o corão

Transcrição

o corão
O C O RÃ O
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A Bíblia
Karen Armstrong
O Capital de Marx
Francis Wheen
O Corão
Bruce Lawrence
Os Direitos do Homem de Thomas Paine
Christopher Hitchens
Ilíada e Odisséia de Homero
Alberto Manguel
A Origem das Espécies de Darwin
Janet Browne
O Príncipe de Maquiavel
Philip Bobbitt
A República de Platão
Simon Blackburn
A Riqueza das Nações de Adam Smith
P.J. O’Rourke
Sobre a Guerra de Clausewitz
Hew Strachan
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Bruce Lawrence
O CORÃO
uma biografia
Tradução:
Maria Luiza X. de A. Borges
Revisão técnica:
Nami Hanna
Rio de Janeiro
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Para o dr. Ibrahim Abu Nab, que viveu a verdade de “buscar o
desígnio de Deus a cada dia” (Corão, Capítulo 55:29).
Título original:
The Qur’an
(A Biography)
Tradução autorizada da primeira edição inglesa, publicada em 2006 por
Atlantic Books, um selo de Grove Atlantic Ltd., de Londres, Inglaterra
Copyright © 2006, Bruce Lawrence
Copyright da edição brasileira © 2008:
Jorge Zahar Editor Ltda.
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20031-144 Rio de Janeiro, RJ
tel.: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800
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Todos os direitos reservados.
A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
Capa: Sérgio Campante, em papel Reciclato
Ilustração da capa: Ramzi Hashisho
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
L447c
Lawrence, Bruce B.
O Corão: uma biografia / Bruce Lawrence; tradução
Maria Luiza X. de A. Borges; [revisão técnica Nami Hanna].
— Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
(Livros que mudaram o mundo)
Tradução de : The Qur’an (a biography)
Inclui índice
ISBN 978-85-378-0099-7
1. Alcorão – História. 2. Alcorão – Comentários. 3. Islamismo.
I. Titulo. II. Série.
CDD: 297.122
08-2959
CDU: 297.181
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Sumário
Introdução
N ÚCLEO
7
ÁRAB E
1
O profeta Maomé: mercador e mensageiro
2
O profeta Maomé: organizador e estrategista
3
Aicha: mulher de Maomé e guardiã de sua
memória 51
4
O Domo da Rocha: marco de Jerusalém,
ícone corânico 6 2
P R I M E I ROS
39
COM E NTÁR IOS
5
Ja’far as-Sadiq: imame xiita e exegeta corânico
6
Abu Ja’far at-Tabari: historiador sunita e exegeta
corânico 8 3
I NTE R P R ETAÇÕE S
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75
POSTE R IOR E S
7
Robert de Ketton: polímata tradutor do Corão
8
Muhyiddin ibn’Arabi: intérprete visionário
de nomes divinos 107
97
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9
Jalal ad-din Rumi:
autor do Corão persa
E COS
117
AS IÁTICOS
10
Taj Mahal: entrada para a visão corânica
do Paraíso 131
11
Ahmad Khan: educador e comentador
do Corão indiano 14 0
12
Muhammad Iqbal: poeta paquistanês inspirado
por motivos corânicos 14 8
I N F LEXÕE S
G LOBAI S
13
W.D. Muhammad: o Corão como guia
para a igualdade racial 159
14
Osama bin Laden: o Corão como mandato
para jihad 167
15
Vítimas da aids e mulheres doentes:
o Corão como invocação de misericórdia
Epílogo 18 6
Glossário 19 3
Sugestões de Leitura
Agradecimentos 2 0 8
Índice Remissivo 210
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19 9
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Introdução
O
Corão revela elementos-chave sobre si mesmo.
Versos específicos elucidam o sentido de seu nome,
a afirmação do islã como a verdadeira religião e a
prioridade da paz.
1. O nome Corão significa recitação:
Com a verdade fizemo-lo descer,
e com a verdade ele desceu. E não te enviamos (Maomé),
senão como arauto e conselheiro.
E dividimos a Recitação (Corão)
para que o pudesses recitar para a humanidade, paulatinamente.
E fizemo-lo descer por (sucessivas) revelações. (17:105-6)*
* Esta e todas as outras referências são aos capítulos e versículos do Corão.
