Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps

Transcrição

Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
PRÉMIO
DOUTOR TEIXEIRA RIBEIRO
uma análise empírica dos
credit default swaps
Riscos e Benefícios em Debate
TIAGO MANUEL DE SOUSA FREITAS E COSTA
PRÉMIOS
1
(página deixada em branco propositadamente)
(página deixada em branco propositadamente)
prémio
doutor teixeira ribeiro
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UMA ANÁLISE EMPÍRICA DOS
CREDIT DEFAULT SWAPS
Riscos e Benefícios em Debate
TIAGO MANUEL DE SOUSA FREITAS E COSTA
E D IÇÃO
Fa cu ldad e d e Di r ei t o d a Un i v er s i d ad e d e C o i m bra
In stitu to Ju rídic o
C O N C EÇÃO GRÁF I C A | I NF O GRA F I A
A n a Pau la S ilva ı ap s i l v a@ f d . u c . p t
Jorg e Ribeiro | jo r g er i b ei r o @ f d . u c . p t
C O N TAC TO S
Páti o da Un ive r s i d ad e ı 3004 -528 C o i m b r a
in stitu toju r idic o@ f d . u c . p t
I SBN
9 78-989-8787 -24 -8
© DE Z E M BR O 2 0 1 5
INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
Riscos e Benefícios em Debate1
tiago manuel de sousa freitas e costa
RESUMO: O presente trabalho visa analisar o mecanismo
dos credit default swaps – instrumentos financeiros derivados, destinados à cobertura do risco de crédito –, tanto do
ponto de vista da racionalidade económica que lhes subjaz,
como do ponto de vista do seu funcionamento. Para isso, enquadra-se o instrumento histórica e sistematicamente, o que
nos faz mergulhar no contexto da hecatombe financeira, intensamente vivida e propagada sistemicamente, que resultou
da falência do Lehman Brothers, em Setembro de 2008. A
partir daí, e em diálogo com diversos autores, recolhem-se
elementos que sustentam uma ponderação crítica acerca do
contributo dos derivados de crédito – em particular dos credit
default swaps – não só para a disseminação dos riscos inerentes à actividade exercida pelos diversos agentes no sistema financeiro, como também acerca do incremento dos riscos que
estas comportam. É então que se ensaiam embrionariamente
alguns caminhos de solução.
DESCRITORES: crédito; credit default swaps; derivados de
crédito; risco de crédito; risco sistémico.
1
tográfico.
O presente trabalho não segue as regras do novo acordo or-
7
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
An Empirical Analysis of Credit Default Swaps
Risks and Benefits in Debate
tiago manuel de sousa freitas e costa
ABSTRACT: The aim of this paper is to analyze the way Credit Default Swaps – financial derivatives that are destined to
hedge credit risk – work and also to explore their economical
rationale. Therefore, we will scrutinize their historical origin
and their relevance in the latest financial crisis, which was
marked by the Lehman Brothers bankruptcy in September
2008. From that point, we will try to summarize what was said
about credit default swaps from scholarly reports and try to
establish a critical view on the way these financial instruments
helped to disseminate credit risk in the financial markets and
also on the effect that they have on the broadening of the
risks. Finally, we will try to point out solutions to make credit
default swaps markets safer and more efficient.
KEYWORDS: credit; credit defaulf swaps; credit derivatives;
credit risk; systemic risk.
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Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
1. Primeira aproximação ao problema. Circunscrição temática
Sustentava Aristóteles, tendo como oponente de argumentação Tales de Mileto, que a Filosofia se revelava uma actividade sem
préstimo, invocando o facto de os filósofos serem pobres, muito em
particular o próprio Tales. Não ficou sem resposta, pois este congeminou um modo de, graças ao pensamento, obter riqueza. Como se
esperavam na época excelentes colheitas por razão de um percurso
favorável do tempo atmosférico, Tales contactou todos os produtores de azeitona das redondezas e combinou ficar com o direito de
comprar a produção, mediante o pagamento imediato de uma (bem
modesta) quantia. Os agricultores, que nada tinham a perder e obtinham uma bem-vinda receita inesperada, aceitaram. Na primavera,
tendo as coisas corrido bem, Tales, único proprietário de todas as
azeitonas da região, pôde efectuar uma excelente receita, enriquecendo. E eis como, mais uma vez, a Filosofia se demonstrou a mãe
de toda a sabedoria2.
Mais do que mãe da sabedoria, a Filosofia mostrou, neste episódio, situar-se longe da especulação pura que, tantas vezes, a condena
(injusta e aproblematicamente) ao anátema da imprestabilidade. Pelo
contrário, o pensamento – um tipo de pensamento, que tem subjacente a si uma específica racionalidade – foi colocado ao serviço da economia, ainda que numa versão rudimentar dela, pelo menos quando
comparada com as pluricomplexas sociedades modernas, em que as
estruturas de financiamento e capital desempenham um papel basilar
em torno da actividade económica. Talvez até por isso não seja possível enfrentar, mesmo no plano teórico da compreensão delas, as crises
económicas que afectam o mundo, financeiramente, sem se conhecer
cabalmente a intencionalidade da racionalidade que os modelos económicos em colapso têm subjacente3.
Fernando Braga Matos, Ganhar em Bolsa, 5.ª ed., 2007, 187.
Do mesmo modo, não será possível lidar – no plano teorético ou
prático – com as crises económicas que afectam o mundo (e o nosso mundo
tão particularmente) sem apelo ao conhecimento histórico. A esse propósito,
cf., inter alia, Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, Im2
3
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P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
O nosso propósito será, contudo, mais modesto. Pese embora
levemos pressuposto um determinado tipo de pensamento – aquele
que nos condiciona e, consequentemente, condiciona a nossa própria visão dos problemas –, limitar-nos-emos a analisar um instrumento que tem estado presente na discussão que envolve os mercados financeiros. Falamos dos Credit Default Swaps4.
Compreender o que eles são implicará mais do que um exercício definitório. Desde logo, devemos estar alertados para a complexidade que envolve o fenómeno, que nos refreia qualquer pretensão de exaustividade. Na verdade, são os próprios autores onde
colhemos dados relevantes para o nosso estudo que nos chamam a
atenção para aquela complexidade, numa confissão partilhada pelos
players e experts do mercado, como enfaticamente ilustra a frase
proferida por um antigo presidente da Reserva Federal de Nova
Iorque, Gerald Corrigan: “Anyone who thinks they understand this
stuff, is living in la-la land”.
Em segundo lugar, nunca conseguiremos compreender os
problemas que os Credit Default Swaps suscitam e o seu funcionamento enquanto instrumentos de diluição do risco se não os
olharmos contextualizadamente, pelo que será necessário chamar à
colação a hecatombe financeira de 2007, bem como será imperioso
dialogar com o fenómeno da securitização5 da dívida.
prensa da Universidade de Coimbra, 2009:
“A crise económica iniciada em 2007, um caso de coincidência com
uma grave crise financeira, tem sido comparada com a Grande Depressão do anos trinta e com a longa recessão económica japonesa
dos anos noventa, que são dois exemplos mais usados para ilustrar
a possível relação causal entre os ciclos de expansão e contracção
dos mercados financeiros e dos ciclos económicos. Para se poder
compreender melhor a ligação entre as crises financeiras e as crises
económicas (…) é identificar as vias pelas quais a turbulência nos
mercados financeiros pode afectar a actividade económica.”
4
Circunscrevemos o nosso âmbito de análise aos Credit Default Swaps,
no seu modelo nominal, ficando de fora da análise os basket default swaps e os
portfolio default swaps. Escapam, também, ao objecto deste trabalho toda uma
série de derivados de crédito como credit loan swaps, os credit portfolio swaps, os
credit linked notes, entre outros instrumentos que, apresentando paralelismos
evidentes, não se confundem com os primeiros.
5
Sobre o ponto, veja-se, inter alia, João Calvão da Silva, Titularização
de Créditos – Securitization, 2.ª ed., Coimbra, 2005, 7-8.
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Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
Não se pretende com isto significar que os instrumentos financeiros sejam uma realidade nova. Pelo contrário, eles parecem
já estar indiciados na estratégia de Tales de Mileto, e, se aí não podemos vislumbrar senão um exemplo embrionário do que hoje a
doutrina cunha por contrato de futuros, a verdade é que a moderna
forma contratual de certos produtos financeiros – tal como hoje os
conhecemos – remonta ao século XVII6. Pretendemos antes evidenciar que a engenharia financeira7, por meio do que foram sendo
introduzidos diversos novos produtos financeiros, conduziu/conduz a uma maior instabilidade em torno da actividade financeira,
mormente os mercados financeiros8, sobretudo porque tais instrumentos (maxime os derivados de crédito) escapam aos sistemas de
regulação9. Note-se, porém, e em abono do rigor, que os Credit
“ (…) securitization é uma operação complexa, processus único
composto de várias etapas articulada em negócios jurídicos interligados ou coligados por objectivo ou causa comum, iniciada e baseada
na transmissão de créditos, cessio causa vendendi celebrada entre
cedente e cessionário (…) Para efeitos de titularização, emissão de
títulos sustentados ou garantidos por tais créditos e sua colocação no
mercado pelo cessionário/emitente para financiar a aquisição destes com o aforro aplicado pelos investidores na subscrição daqueles,
com os capitais e os juros, pagos pelos devedores cedidos, colimados
ao reembolso e remuneração dos investidores, em cumprimento dos
direitos inerentes aos títulos por estes subscritos, bem como à satisfação dos custos (despesas e comissões) da operação.”
6
Cf. José Manuel Quelhas, «Sobre a evolução recente do sistema
financeiro (Novos «Produtos Financeiros»), Boletim de Ciências Económicas,
Coimbra, 39 (1996) 64.
7
Sobre a expressão “engenharia financeira”, cf. Paul Goris, The Legal
Aspects of Swaps, Londres: Graham & Trotmann Ltd/Martinus Nijhoff, 1994,
“Consiste em empregar estruturas empresariais, normas legais, standards de contabilidade, modelos estatísticos e a volatilidade das taxas
de juro para alcançar sinteticamente uma melhor protecção contra o
risco, um maior rendimento de um investimento, ou um custo financeiro mais baixo, comparados à taxa de protecção, ao rendimento ou
custos médios resultantes da operação simples alternativa”,
apud Maria Clara Calheiros, «O Contrato de Swap», Boletim da Faculdade de
Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, (Studia
Iuridica 51), 7.
8
Sobre a caracterização dos “mercados financeiros”, ver A. J. Avelãs
Nunes, Economia II – O Crédito, Coimbra: Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, 2009, 247.
9
Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 47.
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P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
Default Swaps, que constituem o nosso mote discursivo, inserindo-se na categoria dos produtos derivados10, surgem apenas na década
de 90 do século XX.
Produtos derivados são, de acordo com Carlos Pinho, et. al., Risco
Financeiro – Medida e Gestão, Edições Sílabo, 1.ª ed., Lisboa 2011, 69,
10
“ (…) produtos financeiros são negociados num mercado a prazo,
uma vez que a data de liquidação dos contratos de derivados é determinada no momento actual da sua celebração. A liquidação pode
tratar-se de uma liquidação física – quando o contrato cessa com a
entrega do activo subjacente ao comprador e o pagamento por parte
deste ao vendedor do preço previamente acordado – ou de uma liquidação financeira – em que o comprador, ao pagar o preço previamente acordado, recebe por parte do vendedor uma pecunia equivalente ao preço do activo subjacente. Como o próprio nome nos leva
a inferir, os produtos derivados assumem esta designação uma vez
que estes derivam de um activo subjacente, no qual se baseia o seu o
preço. Desta forma, entende-se que o valor dos derivados esteja dependente do valor e desempenho do activo principal ou subjacente.
Os activos subjacentes podem tratar-se de mercadorias (ou commodities), matérias primas, acções, obrigações, taxas de juro, produtos
energéticos, taxas de câmbio, índices e até outros derivados”.
Note-se que neste aspecto, dado o carácter de bilateralidade, ou plurilateralidade, dos produtos derivados, em termos da sua criação, não é possível apresentar uma lista exaustiva dos tipos de derivados existentes. Nesta
matéria, o único limite reside na criatividade e imaginação da mente humana –
como exemplo disso, existem produtos derivados em que o activo subjacente
são as condições climatéricas numa determinada circunscrição geográfica. Por
último, uma característica particular dos derivados é que estes começaram por
ser transaccionados em mercados fora de bolsa, over-the-counter, (OTC) sem que
houvesse qualquer intermediário, baseando-se nos contratos bilaterais celebrados pelos intervenientes neste mercado não organizado – o que por definição é de entender que estejamos perante um tipo de mercado marcadamente
ilíquido. Muito embora, actualmente, existam já mercados organizados de derivados, podendo estes ser transaccionados numa bolsa de valores – que por
se tratar de um mercado ordenado e standardizado se revela um mercado mais
líquido em que o cumprimento dos contratos é assegurado por câmaras de
compensação, com regras de cumprimento de depósitos de margens inicias,
que vão assegurar os intervenientes do mercado em face de riscos de incumprimento -, o mercado de derivados continua a passar pelos mercados OTC, o
que é muitas vezes objecto de discussão académica em termos de objecto da
regulação que, até ao momento, não tem sido devidamente supervisionada.
É, também, de notar que o objecto deste trabalho centrar-se-á numa
determinada categoria de derivados, os derivados de crédito, que de uma
forma genérica se podem definir enquanto “(…) instrumentos financeiros
para a transferência do risco de crédito, usualmente consistentes em contratos.
Através deles uma das partes transfere para a outra um determinado risco de
crédito, mediante o pagamento de uma contrapartida.” José Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, Coimbra: Almedina, 2009, 177.
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Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
Por último, procuraremos evidenciar a necessidade do surgimento dos Credit Default Swaps, a sua racionalidade e a metodologia económica que lhes está subjacente, o seu enquadramento legal,
recorrendo para tal, a uma análise de certas experiências empíricas
que têm vindo a ocorrer no sistema financeiro, com impactos gravosos para a economia real.
