JOHN SHERMAN_Autobiografia Breve

Transcrição

JOHN SHERMAN_Autobiografia Breve
Autobiografia Breve
Nasci em agosto de 1942, em Camden (Nova Jérsei), de pais sobre os quais sei
muito pouco, além do que ouvi contar. Quando tinha três ou quatro anos,
minha mãe e meu pai se separaram e eu fui morar com minha avó, evangélica
pentecostalista batizada no Espírito Santo, e meu avô.
Quando tinha uns dez anos, meu avô morreu e minha mãe voltou para a
nossa cidade, para o funeral. Pouco depois, ela se casou novamente, com um
homem afável e gentil, que era um operador de máquinas-ferramenta de alta
precisão. Ele me deu muito e me forneceu a base para uma visão filosófica da
vida. Eles me levaram da casa de minha avó e, mais ou menos um ano depois,
minha mãe, meu padrasto e eu nos mudamos para o sul da Califórnia.
Em 1958, quando tinha dezesseis anos e cursando a primeira série do ensino
médio, roubei o talão de cheques dos meus pais, comprei uma passagem de
avião para Nova Iorque com um cheque sem fundos, e me hospedei no Plaza
Hotel, onde comprei um monte de roupas e acessórios. Fui assistir a uma peça
na Broadway (J.B.), comi e bebi do melhor e paguei 2.500 dólares por um
relógio Patek Phillipe na joalheria do hotel. Tudo isso usando os cheques sem
fundo dos meus pais. As coisas eram mais fáceis para um jovem trambiqueiro
naquela época. O relógio acabou sendo um pouco demais; os seguranças do
hotel entraram em cena e, após alguns telefonemas para a Califórnia, vieram
atrás de mim. Eles acabaram ligando para a minha avó em Nova Jérsei, e ela
transferiu dinheiro suficiente para me salvar daquela situação e comprar uma
passagem de trem de volta para a casa dela.
Morei com a minha avó por um tempo, e acabei me envolvendo com uma
mulher casada. Quando o marido dela, fuzileiro naval da reserva, descobriu o
nosso caso, fugi e me alistei no exército. Durante três anos na Alemanha, fui
um soldado medíocre.
Quando dei baixa do exército, voltei para Nova Jérsei e a casa da minha avó.
Fui contratado como aprendiz de operador de máquinas-ferramenta em um
estaleiro em Camden (Nova Jérsei), o mesmo onde meu avô tinha trabalhado.
Aprendi uma boa profissão à qual poderia sempre recorrer, e passei por uma
série de bons e maus empregos e aventuras estúpidas. Pouco depois de ter
concluído o meu aprendizado, trabalhei como solicitador de ações judiciais
por dano pessoal para dois escritórios de advocacia por algum tempo e então
como o supervisor noturno em uma oficina de máquinas-ferramenta da
Thompson Ramo Wooldridge Inc. (TRW). Não demorou muito, e uma mulher
que trabalhava para mim na TRW deixou o marido e nós fugimos juntos para
o sul da Califórnia, onde iniciei uma carreira em pôquer profissional,
interceptação de cartões de crédito roubados e falsificação de cheques. Ela não
ficou comigo por muito tempo.
Quando a polícia deu início a uma operação para desmantelar o círculo de
receptadores de mercadoria roubada e falsificadores de cheques do qual eu
fazia parte, escapei por um fio e fugi para o Oregon com uma outra mulher
que estava fugindo do marido, carregando os três filhos com ela. Consegui
um emprego como vendedor de fotocopiadoras e pouco tempo depois fui
preso, quando a polícia do Oregon identificou a placa do carro que eu estava
dirigindo e descobriu que tinha sido comprado na Califórnia com um cheque
sem fundos. Fui acusado do crime federal de transporte interestadual de
veículo roubado e transferido para Portland (Oregon), para ser julgado no
tribunal regional federal daquela cidade. Eu me declarei culpado, com a
esperança de receber sursis, mas fui condenado a três anos na penitenciária
federal da ilha de McNeil por um juiz chamado Salomão.