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O CORÃO
2. O islã é a verdadeira religião:
A verdadeira religião com Deus é o islã. (3:19)
Se alguém busca outra religião senão o islã,
ela não lhe será aceita. (3:85)
Hoje aperfeiçoei tua religião para ti,
e completei minha bênção sobre ti,
e aprovei o islã para tua religião. (5:5)
Todo aquele que Deus deseja guiar,
Ele lhe dilatará o peito para o islã. (6:125)
E finalmente, numa pergunta retórica:
Não irá aquele cujo peito Deus dilatou para o islã
caminhar ereto numa luz emanada de seu Senhor? (39:24)
Como a palavra “islã” significa completa devoção ou rendição a Deus, a pergunta retórica do último versículo estabelece
o dever fundamental de todo muçulmano: “Caminhar ereto
numa luz emanada de seu Senhor.”
3. Paz é a prioridade:
Deus convoca a humanidade para a morada da paz (dar
as-salam), tanto nesta vida quanto na próxima. (10:25)
O conceito de paz (salam) está tão estreitamente relacionado à
rendição (islam) que os dois se tornam intercambiáveis, desde
a primeira revelação até o Dia do Juízo Final.
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INTRODUÇÃO
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São intermediários angélicos que marcam a primeira revelação do Corão, e eles a marcam com saudações de paz. Durante a Noite do Poder, quando se diz que o Corão foi revelado
em sua totalidade ao profeta Maomé,
Descem anjos e o espírito,
Com a permissão de seu Senhor,
Encarregados de toda ordem.
A paz reina até o romper da aurora. (97:4-5)
De maneira semelhante, quando entrarem no Paraíso, os crentes serão saudados por anjos pronunciando a frase “As-salamu
’alaykum” (“A paz seja convosco”) (7:46; 13:23-4; 16:32). Em
toda parte do mundo islâmico, como também entre muçulmanos que vivem fora das regiões de maioria muçulmana da
África e da Ásia, usa-se a saudação “As-salamu ’alaykum”, para
a qual a resposta é “Wa-’alaykum as-salam” (“Que a paz seja
convosco também”).
Mas a saudação de resposta pode também ser alongada.
Este hábito deriva do preceito corânico, ao mesmo tempo que
o reforça:
E quando fordes saudado com uma saudação,
saudai com uma melhor que ela, ou retribuí-a. (4:86)
A “melhor que ela” é muitas vezes dita quando as pessoas não
se vêem há muito tempo. Para tornar a resposta “melhor que
a saudação original”, um muçulmano pode exceder quem o
saudou com um encadeamento de bons votos: “Wa-’alaykum
as-salam wa-rahmatullahi wa-barakatuhu” (“E que a paz seja
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O CORÃO
convosco, e (também) a misericórdia de Deus, e (também)
Sua bênção”).
Em todo caso, paz neste mundo se relaciona com paz no
outro mundo. O Capítulo 36, Ya Sin, atesta o vínculo claro e
onipresente. Quando o Dia do Juízo chegar, não haverá
Senão um só grito, quando vede!
Eles foram todos trazidos perante Nós. (36:53)
E então do Soberano do Dia do Juízo (“malik yawm ad-din”,
1:3) virá:
Paz! Uma palavra de um Senhor Misericordioso! (36:58)
Por isso a saudação diária de paz que une um crente a outro
neste mundo antecipa a paz pronunciada por Deus no Último
Dia, o Dia do Juízo.
Além de revelar seu nome, afirmar o islã e enfatizar a paz, o
Corão tem outra característica-chave que merece menção.
As revelações são ordenadas em capítulos e versículos, e
as causas de cada revelação fornecem contexto para seu conteúdo. O número de revelações excede as 200. Elas chegaram ao profeta Maomé por um mediador divino (o arcanjo
Gabriel) entre 610-632 d.C. Estão arranjadas agora em 114
suras ou capítulos. Todos os capítulos, exceto um (Capítulo 9),
começam invocando o Nome de Deus, depois qualificam o
Nome como ao mesmo tempo Compaixão e Compassivo: “Em
nome de Deus, Cheio de Compaixão, Sempre Compassivo.”
Diferentes pessoas próximas ao profeta Maomé ouviram essas
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INTRODUÇÃO
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revelações quando ele as pronunciou. Elas se lembraram das
palavras e as repetiram oralmente. Algumas as registraram. Ao
todo as revelações somam pelo menos 6.219 versículos.
