Cenografia: uma história em construção

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Cenografia: uma história em construção
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Cenografia: uma história em construção
André Sass de Carvalho (André Latorre)1
Eliana Branco Malanga2
RESUMO
Este trabalho tem o objetivo de apresentar o nascimento da cenografia ocidental e suas
modificações através dos tempos. É apresentado um breve relato da história da
cenografia no mundo antigo. Os elementos da cenografia são analisados e associados ao
movimento teatral. O trabalho visa ainda apontar como esse processo de
desenvolvimento da cenografia acontece juntamente com fatos importantes de nossa
história mundial.
Palavras-chave: Arte, Teatro, construção, cenografia, atmosfera e edifício
ABSTRACT
This paper aims to show the birth of western scenery and its changes through ages. It is
shown a brief report of history of scenography in the ancient world. The elements of
scenography are analyzed and associated with the dramatic movement. The paper also
aims to point out how this process of development of scenography happens with
important events in our world history.
Keywords: Art, theatre, construction, scenography, atmosphere and building
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André Latorre é diretor de teatro, pós-graduado em Artes Cênicas pela Faculdade Paulista de Artes,
onde é professor do curso de teatro.
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A Profa. Dra. Eliana Branco Malanga orientou este trabalho, originalmente apresentado como
monografia de conclusão do curso de pós-graduação em Artes Cênicas.
ARTEREVISTA, v.1, n.1, jan/jun 2013, p. 1-25.
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INTRODUÇÃO
Como podemos perceber nos dias de hoje, os cenários tem importância muito
significativa não só para construir uma atmosfera, mas também para dar suporte aos
atores que tem a missão de contar uma história. O cenário conta uma história.
Diante do vasto material histórico, podemos notar que a cenografia tem grande
influência logo no nascimento das idéias de alguns diretores ou encenadores teatrais. A
cenografia neste caso surge antes de outras questões de ordem estética e de direção.
Ela encaminha este processo de montagem de um espetáculo. Através do texto, o
diretor ou o cenógrafo, visualizam o ambiente onde toda a ação vai acontecer.
Este material tem como objetivo geral, traçar um panorama de como surgiu a
cenografia e de como este elemento do teatro vem se atualizando e descobrindo
possibilidades técnicas e ideológicas.
Todo o estudo foi realizado com base em dois cenógrafos e “homens de teatro”.
O primeiro deles, Gianni Ratto e o segundo e não menos significativo para a história da
cenografia no Brasil, Cyro Del Nero. Suas construções cenográficas e seus tratados ou
“anti-tratados” acerca da cenografia são de grande importância artística e técnica nesta
arte que alia criatividade, conhecimento teórico e métodos específicos de construção.
Esta pesquisa é de pessoal importância para o pesquisador, pois este realiza um
trabalho acadêmico desenvolvido durante onze anos, onde trabalha na criação de
cenografias que na maioria das vezes servem como ponto de partida para a construção
da atmosfera de espetáculos de teatro com alunos de artes cênicas.
CENOGRAFIA NA GRÉCIA ANTIGA
Segundo Cyro Del Nero (2010), a cenografia nasce no século V a.C. e tem como
responsável Sófocles. Desenhos nas tendas onde os atores se trocavam dão o pontapé
inicial para a criação da cenografia.
As apresentações de teatro eram realizadas quase em sua totalidade ao ar livre,
pois os primeiros prédios de teatro foram construídos em madeira e somente no século
V, estes prédios foram feitos em pedra.
Eram concêntricos e circulares. O Teatro tinha um caráter religioso, e no
edifício não havia divisões para o público em classes sociais. A estrutura era:
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orkhêstra, o círculo central onde atuava o coro; kôilon, lugar do espectador,
um anfiteatro em degrau que envolvia o círculo central; proskênion, lugar
onde atuavam os atores, situado dentro do círculo central; e a skéne, uma
parede maior que o diâmetro do círculo centra, com entradas e saídas para os
atores. (MANTOVANI, 1989, p.08).
Em propriedades rurais no interior da Grécia dos séculos VII e VI a.C., existiam
as eiras, pisos circulares onde grãos eram moídos por uma mó girada por uma parelha
de bois. Até hoje nós utilizamos este mesmo tipo de processo para realizar a moenda de
grãos. Durante as colheitas, várias festas e rituais religiosos eram realizados nela ou em
um terreno circular. A eira dos bois criava um círculo de terra batida onde os festivais
agrícolas eram realizados: a festa de Komos, origem da comédia. Estes festejos se
davam com as danças fálicas festivas, logo o primeiro cenógrafo pode ter sido a pessoa
chamada para decorar o local da festa ou mesmo somente pode ter esculpido o grande
falo.
Figura 1 - Eira de bois
Fonte: DEL NERO, 2010
As cerimônias rurais foram transferidas para dentro do Teatro de Dionísio,
quando este foi construído por Pisístrato (600-528 a.C.).
Neste teatro havia um santuário de Dionisos, um altar, uma gruta e uma
“orquestra” circular de terra batida ou areia (arena), onde se realizavam danças coletivas
e cantos. Esta orquestra tinha diâmetro de 27 m (onde caberia o teatro shakespereano).
