Submarinos Alemães na Costa Portuguesa. O Caso do U-35

Transcrição

Submarinos Alemães na Costa Portuguesa. O Caso do U-35
Actas do Colóquio Internacional “A Grande Guerra – Um Século Depois”,
Academia Militar, 2015, pp. 173-191.
Submarinos Alemães
na Costa Portuguesa.
O Caso do U-35
Jorge Russo
Investigador CINAV
[email protected]
CMG Augusto Alves Salgado
Capitão-de-Mar-e-Guerra
Escola Naval
[email protected]
Resumo
Uma das armas que desempenhou um papel importantíssimo no decorrer da 1ª
Guerra Mundial foi a arma submarina, cujo expoente máximo de utilização foi realizado
pela Marinha Imperial Alemã.
Efectivamente, foram os célebres U-Boats os responsáveis por uma percentagem
significativa dos navios afundados durante esse grande conflito mundial, não apenas nas
águas circundantes à Grã-Bretanha, mas em quase todo o Atlântico Norte.
A sua surpreendente eficácia contra navios militares e civis, apanhou desprevenidas e sem grandes respostas as marinhas aliadas, e as contramedidas eficazes
demoraram a chegar.
Pela sua posição geográfica, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, a costa portuguesa era um importante ponto de passagem da navegação aliada, ligando a Inglaterra
e os teatros de operações do Médio Oriente.
Não é, pois, de estranhar que as águas ao largo da costa de Portugal continental
e os arquipélagos da Madeira, Açores e Cabo Verde, tenham sido as zonas de actuação
dessa eficaz arma de guerra.
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Dar uma noção de como os U-Boats operaram, qual o seu impacto na navegação
portuguesa e como a Marinha Portuguesa tentou responder a essa ameaça, é o objectivo
deste breve estudo.
No âmbito da actuação dos submarinos alemães na nossa costa, em particular no
ano de 1917, quando os U-Boats tinham ordem para conduzir uma guerra sem limitações,
é estudado, com maior cuidado, um episódio que ocorreu em Abril desse ano, ao largo
do cabo de Sagres, quando o U-35 afundou quatro navios, praticamente sem qualquer
oposição, muito perto da costa.
A Arma Submarina Alemã
“A Alemanha não necessita de submarinos”
Para qualquer leitor ou estudioso com alguns conhecimentos sobre os dois
grandes conflitos do século XX – estamos naturalmente a referir-nos à Primeira e à
Segunda Guerras Mundiais – estas palavras proferidas pelo Almirante von Tirpitz, em
1901, aos deputados do Reichtag são, no mínimo, surpreendentes1.
Esta falta de interesse por parte do grande almirante devia-se, não só à falta
de fiabilidade dos então submersíveis mas, acima de tudo, à sua falta de autonomia.
Contudo, a rápida evolução que os mesmos tiveram até aos primeiros anos da primeira
década do século XX, levaram a que o ultra conservador Estado-Maior Naval alemão
fosse, progressivamente, aumentando o investimento nesta arma. O seu verdadeiro
valor foi dado a conhecer à Marinha alemã quando, nas manobras navais efectuadas
no ano de 1912, os poucos submarinos que nela participaram, foram responsáveis pelo
maior número de “afundamentos”.
Nas vésperas da Grande Guerra, os submarinos alemães distinguiam-se pelos
motores explosão-injecção (blast-injection) fabricados pela Krupp-MAN – que, para além
de serem mais fiáveis, faziam menos fumo e também permitiam maiores autonomias –,
pelos torpedos de maior calibre (os ingleses eram de 18 polegadas enquanto que os
alemães eram de 19,69) e pelo alcance dos rádios Telefunken instalados (140 milhas em
comparação com as 40 milhas dos equipamentos ingleses).
Apesar dessas qualidades superiores, desde 1910 e até ao início da guerra, os
alemães tiveram sempre menos submarinos ao serviço que os ingleses. Por exemplo,
em 1910 a Royal Navy tinha 56 submarinos ao serviço, contra 6 da Alemanha e, 4 anos
depois, a situação mantinha-se, com 98 e 39, respectivamente2.
Curiosamente, esta situação é em tudo semelhante à que irá ocorrer em 1940,
quando os alemães atacam a França, em que estes últimos tinham uma superioridade
numérica em termos de carros de assalto, mas um conceito de utilização ultrapassado.
Edwyn A. Gray, The killing time. The German U-Boats 1914-1918, London & Sydney, Pan Books Ltd, 1972, p.11.
Edwyn A. Gray, ibidem, pp.17-21.
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Efectivamente, o Almirantado britânico, em 1914, considera os submarinos
como armas defensivas e o próprio Churchill, então Primeiro Lorde do Almirantado,
considerava que, de acordo com as leis internacionais da época, nomeadamente a “prize
warfare” ou “prize regulation”3, os submarinos nunca seriam utilizados para atacar
navios mercantes, pois nenhuma nação “civilizada” iria infringir as leis em vigor.
Este já não era o pensamento alemão, que cedo percebeu da importância do
submarino como arma “ofensiva” e, logo no dia 3 de Setembro, menos de um mês após
a Inglaterra ter declarado guerra, a Royal Navy perdeu o seu primeiro navio, o cruzador
HMS Pathfinder4, torpedeado pelo U-21. No entanto, os próprios alemães apenas
decidiram utilizar os submarinos contra os navios mercantes, quando a frente Ocidental
estagnou e os generais perceberam que a guerra não iria terminar nesse Natal5.
Este novo rumo da guerra submarina foi também impulsionado pelo bloqueio
naval que os ingleses levantaram contra a navegação alemã, ou com destino à Alemanha.
Os submarinos figuravam como a melhor arma para os alemãs atacarem, por sua vez, as
rotas comerciais aliadas6.
A Guerra Submarina
Durante os cinco anos que durou a Primeira Guerra Mundial, a actuação
dos submarinos alemães variou conforme a sorte das armas em terra e as pressões
internacionais, em particular dos Estados Unidos da América.
Assim, houve períodos em que os submarinos apenas foram autorizados a atacar
navios de guerra; houve outros em que também podiam atacar navios civis, desde que
seguissem as regras internacionais e, finalmente, houve períodos em que podiam atacar
indiscriminadamente, que pode ser denominada como “guerra total”.