A análise do mecanismo financeiro em questão, e do seu respectivo papel na crise económica vigente, convida-nos, portanto, a
reflectir sobre o modelo de regulação dos mercados financeiros e
as suas implicações económicas. Não se pense, contudo, que será
nosso objectivo apresentar o esboço de um novo modelo de regulação financeira, que, não só escapa ao alcance de um trabalho desta índole, como pode contrariar a própria ideia original dos Credit
Default Swaps que, pese embora os perigos que encerram, foram
pensados para tornar os mercados mais estáveis: “In a certain way,
derivatives are like electricity. Properly used, they can provide great
benefit”11. Donde, e oferecendo uma única palavra sobre o tópico,
nos limitaremos a repudiar, sem mais fundamento, as teses que defendem a auto-regulação do mercado – crença que acreditamos ter
sido amplamente advogada12 até ao momento em que rebentou a
bolha especulativa do mercado de crédito, no referido ano de 2007.
2. Da mudança de paradigma ao Credit Boom
Aquilo sobre que nos propomos falar implica uma mudança
de paradigma na forma como as relações económicas são perspectivadas13. Na verdade, a realidade dos Credit Default Swaps, associada
Rob Bertram, A Brief Guide to Financial Derivatives, 2nd ed., Division of Corporation Finance, Pennsylvania Securities Commission, February
1995, 1.
12
“Dados os biliões de dólares de transacções internacionais diárias
(…) como é que podemos estar certos que um sistema global não regulado vai
funcionar? E no entanto funciona, todos os dias. Crises sistémicas ocorrem,
como é evidente, mas são surpreendentemente raras”: Alan Greenspan, The
Age of Turbulence, 2007, apud Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira
Internacional, Coimbra: Imprensa da Universidade de 2009, 103.
13
Importa referir que dada a circunscrição temática que estamos sujeitos no âmbito deste trabalho, não teremos a pretensão de apresentar um
elenco exaustivo do conjunto de fenómenos que contribuíram para a constituição do paradigma económica vigente. No entanto, para proceder a uma
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aos demais produtos financeiros, só pode ser compreendida à luz da
actividade de concessão de crédito, e da relevância da mesma desde
as últimas décadas do século XX até aos dias de hoje.
Ora, para a ocorrência dos fenómenos financeiros tal como
hoje os conhecemos, com todos os produtos financeiros a que incidental ou directamente nos referimos, muito terá contribuído o fim
do acordo de Bretton Woods, com o que se dá início a um tremendo
processo de desregulamentação ao nível da circulação de capitais. O
acordo de Bretton Woods foi assinado nos EUA em 1945 e, através dele, foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e
o Banco Mundial. Por meio dele, foi, ainda, instituída uma certa
Ordem Mundial nas regras do comércio internacional, tornando estáveis as variáveis necessárias a um salutar crescimento e desenvolvimento de transacções entre os vários estados14, através da previsão
de taxas de câmbio fixadas entre os estados signatários, baseadas na
paridade de 35 dólares por onça. Com o abandono do acordo, em
1971, os mercados monetários entram numa era cambial flutuante,
dando origem a um sistema financeiro desregulamentado15.
Simultaneamente, assiste-se ao primeiro choque petrolífero16,
como resultado do escalonar do preço do petróleo, e ao abandono
da filosofia keynesiana, ao mesmo tempo que o mundo ocidental
conhece uma crescente estabilidade económica ao nível dos mercados e dos Estados. Desde os anos setenta do séc. XX, o mundo
ocidental orienta-se por um paradigma económico assente no indivíduo e na defesa do mercado livre, reduto do neoliberalismo e
análise detalhada do objecto a que se este trabalho se propõe, entendemos
que a nossa exposição deverá ser balizada por uma dialética analógica entre os
fenómenos ocorridos ao longo dos últimos e o seu contributo para o surgimento do instrumento financeiro, cuja racionalidade iremos explanar.
14
José Manuel Quelhas, «Sobre a evolução recente do sistema financeiro», 133.
15
Nouriel Roubini, Will the Bretton Woods II Regime Unravel Soon? – The
Risk of a Hard Landing in 2005-2006, San Francisco: Berkeley University, February 4th 2005, 12.
16
Fenómeno assim denominado, foi o resultante da criação da OPEP
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) em 1973. Acredita-se que
“(…) por ajustamentos induzidos por este choque contribuíram certamente
para que não se regressasse ao regime de câmbios fixos. Além disso, a economia mundial seria abalada por mais dois choques petrolíferos, em 1979 e em
1980…”. Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 24.
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Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
da crença desenfreada da autorregulação dos mercados – que está
em consonância com a defesa da “(…) concepção liberal do estado
(considerando este como pura instância política, pretensamente separada da economia e da sociedade civil, da qual se deduz, a tese da
não intervenção do estado na economia)…”17.
Ora, neste quadro, o crédito passa a assumir um papel central
no desenvolvimento dos empreendimentos levados a cabo quer pelos agentes económicos particulares que compõem o mercado, quer
pelo próprio Estado. Na verdade, ao nível do acto creditício estamos diante de uma troca diferida18, verificando-se um intervalo de
tempo entre a prestação e a contraprestação que lhe corresponde.
Isso permite que os agentes económicos cumpram as suas obrigações e invistam no presente, remetendo os encargos com tais investimentos para um momento posterior, em que exista a possibilidade
de saldar a dívida contraída19. Ou seja, o recurso ao crédito surge
com a conjugação da necessidade de obtenção imediata de moeda,
no momento presente, com a expectativa de, através da obtenção
de rendimentos futuros, proceder à liquidação dos créditos obtidos.
Tal fenómeno baseia-se na expectativa e confiança mútuas – o
termo crédito provém de credere, isto é, acreditar20 – uma vez que
a concessão do crédito é baseada na avaliação do risco associado
17
A. J. Avelãs Nunes, «Uma leitura crítica da actual crise do capitalismo», Boletim de Ciências Económicas, 54 (2011) 10.
18
A. J. Avelãs Nunes, Economia II – O Crédito, 23.
19
Note-se que, como ensina Avelãs Nunes, no contexto actual, faz
apenas sentido ter em conta as relações monetárias de crédito – caracterizadas pela
intermediação monetária nos actos de crédito. É também de realçar que, tendo em conta o objecto desta investigação, nos cingiremos ao crédito enquanto
operação onerosa, operação essa que comporta em si a obrigação do pagamento de um juro da prestação principal. Por outro lado, importa clarificar
que no âmbito da prossecução do objecto principal do trabalho a que nos
propomos realizar, na referência ao termo e ao acto de crédito, apesar de
considerarmos as diferentes formas de obtenção de financiamento – seja este
o de venda de títulos de divida publica, por parte do Estado ou de obrigações
por parte de sociedades comerciais, meios estes constitutivos de um mercado
de crédito de financiamento directo, nos mercados financeiros; ou dos mecanismos de financiamento indirecto, em que os bancos agem como intermediários financeiros de acesso ao crédito – não será feita a distinção entre
estas duas classificações em virtude de a exposição temática procurar ser clara
quanto à terminologia que reveste o acto de crédito. Cf. A.J. Avelãs Nunes,
Economia II – O Crédito, 29.
20
A. J. Avelãs Nunes, Economia II – O Crédito, 20.
15
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à expectativa de liquidação da dívida por parte do devedor. Infra,
iremos analisar em que medida tais premissas – a avaliação do risco
de incumprimento e as formas de cobertura do mesmo – emergem
como elementos basilares para a explicação dos fenómenos financeiros ocorridos.
No entanto, desde meados dos anos noventa que o endividamento das famílias, nos países do bloco ocidental, tem vindo a
crescer de forma galopante, como consequência do processo de
universalização do crédito21. Acresce que, como o recurso ao crédito tem servido não só para a aquisição de bens de consumo, como
também de bens de investimento, ele tem sido procurado não só
pelas famílias – a título de crédito à habitação, por exemplo –, como
também por parte dos Estados, pelo que também estes se apresentam fortemente endividados.
Em tudo isto, os bancos, que tradicionalmente desempenhavam o papel de intermediários por excelência no acesso ao crédito,
passaram a rever a sua função no desenvolvimento da economia,
alargando a sua actividade a outras áreas, fruto das novas demandas
por parte de outros agentes no mercado22. Simplesmente, tem-se
assistido a um fenómeno de desintermediação23 – subalternização
do papel dos bancos comerciais enquanto meio quase exclusivo
no acesso ao crédito, através do recurso aos mercados financeiros
para obtenção de financiamento, por parte de high profile investors (como bancos, fundos de investimento e de pensões, seguradoras) – que determina uma mudança de paradigma relacional entre
credor e devedor, não sendo tão frequente e tão necessária uma
relação de confiança e de informação assimétrica entre ambos. Im“O crédito ao consumo é uma invenção do século XX que esteve
na base da criação do consumo de massas e da classe média”. Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 11.
22
Pense-se, a título de exemplo, no aproveitamento dos recursos obtidos através do exercício da actividade bancária comercial, como é o caso dos
créditos hipotecários, e a sua alocação nos mercados financeiros, por parte
da banca de investimento. Esta possibilidade de transferir os recursos obtidos nos diversos sectores da actividade bancária tradicional, para uma posterior alocação nos mercados financeiros conheceu o seu apogeu, aquando do
fim da separação formal entre bancos comerciais e bancos investimento pelo
Gramm-Leach-Billey Act, aprovado pelo Congresso Norte-Americano.
23
Raughuram M. Rajan, Has Financial Development Made the World
Riskier, New York: National Bureau of Economic Research, 2005, 321.
21
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Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
portantes contributos para este fenómeno são os títulos de dívida24e
o fenómeno da securitização da dívida. Um dado importante para
a compreensão da revolução financeira a que temos vindo a assistir
desde a década de 70 do século passado é, na verdade, o que ficou conhecido pela mercadização25 dos intermediários financeiros.
Esta expressão traduz o fenómeno da titularização do crédito e da
crescente importância dos mercados financeiros, enquanto forma e
recurso de financiamento por parte dos agentes económicos. Ora,
é este fenómeno, que vem atribuir uma importância acrescida aos
mercados financeiros, que cresce acompanhado pelo fenómeno da
desintermediação. Note-se, também, que o recurso ao mercado de
títulos, enquanto forma de financiamento e de exploração da liquidez, veio aumentar as operações off-balance-sheet, isto é, as “operações fora do balanço”26. Tais fenómenos, aliados ao surgimento de
produtos financeiros atendíveis à gestão da volatilidade dos mercados monetários, que se fez sentir com o fim do acordo de Bretton
Woods, vieram provocar o aumento da liquidez no mercado mundial,
consolidando-se o desenvolvimento de uma economia creditícia27.
Mas com ela, e com a forma como passa a ser desenhada,
surgem riscos. O que simplesmente poderia ser um expediente corrente de resolução dos problemas de financiamento dos agentes
económicos comporta riscos, sendo imperioso perceber em que é
que se traduz o risco de crédito – e o sentido com que o termo é
Carlos Pinho et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 73.
“As obrigações, os empréstimos, o papel comercial e os swaps são
todos instrumentos financeiros classificados dentro da categoria dos
títulos de dívida. Qualquer título de dívida pode ser comprado ou
vendido entre duas partes, e tem associado determinados termos básicos inerentes que os define, tal como o montante emprestado, a
taxa de juro associada e a data da maturidade ou renovação. Os títulos de dívida incluem assim as obrigações do Estado, as obrigações
corporativas (…)”.
25
José Manuel Quelhas, «Sobre a evolução recente do sistema financeiro», 33.
26
“(…) actualmente, muitas das operações bancárias não se inscrevem nem no activo, nem no passivo dos bancos, ficando à margem dos respectivos balanços (…) O processo da titularização acentuou esta tendência,
ao substituir o empréstimo bancário pela dívida titulada.” José Manuel Quelhas, «Sobre a evolução recente do sistema financeiro», 41.
27
José Manuel Quelhas, «Sobre a evolução recente do sistema financeiro», 136.
24
17
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
mobilizado no seio do nosso percurso dialógico – e quais as suas
implicações. Associa-se a isto a questão da própria gestão do risco,
que nos remete para a utilização de um anglicanismo, denominador
comum do jargão económico utilizado nestas matérias, referente à
temática de protecção, pedra basilar da gestão de risco, ou, em termos mais concretos, à cobertura do risco – hedging28.
3. Crédito, risco e risco de crédito
Ao termo risco anda associada uma ideia de indesejabilidade
e de incerteza. Ele comunga, assim, de uma dupla “dimensão”, que
muitas vezes não é cindível. Assim, “(…) estaremos perante uma situação de ‘risco’ quando exista a probabilidade de uma determinada
situação ter um resultado que não é o desejado.”29. Tal ponderação é
orientada pela intuição ou expectativa do agente económico, uma vez
que o valor esperado de um acontecimento se situa na “média ponderada de todos os acontecimentos com probabilidade de ocorrerem
(….). ” 30, que se conjuga com o grau de indesejabilidade do investidor.
Não obstante o que fica dito, falar de risco implica a sua dissociação relativamente à incerteza. Esta distinção é injustificadamente
ignorada pela corrente da mainstream economics – patente numa visão monetarista de redução do conceito de incerteza ao risco –, mas
a sua compreensão tem implicações profundas na teoria económica.
Na senda de tal distinção, está uma ampla discussão teórica entre
Keynes e Knight. Keynes advoga a distinção destes dois conceitos,
entre a cognoscibilidade de realidades mutáveis, em que se insere o
risco, e a incognoscibilidade de realidades transmutáveis, pedra basilar da incerteza. De forma abreviada, para Knigth a incerteza poderia ser mitigada por via da informação ao passo que para Keynes,
28
“(…) podemos definir cobertura de risco, ou hedging, como o acto
de gerir um tipo particular de risco, o risco de Mercado”. Harry Markowitz,
Portfolio Selection: Efficient Diversification of Investments. New York: John Wiley &
Sons, 1959, apud Carlos Pinho et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 19. Todavia, importa clarificar que o termo, num sentido empírico, é utilizado muitas
vezes, não com fins especulativos, mas antes com fins de protecção e cobertura
do risco adoptando posições opostas, em mercados concorrentes, procurando proteger uma
determinada posição financeira das flutuações e volatilidade inerentes ao mercado.
29
Carlos Pinho et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 19.
30
Carlos Pinho et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 19.