Os conteúdos das suras (capítulos) e ayat (versículos) são
transmitidos por meio das causas das revelações, isto é, por
eventos e circunstâncias que marcaram a vida do Profeta e
a comunidade muçulmana primitiva. Eles têm duas ênfases
principais. As primeiras revelações, que são também as mais
curtas, chegaram no período de Meca (610-622). Invocando
o céu e o inferno numa antecipação do Dia do Juízo, elas chamam os politeístas para adorar a Deus como Um. Chamam
também judeus e cristãos a reconhecer Maomé como o selo
da profecia, cumprindo para os árabes e a humanidade a missão anunciada por profetas anteriores. Abraão e Moisés são os
principais profetas da Torá, João Batista e Jesus, os principais
profetas do Evangelho. As revelações posteriores, por terem
vindo depois da Al-Hijrah (ou hégira), a fuga de Meca para
Medina, são conhecidas como capítulos do período de Medina (622-632). Elas partilham imagens e pessoas, temas e categorias do período inicial de Meca, mas são ao mesmo tempo
mais longas e mais dirigidas para questões sociais, políticas e
militares.
A atribuição de nomes aos capítulos tornou-se crucial
para sua rememoração e recitação. Algumas vezes, o nome
veio de uma palavra ou tema mencionado no capítulo. Certos capítulos têm vários nomes porque são importantes por
múltiplas razões. “Surat al-Fatiha” é o primeiro e o mais freqüentemente recitado. Embora seja chamado “A abertura”, é
também conhecido como a “Mãe do Livro”, ou os “Sete versos
muito repetidos”. O Capítulo 17 é conhecido como “Os filhos
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de Israel”, mas também como “A Viagem Noturna”, uma vez
que seu versículo inicial alude à mais extraordinária viagem do
profeta Maomé: ele voou montado num corcel alado de Meca
a Jerusalém, de Jerusalém ao Céu Supremo e depois de volta
para Jerusalém e Meca, tudo numa única noite. (A viagem pode
ter sido uma seqüência de sonhos ou uma experiência extracorporal, mas não obstante foi real, ver Capítulo 1 deste livro).
O Capítulo 112, um dos mais curtos, é tão axial que foi nomeado segundo seus temas densos, mas complementares, de
“A Unidade”, “A Sinceridade” ou “A Natureza da Autoridade”.
Outros capítulos ainda são conhecidos por letras misteriosas
que ocorrem no primeiro versículo, como “Ta Ha” (Capítulo
20), “Ya Sin” (Capítulo 36) e “Qaf” (Capítulo 50).
Com o passar do tempo, por um processo complexo, as recitações que haviam sido agrupadas em versículos e capítulos
tornaram-se um livro. Após a morte do profeta Maomé, Ali, seu
parente próximo e seguidor, trabalhou com outros para compilar
esses capítulos num texto uno. Vinte anos mais tarde, durante
o governo de ’Uthman, o terceiro califa ou Sucessor de Maomé
(depois de Abu Bakr e ’Umar, mas antes de Ali), todas as versões existentes foram arranjadas numa única versão-“padrão”.
Essa versão persiste substancialmente inalterada até hoje.
As primeiras cópias do Corão foram redigidas numa escrita chamada árabe cúfico, que não tinha nenhuma indicação
de vogais. A primeira versão do Corão com diacríticos só foi
produzida 40 anos depois, durante o governo do califa omíada
’Abd al-Malik (685-705). Sete diferentes maneiras de recitar
o Corão foram também estabelecidas, mas isso ocorreu ainda
mais tarde, cerca de 934. Essas sete formas de recitação do
Corão permaneceram um padrão canônico desde então.
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INTRODUÇÃO
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A ênfase na recitação não é acidental. Ela é básica para se
compreender a formação e a força do Corão. Este é um livro
diferente de qualquer outro: é um livro oral que soa melhor
falado que lido em silêncio, mas é também uma escritura. Mais
evocativo na recitação que por escrito, o Corão só é plenamente o Corão quando recitado. Ouvi-lo recitado é, para os
muçulmanos, diferente de qualquer outra coisa. É experimentar o poder da revelação divina como uma voz maravilhosa
do Invisível. Ela se move, desliza, se eleva, canta. Está neste
mundo, mas não pertence a ele.
O Corão foi transmitido pela primeira vez pelo arcanjo
Gabriel ao profeta Maomé na Arábia do início do século VII.
O que Maomé escutou deve ser ouvido muitas e muitas vezes desde então até o fim dos tempos. Ouvir o Corão recitado
é a bússola de penetração espiritual e orientação moral para
os muçulmanos. É a mensagem em sua forma mais pura e
vívida.