Neste primeiro edifico teatral construído, a visão para o público e a acústica
eram perfeitas. Não existia a diferenciação de assentos para classes sócias mais
privilegiadas ou mesmo pessoas com cargos importantes da região.
Este teatro tinha capacidade de abrigar 14 mil espectadores igualmente sentados
e com condições naturais em termos de acústica. Hoje em dia, nenhum de nossos teatros
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recebe esta quantidade de público com condições naturais de acústica. A amplificação
se tornou um recurso obrigatório.
Figura 2 - Desenho do século XIX do Teatro Dionísio em Atenas
Fonte: DEL NERO, 2010
A pintura dos cenários e a troca de cenografia foram sugeridas por Sófocles, que
viveu noventa anos do século V a. C. As pinturas realizadas para os espetáculos podiam
ser comparadas com obras de arte,ou seja, a arte que se fazia naqueles tempos.A
escultura ,arquitetura e o trabalho com cerâmicas tinha atingido um nível muito alto,que
a cenografia certamente atingiria em questão de pouquíssimo tempo.
Ainda no século V, Phormis de Siracusa utilizou os painéis que podiam ser
trocados durante a apresentação de um único espetáculo.
Temos estes dados, pois Ésquilo os cita e ainda nomeia alguns pintores:
Agatarcus de Samos segundo Vitrúvio foi um dos destaques, pelo seu trabalho
detalhado das perspectivas e qualidade final das obras. Neste período Demócrito e
Anaxágoras fizeram estudos e teorias à respeito da perspectiva.
Na Grécia antiga existiam vários estilos de cenários: trágico, cômico e satírico.
Vitrúvio chamava estes cenários de scaena ductilis (cena móvel ou conduzida),
que podem ter sido utilizados tomando o espaço do proscênio ou ainda tenham criado
um espaço de representação à sua frente.
Vitrúvio e Pollux apontam textos onde descrevem prismas triangulares
decorados em seus três lados. As mudanças de cena indicavam os momentos em que
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estes prismas eram girados sobre um eixo que os fixava no chão. Existiam muitas
convenções no deslocamento destes eixos. Sabemos muito pouco destas regras, mas
algumas indicam mudança de localidade, ou passagem de cena do interior de um local
para o exterior. Girando todos eles, teríamos a indicação de que todo o ambiente estava
sendo mudado.
A pintura de painéis era usada mais comumente com figuras de paisagens, vistas
arquitetônicas ou urbanas.
Figura 3 - Pintura de painéis
Fonte: DEL NERO, 2009
Os periactos ficavam dispostos em dois grupos laterais. Em estudos
arqueológicos de teatros que ainda mantém alguma estrutura de chão, é possível
observar os sinais de instalação desses prismas. São pedras cúbicas que estão colocadas
em sequência e apresentam encaixes e concavidades no centro, para receber o eixo
vertical dos periactos. Em Ellis, em Pérgamo e no Teatro de Dionísio foram achadas
estas estruturas de pedras pesadas.
Figura 4 - Triângulos Girados
Fonte: DEL NERO, 2009
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Tecnicamente, não temos informações se este eixo existia ou os triângulos eram
girados manualmente. Outro fator de duvida até hoje é à respeito da existência dos três
cenários em suas faces. Não temos informações ainda, se estes cenários podiam ser
retirados e trocados durante a representação ou se eram fixos, anulando a possibilidade
de mudanças.
Outro tipo de maquinaria existente na Grécia antiga é bem mais sofisticado que
o periacto e é denominado ekiclema. Deve datar do século V a. C. e uma de suas
possibilidades era revelar o interior do palácio, gruta ou um templo. Era feito de um
carro e uma plataforma rolante que avançava de uma porta.
Pollux descreve bem estas máquinas e sobre o ekiclema ele diz serem
plataformas construídas com madeira e rodas que saíam pelas portas do cenário
trazendo personagens. Eurípides era um fã deste tipo de efeito e utilizava-o com
freqüência, tanto que recebeu uma “crítica”, ou homenagem de Aistófanes numa
paródia,onde surgia de um ekiclema o próprio Eurípides.
O ekiclema pode ter também um piso circular com uma tela pintada dos dois
lados para o momento de transformações. Assim ,quando a base é girada,um
personagem surge com outro fundo de cena pintada sobre esta tela.
O ekiclema ainda é utilizado hoje e trás efeitos surpreendentes para o espectador.
Do ponto de vista técnico, o cenógrafo consegue realizar mudanças de cena utilizando
um mesmo espaço físico. Existem hoje em dia variações no uso do ekiclema, mas a
idéia de funcionalidade é a mesma.
Figura 5 - Sistema de ekiklemas
Fonte: DEL NERO, 2009
As portas surgem no período em que a skene já é feita de pedra e com isso
possibilitam a construção de entradas e saídas fixas para os atores. Estas construções
passaram a ser monumentais.
