ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio Linguagens, códigos e

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ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio Linguagens, códigos e
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
Linguagens, códigos e suas tecnologias
Roteiro: Literatura/Texto/Arte
Professor: Miguel Caz
1) FUNÇÕES DA LINGUAGEM
a) Funções da linguagem são recursos de ênfase que atuam segundo a intenção do produtor da mensagem, cada
qual abordando um diferente elemento da comunicação. Esses elementos da comunicação se dividem em seis:
Emissor: É quem envia a mensagem (pode ser uma única pessoa ou um grupo de pessoas).
Receptor: É quem recebe a mensagem (um indivíduo ou um grupo), também conhecido como destinatário.
(Como em situações de comunicação real o emissor e o receptor trocam de papel, costuma-se dizer que emissor
e receptor são interlocutores).
Mensagem: É o objeto físico da comunicação, aquilo que se transmite.
Canal: É o meio pelo qual a mensagem é transmitida. (Um microfone, a internet, ou até mesmo o ar
atmosférico.)
Referente ou Contexto: É o objeto ou a situação a que a mensagem se refere. Código: É o conjunto de regras
de combinação de signos utilizado para elaborar uma/a mensagem: o emissor codifica aquilo que o receptor irá
decodificar.
b) Tipos de funções da linguagem
Função emotiva ou expressiva: o objetivo do emissor é transmitir suas emoções e anseios. A realidade é
transmitida sob o ponto de vista do emissor, a mensagem é subjetiva e centrada no emitente e, portanto,
apresenta-se na primeira pessoa. Exemplo: “Pelo amor de Deus, preciso encontrar algo, nem que sejam cinco
reais!”. Função conativa ou apelativa: O objetivo é de influenciar, convencer o receptor de alguma coisa por
meio de uma ordem, sugestão, convite ou apelo. Os verbos costumam estar no imperativo ou conjugados na 2ª
ou 3ª pessoa. Exemplo: “Não perca a chance de ir ao cinema pagando menos!”. Função metalinguística: Essa
função refere-se à metalinguagem, que é quando o emissor explica um código usando o próprio código.
Exemplo: Peças de teatro que falam sobre o teatro. Exemplos: Vídeo Show, observatório da imprensa. Função
fática: O objetivo dessa função é estabelecer uma relação com o emissor, um contato para verificar se a
mensagem está sendo transmitida ou para dilatar a conversa. Exemplo: Basicamente o diálogo, por exemplo:
"Alô?!", "Entenderam?". Função poética: O objetivo do emissor é expressar seus sentimentos através de textos
que podem ser enfatizados por meio das formas das palavras, da sonoridade, do ritmo, além de elaborar novas
possibilidades de combinações dos signos linguísticos. Exemplo: negócio/ego/ócio/cio/0. Função Referencial
ou Denotativa: Referente é o objeto ou situação de que a mensagem trata. A função referencial privilegia
justamente o referente da mensagem, buscando transmitir informações objetivas sobre ele. Exemplo: Numa
cesta de vime temos um cacho de uvas, uma maçã, uma laranja, uma banana e um morango.
2) FIGURAS DE LINGUAGEM
a) Figuras de som
Aliteração: Consiste na repetição de consoantes como recurso para intensificação
do ritmo ou como efeito sonoro significativo. Exemplo:
“Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.”
(Cruz e Souza)
Onomatopeia: Ocorre quando se tentam reproduzir na forma de palavras os sons da realidade. Exemplo:
Os sinos faziam blem, blem, blem, blem.
Miau, miau. (Som emitido pelo gato)
Tic-tac, tic-tac fazia o relógio da sala de jantar.
Cócórócócó, fez o galo às seis da manhã.
b) Figuras de construção
Elipse: consiste na omissão de um termo facilmente identificável pelo contexto. “Na sala, apenas quatro ou
cinco convidados.” (Omissão de havia).
Polissíndeto: consiste na repetição de conectivos ligando termos da oração ou elementos do período.
“ E sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito (...)”
Pleonasmo: consiste numa redundância cuja finalidade é reforçar a mensagem.
“E rir meu riso e derramar meu pranto.”
Anáfora: consiste na repetição de uma mesma palavra no início de versos ou frases. “Amor é um fogo que arde
sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer”
c) Figuras de pensamento
Antítese: consiste na aproximação de termos contrários, de palavras que se opõem
pelo sentido. “Os jardins
têm vida e morte.”
Ironia: é a figura que apresenta um termo em sentido oposto ao usual, obtendo-se, com isso, efeito crítico ou
humorístico. “A excelente Dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças.”
Eufemismo: consiste em substituir uma expressão por outra menos brusca; em síntese, procura-se suavizar
alguma afirmação desagradável. “Ele enriqueceu por meios ilícitos”. (Em vez de ele roubou).
Hipérbole: trata-se de exagerar uma ideia com finalidade enfática. “Estou morrendo de sede”. (Em vez de estou
com muita sede)
Prosopopeia ou personificação: consiste em atribuir a seres inanimados predicativos que são próprios de seres
animados. “O jardim olhava as crianças sem dizer nada.”
d) Figuras de palavras
Metáfora: consiste em empregar um termo com significado diferente do habitual, com base numa relação de
similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado. A metáfora implica, pois, uma comparação em que o
conectivo comparativo fica subentendido. “Meu pensamento é um rio subterrâneo.”
Metonímia: como a metáfora, consiste numa transposição de significado, ou seja, uma palavra que usualmente
significa uma coisa passa a ser usada com outro significado. Todavia, a transposição de significados não é mais
feita com base em traços de semelhança, como na metáfora. A metonímia explora sempre alguma relação lógica
entre os termos. Observe:
Não tinha teto em que se abrigasse. (Teto em lugar de casa)
Catacrese: ocorre quando, por falta de um termo específico para designar um conceito, torna-se outro por
empréstimo. Entretanto, devido ao uso contínuo, não mais se percebe que ele está sendo empregado em sentido
figurado. “O pé da mesa estava quebrado.”
3) TIPOLOGIA TEXTUAL
Narração: Modalidade em que se conta um fato, fictício ou não, que ocorreu num determinado tempo e lugar,
envolvendo certos personagens. Refere-se a objetos do mundo real. Há uma relação de anterioridade e
posterioridade. O tempo verbal predominante é o passado. Estamos cercados de narrações desde as que nos
contam histórias infantis até às piadas do cotidiano. É o tipo predominante nos gêneros: conto, fábula, crônica,
romance, novela, depoimento, piada, relato, etc.
Descrição: Um texto em que se faz um retrato por escrito de um lugar, uma pessoa, um animal ou um objeto. A
classe de palavras mais utilizada nessa produção é o adjetivo, pela sua função caracterizadora. Numa abordagem
mais abstrata, pode-se até descrever sensações ou sentimentos. Não há relação de anterioridade e posterioridade.
Significa "criar" com palavras a imagem do objeto descrito. É fazer uma descrição minuciosa do objeto ou da
personagem a que o texto se Pega. É um tipo textual que se agrega facilmente aos outros tipos em diversos
gêneros textuais. Tem predominância em gêneros como: cardápio, folheto turístico, anúncio classificado, etc.
Dissertação: Dissertar é o mesmo que desenvolver ou explicar um assunto, discorrer sobre ele. Dependendo do
objetivo do autor, pode ter caráter expositivo ou argumentativo.
Dissertação-Exposição: Apresenta um saber já construído e legitimado, ou um saber teórico. Apresenta
informações sobre assuntos, expõe, reflete, explica e avalia ideias de modo objetivo. O texto expositivo apenas
expõe ideias sobre um determinado assunto. A intenção é informar, esclarecer. Ex: aula, resumo, textos
científicos, enciclopédia, textos expositivos de revistas e jornais, etc.
Dissertação-Argumentação: Um texto dissertativo-argumentativo faz a defesa de ideias ou um ponto de vista
do autor. O texto, além de explicar, também persuade o interlocutor, objetivando convencê-lo de algo.
Caracteriza-se pela progressão lógica de ideias. Geralmente utiliza linguagem denotativa. É tipo predominante
em: sermão, ensaio, monografia, dissertação, tese, ensaio, manifesto, crítica, editorial de jornais e revistas.
Injunção/Instrucional: Indica como realizar uma ação. Utiliza linguagem objetiva e simples. Os verbos são, na
sua maioria, empregados no modo imperativo, porém nota-se também o uso do infinitivo e o uso do futuro do
presente do modo indicativo. Ex: ordens; pedidos; súplica; desejo; manuais e instruções para montagem ou uso
de aparelhos e instrumentos; textos com regras de comportamento; textos de orientação (ex: recomendações de
trânsito); receitas, cartões com votos e desejos (de natal, aniversário, etc.).
b) Gêneros textuais
Carta: quando se trata de "carta aberta" ou "carta ao leitor", tende a ser do tipo dissertativo-argumentativo com
uma linguagem formal, em que se escreve à sociedade ou a leitores. Quando se trata de "carta pessoal", a
presença de aspectos narrativos ou descritivos e uma linguagem pessoal é mais comum.
Propaganda: é um gênero textual dissertativo-expositivo onde há a o intuito de propagar informações sobre
algo, buscando sempre atingir e influenciar o leitor apresentando, na maioria das vezes, mensagens que
despertam as emoções e a sensibilidade do mesmo.
Bula de remédio: é um gênero textual descritivo, dissertativo-expositivo e injuntivo que tem por obrigação
fornecer as informações necessárias para o correto uso do medicamento.
Receita: é um gênero textual descritivo e injuntivo que tem por objetivo informar a fórmula para preparar tal
comida, descrevendo os ingredientes e o preparo destes, além disso, com verbos no imperativo, dado o sentido
de ordem, para que o leitor siga corretamente as instruções.
Tutorial: é um gênero injuntivo que consiste num guia que tem por finalidade explicar ao leitor, passo a passo e
de maneira simplificada, como fazer algo.
Editorial: é um gênero textual dissertativo-argumentativo que expressa o posicionamento da empresa sobre
determinado assunto, sem a obrigação da presença da objetividade.
Notícia: podemos perfeitamente identificar características narrativas, o fato ocorrido que se deu em um
determinado momento e em um determinado lugar, envolvendo determinadas personagens. Características do
lugar, bem como dos personagens envolvidos são, muitas vezes, minuciosamente descritos.
Reportagem: é um gênero textual jornalístico de caráter dissertativo-expositivo. A reportagem tem, por
objetivo, informar e levar os fatos ao leitor de uma maneira clara, com linguagem direta.
Entrevista: é um gênero textual fundamentalmente dialogal, representado pela conversação de duas ou mais
pessoas, o entrevistador e o(s) entrevistado(s), para obter informações sobre ou do entrevistado, ou de algum
outro assunto. Geralmente envolve também aspectos dissertativo-expositivos, especialmente quando se trata de
entrevista a imprensa ou entrevista jornalística. Mas pode também envolver aspectos narrativos, como na
entrevista de emprego, ou aspectos descritivos, como na entrevista médica.
História em quadrinhos: é um gênero narrativo que consiste em enredos contados em pequenos quadros
através de diálogos diretos entre seus personagens, gerando uma espécie de conversação.
Charge: é um gênero textual narrativo onde se faz uma espécie de ilustração cômica, através de caricaturas,
com o objetivo de realizar uma sátira, crítica ou comentário sobre algum acontecimento atual, em sua grande
maioria.
Poema: trabalho elaborado e estruturado em versos. Além dos versos, pode ser estruturado em estrofes. Rimas e
métrica também podem fazer parte de sua composição. Pode ou não ser poético. Dependendo de sua estrutura,
pode receber classificações específicas, como haicai, soneto, epopeia, poema figurado, dramático, etc. Em geral,
a presença de aspectos narrativos e descritivos são mais frequentes neste gênero.
Poesia: é o conteúdo capaz de transmitir emoções por meio de uma linguagem , ou seja, tudo o que toca e
comove pode ser considerado como poético (até mesmo uma peça ou um filme podem ser assim considerados).
Um subgênero é a prosa poética, marcada pela tipologia dialogal.
c) Linguagem verbal: Linguagem verbal é uso da escrita ou da fala como meio de comunicação.
d) Linguagem não verbal: Linguagem não-verbal é o uso de imagens, figuras, desenhos, símbolos, dança, tom
de voz, postura corporal, pintura, música, mímica, escultura e gestos como meio de comunicação. A linguagem
não-verbal pode ser até percebida nos animais, quando um cachorro balança a cauda quer dizer que está feliz ou
coloca a cauda entre as pernas medo, tristeza.
e) Linguagem mista: Linguagem mista é o uso simultâneo da linguagem verbal e da linguagem não-verbal,
usando palavras escritas e figuras ao mesmo tempo.
f) Língua e Linguagem: A língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a
comunicação. Ela surge em sociedade, e todos os grupos humanos desenvolvem sistemas com esse fim. A
linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir, desenvolver e compreender a língua e outras
manifestações, como a pintura, a música e a dança.
g) Texto: Texto é um conjunto de palavras e frases encadeadas que permitem interpretação e transmitem uma
mensagem. É qualquer obra escrita em versão original e que constitui um livro ou um documento escrito. Um
texto é uma unidade linguística de extensão superior à frase.
h)
4) GÊNEROS LITERÁRIOS
a) Gênero Lírico: É certo tipo de texto no qual um eu lírico (a voz que fala no poema e que nem sempre
corresponde à do autor) exprime suas emoções, ideias e impressões em face do mundo exterior. Normalmente os
pronomes e os verbos estão em 1ª pessoa e há o predomínio da função emotiva da linguagem. Exemplo:
Sátira: é o poema lírico em que o emissor faz uma crítica a alguém ou a algo, em tom sério ou irônico.
b) Épico (ou Epopeia): os textos épicos são geralmente longos e narram histórias de um povo ou de uma
nação, envolvem aventuras, guerras, viagens, gestos heroicos, etc. Normalmente apresentam um tom de
exaltação, isto é, de valorização de seus heróis e seus feitos. Dois exemplos são Os Lusíadas, de Luís de
Camões, e Odisséia, de Homero.
