Resiliência... da dor à esperança
Transcrição
Resiliência... da dor à esperança
1 Resiliência... da dor à esperança * Este conceito está mais amplamente desenvolvido que os anteriores, porque foi incorporado recentemente ao trabalho psicossocial. Consideramos de fundamental importância sua apropriação por parte dos educadores(as) para quem este manual foi escrito. 1.1. Noção de Resiliência: Ontem e Hoje Em 1955, 698 crianças da Ilha de Kauai, que forma parte do arquipélago de Havaí, participaram de um estudo que levou 30 anos e que mostrou como alguns indivíduos conseguem triunfar sobre as desvantagens físicas e uma infância carente (...) Elegemos para o estudo o grupo de 698 crianças nascidas em Kauai em 1955 e analisamos seu desenvolvimento quando tinham um, dois, dez, dezoito, trinta e um, trinta e dois anos de idade. (...) Mas, à medida que nosso estudo ia sendo feito, começamos a nos interessar especialmente por um grupo de crianças de “alto risco”, que, apesar de terem sofrido uma situação de estresse na gestação, um lar pobre e conflituoso e pais sem educação, alcoólatras ou com problemas mentais, essas crianças conseguiram desenvolver personalidades saudáveis, carreiras estáveis e relações inter-pessoais firmes. Decidimos então identificar os fatores que protegeram e que contribuíram na capacidade de superação dessas crianças. (...) Destacamos 201 crianças (30% dos sobreviventes no estudo populacional) como de alto risco por terem sofrido estresse perinatal moderado ou severo, crescido em pobreza crônica, terem sido criadas por pais com menos de oito anos de educação formal ou vivido em ambientes familiares cheios de conflitos, divórcio, alcoolismo ou enfermidades mentais. Elas foram chamadas de “vulneráveis” se enfrentaram quatro ou mais destes fatores de risco antes de completarem dois anos de idade. De fato, dois terços destas crianças (129 no total) desenvolveram sérios problemas de aprendizagem e de comportamento aos 10 anos, tiveram antecedentes criminais, problemas de saúde mental ou gravidez quando tinham por volta de 18 anos. Entretanto, uma de cada três dessas crianças de alto risco (72 no total) cresceram e se tornaram jovens adultos preparados para enfrentar o jogo da vida, o trabalho e o amor. Nenhuma delas desenvolveu sérios problemas de comportamento ou de aprendizagem em sua infância ou adolescência. Pelo que podemos perceber pelas entrevistas e pelas referências da comunidade, essas crianças tiveram êxito na escola, se desenvolveram bem na vida familiar e social e fixaram objetivos e expectativas educacionais e vocacionais ao terminarem o ensino médio. Aos vinte anos, eram pessoas competentes, confiáveis e responsáveis, que expressavam um forte desejo de aproveitar todas as oportunidades para melhorarem a si mesmos. (...) Observamos o que havia por trás da vida desses jovens que superaram as circunstâncias contrárias. Então, comparamos suas características de conduta e as 2 condições de seus ambientes com aquelas do outro grupo de jovens de alto risco que desenvolveram sérios e constantes problemas na infância e adolescência. Conseguimos identificar uma série de fatores de proteção dentro das mesmas famílias, fora do círculo familiar e nas mesmas crianças ‘recuperadas’ que as capacitaram para resistir ao estresse. 1 Esta primeira citação (depoimento extenso de uma investigadora sobre o seu estudo) é uma referência inevitável ao se falar do surgimento do conceito de resiliência. Muitos autores têm mostrado que a resiliência existe desde tempos antigos, como capacidade restauradora nos indivíduos, mas também chamam a atenção para a relevância dessa pesquisa no arquipélago do Havaí, tomando-a como ponto de partida para denominar e estudar tal conceito. Consideramos agora pertinente transcrever a análise realizada por Francisca Infante para alcançar uma melhor compreensão da evolução do conceito de resiliência e sua incidência nas práticas sociais: O começo do novo século nos deu a chance de refletir sobre os fatos científicos que influenciaram nosso conhecimento e sobre os desafios e oportunidades que permitiram um melhor entendimento dos seres humanos (Cicchetti e Sroufe, 2000). Na área de desenvolvimento humano, a ênfase destas reflexões está na importância de promover o potencial humano em vez de destacar somente os erros já praticados. Neste contexto, o conceito de resiliência tem tido especial importância. (...) Um dos primeiros elementos que aparecem na literatura destes últimos anos é o consenso claro entre os especialistas em resiliência de que existem duas gerações de pesquisadores (Masten, 1999; Luthuar e outros, 2000; Luthuar e Cashing, 1999; Kaplan 1999). A primeira, que surge no início dos anos setenta, formulou a seguinte pergunta: “entre as crianças em risco social, o que diferencia as que conseguem se adequar à sociedade daquelas que não conseguem?”. Este tipo de investigação procura identificar os fatores de risco e de resiliência que influenciam no desenvolvimento de crianças que se adequam à sociedade, apesar de viverem em condições precárias. Um marco nesta primeira geração é o estudo longitudinal de Emmy Werner e Ruth Smith, em Kauai (Havaí). Eles estudaram 505 pessoas durante 32 anos, desde quando estas estavam no período pré-natal até virarem adultos.