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Deste modo, o público já entendia que não era mais um ator que estava saindo
de cena para se trocar e si um personagem indo em direção de algum lugar. Eram três as
portas utilizadas e construídas de forma fixar a porta principal, ricamente decorada e
esculpida e as outras duas,menores com adornos mais simples. O palácio estava
representado pela porta central e como a arquitetura grega não construía palácios, estes
eram representados por entradas,ou portas de templos. A porta da direita do ator era os
aposentos dos hóspedes ou a saída para outra cidade qualquer; e a porta da esquerda do
ator era o gineceu. Giné significa mulher e gineceu é o nome dos aposentos da casa
destinados à mulher.
Existem muitas teorias à respeito do uso das portas, onde estas convenções
adquirem outros significados.Pelo menos até a metade do século V a.C. usava-se apenas
a porta central, adotando o mínimo de recursos que cercavam os atores.
Figura 6 - Portas
Fonte: DEL NERO, 2009
A Katablemata era uma estrutura de painéis pintados que ficavam sobrepostos ao
fundo da cena no teatro grego. Com o decorrer da encenação, estes painéis eram
trocados, revelando novos fundos e indicações para elenco e público.
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Figura 7 - Cenários sobrepostos
Fonte: DEL NERO, 2009
Pollux indicou a existência de um túnel: uma escada que saía do proscênio e ia
em direção ao centro da orquestra. Esta escada levava para o nível do público, os
personagens que vinham da região abaixo do solo, o mundo dos mortos. Estes recursos
que conhecemos aqui e observamos suas funções não nos dão maiores informações à
respeito de seu uso,datas, a exata maneira com que eram utilizados, cores ou medidas.
O Deus ex machina, na Grécia antiga eram máquinas (gruas)construídas com a
função de elevar o ator e fazê-lo surgir por trás da skene como se sobrevoasse os
céus,descendo do Olimpo e entrando em contato com os mortais. O efeito causado pelos
deuses ex machina era um furioso e catártico aplauso por parte da platéia, pois naquela
época ,estes personagens surgiam para solucionar questões onde o drama era
insustentável e a ação parecia sem saída.
Figura 8 - Vaso mostrando cena de Deus ex machina
Fonte: DEL NERO, 2009
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O EDIFÍCIO TEATRAL NA ROMA ANTIGA
Com a chegada dos romanos em território grego, o edifício teatral passou por
várias modificações. Os romanos perceberam que o teatro poderia ser uma excelente
arma em suas mãos. Descobriram que o Teatro poderia ser usado como arma política,
fazendo assim um programa de dominação das massas. A primeira grande modificação,
o esvaziamento das idéias contidas no teatro grego. Agora, para os romanos, esta arma
serviria apenas para a diversão de uma platéia. A idéia era dar diversão e com isso
dominar o pensamento do povo e mostrar poder dos dirigentes.
Agora o que importava era o espetáculo e não a idéia e a reflexão contidas nele.
Do ponto de vista estrutural, os romanos possuíam uma engenharia magnífica, que foi
aplicada na construção de grandes teatros, mesmo em regiões onde não existiam colinas
para a construção do local reservado ao público. Teatros foram construídos em desertos,
tudo graças á engenharia desenvolvida pelos romanos. Podemos então comparar estes
dados e perceber que os gregos escolhiam terrenos para a construção de seus teatros,
que tivessem condições mais parecidas com o formato do edifício que seria construído,
já os romanos ignoram esta dificuldade e espalham seus grandes teatros onde havia
grande concentração de gente, já que um de seus objetivos era atingir o maior número
de pessoas possível.
Os primeiros teatros romanos foram construídos em madeira e eram erguidos
apenas para os festivais, logo em seguida eram desmontados. Com o passar do tempo, o
gosto romano foi sendo colocado na arquitetura destes prédios. Na arquitetura romana,
estes teatros eram feitos a partir de um semicírculo perfeito, que desembocava logo no
limite onde se iniciava o espaço da cena. Com isso fechava-se a passagem entre o palco
e o auditório.
A elevação do palco e a profundidade eram maiores que no teatro grego. Quanto
à platéia, agora os romanos criam a distinção entre as pessoas do público:
Era dividido por classes sociais, onde os melhores lugares eram reservados
para uns poucos privilegiados. No palco, elimina-se o circulo central, que
passa a ser um semicírculo, dispensa-se o coro. O proscênio amplia-se e o
muro que antes no teatro grego correspondia à skene, agora envolve todo o
edifico teatral. (MANTOVANNI, 1989, p.8)
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Uma das grandes modificações na estrutura do palco romano foi a colocação de
uma fachada de cena com dois ou três andares de altura, com vários pórticos, nichos,
capitéis, painéis e muitas esculturas.
Segundo Cyro Del Nero, “Provavelmente havia um teto sobre o palco, como
também o auditório era protegido por enorme velarium [...]. .O primeiro teatro
permanente dos romanos data de 55 a.C. e foi construído pó Pompeu, em Roma.( DEL
NERO, 2009, p.166 )
Figura 9 - Teatro Romano
Fonte: DEL NERO, 2009
Outra modificação importante que aconteceu na estrutura dos teatros romanos
foi o surgimento da cortina na frente do palco. Esta cortina descia ao invés de subir.
Literalmente o pano de boca caía.