Estas acções, em termos de zona de actuação, também foram variando ao longo
da guerra, dependendo não só dos factores anteriormente referidos mas, também, da
evolução técnica dos próprios submarinos ao longo dos cinco anos do conflito. Se, no
início, a área de operação limitava-se ao Mar do Norte, no final da guerra os U-Boats
chegaram mesmo a operar na costa oriental dos Estados Unidos da América. Todavia,
não é de estranhar que as águas em redor da Grã-Bretanha contenham o maior número
de navios afundados entre 1914 e 1918.
No entanto, uma das maiores limitações, no que à área de actuação se refere,
prendia-se com o facto das suas bases navais se encontrarem situadas em dois mares
“interiores” – o Báltico e o Mar do Norte. Esta característica geográfica permitiu à Inglaterra
bloquear com alguma facilidade, a passagem dos meios navais alemães para o Atlântico.
“Prize Regulation” estabelecia regras para a atuação militar perante a marinha mercante, em caso de conflito.
Entre muitas outras, definia a salvaguarda das tripulações e o afundamento dos navios mercantes, apenas caso não
pudessem ser apresados ou se transportassem “contrabando de guerra”.
4
Edwyn A. Gray, ibidem, p.30. Curiosamente, os ingleses já tinha afundado o primeiro submarino alemão no dia 9
de Agosto. Idem, pp.26-27.
5
Edwyn A. Gray, ibidem, p.23.
6
Edwyn A. Gray, ibidem, pp.42-43.
3
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Este bloqueio foi efectuado não apenas com o recurso a extensos campos de
minas mas, também, através do emprego de patrulhas de meios navais britânicos,
de superfície e sub-superficie. Tão eficaz foi esse bloqueio que, após a destruição ou
imobilização dos escassos meios de superfície alemães, que se encontravam fora da
Alemanha no momento em que a guerra com a Inglaterra e a França foi declarada, mais
nenhum navio de guerra navegou no Atlântico até 1918.
As excepções foram alguns navios corsários de superfície – ou seja navios
mercantes armados e guarnecidos por elementos da marinha Imperial Alemã – e,
naturalmente, os submarinos – aqueles que conseguiam passar as barreiras aliadas atrás
mencionadas.
É, por essa razão, que o Mar do Norte foi um dos principais palcos da guerra
submarina deste conflito, tendo para isso em muito contribuído os meios operados a
partir dos portos belgas capturados na fase inicial da guerra – Zeebruge e Bruges. Os
U-Boats que operavam a partir destas bases foram responsáveis pelo afundamento
de 2.554 navios mercantes (cerca de 4,5 milhões de toneladas), para além dos navios
militares7.
Não tendo os alemães pontos de apoio no Atlântico à disposição dos seus meios
navais, em particular dos submarinos, estes eram obrigados a fazer uma longa viagem
até às bases no Adriático ou arriscar voltar a passar pelo bloqueio implementado pelos
aliados, no canal da Mancha e entre a Inglaterra e a Noruega. Qualquer uma destas
opções, face às distâncias elevadas que os submarinos tinham que percorrer, levava
quase ao limite da autonomia os U-Boats. Mesmo sabendo que os submarinos alemães
tinham raios de acção muito superiores aos seus congéneres aliados, as nações aliadas,
desde muito cedo no conflito, suspeitaram que algumas nações neutrais lhes davam
apoio logístico8.
Essa realidade, em finais de 1917, face à constante presença de U-Boats na
costa Ocidental da Península Ibérica, levou os aliados a suspeitar que os submarinos
alemães eram reabastecidos a partir da neutral Espanha. Os portos de Cádis e Huelva no
sul e Vigo no norte seriam os portos de partida das embarcações que realizavam esses
abastecimentos9.
Uma opção foi colocar submarinos a operar a partir do Mediterrâneo. Esta ideia
de enviar submarinos alemães para o Mediterrâneo, e aí estabelecer bases de operação
Informação obtida pelos autores durante a Safeguarding the World’s Underwater Cultural Heritage, UNESCO
Scientific Conference on the occasion of the Centenary of World War I, 26-27 June 2014, Bruges, Belgium.
8
Essas suspeitas incluíam também apoios dados por embarcações portuguesas. Sergio Alberto Fontes Rezendes, “A
Grande Guerra nos Açores: memória histórica e património militar”. Ponta Delgada: Universidade dos Açores. 2009.
Dissertação de Mestrado, p.104.
9
Jaime Correia do Inso, A Marinha Portuguesa na Grande Guerra, Lisboa, Edições Culturais da Marinha, 2006, p.56.
Este assunto é abordado nas duas obras a seguir referenciadas e, embora tivessem efetivamente ocorrido situações
de apoio por parte de embarcações de pavilhão espanhol aos submarinos alemães, foram muito poucas aquelas
que os autores conseguiram provar, documentalmente. Lino J. Pazos, Submarinos al acecho. Guerra submarina en
Finisterre, Damaré Ediciónes, imp. Pontevedra, 2008 e José Antonio Tojo Ramallo e Sergio Tojo González, Cazadores
de Barcos. Historia de los submarinos alemanes en las costas de Galicia durante la Primera Guerra Mundial,
Ministerio de Defensa, Madrid, 2008.
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para os U-Boats, não foi uma iniciativa da Alemanha mas, antes, uma resposta a um
pedido do Império Turco que, entretanto, tinha entrado na guerra do lado dos impérios
centrais. Este pedido foi realizado face à presença das importantes forças navais aliadas
na campanha de Gallipoli10.
Importa lembrar que o Mediterrâneo foi, durante a Grande Guerra uma via de
comunicação importantíssima para os aliados, pois era fundamental para manter as
ligações entre a Inglaterra e os diversos teatros de operações no Médio Oriente. Este
espaço foi dividido em diversos segmentos, cuja defesa era da responsabilidade de cada
um dos países aliados – Inglaterra, França e Itália. Esta opção, que não permitia uma
coordenação entre todas as forças, e o facto da navegação mercante utilizar sempre as
mesmas rotas de navegação, fez do Mediterrâneo uma frutuosa zona de actuação dos
submarinos alemães11.