(...) A grande maioria dos pesquisadores desta geração podia subordinar-se ao modelo trino da resiliência, que consiste em organizar os fatores resilientes e de 1 Scientific American, artigo “Los niños de la isla jardín”, Emmy E. Werner, abril 1989 3 risco em três grupos diferentes: as qualidades individuais, os aspectos da família e as características dos ambientes sociais em que os indivíduos estão inseridos. A segunda geração de pesquisadores, que começou a publicar seus pensamentos em meados dos anos noventa, faz a seguinte pergunta: “quais são os processos associados a uma adaptação positiva, já que a pessoa viveu ou vive em condições de adversidade?” O foco de investigação desta segunda geração retoma o interesse da primeira por deduzir que fatores estão presentes nos indivíduos em alto risco social que se adaptam positivamente à sociedade. Isto enriquece o estudo da dinâmica entre fatores que estão na base da adaptação resiliente. Dois pesquisadores pioneiros na noção dinâmica de resiliência foram Michel Rutter (...) e Edith Grotberg. 2 A partir desta análise podemos evidenciar a relevância que o conceito de resiliência teve no campo psicossocial e os avanços que sobre o mesmo foram desenvolvidos na segunda metade do século XX e no início do século XXI. Ambas as gerações de pesquisadores oferecem contribuições complementares, enriquecendo as áreas não apenas de reflexão e análise teórica, mas também contribuindo substancialmente para as políticas sociais e práticas de intervenção. Reunimos as contribuições recebidas por diversos autores, épocas e contextos, enfatizando a mudança de perspectiva que o mesmo significa para o trabalho com pessoas em situações de adversidade, assim como seu caráter dinâmico e possível de promoção. Enquanto a visão tradicional enfocou o trauma, o erro, os problemas, as limitações, as carências e os “desvios”, elaborando diagnósticos cada vez mais complexos no afã de encontrar causas e conseqüências pré-estabelecidas, assim como metodologias de correção do desvio (com respeito a um eixo de “normalidade”) ou do “sintoma”, a proposta da resiliência consiste em focalizar e enfatizar os recursos das pessoas e dos grupos sociais para ‘seguir adiante’. 3 Este novo enfoque, no lugar de enfatizar os fatores negativos ou fatores de risco (características ou qualidades de uma pessoa ou comunidade que tem grande possibilidade de prejudicar a saúde), que permitam prever um possível risco, busca identificar os fatores positivos ou fatores protetores (são as condições ou os contornos capazes de favorecer o desenvolvimento de indivíduos ou grupos, e em muitos casos, de reduzir os efeitos de circunstâncias desfavoráveis), que surpreendentemente muitas vezes aparecem nos sujeitos. Substitui-se o modelo “adoecedor” por um de “promoção 2 3 “Resiliencia: Descubriendo las propias fortalezas”, Melillo y Suárez Ojeda, Ed. Paidos, Argentina, 2001. Idem 2 4 de saúde”, que se compromete com a maximização do potencial e do bem-estar entre os indivíduos, permite reinterpretar os dados da realidade, para o desenho de intervenções mais eficazes e que promovem dignidade. Desta forma, a noção de resiliência redefine o conceito de saúde. A partir desta nova perspectiva, a saúde deixa de ser um estado ideal sem problemas ou rupturas, e passar a referir-se como a capacidade dos indivíduos para resolver problemas ou achar caminhos construtivos de viver com problemas sem solução. No que diz respeito à infância, se confunde com o conceito de protagonismo, que é o reconhecimento de que as crianças são sujeitos atuantes de suas próprias vidas e geradores de mudança. 1.2. Algumas definições A palavra ‘resiliência’ vem da metalurgia e entende-se como tal a capacidade dos metais de resistir aos golpes e recuperar sua estrutura interna. Buscando a origem da palavra encontramos que, já mais próximo da nossa área, a usam na osteologia 4 para expressar a capacidade que os ossos têm para crescer na direção correta depois de uma fratura. Creio que no campo do desenvolvimento psicossocial do ser humano, o sentido é exatamente este. É a capacidade do ser humano para recuperar-se da adversidade. Esta definição é a mais aceita atualmente: fala da combinação dos fatores que permitem a uma criança, a um ser humano, enfrentar e superar os problemas e adversidades da vida.(...) Em busca de uma construção menos rígida e mais compreensível se chegou ao conceito de resiliência entendida como: o enfrentamento efetivo de fatos estressantes, graves e acumulativos, isto é, a capacidade de enfrentamento. 5 Aldo Melillo e outros propõem que o termo resilire, em latim, significa “saltar para trás” ou “saltar acima”. Estranhamente também significa “afastar-se, desviar-se”. Nestas acepções, podemos encontrar dois aspectos relacionados com o mesmo conceito, seu surgimento e aplicação. Por uma parte, a resiliência foi identificada e aprofundada no contexto de “desvio”, com grupos que estão vivendo situações de adversidade, marginalizados, muitas vezes “separados” de sua sociedade – pobres, vítimas do HIV, imigrantes, crianças. Por outra parte, representa a capacidade de “saltar”, “pular”, de “sair” dessa situação, e superá-la. 4 A parte da anatomia que estuda os ossos (N.T.). Artigo “Resilience” ou capacidade de sobrepor-se à adversidade de Elbio Nestor Suárez Ojeda, Cuadernos Divulgatorios, PRONICE, nº 5, El concepto de resiliencia, la resiliencia em la niñez vulnerable, enero-marzo 1995, Guatemala. 