O teatro Romano criou uma série de espetáculos muito distintos dos espetáculos
gregos, com isso a estrutura dos edifícios, foi se tornando complexa para atender
necessidades técnicas. Havía o Cursus, que cobria todos os tipos de corridas,
principalmente as corridas de carros, bigas e quadrigas. Havía os esportes pugilísticos e
bélicos: pugna equestri, ludus trojae, pugna pedestri, certamen, gymnicum, naumachia e
venatio, o espetáculo que exiba lutas entre pessoas e animais selvagens.
Para o espetáculo naumachia, os romanos utilizavam grandes quantidades de
água, já no espetáculo com animais selvagens havia uma proteção entre público e o
local onde as lutas aconteciam.
O maior circus foi o Circus Maximus em Roma, onde se realizavam grandes
corridas com bigas. Já o mais famoso entre os teatros romanos é o Coliseu de Roma,
ainda em ótimo estado de conservação como resultado de várias restaurações e cuidados
estruturais.
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O Teatro de Marcello tinha 150 metros de diâmetro e capacidade para 14 mil
pessoas. Tudo na arquitetura romana era grandioso e os seus teatros seguiram estas
proporções monumentais.
Figura 10 - Tipos de Cenários em Roma
Fonte: DEL NERO, 2009
NA IDADE MÉDIA, OS CENÁRIOS SIMULTÂNEOS
O Teatro oficial era o considerado “religioso”. Mas o lugar de se fazer Teatro era
a praça. Com o desaparecimento do Teatro nas igrejas, os atores descem as escadarias
das igrejas e montam os espetáculos em praças públicas. Eram feitos cenários de grande
porte, com as chamadas “mansões”.
Estes cenários eram construídos por muitas pessoas, pois tinham vários efeitos
que eram necessários para o andamento das histórias. São chamados de cenários
simultâneos. Espetáculos que contavam a vida de santos, ou o caminho tortuoso de
simples mortais pecadores para chegar ao céu ,ou terem seu futuro reservado ao inferno.
O público acompanhava o andamento das cenas de acordo com os cenários que
estavam sendo usados, como espécie de estações. Estes espetáculos eram os Mistérios.
Em “Paixão Valenciana”, de 1547, o caminho do cristão começa na mansão dos céus,
passando por Jerusalém e tendo o seu final na mansão do inferno, na boca de um grande
peixe. Este espetáculo durava 25 dias.
Estes cenários eram articulados, usavam aberturas de portas, rampas que
surgiam para abrir caminhos, grandes colunas e escadarias, suportes para elevar atores
aos céus, seus personagens divinos, grandes piscinas para a colocação de pequenas
embarcações, para a realização da “viagem final” do personagem, grandes efeitos com
fogo, animais construídos em madeira, que movimentavam olhos e boca e tinham
capacidade para suportar grandes quantidades de atores para a movimentação destes
efeitos.
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Figura 11 - Cenários Simultâneos Medievais
Fonte: DEL NERO, 2009
O EDIFÍCIO NO RENASCIMENTO
É nesta época que surge o edifico teatral como nós conhecemos hoje.
Com o desaparecimento do caráter religioso, o Teatro profano volta a ser feito,
inicialmente em salões de palácios dos príncipes. Neste trecho histórico, o palco era
construído em salões e o público se resumia a corte.
Nesta época o Teatro passou a ser estudado e analisado como uma arte erudita.
Graças a esse pensamento, o edifício teatral foi repensado nos moldes Greco-romano e
passou a ser tratado como um local reservado para um povo “selecionado”, ou ideal.
A platéia passa a ter lugares reservados de acordo com a hierarquia.
O surgimento destas salas de espetáculos teve que esperar um longo tempo de
maturação de idéias teóricas, até que enfim começaram a ser construídas.
Neste período, a perspectiva é redescoberta e reassume seu papel de grande
importância na cenografia. Através dela é que se representa a terceira dimensão no
plano bidimensional. Alguns destes cenários pintados foram confeccionados por
grandes mestres das artes plásticas como Raffaello Sanzio e Baldassare Peruzzi. Um
detalhe técnico que marca este período é a convergência de todas as linhas para um
único ponto de fuga. É a chamada perspectiva central.
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Figura 122 - Cenário do Renascimento
Fonte: DEL NERO, 2009
O SÉCULO XVII E A MAQUINÁRIA TEATRAL
Os antecedentes navais chamam-se: deck, mastro, mezena, brigantina, vela
flecha, joanete volante, gávea fixa, traquete e mil outros termos.Seus
descendentes teatrais são: carretilha, contrapesos, corda, cunha, entelado,
esticadores, embarque e desembarque, escora, gornes, lastro, lona,
malaguetas, manobras, nós, orelhas, passarelas, patamar, polia, porão,
roldana, talha, tarugo, terça, trambolho, varas, varanda e velário.Essa tradição
de cordas, velames, manobras, varandas aéreas, contrapesos e outros
elementos nos foi descrita e algumas vezes desenhada por Nicola Sabbattini,
quando os espetáculos teatrais estavam dominados pela troca de cenários,
levando a cenografia aos limites da eficiência. (DEL NERO, 2009, p.193 )
Sabbattini foi um importante cenógrafo além do que conhecido como
matemático e engenheiro. Sabbattini trabalhou para cardeais e duques na função de
maquinista ou cenotécnico. Realizou diversos trabalhos como a canalização do rio
Foglia, o desenho para um apartamento nobre para uma madame de Pesaro e finalmente
refez e equipou o Teatro Del Sole.
