Artigo. Agroanalysis - O Álcool, o Brasil e o Mundo

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Artigo. Agroanalysis - O Álcool, o Brasil e o Mundo
O ÁLCOOL, O BRASIL E O MUNDO
* José Ricardo Severo
O álcool hidratado começou a ser utilizado em larga escala no Brasil como combustível
para motores de combustão interna há mais de 30 anos. A ascensão do álcool teve início na
década de 1970, quando foi lançado o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). À época, o
mundo enfrentava a crise do petróleo. No Brasil, o Governo apostou no Proálcool como
alternativa para acabar com a dependência das importações do combustível fóssil. O primeiro
choque do petróleo ocorreu em 73, quando os países produtores diminuíram a produção
elevando o preço do barril de US$ 2,90 para US$ 11,65 em apenas três meses. O alto preço do
petróleo fez o programa de incentivo à produção e ao uso de álcool decolar. O Proálcool teve
grande sucesso até meados da década de 90, época em que cerca de 96% dos veículos
nacionais eram fabricados com motores movidos a álcool.
Depois de um momento de grande sucesso, o Proálcool entrou em crise, devido ao
esgotamento dos recursos governamentais destinados ao programa e ao descompasso entre a
oferta e a demanda de álcool. Além disso, a partir de 1986, o preço do petróleo caiu muito,
reduzindo a competitividade do álcool no mercado dos combustíveis. Tal cenário provocou uma
ruptura do setor produtivo com o Estado. Neste contexto, no final da década de 90, houve uma
desregulamentação do setor sucroalcooleiro, bem como o afastamento da tutela estatal.
Depois do período de sucesso e da crise, atualmente o setor sucroalcooleiro está
enfrentando uma terceira fase, a de recuperação. Nesta nova etapa, o Brasil voltou a ser um
grande consumidor de álcool, devido à adoção da tecnologia flex-fuel aos motores dos
automóveis. Além disso, recentemente o País tornou-se também grande exportador mundial do
produto. Houve um crescimento de seis vezes nas vendas externas nos últimos três anos. Em
2005, o País exportou mais de 2,5 bilhões de litros de álcool, resultando no faturamento de US$
742 milhões. O crescimento da quantidade de álcool remetida ao Exterior foi de 16,55% em
relação ao ano anterior. Os principais compradores foram Índia, Japão, Holanda, Suécia e Estado
Unidos.
Depois de tamanhas reviravoltas, pairam sobre o setor importantes questionamentos
relacionados às exportações. Em primeiro lugar, por que o interesse recente do mercado mundial
no álcool brasileiro? Em segundo, será que conseguiremos manter a liderança no fornecimento
do produto para o mercado externo?
O primeiro motivo que impulsionou o interesse pelo uso do álcool está relacionado à
diminuição da emissão de poluentes no ar, uma preocupação mundial. Este fato foi motivado pelo
artigo 12 do Protocolo de Quioto, que incentiva a utilização dos mecanismos de desenvolvimento
limpo (MDL). Tal artigo reativou projetos de substituição de combustíveis fósseis pelos
renováveis, menos poluentes, tornando evidente a importância brasileira para o mundo como
detentor das tecnologias de utilização do álcool como combustível e na sua mistura com a
gasolina. Para os países desenvolvidos, o álcool carburante brasileiro é o único caso de sucesso
no mundo no uso de combustíveis renováveis em grande escala. Além disso, os recentes
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conflitos no Oriente Médio voltaram a elevar os preços do petróleo. Ambiental e economicamente,
portanto, o álcool reconquistou importância no cenário mundial.
Em segundo lugar, o álcool ganhou maior atenção mundial frente a eminente crise dos
combustíveis fósseis. Há estimativa de que em 30 anos comece a extinção de tal fonte
energética. O petróleo será, em breve, um produto nobre e tão caro que não haverá justificativa
para a sua utilização na movimentação dos motores de combustão interna.
Por estes motivos, vários países estão estudando e utilizando o álcool em suas matrizes
energéticas. E recentemente comprando o combustível do Brasil, antes mesmo de dimensionar a
oferta do produto em suas matrizes energéticas. O principal importador, os Estados Unidos,
apesar de aparecer em terceiro lugar nos relatórios governamentais, importam álcool brasileiro
através de triangulação realizada por países como Costa Rica, El Salvador, Jamaica e Trinidad &
Tobago. Tais importações são beneficiadas por uma política comercial dos Estados Unidos
destinada a beneficiar a América Central, chamada de Caribbean Basin Inititative (CBI), a qual
permite a entrada de produtos destes países sem tarifa de importação até uma cota de 7% do
consumo interno. Esse canal de exportação, entretanto, deverá ser fechado em pouco tempo,
pois alguns países pertencentes ao CBI estão implantando seus próprios projetos para produzir
álcool e abastecer o mercado norte-americano, sem depender das importações do Brasil. No
total, as importações de álcool pelos países da CBI foram de 425 milhões de litros em 2005, ou
seja, cerca de 20% das exportações nacionais. Cerca de 40% das importações foram realizadas
diretamente do Brasil para o mercado norte -americano com uma tarifa de 2,5% e adicionalmente
de U$ 0,54 de tarifa ad valorem por galão.
