A nova ocupação da Amazônia”, do jornal O Estado de S. Paulo

Transcrição

A nova ocupação da Amazônia”, do jornal O Estado de S. Paulo
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 1 DE JUNHO DE 2014
E&N
Gigante dos
alimentos
China em
reforma
JBS faz mudança
‘relâmpago’ no
controle acionário
Sob o comando de
Xi Jiping, governo
propõe mudanças
Pág. B6
Págs. B12 a B14
ECONOMIA & NEGÓCIOS
Reportagem Especial *
17 milhões
de habitantes é a população estimada do Norte em projeção feita
pelo IBGE no ano passado. Até 2015, serão 18,2 milhões
A nova ocupação da Amazônia
AMAZÔNIA ATRAI R$ 130 BI E
ENFRENTA NOVOS PROBLEMAS
Usinas, portos e minas geram riqueza, mas podem provocar desequilíbrios sociais e ambientais
Renée Pereira / TEXTOS
Sérgio Castro / FOTOS
ITAITUBA (PA)
A riqueza mineral
e o potencial da
bacia hidrográfica
fizeram da Amazônia um novo foco
de investimentos do Brasil. Até
2022, o volume de obras anunciadas na região soma mais de R$ 130
bilhões, entre projetos de mineração, hidrelétricas e terminais portuários. Muito ainda deve vir pela
frente, já que há vários estudos em
andamento. O problema será contornar os impactos ambientais que
boa parte dos projetos trarão para
a região.
Os empreendimentos vão ajudar
a turbinar a economia do Norte. Estudo da consultoria Tendências
mostra que, entre 2015 e 2018, os
Estados da região vão crescer 3,8%
ao ano – acima da média nacional
de 2,9%. A renda familiar deverá seguir o mesmo ritmo e subir mais
que o resto do País: 3,8%, ante
3,0%. Consequentemente, a população aumentará 1,35% ao ano no
período (no Sul e Sudeste, a taxa ficará em 0,7%). Pelas últimas previsões feitas pelo IBGE, no ano pas-
sado, o Norte alcançou 17 milhões de
habitantes. Até 2015, serão 18,2 milhões. Nesse período, a taxa de desemprego terá ligeira queda, dos
atuais 6,6% para 6,4%.
A partir de hoje, o Estado publica
uma série de reportagens sobre o novo ciclo de investimentos na Amazônia, os reflexos na vida da população
local e na comunidade indígena e os
impactos nas áreas de preservação
ambiental. Os empreendimentos têm
sido motivo de preocupação entre governantes locais e ambientalistas, que
questionam os benefícios dos projetos bilionários. “O País precisa rever
seu olhar sobre a Amazônia e redesenhar o padrão de ocupação da região.
Caso contrário, daqui a 30 anos estaremos discutindo a coexistência entre crescimento e pobreza”, argumenta o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB).
Com o esgotamento de potenciais
hidrelétricos e o estrangulamento do
sistema portuário das Regiões Sul e
Sudeste, a solução tem sido erguer
usinas e portos no Norte. O movimento começou com as usinas do Rio Madeira e Belo Monte e deve seguir com
outros 13 mil megawatts (MW) nos
próximos dez anos. “Cerca de 60% do
potencial hidrelétrico está na Região
Norte, mas sabemos que apenas uma
Cenário. Vista do trecho urbano da cidade de Itaituba pelo Rio Tapajós
parte será explorada”, afirma o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim.
Para permitir o início dos estudos
de São Luiz do Tapajós e Jatobá, as
próximas usinas a serem leiloadas, a
presidente Dilma Rousseff criou uma
medida provisória e alterou os limites do Parque Nacional da Amazônia
e de uma série de florestas, campos e
áreas de preservação ambiental. “Essa é uma das questões mais delicadas
na discussão sobre as hidrelétricas do
Tapajós. Não faz sentido ter critérios
para criar uma área de preservação e
não ter nenhum para diminuir essa
mesma área”, critica o superintendente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Jean-François Timmers. Nada garante que em outros casos medida semelhante seja adotada.
Além das questões ambientais, as
últimas construções têm provocado
sérios problemas sociais, como o in-
chaço populacional em cidades
com infraestrutura precária. Quando um projeto de bilhões de reais
chega a um pequeno município,
quase sempre com ausência do Estado e indicadores precários, ele
desestabiliza o pouco de equilíbrio
que a população tem, afirma o governador do Pará. Segundo ele, embora seja o segundo maior saldo da
balança comercial brasileira, grande produtor de energia e de minério e ter o 4.º ou 5.º maior rebanho
de gado, o Pará tem uma renda per
capita de um pouco mais da metade da média nacional.
No caso dos portos, o impacto
tende a ser menor durante as
obras. Mas, com o aumento de caminhões nas estradas rumo aos terminais e a expansão dos comboios
nos rios, o cotidiano da população
local muda radicalmente. E a captura de benefícios é ainda mais difícil. Os terminais são operados por
poucas pessoas, já que têm um elevado grau de automatização. “Na
década de 70, fomos válvula de escape para a reforma agrária. Agora
vamos ser para o esgotamento da
logística? Não queremos ser apenas um corredor de passagem.
Queremos que tenha projetos que
agreguem valor aqui”, diz Jatene.
WELCOME TO OUR WORLD
w
Thom Richard é um dos raros pilotos do planeta a ter o talento, a experiência e a coragem para disputar a
final das célebres Reno Air Races – o desporto motorizado mais rápido do mundo. Menos de dez campeões são
capazes de se confrontar a cerca de 800 km/h, asas contra asas, correndo risco de vida, a alguns metros do solo.
É para esta elite de aviadores que a Breitling concebe os seus cronógrafos, instrumentos robustos, funcionais
e de altas performances, todos equipados com movimentos, cronômetros certificados pelo COSC – a mais alta
referência oficial, em matéria de confiabilidade e precisão. Bem-vindo ao mundo da Breitling.
CHRONOMAT 44
FABRIZIO BENSCH /REUTERS
B1
%HermesFileInfo:B-1:20140601:
B2 Economia
%HermesFileInfo:B-2:20140601:
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 1 DE JUNHO DE 2014
CELSO
MING
[email protected]
Pecados capitais
A
sucessãoderesultadosmedíocres do PIB e de inflação alta
demais (à altura dos 6,0% ao
ano) ao longo do governo Dilma não
pode ser atribuída à crise global, como alega o ministro Guido Mantega.
Esta é, em si mesma, uma alegação
incoerente. Se a situação externa tivessetanta influência,a inflação estariaemtorno dezero,comolá. Ereclamar da desaceleração do crédito não
tem pé nem cabeça. Não é também
esse efeito que procura uma política
monetária restritiva, como a de hoje?
A má condução da economia, num
cenárioexternodesfavorável,éverdade,masmarcadaporescolhasequivocadas, é a única explicação para essa
cadeia de frustrações.
A desarrumação começou ainda
em2011,quandoogovernoDilmapre-
tendeu ativar o avanço econômico com
uma política fiscal frouxa e derrubada
acentuada dos juros (até abril de 2013),
acompanhada de uma política de desvalorização da moeda (alta do dólar), para
ativar o consumo.
Ajustificativaparaessearranjofoiade
queseprecisoumontarumapolíticaeconômicacontracíclicaparaenfrentaraestagnação. Até mesmo os pressupostos
da manobra são equivocados. Não basta
estimular o consumo com mais despesaspúblicasejurosartificialmenteachatados,numquadrodebaixacompetitividadedaindústria.Oaumentodademanda passou a ser atendido com mais importações e, apesar do bom desempenhodosetoragrícola,provocou deterioração nas contas externas. O mergulho
prematuro dos juros em 2011, acompanhado da política de desvalorização do
FRUSTRAÇÕES
●
Brasil: crescimento do PIB e
inflação em 12 meses
EM PORCENTAGEM DO PIB
6,5
2,7
2011
2,3
2012
6,5
5,7
1,6
1,0
2013
2014*
*Projeções da Pesquisa Focus de 26/maio
FONTES: IBGE E BANCO CENTRAL
INFOGRÁFICO/ESTADÃO
real, além de não ampliar o mercado externo para o setor produtivo, causou
mais inflação. Para evitar a escalada dos
preços, o governo optou pelo represa-
Editorial econômico
CONFIRA
●
Participação das atividades
no PIB, em 2013
Agropecuária
5,7%
Serviços
Indústria
69,3%
25%
FONTE: IBGE
INFOGRÁFICO/ESTADÃO
Aí está a participação dos três principais setores da economia no bolo do
PIB. (Não há dados de 2014.)