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Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
não sendo possível conhecer aprioristicamente as determinantes futuras, não seria possível diluir, de forma modelar, a incerteza. É que
para este, a incerteza constitui o móbil para a tomada de decisões
geradoras de mudança31, em que a actuação dos agentes económicas
não é totalmente passível de recondução a modelos de mensuração
de probabilidades futuras, uma vez que os acontecimentos estarão
sempre sujeitos à actuação e à tomada de decisão dos agente económicos, cujos padrões comportamentais não seriam calculáveis, dada
a irracionalidade que reside no espírito – e aqui é mister empregar o
termo animal spirits, defendido pelo autor – de cada indivíduo. Para
Knight, o entendimento da vida económica centra-se nas premissas
de ergocidade e de imutabilidade, rejeitando qualquer entendimento
da irracionalidade intrínseca aos agentes económicos no âmbito da
tomada de decisões. Por seu turno, Keynes veio rejeitar a ergocidade
do sistema económico, aderindo ao reconhecimento da histerese,
presente no mesmo, o que “(…) implicam o beneplácito da imprevisibilidade do sistema económico e da incognoscibilidade probabilística do futuro”32 33. Todavia, partindo da distinção já exposta,
entendemos ser necessário referirmo-nos à incerteza, no sistema
financeiro, enquanto incerteza sistemática34, conceito que entronca
no entendimento de Keynes sobre o conceito de incerteza.
Feita a distinção necessária ao bom entendimento do sistema
financeiro, importa referir que, no âmbito do trabalho a que nos
31
José Manuel Quelhas; Ana Paula Quelhas, “Da Improficiência
dos Modelos de Avaliação de Activos – Riscos Emergentes ou Incerteza
Sistemática?”, Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, 53 (2010) 26.
32
José Manuel Quelhas; Ana Paula Quelhas, “Da Improficiência
dos Modelos de Avaliação de Activos – Riscos Emergentes ou Incerteza
Sistemática?”, 26.
33
Pese embora o relevo que a distinção assume, não nos alongaremos em mais considerações, acompanhando José Manuel Quelhas, quando
considera que “Todavia, é verdade que a heterodoxia económica utiliza uma
multiplicidade de expressões para qualificar a incerteza, de acordo com a matriz de Knight e de Keynes (…). Porém, preferimos a aposição do adjectivo
sistemático ao substantivo incerteza para sublinharmos a diferença entre o
risco sistémico e a incerteza sistemática.” Cf. José Manuel Quelhas, Sobre as
Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a Incerteza Sistemática, 4.
34
“(…) quando referimos incerteza sistemática, aludiremos a uma
eventualidade futura, incalculável e imensurável, probabilisticamente imprevisível, que pertence ou que é própria do sistema financeiro” – José Manuel
Quelhas, Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a Incerteza Sistemática, 4.
19
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
propomos, se torna necessário limitar o termo risco – que na esteira
da divisão dicotómica entre os dois autores, se centra na cognoscibilidade das informações passadas e presentes transmitidas pelo mercado e pela sua mensuração probabilística – ao risco de mercado.
Tal noção diz respeito a um determinado tipo de risco que é transversal a todos os agentes económicos e não apenas a uma franja dos
mesmos, delimitada por um sector de actividade cuja eliminação se
torna possível através de uma diversificação ou alteração do plano
de actividade ou de actuação no mercado – a este risco referimo-nos
quanto a risco específico de empresa35. O risco de mercado, desta
forma, prende-se com alterações no clima macroeconómico36, sendo impossível, por via do sentimento de incerteza, mitigar de forma
absoluta dada a escala de dependência que tem de diversos factores.
Nestes termos, de modo ainda grosseiramente simplificado,
no que respeita ao risco de crédito, podemos perceber que os factores de indesejabilidade remontam a duas constelações típicas – o
risco de falência (default) do devedor e o risco inerente à deterioração do ambiente macroeconómico37. Ademais, se a eliminação total
do risco e da incerteza são impossíveis, levando a considerar que o
risco de mercado estará sempre presente, também não é viável uma
rígida demarcação entre o que se entende por risco de mercado e
risco de falência da contraparte, havendo, portanto, zonas cinzentas.
É neste quadro que surgem os Credit Default Swaps. Com
este instrumento financeiro visa-se garantir a cobertura do risco.
Note-se, porém, que nem os Credit Default Swaps detêm o monopólio da gestão e cobertura – hedging – do risco de crédito, nem é
esta a única finalidade para a qual este tipo de produto derivado é
usado. Pense-se na especulação enquanto actividade “… consciente
e deliberada de exposição às incertezas do mercado, com a intenção
de alcançar um benefício económico”38, em que um determinado
Carlos Pinho et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 19.
A título de exemplo, pense-se nas alterações das taxas de juro, nas
flutuações cambiais ou na escassez de liquidez, delimitadora da concessão de
crédito, no sistema financeiro.
37
Pense-se no caso de empresas a actuar no mercado de divisas, cuja
actividade está sujeita a uma série de riscos como o risco de elevada volatilidade das taxas de câmbio.
38
Maria Clara Calheiros, O Contrato de Swap, 71.
35
36
20
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
investidor recorre à aquisição de derivados de crédito sem estar exposto a qualquer risco de crédito, procurando através da compra
e venda destes títulos obter uma mais valia económica para a sua
carteira de investimento39.
Antes de mergulharmos mais detidamente no instrumento
financeiro que serve de mote às nossas considerações, importa clarificar a origem e extensão do conceito de risco de crédito, bem como
estudar as suas formas de protecção ou cobertura40 (hedging).
Se concluímos que o risco de crédito, em termos simples, traduz a possibilidade de falência ou de incumprimento de um devedor num contrato de mútuo, podendo “tal […] ocorrer quando o
devedor é incapaz de pagar os juros ou dividendos aos acionistas
ou quando não consegue fazer face ao pagamento de um empréstimo bancário”41, isto é, podendo tal verificar-se quando existe o não
cumprimento de uma prestação obrigacional no prazo acordado42,
a cobertura do risco de crédito, numa primeira análise e partindo
da teoria da diversificação de Horowitz, prende-se com o acto de
gestão de e cobertura, para a protecção de um tipo particular de
risco. No entanto, tal visão colocaria demasiada ênfase numa visão
perfeita de cobertura de risco – entendendo-se hedging como uma
eliminação total da incerteza ligada ao risco. Por isso, a acepção de
hedging deverá remeter-nos à noção de off-ballance sheet hedging43,
39
Pese embora o que ficou dito, cingimo-nos, por uma questão de
coerência discursiva, à actividade de cobertura do risco de crédito.
40
Novamente, parece-nos adequado, doravante, ceder perante o anglicanismo hedging, uma vez que clarifica e sintetiza ambas as posições mencionadas.
41
John Andrew Lindholm, «Financial Innovation and Derivatives Regulation: Minimizing Swap Credit Risk under Title V of the Futures Trading
Practice Acts 1992», Columbia Business and Law Review, New York, 73 (1994) 86.
42
De notar que o tema tem estado debaixo de atenção de muita gente
nos últimos anos, uma vez que, se durante as épocas de prosperidade económica as expectativas de default de um determinado devedor são tendencialmente baixas, em situações recessivas, a probabilidade de ele ocorrer aumenta
exponencialmente.
43
Designa-se esta categoria de “cobertura de risco”, uma vez que,
ao recorrer à protecção do risco através do recurso aos mercados financeiros,
se considera que a cobertura é feita de forma paralela e posterior às tomadas
de decisões capitais, que constituem o core da actuação do agente económico.
O recurso aos produtos financeiro vem permitir o ajuste às condicionantes
imediatas do mercado de forma mais flexível. Carlos Pinho et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 21.
21
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
respeitante ao tipo de cobertura de risco através da utilização de
instrumentos financeiros, como são instrumentos derivados e, de
forma mais concreta, como são os Credit Default Swaps44.
Por outro lado, importa clarificar, de forma genérica, que o risco de crédito vem revelar-se de extrema importância na prática de três
tipos de actividades45 levadas a cabo pelos agentes económicos – a
concessão de crédito, por exemplo, pela banca comercial, a emissão
de títulos de dívida e a aquisição destes mesmos títulos de dívida,
em que intervêm diversos tipos de agentes económicos, com especial
acentuação dos bancos, fundos de investimento e Estados. Baseando-se, desta forma, o risco de crédito no incumprimento do pagamento
do crédito obtido por parte do devedor, para estes três tipos de actividade, a falência (default) do devedor ou a alteração das determinantes
macroeconómicas, como a alteração das taxas de juro ou as flutuações
cambiais, podem resvalar em situações de incumprimento.
Abre-se, então, a porta a uma possível (na medida do possível)46
avaliação quantitativa do risco de crédito, por força dos ditames impostos pelo acordo de Basileia II47. Após a entrada em vigor do
sistema delineado por este acordo, firmado em 2004 e cuja aplicação
tinha vindo a ser paulatinamente posta em marcha, as instituições
Estes configuram, aliás, o instrumento financeiro mais frequente.
Robert S. Neal, Neal, Robert S., “Credit Derivatives – New Financial Instruments for Controlling Credit Risk”, Economic Review, Second Quarter, Federal Reserve Bank of Kansas City, 2 (1996) 17.
46
Rejeita-se a concepção que advoga a eliminação do total da incerteza face ao risco, em que as tomadas de decisões são determinadas por meio de
modelos quantitativos e através da assimetria de informação, numa hipótese
de mercado perfeito, no mercado em que os agentes económicos agem.
47
Acordo de Basileia II vem introduzir uma série de alterações, assentes em exigências da capital mínimo requerido às instituições financeiras,
o processo de supervisão da actividade bancária e a disciplina das mesmas na
sua actuação no mercado. O acordo resulta de uma série de alterações e complementos ao acordo de Basileia I, firmado em 1988 e proposto pelo Comité
de Supervisão Bancária de Basileia, tendo sido ratificado por 110 países, em
que o seu mais importante contributo se centrou na exigência de rácios de
capital obrigatórios nas provisões das instituições financeiras, estabelecendo-se um quantum mínimo de cerca de 8% de provisões detidas pelas instituições
financeiras, por referência a activos ponderados pelo risco, por forma a tornar
o sistema financeiro mais equilibrado, atestando uma das causas problemáticas
inerentes à actividade de concessão de crédito. José Matias Pereira, «Gestão
do Risco Operacional – Uma Avaliação do Novo Acordo de Capitais – Basileia II», Revista Contemporânea de Contabilidade, Brasília, 6/1 (2006) 105.
44
45
22
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
financeiras deveriam proceder à avaliação do risco de crédito, através de um método de rating, de modo a que a gestão de concessão
de empréstimos fosse assegurada em função do risco assumido pelo
banco na concessão de determinado empréstimo. Tais empréstimos
estariam sujeitos a um sistema de avaliação de risco de crédito, em
função da probabilidade de cumprimento por parte do devedor,
sendo que as provisões de capitais detidas pelos bancos deveriam
basear-se na maior ou menor possibilidade de default por parte do
devedor, para assim cobrir os riscos assumidos48.
As provisões de capital mínimo exigido às instituições financeiras, que se mantêm no mínimo de 8% tal como no acordo de Basileia I49, dependem da classificação da notação de risco atribuída aos
créditos ou títulos de dívida concedidos, isto é, estão dependentes
do seu rating50. Tal, como veremos, poderá revelar-se não só ilidível
José Matias Pereira, «Gestão do Risco Operacional», 105.
José Matias Pereira, «Gestão do Risco Operacional», 112.
50
Para um entendimento mais profundo das implicações práticas que
a avaliação do risco de crédito comporta, importa discorrer algumas linhas acerca
do significado sobre o serviço de notação de risco – rating. Assim, tendo por
base que o
48
49
“ (…) o processo de desintermediação bancária vem-se traduzindo
no recurso crescente a formas directas de obtenção de meios de financiamento, que passam pela emissão de valores representativos da
relação de crédito entre aforradores e os beneficiários do crédito”,
podemos considerar que rating se traduz na “… avaliação do risco de
crédito a que ficam sujeitos os investidores numa emissão de dívida,
isto é, da probabilidade de ocorrer uma situação de incapacidade da
entidade emitente para satisfazer todos os encargos de dívida, atá à
sua maturidade (reembolso do capital e pagamento periódico dos
juros), com o objectivo de assegurar a informação dos mercados de
crédito (crédito titulado ou não), já que uma informação fidedigna
interessa a ambas as partes da relação de crédito.”
A. J. Avelãs Nunes, Economia II – O Crédito, 132. Note-se porém, que a avaliação feita pelos serviços de notação financeira procede a uma avaliação global
da determinada entidade emitente, conjugado o seu desempenho assente no
seu balanço financeiro, com a posição que ocupa no mercado, e a expectativa da sua situação financeira balizada na previsão de determinados cenários
macroeconómicos. No entanto, importa referir que no âmbito da avaliação
do risco de crédito “(…) o avaliador tem de se confrontar com a sua própria
ignorância relativa, isto é, a ignorância que resulta do desconhecimento da
capacidade de o emissor resistir ao ambiente em que vai desenvolver a sua
actividade, para além da sua ignorância absoluta (aquela que resulta de dados
insuficientes pra realizar uma avaliação dos hábitos financeiros do emissor
da dívida)”; Carlos Pinho et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 122-123.
23
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
como também nocivo, uma vez que o fenómeno da titularização da
dívida e o recurso a derivados de crédito – como os Credit Default
Swaps – vieram introduzir formas de diluir, mas não de extinguir o
risco de crédito associado ao mútuo bancário, e, sendo este tipo de
cobertura de risco – hedging – uma cobertura off-balance-sheet,
veio permitir ludibriar, de certa forma, tais requisitos, aumentado a
capacidade dos bancos de alavancarem as suas posições, podendo
conceder novos empréstimos51.