Fiz amigos em McNeil Island. Juntos, incitamos os prisioneiros à resistência,
lemos Marx e Engels, Lênin e Mao, passamos a nos ver como seres políticos
em vez de criminosos e, finalmente, conseguimos instigar uma greve de
trabalho não violenta que durou treze dias, ao fim da qual fui enviado para a
solitária, onde me foi dito que eu permaneceria até o término da minha pena.
A promessa foi cumprida.
Após dezoito meses em solitária, fui libertado da prisão e fui morar com a
mulher com quem tinha fugido da Califórnia; fui trabalhar para a Boeing
como operador de máquinas-ferramenta no setor de pesquisa e
desenvolvimento e me filiei ao Partido Comunista Revolucionário. Depois de
alguns anos, abandonei o PCR por causa de uma controvérsia ideológica e, em
pouco tempo, me envolvi com uma ralé de anarco-comunistas "liderada" pelo
meu antigo camarada da prisão de McNeil que se autodenominava, com
considerável grandiosidade, The George Jackson Brigade [Brigada George
Jackson].
Em pouco tempo, eu os tinha convencido a abandonar seus modos
anarquistas, parar de colocar bombas em supermercados e outros locais onde
gente pobre e trabalhadora tinha que ir comprar comida, e elaborar um plano
para sabotar o fornecimento de energia elétrica a Laurelhurst, o bairro mais
rico de Seattle, em apoio à greve dos trabalhadores da companhia
elétrica. Pensamos que isto atrairia a atenção deles, fazendo-os perceber em
que medida o seu conforto dependia do trabalho dos outros.
Na véspera de ano novo de 1970, cortamos o fornecimento de energia elétrica,
não sem antes ligar para a polícia e a mídia, garantindo assim que a nossa
ação seria transmitida ao vivo e em cores pela televisão. Foi um sucesso
espetacular. A greve foi encerrada, e nós passamos a roubar bancos. Menos de
um mês depois de Laurelhurst, tentamos roubar um banco móvel em Tukwila
(Washington), e fomos pegos no ato. Um de nós foi baleado e morreu; eu fui
atingido por um tiro no queixo e retornei à prisão, juntamente com o meu
antigo camarada.
Não fiquei preso por muito tempo. Fugi seis semanas depois, com a ajuda dos
companheiros que tinham conseguido escapar do banco, e deixamos a cidade
por algum tempo, para nos recuperar e reunir nossas forças. Retornamos um
ano depois, para roubar bancos, sabotar instituições capitalistas e provocar
consternação em nossos inimigos. Conseguimos continuar fazendo somente
isso por mais ou menos um ano, até que fomos capturados novamente,
julgados e condenados.
Os julgamentos por si só mereceram atenção considerável, mas há um limite
para o drama que pode ser inserido nesta biografia breve. Fui enviado para a
prisão. Após os julgamentos, e antes de ser transferido para a prisão, casei-me
com a investigadora indicada pelo tribunal, em uma cerimônia no próprio
tribunal federal, à qual compareceram vários agentes do FBI, ostensivamente
armados. Um casamento na ponta da espingarda, literalmente.
Fui condenado a um total de trinta anos, um ato de clemência que fez o
promotor público quase ter um derrame. Fui enviado à Penitenciária Federal
de Lompoc, da qual escapei, com a ajuda da minha esposa, um par de meses
depois.
Fui então incluído na lista dos dez mais procurados do FBI mas, desta vez,
estava determinado a me comportar. Nos mudamos para Golden (Colorado),
onde consegui um emprego como operador de máquinas-ferramenta de
precisão na Sundstrand, uma companhia aeroespacial em Denver. Tudo
estava indo muito bem, até que eu organizei uma campanha pela
sindicalização dos trabalhadores da companhia, que era furiosamente
antissindicalista, em um estado famoso por sua feroz oposição à formação de
sindicatos. Fui demitido, porém mais tarde recebi uma indenização de bom
tamanho por violação das leis trabalhistas que consideram ilegal a demissão
de um empregado por causa de atividades sindicais. Eu tinha construído uma
reputação de altíssima produtividade e precisão em meu trabalho, o que
tornou impossível à Sundstrand alegar demissão por justa causa.