●
Agronegócio
O desempenho do setor agropecuário (crescimento de 3,6% no primeiro
trimestre sobre igual período do ano
passado) foi o que impediu um desastre total do PIB, apesar da precariedade da infraestrutura, que mantém
elevados os custos de produção. E,
no entanto, o governo Dilma continua
com o desmonte do setor do etanol,
na medida em que mantém artificialmente baixos os preços da gasolina.
Opinião
O impasse dos fundos de pensão
Poupança menor não afeta
o crédito à moradia
Houvemaisretiradasdoquedepósitosemcadernetas
de poupança, em
abril, o que não
chegou a afetar os
empréstimos habitacionais, que
cresceram,noSistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), 10% em relação a
abril do ano passado, de R$ 8,3 bilhões para R$ 9,2 bilhões, e de 11%
em relação a março. Os empréstimos à casa própria no SBPE, majoritariamente destinados à classe média,sãooaspectomenospreocupante do mercado imobiliário, que enfrenta uma desaceleração, em São
Paulo, segundo os levantamentos
do sindicato da habitação (Secovi).
No primeiroquadrimestredo ano
passado, os depósitos de poupança
registraram aumento líquido de R$
9 bilhões, mas no mesmo período
deste ano o crescimento líquido foi
de apenas R$ 3,6 bilhões – e R$ 736
milhões foram sacados em abril.
Ainda assim os saldos das cadernetas cresceram de R$ 404,9 bilhões,
em abril de 2013, para R$ 480,4 bilhões, em abril último.
O aumento das retiradas da poupança se explica pela queda do poderaquisitivodossaláriosdecorrente da inflação e pela necessidade de
cobrir gastos correntes, mas também pelo elevado endividamento
5,8
mento das tarifas de energia, dos combustíveis e dos transportes urbanos. A
reviravolta da política de juros em 2013
nãofoisuficienteparasegurarainflação.
Tudo isso junto derrubou a confiança
do setor produtivo e do consumidor. O
Tesouro está esgotado porque gastou
emexcessoefezrenúnciasdemaisàarrecadação de impostos. Não consegue
manterseufocoanticíclicoquandomais
precisa dele para reativar a economia.
O governo Dilma descobriu tarde que
a ênfase no consumo, sem acionamento
doinvestimento,produziriaaderrapada
em curso. A abertura às concessões de
serviços públicos também não deslanchou, por falhas de gerenciamento do
mesmo tipo das que causaram atraso e
desperdício nas obras da Copa.
ComoocorreucomoTesouro,oavanço ao patrimônio das joias da coroa, como Petrobrás e Eletrobrás, sacrificou a
capacidade de investimento e derrubou
setorespromissoresdaeconomia,como
o do etanol e o da produção de energia
alternativa.
Há quem argumente que a economia
só precisa de uns ajustes. Não é verdade.
Alémdeumaforterecalibragemnosfundamentos para que voltem a dar sustentabilidade ao crescimento, a economia
precisa de reformas. E isso, por sua vez,
exige uma custosa transferência de contas a pagar para toda a sociedade.
✽
●
SUELY
CALDAS
das famílias e, em especial, pelo
avanço dos juros. Esse avanço tem
dois efeitos imediatos: eleva o valor
dasprestaçõesnasoperaçõesdecrédito e desloca aplicações em caderneta para outras modalidades, tornadas mais competitivas pela alta
da Selic, de 7,25% para 11% ao ano,
interrompida agora pelo Copom.
Se não houve impacto sobre as
operações ativas de crédito a imóveis, é porque há uma sobra histórica de recursos no SBPE, que só tenderãoaesgotar-se,segundoespecialistas, em mais dois ou três anos. E,
se isso de fato ocorrer, os bancos
poderão se valer de mecanismos de
captaçãojábastanteconhecidos,como as letras de crédito imobiliário e
os certificados de recebíveis imobiliários (CRIs).
Havendo demanda forte, mais de
550 mil imóveis foram financiados
nos últimos 12 meses, um crescimento da ordem de 20% em relação
aos 12 meses passados. E quase 700
mil unidades foram financiadas no
primeiro quadrimestre, 16% mais
do que em igual período de 2013.
Os dados sugerem que o ritmo de
crescimento do crédito habitacional apresenta uma acomodação,
após a elevação do montante de empréstimos em quase 32%, entre 2012
e 2013. Acomodação, entenda-se,
perfeitamente explicável pela preocupação dos trabalhadores com os
rumos da economia.
O
s fundos de pensão de empresas estatais voltaram a ocupar
espaço na mídia com denúnciasdefraudesfinanceirasedesviosde
dinheiro como não se via há anos. O
Petros (fundo da Petrobrás) perdeu
R$ 1 bilhão no falido Banco BVA, em
queoBancoCentralencontrouumempréstimoilegaldeR$100milhõesfeito
pelo fundo à empresa Providax, ligada
a diretores do BVA, e que jamais seria
pago. A Comissão de Valores Mobiliários(CVM)identificouoperaçõesfraudulentas no Postalis (Correios), entre
elas um aporte de R$ 40 milhões feito
ao Banco BNY Mellon, por influência
de acusados na Operação Lava Jato da
Polícia Federal, e que resultou em graveprejuízoparaofundo,informaojornal O Globo. Previ (Banco do Brasil),
Funcef (Caixa Econômica) e Petros
são acusados por seus aposentados de
realizarem investimentos de baixa ou
de nenhuma rentabilidade para atender a interesses do governo federal, lesando o patrimônio dos três fundos.
Os funcionários dessas estatais passaram a reagir em defesa de seu patrimônio e a resposta começou a chegar,
na semana passada, com a eleição de
novos diretores independentes para o
Funcef e o Previ, derrotando a chapa
apoiadapelaCentralÚnicadosTrabalhadores (CUT) e pelo Palácio do Planalto. Insatisfeitos com gestões que
cuidamdeinteressesdogovernoedes-
protegemagarantiadepagamentodas
aposentadorias,funcionáriosepensionistas da Caixa Econômica e do Banco
doBrasilrejeitaramoscandidatoschapa branca que engoliram há anos por
pressão política sindical e despejaram
seusvotosemopositorescomprometidos com uma gestão focada no lucro e
maximização do patrimônio. Foi um
golpe para o governo federal, que tem
recorrido ao capital desses fundos para tapar buraco de empresários privados que têm desistido de investimentospatrocinadospelogoverno,sejapelograuderiscoouporconsiderá-losde
rentabilidade duvidosa.
Nopassado,osfuncionáriosdeestataisnãoprecisavamfiscalizarseusfundosporqueelesnuncaarriscavamperdas:asregraslhesgarantiamaposentadorias de valores definidos e, se o fundoapresentasserombo,aestatalpatrocinadoraocobria,obviamentetransferindo o ônus para todos os brasileiros,
seusacionistas.NogovernoFHCasregras começaram a mudar e os prejuízos passaram a ser obrigatoriamente
divididos entre empresa e participantes – os aposentados com redução do
benefícioefuncionáriosativoscomaumentodascontribuições.Apopulação
ficou livre de mais esse ônus.
Porém,asregrasdeescolhadosdiretoresnãomudaram:metadedeleséindicada pela estatal patrocinadora e a
outra metade, em eleição direta por
funcionários e aposentados. Foi o temor de ver seu benefício reduzido de
valor que tem levado os participantes,
principalmente os aposentados, a se
preocuparem com o desempenho fi-
nanceiro do fundo e fiscalizar seus investimentos.Ecomeçaramaseorganizar para derrotar o governo e os sindicatos na eleição da diretoria. A chapa
vencedora no Previ é liderada por um
ex-presidente da Associação Nacional
de Aposentados do Banco do Brasil.
TambémnoPetroscresceomovimento crítico à gestão da atual diretoria e o
Conselho Fiscal acaba de reprovar as
contasde2013,queapuraramumrombo calculado em R$ 7 bilhões.
A função central da diretoria de um
fundo de pensão é administrar a poupançaacumuladaaolongodosanospela empresa e seus funcionários, tendo
por foco multiplicar o patrimônio que
vai garantir o pagamento de aposentadorias – no presente e no futuro. No
Brasil, fundos de empresas privadas
costumamterceirizaressafunçãoainstituições financeiras especializadas,
submetidasaresultados,cobradasefiscalizadas por representantes da empresaedosfuncionários.Naestatal,os
gestores são os próprios funcionários
da empresa, muitos deles despreparados para exercer a função e que entregam certas operações parabancos, pagando comissões elevadas e que geramdesconfiançadosparticipantes.Isso sem contar as operações suspeitas
de aplicação de dinheiro em empresas
fantasmas ou falidas, que causam perdas para o patrimônio do fundo e ganhos para seus diretores.
✽
JORNALISTA, É PROFESSORA DE
COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO.
