente e tentar, ao máximo, se aproximar dela.
Ex.: A hanseníase, que afeta a humanidade há pelo menos 4000
anos, foi considerada por muito tempo incurável e os pacientes
atingidos eram forçados a se isolar da sociedade. Atualmente,
essa enfermidade pode ser tratada com ajuda de antibióticos,
que também impedem sua transmissão para outras pessoas.
Surge, então, uma questão igualmente complicada: quem seria
o responsável por fazer essa interpretação?
Pode-se pensar em atribui r a responsabilidade à família ou ao
Comitê de Bioética do hospital.
Entretanto, a família pode ir de encontro aos interesses do
paciente e apresentar posição tendenciosa.
Sem embargo, o Comitê de Bioética pode agir injustamente e
causar desconforto familiar.
Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna
• Como já dito, a DAV, no Brasil, não se aplica aos casos de
recusa a tratamento quando não se trate de paciente em estado
terminal.
• Nesse contexto, merece especial
envolvendo transfusão de sangue.
atenção
as
questões
• O exemplo emblemático que se tem atualmente é o dos
seguidores da religião de Testemunhas de Jeová que se recusam
a receber transfusão de sangue com base na interpretação de
alguns trechos bíblicos e por entenderem que o sangue é
sagrado.
• A seita Christian Science (Church of Christ Scientist) foi fundada
em Boston, em 1879, por Mary Baker Eddy e também não
admite a transfusão de sangue com base da objeção de
consciência. Os aspectos da objeção dessa seita são ainda mais
extensos, pois acreditam que os males podem ser curados pela
oração.
• A pergunta que se faz é, seria possível alguém se recusar,
com risco de morte, determinado tratamento médico?
• Ao estudarmos a questão anteriormente, demos a ela
resposta positiva.
• Entretanto, algumas cautelas devem ser ressaltadas e os
casos devem ser analisados sob prismas diferentes, a
depender da situação do paciente: (a) negativa por
pacientes capazes no momento em que exprime tal
negativa; (b) negativa expressa por representantes legais
ou familiares de pacientes incapazes.
• Negativa por Pacientes Capazes
Em se tratando de negativa exposta por paciente capaz,
sua vontade deve ser respeitada.
“Nos contextos médicos, essa autonomia está
frequentemente em jogo. Por exemplo, uma Testemunha de
Jeová pode recusar-se a receber uma transfusão de sangue
necessária para salvar-lhe a vida, pois as transfusões
ofendem suas convicções religiosas. Uma paciente cuja
vida só pode ser salva se suas pernas forem amputadas,
mas que prefere morrer logo a viver sem as pernas, pode
recusar-se a fazer a operação. Em geral, o direito norteamericano reconhece o direito de um paciente à autonomia
em circunstância desse tipo.” (Ronald Dworkin).
• Negativa por Pacientes Capazes
“Em tais situações a questão jurídica é em
princípio clara. Não haverá punibilidade,
porque não é permitido tratar um paciente
contra a sua vontade. [...] A vontade do
paciente é decisiva, mesmo nos casos em que
um juízo objetivo a considere errônea, ou que
seja irresponsável aos olhos de muitos
observadores. Também quando a mãe de
quatro filhos proíbe aos médicos, por motivos
religiosos, que lhe ministrem uma transfusão
de sangue que lhe salvaria a vida – este caso
realmente ocorreu – devem os médicos curvarse e deixar a mulher morrer.” (Claus Roxin)
• Negativa por Pacientes Capazes
“É legítima a recusa de tratamento que envolva a
transfusão de sangue, por parte das testemunhas de
Jeová. Tal decisão funda-se no exercício de liberdade
religiosa, direito fundamental emanado da dignidade
da pessoa humana, que assegura a todos o direito de
fazer suas escolhas existenciais. Prevalece, assim, nesse
caso, a dignidade como expressão da autonomia
privada, não sendo permitido ao Estado impor
procedimento médico recusado pelo paciente. Em
nome do direito à saúde ou do direito à vida, o Poder
Público não pode destituir o indivíduo de uma
liberdade básica, por ele compreendida como
expressão de sua dignidade.” (Luís Roberto
Barroso).