Se os submarinos de menores dimensões puderam ser transportados, separados
por partes, através dos caminhos-de-ferro da Europa continental, os maiores tiveram
que fazer a longa viagem, “sem” bases de apoio, da Alemanha para Cattaro, no atual
Monte Negro. O primeiro submarino a empreender a viagem, por mar, foi o U-21, tendo
partido no dia 25 de Abril de 1915, e a viagem durado 18 dias12.
Para garantir que o submarino tinha combustível para a longa viagem, este terá
sido reabastecido ao largo do cabo Finisterra. Nessa posição, o U-21 efectuou o rendez-vous com o vapor da companhia Hamburgo-Amerika Marzala, tendo os dois navios
entrado no rio Corcubion – ou seja, em águas interiores - de modo a reabastecerem em
águas abrigadas13.
Os sucessos deste submarino e dos outros, que inicialmente seguiram até Agosto
desse mesmo ano de 1915, para as águas do Mediterrâneo e do Mar Negro, levaram
o almirantado alemão a enviar uma nova força, desta vez de submarinos de maiores
dimensões e, naturalmente, maior autonomia14 – os submarinos da classe U-3115.
Este reforço dos meios submarinos a operar no Mediterrâneo levaram a que os
submarinos alemães fossem agrupados em duas esquadrilhas, uma com base em Pola e
outra em Cattaro, ambas no Adriático.
Edwyn A. Gray, ibidem, pp.95-96.
Edwyn A. Gray, ibidem, pp.105-108.
12
Durante a navegação entre Finisterra e Gibraltar, o U-21 demorou quatro dias a navegar à superfície, e, como
se manteve afastado das principais rotas de navegação, fez uma viagem sem qualquer incidente ou percalço. No
Estreito, o submarino alemão também não detectou qualquer patrulha aliada. Lowell Thomas, Raiders of the Deep,
Penzance, Periscope Publishing, reed. 2002, p.59.
13
Edwyn A. Gray, ibidem, pp.95-97.
14
Edwyn A. Gray, ibidem, pp.104-108.
15
Deslocamento 685 tons (sup.) – 971 tons (sub.), comp. 64,7 m, boca 6,32 m, calado 3,56 m, vel. 16,4 nós (sup.) –
9,7 nós (sub.), raio acção 8790 milhas a 8 nós (sup.) – 80 milhas a 5 nós (sub.), 9 torpedos e 6 tubos, uma peça 105
mm no convés, tripulação 35 homens.
10
11
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A Armada prepara-se
Conforme é comummente sabido, apesar de Portugal já ter derramado sangue
devido a balas disparadas por soldados alemães antes de 23 de Março de 1916, data
em que os 72 navios mercantes pertencentes à Alemanha e ao império Austro-Húngaro
foram apresados em diversos portos nacionais16, foi apenas após esta acção que Portugal
entrou, oficialmente, na Grande Guerra17.
Fig 1 – Recolha de um torpedo de exercício no âmbito da preparação dos
meios navais (c.1914).
(AHM-FE-CAVE-JB-GR 2-2200)
Em termos estritamente militares, essa acção, incitada pela Inglaterra, teve
início no ano anterior e foi motivada pelo elevado número de navios aliados que tinham
sido afundados pelos submarinos alemães.
Possivelmente, a situação era de tal modo grave ao longo da costa de Portugal
continental18 que, logo em Junho de 1915, os ingleses pedem que Portugal empregue
os seus meios navais em missões de patrulha e vigilância contra os submarinos alemães.
Alguns autores apresentam outros valores, como é o caso de Luis Fraga que afirma terem sido 76 (Luís Alves de
Fraga, “Os navios alemães – declaração de guerra”, in Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, Portugal e a Grande
Guerra, Verso da História, 2013, p.245). De acordo com os Decretos nos 2236 de 24 de Fevereiro, 2240 de 25 de
Fevereiro, 2243 de 1 de Março, 2251 de 3 de Março, 2257, 2258, 2259 e 2260 de 6 de Março, 2332 de 14 de Abril,
2358 de 29 de Abril e 2496 de Julho todos de 1916, foram 72 navios no total.
17
Para mais pormenores sobre as razões que levaram Portugal a entrar na guerra, do lado dos aliados, ver Nuno
Severiano Teixeira, “Portugal e a Grande Guerra”, in Nuno Severiano Teixeira, coord., Nova História Militar, vol. 4, Rio
de Mouro, Circulo de Leitores, 2004, pp.14-34.
18
Ainda está por fazer um levantamento detalhado do número total de navios aliados ou transportando carga a
favor dos aliados, que foram afundados na nossa costa, mas este pedido é um excelente indício de que a nossa costa
estaria infestada de submarinos alemães e com deficiente patrulhamento.
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Em particular, estas acções tinham como principal objectivo evitar que estes fossem
reabastecidos a partir de Espanha ou mesmo de Portugal19.
Estas missões só não vão ser efectuadas porque o comandante da Divisão naval,
o capitão-de-fragata Leotte do Rego, se recusa a cumpri-la, por a considerar demasiado
ambígua e colocar os navios portugueses em situações de potencial perigo20.
Estranhamente, as acções dos submarinos entre o início da Grande Guerra e a
entrada de Portugal no conflito, foram desprezadas pela Marinha Portuguesa, mesmo
tendo em consideração que, desde 1914, já tinham sido afundados navios lusos pelos
submarinos alemães21.
Efectivamente, só a 29 de Fevereiro de 1916 é que Leotte do Rego propõe e
implementa medidas para a protecção do porto de Lisboa e também dos principais portos
portugueses em Portugal continental, ilhas e colónias. E, é só em Abril desse mesmo ano
que é criada a estrutura responsável pela condução das actividades de protecção desses
portos, a Superintendência do Serviço Naval de Defesa Marítima22.
Sabendo Leotte do Rego como estava a correr a guerra no mar, em termos
internacionais, e sendo ele até um defensor da intervenção de Portugal no conflito,
pode perguntar-se por que razão espera pela entrada na guerra para implementar estas
medidas.
Quando Portugal entrou na guerra, e porque esta já estava a decorrer, o país
não conseguiu adquirir novos meios no estrangeiro, para além de 3 submarinos italianos
que já se encontravam em construção23. Assim, a Marinha Portuguesa vê-se obrigada a
implementar, de um modo apressado, diversas medidas para criar as quase inexistentes
defesas dos portos portugueses.