E-MAIL: [email protected]
Panorama Econômico
PEDRO PASSOS COELHO
CLODOALDO HUGUENEY
EDUARDO SANOVICZ
PRIMEIRO-MINISTRO DE PORTUGAL
EX-EMBAIXADOR DO BRASIL NA CHINA
PRESIDENTE DA ABEAR
“Vamos anunciar, na hora oportuna, como vamos
superar essa enorme frustração (veto da Justiça a
corte de salários).”
“A China cresceu quase 10% ao ano em 40 anos, mas
isso gerou renda concentrada e queda do consumo
como parcela do PIB.”
“A redução do preço do querosene é essencial para
ampliar a aviação no País. Se o preço cair, mais regiões podem receber voos.”
EUROPA
AVIAÇÃO
Espanha prepara pacote Bombardier interrompe
de estímulo à economia testes com jato CSeries
O primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, disse ontem que seu governo vai anunciar um pacote de estímulo de
€ 6,3 bilhões para impulsionar
a economia. Segundo ele, o plano pretende “mobilizar” €2,7
bilhões do setor privado e outros € 3,5 bilhões da governo.
Os detalhes do pacote serão
anunciados na sexta-feira.
O novo jato CSeries da Bombardier sofreu um “incidente
de motor” enquanto estava estacionado, o que fez a empresa
interromper os testes com o
avião. Esse é mais um revés para a entrada da Bombardier no
mercado de jatos menores, prevista inicialmente para o fim
de 2013, A data foi adiada para
o segundo semestre de 2015.
MERCADO FINANCEIRO
“Há uma carência
generalizada na
América Latina de
investimento em inovação.
Sem isso, a produtividade
das empresas crescerá
abaixo das outras regiões,
trazendo expansão menor
na economia.”
Jamele Rigolini
GERENTE DE DESENVOLVIMENTO
HUMANO PARA OS PAÍSES ANDINOS DO
BANCO MUNDIAL
BRIAN SPURLOCK/USA TODAY SPORTS
FBI e SEC investigam
jogador de golfe
● Internet
O FBI e o órgão regulador de
mercados dos Estados Unidos
(SEC) estão investigando um
possível uso de informação privilegiada envolvendo o investidor bilionário Carl Icahn, o jogador de golfe Phil Mickelson
e o apostador William Walters
de Las Vegas, disse a Reuters
uma fonte próxima a questão.
A investigação se concentra
solicitações foram enviadas ao
Google por europeus que querem excluir seus dados do resultado das buscas. A empresa começou a oferecer um formulário
para solicitar a retirada de informações após o Tribunal de Justiça da União Europeia reconhecer
no dia 16 o direito dos cidadãos
de serem “esquecidos” na web.
12 mil
em operações suspeitas com
ações da fabricante de produtos de limpeza Clorox por Walters e Mickelson, um dia antes
Icahn anunciar uma oferta para adquirir a empresa em 2011.
B4 Economia
%HermesFileInfo:B-4:20140601:
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 1 DE JUNHO DE 2014
Reportagem Especial *
30% dos carros
e comerciais leves são de caminhonetes (nacionais e importadas).
Muitos não têm casa, mas têm uma caminhonete ‘traçada’
A nova ocupação da Amazônia
FOTOS SERGIO CASTRO/ESTADÃO
GARIMPO
MARCOU
HISTÓRIA
DA CIDADE
Mineração e venda de ouro representam
mais da metade da economia de Itaituba
Beneficiamento. Ouro é transformado em barra numa casa de compra do metal em Itaituba, no Pará
Renée Pereira / TEXTOS
Sergio Castro / FOTOS
ITAITUBA (PA)
A diversidade do
Vale do Rio Tapajósfoiumdosgrandes responsáveis
pela ocupação de
Itaituba,quehoje ostentatítuloscomo Cidade Pepita e Província Mineral. A história de cada morador do
município tem uma passagem pelo
garimpo, algumas bem-sucedidas,
outras nem tanto. Maria de Lourdes
Linharesda Silvaviveu asduasexperiências. Ainda mocinha, deixou o
Maranhão rumo a Itaituba para trabalhar no garimpo, onde o irmão já
estava há algum tempo. Não tinha
ideia do que era uma mina de extração de ouro.
Aochegarnolocal,foiencaminhada para uma casa de prostituição.
Por sorte, foi resgatada pelo irmão,
que queria enviá-la de volta para o
Maranhão. Mas Maria de Lourdes
● Economia
dourada
430
é o número de pistas de pouso no
Vale do Tapajós
bateu o pé e encontrou uma forma de
ganhar dinheiro: cozinhava, lavava e
passava para os garimpeiros. Em troca
recebia ouro. “Juntei 150 gramas (de
ouro), fui para Manaus, comprei várias
mercadorias e comecei a vender no garimpo.” Aos poucos, montou uma loja
para atender os trabalhadores. “Com o
dinheiro, comprei terra e casa em Itaituba”, conta ela.
Personagens como Maria de Lourdes estão espalhados por todos os cantos de Itaituba. Nem todos, no entanto, gostam de falar do garimpo. Muitos
fizeram do ouro o trampolim para negócios mais sólidos. Viraram donos de
empresasde aviões,comércio erestaurantes. Muitos garimpeiros, no entanto, continuam sem dinheiro e sem patrimônio. Reinvestiram tudo na exploração de ouro, sonhando em fazer uma
fortuna que até hoje não veio.
Na cidade do ouro, as caminhonetes
(nacionais e importadas) – sonho de
consumodemuitos brasileiros–representam 30% dos automóveis e comerciais leves. Os moradores dizem que
muitos não têm casa própria, mas têm
uma caminhonete “traçada” (com tração nas quatro rodas). Uma Hilux
2010, por exemplo, está na casa de R$
99 mil.
Cidade Pepita.
Comércio de
ouro é principal
atividade
econômica
de Itaituba
Economia. Hoje a mineração e o co-
600
é o número de pontos de exploração
de ouro na região
400 e 800 kg
de ouro circulam pela região por mês
mércio de ouro representam mais da
metade da economia de Itaituba, por
onde circulam entre 400 e 800 quilos
do metal por mês. “Infelizmente, uma
parte vem do garimpo ilegal”, afirma o
presidente da Associação Nacional do
Ouro (Anore), Dirceu Frederico.
Ele conta que há cerca de 430 pistas
depousonoValedoTapajóse600pon-
tos de exploração do mineral na região, considerada a maior área em extensãoterritorial domundocom registro de ouro. “Ali também temos o mais
antigo vulcão do mundo, o que possivelmente pode explicar a diversidade
geológica que há na área, com ocorrência de ouro, diamante, ametista, ferro,
manganês,entreoutros”, diz Frederico.
Toda essa diversidade tem reflexosemItaituba.Numadasruasprincipais da cidade, na Travessa 13 de
Maio, entre lojas de armarinho, restaurantes e hotéis, vários Distribuidores de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM) e joalherias se destacam com letras garrafais anunciando a compra de “Ouro”. Num passeio pelas ruas da cidade é muito comumencontrar funcionáriosdas lojas beneficiando o ouro ou pessoas
encomendando joias exclusivas.
São dezenas de lojas, instaladas
ao lado do concorrente. Algumas
não seguem as regras para a compra
de ouro, como a exigência de certificações para a exploração. Normalmente, essas lojas pagam mais pelo
ouro do que as lojas legalizadas. “Se
na bolsa o ouro está R$ 91, as lojas
legalizadas compram por R$ 87,5 o
grama. As demais compram por R$
90. Esse ouro está indo para outros
mercados que não é o de joias”, diz o
presidente da Anore.
Frederico afirma que boa parte
da exploração no Vale do Rio Tapajós é feita de forma manual, sem
grandes tecnologias. Alguns usam
escavadeiras hidráulicas, que melhoram a produtividade da mineração. Mas são poucas as grandes empresas que estão na região, afirma
Frederico. “Nos últimos 60 anos,
foram extraídos cerca de 700 toneladas de ouro do Tapajós. Podemos
dizer que isso representa um terço
do potencial da região. Ainda há
um potencial magnífico a ser explorado.”