• Negativa por Pacientes Capazes
• Decisões no direito comparado
Estados Unidos
In Re Estate of Brooks 32 Ill. 2d 361 (1965)
 Devido a uma úlcera, paciente Testemunha de Jeová solicitou
atendimento médico. Por repetidas vezes alertou ao médico de
sua negativa em receber tratamento com sangue, inclusive
firmando um documento de exoneração da responsabilidade
do profissional. O médico, sem informar previamente à
paciente, transfundiu sangue.
 O Tribunal de Apelação do Estado de Illinois afirmou que a
Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos protege
o direito de cada indivíduo à liberdade de sua crença religiosa e
seu respectivo exercício.
• Negativa por Pacientes Capazes
Canadá
 Mallete v. Schulman Ontario Court of Appeal, 72 O.R 2d 417
(1989)
 Em consequência de um acidente automobilístico, uma
Testemunha de Jeová sofreu graves ferimentos. Na sala de
emergência do hospital foi encontrada uma diretriz médica,
por ela firmada, de que não aceitaria tratamento médico à base
de sangue, mesmo que em situação de emergência. O médico
do turno, de forma deliberada, ignorou tal manifestação de
vontade, transfundindo sangue no paciente. A filha adulta da
paciente havia objetado energicamente a tal transfusão de
sangue, mas mesmo assim o médico não se furtou de fazê-la.
• Negativa por Pacientes Capazes
Canadá
 “Um adulto capaz geralmente tem o direito de recusar um
tratamento específico ou qualquer tratamento, ou de selecionar
uma forma alternativa de tratamento, ainda que essa decisão
possa acarretar consigo riscos tão sérios como a morte ou possa
parecer equivocada aos olhos da profissão médica ou da
comunidade. Independentemente da opinião do médico, é o
paciente quem tem a palavra final quanto a submeter-se a
tratamento.”.
• Negativa por Pacientes Capazes
Chile
 No ano de 1996, foi rejeitado o Recurso de Protección Rol nº.
805-96 na Corte de Apelações de Santiago. Com o
recurso, o Hospital San José pretendia transfundir sangue
contra a vontade do paciente, com o argumento que a
vida era um bem superior. Ficou decidido de maneira
sucinta, mas profunda, que “ninguém pode ser forçado a
defender seu próprio direito”.
• Negativa por Pacientes Capazes
 Argentina
 Caso Galacher (CNCiv. Sala G, 11.08.95 ED 154-655, Buenos Aires)
 Tratava-se do caso de uma mulher adulta, de 30 anos de idade,
seguidora da religião Testemunha de Jeová, que sofria da
enfermidade de leucemia aguda. Possuía filhos pequenos. Com a
concordância expressa do cônjuge, opunha-se a receber uma
transfusão de sangue indicada pelos médicos.
 O “Fiscal de Cámara”, sustentou que o Estado Federal sempre
reverenciou o “fenômeno religioso”; destacou, ainda, que a Sra.
Gallacher possuía vontade real e lúcida, além do desejo de continuar
vivendo, mas não à custa dos sacrifício de suas convicções religiosas.
 O Tribunal priorizou na sua decisão a objeção de consciência,
afirmando que o direito de decidir a forma pela qual se possa morrer
é um direito personalíssimo.
• Negativa por Pacientes Capazes
• “A decisão recorrida deferiu a realização de transfusão sanguínea
contra a vontade expressa da agravante, a fim de preservar-lhe a vida.
A postulante é pessoa capaz, está lúcida e desde o primeiro momento em
que buscou atendimento médico dispôs, expressamente, a respeito de sua
discordância com tratamentos que violem suas convicções religiosas,
especialmente a transfusão de sangue. Impossibilidade de ser a
recorrente submetida a tratamento médico com o qual não concorda e
que para ser procedido necessita do uso de força policial. Tratamento
médico que, embora pretenda a preservação da vida, dela retira a
dignidade proveniente da crença religiosa, podendo tornar a existência
restante sem sentido. Livre arbítrio. Inexistência do direito estatal de
‘salvar a pessoa dela própria’ quando sua escolha não implica violação
de direitos sociais ou de terceiros. Proteção do direito de escolha, direito
calcado na preservação da dignidade, para que a agravante somente
seja submetida a tratamento médico compatível com suas crenças
religiosas.” (TJ/RS, AI 70032799041, j. 06/05/2010)
• Negativa por Pacientes Incapazes
Art. 7º da DUBDH. Em conformidade com a legislação,
proteção especial deve ser dada a indivíduos sem a capacidade
para fornecer consentimento.