Em seus trabalhos descreve como fazer surgir um inferno em cena, como
acomodar um príncipe, uma das primeiras maneiras de fazer aparecer um mar no palco,
como fazer que uma nuvem desça do céu com atores dentro da estrutura, como fazer a
melhor representação de um paraíso e outras tantas idéias para efeitos em cena.
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Figura 13 - Trabalhos de Sabbattini
Fonte: DEL NERO, 2009
Durante este período, a Itália vivia ainda o seu renascimento, foi aí que surgiu o
arquiteto Andrea Palladio, criando seu Teatro Olímpico, um edifício que teve suas
medidas reduzidas e nele foi criado um teto, este teatro ficou inabitado por falta de
dramaturgos.
Durante este mesmo período, na Inglaterra surge o Teatro Globo, de
Shakespeare, um tipo de circo que foi adaptado para espetáculos que contavam com
diversas cenas no mesmo palco.
Em 1576, época do Teatro Elizabetano, foi construído um teatro (The Theatre)
com influências de lugares abertos. Na verdade era um edifício público onde se pagava
um valor de ingresso. Seu idealizador e construtor foi o ator James Burbage que
trabalhava na companhia de teatro de Shakespeare. Em seguida apareceram outros
teatros nos mesmos moldes, mas o mais célebre deles foi sem dúvida o Globe. Este
teatro foi erguido por um genial carpinteiro inglês, Cuthbert Burbage, de igual
sobrenome do ator de Shakespeare. O Globe tinha forma circular e abrigava de 1600 a
2300 espectadores.
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Figura 134 - Teatro Elisabetano
Fonte: MANTOVANI, 1989
Estes teatros podiam ter plantas em forma quadrada, octogonal ou circular e
tinham um telhado de palha trançada no local do público e uma área aberta logo acima,
na parte central do edifício. Geralmente o palco tinha forma de trapézio, mas também
foram construídos em forma retangular. Tinham uma profundidade de aproximadamente
10 metros e assim ocupavam a maioria da platéia. Logo atrás deste palco, ficava situada
uma torre de porte pequeno, onde geralmente eram colocadas as bandeiras de
identificação da companhia ou o nome do teatro.
A platéia era dividida em três andares e ocupava todo o redor do prédio, até
mesmo a área destinada ao palco. Nestas galerias ficavam as pessoas mais ricas. O
restante das pessoas permanecia de pé.
Com esta união entre palco e platéia abrangendo todo o espaço, os espetáculos
utilizavam desta conformação para interagir com o público.
O BARROCO E O GIGANTISMO DOS CENÁRIOS
As regras do Renascimento já não eram mais seguidas e assim o Barroco se
fortifica como instrumento para arquitetos, escultores e pintores. A cerâmica também
desenvolve características barrocas, assim como a ourivesaria e a decoração de
ambientes. Na música, as características barrocas dão tom altamente teatral às novas
composições. No período Barroco se inaugura a “festa”. Coroações de Reis, funerais,
celebrações de datas importantes e quaisquer eventos apresentam bandeiras em
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movimento, tecidos que se retorcem ao vento, a festa, coloca em um trono o sistema
barroco, sublinhando sua teatralidade. “E o cenógrafo vive bem, de festa. A propaganda
da fé católica deu grande impulso às manifestações espetaculares e cenográficas.” (DEL
NERO, 2009, p.209) A arquitetura e a pintura absorvem a idéia de forma total e isso é
imediatamente transportado para o Teatro.
Houve uma tendência ao gigantismo nas cenografias criadas a partir do século
XVII. Os cenários eram esplendorosos logo em sua criação.
Os Galli Bibiena são a maior expressão dessa tendência no século XVIII.
Ferdinando, Antonio, Carlo, Francesco e Giuseppe. Esses homens, todos de uma mesma
família, trabalharam em vários lugares do mundo: Paris, Lisboa, Londres, Berlim,
Dresden, Estocolmo e São Petersburgo. Entre eles, o que mais se destaca é Ferdinando
Galli Bibliena.
Essa equipe não realizou apenas cenários para diversas montagens, mas também
foram os responsáveis pelo projeto e construção de muitos teatros na Áustria,
Alemanha, Itália e França.
Neste momento da história da cenografia, a perspectiva nos cenários também é
usada em ângulo, e não mais centralmente, como era de costume.O responsável pela
inovação foi Ferdinando, que na Bolonha, utilizou dois ou mais ângulos na perspectiva
das pinturas de telões e cenários construídos em madeira. Também alterou a escala dos
cenários, assim, separando-os do auditório.
Ferdinando observou que o tamanho dos palcos era inferior às suas criações de
edifícios cenográficos. Isso fazia com que seu desenho ultrapassasse os limites de altura
da boca de cena.