POTENCIAL HIDRELÉTRICO
Bacia do Amazonas*
● Aproveitamentos que
estão sendo estudados
pelo governo federal
Complexo
Hidrelétrico do
Tapajós prevê a
construção de 5
usinas nos rios
Tapajós e
Jamanxim
Projetos
SUB-BACIA EM MEGAWATTS
AM
PA
RIO
TAPAJÓS
EM ESTUDO OU JÁ LEILOADOS
Floresta
Nacional
do Tapajós
OCEANO
ATLÂNTICO
N
Belém
Itaituba
Parque Nacional
da Amazônia
Manaus
Miritituba
B
AM
2
R-
30
TAPAJÓS
6.875 17.841
XINGU
5.681
MADEIRA
13.144 1.556
TROMBETAS
1.491
4.745
NEGRO
0
4.184
JARI
318
1.373
BRANCO
419
660
PARU
820
118
PURUS
213
213
MAECURU
161
161
OIAPOQUE
0
250
NHAMUNDÃ
0
110
UATUMÃ
75
0
Trairão
MA
PA
SÃO LUIZ DO
TAPAJÓS
JATOBÁ
Porto Velho
RO
Bela Vista
do Caracol
CACHOEIRA
DO CAÍ
TO
Jatobá
MT
BR
JAMANXIM
-16
3
BOLÍVIA
Cuiabá
GO
CACHOEIRA
DOS PATOS
SEM RESTRIÇÕES
COM RESTRIÇÕES
17.114
29.196 mw
TOTAL
47.862 mw
sem
restrições
ambientais
77.058
com
restrições
ambientais
mw
*Alguns potenciais já foram aproveitados
FONTES: EPE, PLANO NACIONAL DE ENERGIA 2030
NORTE TEM 60%
DO POTENCIAL
HIDRELÉTRICO
A
Região Norte detém 60% de
todo potencial hidrelétrico
doBrasil.Mas,segundooúltimo Plano Nacional de Energia, elaborado pela Empresa de Pesquisa
0
Energética(EPE), boapartetemrestrições ambientais para exploração. O
presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, afirma que, para os próximos
dez anos, a expectativa é construir cerca de 13 mil megawatts (MW) de energia dentro da Bacia do Amazonas, incluindo São Luiz do Tapajós e Jatobá,
no Rio Tapajós.
Tolmasquim afirma que o Norte é a
grande fronteira hidrelétrica do País.
“Mas essa também é a região com
maior riqueza de biodiversidade (de
faunaeflora)ecomgrandescomunidades indígenas.” Segundo ele, o grande
desafio é saber que parte do potencial
hidrelétricopoderáser usadosem causar risco ao patrimônio ecológico.
“A tendência é ficar cada vez mais
restritivopara a construçãodehidrelétricas na Amazônia.” Por isso, a solução será apostar em novas fontes de
energia, como as eólicas e as termoelétricas.Tolmasquim explicaquea parti-
5000
10000
cipação das hidrelétricas na matriz
energética deverá cair de 69% para
59% nos próximos dez anos. Isso não
significa que o País deixará de construir hidrelétricas no País, mas que outras fontes ganharão mais peso no planejamento, diz ele.
O professor da USP, José Goldemberg, ex-secretário de Meio Ambiente
de São Paulo, defende a diversificação
da matriz elétrica, com o aumento da
participação das eólicas e biomassa.
15000
20000 INFOGRÁFICO/ESTADÃO
25000
“Estão negligenciando o enorme
potencial do bagaço de cana na produção de energia elétrica.” Na avaliação dele, no entanto, essa diversificação não significa abandonar a
construção de hidrelétrica, mesmo
que seja na Amazônia. Mas é preciso ser feito com cuidado, prevendo
todas as mitigações possíveis, diz
ele. “As compensações precisam
ser feitas com planejamento e custam caro.”
B8 Economia
%HermesFileInfo:B-8:20140608:
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 8 DE JUNHO DE 2014
Reportagem Especial ✽
“O corredor norte é a maior obra
de expansão do País”
ANTONIO HENRIQUE PINHEIRO SILVEIRA,
A nova ocupação da Amazônia
MINISTRO DOS PORTOS
EXPORTAR PELO
NORTE COMEÇA A
VIRAR REALIDADE
Complexo portuário no Pará impulsiona outros projetos
Renée Pereira / TEXTO
Sergio Castro / FOTOS
MIRITITUBA (PA)
O estrangulamento do sistema portuário das Regiões
Sul e Sudeste acelerou os planos da
iniciativa privada para abrir um novo corredor de exportação, mais
curto e até 35% mais barato. Sonho
antigo dos empresários do agronegócio, a chamada “saída pelo norte” começou a virar realidade no
fim de abril, quando a americana
Bunge inaugurou o complexo portuário em Miritituba e Barcarena, no Pará. Daqui para a frente, uma série de
outros projetos estão programados
para sair do papel.
Dados da Secretaria de Portos (SEP)
mostram que há mais de R$ 5,5 bilhões
de investimentos na Amazônia, entre
áreasqueserão arrendadaspelogoverno federal e Terminais de Uso Privativo já autorizados. Há ainda uma série
de projetos aguardando autorização
da Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq) ou ainda em estudos que não estão computados nessa
conta, como os projetos da Cianport,
Odebrecht, Unirios e Caramuru Alimentos. “O corredor norte é a maior
obra de expansão do País”, afirma o
ministro de Portos, Antonio Henrique
Pinheiro Silveira.
Abuscapornovasalternativaslogísticavirouprioridadecomamudançageográfica do agronegócio. Com os maiores produtores de grãos instalados no
norte de Mato Grosso, a saída natural
eram os portos do Norte. Mas, com a
falta de capacidade dos terminais, quase toda a safra era – e ainda é – escoada
pelos portos do Sul e Sudeste, em especial Santos e Paranaguá (distantes
2.250 km e 2.350 km, respectivamente,
de Sorriso). Cansados de conviver com
congestionamentos gigantes, que todo
ano se formam nas rodovias que ligam
esses portos, várias empresas deram
início a uma série de projetos.
Emtrêsanos,ovolumedemovimentação de grãos pelo Norte deverá quadruplicar, saindo de 5 milhões de toneladas para até 20 milhões de toneladas,
afirma o ministro de portos. Segundo
ele, os sistema do Sul e Sudeste não
vão perder carga, mas todo o acréscimo de safra será transportado pelo novo corredor, que consolida no País o
conceito de intermodalidade. A rota
de exportação pelo Norte interliga rodovia, rio e mar.
Miritituba e Santarenzinho, na beira
do Tapajós, são os locais com maior
número de projetos, afirma o coordenador executivo do Movimento Pró
Logística, Edeon Vaz Ferreira. Segundo ele, a lista de empresas inclui
Cianport, Hidrovias do Brasil (do Pátria), Cargill, Unirios, Amaggi,
Dreyfus, Odebrecht e Bertolini. Alguns desses investidores também
apostam em terminais na ponta final.
O complexo da Cianport, empresa
formada por Agrosoja e Fiagril, prevê
uma estação de transbordo em Miritituba e um terminal em Santana, no
Amapá. O projeto, de R$ 350 milhões,
aguardaautorizaçãoda Antaq elicença
de instalação para iniciar as obras, diz
o diretor-presidente da companhia,
Cláudio José Zancanaro. A previsão é
que cada comboio de barcaças transporte 32 mil toneladas de grãos, o que
representa tirar 850 caminhões das es-
Investimentos
CORREDOR NORTE
● Nova
P
Porto de Santana
rota de exportação diminui custo e distância de viagem
RODOVIA
tradas. “De Miritituba, as barcaças vão
percorrer 300 km pelo rio Tapajós e
550 km pelo Amazonas até Santana.”
AHidroviasdoBrasiloptoupeloPorto de Vila do Conde. No momento, a
empresa aguarda a assinatura do contratocomaAntaqparacomeçaraconstruir o complexo, com terminais em
Miritituba e Vila do Conde, em Barcarena.Afrotaparanavegaçãojáfoiencomendada. São 140 barcaças e 5 empurradores, afirma Bruno Serapião, presidentedacompanhia.Segundoele,a expectativa é que o sistema esteja pronto
para entrar em operação em fevereiro
de 2016. “Na primeira fase, que vai durar entre 3 e 5 anos para maturar, o
complexo terá capacidade para transportar 4,4 milhões de toneladas.”
A gigante americana ADM também
escolheu Barcarena para instalar seu
terminal, com capacidade para 1,5 milhão de toneladas na primeira fase. O
empreendimento já foi concluído e
aguarda as últimas licenças para iniciar operação. Na segunda fase, prevista para 2016, o terminal poderá movimentar 6 milhões de toneladas. A multinacional disse que está finalizando
um projeto na região de Miritituba para fazer o transporte pelo Rio Tapajós.
Na opinião do consultor Frederico
Bussinger, diante de tanta prosperidadeoPaísnãopodecairnamesmaarmadilha do último ciclo de investimento
da Amazônia. “É preciso ter uma visão
de médio e longo prazos para incluir a
população nesse desenvolvimento.
Por enquanto, as cidades não participam desse avanço.”