Menores de Idade
“Art. 12 da Convenção Sobre os Direitos da Criança e do
Adolescente. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver
capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar
suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com
a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões,
em função da idade e da maturidade da criança.”
• Negativa por Pacientes Incapazes
Art. 15 do ECA. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de
desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 16 do ECA. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso;
Doutrina no “menor amadurecido” (mature minor doctrine), do
direito anglo-americano.
Aos adolescentes maiores de 16 anos, deve-se aceitar a recusa,
sem maiores considerações. Àqueles entre 12 e 16 anos, seria
necessário analisar as condições psicológicas a fim de se
verificar se se trata de um “menor amadurecido”.
• Negativa por Pacientes Incapazes
Pole v. Region 2 Hospital Corporation, 1994 CanLII 4470 (NB CA)
 “Em declarações juramentadas anexadas à petição, tanto a Dra. Scully
como o Dr. Dolan dispuseram que [J.] estava cônscio de seu quadro
clínico, do tratamento deste e da possibilidade mui real de que sua
recusa de aceitar sangue ou hemoderivados lhe pudesse ser fatal.
Todavia, ambos acharam que [J.] era suficientemente amadurecido para
entender as consequências de sua recusa de receber transfusões. [...] No
Canadá, o Direito Comum reconhece a doutrina do menor
amadurecido, a saber, de um que é capaz de entender a natureza e as
consequências do tratamento proposto. Assim sendo, o menor, se
amadurecido, tem deveras a capacidade jurídica de dar consentimento
para seu próprio tratamento médico.”.
Esta tese não encontra respaldo na doutrina ou jurisprudência
esmagadoramente majoritária do Brasil.
“...se deve realizar a transfusão de sangue nas situações em que
não seja possível obter ou confirmar a recusa personalíssima,
expressa e informada do paciente, mesmo contra a vontade de
familiares ou amigos” (Luís Roberto Barroso).
“Mesmo no caso de pacientes que estejam,
temporária
ou
permanentemente,
impossibilitados de manifestar sua
vontade, no que se incluem os pacientes
menores, por isso incapazes, o médico
também tem a obrigação de ministrar o
tratamento, até mesmo porque nem sempre
é possível obter a anuência do responsável
legal.” (Pablo Stolze e Pamplona Filho)
“...A menor autora não detém capacidade civil para expressar sua
vontade. A menor não possui consciência suficiente das implicações e da
gravidade da situação pata decidir conforme sua vontade. Esta é
substituída pela de seus pais que recusam o tratamento consistente em
transfusões de sangue. Os pais podem ter sua vontade substituída em
prol de interesses maiores, principalmente em se tratando do próprio
direito à vida. A restrição à liberdade de crença religiosa encontra
amparo no princípio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada à
preservar à saúde da autora: é necessária porque em face do risco de
vida a transfusão de sangue torna-se exigível e, por fim ponderando-se
entre vida e liberdade de crença, pesa mais o direito à vida,
principalmente em se tratando não da vida de filha menor impúbere.
Em consequência, somente se admite a prescrição de medicamentos
alternativos enquanto não houver urgência ou real perigo de morte”
(TRF/4, AC 155 RS, DJ 01/11/2006).
“Em se tratando de menor, é uníssona no sentido de que cabe ao Poder
Judiciário substituir a vontade dos pais e autorizar o tratamento
médico até que o paciente tenha capacidade de decidir por si.” (TJ/RS,
AI 70032799041, j. 06/05/2010)
Paciente Capaz
Vontade
deve
ser
respeitada
Autonomia expressa de
forma legítima
Paciente Incapaz
O médico pode realizar o
tratamento
Autonomia não pode ser
expressa de forma legítima
Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna
• Os avanços tecnológicos dos últimos anos trouxeram um fato
novo e curioso no campo científico. Hoje a medicina possui um
grande poder de intervenção sobre a vida e morte das pessoas.
A morte faz parte da vida e da existência de todos os seres
humanos e, mesmo assim, as pessoas de um modo geral não
estão preparadas a enfrentá-la, seja pela cultura, religião,
filosofia, ou qualquer outro aspecto do conhecimento humano.