As políticas dos Estados Unidos para o álcool são bem definidas e envolvem forte
intervenção estatal. O objetivo é tornar o país auto-suficiente no uso do combustível renovável e
diminuir a pressão da dependência da importação de combustíveis fósseis. Dentro desse
objetivo, o governo norte-americano não poupa em subsídios a fontes alternativas de
combustíveis. Para o álcool, os valores da subvenção são de US$ 0,54 por galão, em redução de
impostos federais. O produto também conta com subsídios complementares que variam entre
US$ 0,10 a US$ 0,40 por galão, dependendo do estado. As estimativas de subsídio para o
produto são da ordem de US$ 1 bilhão por ano, dos quais cerca de 96% são relativos à isenção
de impostos.
Existem 95 refinarias nos Estados Unidos, as quais utilizam o milho como a principal
matéria-prima para a produção de álcool. No ano de 2005, a produção de álcool consumiu 13%
do milho colhido nos Estados Unidos, o que resultou na produção de 16,2 bilhões de litros do
combustível. O programa de combustíveis renováveis dos EUA (Renewable Fuels Standard –
RFS), apesar do país não ter assinado o Protocolo de Quioto, incentiva o uso do etanol como
combustível. O objetivo é adotar uma matriz energética em substituição ao Matil-Tércio-Butil-Éter
(MTBE). Tal oxigenante adicionado à gasolina é considerado cancerígeno e poluidor dos lençóis
freáticos. Para cumprir a cota de substituição deste produto, o governo norte -americano
estabeleceu uma meta de produção de combustíveis renováveis de 28,5 bilhões de litros até
2012, dos quais, em grande parte, será cumprida pelo etanol.
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Além dos programas de mistura do álcool à gasolina como aditivo em substituição ao
MTBE, existem programas de uso do etanol combustível, como o E85. Nos Estados Unidos já
existem 5 milhões de automóveis leves utilizando a tecnologia chamada de Flexible Fuel Vehicles
(FFVs), que, como no caso brasileiro, funcionam com qualquer percentual de mistura de álcool e
gasolina. São motores que aceitam até 85% de etanol e 15% de gasolina. Atualmente, nos EUA,
são fabricados dois milhões de veículos FFVs, os quais contam com uma rede de 650 postos de
abastecimentos.
O Brasil é o maior produtor mundial de cana -de-açúcar. Em segundo lugar está a Índia;
país que, apesar da grande produção, foi o segundo maior importador de álcool brasileiro no ano
passado. A capacidade instalada indiana de produção de álcool é de 2,7 bilhões de litros.
Estiagens, entretanto, prejudicam a lavoura indiana de cana-de-açúcar há duas safras, resultando
na produção de apenas 1,7 bilhões de litros anuais. Atualmente, nove dos 27 estados indianos
estão utilizando álcool como aditivo à gasolina, ao nível de 5%, combustível chamado de E-5.
Contudo, os problemas climáticos têm obrigado o governo a rever sua política de utilização de
biocombustíveis.
O Japão é outro grande comprador do álcool brasileiro; tendo adquirido, em 2005, mais
de 301 milhões de litros. Como um dos signatários do Protocolo de Quioto, no final do ano de
2003, o governo japonês autorizou a adição de 3% de álcool à gasolina, medida que entrou em
vigor em março de 2004. No ano seguinte, esta medida entrou em vigor para todo o país e com
aspiração de atingir a meta de diminuição da emissão de poluentes na ordem de 10%. O Japão
representa o maior mercado potencial para o álcool brasileiro. O país é o maior consumidor de
petróleo do mundo e depende de fontes primárias externas para o seu consumo. Cerca de 82%
de suas fontes energéticas são importadas. O Japão também tem limite de espaço agricultável
para cultivar variedades primárias para produção de energias alternativas de forma a atender a
demanda do país. É certo, portanto, que o álcool ganhará espaço em relação ao petróleo no
volume das importações japonesas. A demanda estimada do Japão, com a permissão do uso de
etanol ao nível de 3%, resultará na necessidade de dois bilhões de litros ao ano.
A Comunidade Européia estabeleceu os percentuais e as datas previstas do
cumprimento de substituição dos combustíveis fósseis. Contudo, deixou a critério dos estadosmembros a escolha dos combustíveis renováveis a serem utilizados na composição de suas
matrizes energéticas, bem como os critérios de incentivos e de redução de impostos dos
biocombustíveis alternativos ou da mistura com os combustíveis fósseis.
A Diretiva do Parlamento Europeu, com o objetivo de reduzir a emissão dos gases que
causam efeito estufa, estabeleceu que até 31 de dezembro de 2005, que todos os estadosmembros deverão possuir uma proporção mínima de 2% de combustíveis alternativos para o
transporte. Também estabelece que até a data de 31 de dezembro de 2010 tais percentuais
deverão aumentar para 5,75% de todo combustível de transporte comercializado. O Conselho
Europeu também sugeriu a estratégia de substituição em 20% da utilização de gasolina e do óleo
diesel por combustíveis alternativos até o ano de 2020. Em função da experiência e da facilidade
de produção oleaginosas por vários países europeus, em grande parte, o combustível renovável
que será utilizado para o cumprimento das indicações do Parlamento deverá ser biodiesel.