O palco que é visto pelo espectador tem as mesmas medidas embaixo, em
cima e nas laterais, como se existissem cinco palcos, em que um é visível e
quatro não. Ele é feito assim para permitir a utilização de máquinas cênicas e
para a mudança rápida de cenários, que podem subir, descer ou entrar pelas
laterais. O palco é uma caixa mágica. (MANTOVANI, 1989, p.10 )
Nos cenários dos Bibliena, o efeito mais usado é um background pintado que
leva o olhar do espectador ao infinito e logo à frente, uma área de atuação.
Um detalhe técnico que deve ser lembrado é que nos cenários em ângulo, o
espaço ocupado pela cenografia é menor, mas transmite a impressão de ocupar uma área
maior. Como se estivesse saindo pelas laterais do palco.
A obra de Ferdinando que temos acesso hoje em dia, são placas de metal que
seus patrocinadores fizeram, onde estavam representações de suas cenografias. Nestes
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metais notamos a presença de escadas para atores e cantores, porém esses praticáveis só
existiam em figuras pintadas e planas nos telões. A área de ação era plana ou com
pequenas escadas para iludir o olhar do espectador junto ao telão pintado em
perspectiva.
Os Galli Bibliena introduzem a assimetria aos desenhos de cenários, as
extravagâncias, colunas em parafuso e a mistura de linhas retas com linhas curvas.
Esses elementos eram misturados com estátuas em alto relevo, que davam a sensação de
mobilidade à cenografia estática.
O estilo dessa família invadiria o século XIX e continuaria exercendo forte
influência nos projetos cenográficos se não fosse pelo surgimento de homens
considerados “profetas” desse século: Appia e, logo depois, Gordon Craig, realizam
seus trabalhos e avançam pelo século XX com seus cenários carregados de teoria e
talento para as novas idéias que começavam a surgir.
Figura 15 - Cenografia com dois pontos de fuga na perspectiva
Fonte: DEL NERO, 2009
RICHARD WAGNER (1813 – 1883)
No livro “Máquina para os Deuses”, Cyro Del Nero aponta a ópera de Wagner,
como responsável pela construção de seu edifício teatral. Com a construção deste teatro,
Wagner procura imortalizar suas obras. Ao contrário de sua música, seus cenários eram
considerados antigos, sempre com um olhar para o passado. Com isso, suas encenações
eram de cunho antigo.
Appia, um dos mestres da cenografia foi quem mais conseguiu traduzir a
grandeza das músicas de Wagner em cenários considerados “de uma grandeza plástica
absoluta”. A música de Wagner foi mais valorizada com os cenários de Adolphe Appia.
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Figura 146 - Cenário de Appia para ópera de Wagner
Fonte: DEL NERO, 2009
ADOLPHE APPIA (1862 – 1928 )
Adolphe Appia nasceu no dia 1 de setembro de 1862, em Genebra.
Quando assistiu a montagem de Fausto, de Gounod, em 1878, inicia-se o
interesse de Appia pelo Teatro. Estudou música em um conservatório de Genebra, onde
também compôs.
Teve como mecenas, Agenor Boissier, que também tornou-se seu amigo até
morrer, em 1913.Sua vida amorosa foi conturbada por conta da homossexualidade mal
resolvida .Tinha ataques de depressão por conta disso. Sumia vários dias e depois
retornava em estado de euforia que logo se transformava em abatimento e dias seguidos
na cama,literalmente doente.
Em 1882, Appia vai assitir Parsifal e fica impressionado pelos efeitos,
principalmente na iluminação que agora já é feita com eletrificação.Em 1883 volta a
Genebra, onde conhece o diretor de Teatro, Houston Stewart Chamberlain. Appia já
tinha visto Fausto, de Goethe, espetáculo dirigido por ele. Neste mesmo ano morre o
compositor Wagner e assim termina a contemporaneidade entre os dois.
Em 1885, entra para o Conservatório de Paris e conhece vários artistas e poetas.
No ano seguinte, está no Conservatório de Dresden e assiste a um espetáculo de Schiller
que é encenado pelos Meininger.
É em 1888, ano que Appia resolve fazer uma “reforma” na mise-em-scène.
Recebe a proposta para assinar os figurinos de uma peça e declina o convite por não se
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achar preparado. Vai à Noruega e tenta o suicídio, onde é internado. No ano seguinte
torna-se aluno de iluminação de Bähr.
Em novembro de 1888, tenta o suicídio novamente e é internado em Zurique.
Em 1891 começa realmente seu trabalho teatral. Appia vai morar no campo, por fobia às
cidades grandes e lá faz o primeiro croqui para O anel de nibelungo, de Wagner.
Durante esse anos seguintes aparece Gordon Craig na cena teatral,desta vez como
ator.A Torre Eiffel está sendo construída.
Com 30 anos de idade termina a fase de formação de Appia. Desde então,
coleciona triunfos em suas criações para o Teatro do século XIX.
Antes de começar a trabalhar realizando cenografias para diversas óperas e
textos teatrais, Appia foi um estudioso de técnicas de cenografia iluminação e mise-enscène.
Sua obra parte de reflexões sobre o drama de Wagner. Assim ,realizou profundas
mudanças na arte da cena. Dava importância em primeiro plano ao texto dramático
musical e ao ator, para em seguida pensar a arquitetura e a luz da cena.