Pensar na finitude da vida é um dos aspectos mais delicados da
sociedade.
• Estudos realizados nas últimas décadas apontam que mais de
80% dos cidadãos norte-americanos morrem em hospitais,
índice que tem crescido significativamente ao longo dos anos
(President’s Commission for the Study of Ethical Problems in
Medicine and Biomedical Research).
• Em nível nacional, estima-se que 40% dos leitos do país
estão ocupados por pacientes terminais (CRM/BA).
• Em decorrência dessas premissas cabe levantar o
questionamento sobre o que é obrigatório, opcional ou
indevido proporcionar ao paciente, postura essa que,
“acorde com as novas metas da medicina atual, assume o
dever do cuidado quando o doente encontra-se em caso de
irreversibilidade” (The Hastings Center).
• O debate acerca da questão não é novo.
• Os espartanos arremessavam os idosos e recém-nascidos
deformados do alto do Monte Taijeto.
• Em Atenas, o Senado determinava a eliminação de
anciãos doentes, ministrando-lhes veneno.
• Na Índia, lançavam ao Ganges os incuráveis, mas antes
vedavam-lhes a boca e a narina com lama sagrada.
• Os povos nômades das regiões rurais da América do Sul,
para evitar que ancião, ou enfermo sofresse ataque de
animais, matavam-no.
• O assunto tem sido alvo de amplo debate na sociedade e até no cinema.
• Pode-se apresentar como exemplos o filme “Uma Prova de Amor” (My Sister´s
Keeper), 2009, baseado no romance de Jodi Picoult, que aborda questões
polêmicas como direito ao próprio corpo, manipulação genética de embriões,
eutanásia, dentre outros.
• O filme “Mar Adentro” (Mar Adentro), 2004, baseado em fatos reais. O filme
aborda o drama vivido por Ramon Sampedro, um espanhol tetraplégico que
solicitou a justiça espanhola o direito de morrer que não foi concedido. Com
o auxílio de alguns amigos planejou a sua morte de maneira a não incriminar
os mesmos. Ele gravou um vídeo de seus últimos minutos que teve
repercussão mundial. Uma das amigas de Ramón Sampedro foi incriminada
pela polícia como sendo a responsável pelo homicídio. Um movimento
internacional de pessoas enviou cartas “confessando o mesmo crime”. A
justiça, alegando impossibilidade de levantar todas as evidências, acabou
arquivando o processo.
• Também o filme “Dr. Morte” (You Don’t know Jack), 2009, que conta a história
do Dr. Jack Kervokian, conhecido como “Dr. Morte”, por ter participado e
auxiliado mais de 130 doentes terminais a cometerem suicídio, sendo que um
deles foi filmado e transmitido pela TV.
• Vários são os exemplos do tratamento dispensado à
morte, em diversas épocas e culturas da humanidade.
• “É possível ao paciente ser o sujeito do processo médico-hospitalar
que comumente precede o fim da vida?” (Joaquim Clotet).
• As discussões atuais por meio de instrumentos jurídicos
vêm defendendo que seja valorizado o consentimento de
pacientes que possuem autonomia reduzida, caso dos
pacientes terminais, de modo que estes documentos
façam valer a vontade deste paciente e que esta prevaleça
em situações futuras – exemplo disso é a DAV.
• A dignidade da pessoa humana traz em seu bojo a proteção no
que tange a qualquer ato de cunho degradante ou desumano.
• A manutenção de uma vida moribunda, contra a vontade do
paciente, pode configurar tratamento desumano e degradante.
• A morte deve ser idealizada como uma fase da vida. Ao se
entender pela proteção da dignidade da morte, visualiza-se a
necessidade de atribuir a esse fenômeno fúnebre um caráter
mais humano. Como consequência desse processo, deve ser
repensado o papel do médico nos casos de terminalidade, o
qual deve ser o de ajudar o paciente, aliando os protocolos
médicos às convicções pessoais do paciente com o intuito de
tornar tal experiência o menos dolorosa possível.
• Em suma, a vida digna possui proteção constitucional,
que, através de interpretação extensiva e sistemática,
abarca a morte digna.
• Entende-se, assim, a morte como uma fase da vida. Sendo
assim, há a clara aplicabilidade do princípio da dignidade
da pessoa humana, protegendo e humanizando este
momento derradeiro.