5 5 “A resiliência é a capacidade dos seres humanos para sobrepor-se à adversidade, e, além disso, construir algo sobre ela”. 6 Segundo Suárez Ojeda, é importante destacar que esta capacidade transcende a superação da adversidade e a ausência de destruição da integridade do sujeito. Implica também na construção de um projeto e sair fortalecido da situação de dor para enfrentar novos desafios. Michel Rutter, psiquiatra e pesquisador inglês, tem se aprofundado na conceituação da resiliência. Ele escreve o seguinte: A resiliência se caracteriza como um conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam ter uma vida saudável, vivendo em um meio saudável. Estes processos teriam lugar através do tempo, dando felizes combinações entre as qualidades do menino(a) e seu ambiente familiar, social e cultural. Deste modo, a resiliência não pode ser pensada como uma qualidade com a qual meninos(as) nascem, nem que adquirirem durante seu desenvolvimento, mas sim como um processo interativo, entre eles e seu meio. Nesta frase, Rutter destaca o caráter dinâmico e de processo, próprio da construção desta capacidade, reconhecendo a interação recíproca de fatores individuais e do ambiente. Este conceito integra: as qualidades da personalidade do indivíduo; as características das relações afetivas e sociais do indivíduo com seu redor; e as características do sistema social, econômico, cultural de uma determinada época e sociedade. É interessante, com relação a este conceito, mencionar o modelo ecológico-transacional da resiliência, que esclarece a compreensão da mesma. Este modelo tem suas bases no modelo ecológico de Bronfenbrenner. A partir desta perspectiva, própria dos pesquisadores que se aprofundaram na temática da resiliência nos últimos anos, os sujeitos estão imersos numa ecologia determinada por diferentes níveis que atuam entre si, exercendo uma influência direta em seu desenvolvimento humano. Este marco ecológico seria determinado pelos níveis individual, familiar, comunitário (em relação aos serviços sociais). O processo da resiliência estaria imerso na interação destes diferentes níveis, dando conta de uma construção complexa, que se desenvolve ao longo do tempo e em um contexto cultural local, tecida em interação, o que possibilita estimular seu desenvolvimento e a ter uma perspectiva esperançosa diante das situações difíceis. 6 Conferência “Perfil del niño resiliente”, E. N. Suárez Ojeda, Seminario Latinoamericano en Resiliencia y Desarrollo Infantil, Antofagasta, Chile, 1998. 6 Poderíamos empreender um debate sem fim sobre a definição correta da resiliência humana. Entretanto, para efeitos práticos que aqui nos interessam, nos conformaremos com a definição curta que damos continuidade, ainda que sob numerosas interrogações de ordem científica e política: a resiliência ou faculdade de recuperação designa a capacidade do indivíduo para fazer as coisas de maneira correta e socialmente aceitável, em um contexto humilhante ou adverso com um alto risco de conseqüências negativas. Não é mais que uma definição de trabalho. (...) Vamos simplificar ainda mais a definição: a resiliência é a capacidade de fazer as coisas de maneira correta e socialmente aceitável em circunstâncias adversas.” 7 Um aspecto que deve ser compreendido em relação a esta definição diz respeito à importância de superar a adversidade através da possibilidade de “fazer as coisas de maneira correta e socialmente aceitável”, valorizando a importância de que os sujeitos estejam incluídos e comprometidos positivamente com a comunidade em que vivem e seus projetos. O mesmo autor complementa: “Há casos de jovens que tiveram uma infância carente de tudo e resolveram ganhar a vida dedicando-se ao tráfico de drogas ou à criminalidade. Eles encontraram uma forma de sobreviver. Porém, podemos chamar isso de fazer as coisas de maneira correta diante das dificuldades? Evidentemente que não. A resiliência não admite a lei da selva, nem a sobrevivência a qualquer custo. Isso não é aproveitar o potencial resiliente.” 8 Em síntese, as diferentes definições do conceito de resiliência enfatizam as seguintes características do sujeito resiliente: habilidade, adaptabilidade, resistência emocional, enfrentamento efetivo, capacidade, resistência à destruição, condutas vitais positivas, temperamento especial e habilidades cognitivas. Todas elas são descobertas 7 “Como crecer superando pecances. Resiliencia: capitalizar las fuerzas del individuo.”, Cuadernos del BICE, Stefan Vanistendael, Ginebra, 1995. 8 Idem 7 7 diante de situações vitais adversas, estressantes, etc, que lhes permite atravessá-las e superá-las. Por último, através desta síntese, queremos apresentar a riqueza do conceito e o argumento de quem se aprofundou no estudo, assim como a importância de fomentar a aquisição destas virtudes para melhorar a qualidade de vida dos meninos(as). As pesquisas em torno deste conceito reconhecem a universalidade e cotidianidade das experiências negativas na vida dos sujeitos. Elas variam, observando-se adversidades fora dos âmbitos familiares (roubos, guerras, incêndios, terremotos, inundações, acidentes, perda de trabalho, fome, etc) ou dentro dos mesmos (morte, divórcio ou separação, doença, pobreza, mudanças, mau-trato, violência sexual, falta de moradia, etc). Entretanto, a resiliência dá luz a esta universalidade e cotidianidade de dor, pois descobriu que muitos indivíduos têm a capacidade de superar esta adversidade e construir vidas positivas frente a ela. A resiliência viabiliza a possibilidade de ter uma perspectiva otimista diante da complexidade da realidade, sem cair em um conceito mágico de mudança. 