O facto de Portugal entrar formalmente na guerra apenas em 1916, numa altura em
que já não havia meios de superfície alemães no Atlântico, faz com que a principal ameaça
contra os meios lusos no mar venha a partir dos submarinos alemães. Contra este tipo de
ameaça, a estrutura superior da Marinha cedo se apercebe que estava completamente
obsoleta e não tinha meios materiais, nem humanos, para todas as necessidades.
Assim, uma das primeiras medidas que Portugal toma é requisitar 27 navios e
embarcações civis, cuja tonelagem variava entre as 83 e as 5.574 toneladas24, para tentar
colmatar as necessidades imediatas da Armada.
São vários os rumores indicativos de que, em particular, embarcações de pesca reabasteciam os submarinos
alemães quando passavam ao largo das costas da Península Ibérica, aumentando deste modo, e significativamente,
o seu raio de alcance.
20
Jaime Correia do Inso, ibidem, p.16.
21
Possivelmente, o primeiro navio de pavilhão português afundado no conflito foi o vapor Mira, de 1.633 toneladas,
pertencente aos Transportes Marítimos do Estado, em 24 de Novembro de 1914. No entanto, apenas foi possível
confirmar o lugre Douro, de 248 toneladas, afundado em Abril de 1915. Jaime Correia do Inso, ibidem, p.179.
22
Jaime Correia do Inso, ibidem, pp.30 e 45.
23
António José Telo, “Estratégia naval portuguesa (1916-1918)”, in Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes,
Portugal e a Grande Guerra, Verso da História, 2013, p.250.
24
Estamos neste caso a falar no Pedro Nunes que foi armado como cruzador-auxiliar. Jaime Correia do Inso, ibidem,
pp.40-41.
19
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Em termos de meios humanos, e não tendo havido um aumento dos alunos da
Escola Naval nos anos que imediatamente antecederam a entrada de Portugal na guerra,
foi necessário recorrer a voluntários marítimos, vindos das actividades comerciais
e piscatórias, como também da náutica de recreio. Juntamente com o chamamento
dos militares que se encontravam na Reserva, a Marinha passou a dispor de mais 750
elementos25.
Há submarinos na costa
Perante isto, os poucos meios navais lusos foram apenas distribuídos na defesa
dos portos principais e na escolta de navios, pois a Armada portuguesa não possuía
capacidade, nem sequer defensiva, e muito menos ofensiva, contra a ameaça submarina
ou eventuais outras ameaças.
Por esta razão, não admira que, apesar da distância da costa portuguesa às bases
dos submarinos alemães, estes tenham actuado intensamente e quase impunemente
nas nossas águas, conforme é possível visualizar-se na figura 2, através dos navios
portugueses ali afundados.
Fig 2 – Distribuição dos navios portugueses afundados entre 1914 e 1918
(infografia CFR Bessa Pacheco)
Os ataques dos U-Boats podiam realizar-se, para além das armas tradicionais –
torpedos e peças de artilharia –, com recurso a uma arma de espera – as minas - para a
qual Portugal não estava preparado para enfrentar.
Jaime Correia do Inso, ibidem, pp.38-39.
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Não tendo os meios oceânicos para patrulhar a costa activa e eficazmente,
Portugal é aconselhado a dar prioridade à defesa dos seus portos principais, através
da colocação de barragens compostas por minas e redes, de modo a evitar que os
submarinos entrassem dentro dos portos. Simultaneamente, era preciso evitar que os
submarinos alemães colocassem minas nos nossos portos26, o que impediria o país de se
reabastecer e de manter o contacto com as colónias.
Estas medidas são propostas pelo almirante inglês William de Sallis que se
desloca a Portugal como conselheiro da Royal Navy. Contudo, como a Inglaterra
não consegue disponibilizar os meios materiais necessários para implementar essas
medidas, acabam por ser os franceses a fazê-lo. Esta ainda é dada em troca da utilização
dos portos portugueses como bases de apoio aos meios franceses, para patrulharem a
nossa costa. Para a França era fundamental manter aberta a rota entre o Mediterrâneo
e o canal da Mancha.
Neste âmbito, e em contrapartida por essas facilidades, a França fornece a
Portugal diverso material para a defesa das barras de Lisboa e de Leixões, nomeadamente
torpedos para as instalações em terra; minas; equipamento para a rocega e material
para as barragens27.
Estas preocupações acabam por ser justificadas, pois a costa de Portugal
continental foi, durante os anos do conflito, alvo de diversas acções de minagem por
parte dos submarinos alemães, sendo as aproximações à barra de Lisboa a mais minada.
No final da guerra, os ingleses que vieram auxiliar Portugal nas acções de desminagem
da nossa costa, tinham informações que indicavam a existência de mais de 100 minas
colocadas pelos alemães, para além de outras ao longo da costa.
Apesar de toda a improvisação de meios, os alemães não conseguiram fechar
nenhum porto português entre 1916 e 1918, e os canais principais de aproximação aos
portos estavam todos limpos no final da guerra. Só em Lisboa, os improvisados caça-minas portugueses tinham rocegado quase meia centena de minas, a primeira logo em
Março de 1916.
Contudo, esta perigosa actividade vitimou, desta vez, o caça-minas Roberto
Ivens, cujo afundamento em 26 de Julho de 1917, a 12 milhas a Sul de Cascais, provocou
15 mortos de um total de 22, incluindo o comandante28.
Entretanto, no mar os navios lusos sem qualquer equipamento específico para
a luta anti-submarina, fizeram uso das poucas contra-medidas que podiam utilizar,
Logo após o início da entrada de Portugal na guerra, a contra-espionagem britânica informou que os alemães
tencionavam minar a entrada do Tejo. Efectivamente poucas semanas depois, mais precisamente no dia 17 de Abril
de 1916, afunda-se perto de Cascais o cargueiro Norueguês Terje Viken, vapor de 3.580 toneladas, a apenas 4 milhas
a Sul do farol da Guia, depois de embater numa mina colocada por um submarino (o UC-73), embora corresse o
boato que os alemães iriam utilizar navios mercantes neutros para essas acções, o que nunca se veio a provar. Jaime
Correia do Inso, ibidem, p.48.
27
António José Telo, ibidem, pp.250-251.