• Aqui , o papel do médico é fundamental e ativo, devendo
ele aliviar o sofrimento e a angústia do paciente,
propiciando dignidade a este momento e respeitando as
disposições finais do paciente contidas em sua DAV.
“O filósofo do século XIX John Stuart Mill argumentou que
os indivíduos são, em última análise, os melhores juízes e
guardiões de seus próprios interesses. Assim, em um exemplo
famoso, ele disse que, se você vir pessoas prestes a atravessar
uma ponte você sabe que é insegura, você pode detê-los à
força, a fim de informá-los sobre o risco da ponte entrar em
colapso, mas, se eles decidirem continuar, você deve ficar de
lado e deixá-los cruzar, porque só eles sabem a importância
para eles de cruzar a ponte e só eles sabem como equilibrar
isso contra a possível perda de suas vidas. [...] Qualquer
pessoa que valoriza a liberdade individual deve concordar
com Mill que a pessoa cuja quem a vida pertence deve ser a
única a decidir se que a vida vale a pena continuar. Se uma
pessoa com capacidades intactas para julgamento chega à
conclusão de que o seu futuro é tão nebuloso que seria melhor
morrer do que continuar a viver, a razão de costume contra
matar – que priva o ser morto dos bens que a vida vai trazer
– se transforma em seu oposto: uma razão para aderir ao
pedido da pessoa.” (Peter Singer)
“Três condutas são admissíveis
frente
a
pacientes terminais: 1) adiar o processo do
morrer sob terapêutica obstinada e uso
excessivo de drogas e aparelhos, ou seja, a prática
da distanásia; 2) abreviar o fim da vida por meio
de condutas ativas ou passivas de interrupção da
vida, prática conhecida como eutanásia; 3)
fomentar o uso de cuidados paliativos a fim
de aliviar o sofrimento deste paciente, abrindo
mão de mecanismos que pretendam prolongar
de maneira artificial e desproporcional o
processo de morte, medida conhecida como
ortotanásia, aceitando, portanto, a condição da
morte humana.” (Maria Elisa Villas-Bôas).
• Eutanásia
Etimologicamente, significa “boa morte”. Vem do grego eu (eu,
bem) e thanatos (thanatos, morte).
O termo foi usado pela primeira vez no século XVII, pelo
filósofo inglês Francis Bacon.
Todavia, hoje o termo eutanásia é utilizado com outro
significado, como ato de provocar a morte de alguém em
sofrimento.
“Por eutanásia entende-se a ajuda que é prestada a uma pessoa
gravemente doente, a seu pedido ou pelo menos em consideração à sua
vontade presumida, no intuito de lhe possibilitar uma morte compatível
com a sua concepção de dignidade humana” (Claus Roxin)
• Eutanásia
Se divide em duas categorias:
Ativa  Quando se provoca a morte mediante drogas ou
outros meios letais.
Passiva  Eliminação dos meios que prolonguem a vida.
“A eutanásia ativa será aquela em que o evento morte é
resultado de uma ação direta do médico ou de interposta
pessoa, como, por exemplo, o ator de ministrar doses letais de
drogas ao paciente. A eutanásia passiva, ao contrário, é uma
conduta omissiva, em que há a supressão ou interrupção dos
cuidados médicos que oferecem um suporte indispensável à
manutenção vital.” (Luciano de Freitas Santoro)
• Distanásia
“Pela distanásia, também designada obstinação terapêutica
(L’acharnement thérapeutique) ou futilidade médica (medical
futility), tudo deve ser feito mesmo que cause sofrimento atroz ao
paciente. Isso porque a distanásia é a morte lenta e com muito
sofriemento. Trata-se do prolongamento exagerado da morte de um
doente terminal ou tratamento inútil.” (Maria Helena Diniz).
A distanásia consiste no prolongamento artificial do processo
de morte, muitas vezes implicando sofrimento para o paciente,
ainda que sabendo que no estado atual da ciência não é
possível a sua cura ou sequer a melhoria do seu estado de
saúde. A isto se chama obstinação terapêutica. Tem sido
fomentada pelos constantes avanços tecnológicos. Não é hoje
incomum que o corpo humano permaneça anos a fio ligado a
uma máquina que lhe mantém artificialmente as funções vitais.