Terminais de
uso privativo
HIDROVIA
TRECHO A SER LICITADO
● CIANPORT
● CARAMURU
● UNIRIOS
AMAPÁ
Vila do Conde
Terminais de
uso privativo
N
Porto de
Santana P
Macapá
Belém
Porto de
Santarém
Santarém
P
Porto de
Vila do Conde
6 ÁREAS ESTÃO PREVISTAS PARA SEREM
LICITADAS PELO GOVERNO FEDERAL
Itaituba
T
● Fora do eixo Miritituba Vila do Con-
de (PA) ou Santana (AP), outro empreendimento tem sido esperado
com ansiedade pelos produtores do
chamado Matopi (Mato Grosso, Tocantins e Piauí). Trata-se do Terminal de
Grãos do Maranhão (Tegram), no Porto de Itaqui. O empreendimento, de
R$ 600 milhões, está sendo tocado
por um grupo de empresas que inclui
Glencore, CGG Trading, Consórcio
Crescimento (formado pela francesa
Louis Dreyfus Commodities e a
Amaggi Exportação) e NovaAgri.
O primeiro dos quatro terminais do
Tegram deverá ser inaugurado entre
agosto e setembro. Até o fim do ano,
os outros três terminais entram em
operação, sendo um por mês. Inicialmente vão movimentar 5 milhões de
toneladas de grãos, podendo atingir
futuramente 10 milhões de toneladas.
A operação será feita por esteiras
que levarão os grãos até os carregadores (shiploaders) dos navios.
“Como as condições do porto são
boas, com uma profundidade de 15
metros, poderemos receber navios
de 75 mil a 80 mil toneladas”, afirma
Santarém
Arrendamentos
Saída. Terminal de grãos da Bunge começou a operar no fim de abril
o diretor de Logística da CGG Trading,
Luiz Claudio Santos. Ele conta 80% dos
grãos que chegarão ao terminal serão
transportados pela ferrovia Norte Sul e o
restante por rodovia.
Além dos investimentos no terminal,
as empresas também vão gastar cerca
de R$ 300 milhões para construir estruturas de armazenamento nas cidades do
interior. “Com o Tegram, será possível
explorar áreas que hoje estão ociosas.
Há cerca de 2 milhões de hectares no
Tocantins e outros 2 milhões de área de
pastagem degradada que podem ser
usadas para plantação de grãos.
PARÁ
Distrito
de Mirituba
(Interligação
rodo-hidroviária)
Miritituba e Santarenzinho
Terminais de
uso privativo
● BUNGE
● HIDROVIAS DO
●
●
●
●
●
BRASIL
● CARGILL
● UNIRIOS
CIANPORT
PASSARÃO
DREYFUS
ODEBRECHT
BERTOLINI
BR-163
ITIQUIRA - SINOP (MT)
Palmas
● concessão
TOCANTINS
Cabotagem. A expansão de terminais
na região deve fortalecer a cabotagem
no Brasil. Hoje muitos produtos feitos na
Zona Franca de Manaus vão até Santa
Catarina, por exemplo, de caminhão. “Estamos tentando convencer esses clientes de que a cabotagem é mais vantajosa. Temos conseguido grandes avanços”, afirma o diretor da Santos Brasil,
Mauro Salgado. A empresa tem um terminal de contêineres em Vila do Conde,
no Pará, desde 2008. “Vivemos o melhor
momento desde que compramos o terminal. Neste ano, já crescemos entre 30%
e 40% comparado ao período anterior,
muito em função da cabotagem.” Mas a
exportação de madeira, carnes, pescado
e pimenta também reagiu e impulsionou
o desempenho positivo, diz o executivo.
7 ÁREAS ESTÃO
PREVISTAS PARA
SEREM LICITADAS
PELO GOVERNO
FEDERAL
BUNGE
ADM
HIDROVIAS DO BRASIL
ODEBRECHT
MINERAÇÃO BURITAMA
P
AMAZONAS
Produtores aguardam
início de operação de
terminal no Maranhão
●
●
●
●
●
Arrendamentos
dada à Odebrecht
GUARANTÃ DO NORTE - DIVISA MT/PA
● Pavimentação
Sinop
concluída
DIVISA MT/PA ATÉ RURÓPOLIS
Sorriso
● KM 0 AO 103:
Lucas do Rio Verde
em obras
concluído
● KM 103 AO 241:
● KM 241 AO 309 (NOVO PROGRESSO): em
obras
em obras
● KM 676 AO 789 (RURÓPOLIS): em Obras
Nova Mutum
● KM 355 AO 676 (MIRITITUBA):
MATO GROSSO
BR-163
Cuiabá
GOIÁS
DF
Belém, Miramar e Outeiro
Brasília
Arrendamentos
Goiânia
13 ÁREAS ESTÃO PREVISTAS PARA SEREM
LICITADAS PELO GOVERNO FEDERAL
CHEGADA
Exemplo do Trajeto
850 km
SAÍDA
1.100 km
SORRISO
1
De Sorriso até Miritituba, a carga vai
percorrer por estrada, asfaltada ou
de terra, em caminhões bitrens
FONTES: MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, SECRETARIA DE PORTOS E MERCADO
2
PORTO DE
SANTANA
CHEGADA
MIRITUBA
Em Mirituba, a carga é transferida para barcaças que seguem em
comboios pelos rios Tapajós e Amazonas num trajeto até o Porto
de Vila do Conde (PA) ou até o Porto de Santana (AP)
1.000 km
PORTO
DE VILA DO
CONDE
3
Nos portos, a carga é armazenada em
grandes silos e, posteriormente, embarcados
em grandes navios rumo a Europa ou Ásia
INFOGRÁFICO: RUBENS PAIVA E DIOGO SHIRAIWA/ESTADÃO
%HermesFileInfo:B-9:20140608:
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 8 DE JUNHO DE 2014
●
R$ 5,5 bilhões
Economia B9
BR-163 e Transamazônica
Os 976 km entre Sinop e os terminais de Miritituba estão
entre os cinco trechos de rodovias que deverão ser
leiloados pelo governo federal
é o volume de investimento na Amazônia, entre áreas que serão
arrendadas pelo governo federal e Terminais de Uso Privativo
FOTOS SERGIO CASTRO/ESTADÃO
Acesso. Trecho da Rodovia Transamazônica (BR- 230); com a precariedade e falta de manutenção da estrada, basta um chuvisco qualquer para interromper o tráfego de caminhões
RODOVIAS PRECÁRIAS
SÃO UM PROBLEMA
PARA OS MOTORISTAS
MIRITITUBA (PA)
U
maladeirademenos de100metros de distância virou o grande
entraveasersuperadopeloscaminhoneiros que chegam ao terminal
da Bunge, em Miritituba (PA). Basta
um chuvisco para interromper o tráfego de caminhões na BR-230, mais conhecida como Transamazônica. Ali, a
poucos quilômetros do destino, as carretas bitrens, de 70 toneladas, carregadas de soja, só passam se forem rebocadas por retroescavadeiras, que ficam
de plantão no local à espera de ajuda.
A rota é nova e os motoristas também. Muitos têm entre 28 e 30 anos e
fazem a viagem pela primeira vez. A
recente inauguração da Estação de
Transbordo de Miritituba, da Bunge,
atraiuvárioscaminhoneirosacostumados a fazer viagens menores, entre a
fazendaeos pátiosdaferrovia, emRondonópolis, em Mato Grosso.
Maurivan Severiano de Almeida, de
28 anos, por exemplo, estava na sua primeiraexperiênciapela BR-163e Transamazônica. Ele era um dos dez motoristas que aguardavam na manhã daquela
sexta-feira – quando a reportagem esteve na região – para ser rebocado pela
retroescavadeira. “Não dá paraarriscar.
Ocaminhãonãoconseguesubiressetrechoepossoprovocarumacidente.”Apesar de o preço do frete ser mais vantajoso que a remuneração local, ele reclamou das condições da rodovia e da falta
de infraestrutura para os motoristas.
A BR-163é a únicavia deacesso entre
Mato Grosso e Miritituba. Saindo de
Sorriso, a maior cidade produtora de
soja do Brasil, são 1.100 km de estrada.
Em Mato Grosso, toda a extensão da
rodoviaestá pavimentada,segundo informação do Ministério dos Transportes. Nos 676 km entre a divisa de Mato
Grosso ePará até Miritituba, há 184 km
concluídos e 492 km em obras. A previsão é que 427 km estejam concluídos
até o fim do ano e 65 km sejam finalizados em dezembro de 2015.
“Tem um monte de estrada com asfalto e um monte sem asfalto. É essa
parte sem asfalto que dá uma dor de
cabeça danada pra gente”, afirma Welton Soares da Silva, de 30 anos, que
está na terceira viagem para Miritituba.Eleconta que,mesmonapartepavimentada da BR-163, recém construída,
há trechos delicados. Como não existe
acostamento e as chuvas nessa época
do ano são constantes, parte do asfalto
já foi corroído. Ainda não há sinalização vertical ou horizontal, nem faixas
Mercado inflacionado
TERRAS SOBEM
DE R$ 50 MIL PARA
R$ 2 MILHÕES
A
corridadegrandesempresaspara construir terminais na beira
do Rio Tapajós tem inflacionadoasterrasemMirititubaeSantarenzinho, pertencentes à Itaituba. Ali terrenos que há dois anos eram vendidos
por R$ 50 mil agora não saem por menos de R$ 2 milhões. Os números enchem os olhos de proprietários antigos da região, que compraram terras
com o dinheiro do garimpo.