O Corão é um texto árabe em muitas camadas. Mesmo
aqueles que o ouvem o compreendem de diversas maneiras,
por vezes divergentes, e aqueles que não o podem ouvir em
árabe não entendem mais que uma fração da mensagem que
pretende transmitir.
Os limites da experiência humana afetam o modo como
nos aproximamos do texto. O Corão tal como escrito em árabe é menos que a revelação feita a Maomé; é uma revelação
de segunda ordem. O Corão traduzido do árabe torna-se uma
revelação de terceira ordem. A distância da fonte nos põe em
desvantagem, mas, apesar disso, ainda podemos aprender sobre o islã mergulhando no Corão, mesmo sendo um texto escrito, traduzido do árabe para outras línguas.
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O CORÃO
O Corão traduzido projeta um eco, por vezes um eco forte,
do vibrante núcleo espiritual do islã. Quer o ouçamos ou leiamos, em árabe ou em qualquer outra língua, ele é Um Livro
de Sinais, porque cada um de seus muitos versículos, como
delicada filigrana, é mais que palavras: a palavra árabe para
a menor unidade do texto corânico significa “versículo”, mas
“versículo” significa também “sinal” ou “milagre”. Como sinais
tangíveis, os versículos corânicos expressam uma verdade inexaurível. Eles significam sentido entremeado em sentido, luz
sobre luz, milagre após milagre.
Para tornar o Corão acessível a um público leitor amplo e
variado, organizei este livro como uma série de vinhetas que
podem ser lidas consecutiva ou aleatoriamente. Para oferecer um fio temático, as 15 vinhetas estão divididas em cinco
seções de três partes, intituladas “Núcleo árabe”, “Primeiros
comentários”, “Interpretações posteriores”, “Ecos asiáticos” e
“Inflexões globais”. Cada vinheta tem um contexto geo-histórico distinto e é marcada por uma data específica na duração da história muçulmana e do mundo. A exceção é a
última vinheta. Da mesma forma como o Corão fala ao longo
das épocas, assim também o uso de passagens corânicas e a
invocação dos nomes de Deus não têm limite temporal ou
espacial. A última vinheta poderia também ser a primeira:
sua atenção aos doentes não é limitada pelo tempo ou pelo espaço, ainda que a aids, um de seus temas, seja uma virulenta
doença contemporânea.
Ainda assim, há um enredo que não pode ser ignorado.
Ele é emoldurado na Arábia e tem um núcleo árabe. Em 610,
um mercador de Meca, quando meditava numa caverna no
alto de uma montanha, ouviu uma voz que o chamava do além
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INTRODUÇÃO
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para ser um emissário. Ele recebeu mensagens que eram divulgações ou revelações do alto. O que veio a ser o Corão
transformou o modo de pensar de Maomé sobre si mesmo,
sua sociedade e o mundo. Essas revelações o instigaram a desafiar família e clã, motivar outros a segui-lo, formar uma nova
comunidade e torná-la o centro de um novo movimento. Seguiram-se conflitos e guerras, alianças e traições que mudaram
sua vida, mas não alteraram seu propósito. Ele foi confirmado
como o último Profeta de Deus. Seu nome era Muhammad
ibn Abdallah, a religião que lhe foi revelada foi o islã, o centro
do islã era Meca (e mais tarde, depois da Al-Hijrah ou fuga,
Medina, tanto quanto Meca).
Durante a vida de Maomé, porém mais ainda após sua
morte em 632, exércitos muçulmanos espalharam-se em todas as direções a partir de Meca. Eles enfrentaram antigos
impérios adjacentes à Arábia. A leste, atacaram cidades litorâneas indianas em Gujarat e Sind. Ao norte, varreram o Império Persa sassânida. Rapidamente o derrubaram, reivindicando o Iraque e o Irã como partes de um novo Estado islâmico
em meados da década de 650. A oeste, exércitos muçulmanos
conquistaram rapidamente o Egito, mas depois moveram-se
menos celeremente pela África do Norte, combatendo tanto
os bérberes quanto os bizantinos, até que chegaram ao oceano Atlântico na década de 680. Foi uma conquista militar
que ocorreu mais rapidamente, e com maiores conseqüências, que a difusão do Império Romano 700 anos antes. Ela
transformou o exército e a marinha árabes na principal força
controladora tanto do Mediterrâneo quanto do oceano Índico. Expandiu também a audiência para o Corão além do que
se teria podido imaginar durante a vida do Profeta.
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