• Ortotanásia
Provem do grego orthos (orthos, direito, normal, correto) e
thanatos (thanatos, morte)
Também é chamada de limitação médico-terapêutica. Consiste
em não proporcionar ou afastar recursos terapêuticos
considerados não proporcionais ou excessivos, reduzindo o
uso de recursos que apenas prolonguem o processo de morte
quando nada mais pode ser feito em prol da cura do paciente
“A ortotanásia é o oposto da distanásia, ou seja, refere-se ao não
prolongamento artificial da vida. Deve ser praticado por médico (e
apenas por médico) naqueles casos em que o paciente já se encontra no
processo natural de morte.” (Vera Lúcia Raposo).
• Ortotanásia
Não se verifica aqui qualquer colaboração com a morte, mas
simplesmente a aceitação do poder limitado da ciência e do
próprio ser humano.
“A ortotanásia, assim, é o comportamento do médico que frente a uma
morte iminente e inevitável, suspende a realização de atos para
prolongar a vida do paciente, que o levariam a um tratamento inútil e
um sofrimento desnecessário, e passa a emprestar-lhe os cuidados
paliativos adequados para que venha a falecer com dignidade.”
(Luciano Freitas Santoro).
Não há que se falar em encurtamento da vida na ortotanásia,
existindo simplesmente o reconhecimento do seu termo
efetivo, j á que a morte em si já foi iniciada por razões naturais.
• Ortotanásia
 Não se deve confundir ortotanásia e eutanásia passiva.
 “Nem todo paciente em uso de suporte artificial de vida é terminal ou não tem
indicação da medida. A eutanásia passiva consiste na suspensão ou omissão
deliberada de medidas que seriam indicadas naquele caso, enquanto na
ortotanásia há omissão ou suspensão de medidas que perderam sua indicação,
por resultarem inúteis para aquele indivíduo.” (Maria Elisa Villas-Bôas).
• Na eutanásia passiva, omitem-se ou suspendem-se
arbitrariamente condutas que ainda eram indicadas e
proporcionais, que poderiam beneficiar o paciente. Já as
condutas médicas restritivas são lastradas em critérios médicocientíficos de indicação ou não-indicação de uma medida,
conforme a sua utilidade para o paciente, optando-se
conscienciosamente pela abstenção, quando já não exerce a
função que deveria exercer, servindo somente para prolongar
artificialmente, sem melhorar a existência terminal.
• Holanda
• A Holanda foi o primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia
ativa em 2001, por meio da Lei de Comprovação da
Terminação da Vida a Petição Própria e de Auxílio ao
Suicídio (Wet toetsing levensbeëindiging op verzoek en hulp bij
zelfdoding, Stb. 2001, 194), embora desde há anos tal prática
fosse tolerada no país.
• Já em 1984 o Tribunal Supremo havia admitido a hipótese de
não sancionar alguns atos de eutanásia, e em 1993 fora
aprovada uma lei que, embora não chegasse a descriminalizála, autorizava efetivamente a sua aplicação em casos
determinados.
• Bélgica
O exemplo holandês foi seguido pela vizinha Bélgica, que no
ano seguinte admitiu a eutanásia dentro de certas e estritas
condições. Em Setembro de 2003 a Bélgica foi o segundo país
do mundo a legalizar a eutanásia, com a entrada em vigor da
lei relativa à eutanásia (Loi relative a l´euthanasie, du 28 mai
2002).
• Estados Unidos
O estado de Oregon, nos EUA, foi o primeiro lugar do mundo
onde a eutanásia ativa foi legalizada, em 1994, conquanto
várias vicissitudes legais e políticas tenham protelado a entrada
em vigor de um regime jurídico para 1997.
Esta lei autoriza os médicos a prescrever substâncias letais aos
pacientes em estado terminal (cuja esperança de vida não
ultrapasse os seis meses), se a seu pedido e remetendo também
aos próprios pacientes a administração da substância letal.
A eutanásia ativa esteve permitida no norte da Austrália, onde
o Dr. Philip Nitschke implantou à luz do Rights of the Terminal Ill
Act, de 1996, um método de suicídio assistido que permitiu a
quatro pessoas porem termo à vida antes do diploma ser
revogado pelo Parlamento, um ano depois.