4. Os derivados de crédito
Derivados de crédito são, em termos básicos, uma espécie de
“contrato de seguro”52 destinado a conferir protecção ao mutuante,
em caso de incumprimento por parte do mutuário, ou, por exemplo,
no caso de alteração da classificação do rating que lhe é atribuído,
em virtude da possibilidade de poder vir a fazer face ao incumprimento da dívida quando atingido o prazo de maturidade. No fundo,
os derivados de crédito permitem a redução da exposição ao risco
de incumprimento dos créditos concedidos, sem que para isso estes
Ora, dado o importante relevo que as notações de rating assumem para todos
os agentes do mercado e de supervisão, é notório e também claro que até à
hecatombe financeira ocorrida em 2007, as principais agências de notação de
risco – são estas a Fitch, Standard and Poors e a Moody’s – foram demasiado
optimistas nas avaliações feitas aos emitentes de dívida – pense-se no caso do
Lehman Brothers, cuja última avaliação era de notação máxima, dias antes da
sua falência -, o que resulta da improficiência dos modelos de avaliação utilizados, bem como dos pressupostos em que se baseiam. Nesta senda, note-se
para a problemática abordada, em sede deste trabalho, no ponto 2 que nos
remete para a distinção entre risco e incerteza proposta por Knight e por Keynes. Assim, é passível de afirmação que até certo ponto, a análise dos modelos
propostos pelos serviços de notação financeira levam a crer que partiriam de
premissas em que se favorecia uma visão de ergocidade e imutabilidade do
sistema financeiro.
51
Adam Reiser, «An Economical Analysis and Legal Framework for
Credit Default Swaps Regulation», North Carolina Banking Institute, 14 (2009).
52
A analogia estabelecida com o contrato de seguro serve apenas
de base para, através de um processo dialético, proceder a uma explicação
pragmática do seu funcionamento por referência a uma figura com a qual são
estabelecidas algumas afinidades. De resto, subscrevemos a tese de José Engrácia Antunes que considera “(…) o derivados creditícios fundamentalmente
contratos atípicos, insusceptíveis de se reconduzir a algum dos tipos negociais
com os quais guardam afinidades, tais como o contrato de seguro (…).” José
Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, 175.
24
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
tenham de ser removidos do balanço de contas dos agentes que os
concedem – donde podemos aferir a denominação de uma cobertura de risco off-balance-sheet.
O logrado esclarecimento acerca do que são os derivados de
crédito implica que se olhe, previamente, para a noção de produtos derivados53. Tais instrumentos, como o próprio nome indica,
são constituídos por referência a outro activo financeiro, isto é, a
sua construção deriva de uma outra realidade financeira (underlying
asset). Exemplos típicos são as opções, os futuros ou os swaps,
amplamente difundidos na cobertura de riscos cambiais e de juros.
Ora, tem-se entendido que os derivados de crédito em tudo se assemelham aos ditos derivados tradicionais, com a diferença de que
a estruturação que lhes é inerente se destina a transferir, cobrir ou
replicar o risco de crédito54, isto é, o activo que lhes é subjacente
baseia-se no valor de um crédito55 – pode este ser um mútuo bancário ou um título de dívida, como são as obrigações. Os derivados
de crédito surgem, nesta senda, como contratos sinalagmáticos, que
visam isolar determinados aspectos atinentes ao risco de crédito,
transferindo esse determinado risco de um comprador de protecção
(protection buyer) – quem quer ver-se protegido de um determina53
Na esteira José Ferreira de Amadeu,
“Há técnica de derivação quando um determinado instrumento é
construido por referência a uma outra realidade (activo ou mercado),
dependendo desta quanto a aspectos essenciais: a sua estrutura (está
em causa o prazo e a natureza do activo subjacente) e a evolução do
seu preço ao longo do tempo (um derivado incorpora sempre no
preço o factor tempo, afastando-se esse preço tanto mais do preço
do activo subjacente quanto mais longe está o prazo do vencimento
do contrato, tendendo a encontrar.se os dois preços na data do vencimento)”.
José Ferreira Amadeu, Direito dos Valores Mobiliários, Sumários das lições dadas ao 5.º Ano no ano lectivo de 1997/98, Lisboa: AAFDL, 1997-1998, 239,
apud, Sofia Leite Borges; Sofia Torres Magalhães, «Derivados de Crédito –
Algumas Notas sobre o Regime dos Valores Mobiliários Condicionados por
Eventos de Crédito», Caderno do Mercado de Valores Mobiliários, 15 (Dezembro
de 2002) 116.
54
Satijyat Das, «Credit Default Swaps – Financial Innovation or Financial Disfunction?», Financial Stability Review, Banque de France, 14 (July
2010) 46.
55
Noah L. Wynkoop, «The Unregulables? The Perilous Confluence between Hedge Funds and Credit Derivatives», apud Adam Reiser, «An Economical Analysis and Legal Framework for Credit Default Swaps Regulation», 96.
25
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
do risco de crédito – para um vendedor de protecção (protection
seller). Tal operação concretiza-se mediante o pagamento periódico,
por norma trimestral, de um premium ao vendedor de protecção,
para que este, na eventualidade de um evento de crédito – credit
event56 (que pode ser comparável, no âmbito de um contrato de
seguro à ocorrência de um sinistro), proceda ao pagamento de um
prémio – como um prémio de seguro – assegurando a posição financeira do comprador de protecção.
Neste quadro e para o logrado cumprimento da nossa missão discursiva, teremos que fazer referência a um outro instrumento
derivado que surge da titularização da dívida – securitization – uma
vez que se atribui, embora não na sua totalidade e após o downturn vivido nos mercados financeiros no ano 2007 cada vez menos, transferindo-se isso para a dívida soberana, aos Credit Default
Swaps um papel de extrema importância na cobertura e transferência do risco financeiro das Collateral Debt Obligations – CDO. Este
produto financeiro, que veio a ter um impacto colossal nas contas
56
Iremos desenvolver, posteriormente a análise das situações que
compõem um evento de crédito, como também a sua determinação, que tem
vindo a ser objecto de ampla discussão por parte dos market makers e das
entidades reguladoras. Nesta senda, ainda que a título de exposição, deixando
um maior desenvolvimento para um momento posterior, a indústria financeira
reúne-se em torno da International Swaps and Derivatives Association, criada
em 1985 para atender ao melhoramento da infraestrutura global em torno do
mercado de derivados. Conta com a participação de cerca de 800 membros,
entre bancos de investimento, sociedades financeiras e escritórios de advogados. Como verificamos, dado o processo de crescente desregulamentação
oriundo da revolução financeira, a regulação e supervisão do mercado de derivados é francamente débil. Como apontam alguns autores, a ISDA funcionará
como uma longa manus do lobby exercido pelas instituições financeiras, uma
vez que age, muitas vezes, como “regulador” ou “auto-regulador” no mercado
de derivados. A título de exemplo, a ISDA criou em 1991 o Master Agreement
para os mercados de derivados. Nele estão contidas minutas sob a formação
standard dos contratos e uma explicação do jargão utilizado neste tipo de operações, por forma a uniformizar os procedimentos contratuais neste sector.
É também à ISDA que cabe, muitas vezes, a determinação da ocorrência de
um evento de crédito, que faz despoletar os prémios de seguro no caso dos
Credit Default Swaps. Para já, como exemplo do que é unanimemente aceite
por evento de crédito temos os casos de falência (default) do devedor ou uma
reestruturação da dívida do mesmo. A este propósito Fernando Alexandre,
et al., A Crise Financeira Internacional, 114; e também Giovanni Siciliano;
Peter Andrews, The Credit Default Swap Report, The Board of the International Organization of Securities Commissions, June 2012, 14.
26
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
dos bancos depois de rebentar a bolha especulativa no ano 200757,
tem origem na securitização da dívida, por forma a reduzir o risco
inerente à actividade do mútuo bancário. Essa actividade, como já
referimos, tornou-se num dos maiores fenómenos do século, devido
ao crescimento da economia fortemente baseado no crédito58.
Este instrumento conheceu o máximo da sua aplicação no
âmbito de subprime mortgages em que se inserem os créditos concedidos à habitação a indivíduos cuja possibilidade de poderem vir a
fazer face ao cumprimento do empréstimo não se enquadram dentro das exigências mínimas às quais os bancos normalmente emprestam dinheiro. Desta forma, nota-se que a qualidade dos créditos
concedidos deixou de ser prioritária para os bancos: o importante
passou a ser originar créditos para os poder titularizar e distribuir a
outros investidores – passou-se assim ao modelo bancário “originate and distribute”59. Desta forma, através do processo de titularização, os bancos juntavam os seus subprime assets, num conjunto
de produtos composto de outros títulos de dívida, com ratios de
performance diferentes – que em via de regra apresentavam desempenhos melhores - por forma a realocar o risco de perdas avultadas
para os bancos, resultantes do não cumprimento dos empréstimos
por parte dos credores. Em teoria, considerava-se que, ao juntar
numa pool uma série de activos relacionados imperfeitamente, seria
possível, através deste fenómeno de diversificação, reduzir a natureza idiossincrática do risco inerente a estes empréstimos60. Ou seja,
esta criação consistia numa espécie de asset backed securities – no
caso dos empréstimos hipotecários subprime designar-se-iam mortgage backed securities – que consistem em títulos construídos por
57
“CDO’s have been responsible for 542 billion of the nearly trillion
dollars in losses suffered by financial institutions since 2007.” Anna Katherine
Bannet-Hart, The Story of the CDO Market Meltdown, An Empirical Analysis,
Cambridge – MA: Harvard College, 2009, 4.
58
“(…) tal como o triunfo dos EUA no século XX é indissociável
dos avanços registados nos seguros e no crédito hipotecário e ao consumo.”
Nial Ferguson, The Ascent of Money, 20083, apud, Fernando Alexandre, et al.,
A Crise Financeira Internacional, 54.
59
Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 65.
60
Anna Katherine Bannet-Hart, The Story of the CDO Market Meltdown, An Empirical Analysis, Cambridge – MA: Harvard College, 2009, 12.
27
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
referência a um determinado activo, representativos de direitos sobre fluxos gerados por um conjunto de activos-pool61.
Assim, entendemos que um CDO envolve uma estruturação
de valores mobiliários de renda fixa, dividindo-se os cash flows gerados por estes numa estrutura em cascata62 – no caso dos CDO’s
constituídos por mortgage-backed securities, cujo activo de referência se centrava no crédito hipotecário, os cash flows eram gerados
pelo pagamento das prestações do empréstimo por parte dos credores. Ou seja, um CDO não é mais do que um instrumento em que
se transforma uma série de créditos, titularizando-os, e vendendo-os
sob a forma de obrigações aos diversos agentes no mercado, cujo
rendimento depende do pagamento dos devedores que possuem
um determinado crédito. Por serem constituídos por uma estrutura em cascata, os CDO’s não são vendidos como um activo único,
mas antes vendidos em tranches de obrigações, sendo que cada uma
delas está sujeita a um determinado rating63. As tranches cujo rendimento será mais seguro auferem uma taxa de juro menor das menos
seguras. Um dos objectivos deste fatiar dos títulos era a criação de
‘senior tranches’ que obtivessem um rating suficientemente elevado,
de forma a poderem ser adquiridas por fundos de pensões e outras
entidades obrigadas por lei a investir em ratings de título elevado64.
Todavia, o que torna todo este processo de criação dos CDO’s
especialmente atractivo, para os bancos e para outras instituições de
concessão de crédito, é o facto de a sua criação assentar na transferência
da titularidade do crédito para outras entidades, denominadas structured investment vehicles (SIV)65, aos quais são vendidos conjuntos de
activos, neste caso os créditos detidos pelas instituições financeiras, sen61
62
down, 26.
Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 54.
Anna Katherine Bannet-Hart, The Story of the CDO Market Melt-
Existem, comummente, três tipos de tranches. São estas: senior,
mezzanine e junior. São apresentadas desta forma, uma vez que às senior
correspondem tranches de cash flow mais seguras e às junior menos seguras,
próximo do nível de risco total de incumprimento.
64
Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 32.
65
Podem também ser denominados por Special Purpose Vechicles
(SPV). Todavia, é utilizado um termo que sintetiza, muito bem, o fim a que
estas se propõem, uma vez que são denominadas como brain dead companies.
Anna Katherine Bannet-Hart, The Story of the CDO Market Meltdown, 31.
63
28
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
do posteriormente emitidos títulos de dívida cujo juro associado estará
dependente do rendimento obtido pelos activos de referência.
Desta maneira, os bancos puderam retirar do seu balanço os
créditos à habitação que concederam – mais uma vez off-balance-sheet hedging – o que veio permitir que pudessem conceder novos
empréstimos alavancando as suas posições66, uma vez que a cobertura do montante emprestado estaria assegurada pela venda de CDO’s.
Pelo facto de os créditos concedidos não estarem registados no seu
balanço, poderiam conceder novos empréstimos sem comprometer
as exigências impostas aos rácios mínimas de capital dos bancos,
impostas pelos acordos de Basileia II. A utilização destes veículos
ficou conhecida como shadow banking67. A cada tranche de títulos
emitidos por CDO’s caberia uma determinada notação de risco, a
qual era determinante para o cálculo do prémio de juro a receber
por parte do adquirente deste título de dívida. Por forma a melhorar os ratings, os emitentes de CDO’s recorreriam, normalmente, a
um conjunto de credit default swaps, para cobrirem o risco de incumprimento resultante da improcedência dos cash flows emitidos
pelos CDO’s68. Desta forma, nesta fase do nosso trabalho, começa
66
Termo que temos vindo a usar recorrentemente que agora merece
a nossa atenção. O termo decorre do termo anglo-saxónico leveraging, em que
seguimos a esteira de Carlos Pinho, et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 111:
“(…) a alavancagem financeira refere-se ao uso de dívida como suplemento de investimento. As empresas normalmente usam-na para
aumentar a rendibilidade dos títulos, dado que esta prática consegue
maximizar os ganhos, pelo efeito da diferença entre a rendibilidade
gerada pelos activos onde são aplicados essas origens, e os custos
delas. (…) A alavancagem financeira de uma empresa toma a forma
de um empréstimo ou outros instrumentos de dívida. (…) O rácio
financeiro determinado através da relação entre a dívida e o capital
próprio é um indicador da sua alavancagem financeira, esta relação
influencia a rendibilidade do capital próprio (…). Assim, a alavancagem financeira permite rendibilidades potenciais superiores para
o investidor, mas o potencial de perda é também superior porque a
partir de um determinado nível de endividamento, este passa a ser
demasiado caro, dado o aumento do risco (…).
67
Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 57.