Gênero Dramático: Trata-se do texto escrito para ser encenado no teatro. Nesse tipo de texto, não há um
narrador contando a história. Ela “acontece” no palco, ou seja, é representada por atores, que assumem os papéis
das personagens nas cenas. Exemplo: Tragédia: é a representação de um fato trágico, suscetível de provocar
compaixão e terror. Aristóteles afirmava que a tragédia era "uma representação duma ação grave, de alguma
extensão e completa, em linguagem figurada, com atores agindo, não narrando, inspirando dó e terror".
Ex: Romeu e Julieta, de Shakespeare.
5) TROVADORISMO
a) Cantigas de amor: “Senhora minha, desde que vos vi,
lutei para ocultar esta paixão
que me tomou inteiro o coração;
mas não o posso mais e decidi
que saibam todos o meu grande amor,
a tristeza que tenho, a imensa dor
que sofro desde o dia em que vos vi.”
(Afonso Fernandes)
b) Cantigas de amigo:
Ondas do mar de Vigo
Se vires meu namorado!
Por Deus, (digam) se virá cedo!
Ondas do mar revolto,
Se vires o meu namorado!
Por Deus, (digam) se virá cedo!
Se vires meu namorado,
Aquele por quem eu suspiro!
Por Deus, (digam) se virá cedo!
Se vires meu namorado
Por quem tenho grande temor!
Por Deus, (digam) se virá cedo!
(Martim Codax)
c) Cantigas de escárnio:
Ai, dona fea, foste-vos queixa
que vos nunca louv[o] em meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!...
d) Cantigas de maldizer:
Roi queimado morreu con amor
Em seus cantares por Sancta Maria
por ua dona que gran bem queria
e por se meter por mais trovador
porque lhela non quis [o] benfazer
fez-sel en seus cantares morrer
mas ressurgiu depois ao tercer dia!...
e) Arte Medieval: Vitral de Santo Agostinho
Fonte: https://sanfilosofia.files.wordpress.com/2010/06/tiffany_window_of_st_augustine__lightner_museum1.jpg
g ) Intertexto: “ As rosas não falam” – Cartola
Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim
Queixo-me às rosas
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai
Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim
6) HUMANISMO
a) O teatro popular de Gil Vicente
Fragmento de “O velho da horta”
Esta seguinte farsa tem como argumento: um homem honrado e muito rico, já velho, tinha uma horta: e andando
uma manhã por ela espairecendo, sendo o seu hortelão fora, veio uma moça de muito bom parecer buscar
hortaliça, e o velho em tanta maneira se enamorou dela que, por via de uma alcoviteira, gastou toda a sua
fazenda. A alcoviteira foi açoitada, e a moça casou honradamente. Entra logo o velho rezando pela horta. Foi
representada ao mui sereníssimo rei D. Manuel, o primeiro desse nome. Era do Senhor de M.D.XII.
Entra a MOÇA na horta e diz o VELHO:
Velho — Senhora, benza-vos Deus,
Moça — Deus vos mantenha, senhor.
Velho — Onde se criou tal flor? Eu diria que nos céus.
Moça — Mas no chão.
Velho — Pois damas se acharão que não são vosso sapato!
Moça — Ai! Como isso é tão vão, e como as lisonjas são de barato!
Velho — Que buscais vós cá, donzela, senhora, meu coração?
Moça — Vinha ao vosso hortelão, por cheiros para a panela.
Velho — E a isso vinde vós, meu paraíso. Minha senhora, e não a aí?
Moça — Vistes vós! Segundo isso, nenhum velho não tem siso natural.
Velho — Ó meus olhinhos garridos, mina rosa, meu arminho!
Moça — Onde é vosso ratinho? Não tem os cheiros colhidos?
Velho — Tão depressa vinde vós, minha condensa, meu amor, meu coração! Moça — Jesus! Jesus! Que coisa é
essa? E que prática tão avessa da razão! Velho — Falai, falai doutra maneira! Mandai-me dar a hortaliça. Grão
fogo de amor me atiça, ó minha alma verdadeira!
Moça — E essa tosse? Amores de sobreposse serão os da vossa idade; o tempo vos tirou a posse.
Velho — Mas amo que se moço fosse com a metade.
Moça — E qual será a desastrada que atende vosso amor?
Velho — Oh minha alma e minha dor, quem vos tivesse furtada!
Moça — Que prazer! Quem vos isso ouvir dizer cuidará que estais vivo, ou que estai para viver!
Velho — Vivo não no quero ser, mas cativo!
Moça — Vossa alma não é lembrada que vos despede esta vida?
b) Intertexto: “O auto da compadecida” – Ariano Suassuna
Sinopse: O enredo do filme se desenvolve com ambientação no sertão nordestino em torno de dois personagens
principais: João Grilo (Matheus Nachtergale), um sertanejo mentiroso e Chicó (Selton Mello), o maior covarde
da região. Ambos são muito pobres e sobrevivem de pequenos negócios e saques enquanto vagam pelo sertão.
Em um desses golpes, eles se envolvem com Severino de Aracaju (Marco Nanini), um temido cangaceiro, que
os persegue pela região. Com uma mistura de drama e comédia, o filme também aborda aspectos culturais e
religiosos do nordeste do Brasil.
7) CLASSICISMO
a) A poesia lírica de Camões
Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
b) A poesia épica de Camões
As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Canto I – Os Lusíadas;
c) Pintura renascentista: “O nascimento de Vênus” - Botticelli
Fonte: http://www.infoescola.com/pintura/o-nascimento-de-venus/
d) Intertexto: “Troia”
Em 1193 A.C., Paris (Orlando Bloom) é um príncipe que provoca uma guerra da Messência contra Tróia, ao
afastar Helena (Diane Kruger) de seu marido, Menelaus (Brendan Gleeson). Tem início então uma sangrenta
batalha, que dura por mais de uma década. A esperança do Priam (Peter O'Toole), rei de Tróia, em vencer a
guerra está nas mãos de Aquiles (Brad Pitt), o maior herói da Grécia, e seu filho Hector (Eric Bana).
8) QUINHENTISMO
a) Literatura de expansão/Colonização/Informação
Fragmento “Carta de Pero Vaz de Caminha”
“Senhor,
posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do
achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso
minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior
que todos fazer!
Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar
nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu. “ (...)
“(...)E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela
me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço
for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir
da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro -- o que d'Ela receberei em muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha.”
b) Intertexto: “A descoberta” – Oswald de Andrade
“Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.”
c) Literatura de formação/catequização
“A Santa Inês” – Padre José de Anchieta
Cordeirinha linda,
Como folga¹ o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume² novo!
Cordeirinha santa, De
Jesus querida,
Vossa santa vida
O Diabo espanta.
Por isso vos canta
Com prazer o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.
Nossa culpa escura
Fugirá depressa,
Pois vossa cabeça
Vem com luz tão pura.
Vossa formosura
Honra é do povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.
Virginal cabeça,
Pela fé cortada,
Com vossa chegada
Já ninguém pereça;
Vinde mui depressa
Ajudar o povo,
Pois com vossa vinda
Lhe dais lume novo.
Vós sois cordeirinha
De Jesus Formoso;
Mas o vosso Esposo já
vos fez Rainha.
Também padeirinha
Sois do vosso Povo, pois
com vossa vinda,
Lhe dais trigo novo.
d) Intertexto: “Índio Tapuia” – Eckhout
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tapuias
9) BARROCO
a) A poesia de Gregório de Matos
Poema satírico: “Triste Bahia”
Triste Bahia!
ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi abundante.
A ti tricou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e, tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Poema sacro: “Soneto a Nosso Senhor”
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido
Vos tem a perdoar mais empenhado.
Se basta a voz irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história.
Eu sou, Senhor a ovelha desgarrada,
Recobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Poema lírico: À mesma d. Ângela
Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:
Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama fluorescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
b) Os sermões de Padre Antônio Vieira
Fragmento de “Sermão de Santo Antônio aos peixes”
Canto IV
“(...) Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as
vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda. A primeira cousa que me
desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a
circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os
pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um
grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos,
nem mil, para um só grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, praeversisque
cupiditatibus facti sunt, sicut pisces invicem se devorantes: «Os homens com suas más e perversas
cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros. » Tão alheia cousa é, não só da razão,
mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria e
todos finalmente irmãos, vivais de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens, para
encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que
vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens.
Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os
matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias
se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos. Vedes vós
todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes
aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo
aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer. Morreu algum
deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comemno os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos
e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador
que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para a mortalha o lençol
mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam
a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. (...)”
c) Pinturas barrocas: Caravaggio e Rembrandt
“A traição de Cristo”
Fonte: https://artesehumordemulher.wordpress.com/pinturas-de-caravaggio-2/
“Filósofo em meditação”
Fonte: http://www.walldesk.com.br/papel-de-parede/wallpapers-quadros-arte-barroca.asp?f=1794
d) Esculturas barrocas: Aleijadinho e Bernini
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Aleijadinho
Fonte: http://julirossi.blogspot.com.br/2012/12/a-escultura-o-raptode-proserpina-e-uma.html
e) Intertexto
Conta a história de um professor de poesia nada ortodoxo, de nome John Keating, em uma escola
preparatória para jovens, a Academia Welton, na qual predominavam valores tradicionais e
conservadores. Esses valores traduziam-se em quatro grandes pilares: tradição, honra, disciplina e
excelência.
Com o seu talento e sabedoria, Keating inspira os seus alunos a perseguir as suas paixões individuais e
tornar as suas vidas extraordinárias.
O filme mostra também que em certa altura da vida, as pessoas, em especial os jovens, deveriam oporse, contestar, gritar e sobretudo ser "livres pensadores", e não deixar que ninguém condicione a sua
maneira de pensar, mas também ensina esses mesmos jovens a usarem o bom-senso.
A Sociedade dos Poetas Mortos é formada por Todd A Anderson, Neil Perry, Steven K C Meeks Jr.,
Charlie Dalton, Knox T Overstreet, Richard S. Cameron e Gerard J Pitts.
Repleta de citações de grandes nomes da literatura de língua inglesa, como Henry David Thoreau, Walt
Whitman e Byron, e de belas imagens metafóricas, Sociedade dos poetas mortos deixa uma profunda
mensagem de vida sintetizada na expressão latina Carpe diem ("aproveite o dia"), cujo sentido é:
aproveite, goze a vida, ela dura pouco, é muito breve. Uma das fontes originais do roteiro é
certamente O Despertar da Primavera de Frank Wedekind, que enfoca jovens vivendo numa
escola alemã no final do século XIX.
10)
ARCADISMO
a) Poesia lírico-amorosa de Tomás Antônio Gonzaga
Fragmento de “Marília de Dirceu”
PARTE I
Lira I
“Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela! (...)”.
b) A poesia satírica de Tomás Antônio Gonzaga
Fragmento de “Cartas Chilenas”
Carta 1ª
“Em que se descreve a entrada que fez
Fanfarrão em Chile.
Amigo Doroteu, prezado amigo,
Abre os olhos, boceja, estende os braços
E limpa, das pestanas carregadas,
O pegajoso humor, que o sono ajunta.
Critilo, o teu Critilo é quem te chama;
Ergue a cabeça da engomada fronha
Acorda, se ouvir queres coisas raras.
“Que coisas, ( tu dirás ), que coisas podes
Contar que valham tanto, quanto vale
Dormir a noite fria em mole cama,
Quando salta a saraiva nos telhados
E quando o sudoeste e outros ventos
Movem dos troncos os frondosos ramos?"
É doce esse descanso, não te nego.
Também, prezado amigo, também gosto
De estar amadornado, mal ouvindo
Das águas despenhadas brando estrondo,
E vendo, ao mesmo tempo, as vãs quimeras,
Que então me pintam os ligeiros sonhos.” (...).
c) Pintura neoclassicista: Jacques-Louis David
“Condesa de Vilain e sua filha”
Fonte:
http://pt.wahooart.com/a55a04/w.nsf/Opra/BRUE-7YN5ZE
11)
ROMANTISMO
a) A poesia indianista de Gonçalves Dias
Fragmento da parte IV de “I-Juca Pirama”
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
b) A poesia nacionalista de Gonçalves Dias
“Canção do exílio”
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
c) A poesia lírico-amorosa de Gonçalves Dias
Parte XIV a XVIII de “Ainda uma vez, adeus!”
XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!
XV
És doutro agora, e pr'a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!
XVI
Doi-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão! ... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!
XVII
Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!
XVIII
d) A poesia ultrarromântica de Álvares de Azevedo
“Lembrança de Morrer”
Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
... Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade... é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade... é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!
De meu pai... de meus únicos amigos,
Pouco - bem poucos... e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Lerás porém algum dia
Meus versos d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; - e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, - de compaixão
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores. (...)
e) A poesia social de Castro Alves
Parte V e VI do “Navio negreiro”.
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz! ...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte! ...
... Adeus, amores... adeus! ...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!.