Maria de Lourdes da Silva, de 75
anos, tem três lotes na área onde estão
sendo construídos os terminais. Com
medo de ser enganada, ela não quis intermediárionavenda dosterrenos. Sozinha, atravessou o Rio Tapajós de balsa para tratar da venda diretamente
com os interessados. “Dizem que a minha área vale mais de R$ 1 milhão. Mas
os corretores querem pagar menos.”
Arelaçãoentreproprietáriosecorretores tem sido difícil. Com os valores
milionários, os donos das terras se recusam a pagar comissões altas. A solução tem sido fazer acordos, como fez o
Estreia. Muitos motoristas cruzam a Transamazônica pela primeira vez
centrais dividindo as pistas.
A pavimentação da BR está no Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), e seu cronograma já foi revisto
inúmeras vezes. Alguns trechos deveriam ter sido concluídos em 2010, mas
continuam em obras. Para o início de
operação da nova rota de transportes,
algumas empresas produtoras de
grãossereuniram pararecuperarotrecho sem asfalto. “Elas compraram o
material e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes)entroucom a mãode obra”,afirma
o presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso
(Aprosoja), Ricardo Tomczwk. “Não
está 100%, mas não tem atoleiro.”
Emcomparaçãocomopassado,houve melhorias indiscutíveis. A rodovia,
aberta na década de 70, durante o governo militar, mais parecia uma trilha,
com lamaçais intermináveis, atoleiros
epontes de madeira improvisadascom
troncos de árvores. Ali, durante anos,
donos de terras cobravam pedágio para carros e caminhões passarem em
suas propriedades, com a justificativa
de que o caminho era melhor. Na realidade, era tão ruim quanto a rodovia.
A nova geração de motoristas não chegou a viajar pela BR-163 nessaépoca, mas
conheceuafamanegativadaestrada.Hoje, mesmo com a melhora, eles não estão
contentes com o estado da rodovia nem
● Dor
de cabeça
“Tem um monte de estrada
com asfalto e um monte
sem asfalto. É essa parte
sem asfalto que dá uma dor
de cabeça danada pra gente.”
Welton Soares da Silva
CAMINHONEIRO, 30 ANOS
Falta de planejamento
corretor Ivenildo Cohen Claudio Rodrigues. O dono dos lotes pediu R$ 4
milhões por 680 hectares de terra. “O
que conseguisse acima disso, era
meu.”Ninguémimaginavaqueeleconseguiria uma oferta de R$ 8 milhões.
Ou seja, se o acordo for cumprido, ele
se tornará o novo milionário de Itaituba, com R$ 4 milhões no bolso.
Além das área na beira do rio, terrenosmaisafastados,localizadosnamargem da Transamazônica, também são
disputados. Vislumbrando a demanda
com a construção dos demais terminais,osendinheiradosdeItaitubadecidiramconstruirhotéis,estacionamentos e áreas de convivência.
O engenheiro Nilson Guerra conta
que está elaborando o projeto de um
complexodeestabelecimentoscomerciaisvoltadosparamotoristasevisitantes da região. “Haverá um estacionamento para 800 carretas, um hotel
com 150 apartamentos e uma área de
convivência para os caminhoneiros,
com restaurantes e banheiros.”
Essenãodeveseroúnicoempreendimento. Há outros em estudo. O que a
administração de Itaituba reclama é
que toda a economia vai movimentar
do outro lado do rio. Com os hotéis e
restaurantes, quem for para Miritituba nem precisa atravessar o rio.
CAMINHÕES
INVADEM RUAS
DE BARCARENA
D
e um dia para o outro, a cidade
de Barcarena, localizada a uma
hora da capital Belém, foi invadidaporcentenasdecaminhõesgraneleiros. As ruas da cidade e a estrada que
cruza o município ficaram lotadas de
carretas aguardando para descarregar
norecém-inauguradoterminaldaamericanaBunge,conta oconsultordoInstituto de Desenvolvimento, Logística,
Transporte e Meio Ambiente (Idel),
Frederico Bussinger, que estava na região para um trabalho na área. “Só no
postodo entroncamento darodoviatinha cerca de 150 carretas. Novos pátios surgiram em terrenos recém-desmatados aqui e acolá.”
O caos durou alguns dias efoi provocado pelo descasamento entre a entrada em operação do terminal em Barcarena e da Estação de Transbordo de
Miritituba. Sem licença de operação
(que só foi obtida em 19 de maio), o
terminal não pode começar a funcionar simultaneamente ao de Barcarena.
Assim, toda a carga, que iria por hidro-
com a falta de estrutura para comer e
tomar banho. As refeições, por exemplo, são feitas na chamada “caixa” do
caminhão. “Mas quando chove nem
isso dá pra fazer”, diz Emerson Davi
Aguiar, de 32 anos.
Nos 30 km da Transamazônica,
que dão acesso a Miritituba, também
há trechos com problemas. Curiosamente, eles surgem nas partes mais
perigosas,nasdescidasesubidaspróximas de pontes, algumas de madeira. Quando são surpreendidos pelo
fim do asfalto e início da rodovia de
terra, molhada e lisa, muitos caminhões freiam e acabam atravessados
na pista. Aí vão horas para serem removidos e a estrada fica interditada.
Enquantoo acessoterrestre ainda
carece de modernização, na outra
ponta,aEstaçãodeTransbordo,nessecasodaBunge,primapelaautomatização das instalações. Os grãos são
descarregados dos caminhões e armazenados em grandes silos. Mais
tarde, quando for formado o comboiopara o transporte via hidrovia,a
sojaou o milhosãotransferidos para
as barcaças via esteiras automatizadas que exigem pouca mão de obra.
No terminal, o controle é total.
Para manter a ordem na região, os
caminhões aguardam a sua vez num
enorme estacionamento construído à beira da Transamazônica.
Quandochegaa vez,elesseguempara o terminal para descarregar – métodoquevemsendotestadoemSantos e já funciona em Paranaguá. A
dúvida é se tanta organização vai
funcionar quando os demais projetos forem tirados do papel.
Sítio arqueológico
via, foi transportada por caminhão até
a cidade, de 99 mil habitantes.
O morador de Barcarena, Benedito
daBarra,diretordaCâmaradeDirigentes Lojistas de cidade (CDL), conta
que, por causa do excesso de peso dos
caminhões, o asfalto das ruas e das estradas ficou danificado. Segundo ele,
por enquanto, os investimentos feitos
no Porto de Vila do Conde e nos terminais de uso privativo não trouxeram
grandes benefícios para o município,
ondemenos de30% dos domicíliossão
abastecidos por rede de água e, em
88% deles, o esgoto não é tratado.
“Infelizmente,nãovemosos benefícios desses empreendimentos. O emprego está mais difícil e o comércio
piorou”, conta o morador. Ele destaca
queumaempresadealumínio,programada para se instalar em Barcarena,
desistiu do investimento. “A expectativaé quegerariamuitos empregospara o município. Os novos terminais
exigem pessoas qualificadas, que não
tem aqui.”
Para Bussinger, é preciso tomar cuidado para não criar novamente ilhas
isoladas das cidades, como ocorreu no
passado com o ciclo de investimentos
na Amazônia. “É preciso ter uma integração entre os projetos e as cidades”,
destaca o consultor.
MORADOR SE
PREOCUPA COM
PRESERVAÇÃO
C
obiçada pelas empresas, a
comunidade de Santarezinho, pertencente a Itaituba,
tem apenas cinco famílias. Algumas delas já venderam suas terras
para a construção dos terminais.
Outras ainda estão em negociação,
como é o caso da família de Martineli Albuquerque. Ela conta que os
irmãos do pai já se desfizeram dos
lotes e mudaram do local. A preocupação de Martineli, no entanto, é
com o sítio arqueológico que tem
na região. Estudante de história,
ela montou um museu na comunidade com todas as peças que encontrava pelo caminho.
“A comunidade foi a primeira
missão de Itaituba. Tem uma infinidade de peças espalhadas pelo local.” O museu de Martineli tem cerca de 600 peças, entre objetos indígenas e portugueses. “Agora vamos ver qual será a proposta das
empresas para recuperar as peças
e preservar o museu.”