Durante toda sua vida escreveu três livros: mise-en-scène do drama wagneriano,
em 1895; A obra de arte viva, em 1921 e teve uma obra póstuma, publicada em 1963: A
música e a mise-en-scène.
Appia não aceitava os antigos telões pintados em seus cenários,pois é
contemporâneo da iluminação elétrica,sendo assim não vê sentido em painéis
ilusionistas e “realistas” até então em uso em Bayreuth.
Confere ao ator, a importância da presença viva e tridimensional no palco.
Assim negando superfícies planas pintadas. Appia acha que o ator deve mover-se e
relacionar-se com elementos tridimensionais como o próprio corpo do ator. No
pensamento de Appia, é da música e do drama que se engendra a encenação.
Para ele, a encenação não é resultado da junção de todas as artes e sim, resultado
da hierarquia entre diferentes meios de expressão, como a pintura, escultura, iluminação
e atuação de atores. O principal elemento e fundamental para Appia, é o ator. A ação do
ator, em seu pensamento, é que deve modelar o espaço. Para ele, o ator deforma o
espaço a cada movimento.
O volume substitui a superfície plana. A luz em cena é usada como meio
dramático, de maneira móvel, dando vida e realidade dos espaços criados para a
encenação. Surge com Appia, a plena consciência de que a luz pode e deve sugerir
sensações.
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Analisando as criações de Appia, podemos verificar que cada vez mais o artista
tem a tendência de “limpar” os elementos e assim eliminar os elementos descritivos.
Para conseguir dar maior valor à plasticidade do corpo humano, ele realiza
espaços que unem linhas verticais e horizontais num ritmo que confere perfeita unidade,
com degraus que chegam a planos elevados e inclinados.
A iluminação confere volume, sombras e vida aos espaços criados com
pensamento monumental. O cenário de Appia parece pesado, real, mesmo quando o
espaço é construído de forma fantástica.O resultado cênico destes cenários é a realidade
da construção.O espectador vê um espaço fantasioso e mesmo assim ,este espaço parece
real. “O que ele propõe, em última análise, é um edifício teatral e uma cenografia que
tenham por palco o mundo todo, e que sirvam a qualquer espetáculo” (DEL NERO,
2009 p.223).
Figura 17 - Cenário de Appia
Fonte: DEL NERO, 2009
Os escritos de Appia tiveram grande importância para a posteridade, mas sua
influência foi o ponto mais marcante na cena teatral.
Appia influenciou diversos diretores pela Europa e não apenas em uma área,mas
em vários aspectos da encenação.Jacques Copeau (1879-1949) dizia que Appia havia
sido sem dúvida alguma , seu mestre.
A cenografia de Appia mostra-se ainda hoje como um trabalho novo,cheio de
idéias, questionamentos e teorias novas na época mas que se perpetuaram no contexto
teatral e em vários movimentos artísticos.
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GORDON CRAIG
Edward Gordon Craig nasceu em 1872. Ator e cenógrafo realizou profundas
transformações nas práticas de Teatro. Como Appia, Craig também se opõe ao uso dos
telões pintados e com superfície bidimensional, os conhecidos trompe-l’oeil.
Craig defende uma estética não naturalista, que faça com que o Teatro seja como
a música e a poesia. O artista abandona a profissão do ator em 1897, tendo feito o papel
de Hamlet em cinco montagens distintas. Em 1900 cria , participa da produção e dirige
Dido e Eneias, de Henry Purcell.
Em 1914 compra o primeiro livro que iria ler sobre construção teatral: Manual
de arquitetura, de Manfred Semper, onde encontra o sistema Asfaleia, um sistema
hidráulico que ergue quarteladas do palco fazendo com que os planos se modifiquem.
Esta descoberta para Craig foi um marco em sua vida como cenógrafo. Em 1914,
encontra pela primeira vez Adolphe Appia, considerado o grande profeta da cenografia,
e que também foi inspirado pela música.
Construiu um cenário gigantesco, com degraus que sobem ao infinito, para a
montagem de Paixão segundo São Mateus, isso poucos anos antes da Primeira Guerra
Mundial. Esta foi a primeira grande cenografia criada somente com a escadaria, que
mais tarde influenciaria Norman Bel Geddes para a Divina Comédia.
Joseph Svoboda mais tarde também utiliza a mesma idéia várias vezes,inclusive
em uma montagem de Édipo Rei.
Em 1915, Craig não vê possibilidades para realizar montagem de sua Paixão
segundo São Mateus, então decide voltar-se aos estudos da história do Teatro. O
trabalho mais cheio de referências de Craig é Hamlet. Este trabalho foi fruto de um
convite de Stanislavski, com o qual trabalhou por dois meses.
Craig não conseguiu que seus painéis móveis funcionassem de forma
equivalente aos seus desejos, mas isso não o impediu de registrar este elemento técnico,
na esperança de que virassem um produto da indústria.
A idéia destes painéis verticais que andavam em linhas horizontais surgiu do
encontro de Gordon Craig com Isadora Duncan. Seus movimentos deram a inspiração
necessária para a criação técnica.
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Em Florença, durante dois meses, ao longo de 1907, desenhou, estudou,
repensou teorias, e desenhou magníficas gravuras que estão reunidas num volume
chamado Scenes.