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
f) O romance pré-realista de Manuel Antônio de Almeida
Fragmento de “Memória de um sargento de milícias”
Era no tempo do rei. Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortandose mutuamente, chamava-se nesse tempo — O canto dos meirinhos —; e bem lhe assentava o nome,
porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não
pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do
tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos
da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era
entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os extremos se tocam,
e estes, tocando-se, fechavam o círculo dentro do qual se passavam os terríveis combates das citações,
provarás, razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais que se chamava o processo. Daí sua
influência moral. Mas tinham ainda outra influência, que é justamente a que falta aos de hoje: era a
influência que derivava de suas condições físicas. Os meirinhos de hoje são homens como quaisquer
outros; nada têm de imponentes, nem no seu semblante nem no seu trajar, confundem-se com qualquer
procurador, escrevente de cartório ou contínuo de repartição. Os meirinhos desse belo tempo não, não se
confundiam com ninguém; eram originais, eram tipos: nos seus semblantes transluzia um certo ar de
majestade forense, seus olhares calculados e sagazes significavam chicana. Trajavam sisuda casaca
preta, calção e meias da mesma cor, sapato afivelado, ao lado esquerdo aristocrático espadim, e na
ilharga direita penduravam um círculo branco, cuja significação ignoramos, e coroavam tudo isto por
um grave chapéu armado. Colocado sob a importância vantajosa destas condições, o meirinho usava e
abusava de sua posição. Era terrível quando, ao voltar uma esquina ou ao sair de manhã de sua casa, o
cidadão esbarrava com uma daquelas solenes figuras, que, desdobrando junto dele uma folha de papel,
começava a lê-la em tom confidencial! Por mais que se fizesse não havia remédio em tais circunstâncias
senão deixar escapar dos lábios o terrível — Dou-me por citado. — Ninguém sabe que significação
fatalíssima e cruel tinham estas poucas palavras! eram uma sentença de peregrinação eterna que se
pronunciava contra si mesmo; queriam dizer que se começava uma longa e afadigosa viagem, cujo
termo bem distante era a caixa da Relação, e durante a qual se tinha de pagar importe de passagem em
um sem-número de pontos; o advogado, o procurador, o inquiridor, o escrivão, o juiz, inexoráveis
Carontes, estavam à porta de mão estendida, e ninguém passava sem que lhes tivesse deixado, não um
óbolo, porém todo o conteúdo de suas algibeiras, e até a última parcela de sua paciência. (...)
g) O romance indianista de José de Alencar
Capítulo II de “Iracema”
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos
lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de
palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu
hálito perfumado. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu,
onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava
apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do Sol, ela repousava
em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da
noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem
os pássaros ameigavam o canto. Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce
mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de
seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. A graciosa ará,
sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem
pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do
crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão. Rumor suspeito
quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturbase. Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau
espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das
águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto
de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido. De
primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu
na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida. O
sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a
uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara. A mão que rápida ferira, estancou
mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a
haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada. O guerreiro falou: — Quebras comigo a
flecha da paz? — Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a
estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu? 6 — Venho de bem longe, filha das florestas.
Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus. — Bem-vindo seja o estrangeiro aos
campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.
h) O teatro de Martins Pena
Cena VII de “O noviço”
CENA VII
Carlos, com hábito de noviço, entra assustado e fecha a porta.
EMÍLIA, assustando-se - Ah, quem é? Carlos!
CARLOS - Cala-te
EMÍLIA - Meu Deus, o que tens, por que estás tão assustado? O que foi?
CARLOS - Aonde está minha tia, e o teu padrasto?
EMÍLIA - Lá em cima. Mas o que tens?
CARLOS - Fugi do convento, e aí vêm eles atrás de mim.
EMÍLIA - Fugiste? E por que motivo?
CARLOS - Por que motivo? pois faltam motivos para se fugir de um convento? O último foi o jejum em
que vivo há sete dias... Vê como tenho esta barriga, vai a sumir-se. Desde sexta feira passada que não
mastigo pedaço que valha a pena.
EMÍLIA - Coitado!
CARLOS - Hoje, já não podendo, questionei com o D. Abade. Palavras puxam palavras; dize tu, direi
eu, e por fim de contas arrumei-lhe uma cabeçada, que o atirei por esses ares.
EMÍLIA - O que fizestes, louco?
CARLOS - E que culpa tenho eu, se tenho a cabeça esquentada? Para que querem violentar minhas
inclinações? Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com
os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... Não posso jejuar; tenho, pelo mesno três vezes ao
dia, uma fome de todos os diabos. Militar é que eu quisera ser; para aí chama-me a inclinação.
Bordoadas, espadeiradas, rusgas é que me regalam; esse é o meu gênio. Gosto de teatro, e de lá ninguém
vai ao teatro, à exceção de Frei Maurício, que freqüenta a platéia de casaca e cabelereira para esconder a
coroa.
EMÍLIA - Pobre Carlos, como terás passado estes seis meses de noviciado!
CARLOS - Seis meses de martírio! Não que a vida de frade seja má; boa é ela para quem a sabe gozar e
que para ela nasceu; mas eu, priminha, eu que tenho para tal vidinha negação completa, não posso!
EMÍLIA - E os nossos parentes quando nos obrigam a seguir uma carreira para a qual não temos
inclinação alguma, dizem que o tempo acostumar-nos-á.
CARLOS - O tempo acostumar! Eis aí porque vemos entre nós tantos absurdos e disparates. Este tem
jeito para sapateiro: pois vá estudar medicina... Excelente médico! Aquele tem inclinação para cômico:
pois não senhor, será político... Ora, ainda isso vá. Estoutro só tem jeito para caiador ou borrador: nada,
é ofício que não presta... Seja diplomata, que borra tudo quanto faz. Aqueloutro chama-lhe toda a
propensão para a ladroeira; manda o bom senso que se corrija o sujeitinho, mas isso não se faz; seja
tesoureiro de repartição fiscal, e lá se vão os cofres da nação à garra... Essoutro tem uma grande carga
de preguiça e indolência e só serviria para leigo de convento, no entanto vemos o bom do mandrião
empregado público, comendo com as mãos encruzadas sobre a pança o pingue ordenado da nação.
EMÍLIA - Tens muita razão; assim é.
CARLOS - Este nasceu para poeta ou escritor, com uma imaginação fogosa e independente, capaz de
grandes cousas, mas não pode seguir a sua inclinação, porque poetas e escritores morrem de miséria, no
Brasil... E assim o obriga a necessidade a ser o mais somenos amanuense em uma repartição pública e a
copiar cinco horas por dia os mais soníferos papéis. O que acontece? Em breve matam-lhe a inteligência
e fazem do homem pensante máquina estúpida, e assim se gasta uma vida? É preciso, é já tempo que
alguém olhe para isso, e alguém que possa.
EMÍLIA - Quem pode nem sempre sabe o que se passa entre nós, para poder remediar; é preciso falar.
CARLOS - O respeito e a modéstia prendem muitas línguas, mas lá vem um dia que a voz da razão se
faz ouvir, e tanto mais forte quanto mais comprimida.
EMÍLIA - Mas Carlos, hoje te estou desconhecendo...
CARLOS - A contradição em que vivo tem-me exasperado! E como queres tu que eu não fale quando
vejo, aqui, um péssimo cirurgião que poderia ser bom alveitar; ali um ignorante general que poderia ser
excelente enfermeiro; acolá, um periodiqueiro que só serviria para arrieiro, tão desbocado e insolente é,
etc., etc. Tudo está fora de seus eixos.
EMÍLIA - Mas que queres tu que se faça?
CARLOS - Que não se constranja ninguém, que se estudem os homens e que haja uma bem entendida e
esclarecida proteção, e que, sobretudo, se despreze o patronato, que assenta o jumento nas bancas das
academias e amarra o homem de talento à manjedoura. Eu, que quisera viver com uma espada à cinta e
à frente do meu batalhão, conduzi-lo ao inimigo através da metralha, bradando: "Marcha...
(Manobrando pela sala, entusiasmado:) Camaradas, coragem, calar baionetas! Marche, marche!
Firmeza, avança! O inimigo fraqueia... (Seguindo Emília, que recua, espantada:) Avança!"
EMÍLIA - Primo, primo, que é isso? Fique quieto!
CARLOS, entusiasmado - "Avança, bravos companheiros, viva a Pátria Viva!" - e voltar vitorioso,
coberto de sangue e poeira... Em vez desta vida de agitação e glória, hei-de ser frade, revestir-me de
paciência e humildade, encomendar defuntos... (Cantando:) Requiescat in pace... a porta inferi!
amen... O que seguirá disto? O ser eu péssimo frade, descrédito do convento e vergonha do hábito que
visto. Falta-me a paciência.
EMÍLIA - Paciência, Carlos, preciso eu também ter, e muita. Minha mãe declarou-me positivamente
que eu hei-de ser freira.
CARLOS - Tu, freira? Também te perseguem?
EMÍLIA - E meu padrasto ameaça-me.
CARLOS - Emília, aos cinco anos estava eu órfão, e tua mãe, minha tia, foi nomeada por meu pai sua
testamenteira e minha tutora. Contigo cresci nesta casa e à amizade de criança seguiu-se inclinação mais
forte... Eu te amei, Emília, e tu também me amaste.
EMÍLIA - Carlos!
CARLOS - Vivíamos felizes esperando que um dia nos uniríamos. Nesses planos estávamos quando
apareceu este homem, não sei donde, e que soube a tal ponto iludir tua mãe, que a fez esquecer-se de
seus filhos que tanto amava, de seus interesses e contrair segundas núpcias.
EMÍLIA - Desde então nossa vida tem sido tormentosa...
CARLOS - Obrigaram-me a ser noviço, e não contentes com isso, querem-te fazer freira. Emília, há
muito tempo que eu observo este teu padrasto. E sabes qual tem sido o resultado das minhas
observações?
EMÍLIA - Não.
CARLOS - Que ele é um rematadíssimo velhaco.
EMÍLIA - Oh, estás bem certo disso?
CARLOS - Certíssimo! Esta resolução que tomaram, de fazerem-te freira, confirma a minha opinião.
EMÍLIA - Explica-te
CARLOS - Teu padrasto persuadia a minha tia que me obrigasse a ser frade para assim roubar-me,
impunemente , a herança que meu pai deixou-me. Um frade não põe demandas...
EMÍLIA - É possível?
CARLOS - Ainda mais; querem que tu sejas freira para não te darem dote, se te casares.
EMÍLIA - Carlos, quem te disso isso? Minha mãe não é capaz!
CARLOS - Tua mãe vive iludida. Oh, que não possa eu desmascarar este tratante!...
EMÍLIA - Fala baixo!
i) Pintura romântica: Debret
“Jantar no Brasil”
Fonte: http://cultura.culturamix.com/arte/obras-de-arte-de-debret
“Real teatro São João”
Fonte: https://meninasemarte.wordpress.com/tag/debret/
j) Pintura romântica: Delacroix
“A liberdade guiando o povo”
Fonte: http://abstracaocoletiva.com.br/2012/11/03/analise-liberdade-guiando-o-povo-delacroix/
k) Intertexto: “12 anos de escravidão”
1841. Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) é um escravo liberto, que vive em paz ao lado da esposa e
filhos. Um dia, após aceitar um trabalho que o leva a outra cidade, ele é sequestrado e acorrentado.
Vendido como se fosse um escravo, Solomon precisa superar humilhações físicas e emocionais para
sobreviver. Ao longo de doze anos ele passa por dois senhores, Ford (Benedict Cumberbatch) e Edwin
Epps (Michael Fassbender), que, cada um à sua maneira, exploram seus serviços.
12)
REALISMO
a) O realismo psicológico de Machado de Assis
Capítulo 1 e 2 de “Memórias póstumas de Brás Cubas”
CAPÍTULO 1
Óbito do Autor
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em
primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo
nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou
propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é
que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs
no intróito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco. Dito isto, expirei às duas
horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha
uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui
acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem
anúncios. Acresce que chovia — peneirava — uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e
tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa idéia no discurso que
proferiu à beira de minha cova: — “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo
que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem
honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul
como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas;
tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.” Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das
vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me
encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe,
mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram-me ir umas
nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com o Cotrim, — a filha, um
lírio-do-vale, — e... Tenham paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora.
Contentem-se de saber que essa anônima, ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É
verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa.
Nem o meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão que expira aos sessenta e quatro anos,
não parece que reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha
a essa anônima era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta,
a triste senhora mal podia crer na minha extinção. — Morto! morto! dizia consigo. É a imaginação dela,
como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o vôo desde o Ilisso às ribas africanas, sem
embargo das ruínas e dos tempos, — a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços
presentes até às ribas de uma África juvenil... Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me
restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranqüilamente, metodicamente, ouvindo os soluços
das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o
som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes
que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante
chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-seme a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra, e lodo, e
coisa nenhuma. Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que uma
ideia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me não creia, e todavia é verdade.
Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.
CAPÍTULO 2
O emplasto
Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma idéia no trapézio que
eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas
de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto,
estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te. Essa idéia era nada
menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto antihipocondríaco, destinado a aliviar
a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do
governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens
pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos.
Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu
principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas
caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do
arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que
esse talento me hão de reconhecer os hábeis. Assim, a minha idéia trazia duas faces, como as medalhas,
uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de
nomeada. Digamos: — amor da glória. Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o
amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que
retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais
verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição. Decida o
leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.
b) O realismo psicológico de Machado de Assis
Capítulo XXXII de “Dom Casmurro”
CAPÍTULO XXXII /
Olhos de ressaca
Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no qual não sei se aprendeu ou
ensinou, ou se fez ambas as cousas, como eu. É o que contarei no outro Capítulo. Neste direi somente
que, passados alguns dias do ajuste com o agregado, fui ver a minha amiga; eram dez horas da manhã.
D. Fortunata, que estava no quintal nem esperou que eu lhe perguntasse pela filha. --Está na sala
penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzinho para lhe pregar um susto. Fui devagar, mas ou o pé ou o
espelho traiu-me. Este pode ser que não fosse; era um espelhinho de pataca (perdoai a barateza),
comprado a um mascate italiano, moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede, entre as duas
janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade é que, apenas entrei na sala, pente, cabelos, toda
ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta pergunta: --Há alguma cousa? --Não há nada, respondi; vim ver
você antes que o Padre Cabral chegue para a lição. Como passou a noite? --Eu bem. José Dias ainda não
falou? --Parece que não. -- Mas então quando fala? --Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no
assunto; não vai logo de pancada, falará assim por alto e por longe, um toque. Depois, entrará em
matéria. Quer primeiro ver se mamãe tem a resolução feita... -- Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se
não fosse preciso alguém para vencer já, e de todo, não se lhe falaria. Eu já nem sei se José Dias poderá
influir tanto; acho que fará tudo, se sentir que você realmente não quer ser padre, mas poderá
alcançar?... Ele é atendido; se, porém... É um inferno isto! Você teime com ele, Bentinho. --Teimo- hoje
mesmo ele há de falar. --Você jura? --Juro. Deixe ver os olhos, Capitu. Tinha-me lembrado a definição
que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas
dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me
perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas
conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era
um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto
atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que... Retórica dos
namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não
me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram.
Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido
misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, comoa vaga que se retira da praia, nos dias
de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos
cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha
crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos
naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas
pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há
de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no
inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus
desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dane;
mas eu não estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de um tempo não marcado,
agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitou, mas então com as mãos, e disse-lhe,--para dizer
alguma cousa,--que era capaz de os pentear, se quisesse. --Você? --Eu mesmo. --Vai embaraçar-me o
cabelo todo, isso sim. --Se embaraçar, você desembaraça depois. --Vamos ver.
c) O teatro de Arthur Azevedo
Fragmento final da peça “A capital federal”
Cena III – Os mesmos, Benvinda
Benvinda – Tô muito arrependida! Não valeu a pena!
Fortunata – Rua, sua desavergonhada!
Eusébio – Tenha pena da mulata.
Fortunata – Rua!
Quinota – Mamãe, lembre-se de que eu mamei o mesmo leite que ela.
Fortunata – Este diabo não tem descurpa! Rua!
Gouveia – Não seja má, Dona Fortunata. Ela também apanhou o micróbio da pândega. Fortunata – Pois
bem, mas se não se comportá dereto... (Benvinda vai para junto de Juquinha.)
Eusébio (Baixo à Fortunata.) – Ela há de casá com seu Borge... Eu dou o dote... Fortunata – Mas seu
Borge...
Eusébio – Quem não sabe é como quem não vê. (Alto.) A vida da capitá não se fez para nós... E que tem
isso?... É na roça, é no campo, é no sertão, é na lavoura que está a vida e o progresso da nossa querida
pátria. (Mutação.)
13)
NATURALISMO
a) O naturalismo de Aluisio Azevedo
Fragmento de “O cortiço”
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e
janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo.
Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da ultima guitarra da noite
antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em
terra alheia. A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto
acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos
azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como
o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro
quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras
palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já,
e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que
se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos,
cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saíam mulheres que vinham pendurar cá fora,
na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se
ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia. Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum
crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara,
incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundavase. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada
nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os
homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da
água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As
portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem
tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se
davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem
ou no recanto das hortas.
b) Intertexto: “Germinal”
Durante o Século XIX, os trabalhadores franceses eram explorados pela aristocracia burguesa, que dava
condições miseráveis para seus empregados. Em uma cidade francesa, os mineradores de uma grande
mineradora, decidem realizar uma greve e se rebelam contra seus chefes, causando o caos.
14)
PARNASIANISMO
a) A poesia parnasiana de Olavo Bilac
“Profissão de fé”
Não quero o Zeus Capitolino
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino
Com o camartelo.
Que outro - não eu! - a pedra corte
Para, brutal,
Erguer de Atene o altivo porte
Descomunal.
Mais que esse vulto extraordinário,
Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário
De fino artista.
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem,
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
b) A poesia romântica de Olavo Bilac
Soneto XIII de “Via Láctea”
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
c) Pintura parnasiana
“O pesadelo” – Henri Fuseli
Fonte: http://www.cienciacuriosa.com.br/o-pesadelo/
15)
SIMBOLISMO
a) A poesia simbolista de Cruz e Souza
Antífona
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...
b) A poesia simbolista de Alphonsus de Guimarães
A Catedral
Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.
E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
Por entre lirios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.
E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O céu e todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem acoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.
E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
c) Pinturas simbolistas – Paul Gauguin e Eliseu Visconti
Fonte : http://pt.wikipedia.org/wiki/Simbolismo
16)
PRÉ-MODERNISMO
a) A poesia pré-modernista de Augusto dos Anjos
“Versos íntimos”
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
b) O romance pré-modernista de Euclides da Cunha
Fragmento de “Os sertões”
I
O planalto central do Brasil desce, nos litorais do Sul, em escarpas inteiriças, altas e abruptas. Assoberba os
mares; e desata-se em chapadões nivelados pelos visos das cordilheiras marítimas, distendidas do Rio Grande a
Minas. Mas ao derivar para as terras setentrionais diminui gradualmente de altitude, ao mesmo tempo que
descamba para a costa oriental em andares, ou repetidos socalcos, que o despem da primitiva grandeza
afastando-o consideravelmente para o interior. De sorte que quem o contorna, seguindo para o norte, observa
notáveis mudanças de relevos: a princípio o traço contínuo e dominante das montanhas, precintando-o, com
destaque saliente, sobre a linha projetante das praias, depois, no segmento de orla marítima entre o Rio de
Janeiro e o Espírito Santo, um aparelho litoral revolto, feito da envergadura desarticulada das serras, riçado de
cumeadas e corroído de angras, e escancelando-se em baías, e repartindo-se em ilhas, e desagregando-se em
recifes desnudos, à maneira de escombros do conflito secular que ali se trava entre os mares e a terra; em
seguida, transposto o 15º paralelo, a atenuação de todos os acidentes — serranias que se arredondam e suavizam
as linhas dos taludes, fracionadas em morros de encostas indistintas no horizonte que se amplia; até que em
plena faixa costeira da Bahia, o olhar, livre dos anteparos de serras que até lá o repulsam e abreviam, se dilata
em cheio para o ocidente, mergulhando no âmago da terra amplíssima lentamente emergindo num ondear
longínquo de chapadas... Este facies geográfico resume a morfogenia do grande maciço continental. Demonstrao análise mais íntima feita por um corte meridiano qualquer, acompanhando a bacia do S. Francisco. Vê-se, de
fato, que três formações geognósticas díspares, de idades mal determinadas, aí se substituem, ou se entrelaçam,
em estratificações discordantes, formando o predomínio exclusivo de umas, ou a combinação de todas, os traços
variáveis da fisionomia da terra. Surgem primeiro as possantes massas gnaissegraníticas, que a partir do extremo
sul se encurvam em desmedido anfiteatro, alteando as paisagens admiráveis que tanto encantam e iludem as
vistas inexpertas dos forasteiros. A princípio abeiradas do mar progridem em sucessivas cadeias, sem rebentos
laterais, até às raias do litoral paulista, feito dilatado muro de arrimo sustentando as formações sedimentares do
interior. A terra sobranceia o oceano, dominante, do fastígio das escarpas; e quem a alcança, como quem vinga a
4 rampa de um majestoso palco, justifica os exageros descritivos — do gongorismo de Rocha Pita às
extravagâncias geniais de Buckle — que fazem deste país região privilegiada, onde a natureza armou a sua mais
portentosa oficina. É que, de feito, sob o tríplice aspecto astronômico, topográfico e geológico — nenhuma se
afigura tão afeiçoada à Vida. (...)
c) O romance pré-modernista de Lima Barreto
Fragmento de “Triste fim de Policarpo Quaresma”
I
Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze
da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário,
bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa.
Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o
bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem
exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno
matematicamente determinado, previsto e predito. A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa
do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à
criada: “Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou.” E era assim todos os dias, há quase trinta anos.
Vivendo em casa própria e tendo outros rendimentos além do seu ordenado, o Major Quaresma podia levar um
trem de vida superior aos seus recursos burocráticos, gozando, por parte da vizinhança, da consideração e
respeito de homem abastado. Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os
vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo. Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a
única desafeição que merecera fora a do Doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir
que Quaresma tivesse livros: “Se não era formado, para quê? Pedantismo!” 2 O subsecretário não mostrava os
livros a ninguém, mas acontecia que, quando se abriam as janelas da sala de sua livraria, da rua poder-se-iam
ver as estantes pejadas de cima a baixo. Eram esses os seus hábitos; ultimamente, porém, mudara um pouco; e
isso provocava comentários no bairro. Além do compadre e da filha, as únicas pessoas que o visitavam até
então, nos últimos dias, era visto entrar em sua casa, três vezes por semana e em dias certos, um senhor baixo,
magro, pálido, com um violão agasalhado numa bolsa de camurça. Logo pela primeira vez o caso intrigou a
vizinhança. Um violão em casa tão respeitável! Que seria? E, na mesma tarde, uma das mais lindas vizinhas do
major convidou uma amiga, e ambas levaram um tempo perdido, de cá pra lá, a palmilhar o passeio, esticando a
cabeça, quando passavam diante da janela aberta do esquisito subsecretário. Não foi inútil a espionagem.
Sentado no sofá, tendo ao lado o tal sujeito, empunhando o “pinho” na posição de tocar, o major, atentamente,
ouvia: “Olhe, major, assim.” E as cordas vibravam vagarosamente a nota ferida; em seguida, o mestre aduzia:
“É ‘ré’, aprendeu?” Mais não foi preciso pôr na carta; a vizinhança concluiu logo que o major aprendia a tocar
violão. Mas que cousa? Um homem tão sério metido nessas malandragens! Uma tarde de sol - sol de março,
forte e implacável - aí pelas cercanias das quatro horas, as janelas de uma erma rua de São Januário povoaramse rápida e repentinamente, de um e de outro lado. Até da casa do general vieram moças à janela! Que era? Um
batalhão? Um incêndio? Nada disto: o Major Quaresma, de cabeça baixa, com pequenos passos de boi de carro,
subia a rua, tendo debaixo do braço um violão impudico. É verdade que a guitarra vinha decentemente
embrulhada em papel, mas o vestuário não lhe escondia inteiramente as formas. À vista de tão escandaloso fato,
a consideração e o respeito que o Major Policarpo Quaresma merecia nos arredores de sua casa diminuíam um
pouco. Estava perdido, maluco, diziam. Ele, porém, continuou serenamente nos seus estudos, mesmo porque
não percebeu essa diminuição. Quaresma era um homem pequeno, magro, que usava pince-nez, olhava sempre
baixo, mas, quando fixava alguém ou alguma cousa, os seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um forte
brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma da pessoa ou da cousa que fixava. Contudo, sempre os
trazia baixos, como se se guiasse pela ponta do cavanhaque que lhe enfeitava o queixo. Vestia-se sempre de
fraque, preto, azul, ou de cinza, de pano listrado, mas sempre de fraque, e era raro que não se cobrisse com uma
cartola de abas curtas e muito alta, feita segundo um figurino antigo de que ele sabia com precisão a época.
Quando entrou em casa, naquele dia, foi a irmã quem lhe abriu a porta, perguntando: - Janta já? - Ainda não.
Espere um pouco o Ricardo que vem jantar hoje conosco. - Policarpo, você precisa tomar juízo. Um homem de
idade, com posição, respeitável, como você é, andar metido com esse seresteiro, um quase capadócio - não é
bonito! O major descansou o chapéu-de-sol - um antigo chapéu-de-sol com a haste inteiramente de madeira, e
um cabo de volta, incrustado de pequenos losangos de madrepérola - e respondeu: - Mas você está muito
enganada, mana. É preconceito supor-se que todo o homem que toca violão é um desclassificado. A modinha é a
mais genuína expressão da poesia nacional e o violão é o instrumento que ela pede. Nós é que temos
abandonado o gênero, mas ele já esteve em honra, em Lisboa, no século passado, com o Padre Caldas que teve
um auditório de fidalgas. Beckford, um inglês, muito o elogia. - Mas isso foi em outro tempo; agora... - Que tem
isso, Adelaide? Convém que nós não deixemos morrer as nossas tradições, os usos genuinamente nacionais... Bem, Policarpo, eu não quero contrariar você; continue lá com as suas manias. O major entrou para um
aposento próximo, enquanto sua irmã seguia em direitura ao interior da casa. Quaresma despiu-se, lavou-se,
enfiou a roupa de casa, veio para a biblioteca, sentou-se a uma cadeira de balanço, descansando.
d) O conto pré-modernista de Monteiro Lobato
Fragmento de “Urupês”
Esboroou-se o balsâmico indianismo de Alencar ao advento dos Rondons que, ao invés de imaginarem índios
num gabinete, com reminiscências de Chateaubriand na cabeça e a Iracema aberta sobre os joelhos, metem-se a
palmilhar sertões de Winchester em punho.
Morreu Peri, incomparável idealização dum homem natural como o sonhava Rousseau, protótipo de tantas
perfeições humanas que no romance, ombro a ombro com altos tipos civilizados, a todos sobrelevava em beleza
d’alma e corpo.
Contrapôs-lhe a cruel etnologia dos sertanistas modernos um selvagem real, feio e brutesco, anguloso e
desinteressante, tão incapaz, muscularmente, de arrancar uma palmeira, como incapaz, moralmente, de amar
Ceci.
Por felicidade nossa – a de D. Antonio de Mariz – não os viu Alencar; sonhou-os qual Rousseau. Do contrário lá
teríamos o filho de Arará a moquear a linda menina num bom braseiro de pau brasil, em vez de acompanhá-la
em adoração pelas selvas, como o Ariel benfazejo do Paquequer.
A sedução do imaginoso romancista criou forte corrente. Todo o clã plumitivo deu de forjar seu indiozinho
refegado de Peri e Atala. Em sonetos, contos e novelas, hoje esquecidos, consumiram-se tabas inteiras de
aimorés sanhudos, com virtudes romanas por dentro e penas de tucano por fora.
Vindo o público a bocejar de farto, já céptico ante o crescente desmantelo do ideal, cessou no mercado literário
a procura de bugres homéricos, inúbias, tacapes, borés, piágas e virgens bronzeadas. Armas e heróis desandaram
cabisbaixos, rumo ao porão onde se guardam os móveis fora de uso, saudoso museu de extintas pilhas elétricas
que a seu tempo galvanizaram nervos. E lá acamam poeira cochichando reminiscências com a barba de D. João
de Castro, com os frankisks de Herculano, com os frades de Garrett e que tais…
Não morreu, todavia.