28
Esta mina terá sido colocada pelo submarino U-73 a 17 de Abril. Jaime Correia do Inso, ibidem, pp.48, 51, 52 e 117.
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incluindo manobras evasivas, navegação em ocultação de luzes, os navios mercantes
foram pintados com camuflagens diversas e a escolta durante os seus trânsitos, etc.
Conforme a figura 3, os navios portugueses tiveram várias interacções com submarinos
inimigos mas, segundo se sabe, nenhuma resultou no afundamento do adversário29.
Fig 3 – O afundamento de um navio mercante aliado a tiro de artilharia. Um
procedimento que nem sempre ocorreu durante o conflito © IWM (Q 24072)
A 26 de Novembro de 1916, ao largo de Portugal, embora não envolvendo
nenhum navio nacional, o pré-dreadnought francês Suffren, vindo da campanha dos
Dardanelos, onde tinha sofrido algumas avarias graves, é afundado. O navio tinha
largado alguns dias antes de Gibraltar, em viagem com destino a Lorient, passando,
obrigatoriamente, ao largo da costa portuguesa, Finisterra e Golfo da Biscaia.
Contudo, o navio nunca chegaria ao seu destino e, a 1 de Dezembro de 1916, o
cônsul francês em Gibraltar informa que um navio inglês encontrou a flutuar, cerca de
50 milhas a Noroeste de Lisboa, destroços de origem francesa. De imediato, os franceses
enviaram meios navais à procura do Suffren, mas nada mais se soube do navio.
Finalmente, em Janeiro de 1917, um jornal britânico publica a informação,
enviada por um telegrama do almirantado alemão, indicando que um submarino alemão
Inso dá na sua obra vários exemplos dessas interações de navios portugueses com U-Boats. Jaime Correia do
Inso, ibidem, pp.105-119. Os diários de bordo/relatórios dos navios utilizados nas funções de patrulha da costa,
nomeadamente dos navios que tinham sido requisitados, relatam diversas situações de alarme motivadas pela
presença de submarinos alemães ao largo das costas portuguesas, embora muitas fossem falsas. Ver por exemplo
Setenta e cinco anos no mar (1910-1985). Draga-minas, Caça-minas e Lança-minas, vol. 12º, Lisboa, Comissão
Cultural de Marinha, 2002.
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Submarinos Alemães na Costa Portuguesa. O Caso do U-35
tinha afundado, no dia 26 de Novembro, um navio de guerra francês na posição já
indicada. A 8 desse mesmo mês, o almirantado francês declara finalmente que o navio
se tinha perdido com toda a guarnição...
O submarino que tinha afundado o Suffren fora o U-21, em rota para Cattaro que,
quatro minutos antes das nove da manhã do dia 26, tinha detectado o navio francês,
a navegar sem escolta e em rota directa (ou seja, sem estar a realizar nenhum plano
de zig-zag, ainda hoje habitualmente utilizado como medida anti-torpédica), apesar de
ter recebido diversos avisos da possível presença de submarinos nas águas por onde
ia navegar. O couraçado francês afundou-se em poucos minutos, tendo levado consigo
todos os 648 homens da guarnição. A explosão que ocorreu logo após o navio ter sido
atingido com o torpedo foi tão violenta que a onda de choque quase que também
afundou o submarino30.
Outro tipo de acção que vai ocorrer algumas vezes no decorrer deste conflito
é o ataque por parte dos submarinos alemães aos principais portos portugueses nas
ilhas. O primeiro ocorre logo a 3 de Dezembro de 1916, quando o submarino alemão
U-83 se aproximou do porto de Funchal e conseguiu afundar três navios aliados que
se encontravam fundeados no porto, e ainda fazer alguns tiros contra terra, fazendo
poucos estragos materiais e algumas vitimas31.
A partir de Fevereiro de 1917, dá-se início a um dos períodos em que os U-Boats
estavam autorizados a conduzir uma “Guerra Total” contra os aliados, bem como à
navegação neutral que se encontrava em determinadas zonas, nomeadamente ao largo
da Grã-Bretanha e Portugal. Nestas circunstâncias, os navios portugueses foram alvo de
um maior número de ataques.
Tonelagem
Tonelagem
Fig 4 – Distribuição da tonelagem de navios afundados por acções de
submarinos alemães ao largo da costa portuguesa
O navio repousa a uma profundidade entre os 2400 e os 3800 metros. Philippe Caresse, Historie des Cuirrassés
D’Escadre Iena & Suffren, Outuan, Éditions Lela Press, 2009, pp.178-187.
31
Jaime Correia do Inso, ibidem, p.72.
30
184
Actas do Colóquio Internacional “A Grande Guerra: Um Século Depois”
A 4 de Julho desse ano, o U-155, comandado pelo Capitão-tenente Karl Meusel,
apresentou-se ao largo do porto de Ponta Delgada e fez fogo sobre a cidade e a
navegação que se encontrava no porto, sem grande sucesso. Face à importância que
o porto tinha na época, com um movimento diário de quase 80 navios, o ataque teve
como consequência imediata e principal, um reforço da presença militar portuguesa e
americana no local32.
Importa aqui fazer uns parênteses para falar desta classe de submarinos, que
foram responsáveis por quase 50% dos navios afundados nas águas portuguesas, em
particular nas águas em torno dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, conforme
figura 5.
Este submarino, o U-155, cujo nome inicial era Deutschland (Alemanha), foi
concluído em 1916, começou a sua carreira como submarino comercial. Antes de ser
incorporado na Marinha Imperial, chegou mesmo a realizar duas viagens com sucesso
entre a Alemanha e os Estados Unidos da América.
Para desempenhar esta actividade, não tinha um comprimento muito diferente
de outros submarinos – 65 metros – mas tinha uma boca muito superior – 8,9 metros,
o que lhe dava uma tonelagem máxima de 2.272 toneladas e uma autonomia de 8.000
milhas, a uma velocidade à superfície de 9 nós.
Nos inícios de 1917, com a iminente entrada dos Estados Unidos na guerra, este
submarino e quatro outros que estavam em construção, foram incorporados na Marinha
Imperial com os números U-151 a U-155. Entre outras alterações receberam 6 tubos
lança torpedos e 2 peças de artilharia de 150 mm33.