68
Todavia, torna-se importante deixar a ressalva de que onde os CDS
assumiam um papel central, na cobertura de CDO’s, centrava-se na cobertura
das chamadas camadas de titularização, em que a um CDO se juntava um conjunto de asset-backed securities, produzindo-se um CDO-squared ou CDO ao quadrado. Os CDS assumiam aqui um papel importante, por forma a garantir cobertura a estes instrumentos financeiros cada vez mais opacos, fazendo com
29
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
a tornar-se clara a escala global desta problemática e o alinhamento sistémico que existe entre as instituições financeiras, em matéria
de comportamento no mercado, que se traduz numa determinada
concentração institucional de criação, venda e cobertura deste tipo
de produtos financeiros. Isto é, apesar do volume de transações ser
de elevada escala, verificamos que há uma grande miscigenação entre
quem é comprador e vendedor neste tipo de mercado, aumentando,
em larga medida, o risco sistémico69 decorrente de uma determinada
falência ou colapso de um único agente ou participante no mercado70.
O surgimento deste tipo de produtos financeiros, desde o fim
do Acordo de Bretton Woods, na década de 70, tem origem, também, no aproveitamento dos recursos obtidos através do exercício
da actividade bancária comercial, como é o caso dos créditos hipotecários, ou o recurso aos mercados financeiros, por parte da banca
de investimento. A este propósito importa referir que, em 1999, a
separação formalmente exigida para a actividade bancária entre os
bancos comerciais e os bancos de investimento foi extinta com a
aprovação por parte do Congresso norte-americano do Gramm-Leach-Billey Act. Assim, instituído um princípio da banca universal71, desencadeou-se um crescimento sem precedentes do recurso
aos mercados financeiros no âmbito da actividade bancária. Nesta
senda, podemos concluir que o processo de revolução financeira
veio esbater as diferenças entre a actividade bancária, seguradora e
de transacção de valores mobiliários72, alargando-se, desta forma, o
que a notação de risco que lhes era atribuída fosse superior àquela caso não
tivessem qualquer cobertura de risco de crédito. Assim, estariam garantidas
as exigências mínimas de capital, assentes na notação financeira dos créditos
concedidos, exigidas pelo acordo de Basileia II. Nesta senda Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 67; e Ronald W. Anderson, Credit
Default Swaps – What are the social benefits and costs?, Banque de France, Financial
Stability Review, Financial Derivatives Innovation and Stability, July 2010, 9.
69
Para um entendimento do conceito e extensão do termo vide José
Manuel Quelhas, Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a Incerteza Sistemática, 405.
70
Como exemplo do que foi exposto. Fernando Alexandre, et al., A
Crise Financeira Internacional, 68.
71
A. J. Avelãs Nunes, «Uma leitura crítica da actual crise do
capitalismo», 16.
72
José Manuel Quelhas, Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a
Incerteza Sistemática, 442.
30
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
âmbito de incidência das causas contributivas para o alinhamento
sistémico do sector financeiro em termos de risco.
Dados os esforços académicos, cada vez maiores, para a criação de modelos de análise do risco inerente a toda a actividade financeira, sobretudo depois do fim da Guerra Fria, com os esforços
de aplicação financeira de ciências como a matemática, temos vindo
a assistir – como elemento determinante que participa no quadro da
já referida revolução financeira – a uma proliferação de instrumentos de cobertura do risco de crédito. Importa-nos referir três dos
principais utilizados para esse tipo de operações, embora a circunscrição temática deste trabalho se cinja apenas a um tipo de instrumento – os Credit Default Swaps –, ficando de fora os total return
swaps e os credit linked notes73.
5. A origem e a dimensão do Mercado de CDS
Dentro dos primeiros contratos de CDS, importa destacar
aquele que foi determinante para a difusão deste instrumento financeiro, dada a dimensão da operação envolvida para a sua prossecução. Assim, em 1994, aquando da celebração do primeiro contrato
de CDS, o European Bank for Reconstruction and Development
providenciou protecção de risco de crédito à JP Morgan Chase, tendo este banco como devedor de referência a Exxon Mobil – entidade sobre a qual a JP Morgan Chase detinha um crédito74. Desde o
seu surgimento em meados da década de 90 até hoje, o mercado de
CDS conheceu um crescimento sem precedentes no valor de cobertura dos seus contratos, de 180 mil milhões de dólares em 1994 a 65
triliões de dólares em 200775. Podemos verificar, de forma gráfica, o
crescimento acentuado deste mercado no seguinte esquema76:
73
Para uma explicação detalhada de total return swaps e de credit linked notes,
vide Sofia Leite Borges; Sofia Torres Magalhães, «Derivados de Crédito», 123-125.
74
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», Journal of Economic Perspectives, 24/1 (2010) 78.
75
Stavros Peristiani; Vanessa Savino, Are Credit Default Swaps Associated with Higher Corporate Defaults?, Federal Reserve Bank of New York, Staff
Report, 494 (May 2010) 16.
76
John Kiff, et al., Credit Derivatives: Systemic Risks and Policy Options,
International Monetary Fund, Working Paper 09/254 (November 2009) 4.
31
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
Para além da constatação do seu extraordinário crescimento, podemos concluir que o mercado originado na transacção de Credit Default Swaps é relativamente recente. Não existem, por isso, estudos
pormenorizados acerca do impacto positivo e negativo na economia
real da mobilização destes contratos ao nível do sistema financeiro
– por oposição a outros produtos derivados, como os futuros e as
opções, cujos benefícios de utilização nos mercados devidamente
regulados são amplamente conhecidos, regulação essa que é autodeterminada pelos participantes do mercado, mas também controlada
através de instâncias públicas (dado que ainda não é uma realidade
no seio do mercado de Credit Default Swaps, apesar dos esforços
legislativos que abordaremos mais à frente)77.
Tentar perscrutar o alcance da relacionação financeira com
base em Credit Default Swaps implica, portanto, que tentemos compreender o seu mecanismo de funcionamento. Para tanto, importa
recordar alguns dos dados lá lançados anteriormente. Assim, podemos dizer que os CDS são contatos, com um funcionamento análogo ao contrato de seguro78, embora idiossincraticamente distinto,
Ronald W. Anderson, Credit Default Swaps, 2.
Na verdade, é necessário ter em conta que “o mercado inclui na
designação de derivados de crédito um conjunto de operações com caracte77
78
32
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
em que um determinado agente económico que detém um crédito
para com uma outra identidade ou indivíduo (seu devedor, que no
âmbito deste tipo de contratos designamos por entidade de referência) procura cobrir o risco de crédito associado à probabilidade de
a entidade de referência poder não vir a cumprir a obrigação de pagamento do crédito obtido. O agente que procura utilizar um CDS
para proceder ao hedging da sua posição no mercado é designado
como comprador de protecção (protection buyer). Este, sendo os
CDS contratos bilaterais, vai transferir o risco de crédito para um
vendedor de protecção (protection seller), que assume o risco de
crédito. O contrato assim estabelecido pressupõe o pagamento periódico, em regra trimestralmente, de uma prestação79 por parte do
comprador de protecção, e calculada sobre o valor nominal da protecção que é oferecida, ao vendedor de protecção. Por sua vez, este
compromete-se a, na eventualidade de se verificar um evento de crédito80 – daí o caracter aleatório dos CDS’s –, assegurar o incumprimento por parte da entidade de referência através do pagamento de
uma compensação, análoga a um prémio de seguro, ao comprador
de protecção81. De notar que até à maturidade do contrato – os CDS
têm normalmente a duração de 3 a 5 anos – o vendedor de protecrísticas diferentes, que dificilmente terão um tratamento unitário”, Sofia Leite
Borges; Sofia Torres Magalhães, «Derivados de Crédito», 132.
79
Adam Reiser, «An Economical Analysis and Legal Framework for
Credit Default Swaps Regulation», 105. Aqui poderemos verificar uma pequena particularidade dos CDS’s. Por se tratarem de contratos, as partes têm
a liberdade de fixar a periodicidade das prestações – premium – destinadas ao
protection seller, bem como a forma que a prestação assume. Esta é tradicionalmente estabelecida em pagamentos periódicos em dinheiro, mas é possível
que se contratualizem CDS’s em que os premiums pagos pelo comprador de
protecção ao vendedor de protecção sejam estipulados sob a forma de opções
– outro instrumento financeiro derivado – sobre acções correspondentes ao
vendedor de protecção.
80
Como principais tipos de eventos de crédito, determinados pelo
ISDA Master Agreement, podemos considerar os seguintes: 1) default da entidade de referência; 2) restruturação da dívida da entidade de referência (haircut);
3) Incumprimento da obrigação de crédito; 4) Mora; 5) “obligation acceleration”.
Acontecerá quando a entidade de referência emitente de um determinado
título de dívida, como o caso de uma obrigação, entrar em default, e a obrigação se vencer antes de atingido o período de maturidade. 6) Repúdio em
fazer face ao cumprimento das obrigações contratuais por parte da entidade
de referência
81
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 80.
33
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
ção poderá ter de proceder à prestação de garantias – collateral, no
quadro da eventualidade de ocorrer um evento de crédito que faça
despoletar a compensação destinada ao comprador de protecção82.
Por outro lado, na eventualidade da ocorrência de um evento de
crédito, com a compensação destinada ao comprador de protecção,
o vendedor de protecção tem direito a obter, nos termos do contrato de CDS, a entrega física dos títulos83 detidos pelo comprador
de protecção, títulos esses que estão na base da protecção destinada
pelo contrato de CDS. E isto ocorre quer ao nível dos contratos de
CDS destinados ao hedging de títulos de dívida, quer ao nível dos
contratos destinados à cobertura do risco inerente à concessão de
um empréstimo.
O fluxograma, pedido de empréstimo84, que a seguir se traz
à estampa mostra em termos práticos como funciona um CDS na
sua forma de single-name ou vanilla (designam-se assim quando são
82
Adam Reiser, «An Economical Analysis and Legal Framework for
Credit Default Swaps Regulation», 105.
83
Esta entrega de títulos – “physical delivery” –, baseia-se nos títulos de
dívida – como obrigações, títulos de dívida pública, mortgage-back-securities ou
títulos participativos de uma collaterall-debt-obligation – que o comprador de protecção visa cobrir o risco de incumprimento do crédito a eles associado. Dependendo dos termos em que o contrato de CDS é firmado, na eventualidade
da ocorrência de um evento de crédito – falência da entidade de referência, a
título de exemplo –, o comprador de protecção entrega os títulos de dívida,
que sofreram um downgrade no seu valor, ao vendedor de protecção, e recebe
deste o pagamento da compensação que foi determinada por referência ao
valor que era atribuído aos títulos de dívida na altura em que o contrato foi
celebrado. Ocorrido o evento de crédito, e feita a transacção entre os títulos
de dívida e a compensação, o contrato extingue-se. Todavia, existem variações
a este propósito, consoante os termos em que o contrato foi firmado. Poderá
acontecer que o valor da compensação seja calculado através da subtracção do
valor actual dos títulos de divida ao valor que tinham na altura em que o contrato foi firmado – esta situação tem a denominação de “cash settlement”. Por
outro lado, existem também sérios desvios aos esquemas de compensação, sobretudo quando se trata da compensação atribuída às mortgage backed securities,
emitentes de cash flows através de uma pool (CDO’s). Aqui, a compensação
não necessita de ser atribuida pelo despoletar de um evento de crédito que
venha pôr termo ao contrato antes de atingida a sua maturidade. Suponhamos que um detentor de participação num CDO deixa de receber os cash flows
decorrente do default de uma série de créditos hipotecários. Nessa hipótese, o
CDS garante o pagamento de uma parcela do valor assegurado pelo contrato,
sem que o contrato se extinga. Cf. René M. Stulz, «Credit Default Swaps and
the Credit Crisis», 72.
84
European Central Bank, Credit Default Swaps and Counterparty
Risk, August 2009, 3.
34
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
constituídos bilateralmente, de raiz, por duas entidades, para fazer
face à cobertura de um risco de crédito específico)85:
Qual, então, a racionalidade que subjaz à existência dos CDS?
Quais as vantagens da sua utilização?
A utilização deste esquema negocial, desde logo, tem vantagens para as entidades que intervêm como compradores de protecção, uma vez que podem proceder a uma cobertura do risco de
crédito off-balance-sheet, por oposição à cobertura do risco de cré85
Suponhamos que o banco A procura cobrir o risco de incumprimento de um empréstimo concedido à empresa B – para este efeito, no âmbito
de um contrato de CDS, a empresa B designa-se como a entidade de referência
– e para isso, vai estabelecer com a seguradora C um contrato de CDS, para
proceder ao hedging do risco de crédito associado ao empréstimo, por um período com uma maturidade igual ao contrato de mútuo que o banco A estabeleceu com a empresa B. Desta forma, o banco A é designado por comprador
de protecção – protection buyer – e a seguradora C designada por vendedor
de protecção – protection seller. No âmbito do contrato de CDS, dada a sua
natureza aleatória, o comprador e o vendedor de protecção estabelecem como
evento de crédito, que faz despoletar a obrigação de compensação do vendedor
de protecção ao comprador de protecção, o incumprimento das prestações do
pagamento do empréstimo por parte da empresa B ao banco A. No decorrer do
contrato o banco A tem a obrigação de proceder ao pagamento de prestações
periódicas à seguradora C e esta, por sua vez, poderá ter de prestar garantias de
cumprimento, se tal tiver sido acordado entre ambos. Na eventualidade de ocorrer um evento de crédito – a empresa B entrar em incumprimento das suas obrigações – a seguradora C está obrigada a conceder uma compensação – como
no caso de um prémio de seguro - ao banco A. Adam Reiser, «An Economical
Analysis and Legal Framework for Credit Default Swaps Regulation», 8.
35
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
dito através da alienação dos títulos de dívida adquiridos ou dos empréstimos concedidos – neste último caso, as dificuldades ainda são
maiores, uma vez que para a transferência da titularidade do crédito
poderá ser necessária a autorização do devedor86, o que no caso dos
CDS não se verifica, já que apenas se transmite para outra entidade
o risco do crédito e não a titularidade do empréstimo. Outra vantagem reside no facto de as determinantes da cobertura de risco poderem ser acordadas entre as partes contraentes, isto é, permite-se
uma cobertura altamente específica e circunscrita a um determinado
tipo e condicionante de risco de crédito – pense-se na moeda em
que as transacções serão executadas, o período de cobertura até à
maturidade do contrato, o valor da compensação por referência ao
valor nominal do crédito que se pretende proteger ou o valor e a
forma de pagamento das prestações – premiums – destinados ao
vendedor de protecção. Por outro lado, permite-se a participação
nos mercados de crédito, tradicionalmente restritos às instituições
financeiras, de instituições cuja estrutura e liquidez não lhes permitira tal participação se não existisse a garantia de cobertura através dos CDS’s, alavancando-se, através deste mecanismo, as suas
posições pela abertura às transacções dos mercados de crédito87.