Evoluiu.
O indianismo está de novo a deitar copa, de nome mudado. Crismou-se de “caboclismo”. O cocar de penas de
arara passou a chapéu de palha rebatido à testa; o ocara virou rancho de sapé; o tacape afilou, criou gatilho,
deitou ouvido e é hoje espingarda troxadal o boré descaiu lamentavelmente para pio de inambu; a tanga
ascendeu a camisa aberta ao peito.
Mas o substrato psíquico não mudou: orgulho indomável, independência, fidalguia, coragem, virilidade heróica,
todo o recheio em suma, sem faltar uma azeitona, dos Perís e Ubirajaras.
Estes setembrino rebrotar duma arte morta inda se não desbagoou de todos os frutos. Terá o seu “I Juca
Pirama”, o seu “Canto do Piaga” e talvez dê ópera lírica.
Mas, completado o ciclo, virão destroçar o inverno em flor da ilusão indianista os prosaicos demolidores de
ídolos – gente má e sem poesia. Irão os malvados esgaravatar o ícone com as curetas da ciência. E que feias se
hão de entrever as caipirinhas cor de jambo de Fagundes Varela! E que chambões e sornas os Peris de calça,
camisa e faca à cinta!
e) Pintura pré-modernista – Almeida Júnior
“Caipira picando fumo”
Fonte: http://artefontedeconhecimento.blogspot.com.br/2011/07/caipira-picando-fumo-almeida-jr.html
17)
VANGUARDAS EUROPEIAS
a) Futurismo – Filippo Marinetti
MANIFESTO FUTURISTA (Publicado em 20 de Fevereiro de 1909, no “Le Figaro”)
1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.
2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.
3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento
agressivo, a insónia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.
4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade.
Um automóvel de corrida com o seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito
explosivo… um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de
Samotrácia.
5. Nós queremos glorificar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também
numa corrida sobre o circuito da sua órbita.
6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, esforço e liberdade, para aumentar o entusiástico fervor dos
elementos primordiais.
7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um carácter agressivo pode ser uma obraprima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a
prostrar-se diante do homem.
8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!… Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos
arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Já estamos vivendo no
absoluto, pois já criamos a eterna velocidade omnipotente.
9. Queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo –, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos
libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda a natureza, e combater o moralismo, o
feminismo e toda a vileza oportunista e utilitária.
11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as
marés multicores e polifónicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor nocturno dos
arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas lutas eléctricas; as estações esganadas, devoradoras de
serpentes que fumam; as fábricas penduradas nas nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes,
semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos
aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes
cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e
parece aplaudir como uma multidão entusiasta.
b) Expressionismo
“O grito” – Edward Munch
Fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/historia/28748/hoje+na+historia+1994++quadro+o+grito+de+munch+e+recuperado+na+noruega.shtml
b) Cubismo
“Les demoiselles d’Avignon” – Pablo Picasso
Fonte : http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=79766
c) Dadaísmo
“Para fazer um poema dadaísta” – Tristan Tzara
PARA FAZER UM POEMA DADAÍSTA
Pegue num jornal.
Pegue numa tesoura.
Escolha no jornal um artigo com o comprimento que pretende dar ao seu poema.
Recorte o artigo.
Em seguida, recorte cuidadosamente as palavras que compõem o artigo e coloque-as num saco.
Agite suavemente.
Depois, retire os recortes uns a seguir aos outros.
Transcreva-os escrupulosamente pela ordem que eles saíram do saco.
O poema parecer-se-á consigo.
E você será um escritor infinitamente original, de uma encantadora sensibilidade, ainda que incompreendido
pelas pessoas vulgares.
“Roda de bicicleta” – Marcel Duchamp
Fonte: https://vanguardamaristao.wikispaces.com/Grupo+4
d) Surrealismo
“A persistência da memória” – Salvador Dalí
Fonte: http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/01/07/903289/um-pouco-arte-sua-vidapersistencia-da-memoria-salvador-dali.html
e) O modernismo de Fernando Pessoa
“Auto psicografia”
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
18)
MODERNISMO NO BRASIL
a) A semana de arte moderna de 1922
Fonte : http://www.pitoresco.com/art_data/semana/
b) O modernismo de Oswald de Andrade
“Erro de português”
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
c) O modernismo experimental de Mário de Andrade
Fragmento de “Macunaíma”
I Macunaíma No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do
medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que
a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. Já na meninice fez
coisas de sarapantar. De primeiro: passou mais de seis anos não falando. Sio incitavam a falar exclamava: If —
Ai! que preguiça!. . . e não dizia mais nada."] Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando
o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de
homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro,
Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos
juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos
guaimuns diz-que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer
festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém
respeitava os velhos, e freqüentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucuicogue, todas essas
danças religiosas da tribo. Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de
mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os
mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras-feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar. Nas
conversas das mulheres no pino do dia o assunto eram sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam
muito simpatizadas, falando que "espinho que pinica, de pequeno já traz ponta", e numa pagelança Rei Nagô fez
um discurso e avisou que o herói era inteligente.
d) O modernismo de Manuel Bandeira
Fragmento de “Os sapos” e “Vou-me embora pra Pasárgada”.
Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
e) A pintura modernista de Tarsila do Amaral
“Abaporu”
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Abaporu
f) A escultura modernista de Brecheret
Fonte: http://www.panoramio.com/user/38205/tags/brecheret
g) A pintura modernista de Anita Malfatti
“O homem amarelo”
Fonte: https://obrasanitamalfatti.wordpress.com/
h) Intertexto
'Um Só Coração' conta parte da história e do desenvolvimento de São Paulo, entre 1922 e 1954 - período em
que a cidade passa de província rural à grande metrópole. A Semana de Arte Moderna, a Revolução de 1924, a
crise de 1929, a Revolução de 1932, a adaptação às diretrizes da Era Vargas, os ecos do nazismo e do fascismo,
os refugiados de guerra, a influência americana, a consolidação do modelo democrático no Brasil, todos esses
momentos servem de pano de fundo para as relações, os sonhos, os amores, os dramas, as lutas e as conquistas.
Esta mistura de ficção e realidade faz-se presente na minissérie, uma homenagem aos 450 anos de São Paulo,
comemorados em 2004.
19)
MODERNISMO: GERAÇÃO DE 30
a) Regionalismo de Graciliano Ramos
“Vidas secas”
Capítulo I - Mudança
NA PLANÍCIE avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia
inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na
areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem
dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha
Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o
aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino
mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais
velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão. - Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado,
fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou
os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse,
espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo. A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado
de manchas brancas que eram ossadas. O vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos
moribundos. - Anda, excomungado. O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração
grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário - e a
obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e
o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde. Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia
horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés. Pelo espírito atribulado do
sertanejo passou a idéia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a
barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinha Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma
direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no
cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados no estômago, frio
como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do
mato. Entregou a espingarda a SinhaVitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe
caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinha Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a
interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.
b) O romance social de Jorge Amado
Fragmento de “Capitães de areia”
Crianças ladronas As aventuras sinistras dos "Capitães da Areia" - A cidade infestada por crianças que vivem
do furto - urge uma providência do Juiz de Menores e do chefe de polícia - ontem houve mais um assalto Já por
várias vezes o nosso jornal, que é sem dúvida o órgão das mais legítimas aspirações da população baiana, tem
trazido noticias sobre a atividade criminosa dos "Capitães da Areia", nome pelo qual é conhecido o grupo de
meninos assaltantes e ladrões que infestam a nossa urbe. Essas crianças que tão cedo se dedicaram à tenebrosa
carreira do crime não têm moradia certa ou pelo menos a sua moradia ainda não foi localizada. Como também
ainda não foi localizado o local onde escondem o produto dos seus assaltos, que se tornam diários, fazendo Jus a
unia Imediata providência do Juiz de Menores e do dr. Chefe de Polícia. Esse bando que vive da rapina se
compõe, pelo que se sabe, de uni número superior a 100 crianças das mais diversas idades, indo desde os8 aos
16 anos. Crianças que, naturalmente devido ao desprezo dado à sua educação por pais pouco servidos de
sentimentos cristãos, se entregaram no verdor dos anos a uma vida criminosa. São chamados de "Capitães da
Areia" porque o cais é o seu quartel-general. E têm por comandante um mascote dos seus 14 anos, que é o mais
terrível de todos, não só ladrão, como já autor de um crime de ferimentos graves, praticado na tarde de ontem.
Infelizmente a Identidade deste chefe é desconhecida.
c) A poesia “gauche” de Drummond
“O poema de sete faces”
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
d) A poesia social de Drummond
“A Bomba”
A bomba
é uma flor de pânico apavorando os floricultores
A bomba
é o produto quintessente de um laboratório falido
A bomba
é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles
A bomba
é grotesca de tão metuenda e coça a perna
A bomba
dorme no domingo até que os morcegos esvoacem
A bomba
não tem preço não tem lugar não tem domicílio
A bomba
amanhã promete ser melhorzinha mas esquece
A bomba
não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está
A bomba
mente e sorri sem dente
A bomba
vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados
A bomba
é redonda que nem mesa redonda, e quadrada
A bomba
tem horas que sente falta de outra para cruzar
A bomba
multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação
A bomba
chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés
A bomba
faz week-end na Semana Santa
A bomba
tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia
A bomba
industrializou as térmites convertendo-as em balísticos interplanetários
A bomba
sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose, de verborréia
A bomba
não é séria, é conspicuamente tediosa
A bomba
envenena as crianças antes que comece a nascer
A bomba
continnua a envenená-las no curso da vida
A bomba
respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais
A bomba
pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba
A bomba
é um cisco no olho da vida, e não sai
A bomba
é uma inflamação no ventre da primavera
A bomba
tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro, cobalto e ferro além da comparsaria
A bomba
tem supermercado circo biblioteca esquadrilha de mísseis, etc.
A bomba
não admite que ninguém acorde sem motivo grave
A bomba
quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos
A bomba
mata só de pensarem que vem aí para matar
A bomba
dobra todas as línguas à sua turva sintaxe
A bomba
saboriea a morte com marshmallow
A bomba
arrota impostura e prosopéia política
A bomba
cria leopardos no quintal, eventualmente no living
A bomba
é podre
A bomba
gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é vedado
A bomba
pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe validasse o batismo
A bomba
declare-se balança de justiça arca de amor arcanjo de fraternidade
A bomba
tem um clube fechadíssimo
A bomba
pondera com olho neocrítico o Prêmio Nobel
A bombav é russamenricanenglish mas agradam-lhe eflúvios de Paris
A bomba
oferece de bandeja de urânio puro, a título de bonificação, átomos de paz
A bomba
não terá trabalho com as artes visuais, concretas ou tachistas
A bomba
desenha sinais de trânsito ultreletrônicos para proteger velhos e criancinhas
A bomba
não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer
A bomba
é câncer
A bomba
vai à Lua, assovia e volta
A bomba
reduz neutros e neutrinos, e abana-se com o leque da reação em cadeia
A bomba
está abusando da glória de ser bomba
A bomba
não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba o instante inefável
A bomba
fede
A bomba
é vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina
A bomba
com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve
A bomba
não destruirá a vida
O homem
(tenho esperança) liquidará a bomba.
e) Intertexto: Cena final do filme “O pianista”
f) A pintura de Portinari
“Retirantes”
Fonte: http://www.doispensamentos.com.br/site/?p=61
g) A poesia de Jorge de Lima
“Essa negra fulô”
Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô!
h) A poesia lírica de e social de Cecília Meireles
Fragmento do “Romanceiro da inconfidência”
Fala inicial
Não posso mover meus passos, por esse atroz labirinto de esquecimento e cegueira em que amores e ódios vão: pois sinto bater os sinos, percebo o roçar das rezas, vejo o arrepio da morte, à voz da condenação; - avisto a
negra masmorra e a sombra do carcereiro que transita sobre angústias, com chaves no coração; - descubro as
altas madeiras do excessivo cadafalso e, por muros e janelas, o pasmo da multidão. Batem patas de cavalos.
Suam soldados imóveis. Na frente dos oratórios, que vale mais a oração? Vale a voz do Brigadeiro sobre o povo
e sobre a tropa, louvando a augusta Rainha, - já louca e fora do trono - na sua proclamação. Ó meio-dia confuso,
ó vinte-e-um de abril sinistro, que intrigas de ouro e de sonho houve em tua formação? Quem ordena, julga e
pune?
i) Intertexto: “A rosa de Hiroshima” – Vinícius de Moraes
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada
20)
NEOMODERNISMO: A GERAÇÃO DE 45
a) O regionalismo universal de Guimarães Rosa
NONADA. TIROS QUE O SENHOR ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em
árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha
mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser – se viu
–; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu,
arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram – era o demo.
Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho
abusões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir,
instantaneamente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não
seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do
Urucuia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar
sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com
casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucuia vem dos
montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões de fazendas, João Guimarães Rosa - Grande
Sertão: Veredas – 4 – almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata,
madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a
parte.
Fragmento de “O grande sertão veredas”
b) O romance social/intimista de Clarice Lispector
Fragmento de “A hora da estrela”
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da
pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas
sei que o universo jamais começou. Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito
trabalho. Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início,
se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se
esta história não existe passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o
que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior inexplicável. A minha vida a
mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu
coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que
perpassa esta história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia
sincopada e estridente – é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta de felicidade. Felicidade?
Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes. Como eu irei dizer
agora, esta história será o resultado de uma visão gradual – há dois anos e meio venho aos poucos descobrindo
os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde saberei. Como que estou escrevendo na
hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo fim que justificaria o começo – como a morte parece dizer
sobre a vida – porque preciso registrar os fatos antecedentes.
c) A poesia social de João Cabral de Melo Neto
Fragmento de “Morte e vida Severina”
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM ?E A QUE VAI
— O meu nome ?Severino,
como não tenho outro de pia.