Estas características, em particular a sua grande autonomia, tornaram-nos ideais
para operar durante longos períodos no Atlântico Norte.
Por tipo de U-Boat
Fig 5 – Distribuição de navios afundados por tipo de submarinos alemães ao
largo da costa portuguesa
Jaime Correia do Inso, ibidem, pp.68-72.
Xavier Tracol, “U-Boot Deutschland. Commerce, services secrets et guerre sous-marine”, Los, nº 14, Mai-Juin
2014, pp.38-49.
32
33
Submarinos Alemães na Costa Portuguesa. O Caso do U-35
185
Nas costas de Portugal continental, os submarinos alemães encontravam-se
em intensa actividade predatória, chegando à Majoria General da Armada notícias
de diversos afundamentos de navios portugueses e estrangeiros. Juntamente com a
informação de que U-Boats de grandes dimensões actuavam “sem dó nem piedade”,
afundando todos os navios que conseguiam, era também pedido o incremento do
patrulhamento da costa e que fossem colocadas batarias em Milfontes, Sines, Sardão
e Cavaleiro34.
Este mesmo submarino, a 12 de Dezembro ainda de 1917, realiza um novo
ataque, desta vez contra o Funchal, mas não consegue mais do que infringir alguns
estragos na cidade, talvez pela acção heróica de algumas das pequenas embarcações
armadas que, entretanto, passaram a estar estacionadas nesse porto35.
Este final de ano foi particularmente profícuo em acções dos submarinos
alemães na costa Ocidental da Península Ibérica, em particular na costa portuguesa,
fazendo eco dessa actividade vários jornais espanhóis36. Um novo pico das operações
dos U-Boats, desta vez muito dirigida às embarcações lusas, ocorreu a partir de
meados de 191837.
A última acção dos submarinos alemães contra navios portugueses ocorre a um
mês do final da guerra, quando o U-139, comandado por Lothar von Arnauld de la Perière,
que foi o comandante do U-35 e do qual iremos falar mais à frente, afunda o caça-minas
Augusto Castilho, que se sacrifica para permitir a fuga ao paquete São Miguel38.
Mas a luta anti-submarina na Primeira Guerra Mundial caracterizou-se pelo
desenvolvimento e utilização de diversos meios de forma inovadora, ao contrário de
como, até então, era conduzida. Uma dessas novidades prendeu-se com a utilização de
meios aéreos na patrulha marítima e como arma anti-submarina.
A aplicação destas novidades em Portugal tiveram o apoio da França, tendo
em finais de 1917, sido criada a aviação marítima, concretizada, de inicio, através do
Centro de Aviação Marítima de Lisboa, instalado na Doca do Bom Sucesso. Este iniciou
a sua actividade em 24 de Dezembro do mesmo ano ou apenas em janeiro, conforme
os autores, com dois hidroaviões Franco-British Aviation modelo B (F.B.A.)39, que
efectuavam patrulhas até 20 milhas ao largo40.
Nota nº 1974, de 18 de setembro de 1917. BCM-AH-Cx1394, fol.21/59.
Jaime Correia do Inso, ibidem, pp.71-72.
36
Lino J. Pazos, ibidem, pp.115-116.
37
Lino J. Pazos, ibidem, pp.128-130.
38
Sobre este episódio já muito foi escrito, e detalhes sobre o episódio podem ser consultados em alguma da
bibliografia indicada, razão pelo que não nos vamos debruçar sobre ele, apenas realçando dois pontos: existe uma
descrição do combate escrita por um elemento do submarino alemão, que mostra o outro lado do combate, do qual
existe uma tradução na Biblioteca Central de Marinha; o outro ponto prende-se com a actuação do comandante
do U-139 que, 2 anos após o final da guerra, numa entrevista a um escritor inglês, afirma ter dado reboque a uma
das baleeiras até perto dos Açores. Nenhum dos outros relatos que chegaram até nós referem essa acção, que nos
parece mais uma tentativa de manter a “boa imagem” com que Lothar von Arnauld de la Perière sempre pautou a
sua actividade como comandante de submarino. Lowell Thomas, ibidem, pp.334-341.
39
Existe actualmente ainda um exemplar deste tipo de aeronave em exposição no Museu de Marinha, em Belém.
40
Jaime Correia do Inso, ibidem, pp.63-64. José telo afirma ter sido só em Janeiro. António José Telo, ibidem, p.253.
34
35
186
Actas do Colóquio Internacional “A Grande Guerra: Um Século Depois”
Apesar de estarem previstos dois outros centros da aviação naval, um no
Sul e outro no Norte, apenas este último foi criado antes do final da guerra. Este,
ao contrário do de Lisboa, foi operado directamente pelos franceses, apoiados por
algum pessoal português, ficando operacional a 9 de Maio de 1918. A sua área de
actuação estendia-se do Minho ao Mondego e efectuou diversas acções de patrulha e
acompanhamento de navios em trânsito na zona41.
Dessas acções há a destacar, a 11 de Maio, a detecção de um submarino a 5
milhas do farol da Barra de Aveiro que, sentindo-se perseguido, se afastou da zona e
permitiu a largada, sem incidentes, da frota bacalhoeira desse ano.
A 5 de Setembro, as aeronaves perseguiram dois submarinos alemães que
atacaram e danificaram o vapor Desertas (ex-Hochfeld alemão), que acabou encalhado
na Costa Nova.
No dia 11 de Setembro, foi atacado um outro submarino a 20 milhas da costa
de Aveiro42.
Segundo os registos alemães, nenhum dos submarinos foi afundado...
O episódio do U-35
No Algarve, a Esquadrilha Fiscal da Costa, criada no século XVIII, e que tinha
base em Faro, tinha apenas funções relacionadas com a fiscalização da pesca e vigilância
do mar. Esta foi reforçada com alguns dos meios apressadamente requisitados, mas
manifestamente insuficientes para fazer face à ameaça submarina, que se fez sentir de
forma mais intensa no ano de 1917.
Entre esses reforços, contava-se o rebocador Galgo, que tinha por missão a
patrulha entre Lagos e a costa Ocidental43 e que foi armado com uma pequena peça-revólver de 37 mm.