1.3. Componentes e algumas propriedades desta noção. Para uma melhor compreensão do que a resiliência implica, identificamos alguns dois aspectos. Primeiro, a capacidade de RESISTIR, de não ser destruído ao enfrentar uma situação difícil, de alto nível de estresse. Segundo, e em forma complementar, a capacidade de CONSTRUIR apesar e a partir da adversidade. O conceito de resiliência se mostra mais rico do que o previsto. (...) Localiza-se entre a ação e a busca. Reconhece a existência de problemas, as apresenta um otimismo realista. A investigação da resiliência leva a sério a força dos pobres. Constitui-se quase que um esforço sistemático para aprender dos pobres e oprimidos. 8 A resiliência corresponde a uma aproximação holística da criança e a considera como uma pessoa completa que tem uma relação a desempenhar na vida. 9 O texto acima destaca algumas qualidades relevantes e a importância do estudo e desenvolvimento deste conceito nas Ciências Sociais. Primeiramente, explica a inter-relação existente desde sua origem, da pesquisa e ação, em torno da questão. Sua definição surge de uma investigação abrangente e a partir desta se promovem uma série de pesquisas de grande relevância, tanto no “mundo desenvolvido” como nos países mais pobres. Mas imediatamente, por suas características, surgiram projetos e programas de intervenção, buscando estratégias adequadas e persistentes, para seu desenvolvimento em contextos diversos de dificuldade. O segundo item destaca o ponto esperançoso do conceito, que o conduz não a negar as realidades adversas, nem a ter uma perspectiva fatalista sobre as mesmas, nem mesmo a buscar mudanças radicais ou revolucionárias nas estruturas sociais que implicariam processos muito mais complexos e difíceis de alcançar na tentativa de superar as dificuldades. Pelo contrário, este conceito apresenta uma aproximação alcançável e geradora de mudança. Com relação a esta afirmação, é importante assinalar que a resiliência não é absoluta nem invariável. Devemos “cultivá-la” diariamente e reconhecer que em determinadas áreas ou momentos da vida, podemos ser mais ou menos resilientes. No terceiro item, destaca-se uma contribuição significativa do conceito de resiliência para a formação dos sujeitos e especialmente daqueles que se encontram sistematicamente fora das esferas de poder, como os pobres e as crianças. Os fracos “ganham poder” (empowerment) e tornam-se portadores de conhecimento, conhecimento valioso para todos. Por último, o quarto item fala também de uma concepção de sujeito, holísticaintegral, que reconhece os indivíduos como seres bio-psico-socio-culturais e espirituais, que crescem e se desenvolvem, através da inter-relação entre suas características inatas e as adquiridas em interação com os outros. 9 Revista LA INFANCIA EM EL MUNDO, “Família y Resiliencia del niño”, artigo “La resiliencia: un concepto largamente ignorado”, Stefan Vanistendael BICE, vol. 5, nº 3, 1994. 9 É interessante refletir como aquelas características definidas, em princípio, como individuais são observadas imediatamente nos grupos familiares capazes de superar problemas graves. 10 O enfoque coletivo ou comunitário da resiliência tem sido, de uma maneira particular, uma contribuição latino-americana; e isto é reconhecido por autores europeus de grande prestígio. Para finalizar este seção, é interessante ressaltar que o enfoque da resiliência foi estendido também aos contextos familiar e comunitário. Do mesmo modo, é possível identificar famílias e comunidades que desenvolvem uma proteção que as permitem superar diversas adversidades. Mas neste manual trabalharemos fundamentalmente o que se refere ao desenvolvimento da resiliência em nível individual. 1.4. Chaves geradoras de resiliência nos sujeitos Cinco áreas particulares Baseados nos resultados da pesquisa e em experiências práticas, passamos a adiantar cinco áreas inter-relacionadas que merecem um exame na hora de fomentar a resiliência infantil. É preciso dizer que esta lista não é exaustiva. (...) - Redes sociais de apoio social e como, eixo principal, a aceitação incondicional da criança como pessoa, pelo menos por alguém que ela considera importante. Esta aceitação é com toda certeza a base da construção. - A capacidade de procurar o significado da vida, sentido e coerência, em estreita relação com a vida espiritual e a fé religiosa. - Atitudes sociais e pró-ativas para resolver problemas, e a certeza de ter algum tipo de controle sobre a própria vida. - Auto-estima e concepção positiva de si mesmo. - Sentido de humor ou um clima em que ele pode desenvolver-se. Nestes âmbitos poderíamos achar possibilidades de chaves geradoras de resiliência. Entretanto, cada situação requer que verifiquemos atentamente em que âmbito cabe uma intervenção positiva, quais chaves geradoras utilizar e 10 Idem 2 10 como utilizá-las, ou se existem outros âmbitos e chaves geradores de resiliência que vale a pena identificar e aproveitar. 