O funcionamento do mercado de CDS centra-se, sobretudo, nos
mercados de balcão, mercado secundário ou, como comummente
são conhecidos, over-the-counter markets88. A vantagem deste tipo
de mercado para os mercados de derivados, sobretudo no âmbito
de derivados de crédito como os CDS, reside na flexibilidade e na
liberdade contratual concedida aos agentes económicos para proce-
Satijyat Das, «Credit Default Swaps», 46.
Satijyat Das, «Credit Default Swaps», 47.
88
Na definição de mercado over the counter seguimos a linha de Carlos
Pinho, et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 61 em que
86
87
“Um mercado de balcão é um mercado de negociação de títulos sem lugar
físico determinado para as transacções, as quais são realizados por telefone
entre instituições financeiras. (...). O mercado de balcão é ainda conhecido por
mercado OTC (over-the-counter). O mercado de balcão não organizado é um
mercado de compra e venda de activos sem a coordenação de uma bolsa de
valores (…) sendo negociadas acções de empresas não cotadas ou outra espécie de títulos, onde normalmente participam corretores, distribuidora, bancos
e pessoas físicas.”
36
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
derem a uma cobertura detalhada e minuciosa do risco de crédito a
que pretendem fazer face.
Não obstante, por oposição aos mercados organizados89, em
que os títulos se encontram standardizados, os mercados OTC, no
âmbito dos CDS, podem colocar problemas no momento em que
os contratos têm de ser cumpridos. Primeiro, não existe uma câmara
de compensação para os single-name CDS, como no caso de outros
produtos derivados, que assegure o cumprimento dos contratos de
acordo com os termos em que este foi delineado. Além disso, os
mercados organizados – exchanges – são profícuos na resolução do
problema de liquidez que reside nos mercados OTC, uma vez que
facilita o matching entre as duas partes. Já nos mercados OTC, o
processo de alienação de um CDS a outro agente económico pode
resvalar num hiato temporal acentuado, uma vez que pressupõe a
análise minuciosa dos termos em que o contrato foi assinado, dada a
sua especificidade. Isto independentemente de se saber que a negociação em mercados OTC não é a única via em que os CDS podem
ser transaccionados. Existem mercados organizados em Exchange,
cujo funcionamento reside na junção de um conjunto de single-name CDS – isto é, CDS criados em mercados OTC – reunidos numa
pool, em que cada um dos intervenientes, isto é os compradores e
vendedores de protecção, tem uma participação equitativa no índice
onde esta categoria de contratos se encontra – aqui estamos perante índex CDS. Por outro lado, existe também um outro mercado
organizado de CDS, denominado Basket CDS, em que, de forma
análoga ao funcionamento dos índex CDS, estão reunidas uma série
de entidades de referência, numa pool standardizada90. Tais índices
são geridos por entidades autorizadas, sendo os índices de referência para os index e basket CDS o “iTraxx”, onde se agregam um
conjunto de entidades de referência de origem europeia e asiática, e
o CDX, onde se concentram entidades de referência presentes no
mercado norte-americano e nos mercados emergentes91. É também
89
Prende-se com um mercado de negociação organizada, em que os
títulos negociados estão previamente standardizados, e gerido por uma entidade
autorizada. Carlos Pinho, et al., Risco Financeiro – Medida e Gestão, 61.
90
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 80.
91
European Central Bank, Credit Default Swaps and Counterparty
Risk, 12.
37
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
de notarcv que no âmbito da transacção deste tipo de CDS, age
como intermediário uma câmara de compensação, com um papel de
extrema importância em termos de matching da procura e da oferta.
No entanto, um dos principais problemas que afecta este tipo
de mercados é a falta de transparência. Dada a opacidade do mercado e a concentração institucional92, os mecanismos de informação
acerca do mercado são extremamente deficitários, para a publicitação do número de contratos que circulam no mercado e o seu
respectivo valor. Apesar disso, importa clarificar que, ainda que dependendo da boa vontade dos intervenientes no mercado, apesar de
algumas exigências dirigidas por parte do United States Office for
the Control of Currency e pela Federal Deposit and Insurance Corporation, atinentes a instituições norte-americanas, e da proposta de
2009 do Comittee of European Securities Regulators, para a criação
de um repositório europeu de transacções para este mercado, no
qual os bancos de investimento exponham informações relativas às
transacções de derivados de crédito, os repositórios de informação –
trade repositories – vão fornecendo ao público os dados acerca das
transacções efectuadas neste mercado. Entre os vários repositórios
de informação, destaque para o Bank for International Settlements,
com um relatório trianual, e o Depository on Trust & Clearing Corporation, com relatórios semanais, que se encontram disponíveis
para consulta na Trade Information Warehouse, gerida pelo referido
repositório de transacções. Embora possa existir divergência quanto aos números apresentados, uma vez que a incidência no tipo de
contratos de CDS por cada uma delas possa ser diferente, entendem
alguns especialistas que a análise deverá ser cumulativa, procurando
cruzar os dados destas duas fontes de informação para uma visão
mais assertiva do mercado. Não obstante, é voz corrente que um
repositório de informação standardizado e obrigatório para todas
as transacções de CDS traria vantagens no que respeita ao aumento
da liquidez deste mercado, e facilitaria o papel dos reguladores na
resolução de problemas legais93.
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 81.
Por todos, Robert J. Shiller, Credit Default Swaps, Clearinghouses and
Exchanges, Squam Lake Working Group on Financial Regulation, Working Paper,
Council on Foreign Relations, Center for Geoeconomic Studies, July 2009, 3.
92
93
38
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
E aqui tocamos um dos pontos-chave na compreensão da
opacidade que envolve estes mercados: a ideia de regulação. Ela encontra o seu primeiro entrave ao nível institucional.
É que, apesar de existirem semelhanças entre os derivados
de crédito e outras categorias de derivados e valores mobiliários já
devidamente regulados pelo mercado, v.g. o caso norte- americano
da Securities and Exchanges Commission que regula a generalidade
dos valores mobiliários transacionados no mercado norte-americano, e da Commodity and Futures Trading Comission, que regula as
transacções de futuros no mesmo mercado, as características dos
CDS fazem com que não possam ser integrados na jurisdição de
cada uma destas entidades reguladoras94. Desta forma, o lobby95 da
indústria financeira agregou-se em torno da International Swaps and
Derivatives Association, fundada em 1985, que veio lançar em 1992
o Master Agreement, uma espécie de código de boas práticas e de
sintetização e standardização do vocabulário utilizado na feitura de
contratos derivados negociados nos mercados OTC. Desta forma,
a ISDA ganhou forma de entidade auto-reguladora deste tipo de
mercado, sobretudo no âmbito dos CDS. Através do Master Agreement, foram standardizadas materiality clauses com base nas quais
os contratos eram celebrados – como a maturidade dos contratos,
as entidades de referência, a forma dos contratos e a definição, determinação dos principais eventos de crédito e liquidação dos contratos na eventualidade da ocorrência de um evento de crédito. Os
termos do master agreement foram revistos, por forma a adaptar o
clausulado do mesmo às características dos CDS, no ano 2002. No
entanto, as grandes alterações foram introduzidas em 2009, o que
ficou conhecido como o Big Bang Protocol96, dada a profundidade
e o relevo das adaptações inseridas. Foram, designadamente, introduzidas especificidades legislativas quanto aos CDS celebrados na
Europa, em relação ao cálculo do premium pago pela protecção de
Will A. Gibson, «Are Swap Agreements Securities of Futures?
The Inadequacies of Applying the Regulatory Traditional Approach to OTC
Derivatives Transactions», Iowa Journal of Corporate Law, 24 (1999) 378, apud
Adam Reiser, «An Economical Analysis and Legal Framework for Credit Default Swaps Regulation», 124.
95
Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 114.
96
European Central Bank, Credit Default Swaps and Counterparty Risk, 18.
94
39
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
um CDS, mas a alteração de maior relevo prende-se com a criação
de um comité de determinação dos eventos de crédito. Apesar dos
eventos de crédito serem acordados entre as partes contratantes de
um single-name CDS, e de existirem tipos principais de eventos de
crédito elencados nas minutas contratuais do Master Agreement,
este Determination97 Commitee vem prestar esclarecimentos relativamente aos casos em que existe dúvida acerca da verificação de
um evento de crédito – v.g., mais comummente, no caso de restruturação da dívida. Consoante podemos ler numa obra sobre o
tema98, este processo de determinação da ocorrência de um evento
de crédito tem início sob proposta de um membro do ISDA – tradicionalmente bancos, bancos de investimento, hedge funds, escritórios de advogados – baseada em informação pública – por exemplo,
presente nos jornais principais – em relação a uma entidade de referência de um determinado contrato de CDS. Aí, o comité decide se
existe a ocorrência de um evento de crédito ou não, ficando todos
os membros do ISDA vinculados à sua posição. No caso de a decisão ter sido tomada por maioria absoluta por parte do comité, a decisão não tem de estar sujeita a qualquer auditoria jurídica externa99.
Como forma de ilustrar o funcionamento do Determination
Committee da ISDA, iremos evidenciar o caso ocorrido em Março
de 2012, quanto ao tratamento dado às cláusulas contratuais dos
CDS usados para dar cobertura de risco aos títulos de dívida pública
grega, mais especificamente, quanto à determinação ou não da ocorrência de um evento de crédito resultante da proposta de reestruturação da dívida contraída pela República Helénica100. No caso de a
reestruturação da dívida ser voluntária, ela não constitui um evento
de crédito com efeitos vinculativos a todos os membros do ISDA,
uma vez que o comité não é chamado a intervir, vinculando apenas
os membros que participem no processo de reestruturação voluntária da dívida, em mútuo acordo entre vendedores e compradores
de protecção e entidades de referência, como seria neste caso a República Helénica. Todavia, ao verificar-se que a restruturação não
Satijyat Das, «Credit Default Swaps», 48.
Giovanni Siciliano; Peter Andrews, The Credit Default Swap Report, 26.
99
Giovanni Siciliano; Peter Andrews, The Credit Default Swap Report,
97
98
27-28.
100
40
Giovanni Siciliano; Peter Andrews, The Credit Default Swap Report, 29.
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
resultaria na diminuição do valor global da dívida, o governo grego
introduziu um mecanismo de Collective Action Clauses, sobre os
títulos de dívida pública, mecanismo esse com um funcionamento
retroactivo, que obriga, unilateralmente, a que os detentores do título de dívida estejam sujeitos ao downgrade do seu valor. Desta forma, dada a acção unilateral do governo grego, o ISDA, no dia 9 de
Março de 2012, decidiu qualificar este tipo de restruturação como
um acto de recondução a um credit event.
Originariamente, na base da criação dos CDS esteve a ideia
de disseminação do risco sistémico patente no sistema financeiro101.
Ao permitir-se uma transferência do risco de crédito para as entidades que concedem empréstimos ou emitem títulos de dívida,
procurava-se garantir a sua subsistência em caso de falência ou de
incumprimento dos seus devedores, evitando-se, assim, um contágio generalizado de incumprimentos e falências no sistema financeiro. No entanto, a estrutura do mercado em que são transaccionados e a falta de regulamentação na matéria ditou o agravamento do risco sistémico no sector102. Na verdade, e agora dito de um
modo mais directo, são muitos os riscos que os CDS envolvem. O
principal prende-se com o risco da contraparte, isto é, o risco entre
as partes referenciadas no contrato103 (vendedor e comprador de
protecção conjuntamente, por reportação à exposição destes à entidade de referência) – counterparty risks – que poderá desembocar
num risco global, sistémico104. A análise do risco da contraparte,
numa primeira abordagem, obriga a clarificar em que é que este se
pode traduzir. Desta forma, encontramo-nos perante duas situações
basilares, que são o não pagamento dos premiums, por parte do
comprador de protecção, e a não garantia de cobertura, em caso
de ocorrência de um evento de crédito, por parte do vendedor de
101
Adam Reiser, «An Economical Analysis and Legal Framework for
Credit Default Swaps Regulation», 118.
102
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 81.
103
Note-se que é posição relativamente unânime considerar os
CDS’s um jogo de soma zero – “That one man’s profit is another’s loss” – daí que o
alinhamento de risco seja, no fundo, um factor indissolúvel, uma vez que o
contrato, ao fim ao cabo, só será verdadeiramente vantajoso para uma das
partes. Satijyat Das, «Credit Default Swaps», 49.
104
European Central Bank, Credit Default Swaps and Counterparty
Risk, 20.
41
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
protecção. Este tipo de risco assume uma escala de elevada proporção, na medida em que pela teia apertada de transacções que existe
no mercado opaco dos CDS, onde compradores de protecção são
simultaneamente vendedores de protecção. Ora, o contributo para
um choque sistémico no sistema financeiro, associado ao risco da
contraparte na execução deste tipo de contrato, assume proporções
globais por força da conjugação de uma série de riscos.
Em primeiro lugar, torna-se necessário referir o risco operacional que os CDS comportam. Pense-se na prática do short-selling,
em que a aquisição de um CDS poderá ser feita a descoberto105 –
“naked CDS”106 – isto é, a posição do CDS, neste contexto, tem um
fim meramente especulativo, não tendo qualquer intenção de cobertura do risco de crédito107. Se tal permite uma alavancagem da carteira de investimentos, de um determinado interveniente no mercado,
desfasada da cobertura real para a qual um CDS é contratualizado,
também existem benefícios neste tipo de actividade, como seja o
de garantir liquidez num mercado que, dada a sua opacidade, não é
líquido por natureza108. No entanto, em determinadas situações puramente especulativas, incentiva-se o risco moral109 – moral hazard
– dos intervenientes deste mercado, através da transacção de naked
CDS. Ou seja, dentro do que consideramos risco operacional110,
devemos ter em conta os comportamentos desviantes dos agentes
económicos na utilização deste instrumento financeiro. Ao adquirir
CDS sem estar exposto a qualquer entidade de referência, supondo
que um determinado investidor adquiriu um contrato de CDS a ou105
Aqui,” (…) um determinado agente económico adquire um contrato de CDS, já firmado entre duas partes, sem deter qualquer título de dívida da entidade de referência. Aliás, quer o comprador de protecção, quer o
vendedor de protecção podem fazer uso de um CDS para especular sobre as
prospecções de outros intervenientes no mercado (…)” – sejam estes estados,
bancos ou empresas. Por todos, Robert J. Shiller, Credit Default Swaps, Clearinghouses and Exchanges, 3.