Face à importância estratégica da zona do Cabo de S. Vicente, aos repetidos
sucessos obtidos pelos submarinos alemães e à precariedade dos meios portugueses,
que era bem conhecida dos nossos aliados, os ingleses e franceses posicionaram nessa
zona alguns meios. Os franceses, com base em Casablanca, no Norte de África, tinham
no local dois submarinos – o Ampère e o Papin – e um caça-minas, reabastecendo
em Lagos. Os ingleses disponibilizaram um cruzador-auxiliar e dois torpedeiros, que
habitualmente permaneciam na enseada da Baleeira44. Estas forças revezavam-se de 6
em 6 dias45.
Os franceses vão queixar-se que as suas patrulhas de nada servem, pois Portugal não tinha meios para investigar
e atacar os submarinos detectados. António José Telo, ibidem, p.254.
42
Jaime Correia do Inso, ibidem, pp.66-67.
43
Jaime Correia do Inso, ibidem, pp.62-63.
44
Não foi possível saber-se qual a data exacta a partir da qual estas forças passaram a estar estacionadas junto a
São Vicente contudo, a 20 de Setembro de 1917, a Divisão Naval, que fazia a compilação de todas as informações
relativas à guerra no mar, informava a Majoria General da Armada que, nessa época a zona era patrulhada, para
além dos meios navais portugueses – que não especifica – por um submarino francês e um patrulha inglês. Nota nº
4371, de 20 de setembro de 1917. BCM-AH-Cx1394, fol.21/59.
45
Jaime Correia do Inso, ibidem, p.63.
41
Submarinos Alemães na Costa Portuguesa. O Caso do U-35
187
Foi neste contexto que, no dia 31 de Março de 1917, o submarino imperial
U-35 largou de Catarro, cidade que na época fazia parte do Império Austro-Húngaro.
Este submarino era comandado pelo “às dos ases”, Lothar Von Arnauld de La Perière
(1886-1941).
Apesar do U-35 ter largado com algumas limitações nas baterias, o submarino
conseguiu permanecer no mar até ao dia 6 de Maio, e afundar 23 navios durante esse
período evitando, ainda, um ataque a torpedo por parte de um submarino aliado46.
Desta missão, interessa-nos o período em que operou para Ocidente do Estreito de
Gibraltar, que cruzou na noite de 12 de Abril e onde afundou diversos navios mas, em
particular, o que fez na zona da Ponta de Sagres, nos dias 24 e 25 de Abril.
Aos primeiros alvores do dia 24, o U-35 encontrava-se perto de costa a Sul da
Ponta de Sagres, onde mandou parar, para verificar a respectiva documentação, dois
vapores sob fretamento inglês. Às 08h50 verificou o vapor dinamarquês SS Nordsöen,
de 1.055 toneladas, em viagem de Bergen para Génova47, com uma carga de barris
de arenque. Às 09h15, foi a vez do vapor norueguês de 1.667 toneladas SS Torvore,
em rota de Swansea para Nápoles, com uma carga de blocos de carvão prensado.
Como habitualmente, La Perière utilizou a artilharia do convés do U-35 para parar
os navios48, e cargas de demolição para afundar as suas vítimas. As cargas colocadas
no SS Torvore fizeram o navio ir imediatamente para o fundo, mas o SS Nordsöen
manteve-se à superfície até à manhã seguinte, conforme iremos ver mais à frente.
Este ataque não deve ser confundido com o ataque efectuado pelo submarino francês Farady que, a 6 de
Novembro de 1917, disparou três torpedos contra o U-35, mas nenhum acertou o alvo. Nessa altura, um dos
torpedos regulado para pouca profundidade, “saltou”, literalmente, por cima do convés do submarino, provocando
apenas pequenos danos nos vergueiros, sem que os Oficiais que se encontravam na torre conseguissem esboçar
qualquer acção. Lowell Thomas, ibidem, pp.154-158.
47
Esta informação que vem nos registos da Lloyds não coincide com a documentação alemã.
48
O U-35 estava armado com duas peças de 105 mm montadas no convés, e transportava cerca de 550 projécteis.
46
188
Actas do Colóquio Internacional “A Grande Guerra: Um Século Depois”
Fig 6 – Pormenor da carga (possivelmente blocos de carvão prensado) no
destroço provavelmente identificado como SS Torvore (foto A. Salgado)
Enquanto o U-35 abordava estes navios mercantes, foi atacado pelo que
pareceu a La Perière um pesqueiro português armado. Tratava-se do rebocador Galgo49,
ao serviço da Marinha Portuguesa, sob o comando do 1º Tenente Alberto Carlos dos
Santos, o qual se encontrava na sua zona de patrulha habitual. Apesar da temeridade
do navio português, com a sua pequena peça, a troca de tiros não provocou danos em
nenhum deles pois La Perière, com superioridade em velocidade, conseguiu manter-se
sempre fora do alcance da pequena peça do Galgo50.
Aparentemente, nesse dia o Galgo era o único navio armado a operar na zona
ainda que, na noite anterior, uma força inglesa composta por um cruzador-auxiliar e
quatro torpedeiros, a tenham cruzado, navegando rumo a SE. Não sendo capaz de
incomodar o U-35, o Galgo vai passar o resto do dia 24 e o dia 25 a recolher os náufragos
dos navios afundados e a levá-los para Lagos.
O Galgo era um arrastão privado, e pertencia a João António Júdice Fialho, quando foi aumentado ao efectivo
da Armada em 27 de Setembro de 1916. A missão do Navio, desde essa data, era de patrulha e defesa da extensa
costa Sul de Portugal continental, que vai entre Lagos e o Cabo de São Vicente. Uma imensa área para um pequeno
arrastão a vapor de apenas 25.59 metros de comprimento e 82,99 toneladas, construído em 1857 pela firma Ross &
Duncan de Glasgow. O navio foi armado com o que tinha sido possível, uma pequena peça de 37 mm Hotchkiss, e era
propulsionado por uma caldeira tubular a 200 psi e com um motor a vapor de dois cilindros de 45 N.H.P.. Rebocador
“Galgo”, História e Características do Navio 1916/1919, Biblioteca Central de Marinha – Arquivo Histórico, Núcleo/
Fundo 264, 5-XII-8-2.