Como h?muitos Severinos,
que ?santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como h?muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
h?muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: ?o Severino
da Maria do Zacarias,
l?da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
j?finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
21)
LITERATURA CONTEMPORÂNEA
a) O teatro de Nelson Rodrigues
“O beijo no asfalto”
Arandir (numa alucinação) – Dália, faz o seguinte. Olha o seguinte: diz à Selminha. (violento) Diz que, em toda
minha vida, a única coisa que salva é o beijo no asfalto. Pela primeira vez. Dália, escuta! Pela primeira vez, na
vida! Por um momento, eu me senti bom! (furioso) Eu me senti quase, nem sei! Escuta, escuta! Quando eu te vi
no banheiro, eu não fui bom, entende? Desejei você. Naquele momento, você devia ser a irmã nua. E eu desejei.
Saí logo, mas desejei a cunhada. Na praça da bandeira, não. Lá, eu fui bom. É lindo! É lindo, eles não entendem.
Lindo beijar quem está morrendo! (grita) Eu não me arrependo! Eu não me arrependo!
Dália – Selminha te odeia! (Arandir volta para a cunhada, cambaleante. Passa a mão na boca encharcada.)
Arandir (com voz estrangulada) – Odeia. (muda de tom) Por isso é que recusou. Recusou o meu beijo. Eu quis
beijar e ela negou. Negou a boca. Não quis o meu beijo.
Dália – Eu quero!
Arandir (atônito) – Você?
Dália (sofrida) – Selminha não te beija, mas eu.
Arandir (contido) – Você é uma criança. (Dália aperta entre as mãos o rosto de Arandir.)
Arandir – Dália. (Dália beija-o, de leve, nos lábios.)
Dália – Te beijei. Arandir (maravilhado) – Menina!
Dália (quase sem voz) – Agora me beija. Você. Beija.
Arandir (desprende-se com violência) – Eu amo Selminha!
Dália (desesperada) – Eu me ofereço e Selminha não veio e eu vim.
Arandir – Dália, eu mato tua irmã. Amo tanto que. (muda de tom) Eu ia pedir. Pedir à Selminha para morrer
comigo.
Dália – Morrer?
Arandir (desesperado) – Eu e Selminha! Mas ela não veio!
Dália (agarra o cunhado. Quase boca com boca, sôfrega) – Eu morreria. Arandir – Comigo? Dália (selvagem) –
Contigo! Nós dois! Contigo! Eu te amo!
b) Poesia concreta
Décio Pignatari e Haroldo de Campos
c) O conto psicológico de Lygia Fagundes Telles
Fragmento de “Venha ver o pôr do sol”
Ele já não sorria. Estava sério, os olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as rugazinhas abertas em
leque.
– Boa noite, Raquel.
– Chega, Ricardo! Você vai me pagar!… – gritou ela, estendendo os braços por entre as grades, tentando agarrálo.- Cretino! Me dá a chave desta porcaria, vamos!- exigiu, examinando a fechadura nova em folha. Examinou
em seguida as grades cobertas por uma crosta de ferrugem. Imobilizou-se. Foi erguendo o olhar até a chave que
ele balançava pela argola, como um pêndulo. Encarou-o, apertando contra a grade a face sem cor. Esbugalhou
os olhos num espasmo e amoleceu o corpo. Foi escorregando.
– Não, não…
Voltado ainda para ela, ele chegara até a porta e abriu os braços. Foi puxando as duas folhas escancaradas.
– Boa noite, meu anjo.
Os lábios dela se pregavam um ao outro, como se entre eles houvesse cola. Os olhos rodavam pesadamente
numa expressão embrutecida.
– Não…
Guardando a chave no bolso, ele retomou o caminho percorrido. No breve silêncio, o som dos pedregulhos se
entrechocando úmidos sob seus sapatos. E, de repente, o grito medonho, inumano:
– NÃO!
Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram, semelhantes aos de um animal sendo
estraçalhado. Depois, os uivos foram ficando mais remotos, abafados como se viessem das profundezas da terra.
Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao poente um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido
humano escutaria agora qualquer chamado. Acendeu um cigarro e foi descendo a ladeira. Crianças ao longe
brincavam de roda.
d) O feminismo de Marina Colasanti
“O leopardo é um animal delicado”
“Sabia muito bem que havia um homem sentado, um homem que se levantava às vezes para ir à cozinha ou ao
banheiro, que comia à mesa a comida que ela servia, que dormia na cama feita por ela. Mas aquele homem
pesado e sem luz que roncava à noite diante da televisão, aquele homem que andava lento de um cômodo a
outro sem olhá-la e que mal lhe dirigia a palavra não era mais, não era o seu marido, não aquele com quem
havia se casado”
e) Intertexto: “O pagador de promessas”
Sinopse: Zé do Burro é um homem humilde que enfrenta a intransigência da Igreja ao
tentar cumprir a promessa feita em um terreiro de candomblé de carregar uma pesada cruz por um longo
percurso.
Zé do Burro é o dono de um pequeno pedaço de terra no Nordeste do Brasil. Seu melhor amigo é um burro.
Quando este adoece, Zé faz uma promessa a uma mãe de santo do candomblé: se seu burro se recuperar,
promete dividir sua terra igualmente entre os mais pobres e carregará uma cruz desde sua terra até a Igreja de
Santa Bárbara em Salvador, onde a oferecerá ao padre local. Assim que seu burro se recupera, Zé dá início à sua
jornada.
O filme se inicia com Zé, seguido fielmente pela esposa Rosa, chegando à catedral de madrugada. O padre local
recusa a cruz de Zé após ouvir dele a razão pela qual a carregou e as circunstâncias "pagãs" em que a promessa
foi feita. Todos em Salvador tentam se aproveitar do inocente e ingênuo Zé. Os praticantes
de candomblé querem usá-lo como líder contra a discriminação que sofrem da Igreja Católica, os jornais
sensacionalistas transformam sua promessa de dar a terra aos pobres em grito pela reforma agrária. A polícia é
chamada para prevenir a entrada de Zé na Igreja, e ele acaba morto em um confronto violento entre policiais e
manifestantes a seu favor. Na última cena do filme, os manifestantes colocam o corpo morto de Zé em cima da
cruz e entram à força na catedral.
f) Intertexto: “Terra em transe”
Sinopse: Na fictícia República de Eldorado, Paulo Martins é um jornalista idealista e poeta ligado ao político
conservador em ascensão e tecnocrata Porfírio Diaz e à amante dele, a meretriz Silvia, com quem também
mantêm um caso formando um triângulo amoroso. Quando Diaz se elege senador, Paulo se afasta e vai para a
província de Alecrim, onde conhece a ativista Sara. Juntos eles resolvem apoiar o vereador populista Felipe
Vieira para governador na tentativa de lançarem um novo líder político, supostamente progressista, que guie a
mudança da situação de miséria e injustiça que assola o país. Ao ganhar a eleição, Vieira se mostra fraco e
controlado pelas forças econômicas locais que o financiaram e não faz nada para mudar a situação social, o que
leva Paulo, desiludido, a abandonar Sara e retornar à capital e voltar a se encontrar com Sílvia. Se aproxima de
Júlio Fuentes, o maior empresário do país, e lhe conta que o presidente Fernandez tem o apoio econômico de
uma poderosa multinacional que quer assumir o controle do capital nacional. Quando Diaz vai para a disputa da
Presidência com o apoio de Fernandez, Fuentes cede um canal de televisão para Paulo que o usa para atacar o
candidato. Vieira e Paulo se unem novamente na campanha da presidência até que Fuentes trai ambos e faz um
acordo com Diaz. Paulo quer partir para a luta armada mas Vieira desiste.
O filme pode ser lido como uma grande parábola da história do Brasil no período 1960-66, na medida em que
metaforiza em seus personagens diferentes tendências políticas presentes no Brasil no contexto. Realiza uma
exaustiva crítica de todos aqueles que participaram desse processo, incluindo as diferentes correntes da chamada
esquerda brasileira. Isto foi um dos motivos pelos quais foi tão mal recebido pela crítica e pelos intelectuais
nacionais.
g) Bossa nova
“Chega de Saudade” – João Gilberto
Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai
Mas, se ela voltar
Se ela voltar que coisa linda!
Que coisa louca!
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços, os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calada assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De viver longe de mim
Não quero mais esse negócio
De você viver sem mim
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim...
h) A música de Chico Buarque
“Geni e o Zeppelim”
De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir
Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni
Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
i) A ditadura e a música de Chico Buarque
“Cálice”
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
j) O tropicalismo de Caetano Veloso
“Alegria, alegria”
Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou
O sol se reparte em crimes,
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e brigitte bardot
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço, sem documento,
Eu vou
Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome sem telefone
No coração do brasil
Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou
Por que não, por que não...
k) Literatura contemporânea africana
Fragmento de “Antes de nascer o mundo” – Mia Couto
A primeira vez que vi uma mulher tinha onze anos e me surpreendi subitamente tão desarmado que desabei em
lágrimas. Eu vivia num ermo habitado apenas por cinco homens. Meu pai dera um nome ao lugarejo.
Simplesmente chamado assim: “Jesusalém”. Aquela era a terra onde Jesus haveria de se descrucificar. E pronto,
final. Meu velho, Silvestre Vitalício, nos explicara que o mundo terminara e nós éramos os últimos
sobreviventes. Depois do horizonte, ϐiguravam apenas territórios sem vida que ele vagamente designava por
“Lado-deLá”. Em poucas palavras, o inteiro planeta se resumia assim: despido de gente, sem estradas e sem
pegada de bicho. Nessas longínquas paragens, até as almas penadas já se haviam extinto. Em contrapartida, em
Jesusalém, não havia senão vivos. Desconhecedores do que fosse saudade ou esperança, mas gente vivente. Ali
existíamos tão sós que nem doença sofríamos e eu acreditava que éramos imortais. À nossa volta, apenas os
bichos e as plantas morriam. E, nas estiagens, desfalecia de mentira o nosso rio sem nome, um riacho que corria
nas traseiras do acampamento
l) A poesia social de Ferreira Gullar
“Não há vagas”
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão.
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado: “não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
m) A poesia de Manoel de Barros
“O apanhador de desperdícios”
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
n) O conto fantástico/alegórico de Murilo Rubião
Fragmento de “Teleco, o coelhinho”
Alguns dias transcorridos, perdurava o mesmo caos. Pelos cantos, a tremer, Teleco se lamuriava,
transformando-se seguidamente em animais os mais variados. Gaguejava muito e não podia alimentar-se, pois a
boca, crescendo e diminuindo, conforme o bicho que encarnava na hora, nem sempre combinava com o
tamanho do alimento. Dos seus olhos, então, escorriam lágrimas que, pequenas nos olhos miúdos de um rato,
ficavam enormes na face de um hipopótamo. Ante a minha impotência em diminuir-lhe o sofrimento, abraçavame a ele, chorando. O seu corpo, porém, crescia nos meus braços, atirando-me de encontro à parede. Não mais
falava: mugia, crocitava, zurrava, guinchava, bramia, trissava. Por fim, já menos intranquilo, limitava as suas
transformações a pequenos animais, até que se fixou na forma de um carneirinho, a balir tristemente. Colhi-o
nas mãos e senti que seu corpo ardia em febre, transpirava. Na última noite, apenas estremecia de leve e, aos
poucos, se aquietou. Cansado pela longa vigília, cerrei os olhos e adormeci. Ao acordar, percebi que uma coisa
se transformara nos meus braços. No meu colo estava uma criança encardida, sem dentes. Morta.
QUESTÕES DO ENEM
2010
1)
Em busca de maior naturalismo em suas obras e fundamentando-se em novo conceito estético, Monet, Degas,
Renoir e outros artistas passaram a explorar novas formas de composição artística, que resultaram no estilo
denominado Impressionismo. Observadores atentos da natureza, esses artistas passaram a
a) retratar, em suas obras, as cores que idealizavam de acordo com o reflexo da luz solar nos objetos.
b) usar mais a cor preta, fazendo contornos nítidos, que melhor definiam as imagens e as cores do objeto
representado.
c) retratar paisagens em diferentes horas do dia, recriando, em suas telas, as imagens por eles idealizadas.
d) usar pinceladas rápidas de cores puras e dissociadas diretamente na tela, sem misturá-las antes na
paleta.
e) usar as sombras em tons de cinza e preto e com efeitos esfumaçados, tal como eram realizadas no
Renascimento.
2) Os filhos de Anna eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si,
malcriados, instantes cada vez mais completos. A estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos
poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia
parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na
mão, não outras, mas essas apenas.
LISPECTOR, C. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
A autora emprega por duas vezes o conectivo mas no fragmento apresentado. Observando aspectos da
organização, estruturação e funcionalidade dos elementos que articulam o texto, o conectivo mas
a) expressa o mesmo conte do nas duas situações em que aparece no texto.
b) quebra a fluidez do texto e prejudica a compreensão, se usado no início da frase.
c) ocupa posição fixa, sendo inadequado seu uso na abertura da frase.
d) contém uma ideia de sequência temporal que direciona a conclusão do leitor.
e) assume funções discursivas distintas nos dois contextos de uso.
3) Joaquim Maria Machado de Assis, cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista,
crítico e ensaísta, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Filho de um operário mestiço de
negro e português, Francisco José de Assis, e de D. Maria Leopoldina Machado de Assis, aquele que viria a
tornar-se o maior escritor do país e um mestre da língua, perde a mãe muito cedo e é criado pela madrasta,
Maria Inês, também mulata, que se dedica ao menino e o matricula na escola p blica, nica que frequentou o
autodidata Machado de Assis.
Disponível em: http://www.passeiweb.com. Acesso em: 1 maio 2009.
