E a greve dos clientes

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E a greve dos clientes
Época Negócios - Reportagem / Dilemas - edição de novembro
E a greve dos clientes?
A paralisação dos funcionários foi fichinha. O grande
problema dos Correios é a redução de sua principal fonte
de receita, os negócios postais. O governo já encomendou
a reforma da empresa – mas ninguém garante que ela vá
chegar
Carta, ninguém manda mais como antigamente...
André Vieira
R$ 250 milhões – o estimado prejuízo devido à paralisação de 28 dias dos funcionários dos
Correios – não é pouco dinheiro. Longe disso. Mas, para a Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (ECT), essa perda é uma preocupação menor. Em parte, porque as greves viraram
rotina. Os carteiros costumam fechar as bolsas 14 dias por ano, em média, desde 2006 – a
empresa não tem como forçá-los a trabalhar porque a lei de greve não considera os serviços
postais como atividades essenciais. E é este o grande problema. Não que a lei de greve esteja
errada, e sim que ela esteja certa. Os correios ficam a cada dia menos essenciais. Os 184
milhões de correspondências que ficaram retidos até meados de outubro (uma montanha de
cartas e documentos, extratos e contas bancárias, mercadorias e encomendas) representam
um incômodo para a população, claro, mas não causam grandes perturbações sociais. A
internet e as empresas privadas de entregas expressas têm ocupado o terreno que um dia foi
praticamente monopolizado pela estatal. A assustadora ameaça para a ECT não é uma nova
greve de funcionários. É uma greve de clientes.
A maior fonte de receita dos Correios é o monopólio na correspondência simples, responsável
por quase a metade do faturamento de R$ 12 bilhões. Essa forte dependência em relação a
uma atividade condenada pela tecnologia pode tornar a empresa tão descartável quanto um
envelope. Os brasileiros ainda mandam cartas, sim. Mas bem menos. Em 2010, a média per
capita foi de 12 cartas por ano, um número 25% inferior à média de 2006. O cálculo não inclui
extratos bancários, boletos de cobrança e contas de água, luz, telefone (são elas que ainda
seguram o lento crescimento do tráfego de remessas). No entanto, a tendência é que os
pagamentos eletrônicos e consultas pela internet também afetem essas atividades, reduzindo
ainda mais a quantidade de correspondências. É este o principal desafio da empresa que mais
emprega gente no Brasil.
Não é um desafio solitário. No mundo inteiro, o serviço de entrega de cartas está em
decadência. Foi por isso que, no final de setembro, o governo modificou, pela primeira vez em
40 anos, o estatuto social da ECT. “Não dava para ficar restrito a um mundinho cada dia menor
do serviço postal tradicional”, diz Wagner Pinheiro, presidente da ECT, convocado pela
presidente Dilma Rousseff para comandar o processo de modernização da empresa. A nova lei
dará maior flexibilidade na condução dos Correios, permitindo criar subsidiárias, abrir
escritórios fora do Brasil e até comprar empresas no exterior. Não causará surpresa se os
Correios brasileiros participarem no ano que vem do leilão de privatização da CTT, responsável
pela distribuição de cartas em Portugal.
...mas os caixotes de compras estão proliferando. O problema para a ECT é que nessa entrega
ela não tem monopólio...
O novo presidente quer levar os Correios a um faturamento de R$ 20 bilhões em 2015. Não vai
chegar a esse destino por carta. Uma das primeiras medidas é ampliar a fatia do Sedex, seu
produto no ramo de entrega de encomendas expressas, um segmento que cresce a 15% ao
ano e movimenta R$ 3,6 bilhões, graças às compras pela internet (a mesma que corrói o envio
de cartas). Parece um caminho promissor. Na Alemanha e na Holanda, a estratégia de
sobrevivência dos correios locais passou pela exploração desse setor. As empresas
compraram as marcas DHL e TNT, respectivamente, abrindo espaço no mercado internacional.
Durante a recente greve no Brasil, ambas aumentaram seus negócios em mais de 40%. Os
correios americanos, por sua vez, não abocanharam esse mercado, o que explica boa parte de
sua derrocada – nos Estados Unidos, a entrega expressa é território da FedEx e da UPS, que
faturaram, juntas, US$ 85 bilhões. “Vamos aumentar nossa fatia de 30% para 50%, reforçando
a prestação de serviços para empresas de comércio eletrônico”, diz Pinheiro. Hoje, a entrega
derivada do e-commerce no faturamento dos Correios é considerada irrisória: inferior a R$ 300
milhões.
Para agilizar a distribuição de mercadorias, a ECT estuda comprar médias companhias
regionais de transportes. O objetivo é ampliar a presença nacional, atendida hoje por 14 linhas
aéreas e 880 rotas rodoviárias. Não está descartada a possibilidade de os Correios tornaremse investidores e operadores do consórcio vencedor do trem-bala – a justificativa é que uma
expressiva parcela da carga da ECT passa pelo eixo Rio–São Paulo. “Investiríamos de R$ 300
milhões a R$ 500 milhões num prazo de cinco anos”, diz Pinheiro. Opositores do governo
sustentam que a ordem para a estatal participar do projeto veio do Palácio do Planalto,
empenhado em conseguir fundos para colocar o trem nos trilhos. Pinheiro refuta: “Seremos
grandes clientes do trem-bala”.
Outra aposta é o desenvolvimento do correio híbrido, sistema que coloca o “e-mail no
envelope”. Funciona assim: o camarada envia, por computador, uma carta à central dos
Correios. A missiva eletrônica é repassada a uma agência na cidade de destino, impressa,
colocada num envelope e entregue ao destinatário. O sigilo é garantido. A Justiça de Santa
Catarina já aderiu ao sistema. Concessionárias de serviços públicos também estão na mira da
ECT.