11 Achamos interessante destacar a singularidade manifesta para cada intervenção que podemos interpretar da citação anterior. As chaves ou bases da resiliência que desenvolveremos surgem da observação sistemática de sujeitos resilientes. Esta observação é importância no crescimento das crianças e adolescentes, pois cada sujeito é único, inserido em uma família, em um tempo e comunidade determinada. Sempre será pertinente ler e interpretar antecipadamente essa singularidade para que as ações sejam orientadas de maneira respeitosa e contribuam para a verdadeira resiliência. - Aceitação incondicional e Redes Sociais Para muitas pessoas envolvidas em pesquisa e na ação, uma aceitação incondicional da criança enquanto pessoa é a contribuição mais importante da resiliência infantil. 12 Vários autores destacam a importância do amor e da aceitação incondicional como o cimento na construção de sujeitos resilientes, sujeitos fortalecidos. A segurança do afeto recebido de uma pessoa que a criança considera importante (seja no âmbito familiar ou fora dele), independentemente de circunstâncias e condutas, contribui para o fortalecimento do sujeito. É importante destacar a diferença entre aceitar incondicionalmente uma pessoa e a aceitação incondicional de suas condutas. Esta segunda atitude, pelo contrário, representa indiferença e falta de cuidado no desenvolvimento do sujeito, que precisa de limites e referências claras em seu processo de crescimento. Viktor Frankl, psicoterapeuta austríaco, que deu origem à “Logoterapia” e sobreviveu às atrocidades dos campos de concentração, disse o seguinte: O amor constitui a única forma de compreender o outro ser humano no mais profundo de sua personalidade. Ninguém pode ser totalmente conhecedor da essência de outro ser humano se não o ama. Por este ato espiritual de amor se é capaz de ver os traços e características essenciais na pessoa amada; e ainda ver suas potencialidades: o que ainda não foi revelado, o que ainda será mostrado. Além disso, diante do seu amor, a pessoa que ama possibilita ao amado manifestar suas potencialidades. Ao tornar-se consciente do que pode ser e do que pode chegar a ser, faz com que essas potencialidades virem realidade. 13 Esta aceitação incondicional pode ser manifestada de diversas formas, desde no amor pela criança, na autêntica preocupação com ela, ser uma pessoa de referência para escutar suas preocupações, alegrias, etc. Mães, pais, avós e primos podem ser pessoas com estas características, mas também professores, cozinheiras de merenda, vizinhos, líderes de igrejas, etc. 11 Idem 7 Idem 7 13 “El Hombre em busca de sentido”, Victor Frankl, Ed. Herder, Barcelona, 1988. 12 11 A aceitação incondicional ocorre com maior facilidade nas relações informais com familiares e amigos do que em um contexto profissional. Esta é uma das razões porque as redes sociais informais são tão importantes. 14 Como exemplo, vale citar o que Suárez Ojeda mostrou no artigo “Resiliência ou capacidade de sobrepor-se na adversidade” (PRONICE). Segundo ele, estudos mostraram que os filhos de mães solteiras adolescentes latinas, chegaram a ser adultos mais bem-sucedidos que os filhos de mães solteiras adolescentes anglo-saxãs. Estes estudos mostram o valor da tradição da “família ampliada” latina, que atuava na maioria dos casos como fator no desenvolvimento destes meninos e meninas. O conceito de rede social diz respeito a um processo de construção permanente tanto individual quanto coletivo. Neste ponto diríamos que é um sistema aberto, que através de uma inter-relação dinâmica entre seus integrantes e com integrantes de outros grupos sociais, possibilita a potencialização dos recursos que possuem. Cada membro da uma família, de um grupo ou de uma instituição se enriquece através das múltiplas relações que cada um dos outros desenvolve. As diversas lições que uma pessoa realiza se ampliam quando são socialmente compartilhadas na procura de solucionar um problema em comum. 15 É indiscutível a importância das redes sociais de sustentação para o desenvolvimento dos sujeitos. Assim como propõe a autora no mesmo texto, é reconhecido seu valor para a mudança, desenvolvimento e resolução de situações de crise, para a conscientização da capacidade de organização, para a consolidação progressiva de formas de autogestão em transformação de realidades adversas no pessoal, familiar e comunitário. - Capacidade de procurar a ordem, sentido e significado de tudo que ocorre na vida. Todos nós precisamos identificar algum sentido e significado em tudo que acontece na vida. Essa necessidade não é só de adultos ou de intelectuais. A palavra ‘significado’ é difícil de definir. Talvez possamos descrevê-la como um profundo entendimento de que há algo positivo na vida – apesar da multidão de experiências ruins – ao que nos referimos e que proporciona em nossas vidas coerência e orientação. 16 Muitos caminhos podem levar os sujeitos (segundo sua cultura e características pessoais) a descobrir este significado, a encontrar a resposta à necessidade mostrada por Vanistendael. Alguns exemplos disso podem ser: a obtenção de pequenas conquistas, a dedicação aos outros, o amor e o cuidado pela natureza, o desenvolvimento da espiritualidade e diversas expressões de fé religiosa, o desenvolvimento da expressão artística, etc. Em seu livro “El Hombre em busca de sentido” (O Homem em busca de sentido), Victor Frankl cita Nietzche quando diz: “Quem tem um porquê viver, encontrará quase sempre o como”. 