Considerando os seus conhecimentos sobre os gêneros textuais, o texto citado constitui-se de
a) fatos ficcionais, relacionados a outros de caráter realista, relativos à vida de um renomado escritor.
b) representações generalizadas acerca da vida de membros da sociedade por seus trabalhos e vida cotidiana.
c) explicações da vida de um renomado escritor, com estrutura argumentativa, destacando como tema seus
principais feitos.
d) questões controversas e fatos diversos da vida de personalidade histórica, ressaltando sua intimidade familiar
em detrimento de seus feitos p blicos.
e) apresentação da vida de uma personalidade, organizada sobretudo pela ordem tipológica da narração,
com um estilo marcado por linguagem objetiva.
4) Soneto
Já da morte o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!
Do leito embalde no macio encosto
Tento o sono reter!... já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!
O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.
Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!
AZEVEDO, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000.
O n cleo temático do soneto citado é típico da segunda geração romântica, porém configura um lirismo que o
projeta para além desse momento específico. O fundamento desse lirismo é
a)
b)
c)
d)
e)
a ang stia alimentada pela constatação da irreversibilidade da morte.
a melancolia ue frustra a possibilidade de reação diante da perda.
o descontrole das emoções provocado pela autopiedade.
o desejo de morrer como alívio para a desilusão amorosa.
o gosto pela escuridão como solução para o sofrimento.
5) Texto I
Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava.
Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles meninos, moleques de
todas as cores e de idades as mais variadas, desde os
nove aos dezesseis anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam, indiferentes
ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos
puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos
presos às canções que vinham das embarcações...
AMADO, J. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (fragmento).
Texto II
margem esquerda do rio Belém, nos fundos do mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro – ali os bêbados
são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, provê as suas necessidades de cachaça e pirão. No trivial
contentavam-se com as sobras do mercado.
TREVISAN, D. 35 noites de paixão: contos escolhidos. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento).
Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são exemplos de uma abordagem literária recorrente na
literatura brasileira do século
. Em ambos os textos,
a)
b)
c)
d)
e)
a linguagem afetiva aproxima os narradores dos personagens marginalizados.
a ironia marca o distanciamento dos narradores em relação aos personagens.
o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social.
o espaço onde vivem os personagens é uma das marcas de sua exclusão.
a crítica à indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta.
6) “Todas as manhãs quando acordo, experimento um prazer supremo: o de ser Salvador Dalí.”
NÉRET, G. Salvador Dalí. Taschen, 1996.
Assim escreveu o pintor dos “relógios moles” e das “girafas em chamas” em 19 1. Esse artista excêntrico deu
apoio ao general Franco durante a Guerra Civil Espanhola e, por esse motivo, foi afastado do movimento
surrealista por seu líder, André Breton. Dessa forma, Dalí criou seu próprio estilo, baseado na interpretação dos
sonhos e nos estudos de Sigmund Freud, denominado “método de interpretação paranoico”. Esse método era
constituído por textos visuais que demonstram imagens
a) do fantástico, impregnado de civismo pelo governo espanhol, em que a busca pela emoção e pela
dramaticidade desenvolveram um estilo incomparável.
b) do onírico, que misturava sonho com realidade e inconsciente como um universo nico ou pessoal.
c) da linha inflexícel da razão, dando vazão a uma forma de produção despojada no traço, na temática e nas
formas vinculadas ao real.
d) do reflexo que, apesar do termo paranoico , possui sobriedade e elegância advindas de uma técnica de cores
discretas e desenhos precisos.
e) da expressão e intensidade entre o consciente e a liberdade, declarando o amor pela forma de conduzir o
enredo histórico dos personagens retratados.
7) Após estudar na Europa, Anita Malfatti retornou ao Brasil com uma mostra que abalou a cultura nacional do
início do século XX. Elogiada por seus mestres na Europa, Anita se considerava pronta para mostrar seu
trabalho no Brasil, mas enfrentou as duras críticas de Monteiro Lobato. Com a intenção de criar uma arte que
valorizasse a cultura brasileira, Anita Malfatti e outros artistas modernistas
a) buscaram libertar a arte brasileira das normas acadêmicas europeias, valorizando as cores, a
originalidade e os temas nacionais.
b) defenderam a liberdade limitada de uso da cor, até então utilizada de forma irrestrita, afetando a criação
artística nacional.
c) representaram a ideia de que a arte deveria copiar fielmente a natureza, tendo como finalidade a prática
educativa.
d) mantiveram de forma fiel a realidade nas figuras retratadas, defendendo uma liberdade artística ligada a
tradição acadêmica.
e) buscaram a liberdade na composição de suas figuras, respeitando limites de temas abordados.
ENEM 2011
1) Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O
senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: - Zé-Zim por que é que você
não cria galinhas d'angola, como todo o mundo faz? - Quero criar nada não... - me deu resposta: - Eu gosto
muito de mudar... [...] Belo um dia, ele tora. Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção [...].
Essa não faltou também à minha mãe, quando eu era menino, no sertãozinho de minha terra [...]. Gente melhor
do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes; quando saíram de lá, nos trouxeram junto, minha mãe
e eu. Ficamos existindo em território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai no São
Francisco, o senhor sabe... (ROSA, J.G. Grande Sertão Veredas. Rio de Janeiro, José Olympio, fragmento)
Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação decorrente de uma desigualdade social típica das áreas rurais
brasileiras marcadas pela concentração de terras e pela relação de dependência entre agregados e fazendeiros.
No texto ,destaca-se essa relação porque o personagem-narrador:
a) Relata a seu interlocutor a história de Zé-Zim, demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus agregados,
uma vez que superou essa condição graças à sua força de trabalho.
b) Descreve o processo de transformação de um meeiro – espécie de agregado – em proprietário de terra.
c) Denuncia a falta de compromisso e desocupação dos moradores, que pouco se envolvem no trabalho da terra.
d) Mostra como a condição material da vida do sertanejo é dificultada pela sua dupla condição de homem
livre e, ao mesmo tempo, dependente.
e) Mantém o distanciamento narrativo condizente com a sua posição social, de proprietário de terras.
2) Texto 1
O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias,
mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor dessa sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
(MELO NETO, J.C. Obra Completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994, fragmento)
Texto II
João Cabral, que já emprestara sua voz ao rio, transfere-se, aqui, ao retirante Severino, que, como o Capibaribe,
também segue no caminho do Recife. A auto apresentação do personagem, na fala inicial do texto, nos mostra
um Severino que, quanto mais se define, menos se individualiza, pois seus traços biográficos são sempre
partilhados por outros homens.
(SECCHIN, A.C. João Cabral: a poesia do menos. Rio de Janeiro. Topbooks, 1999, fragmento)
Com base no trecho de Morte e Vida Severina (texto I) e na análise crítica (texto II), observa-se que a relação
entre o texto poético e o contexto social a que ele faz referência aponta para um problema social expresso
literariamente pela pergunta “Como então dizer quem fala / ora a Vossas Senhorias?”. A resposta à pergunta
expressa no poema é dada por meio da:
a) Descrição minuciosa dos traços biográficos do personagem-narrador.
b) Construção da figura do retirante nordestino como um homem resignado com a sua situação.
c) Representação, na figura do personagem-narrador, de outros Severinos que compartilham sua
condição.
d) Apresentação do personagem-narrador como uma projeção do próprio poeta, em sua crise existencial.
e) Descrição de Severino, que, apesar de humilde, orgulha-se de ser descendente do coronel Zacarias.
3) Estrada
Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interesse mais que uma avenida urbana.
Na cidade todas as pessoas se parecem.
Todo mundo é igual. Todo mundo é toda a gente.
Aqui não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! Que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.
(BANDEIRA, M. Ritmo dissoluto. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967)
A lírica de Manuel Bandeira é pautada na apreensão de significados profundos a partir de elementos do
cotidiano. No poema Estrada, o lirismo presente no contraste entre campo e cidade aponta para:
a) O desejo do eu lírico de resgatar a movimentação dos centros urbanos, o que revela sua nostalgia com relação
à cidade.
b) A percepção do caráter efêmero da vida, possibilitada pela observação da aparente inércia da vida
rural.
c) A opção do eu lírico pelo espaço bucólico como possibilidade de meditação sobre a sua juventude.
d) A visão negativa da passagem do tempo, visto que esta gera insegurança.
e) A profunda sensação de medo gerada pela reflexão acerca da morte.
4) Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgicos dos desterrados, iam todos, até mesmo os brasileiros, se
concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente, o cavaquinho de Porfiro, acompanhado pelo violão do
Firmo, romperam vibrantemente com um chorado baiano. Nada mais que os primeiros acordes de música
crioula para que o sangue de toda aquela gente despertasse logo, como se alguém lhe fustigasse o corpo com
urtigas bravas. E seguiram-se outras notas, e outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes. Já não eram dois
instrumentos que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em torrente, a correrem serpenteando, como
cobras numa floresta incendiada; eram ais convulsos, chorados em frenesi de amor: música feita de beijos e
soluços gostosos; carícia de fera, carícia de doer, fazendo estalar o gozo.
(AZEVEDO, A . O Cortiço. São Paulo: Ática, 1983, fragmento)
No romance O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, as personagens são observadas como elementos coletivos
caracterizados por condicionantes de origem social, sexo e etnia. Na passagem transcrita, o confronto entre
brasileiros e portugueses revela a prevalência do elemento brasileiro, pois:
a) Destaca o nome de personagens brasileiras e omite o de personagens portuguesas.
b) Exalta a força do cenário natural brasileiro e considera o do português inexpressivo.
c) Mostra o poder envolvente da música brasileira, que cala o fado português.
d) Destaca o sentimentalismo brasileiro, contrário à tristeza dos portugueses.
e) Atribui aos brasileiros uma habilidade maior com instrumentos musicais.
5) Guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto
é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
(MACHADO, G. In: MORICONI, I. (org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001)
A memória é um importante recurso do patrimônio cultural de uma nação. Ela está presente nas lembranças do
passado e no acervo cultural de um povo. Ao tratar o fazer poético como uma das maneiras de se guardar o que
se quer, o texto:
a) Ressalta a importância dos estudos históricos para a construção da memória social de um povo.
b) Valoriza as lembranças individuais em detrimento das narrativas populares ou coletivas.
c) Reforça a capacidade da literatura em promover a subjetividade e os valores humanos.
d) Destaca a importância de reservar o texto literário àqueles que possuem maior repertório cultural.
e) Revela a superioridade da escrita poética como forma ideal de preservação da memória cultural.
6) Lépida e Leve
Língua do meu amor velosa e doce,
que me convences de que sou frase,
que me contornas, que me vestes quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua que me cativas, me enleias
os surtos de ave estranha,
em linhas longas de invisíveis teias,
de que és, há tanto, habilidosa aranha...
[...]
Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,
amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som que à ideia emprestas
e pelas frases mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...
(MACHADO, G. In: MORICONI, I. (org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001, fragmento)
A poesia de Gilka Machado identifica-se com as concepções artísticas simbolistas. Entretanto, o texto
selecionado incorpora referências temáticas e formais modernistas, já que, nele, a poeta:
a) Procura desconstruir a visão metafórica do amor e abandona o cuidado formal.
b) Concebe a mulher como um ser sem linguagem e questiona o poder da palavra.
c) Questiona o trabalho intelectual da mulher e antecipa a construção do verso livre.
d) Propõe um modelo novo de erotização na lírica amorosa e propõe a simplificação verbal.
e) Explora a construção da essência feminina, a partir da polissemia de “língua”, e inova no léxico.
ENEM 2012
1) “Ele era o inimigo do rei”, nas palavras de seu biógrafo, Lira Neto. Ou, ainda, “um romancista que
colecionava desafetos, azucrinava D. Pedro II e acabou inventando o Brasil”. Assim era José de Alencar (18291877), o conhecido autor de O guarani e Iracema, tido como o pai do romance no Brasil. Além de criar clássicos
da literatura brasileira com temas nativistas, indianistas e históricos, ele foi também folhetinista, diretor de
jornal, autor de peças de teatro, advogado, deputado federal e até ministro da Justiça. Para ajudar na descoberta
das múltiplas facetas desse personagem do século XIX, parte de seu acervo inédito será digitalizada.
História Viva, n. 99, 2011.
Com base no texto, que trata do papel do escritor José de Alencar e da futura digitalização de sua
obra, depreende-se que
a) a digitalização dos textos é importante para que os leitores possam compreender seus romances.
b) o conhecido autor de O guarani e Iracema foi importante porque deixou uma vasta obra literária com
temática atemporal.
c) a divulgação das obras de José de Alencar, por meio da digitalização, demonstra sua importância para
a história do Brasil Imperial.
d) a digitalização dos textos de José de Alencar terá importante papel na preservação da
memória linguística e da identidade nacional.
e) o grande romancista José de Alencar é importante porque se destacou por sua temática indianista.
2) Verbo ser
QUE VAI SER quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um
nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só
principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe
tantas coisas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá
para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.
ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.
A inquietação existencial do autor com a autoimagem corporal e a sua corporeidade se desdobra em
questões existenciais que têm origem
a) no conflito do padrão corporal imposto contra as convicções de ser autêntico
b) na aceitação das imposições da sociedade seguindo a influência de outros.
c) na confiança no futuro, ofuscada pelas tradições e culturas familiares.
d) no anseio de divulgar hábitos enraizados, negligenciados por seus antepassados.
e) na certeza da exclusão, revelada pela indiferença de seus pares.
3) TEXTO I
A característica da oralidade radiofônica, então, seria aquela que propõe o diálogo com o ouvinte: a
simplicidade, no sentido da escolha lexical; a concisão e coerência, que se traduzem em um texto curto, em
linguagem coloquial e com organização direta; e o ritmo, marcado pelo locutor, que deve ser o mais natural (do
diálogo). É esta organização que vai “reger” a veiculação da mensagem, seja ela interpretada ou de improviso,
com objetivo de dar melodia à transmissão oral, dar emoção, personalidade ao relato de fato.