Craig trabalha neste período em um estúdio, dessa forma poderia receber
pessoas interessadas e divulgar suas teorias. Chegou a construir um grande palco para
realizar suas experiências,mas teve esta tentativa frustrada,pois carecia de muitas
possibilidades técnicas.Durante as tentativas de estudo a práticas para que seus painéis
subissem, descessem e andassem para os lados, Craig recebe um telegrama de
Stanislavski. O artista lê o telegrama em maio, já em outubro está em Moscou, pronto
para usar os painéis em Hamlet. Mesmo assim, os painéis só fizeram fama por não
funcionarem novamente. Craig era pai de um sistema que não funcionava.
Hoje, vários estudiosos dizem que na época, ainda não havia tecnologia o
suficiente para ajudá-lo. Este complexo cenário tinha vinte painéis de várias alturas que
não se movimentavam com facilidade, gerando uma confusão de entradas e saídas.
Mas com alguns resultados de grande beleza: os atores diante do rei,
representando de costas para o público, e o trono na parte mais distante do
palco cercado pelos membros da corte, e entre aqueles e estes, Craig rebaixou
o palco, criando uma trincheira feita de degraus. Novas visões para o início
do século.
Apesar dos problemas, o espetáculo significou um resultado triunfante para o
Teatro de Arte de Moscou, por ser um divisor de águas na história do palco
russo, segundo relato de Stanislavski. (DEL NERO,2009 p.253)
A partir deste momento, suas teorias se espalharam pelo mundo todo.
Cenógrafos de diferentes lugares começaram a ter vontade criadora com inspiração
direta no artista.
Os painéis de Gordon Craig só se moveram com a leveza e facilidade que o
criador queria, quarenta anos depois, com Josef Svoboda, em Praga.Eram idênticos aos
de Craig, com movimentos cinéticos,à custa de equipamentos eletrônicos, controle
remoto e hidráulico.Mais uma infinidade de técnicas que na época de Craig não estavam
disponíveis.
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Figura 18 – Painéis de Gordon Craig
Fonte: DEL NERO, 2009
JOSEPH SVOBODA
Foi diretor do Teatro de Praga devido à sua capacidade de liderança e talento.
Recebeu alunos de todo o mundo na República Tcheca e transformou a cidade em um
centro universal de Teatro, tanto no campo de pesquisa como nas realizações.
Trabalhou nos grandes teatros mundiais, com os maiores mestres do Teatro.
Tinha um conhecimento histórico da encenação e história do Teatro que atestavam a
autenticidade de um homem de Teatro. Reuniu valores técnicos no campo da ótica,
cinética, e criou várias possibilidades para a construção cenográfica. Foi o homem que
mais trabalhou com os sonhos de Appia e Craig.Os transformou em realidade.
Conseguiu a mistura exata entre ilusão e expressão, técnica e arte. Criou sistemas para
projetar imagens com artifícios bastante complexos, que uniam a representação e a
representação gravada.Estes sistemas denominam-se Polyvision e Diapolicran.
Figura 19 - Cenário de Hamlet criado por Svoboda em 1960
Fonte: RATTO, 2001
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Joseph Svoboda foi um dos homens que fez nascer a idéia do Instituto de Teatro
de Praga e da Quadrienal de Praga. Morreu em 2002, com 82 anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória da cenografia mundial apóia-se na irreversível evolução imaginativa
do ser humano. Grandes homens tiveram seus momentos de iluminação e criaram
máquinas de fazer sonhos.
A necessidade de maquinaria para a criação de efeitos, ao longo dos tempos foi
transformando-se em personagem junto à trama.
O cenário e o edifício teatral foram ganhando características e modificações à
custa de muitas tentativas ao longo dos tempos. É difícil para nós, imaginarmos a
dificuldade em criar, por exemplo, palcos móveis,mas temos que ter em mente que isto
nunca tinha sido feito antes.Nada do que foi criado nos tempos mais remotos tinha
existido antes.Tudo foi criado,inventado.
Hoje em dia ainda usamos os periactos e as katablematas da Grécia antiga. Os
telões que foram pintados por artistas e mestres da perspectiva são usados hoje em dia
em balés e óperas. Se a cenografia era usada em tempos antigos como decoração, hoje é
conceito. Serve à dramaturgia. Aponta climas, define espaços. Appia nos deixou sua
influência
absolutamente
impressa
nas
criações
de
vários
cenógrafos.
Eu,
particularmente, identifico seus degraus em um ou dois cenários desenhados por mim.
Acredito que a cenografia não tinha outro caminho a trilhar senão este que
trilhou. O cenógrafo exige sempre mais de seu próprio trabalho. Já fiz alguns cenários
com pouquíssimos elementos e vários cenários com muitos elementos, grandiosos e
cheios de movimentos. Sou lembrado como um diretor de Teatro que “adora” fazer
cenários grandes. Gosto sim, mas não faço só isso. Tenho influências de Craig, Appia,
mas também vejo o brilhantismo na cenografia de Flávio Império e seu jogo com vários
elementos e cores.
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Paulo: SENAC, 2001.
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