B4 Economia
%HermesFileInfo:B-4:20140615:
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 15 DE JUNHO DE 2014
Reportagem Especial ✽
A nova ocupação da Amazônia
● Crescimento
Após o início da construção da
Usina de Belo Monte, Altamira já
começou a levantar seu primeiro
shopping center
GRANDES OBRAS DEIXAM COMO
HERANÇA PROGRESSO E CAOS
Altamira, no Pará, e Porto Velho, em Rondônia, se transformam com a construção de usinas hidrelétricas
A construção de grandes obras sempre transforma as cidades que estão no seu entorno, para o
bem ou para o mal. Sem planejamento adequado, todos os ganhos econômicos conseguidos
com o aumento da população, consumo e renda
se transformam em desequilíbrios difíceis de serem revertidos.
Quando a obra é concluída, sobram problemas. O nível de desempregoaumentanum cenárioquasesempredeíndicesde criminalidade elevados. Os comerciantes fecham os estabelecimentos e
correm para a próxima oportunidade.
Na reportagem deste domingo, relatamos o dia a dia de Altami-
ra, que vive o auge da construção da Hidrelétrica de Belo Monte, e
Porto Velho, que começa a sentir a ressaca do fim das usinas de
Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira. Os dois empreendimentos
já foram feitos sob as regras de exigência de condicionantes para
amenizar os impactos ambientais e sociais.
As cidades têm aproveitado para obter melhorias em serviços
essenciais para a população, como saneamento básico, construção de escolas e hospitais. A ideia é conseguir que os empreendimentos deixem um legado importante para a população, já que ao
fim das obras o impacto nas finanças da região é elevado e certo. O
objetivo é evitar que casos antigos, como o do antigo Projeto Jari e
Tucuruí, se repitam.
O Projeto Jari foi idealizado pelo americano Daniel Keith Ludwig, que sonhou construir um império na Amazônia com atividadesvoltadasàexploraçãodecelulose,pecuáriaeagricultura.Iniciadonadécadade60,oprojeto(quevingouapenasnapartedacelulose) criou duas cidades opostas. Do lado do Amapá, a cidade dos
trabalhadoresvirouumaimensafavelasobrepalafitas,jáconsiderada a maior do mundo. Do outro lado, no Pará, o distrito de Monte
Douradoéumacomunidadeplanejada,nosmoldesdaclassemédia
americana.EmTucuruí,depoisqueaconstruçãodausinaacabou,a
economia minguou e a população ficou sem emprego e renda.
Males. Altamira
vê aumento da
criminalidade e
piora no trânsito
COM BELO MONTE,
ALTAMIRA TEM DIAS
DE CIDADE GRANDE
Renée Pereira / TEXTO
Sergio Castro / FOTOS
D
esde que a bilionária Hidrelétrica de Belo Monte, no
oeste do Pará, começou a
serconstruída, Altamiravive diasde
cidade grande. O trânsito é caótico,
a população não para de crescer e os
índices de criminalidade aumentam. Por outro lado, o município ganhou novas redes de varejo, obras
de infraestrutura e novos projetos
comerciais, como shopping centers. Por enquanto, a população só
consegue ver a parte ruim. Se antes
a opinião sobre a usina era dividida,
hoje a maioria se diz contra.
A principal reclamação é com os
constantes congestionamentos e
com o aumento da criminalidade.
Em menos de três anos, a frota de
automóveiscresceu83%.Ademotocicletas, 113%. A cidade tem sido
campeã nacional na comercialização de motos. Apenas numa loja são
vendidas entre 130 e 150 unidades
por mês – número que ajuda no aumento de acidentes no trânsito.
Nos últimos três meses, duas mortes de ciclistas chocaram a cidade.
Uma delas ocorreu na Avenida Djalma Dutra, principal rua de Altamira,
onde a bicicleta da vítima está pen-
durada no poste do semáforo, como
forma de protesto.
“Só estamos vendo os malefícios da
obra. Aqui era tranquilo. Agora vira e
mexe uma pessoa morre atropelada”,
afirma o guarda de trânsito Mizael Carneiro.Outroproblemacausadopeloaumento da frota é a falta de lugar para
estacionar. Sem espaço disponível nas
ruas estreitas da cidade, os raríssimos
estacionamentos cobram preço semelhantesaosdeSãoPaulo.UmahoracustaR$10.Ummês,R$390.“Tantotranstorno não compensa”, diz Ocleci Polla,
dona de uma loja de chocolates.
Além do aumento de carros e motos
nas ruas, os congestionamentos têm
sido causados por obras de saneamento, que interditam várias ruas. Como
parte do Projeto Básico Ambiental, a
Norte Energia – concessionária de Belo Monte – está construindo 220 quilômetros (km) de rede de esgoto e 170
km de tubulações de água potável. Até
agoraforamconcluídos134kmdeesgotamento sanitário e 108 km de rede de
água. A oferta de água potável na cidade será reforçada com a construção de
oito reservatórios.
Hoje Altamira não tem sistema de
coleta e de tratamento de esgoto e o
atendimentodeáguaencanadaérestrito a 14% do município. A obra colocará
a cidade entre as poucas do Estado
Energia de Belo Monte
deve atrasar um ano
● O diretor presidente da Norte Energia
S.A. (Nesa), Duílio Diniz, afirmou que negocia com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a prorrogação da
entrada em operação das primeiras turbinas de Belo Monte. A empresa foi a
vencedora do leilão da usina. “Precisamos prorrogar em um ano a entrada de
operação do sítio Pimental”, disse Diniz.
O início das operações deve passar de
2015 para 2016. Segundo Diniz, os atrasos são decorrentes da série de paralisações que a obra sofreu com manifestações. Ontem, o jornal ‘Folha de S. Paulo’
informou que a Nesa fez o pedido formal
de adiamento, em correspondência enviada no mês passado à Aneel.
Saneamento básico. Obras na orla do Rio Xingu em Altamira, no Pará
com saneamento básico. Mas, como
nem tudo pode ser perfeito, a grande
polêmica do momento é quem fará a
ligação entre residências e rede, diz o
empresário Waldir Antonio Narzetti.
Como as casas foram construídas
sem essa infraestrutura, o investimento para se conectar ao sistema deve ficar por volta de R$ 4 mil – dinheiro que
muitos moradores não têm. A Norte
Energia fará todo o investimento da
redee,quandoconcluída,entregarápara a prefeitura. Mas, segundo Narzetti,
a discussão é que a responsável pelo
saneamento da cidade é a Companhia
de Saneamento do Pará (Cosanpa),
quenãoconsegueresolver nemos problemas de vazamento.
Oempresárioconta que outroinves-
timento de extrema importância para
a cidadejátem sentidoos efeitosda má
gestão. A Norte Energia construiu um
aterro sanitário e entregou para a prefeitura. “Mas já está dando problema,
pois não tem recebido o tratamento
adequado.”
Narzettiquestiona a lentidão dos investimentos da Norte Energia, mas reconhece que se a usina não estivesse
em construção a cidade nunca teria saneamento básico ou asfalto no trecho
urbano da Transamazônica. “Espero
que todo o transtorno de hoje possa
ser traduzido em melhorias no futuro.”Achegadada hidrelétricatransformou a cidade num canteiro de obras.
Os outdoors anunciam venda de espaços em galerias, construção de shop-
pings, universidades e bairros planejados. Hoje há entre 8 e 10 loteamentos
sendo vendidos. Altamira ganhou até
um hotel em formato de castelo.
Por outro lado, o aumento do número de trabalhadores na hidrelétrica –
são 25 mil no total – e novos moradores
impulsionaramosíndicesdecriminalidade. O superintendente regional da
PolíciaCivil,CristianoMarcelodoNascimento, conta que, de 2010 para cá, o
número de homicídios cresceu 61% e o
de estupros, 66%. O consumo de drogas também subiu. “Em 2010, 22 traficantes foram presos; e em 2013, 178.
Neste ano deve passar de 200.” O delegado diz que 90% da droga consumida
é crack. “Um grama de cocaína custa
R$ 70. É caro para a população local.”
%HermesFileInfo:B-5:20140615:
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 15 DE JUNHO DE 2014
● Protesto
“Antes não dava para fazer nada, pois
a cada chuva poderia perder tudo.”
Bicicleta de vítima pendurada no
poste marca local de acidente;
dois ciclistas morreram nos últimos três meses em Altamira
Benigna Rabelo Dutra, EX-MORADORA DE
PALAFITA, AGORA NO LOTEAMENTO JATOBÁ
ALTAMIRA (PA)
F
oram 15 anos de muitas noites
em abrigos, de móveis perdidos
pela cheia do Rio Xingu e medo
de perder a vida. “Todo inverno era a
mesma coisa. A água subia 2,4 metros e
tinha desair correndo de casa”, lembra
Eduardo Barbosa da Silva, de 56 anos.