Um par de anos após a minha fuga de Lompoc, cometi um erro, nós fomos
descobertos, e fui enviado de volta à prisão federal em Marion (Illinois), que
na época era o "fim do caminho", já que se destinava aos "piores dos piores".
No sistema penitenciário federal, a transferência de prisioneiros a cada dois
ou três anos é coisa de rotina e, ao longo dos anos, cumpri pena nas seguintes
prisões: Lewisburg (Pensilvânia); Atlanta, (Geórgia); Terre Haute (Indiana);
Talladega (Alabama); Terre Haute (Indiana) mais uma vez; El Reno
(Oklahoma); Bastrop (Texas); Sheridan (Oregon); Englewood (Colorado) e,
por fim, Florence (Colorado).
Durante os anos que passei na prisão, estudei filosofia, física, metafísica, etc.
Nos primeiros anos, atraído pela celebração despudorada de uma realidade
mística, me converti ao catolicismo. Muito mais tarde, em 1993, em uma
prisão federal em Littleton, Colorado (FCI Englewood), eu me envolvi com os
budistas do Instituto Naropa, em Boulder, que visitavam a prisão
regularmente. Em pouco tempo, eu entendi os ensinamentos e obtive sucesso
em minha prática. Os budistas estavam muito satisfeitos comigo e
rapidamente trouxeram um lama tibetano à prisão e eu fiz votos de
bodhisattva e refúgio. Em 1994, com quinze anos de pena cumprida, uma
mestra espiritual americana chamada Gangaji veio à prisão. Em sua presença,
descobri que era paz, liberdade e amor incondicional. Passei o ano seguinte
em um estado extremado de felicidade suprema e com uma visão clara da
realidade da unicidade de todo ser. Após um ano repleto de experiências de
felicidade suprema e bem-aventurança, seguiu-se um ano no inferno, em que
perdi tudo que tinha alcançado. Caí em um desespero abjeto. Finalmente, em
desespero, voltei-me para Ramana Maharshi. Concentrei toda a minha energia
em um único projeto: descobrir o que ele sugeria que fizéssemos. Eu queria
encontrar uma ação que poria um fim ao meu tormento ou provaria, como eu
suspeitava, que no final das contas, tudo aquilo era irrealizável e sem
esperança.
Estes esforços para verificar por mim mesmo se havia realmente alguma coisa
a ser vista puseram fim ao medo e ódio da vida que tinham sido a causa de
todos os problemas durante toda a minha vida. O resultado desta perda foi
uma perfeita intimidade com a vida, que continua a revelar para mim o
absoluto deslumbramento que é a vida de um ser humano comum no estado
natural de ser humano.
Em 1998, saí da prisão em liberdade condicional e fui trabalhar na Fundação
Gangaji em Boulder, no estado do Colorado. Seis meses depois, a fundação se
mudou para Novato, na Califórnia, e eu fui junto. Trabalhei na Fundação
Gangaji como gerente de computação até julho de 1999.
Em 1999, numa sexta-feira à tarde, Carla e eu descobrimos, sem aviso prévio,
que estávamos destinados a viver uma vida juntos. Na segunda-feira
seguinte, oferecemos nossa primeira reunião pública (em Palo Alto, na
Califórnia) e, na quarta-feira à tarde, nos casamos em uma cerimônia no
gramado da casa de nossos amigos em São Rafael, com vista para a baía de
São Francisco.
Estamos juntos desde então, e continuamos oferecendo reuniões. Desde
agosto de 2001, moramos em Ojai, na Califórnia, com o nosso magnífico gato
da raça Maine Coon, Switters. Meu período de liberdade condicional
terminou em 2007.
John Sherman
September 2005
JustOneLook.org
Traduzido por Carla Sherman