106
Stavros Peristiani; Vanessa Savino, Are Credit Default Swaps Associated with Higher Corporate Defaults?, 16.
107
Ronald W. Anderson, Credit Default Swaps, 11.
108
Por todos, Robert J. Shiller, Credit Default Swaps, Clearinghouses and
Exchanges, 2.
109
Adam Reiser, «An Economical Analysis and Legal Framework for
Credit Default Swaps Regulation», 125.
110
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 86.
42
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
tro interveniente no mercado, que ocupava a posição de comprador
de protecção porque era detentor de um crédito sobre uma determinada entidade de referência, este novo detentor do contrato de
CDS, que está obrigado ao pagamento de premium ao vendedor de
protecção, terá todo o interesse no incumprimento do crédito por
parte da entidade de referência em relação ao comprador de protecção originário, uma vez que só assim poderá auferir a compensação
que o vendedor de protecção se obrigou a providenciar aquando da
contratualização do CDS. No entanto, é necessário reflectir sobre
os termos em que o mercado executa estes contratos, uma vez que
o risco operacional tem tendência a ganhar dimensão maior com a
opacidade e falta de liquidez presentes neste mercado111.
Tal questão, a da liquidez no mercado de CDS’s, remete-nos
para outro tipo de risco – o risco de liquidez112. Como já referimos
anteriormente, por se tratar de um produto financeiro cujo conteúdo
está sujeito aos ditames da vontade das partes contraentes, um CDS
é tendencialmente criado para cobrir o risco de crédito numa determinada situação de dívida específica. Desta forma, a transacção do
título, detido pelas partes contratantes, pode tornar-se virtualmente
impossível pela opacidade do produto financeiro em questão e pelo
facto de ser transacionado num mercado OTC. Na eventualidade de
a transacção se poder vir a efectuar, no âmbito de um single-name
CDS, esse processo poderá demorar algum tempo, uma vez que é
imperiosa a análise detalhada dos termos contratuais em questão.
Para além da problemática inerente à liquidez deste tipo de
mercado, ao analisarmos um conjunto de transacções de CDS’s,
verificamos que existe uma concentração institucional113elevada,
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 86.
Robert S. Neal, “Credit Derivatives – New Financial Instruments
for Controlling Credit Risk”, 24.
113
Por risco de concentração institucional entendemos o risco que
decorre do facto de num determinado mercado assumirem um papel preponderante, de forma quase exclusiva, um número diminuto de intervenientes
cuja actuação, dada a sua dimensão institucional e quota que detêm nesse determinado mercado, pode implicar riscos para os restantes sectores do sistema
económico. Desta forma, no caso dos CDS’s, verificamos a existência desse
tipo de concentração e dada a dimensão avultada das transacções no mercado
interbancário, a prosperidade dos agentes económicos que nele intervêm é
interdependente. O mesmo acontecerá, em sentido inverso, na eventualidade
de um revés na performance de um participante no mercado poderá arrastar
111
112
43
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
sobretudo no âmbito das entidades de referência, verificando-se
também uma elevada teia de exposição comum entre os agentes
deste tipo de mercado – web exposure114. Nesta senda, a maioria da
imprensa e literatura económica vem atribuindo o título de G 14 ao
conjunto dos maiores investidores, sendo estes intervenientes praticamente exclusivos no mercado de CDS. Deste grupo fazem parte
instituições financeiras como a Goldman Sachs, o Morgan Stanley,
a JP Morgan Chase, o Deutsche Bank, a Société Générale entre outros grandes colossos do sistema financeiro.115
Este risco, de certa maneira, vem empolar as probabilidades
de se gerar um risco sistémico no sistema financeiro, isto é, o risco
de a falência de uma instituição financeira de grande dimensão pôr
em perigo a estabilidade do restante sistema financeiro e da economia real116. Acresce que para fazer face a rácios de capital exigidas
pelas autoridades de supervisão117, a maioria dos bancos, enquanto agentes por excelência na concessão de crédito, recorriam aos
CDS’s para cobrir a sua posição e também a posição dos títulos
securitizados, o que leva a crer que sem este tipo de cobertura do
risco de crédito não seria possível a concessão de crédito118 na escala
maciça daquela ocorrida nos finais do último século e inícios deste,
alavancando a posição das instituições financeiras para níveis sem
precedentes.
O que aqui fica dito pode ser ilustrado com o caso de regaste
recente por parte da Reserva Federal norte-americana à seguradora
os restantes para um ciclo vicioso de perdas na sua actividade. No entanto,
dada a dimensão dos agentes que intervêm no mercado, o insucesso logrado
pela actividade num determinado mercado em que o risco de concentração
institucional é elevado, as repercussões para a economia real podem ser desastrosas, podendo gerar um período recessivo. Adam Reiser, «An Economical
Analysis and Legal Framework for Credit Default Swaps Regulation», 148.
114
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 89.
115
Giovanni Siciliano; Peter Andrews, The Credit Default Swap Report, 18.
116
Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 106.
117
Decorrentes do acordo de Basileia II.
118
De facto, esta possibilidade é entendida como uma porta aberta
para atitudes classificadas como moral hazard, uma vez que o risco de crédito
associado à concessão do crédito poderia estar assegurado por derivados de
crédito, causando o sentimento de segurança excessiva nos agentes económicos, permitindo que estes concedessem ainda mais empréstimos. Satijyat Das,
«Credit Default Swaps», 48.
44
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
AIG. O grande contributo para o alinhamento sistémico dos mercados financeiros causado pela utilização de CDS prende-se com
a elevada probabilidade de negative externalities119, cuja repercussão poderá afectar todo o sistema financeiro. A AIG, ao tempo a
maior seguradora do mundo, actuava no mercado principalmente enquanto vendedora de protecção no mercado de CDS’s sobre
CDO’s oriundos da titularização do crédito hipotecário. Algumas
estimativas apontam para um valor de protecção, sobre tranches de
cash flow senior oriundas de CDO’s, de 441 biliões de dólares120.
Por outro lado, é também conhecido o recurso da AIG ao mercado
de crédito para a compra de participações neste tipo de CDO’s, para
poder auferir os cash flows que eram proporcionados pelo pagamento das obrigações hipotecárias. No entanto, com o downfall do
mercado imobiliário norte-americano, as posições detidas pela AIG
sofreram um downgrade no rating,121 tendo, desta forma, de prestar
garantias junto da rácio de capital do seu balanço, por forma a cumprir determinadas exigências legais. Desta forma, com a escassez de
liquidez sentida no mercado, a AIG viu-se numa situação em que
não lhe seria possível nem assegurar as rácios de capitais mínimos
no seu próprio balanço, nem proceder ao pagamento de compensações no caso em que um evento de crédito fizesse activar a obrigação de pagar o valor acordado aos compradores de protecção.
Desta forma a AIG estaria na falência122. Dado ser elevada neste
mercado a concentração institucional, a teia de trocas entre bancos
de investimento e seguradoras é elevada, uma vez que a AIG agia
principalmente como vendedor de protecção mas também como
comprador de protecção no âmbito do mercado de CDS. Desta feita, a não intervenção da FED no capital da AIG poderia resultar
119
Por esta expressão entende-se o facto de, num mercado institucionalmente concentrado, o comportamento desviante de um determinado
agente com consequências nefastas para esse determinado mercado poder
causar prejuízos elevados aos restantes intervenientes, bem como também
o colapso de todo o sistema financeiro, com consequências nefastas para a
economia real. Adam Reiser, «An Economical Analysis and Legal Framework
for Credit Default Swaps Regulation», 126.
120
Adam Reiser, «An Economical Analysis and Legal Framework for
Credit Default Swaps Regulation», 131.
121
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 85.
122
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 89.
45
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
na desagregação do sistema financeiro moderno comportando um
risco sistémico à escala mundial nos mercados financeiros. Números ainda mais impressionantes surgem ao analisarmos os dados do
sistema financeiro no ano de 2008: alguns dos maiores bancos de
investimento, como o Bear Sterns, ou conglomerados financeiros
como a JP Morgan Chase e o Citibank, tinham uma exposição a
CDS no valor combinado de quase 14 biliões de dólares123. Era certo que num mercado concentrado como este, a falência de um destes colossos financeiros provocaria um conjunto de falências. Note-se porém que somos levados a crer, tal como na opinião de Stulz,
que a necessidade de resgatar financeiramente a AIG se prendeu
com a necessidade de assegurar a sobrevivência do sistema financeiro. Por outras palavras, a AIG estaria too interconnected too fail124.
Vejamos o valor global da AIG, na cobertura de CDS com outros
maiores bancos em Wall Street125:
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 82.
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 89.
125
E uropean C entral Bank, Credit Default Swaps and Counterparty Risk, 94.
123
124
46
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
Ao analisarmos os factos ocorridos, e conhecendo a intervenção do governo norte-americano na AIG, percebemos que existiu
uma intervenção selectiva no sistema financeiro, quanto aos meios
de bloqueio do risco sistémico. Tendo em conta que, aquando da falência do quarto maior banco de investimento do mundo, o Lehman
Brothers, ocorrida em Setembro de 2008, não houve qualquer intervenção estatal, percebemos, na esteira de Cont126, que o contágio
decorrente do default de uma grande instituição financeira e o risco
sistémico que daí advém estão dependentes não tanto da dimensão
da instituição financeira, e no fundo da sua relevância dimensional
nos mercados financeiros, mas antes das relações financeiras que
estabelece com outros agentes relevantes no mercado.
Por outro lado, considerando o resgate financeiro da AIG, é
inevitável perceber que, dada a proximidade das relações estabelecidas entre os agentes neste mercado, o clima de desregulamentação
favoreceu a assunção excessiva de riscos por parte da maioria das
instituições financeiras. Isto mostra que, ao longo deste processo
de concessão avassaladora de crédito, alguns dos maiores intervenientes do sistema financeiro assumiram riscos desnecessários, por
saberem que, em caso de falência, dada a sua dimensão e centralidade no sistema financeiro – too big to fail127 -, teriam a ajuda dos
bancos centrais – risco moral ou moral hazard128. Também as garantias prestadas por parte dos organismos de regulação às instituições
financeiras perante as dificuldades de cumprimento de compromissos bancários, conduzindo, como no exemplo supracitado, à socialização das perdas e à privatização dos lucros, asseguradas aos investidores no mercado bancário, contribuíram para comportamentos de
risco, balizados por um sentimento de irresponsabilidade129.
126
R. Cont, «Measuring Systemic Risk», Columbia University Working Paper, 2009, apud Giovanni Siciliano; Peter Andrews, The Credit Default Swap Report, 24.
127
José Manuel Quelhas, Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a
Incerteza Sistemática, 550.
128
Fernando Alexandre, et al., A Crise Financeira Internacional, 81.
129
José Manuel Quelhas, Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a
Incerteza Sistemática, 429.
47
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
5.1. Propostas de solução no quadro de regulação:
breve reflexão
Se a negociação principal se centrar em mercados OTC – e,
pese embora a exposição anterior, as transacções OTC constituem
o grosso da forma de trading neste tipo de mercado130 -, o que nos
remete para uma ideia de agravada opacidade, dada a falta de informação latente neste tipo de mercado, uma das soluções para tornar
este mercado mais eficiente passa pela criação de uma Câmara de
Compensação131, acompanhada por um repositório de transacções
obrigatório. Este mecanismo cujo funcionamento iremos de seguida
abordar foi a forma que os líderes mundiais encontraram, na cimeira
de 2009 do G20 em Pittsburgh, para tentar tornar o mercado de
derivados mais seguro, reduzindo-se os problemas de assimetria de
informação e de liquidez, de forma coordenada e não discriminatória, através da criação de um processo de regulamentação deste mercado, até ao final de 2012. Assim, e como consequência, assistimos a
recente reforço legislativo neste sentido, quer por parte dos Estados
Unidos, com a introdução do Dodd-Frank Act132, quer por parte
das entidades europeia, sobretudo através da adopção do Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho
de 4 de Julho de 2012 relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes centrais e aos repositórios de transacções, no
qual a Comissão Europeia, auxiliada pela Autoridade Europeia dos
Valores Mobiliários e dos Mercados133 e pelo Sistema Europeu de
Bancos Centrais, criou as condições para a fixação dos termos em
que seriam estabelecidas as Câmaras de Compensação nos EstadosMembros – bem como para a admissão do exercício de Câmaras de
Compensação (CCP) sediadas fora do espaço europeu – e do seu
Giovanni Siciliano; Peter Andrews, The Credit Default Swap Report, 24.
Central Counterparty (CCP).
132
“The Dodd - Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act”
foi promulgado em Julho de 2010 introduzindo profundas reformas legislativas no âmbito dos poderes de supervisão das autoridades federais norte-americanas. O diploma, entre outras alterações, prevê a obrigatoriedade do
reporte por parte das instituições financeiras acerca das posições detidas nos
mercados de balcão.
133
Criada pelo Regulamento n.o 1095/2010 do Parlamento Europeu
e do Conselho.
130
131
48
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
adequado supervisionamento quanto ao exercício financeiro, fiscal
e aos pagamentos às partes associadas na CCP.
O recurso a uma CCP134, no âmbito do mercado de OTC
de CDS, numa primeira análise, afigura-se amplamente vantajoso.
Em primeiro lugar, dada a opacidade e iliquidez características deste mercado, os riscos associados ao incumprimento ou falência da
contraparte, no âmbito da prossecução de um contrato de CDS,
assumem proporções desmesuradas, devido à elevada concentração
institucional. Ora, no recurso a uma câmara de compensação, existe
a possibilidade de isolar o risco da contraparte, uma vez que esta age
enquanto vendedor para os compradores de protecção e enquanto
comprador para os vendedores de protecção, isolando o risco de
crédito para ambas as partes do contrato, ajudando a mitigar o risco de contágio no sistema financeiro135. Tal baseia-se no facto de
esta assumir o papel de “parte” na mediação dos contratos de CDS.