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Vários países europeus estão utilizando o álcool em suas matrizes energéticas, apesar
do produto não ser o combustível alternativo prioritário para da Comunidade Européia. Entretanto
existe uma grande potencialidade de exportação para o continente. Somente ano de 2005, a
Holanda e a Suécia em conjunto importaram cerca de 500 milhões de litros de álcool, o que
significa 82% dos totais das importações dos países pertencentes à Comunidade
Dentre os países membros da Comunidade Européia, a Alemanha e a França são os
mais adiantados na produção de álcool. A Alemanha é responsável por cerca de 30% e a França
é responsável por cerca dede 14% do total produzido pela Comunidade. Contudo, tais países não
serão referencias na utilização do álcool combustível, pois preferem utilizar o biodiesel em suas
matrizes. A Alemanha tem uma grande experiência na utilização do biodiesel na mistura do diesel
e até mesmo na utilização puro em seus veículos, chamado de B100. O país também estuda a
adição de 2% de álcool à gasolina para cumprir a meta estimulada pelo parlamento. A França é
uma grande consumidora de diesel e deverá beneficiar o biodiesel em sua matriz energética.
Porém, o lobby dos produtores de beterraba visando a manutenção de renda em conjunto com o
programa de qualidade dos vinhos franceses resultaram em uma política de redução fiscal para a
utilização do álcool em sua matriz energética, permitindo também, uma mistura de até 15% de
oxigenantes orgânicos à gasolina.
O grande consumidor de álcool carburante na União Européia é a Suécia. O país utiliza o
álcool adicionado ao diesel para veículos pesados e para o transporte urbano. Também utiliza o
combustível E85 para veículos leves, que é composto de 85% de etanol e de
15% de outro aditivo para melhorar a ignição. A Espanha, além se ser um grande
produtor de álcool possui um programa para bem definido, com elevados descontos fiscais que
beneficia a utilização do álcool carburante em dois combustíveis com níveis diferenciados de sua
adição, que são: a gasolina eurosuper, que utiliza o etanol na mistura da gasolina de 3% a 4%; e
a gasolina superplus 98, que utiliza 6% a 7% de adição de etanol.
As políticas de utilização de combustíveis renováveis da União Européia são bem
definidas, assim como também a estratégia para importação de álcool, que visa a beneficiar as
ex-colônias européias. Vigoram as regras do Sistema de Preferência Tarifária (GSP) ou dos
acordos com países pertencentes à ACP (Pacífico, Caribe e África). Essas políticas não só
prevêem a isenção tarifária, mas também investimentos para tornar os países da ACP em
plataforma exportadora do combustível renovável para os países membros da União Européia.
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A produção e a comercialização mundial de álcool carburante nos próximos 5 anos terão
crescimentos significativos, o relatório do New York Board of Trade (NYBOT), prevê que o mundo
produzirá cerca de 60 bilhões de litros de etanol em 2010 e que a comercialização internacional
do produto será de aproximadamente 10 bilhões de litros ao ano. Para este ano, a Société
J.Kingsman,empresa de consultoria internacional de açúcar e de álcool, estima que a produção
mundial em 2006 será de 50 bilhões de litros de álcool. Neste contexto, os países compradores
de álcool brasileiro também são os maiores incentivadores da produção interna, pois vislumbram
o combustível renovável como um bom negócio e estão ajustando suas políticas para beneficiar a
produção e a inclusão definitiva em suas matrizes energéticas. A conclusão poderá ser evidente,
o Brasil, por deter grande experiência na sua utilização, será o potencial fornecedor de
tecnologias para a produção de etanol e também do fornecimento deste combustível para
exterior. Contudo, a recente crise no fornecimento e na elevação dos preços do álcool carburante
no mercado interno serviu para gerar incerteza para os compradores. Neste contexto, torna-se
urgente a criação de uma política de gestão da produção de álcool, que dê estabilidade e
previsibilidade de preços e de estoques e que considere o produto como um combustível
estratégico. Somente com o estabelecimento de tal política é que poderá dar a segurança
necessária para os consumidores internos e externos em relação à oferta de álcool,
PRODUÇÃO MUNDIAL DE ÁLCOOL EM BILHÕES DE LITROS
PAÍSES
Estados Unidos
Brasil
União Européia
França
Alemanha
Ásia
China
Índia
Africa
Outros
Mundo
2004 1
13,43
15,4
2,6
0,83
0,27
6,4
3,7
1,7
0,6
2,50
40,93
2005 1
16,20
16,06
3,00
0,91
0,43
6,60
3,80
1,70
0,60
3,60
46,06
20062
17,20
17,50
3,53
1,10
0,80
7,30
4,10
2,30
0,60
3,87
50,00
Fonte: (1) F.O.Licht
(2) Estimativa da Société J.Kingsman
possibilitando colocar definitivamente o Brasil no cenário mundial de combustíveis renováveis.
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