A estratégia na nova fase de expansão é criar uma série de serviços que “maximizem a
capilaridade dos Correios”, segundo Pinheiro. Parcerias serão fundamentais. É o caso da
aliança com o Banco do Brasil, responsável pelo Banco Postal, a rede de correspondentes
bancários atrelados às agências dos Correios. Em maio, o BB bateu a proposta do Bradesco
em leilão, oferecendo R$ 2,3 bilhões para ter exclusividade sobre a rede de 6 mil agências, o
que colocará o banco estatal em todos os municípios brasileiros a partir de janeiro de 2012.
São 11 milhões de contas, a maioria delas de uma população com renda de até três salários
mínimos. Esse contingente que faz depósitos e saques em espécie e pagamento de boletos –
as operações mais simples da atividade bancária – é cliente potencial de novas apostas dos
Correios. É para eles que a empresa planeja oferecer serviços de telefonia celular. Um dos
planos é tornar-se um operador virtual. A ECT adquire “minutos” no atacado das atuais
operadoras e os revende no varejo com sua marca. É a forma encontrada para entrar em um
mercado que vem destruindo boa parte de sua atividade tradicional. “A ideia é fazer aqui uma
gestão de Petrobras, baseada em inovação, parcerias e resultado”, diz Pinheiro.
Wagner Pinheiro, presidente da
ECT: xerife do PT para colocar ordem na casa
A referência não vem do nada. Wagner Pinheiro, um economista de 49 anos, casado, pai de
dois filhos, torcedor fervoroso do Guarani, é homem de confiança da alta cúpula do PT – e
durante o governo Lula presidiu a Petros, o poderoso fundo de pensão da Petrobras. Ele entrou
para a história do partido quando ainda militava no sindicato dos bancários em São Paulo.
Acabou virando um dos pupilos do ex-ministro Luiz Gushiken. Pinheiro chega à presidência da
ECT não apenas com a missão de modernizar os Correios, mas prometendo limpar a imagem
de uma empresa envolvida em escândalos. O mensalão, esquema do governo petista para a
compra de votos no Congresso, começou ali, com um funcionário do quinto escalão flagrado
pelas câmeras de segurança recebendo uma propina de R$ 3 mil. O episódio ocorreu em maio
de 2005. Seus efeitos acabaram levando a uma reformulação e, no início de 2009, à formação
de um grupo de trabalho interministerial para cuidar do futuro da empresa (o resultado serviu
de base para a aprovação da nova lei).
Pinheiro terá bastante trabalho na faxina corporativa. Seu primeiro desafio será enfrentar o
ceticismo do mercado. Afinal, trata-se de um petista propondo uma varrição em uma empresa
loteada politicamente pelos partidos da base aliada do governo. “O ministro Paulo Bernardo
[das Comunicações] deu um recado bem claro a nossa equipe. Disse para fazermos tudo
direito porque ali estava o futuro de uma grande empresa”, afirma Pinheiro. “É exatamente o
que estamos fazendo.” A maioria dos dirigentes dos Correios – alçados à condição de vicepresidentes da empresa, e não mais diretores – tem ligação com o PT, mas seu perfil é técnico.
O time é formado por um ex-funcionário do Banco Central na área financeira, um brigadeiro da
Aeronáutica na área operacional e dois funcionários do Banco do Brasil cuidando de tecnologia
da informação, além de um técnico da Advocacia Geral da União para comandar a área
jurídica, que, por incrível que pareça, não existia na empresa. Além da equipe de diretores, a
empresa formou seus primeiros comitês: de Investimento, de TI e de Negócios. Haverá ainda
um comitê de auditoria ligado ao conselho de administração (que passa a ser comandado pelo
ministro das Comunicações, não mais pelo presidente executivo) para dar maior controle e
transparência às atividades da empresa. Pinheiro evita polêmica sobre o passado: “As pessoas
erram. Estamos aprimorando a gestão para que estes erros não ocorram”.
Em geral, as empresas trabalham para construir uma reputação. Os Correios são diferentes.
Eles têm de trabalhar para não destruir a sua. Criada em 1969 no governo militar, a ECT
respondia pelos serviços de telégrafos e executava ligações telefônicas, antes da criação da
Embratel. Ao longo de décadas, sua reputação tornou-se invejável. Em algumas pesquisas, os
Correios só perdem em credibilidade para instituições como a família e o Corpo de Bombeiros.
É uma das 30 maiores empresas brasileiras, emprega 120 mil trabalhadores e, com seus 12 mil
pontos de atendimento, está em todos os cantos do país. Ninguém chega tão longe quanto os
Correios. Mas o que lhe falta não é alcance. É a perspectiva de longevidade.
O DECLÍNIO AMERICANO
O maior exemplo de crise postal ocorre nos Estados Unidos. O serviço americano, conhecido
como USPS, foi criado por Benjamin Franklin em 1775 antes mesmo de o país conquistar sua
independência – o posto de chefe dos correios americanos era tão importante que fazia parte
da linha de sucessão do gabinete presidencial. Reorganizado apenas como agência postal
independente em 1971 – impedido de atuar em outras áreas mais lucrativas –, o correio
americano está à beira do colapso. Precisará de ajuda pública para continuar sobrevivendo.
Nas contas da atual direção, o Postal Service, que tem quase 90% de suas receitas de US$ 67
bilhões oriundas dos negócios com cartas, terá perdas de
US$ 16 bilhões em 2016. Para isso, os correios estudam demitir um quinto dos mais de 570 mil
funcionários (é o segundo maior empregador, depois do Walmart), fechar mais de 3 mil
agências e deixar de entregar correspondências aos sábados.

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