14 Idem 7 Red de redes, Elina Nora Dabas, Ed. Paidos, Argentina, 1995. 16 Idem 7 15 12 É pertinente e interessante citar a Dra. Ann Margaret. Ela destaca a importância da Filosofia para Crianças, como uma ferramenta, uma chave geradora para o desenvolvimento deste pilar da resiliência: A participação em uma comunidade de busca filosófica durante os anos de formação na vida de uma criança é uma forma educativa e efetiva de cultivar e fortalecer sua resiliência. Uma criança resiliente é aquela que pensa por si mesma, que descobriu valores que podem guiá-la em sua conduta diária, que não se sente impotente e pode descobrir um significado em suas próprias experiências, através de seu relacionamento com os outros. Uma criança com estas características, preserva esperanças, pois tem uma razão para viver. (...) Ao invés de considerar a busca filosófica como um luxo, ela deve ser considerada como uma ferramenta crucial para as crianças, a fim de tornaremse pessoas fortes e autônomas. 17 John Bradford aborda outra contribuição importante em seu artigo “Os direitos espirituais e religiosos das crianças”: A prática religiosa certamente pode ajudar um menino ou uma menina em seu desenvolvimento espiritual, servindo-se de um marco integrado por um código comum, um credo e uma forma de prática religiosa que valoriza e abre espaço para a prática espiritual. (...) Mais especificamente, a participação da criança em uma comunidade saudável de fé poderá: - Oferecer-lhe uma rede de relações bondosas e respeitosas – uma comunidade de amigos. - Oferecer-lhe o sentimento de pertencer a um grupo que tenha conhecimento do lugar que ocupa dentro do imenso sistema das coisas. - Oferecer-lhe um relacionamento com terceiros que estão atentos e abertos a “sinais de transcendência”. - Oferecer-lhe a participação dentro de uma comunidade em que seus membros estão mutuamente dispostos a experimentar os sentimentos de amor, confiança, surpresa, etc. - Oferecer-lhe diálogos que a façam participar e compartilhar situações simbólicas, que expressam valores da comunidade. 18 Um exemplo conhecido por todos, modelo de fortaleza infantil em meio à adversidade é o de Ana Frank e a narrativa de suas experiências em seu diário pessoal, durante a ocupação nazista. Suas narrativas revelam uma espiritualidade bastante tolerante e madura que a permitiu viver e lidar com uma experiência tão dolorosa com maior profundidade. E parece ter sido de grande ajuda para ela. A fé religiosa, portanto, aparece para muitos pesquisadores como uma expressão particular de identificação de significado. E se esta identificação se desenvolve em áreas extensas, tolerantes e integradoras da realidade, se torna um caminho de fortalecimento no desenvolvimento infantil. - Diversidade de atitudes 17 18 Revista LA INFANCIA EM EL MUNDO, “Familia y Resiliencia del niño”, BICE, vol. 5, nº 3, 1994. Idem 17 13 Este aspecto abrange a aprendizagem de todo tipo de atitudes sociais e resolutivas de problemas, assim como determinadas atitudes técnicas de interesse. (...) Mas não basta ter tais atitudes. A criança deve ter a capacidade e vontade de dinamizá-la. 19 Este aspecto ou fundamento refere-se à importância que o “fazer algo corretamente” tem no desenvolvimento infantil; e o ser reconhecido por isso. Essas atitudes podem ser habilidades cognitivas, sociais e/ou técnicas. Elas permitirão aos sujeitos identificaremse, resolverem situações problemáticas, assim como conseguir mudanças em suas vidas e do que está em sua volta, dando-lhes a possibilidade de perceber que têm algum grau de controle sobre suas próprias vidas. Porém como esclarece Vanistendael, estas atitudes não poderão ser alcançadas a não ser que os sujeitos percebam que têm características distintas, que têm valor e que se destacam dos que estão ao seu redor. Neste aspecto, família, educadores e outros agentes que estão próximos da criança têm um papel fundamental para demonstrar a ela e guiá-la no descobrimento de suas próprias fortalezas. Outro aspecto relevante com relação a este fundamento diz respeito ao fato de que muitas atitudes e habilidades podem ser aprendidas tanto na vida cotidiana como através de uma formação mais sistemática. Aqui, sem dúvida, se abre um campo fértil para a intervenção educativa. Por último, é interessante explicar a inter-relação existente entre o contexto e a cultura nos quais os sujeitos se desenvolvem e este terreno para o desenvolvimento da resiliência, pois o valor e o reconhecimento das diversas atitudes e habilidades, serão variados a partir de cada realidade sócio-cultural. - Auto-estima A auto-estima ou autovalorização é o conhecimento e a valorização que cada sujeito tem sobre si mesmo e que se expressa na forma particular em que ele se relaciona com o seu meio. Podemos dizer que é o amor que o sujeito tem por si próprio. Poderíamos identificar três componentes básicos da auto-estima: - Componente cognitivo: “A opinião que tenho sobre mim mesmo.” - Componente afetivo: “O que sinto sobre mim mesmo.” - Componente comportamental: “O que sou capaz de fazer.” A auto-estima está ligada aos aspectos já mencionados. A aceitação incondicional de uma pessoa (e não de qualquer