50
No dia anterior, e de acordo com o diário de bordo do Galgo, quando este navegava nessa mesma área na costa
Ocidental de Portugal, um dos vigias terá ouvido o som de um hélice na água, mas não avistou qualquer navio,
tendo o som desaparecido pouco depois. O confronto ocorrido no dia seguinte leva a crer que se tratava do U-35.
Rebocador “Galgo”, Diário Náutico 1916/1917, Biblioteca Central de Marinha – Arquivo Histórico, Núcleo/Fundo
264, 5-XII-8-2.
49
Submarinos Alemães na Costa Portuguesa. O Caso do U-35
189
Depois de se livrar do Galgo, o U-35 persegue outros três vapores, que veio a
identificar como sendo espanhóis, não sem antes ter atingido acidentalmente um deles
– o SS Triana –, no qual provocou um morto e um ferido. Todos os três navios – o SS La
Castreja, o SS Cataluña e o danificado SS Triana – foram autorizados a seguir viagem
após a habitual inspecção.
Às 10h40, outro navio sob frete inglês foi parado e afundado. Desta vez, era o
vapor norueguês de 3.715 toneladas, o SS Vilhelm Krag, em trânsito entre Génova e
Barry apenas em lastro. Esta acção foi prejudicada pela intervenção do vapor armado
francês SS Caravellas, que trocou tiros com o U-35. Apesar de já ter poucas munições
para as peças, La Perière decidiu afundar o navio norueguês com artilharia, antes de ir
no encalço do navio francês. Apesar da perseguição, o navio francês conseguiu escapar
ao seu perseguidor.
Após ter desistido da perseguição, La Perière ainda pára um outro vapor, mas
também este é libertado, após inspecção, por se tratar de mais um navio da Espanha
neutral, o SS Elvira.
Entretanto, conforme já foi mencionado anteriormente, o SS Nordsöen mantinha-se a flutuar, mas deserto e à deriva, após ter sido abandonado pela sua tripulação
durante a manhã. O navio acabou por ir dar à costa do Algarve, e, para garantir que
ficava inutilizado, La Perière mandou colocar no navio cargas de demolição adicionais, e
afundou-o definitivamente.
Outro vapor espanhol, o SS Italica, é ainda parado, inspeccionado e deixado seguir.
No final dessa tarde, pelas 16h10, o veleiro italiano de 265 toneladas, o Bieneimé
Prof. Luigi, que navegava de Génova para Fowey, na Inglaterra, com uma carga de argila
industrial, foi parado, inspeccionado e afundado, numa posição a cerca de 10 milhas a SE
de Sagres.
Nesta altura, o U-35 já só tinha 24 munições para as peças de artilharia e já não
tinha nenhum torpedo, o que leva La Perière a decidir-se por regressar a Cattaro.
O U-35 volta a cruzar o Estreito de Gibraltar, nessa mesma noite do dia 25 de
Abril, fazendo uma viagem sem percalços e sem afundar mais nenhum navio, de regresso
a Cattaro, onde chega no dia 6 de Maio. Nesta missão de 36 dias o U-35 navegou 5.551
milhas náuticas, lançou os seus 9 torpedos que tinha embarcados, disparou 541 projécteis
de 105 mm e utilizou 29 cargas de demolição.
Neste cruzeiro do U-35, os aliados perderam 23 navios, num total de 67.989
toneladas. Desses, 16 navios eram de países inimigos da Alemanha (12 ingleses e 4
italianos) e 7 de países neutrais (3 gregos, 2 noruegueses, 1 americano e 1 dinamarquês),
tendo estes afundamentos ceifado a vida a 44 homens do mar. Todos os navios afundados
eram devidamente anotados no Lloyd’s War Losses records51.
Os livros Lloyd’s War Loss Books eram elaborados pela Companhia de seguros Lloyd’s e mencionavam as
características de cada Navio, e informação detalhada acerca da perda de cada Navio, inclusivamente se tinha sido
detido ou capturado. Os livros originais encontram-se actualmente na Guildhall Library, em Londres.
51
190
Actas do Colóquio Internacional “A Grande Guerra: Um Século Depois”
Esta missão é um exemplo em várias vertentes: demostra a importância e o intenso
movimento que a costa de Portugal tinha, mesmo em tempo de guerra, o estado débil da
capacidade portuguesa na guerra antissubmarina e, não menos importante, a vertente
multinacional e multicultural da guerra submarina.
Além disso, e por razões que não chegaram até nós, nesta missão do U-35, seguia
a bordo pelo menos um operador cinematográfico, que sofreu imenso de situações de
enjoo, mas cujo nome também se desconhece52.
As fotografias e o filme resultantes dessa missão53 permitem termos hoje uma
ideia muito interessante como podia ser conduzida a guerra submarina, de uma forma
“civilizada”54.
CONCLUSÕES
Apesar da guerra já se encontrar a decorrer há quase três anos, Portugal
não estava nada preparado para a ameaça que, na altura, os submarinos alemães já
representavam contra a navegação aliada.
Essa falta de preparação fazia-se sentir não apenas na falta de grandes meios
navais, nomeadamente em escoltas, mas até em pequenos meios navais, não apenas
para fazer face aos submarinos mas, principalmente, a ameaça das minas navais.
Os dados aqui apresentados não são finais, pois é necessário efectuar um
levantamento detalhado de várias áreas, incluindo a pesquisa em arquivos de outros
países, pois foram muitos os navios aliados, ou ao seu serviço, afundados em águas
portuguesas.
A acção realizada pelo U-35, não é importante como acção em si, mas é um
exemplo pragmático de como era frágil a defesa da costa portuguesa, contra os únicos
meios com que na época os alemães conseguiam ameaçar as rotas marítimas aliadas, e,
com os quais, quase inverteram o resultado da guerra...
La Perière menciona apenas a presença de um único operador de camera, mas outras fontes mencionam dois
embarcados. Lowell Thomas, ibidem, p.159.
53
Under the title The Exploits of a German Submarine (u.35) Operating in the Mediterranean. German original
version under the title Der Magische Gürtel: Deutsche UBoote Winder England.
54
Os autores estão a coordenar o projecto “O U-35 no Algarve” que está a estudar o evento, incluindo a localização
e confirmação da identidade dos destroços dos quatro navios afundados em Abril de 1917.
52
Submarinos Alemães na Costa Portuguesa. O Caso do U-35
191
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