VELHO, A. P. M. A linguagem do rádio multimídia. Disponível em: www.bocc.ubi.pt.
Acesso em: 27 fev. 2012.
TEXTO II
A dois passos do paraíso
A Rádio Atividade leva até vocês
Mais um programa da séria série
“Dedique uma canção a quem você ama”
Eu tenho aqui em minhas mãos uma carta
Uma carta d’uma ouvinte que nos escreve
E assina com o singelo pseudônimo de
“Mariposa Apaixonada de Guadalupe”
Ela nos conta que no dia que seria
o dia mais feliz de sua vida
Arlindo Orlando, seu noivo
Um caminhoneiro conhecido da pequena e
Pacata cidade de Miracema do Norte
Fugiu, desapareceu, escafedeu-se
Oh! Arlindo Orlando volte
Onde quer que você se encontre
Volte para o seio de sua amada
Ela espera ver aquele caminhão voltando
De faróis baixos e para-choque duro...
BLITZ. Disponível em: http://letras.terra.com.br. Acesso em: 28 fev. 2012 (fragmento).
Em relação ao Texto I, que analisa a linguagem do rádio, o Texto II apresenta, em uma letra de canção,
a) estilo simples e marcado pela interlocução com o receptor, típico da comunicação radiofônica.
b) lirismo na abordagem do problema, o que o afasta de uma possível situação real de comunicação radiofônica.
c) marcação rítmica dos versos, o que evidencia o fato de o texto pertencer a uma modalidade de comunicação
diferente da radiofônica.
d) direcionamento do texto a um ouvinte específico, divergindo da finalidade de comunicação do rádio, que é
atingir as massas.
e) objetividade na linguagem caracterizada pela ocorrência rara de adjetivos, de modo a diminuir as marcas de
subjetividade do locutor.
4) Ai, palavras, ai, palavras
que estranha potência a vossa!
Todo o sentido da vida
principia a vossa porta:
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...
A liberdade das almas,
ai! Com letras se elabora...
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil, como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...
MEIRELES, C. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985 (fragmento).
O fragmento destacado foi transcrito do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Centralizada no
episódio histórico da Inconfidência Mineira, a obra, no entanto, elabora uma reflexão mais ampla sobre
a seguinte relação entre o homem e a linguagem:
a) A força e a resistência humanas superam os danos provocados pelo poder corrosivo das palavras.
b) As relações humanas, em suas múltiplas esferas, têm seu equilíbrio vinculado ao significado das
palavras.
c) O significado dos nomes não expressa de forma justa e completa a grandeza da luta do homem pela vida.
d) Renovando o significado das palavras, o tempo permite às gerações perpetuar seus valores e suas crenças.
e) Como produto da criatividade humana, a linguagem tem seu alcance limitado pelas intenções e gestos.
5) Pote Cru é meu pastor. Ele me guiará.
Ele está comprometido de monge.
De tarde deambula no azedal entre torsos de
cachorro, trampas, trapos, panos de regra, couros,
de rato ao podre, vísceras de piranhas, baratas
albinas, dálias secas, vergalhos de lagartos,
linguetas de sapatos, aranhas dependuradas em
gotas de orvalho etc. etc.
Pote Cru, ele dormia nas ruínas de um convento
Foi encontrado em osso.
Ele tinha uma voz de oratórios perdidos.
BARROS, M. Retrato do artista quando coisa. Rio de Janeiro: Record, 2002.
Ao estabelecer uma relação com o texto bíblico nesse poema, o eu lírico identifica-se com Pote Cru porque:
a)
b)
c)
d)
e)
entende a necessidade de todo poeta ter voz de oratórios perdidos.
elege-o como pastor a fim de ser guiado para a salvação divina.
valoriza nos percursos do pastor a conexão entre as ruínas e a tradição.
necessita de um guia para a descoberta das coisas da natureza.
acompanha-o na opção pela insignificância das coisas
6)
Considerando-se a finalidade comunicativa comum do gênero e o contexto específico do Sistema de Biblioteca
da UFG, esse cartaz tem função predominantemente
a) socializadora, contribuindo para a popularização da arte.
b) sedutora, considerando a leitura como uma obra de arte.
c) estética, propiciando uma apreciação despretensiosa da obra.
d) educativa, orientando o comportamento de usuários de um serviço.
e) contemplativa, evidenciando a importância de artistas internacionais.[
7) Aqui é o país do futebol
Brasil está vazio na tarde de domingo, né?
Olha o sambão, aqui é o país do futebol
[...]
No fundo desse país
Ao longo das avenidas
Nos campos de terra e grama
Brasil só é futebol
Nesses noventa minutos
De emoção e alegria
Esqueço a casa e o trabalho
A vida fica lá fora
Dinheiro fica lá fora
A cama fica lá fora
A mesa fica lá fora
Salário fica lá fora
A fome fica lá fora
A comida fica lá fora
A vida fica lá fora
E tudo fica lá fora
SIMONAL, W. Aqui é o país do futebol. Disponível em: www.vagalume.com.br. Acesso em: 27 out. 2011
(fragmento).
Na letra da canção Aqui é o país do futebol, de Wilson Simonal, o futebol, como elemento da cultura corporal
de movimento e expressão da tradição nacional, é apresentado de forma crítica e emancipada devido ao fato de
a) reforçar a relação entre o esporte futebol e o samba.
b) ser apresentado como uma atividade de lazer.
c) ser identificado com a alegria da população brasileira.
d) promover a reflexão sobre a alienação provocada pelo futebol.
e) ser associado ao desenvolvimento do país.
8) LXXVIII (Camões, 1525?-1580)
Leda serenidade deleitosa,
Que representa em terra um paraíso;
Entre rubis e perlas doce riso;
Debaixo de ouro e neve cor-de-rosa;
Presença moderada e graciosa,
Onde ensinando estão despejo e siso
Que se pode por arte e por aviso,
Como por natureza, ser fermosa;
Fala de quem a morte e a vida pende,
Rara, suave; enfim, Senhora, vossa;
Repouso nela alegre e comedido:
Estas as armas são com que me rende
E me cativa Amor; mas não que possa
Despojar-me da glória de rendido.
CAMÕES, L. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008.
SANZIO, R. (1483-1520) A mulher com o unicórnio. Roma, Galleria Borghese. Disponível em:
www.arquipelagos.pt. Acesso em: 29 fev. 2012. (Foto: Reprodução/Enem)
A pintura e o poema, embora sendo produtos de duas linguagens artísticas diferentes, participaram do
mesmo contexto social e cultural de produção pelo fato de ambos
a) apresentarem um retrato realista, evidenciado pelo unicórnio presente na pintura e pelos adjetivos usados no
poema.
b) valorizarem o excesso de enfeites na apresentação pessoal e na variação de atitudes da mulher, evidenciadas
pelos adjetivos do poema.
c) apresentarem um retrato ideal de mulher marcado pela sobriedade e o equilíbrio, evidenciados pela
postura, expressão e vestimenta da moça e os adjetivos usados no poema.
d) desprezarem o conceito medieval da idealização da mulher como base da produção artística,
evidenciado pelos adjetivos usados no poema.
e) apresentarem um retrato ideal de mulher marcado pela emotividade e o conflito interior, evidenciados pela
expressão da moça e pelos adjetivos do poema.
9) Das irmãs
os meus irmãos sujando-se
na lama
e eis-me aqui cercada
de alvura e enxovais
eles se provocando e provando
do fogo
e eu aqui fechada
provendo a comida
eles se lambuzando e arrotando
na mesa
e eu a temperada
servindo, contida
os meus irmãos jogando-se
na cama
e eis-me afiançada
por dote e marido
10)
QUEIROZ, S. O sacro ofício. Belo Horizonte: Comunicação, 1980
O poema de Sonia Queiroz apresenta uma voz lírica feminina que contrapõe o estilo de vida do homem ao
modelo reservado à mulher. Nessa contraposição, ela conclui que
a) a mulher deve conservar uma assepsia que a distingue de homens, que podem se jogar na lama.
b) a palavra “fogo” é uma metáfora que remete ao ato de cozinhar, tarefa destinada às mulheres.
c) a luta pela igualdade entre os gêneros depende da ascensão financeira e social das mulheres.
d) a cama, como sua “alvura e enxovais”, é um símbolo da fragilidade feminina no espaço doméstico.
e) os papéis sociais destinados aos gêneros produzem efeitos e graus de autorrealização desiguais.
11)
O sedutor médio
Vamos juntar
Nossas rendas e
expectativas de vida
querida,
o que me dizes?
Ter 2, 3 filhos
e ser meio felizes?
VERISSIMO, L. F. Poesia numa hora dessas?! Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
No poema O sedutor médio, é possível reconhecer a presença de posições críticas
a) nos três primeiros versos, em que “juntar expectativa de vida” significa que, juntos, os cônjuges poderiam
viver mais, o que faz do casamento uma convenção benéfica.
b) na mensagem veiculada pelo poema, em que os valores da sociedade são ironizados, o que é acentuado
pelo uso do adjetivo “médio” no título e do advérbio “meio” no verso final.
c) no verso “e ser meio felizes?”, em que “meio” é sinônimo de metade, ou seja, no casamento, apenas um dos
cônjuges se sentiria realizado.
d) nos dois primeiros versos, em que “juntar rendas” indica que o sujeito poético passa por
dificuldades financeiras e almeja os rendimentos da mulher.
e) no título, em que o adjetivo “médio” qualifica o sujeito poético como desinteressante ao sexo oposto e
inábil em termos de conquistas amorosas.
ENEM 2013
1) Mal secreto
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;
Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!
Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
CORREIA, R. In: PATRIOTA, M. Para compreender Raimundo Correia.Brasília: Alhambra, 1995.
Coerente com a proposta parnasiana de cuidado formal e racionalidade na condução temática, o soneto de
Raimundo Correia reflete sobre a forma como as emoções do indivíduo são julgadas em sociedade. Na
concepção do eu lírico, esse julgamento revela que:
a)
b)
c)
d)
e)
a necessidade de ser socialmente aceito leva o indivíduo a agir de forma dissimulada.
o sofrimento íntimo torna-se mais ameno quando compartilhado por um grupo social.
a capacidade de perdoar e aceitar as diferenças neutraliza o sentimento de inveja.
o instinto de solidariedade conduz o indivíduo a apiedar-se do próximo.
a transfiguração da angústia em alegria é um artifício nocivo ao convívio social.
2) Mesmo tendo a trajetória do movimento interrompida com a prisão de seus dois líderes, o tropicalismo não
deixou de cumprir seu papel de vanguarda na música popular brasileira. A partir da década de 70 do século
passado, em lugar do produto musical de exportação de nível internacional prometido pelos baianos com a
“retomada da linha evolutória”, instituiu-se nos meios de comunicação e na indústria do lazer uma nova era
musical.
TINHORÃO, J.R. Pequena
São Paulo: Art, 1986 (adaptado).
história
da
música
popular:
da
modinha
ao
tropicalismo.
A nova era musical mencionada no texto evidencia um gênero que incorporou a cultura de massa e se adequou à
realidade brasileira. Esse gênero está representado pela obra cujo trecho da letra é:
a) A estrela d’alva / No céu desponta / E a lua anda tonta/ Com tamanho esplendor. (As pastorinhas, Noel Rosa
e João de Barro)
b) Hoje / Eu quero a rosa mais linda que houver / Quero a primeira estrela que vier / Para enfeitar a noite do
meu bem. (A noite do meu bem, Dolores Duran)
c) No rancho fundo / Bem pra lá do fim do mundo / Onde a dor e a saudade / Contam coisas da cidade. (No
rancho fundo, Ary Barroso e Lamartine Babo)
d) Baby Baby / Não adianta chamar / Quando alguém está
perdido / Procurando se encontrar. (Ovelha negra, Rita Lee)
e) Pois há menos peixinhos a nadar no mar / Do que os beijinhos que eu darei / Na sua boca. (Chega de
saudade, Tom Jobim e Vinicius de Moraes)
3) Capítulo LIV - A pêndula
Saí dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi as
horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tic-tac
soturno, vagaroso e seco, parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então
um velho diabo, sentado entre dous sacos, o da vida e o da morte, a tirar as moedas da vida para dá-las à morte,
e a contá-las assim:
-- Outra de menos...
-- Outra de menos...
-- Outra de menos...
-- Outra de menos...
O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu
pudesse contar todos os meus instantes perdidos. Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas
instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo. O derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto,
há-de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exacta em que morre. Naquela noite não padeci essa triste
sensação de enfado, mas outra, e deleitosa. As fantasias tumultuavam-me cá dentro, vinham umas sobre outras,
à semelhança de devotas que se abalroam para ver o anjo-cantor das procissões. Não ouvia os instantes
perdidos, mas os minutos ganhados.
ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992 (fragmento).
O capítulo apresenta o instante em que Brás Cubas revive a sensação do beijo trocado com Virgília, casada com
Lobo Neves. Nesse contexto, a metáfora do relógio desconstrói certos paradigmas românticos, porque
a) o narrador e Virgília não têm percepção do tempo em seus encontros adúlteros.
b) como “defunto autor”, Brás Cubas reconhece a inutilidade de tentar acompanhar o fluxo do tempo.
c) na contagem das horas, o narrador metaforiza o desejo de triunfar e acumular riquezas.
d) o relógio representa a materialização do tempo e redireciona o comportamento idealista de Brás
Cubas.
e) o narrador compara a duração do sabor do beijo à perpetuidade do relógio.
4)
O poema de Oswald de Andrade remonta à ideia de que a brasilidade está relacionada ao futebol. Quanto à
questão da identidade nacional, as anotações em torno dos versos constituem
a)
b)
c)
d)
e)
direcionamentos possíveis para uma leitura crítica de dados histórico-culturais.
forma clássica da construção poética brasileira.
rejeição à ideia do Brasil como o país do futebol.
intervenções de um leitor estrangeiro no exercício de leitura poética
lembretes de palavras tipicamente brasileiras substitutivas das originais.

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