conduta) estimulará a autoestima. O mesmo acontece com a busca pelo significado da vida: se minha vida tem algum sentido, logo não poderá ser totalmente inútil. De mesma forma, exercitar as atitudes só estimula a auto-estima para que ela sempre esteja em equilíbrio, nem demasiadamente alta nem demasiadamente baixa. Por tudo isso é importante mencionar a auto-estima em particular porque pode revestir-se de 19 Idem 7 14 especial importância. Existem milhares de condutas simples do dia-a-dia que ou geram ou destroem. Por exemplo: uma disciplina severa, críticas negativas, níveis de qualidade inalcançáveis e uma ironia cruel... todos estes elementos comuns são bastante destruidores da auto-estima. Por outro lado, promover também ânimos justificados, críticas construtivas e níveis de qualidade que se distanciam do perfeccionismo são fatores indutores de auto-estima. 20 A auto-estima implica em um processo permanente de construção, que está relacionado aos processos de conquista de autonomia, desenvolvimento da criatividade, capacidade de aprender e capacidade de cuidar de si mesmo. - Senso de humor Este aspecto implica na criação de ambientes em que se pode desenvolver o senso de humor, a capacidade de rir apesar da adversidade, a possibilidade de rir de si mesmo e das coisas que acontecem. Implica no reconhecimento do imperfeito, do sofrimento que acabamos integrando à vida de forma positiva. Talvez não possamos livrar-nos do sofrimento, mas tampouco ele acabará conosco. 21 O senso de humor sugerido como âmbito ou chave geradora de fortalezas, supõe aspectos bem mais profundos que simplesmente “passar bem”. Frode Sobstad, teórico norueguês, que trabalhou intensamente sobre a importância do humor, cita as seguintes definições de Paul E. McGhee: “O humor é a experiência mental de descobrimento e apreciação do ridículo e das idéias, eventos e situações absurdas.” “O humor são aqueles atributos de um evento que nos fazem rir”. Vários pesquisadores da resiliência identificaram no humor a capacidade de integração e alívio de realidades difíceis. Fugir seria afastar-se e negar uma realidade desagradável, entretanto a graça pode ser mais sutil do que esta fuga, convertendo essa realidade em algo mais suportável e positivo. O humor é outra das armas com as quais a alma luta por sua sobrevivência. É sabido que, na existência humana, o humor pode proporcionar o distanciamento necessário para sobrepor-se a qualquer situação, mesmo que não seja mais que por alguns segundos. 22 Frod Sobstad defende que raramente são encontrados em livros de psicologia, sociologia e educação termos como “humor”, sorriso”, “riso” e “diversão”. Entretanto, ele mostra a abundante bibliografia e terminologia encontrada sobre os termos “risco”, “ansiedade” e “agressividade”. Desta perspectiva, o autor defende então que se é importante estudar o “lado obscuro” da vida dos seres humanos, não se deve esquecer 20 Idem 17 Violência sexual infantil. Prevención e intervención em crisis, 2000, Bice, Mdeo. 22 Idem 13 21 15 nem ignorar o estudo dos “lados luminosos” da vida humana. Sobstad argumenta ainda que como pai e professor, ele tem descoberto que, sem dúvida, o castigo, as sanções ou mesmo a ridicularização colaboram para que as crianças adquiram condutas esperadas pelos adultos; mas o humor contribuirá de forma eficiente nos processos de aprendizagem. A sensibilidade diante do imperfeito, a aceitação madura dos fracassos, o paradoxo, a confiança inclusive quando as coisas saem mal, a criatividade, a fantasia, podem ser expoentes do senso de humor. Por último, queremos expressar que atualmente, nossa sociedade invadida pelos meios massivos de comunicação tem confundido o senso de humor com o grotesco, o cinismo, o ridículo. Consideramos importante, à luz do valor deste fundamento da resiliência, analisar criticamente estas novas interpretações e resgatar, ao mesmo tempo, as contribuições pertinentes que a cultura popular tem dito do mesmo, como fator de fortalecimento e riqueza na vida de crianças e adultos. “Conte-me uma bobagem quando a agonia chegar”. Luis Eduardo Aute “Um palhaço é como uma aspirina, só que causa um efeito duas vezes mais rápido.” Groucho Marx O humor é... a carícia do intelecto... e, sem dúvida, é gerador de consciência.” Jorge Esmoris “O que podemos fazer se as coisas andam como estão, temos que rir um pouco, que a morte sempre está, vamos falar de algo que nos divirta, que de tanto sorrirmos, a morte ficará inibida.” “La Vela Puerca” - Sebastián Teysera 1.5. A “Mandala” da Resiliência Na perspectiva de aprofundar as chaves geradoras de resiliência, cremos que é pertinente apresentar alguns outros fundamentos que também foram identificados como fatores protetores ou fortalecedores de meninos(as). Suárez Ojeda destaca a contribuição de Steven Wooling, reunindo os fundamentos da resiliência no que se denomina “Mandala da Resiliência”. A palavra “mandala” é uma expressão dos indígenas Navajos da América do Norte que identificam desta maneira as forças que fazem com que um indivíduo doente encontre sua resistência interna para superar e sobrepor-se a esta doença. Assim, o autor representa e explica algumas características identificadas em personalidades resilientes. - Introspecção É a arte de questionar a si mesmo e dar-se uma resposta honesta. A introspecção está ligada