Uma câmara de compensação é, desta forma, um mecanismo de
funcionamento análogo ao de uma bolsa de valores136, em que os
contratos são despersonalizados através da sua mediação, visando o
cumprimento destes no âmbito da sua maturação ou na ocorrência
de um evento de crédito.
Outra característica fundamental das CCP prende-se com
a exigência da prestação de garantias iniciais – margins – através
das quais se cumpre o dever fiduciário na prestação de garantias de
cumprimento do contrato. Esta exigência de colocação de margens
iniciais vem, de certa forma, contribuir para a diminuição, ainda que
parcial ou relativa, dos prejuízos suportados pelos intervenientes no
mercado no caso de uma das contrapartes não poder cumprir o conA existência de câmaras de compensação para a monitorização
deste mercado não é recente. O que é verdadeiramente inovador é o reconhecimento político e institucional deste mecanismo e a sua adopção do mesmo
ao nível legislativo. Como exemplo de algumas câmaras de compensação para
o mercado de CDS existem ao nível europeu a Eurex Credit Clear”e a “ICE
Clear Europe”, e ao nível norte-americano “CME CMDX” e a “ICE Trust US”.
Consideramos igualmente como novidade o facto de a regulamento europeu
se destinar à implementação de câmaras de compensação, também, direccionadas para single name CDS. As câmaras de compensação tendem a destinar-se
a índices de CDS, dada a liquidez proporcionado pelo índice ser maior.
135
Ronald W. Anderson, Credit Default Swaps, 6.
136
José Manuel Quelhas, «Sobre a evolução recente do sistema financeiro», 76.
134
49
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
trato137. Por forma a mitigar o risco de contágio, entre os intervenientes no mercado de CDS, a absorção de tais perdas ocorre muitas
vezes com recurso às margens iniciais, que as partes prestam como
garantia, ou através de margens de garantia ou de fundos próprios
da câmara de compensação138.
Como resultado disso, a existência de tais requisitos de uma
câmara de compensação vem introduzir, num mercado opaco como
este, a possibilidade de se monitorizar a protecção dos riscos inerentes à contraparte. E desta feita, há um acréscimo do sentimento
de confiança139 entre os agentes do mercado, que se passam a sentir
minimamente assegurados quanto à garantia prestada pelas mesmas
margens colaterais.
As margens iniciais são determinadas de forma proporcional
por referência ao valor nominal do contrato e esta sua determinação também poderá basear-se, consoante as regras da câmara de
compensação, no risco do cumprimento das obrigações contratuais
inerentes à contraparte. Desta forma, quanto mais volátil for a graduação deste risco, maiores serão as exigências de capital no âmbito
das margens de garantia colaterais.
No entanto, não é apenas ao nível da disseminação dos riscos
inerentes ao incumprimento dos ditames contratuais pelas partes
que a câmara de compensação comporta benefícios. Ela contribui
para o desagravamento da iliquidez fortemente presente no mercado dos CDS, e, dado o seu papel de centralização e monitorização
da informação, a câmara poderá agir como elemento de matching
137
Dá-se uma
“(…) compensação dos ganhos e perdas, através da movimentação das margens de garantia depositadas na camara. O lucro e o prejuízo registados
diariamente são liquidados pela camara de compensação que, em caso de
subida de preço do activo subjacente, paga o ganho ao detentor da posição
longa a prazo e cobra a pedra ao possuidor da posição curta a prazo. Ao
contrário, em caso de descida de preço do activo subjacente, a camara de
compensação paga o ganho ao detentor da posição curta a prazo e cobra a
perda ao possuidor da posição longa a prazo”.
José Manuel Quelhas, «Sobre a evolução recente do sistema financeiro», 76.
138
Robert J. Shiller, Credit Default Swaps, Clearinghouses and Exchanges, 8.
139
Giovanni Siciliano; Peter Andrews, The Credit Default Swap Report, 25.
50
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
entre a procura e a oferta, resolvendo, a priori, uma parte substancial
da iliquidez do mercado com o aumento do número de transacções.
Uma outra vantagem inerente à monitorização feita pelas
CCP prende-se com a uniformização e determinação dos valores de
mercado dos contratos de CDS, fazendo face a um problema que,
não nos cansamos de repetir, é causado pela opacidade e pequena
transparência inerente a este tipo de mercado. A solução passa pela
admissão dos agentes do mercado a uma câmara de compensação:
a exigência de margens mínimas, como foi referido, funciona como
ponto de partida da conta de posições de cada membro autorizado
da câmara de compensação. Nessa mesma conta de posições são
creditados ganhos e debitadas perdas, estando registadas as oscilações que permitem que a conta de efectivo traduza a situação do
agente face ao mercado. No fundo, tal mecanismo vem funcionar
como se diariamente cada contrato fosse liquidado e substituído por
novos contratos com idêntica data de vencimento e o mesmo underlying asset, mas com um novo preço, igual ao de liquidação do dia
anterior, aquando do fecho da camara de compensação140. Este processo dá-se através de um ajustamento diário do valor dos contratos
celebrados, num sistema mark-to-market, em que as oscilações são
reflectidas no valor das posições detidas pelos intervenientes deste
mercado, no recurso à camara de compensação.
Porém, o recurso às câmaras de compensação, por forma a
monitorizar as transacções de credit default swaps nos mercados
OTC, não gera consenso em termos doutrinais. As conclusões de
Zhou e Duffie141 sobre esta matéria vêm chamar a atenção para o
facto de a existência de Câmaras de compensação exclusivas para
a monitorização da transacção de CDS poder levar a um aumento
médio da exposição de risco da contraparte. Isto é, numa câmara
de compensação exclusiva para este tipo de derivados de crédito, a
transferência das posições ilíquidas das partes contratantes realiza-se por recurso à liquidez de outros intervenientes da câmara de
140
José Manuel Quelhas, «Sobre a evolução recente do sistema financeiro», 78.
141
D. Duffie; H. Zhou, When Does a Central Clearing Counterparty Reduce Counterparty Risk?, Working Paper, Graduate School of Business, Stanford University, July 1st 2009, apud, Robert J. Shiller, Credit Default Swaps,
Clearinghouses and Exchanges, 7.
51
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
compensação, e não através de uma disseminação do risco através
de outros instrumentos financeiros. Ora, tal distribuição de risco
levaria a que, para se combater o aumento do risco médio da exposição a que as partes contratantes estão sujeitas, a exigência para a
prestação de garantias fosse mais severa e, por consequência, com
custos superiores. Por outro lado, numa câmara de compensação
que não se dedique a qualquer tipo de contrato em especial, mas que
funcione como câmara geral para todos os derivados negociados
em mercados OTC, as consequências também seriam penalizadoras. Em primeiro lugar, a existência de várias câmaras de compensação conduz a uma maior eficiência de operações e a uma maior
concorrência de preços. Em segundo, uma câmara de compensação
congregadora de todo o mercado OTC, em caso de insolvência,
implicaria consequências sistémicas avassaladoras. Por último, ao
integrar os contratos de CDS numa câmara de compensação, a sua
consequente standardização levaria ao encurtamento da especificidade e personalização proporcionada pelos contratos de CDS, em
consequência da sua criação em mercados OTC142.
Não obstante o alerta dos autores citados, não nos parece que
seja intenção do legislador europeu, nem tão-pouco intenção subjacente às deliberações tomadas pelo G20 em 2009, que seja instituída
uma câmara de compensação única para o mercado OTC de derivados, coarctando uma das principais pedras basilares da economia
ocidental – o mercado livre. Até porque não existem actividades
isentas de riscos, nem é possível expugnar a incerteza associada à
mundividência do sistema financeiro. E a rejeição de câmaras de
compensação para controlar especificamente o mercado de CDS
traria mais malefícios do que benefícios, uma vez que não existira
qualquer alteração face ao status quo vigente e seriam desaproveitadas todas as vantagens que estas comportam, nomeadamente no
que respeita ao aumento da confiança dos agentes deste mercado e
das entidades de supervisão, combatendo-se, desta forma, a opacidade que tem caracterizado o mercado. Note-se, ademais, que o processo de standardização dos contratos não nos parece circunscrito
à introdução das câmaras de compensação. Na verdade, o ISDA já
vem procedendo nesse sentido de há alguns anos a esta parte, com
142
52
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and the Credit Crisis», 87.
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
um conjunto de minutas e contratos-tipo no Master Agreement. O
processo de standardização é desta forma reconhecido como benéfico pelos agentes do mercado e não nos parece ser esse factor
a desencorajar investidores, nem tão pouco a agravar os riscos inerentes a esta actividade. Na verdade, em linha com alguns autores143,
acreditamos que estes pequenos custos e riscos devem ser suportados, pois a rejeição de todo este elenco de medidas tem um preço
muito superior.
Por outro lado, a implementação de repositórios de informação relativos às transacções de CDS já havia sido recomendada ao
nível europeu144. De facto, a institucionalização e o reconhecimento
legal destes repositórios vêm na linha do que já vinha sendo praticado por diversos agentes no mercado, sem supervisão e obrigatoriedade públicas.
Apesar de já discutidas no âmbito deste trabalho as vantagens
que um aumento da transparência no mercado OTC de CDS traria
a outros agentes de mercado e às entidades de supervisão, diluindo a opacidade presente neste mercado, aumentando consequentemente as possibilidades de liquidez145 e procurando, através de uma
análise do tipo de contratos e do volume das transacções, detectar
elementos críticos relativamente à prevenção de riscos de amplitude
sistémica, existem vantagens relativas à transparência do processo
de formação do preço de mercado dos contratos de CDS, no mercado OTC, quer no momento anterior à sua transacção – pre-trading
transparency – quer no momento posterior à transacção do contrato
– post-trading transparency146.Como consequência positiva, existirá
uma disparidade menor ao nível do spread resultante do encontro
entre as forças de procura e oferta. No entanto, o aumento da transparência em mercados OTC poderá ter consequências negativas,
143
144
Risk, 114.
Robert J. Shiller, Credit Default Swaps, Clearinghouses and Exchanges, 7.
European Central Bank, Credit Default Swaps and Counterparty
René M. Stulz, «Credit Default Swaps and The Credit Crisis», 89.
Robert E. Litan, The derivatives dealers club and derivatives market reform:
a guide for policy makers, citizens, and other interested parties, The Brookings Institute,
Initiative on Business and Public Policy in Brookings Institute, April 2010, apud
Giovanni Siciliano; Peter Andrews, The Credit Default Swap Report, 21.
145
146
53
P RÉMIOS | Prémio Doutor Teixeira Ribeiro
como as situações de predatory trading147. No entanto, não nos parece que tais vicissitudes devem afastar a obrigatoriedade de um repositório de informação. Aliás, ao analisar o mercado de derivados,
ou qualquer outro mercado de títulos, verificamos que são inúmeras
as intenções de especulação por parte dos agentes presentes nesses mercados, levando-os a incorrer em situações de moral hazard,
correndo riscos operacionais, com consequências funestas para o
mercado. Todavia, mais uma vez, não nos parece que os putativos
malefícios do acréscimo de transparência no mercado de CDS acarretem custos excessivos para o seu bom funcionamento. Parece-nos,
sim, que a ausência de mecanismos de incremento de transparência
é, como já pudemos verificar, acompanhada de consequências desoladoras para o mercado, sobretudo no âmbito da supervisão, cuja
preocupação neste momento se parece centrar na detecção de focos
de risco sistémico e no esmorecimento dos mesmos.
Breves Conclusões
Pela análise do funcionamento e características dos CDS, verificamos que, ao contrário do fenómeno da titularização da dívida,
o recurso a derivados de crédito como os CDS traz vantagens sem
precedentes ao sistema financeiro, principalmente no que toca à redistribuição do risco. Aliás, note-se que a crise que hoje vivemos,
com o seu efeito devastador, não teve como causa principal o mecanismo dos CDS em si mesmo, mas antes a confiança excessiva das
instituições financeiras e das entidades reguladoras e de supervisão
nas notações de risco, sobreavaliadas, que eram atribuídas a subprime-mortgages e aos títulos de dívida gerados pela sua securitização.
No âmbito de uma situação de hipótese de predatory trading, estaremos perante a hipótese de um determinado agente económico, ao recorrer à
cobertura de risco de crédito proporcionada por um CDS, estará a pretender
cobrir uma determinada posição no mercado – por exemplo, a proceder ao
hedging de um título de dívida. Ao tomarem conhecimento da sua exposição,
os outros agentes económicos poderão querer antecipar-se à variação do preço expectável para um determinado título, adoptando uma posição idêntica.
Este tipo de reacção ocorre tipicamente em mercados de elevada concentração institucional como o mercado de CDS. M. K. Brunnermeier; L. H. «Pedersen, Predatory Trading», The Journal of Finance: The Journal of the American
Finance Association, 60/4 (August 2005) 1825–1863, apud Giovanni Siciliano;
Peter Andrews, The Credit Default Swap Report, 22.
147
54
Uma Análise Empírica dos Credit Default Swaps
A partir dos acontecimentos catastróficos ocorridos após o
meltdown do sistema financeiro, podemos concluir que não é possível eliminar a totalidade o risco inerente à actividade financeira, nem
almejar prever, com precisão total, os acontecimentos futuros, dado
que reforçará a tese da incerteza sistemática, omnipresente no sistema financeiro. Por outro lado, se a inovação financeira trouxe aspectos positivos, não podemos esquecer que se criou um desfasamento
entre o sistema financeiro e a economia real – perigo para o qual já
Keynes alertava. Desta forma, podemos verificar que, no caso dos
CDS, existiu um certo desfasamento do mercado de crédito real, na
medida em que hoje ainda assistimos a instituições financeiras que,
apesar de receberem ajudas no seu capital por parte do Estado, continuam a prestar protecção sobre créditos.
Por último, importa referir que o processo de inovação financeira não é uma forma de alquimia, como foi apregoado antes de
rebentar a bolha especulativa. No entanto, este não deve ser coarctado. O caminho para um sistema financeiro mais estável assentará
numa atitude realista sobre a supervisão do sistema financeiro.
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