Na Suíça está autorizado o auxílio ao suicídio. Uma vez que nos
restantes países esta prática é proibida têm sido frequentes os
relatos de pacientes em estado terminal que viajam para
território suíço, num fenómeno já apelidado de “turismo de
morte”.
Na Islândia o art. 24 do Patients’ Rights Act permite a “morte
digna” do paciente.
No Japão, o Tribunal Supremo autorizou o suicídio assistido
em situações determinadas em 1995.
Na Colômbia foi igualmente o Tribunal Constitucional que em
1997 o reconheceu como um direito dos doentes terminais.
Não obstante, volta e meia surgem iniciativas nacionais no
sentido de criar um fundamento jurídico para certas
práticas relacionadas com o consentimento dos pacientes para
atos médicos, o que traz esta questão para a luz da ribalta. Esse
é o caso do Brasil, atualmente.
• Resolução nº. 1.805/2006 – CFM.
• Art. 1º. É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de
enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu
representante legal.
§ 1º. O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu
representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada
situação.
§ 2º. A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no
prontuário.
§ 3º. É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de
solicitar uma segunda opinião médica.
• Art. 2º. O doente continuará a receber todos os cuidados necessários
para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a
assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual,
inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.
• A Resolução nº. 1.805/2006 – CFM somente permite a
prática de ortotanásia, sendo ainda proibida a prática da
eutanásia.
• Art. 41 do CEM. É vedado ao médico: Abreviar a vida do
paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
• Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o
médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem
empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa
do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante
legal.
• O Ministério Público Federal chegar a contestar
judicialmente a Resolução nº. 1.805/2006 – CFM, por
entender que ela permitia aos médicos a eutanásia.
• Contudo, o próprio MPF, no decorrer da ação, entendeu
que não se tratava de eutanásia, e sim de ortotanásia, de
forma que mudou seu entendimento e a ação foi por fim
julgada improcedente.
• Como se vê, a ortotanásia se encontra legitimada pelo
ordenamento
jurídico-constitucional,
enquanto
a
eutanásia e a distanásia são proibidas por ele.
• APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO.
ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL.
• 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo,
conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo
psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode
invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo
que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida.
• 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem
a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou
além do que seria o processo natural.
• 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio
da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com
dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o
dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se
submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na
esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou
intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo
risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal.
• 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de
terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado
testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de
Medicina.
• 5. Apelação desprovida. (TJ/RS APC 70054988266, j. 20/11/2013)
Eutanásia
Distanásia
Ortotanásia
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Proibida
Crime (art. 121 do CP)
Violação Ética (art. 41 do CEM)
Ilícito Civil Indenizável (art. 186 e
927 do CC)
• Proibida
• Crime (arts. 121, ou 129 e/ou 146 do
CP)
• Violação Ética (art. 14 do CEM)
• Ilícito Civil Indenizável (art. 186 e
927 do CC)
• Permitida pelo ordenamento.
• “Nesse contexto, mais relevante do que a alteração da lei penal –
alvo de projetos desde 1984, porém com notáveis falhas em seu
teor e que somente representaria o esclarecimento da licitude
dessas condutas – faz-se mister a uniformização interpretativa de
que a conduta do médico que restringe a terapêutica fútil não fere
o Direito, pois atua em seu regular exercício profissional de
agir em favor do paciente (para se mencionar causa de
justificação consignada no Direito positivo), levando-se em conta
que o tratamento suspenso já não fazia efeito contra a doença de
base nem servia ao conforto do enfermo. A morte que acaso daí
decorra não terá sido antecipada nem provocada pelo médico se
sua decisão ocorreu dentro dos trâmites profissionais e amparada
por avaliações especializadas. Nesse caso, a morte veio a seu
tempo, já que a medicina apenas poderia, artificial, dolorosa e
precariamente, protelá-la.” (Maria Elisa Villas-Bôas).
1. Bioética e Biodireito
2. Noções Conceituais e Axiológicas
3. Diretrizes Antecipadas de Vontade
4. Situação Normativa e Resolução
nº. 1.995/2012 do CFM
• 5. Algumas questões Controvertidas
• 6. Transfusão de Sangue
• 7.
Distanásia,
Eutanásia
e
Ortotanásia.
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Esp. Felipe Augusto Fonseca Vianna
[email protected]

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