e é uma ferramenta útil para a tomada de decisões e o desenvolvimento de estratégias para sair de situações de dor. 16 Essa capacidade está relacionada ao desenvolvimento da Auto-estima e ao conhecimento que o sujeito tem de si mesmo, de suas fortalezas e debilidades. Desse modo, ela também é um fundamento que capacita para a prática dos relacionamentos (que definiremos posteriormente), pois o conhecimento de nós mesmos passa indubitavelmente pela relação com os outros e o que eles nos mostram de nós mesmos. - Independência É saber fixar limites entre si mesmo e o meio problemático; é a capacidade de manter distância emocional e física sem cair no isolamento. A independência permite aos sujeitos definirem-se por si mesmos, desenvolvendo seu pensamento e autonomia. - Capacidade de relacionar-se Representa a habilidade para estabelecer laços e intimidade com outras pessoas, equilibrando a necessidade de simpatia e a atitude de expor-se a outros. - Iniciativa Relaciona-se com o gosto de exigir-se e pôr-se à prova em tarefas progressivamente mais exigentes. Os fundamentos de Capacidade de Relacionamentos e Iniciativa estão bem vinculados. Na medida em que o sujeito pode, através dos diversos vínculos estabelecidos, receber e o mesmo tempo dar aos outros, cria-se múltiplas instâncias onde é possível pôr à prova habilidades e desafios de desenvolver propostas de transformação e mudança em parceria com os outros. - Humor Segundo esse autor, significa a descoberta do cômico na tragédia. - Criatividade A capacidade de criar ordem, beleza e propósito a partir do caos e da desordem. É importante destacar que a criatividade não é um dom nem uma condição rara; é algo próprio da natureza humana e depende de como cada indivíduo se desenvolve. É um processo mental que exige a combinação das habilidades cognitivas, emocionais, afetivas e sociais para a transformação de algo em uma ação inovadora. 23 O jogo - atividade predominante na vida da criança - tem um caráter fundamental nesta capacidade, deixando como pegadas no adulto a capacidade de criar e lidar com situações novas da vida diária. Através do jogo as crianças criam e transformam a si mesmos. Ele também ajuda as crianças na integração com suas famílias e ao redor. Estas mudanças retroalimentam as crianças em seu atuar. A relação entre jogo e resiliência se materializa nas atividades transformadoras das crianças. O jogo é importante também como ferramenta para o desenvolvimento de fatores resilientes. Por exemplo, estes processos de jogo são um instrumento muito valioso para o desenvolvimento do humor. 23 Idem 5 17 Uma contribuição interessante foi observada no capítulo 4 do livro Resiliencia: descobriendo las proprias fortalezas, na relação defendida entre os fundamentos de Criatividade e Humor. O humor é uma expressão que constitui um comportamento muito significativo da mente humana. A natureza do sistema de informação que dá origem à percepção é um sistema auto-organizado na história do indivíduo, através de pautas que a especificam. O humor mostra como a percepção de uma situação pode configurar-se subitamente e produzir uma mudança no afeto e no comportamento do sujeito. Constitui, além do mais, a essência da criatividade. Há um salto por um “caminho” lateral que abandona a seqüência lógica do pensamento em curso, como o efeito libertador, cômico ou criativo, cuja lógica aparecerá em um momento posterior: as razões verdadeiras do salto são, em um primeiro momento, inconscientes. 24 Mais adiante os autores defendem também a inter-relação existente entre a Auto-estima e o Humor. O humor é opositor e significa um triunfo do “eu” apesar do desfavorável das circunstâncias reais; é a melhor defesa contra o sofrimento e não limita o terreno da saúde psíquica, pelo contrário, contribui ao seu fundamento. (...) Em certo sentido, a capacidade de humor é um broto de uma auto-estima bem instalada. 24 Significativamente, estes mesmos autores reúnem como fundamento aos citados por Wooling a auto-estima, denominando-a “auto-estima consistente”, como base dos demais fundamentos e fruto do cuidado afetivo conseqüente da criança ou do adolescente por parte de um adulto que esta considera importante. - Moralidade Refere-se à consciência de estender o desejo pessoal de bem-estar a toda humanidade e a capacidade de comprometer-se com valores. Os pais julgaram que a moralidade tem um importante papel neste processo de aquisição e construção pessoal e coletiva, assim como têm outros adultos de referência e também a cultura na qual a criança se desenvolve. Finalmente, é importante assinalar sua ligação com o fundamento definido como Capacidade de Buscar a Ordem, Sentido e Significado do que ocorre na vida, que implica na aquisição de marcos de valores para a existência. * GORGAL, Alicia Casas; GOYRET, María Eugenia. Manos al Taller – Manual Metodológico do Programa CLAVES (trecho do capítulo 2). Juventud para Cristo, Uruguay. Oferecimento: Revista Mãos Dadas (CP 88 - 36.570-000 Viçosa MG) Tradução: Lissânder Dias do Amaral 24 Idem 2
Documentos relacionados
Untitled - revista omnia - Grupo de Estudos Interdisciplinares
zantes das condições negativas, transformando-as em algo de benéfico para a sua estrutura pessoal (Grotberg, 2007; Ralha-Simões, 2014b). Com efeito, na base da própria aceitação do pressuposto de q...
Leia mais