Há três meses, os dias de agruras vividos nas palafitas de Altamira terminaram e, enfim, ele tem uma casa de verdade para morar com a mulher e os
filhos. “O conforto que temos aqui
nem se compara com a vida que tínha●
Moradias
229
famílias já estão no bairro Jatobá, que
possui 1.235 residências, todas com o
mesmo formato e o mesmo tamanho
mos nas palafitas.”
O imóvel faz parte do Projeto Básico Ambiental da Hidrelétrica de Belo
Monte. Todas as palafitas (casas de
madeira construídas sobre estacas
em áreas que são alagadas na época de
chuvas) de Altamira serão destruídas
e os moradores deslocados para as
4.100 casas em cinco novos bairros
queestãosendo construídospelaNorte Energia, empresa que detém a concessão da usina.
Silva se mudou para o bairro Jatobá,
o primeiro a ser entregue pela companhia, que já tem 229 famílias. São 1.235
residências, todas no mesmo formato.
As casas têm 60 metros quadrados
(m²), com três quartos, sala, cozinha e
banheiro num terreno de 300m². Para
diferenciar, cada morador escolheu a
cor quequeria para a frenteda residência. A de Silva é azul.
Ao contrário das palafitas, que ficam
próximas da região central da cidade,
os novos bairros são mais afastados –
cerca de 15 minutos do centro. O trajeto até Jatobá é ruim, com ruas de terra
e esburacadas. Mas, no bairro, as vias
são amplas e pavimentadas. O melhor
de tudo, no entanto, é que os moradores estão livres dos riscos que as palafitas representavam, com lixo espalha-
Casa nova. Eduardo Barbosa da Silva tem planos de ampliar o imóvel
do por todo lado, esgoto a céu aberto e
constantes inundações.
“Aqui é longe, mas as crianças podem brincar sossegadas”, afirma Benigna Rabelo Dutra, de 57 anos, que
passou boa parte da vida na zona rural.
Para escapar da malária que ameaçava
a saúde dos filhos, mudou-se para a
cidade e foi viver num assentamento.
Ali, teve de conviver com as constantesenchentes a cadainverno.Com seis
filhos e 24 netos, ela banca sozinha as
seis pessoas que moram na nova casa.
Sobrevive da aposentadoria e da venda
dechopp, masconhecidocomo geladinho ou chup-chup no Sudeste.
Apesar das dificuldades, ela mostra
com orgulho as aquisições e melhorias
feitas no imóvel. Na sala, o sofá e a mesasãoforradoscomtecidosverdes,trocados toda semana. O rack e a TV de 42
polegadas foram adquiridos recentemente. “Antes não dava para fazer nada, pois a cada chuva corríamos o risco
de perder tudo.”
No fundo da casa, ela construiu
umacozinhaampla,ondesófaltacolocar as “lajotas”. “E ainda vai ter uma
churrasqueira, que acabei de comprar.”Silvatambémtemplanosdeampliar o imóvel. “Quero construir mais
dois quartos, uma cozinha e fazer mu-
PORTO VELHO JÁ VIVE PERÍODO ‘PÓS-USINAS’
DIVULGAÇÃO
Com o fim das obras de Santo
Antônio e Jirau, cresce número
de desempregados; preços
de imóveis, aluguéis e outros
serviços já começaram a cair
Quetila Ruiz
PORTO VELHO (RO)
ESPECIAL PARA O ESTADO
P
orto Velho, capital do Estado de
Rondônia, já começa a viver o
período do “pós-usinas” com a
finalização das obras das hidrelétricas
Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira.
Já é notável o aumento no número de
desempregados na cidade, a queda no
preçodos imóveisedos aluguéis, entre
outros serviços.
As usinas começaram a ser construídas no segundo semestre de 2008 e
atraíram milhares de pessoas de várias
partes do País. Até 2010, as estatísticas
mostramque a população de Porto Velho já havia crescido 12,5%. Cerca de 40
mil trabalhadores vieram para a capital atrás das ofertas de empregos na
construção civil, o que provocou o
avanço no preço dos aluguéis e dos
imóveis à venda. Diárias de hotéis e o
custo de vida da população também
aumentaram no período.
Mas esse quadro já está mudando.
Com o fim das obras, a maioria dos
trabalhadores está migrando para outrosEstados – algunspara Altamira em
busca de emprego na Hidrelétrica de
Belo Monte. A população teme que a
Mais oferta. Em Porto Velho, preço de imóvel caiu junto com a procura
construçãodashidrelétricasrepitaoutros ciclos de crescimento, como o da
borracha e do garimpo, que não deixaram nenhum legado para a região.
Dados do Sistema Nacional de Emprego (Sine) de Porto Velho apontam
que a construção civil é o principal fator de queda na oferta de emprego. De
abril de 2013 até abril deste ano, 61.600
vagas foram criadas, mas o número de
desempregados foi maior, 71 mil. “O
desemprego hoje é decorrente da conclusão das usinas. Isso também ocorreu em Foz do Iguaçu (PR) na época da
construção da Usina de Itaipu, e aqui
nãoseriadiferente”,dizAntônioGeraldo Affonso, secretário de Desenvolvimento Econômico (Semdestur), res-
NA WEB
Online. Os reflexos
de Belo Monte na
cidade de Altamira
estadao.com.br/e/altamira
ro em volta de toda a casa”, diz ele,
que recebe um salário mínimo do
INSS, depois que perdeu uma perna. “Não é muito, mas graças a
Deus me ajuda bastante.”
MORADORES DEIXAM
PALAFITAS E OCUPAM
NOVAS CASAS DE 60 M²
Loteamento fica mais distante,
mas moradores estão livres
dos riscos provocados pelo lixo
espalhado, esgoto a céu aberto
e constantes inundações
Economia B5
ponsável pela gestão do Sine municipal.
A fase alta no ritmo dos negócios na
cidade também já se foi. “Os preços
dos imóveis não estão mais como estavamnoiníciodasconstruções. Osvalores estão menores, ficando estabilizados. Um imóvel que eu alugava por R$
5 mil hoje estou alugando pela metade
do preço”, relatou Fernando Casal,
● Mais crimes
O índice de criminalidade em
Rondônia aumentou bastante
durante as obras. De 2008 a 2010,
o número de estupros no Estado
cresceu 76,5%
proprietário de imobiliária e presidente licenciado do Conselho Regional de
Corretores de Imóveis de Rondônia
(Creci/RO).
Assim como quem vende ou aluga
imóvel, donos de hotéis já sentem o
efeito pós-usinas. Os preços das diárias de alguns deles têm sido revisados
para um valor menor. “Antes eu tinha
vários quartos alugados para os próprios consórcios, para os trabalhadores. Hoje tenho vagas sobrando. Esse
cenário não acontece só comigo, vários outros hotéis já estão com vagas
sobrando, coisa que a um ano atrás seria impossível”, relatou Isaac Oliveira,
proprietário de um hotel no centro da
capital.
Criminalidade. O índice de criminalidade também aumentou bastante duranteas obras.De2008a2010,onúmero de estupros em Rondônia cresceu
76,5%. A quantidade de crianças e adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual subiu 18% no período e o
númerodehomicídiosdolososaumentou44%.Comosaltosíndicesnacriminalidade,oPoderPúblicoiniciouprojetos de melhorias na segurança.
O secretário de Segurança, Defesa e
Cidadania, Antônio Carlos dos Reis,
afirmouquenosúltimostrêsanoshouve avanços em todas as áreas da segurança no Estado de Rondônia. “Na
área de tecnologia, houve melhora nos
equipamentos para a atuação policial.
Também tivemos avanços nas questões das investigações. Temos, hoje,
um bom índice de resolução de cri-
À espera da casa nova. Enquanto
Benignae Silva festejam a vida nova,
outros esperam ansiosos para deixar de vez as palafitas. Francisca do
Socorro das Chagas ainda não faz
ideiadequando vaimudar. Suacasa,
no entanto, parece não aguentar
muito tempo. Construída à beira de
um córrego, a casa está tombada para um lado e as pontes de acesso
com as tábuas soltas, um perigo para as crianças que transitam sem parar pelo local. “Quero mudar logo,
masninguémdizquandoserá.Aúnica coisa que sei é que iremos para o
bairro São Joaquim.”
A filha de Maria Aparecida Silva
está prestes a fazer a mudança, também para o São Joaquim. Durante a
visita da reportagem, sua filha tinha
ido olhar a casa nova. “Minha neta
chora toda vez que vê um vizinho
mudar. Ela sempre diz que não dá
para brincar aqui. De um lado corre
o risco de cair na água, do outro pode ser atropelada pelos carros.” Naquele dia, o barraco da vizinha que
havia acabado de mudar estava sendo desmontado. As empresas responsáveis pela demolição contam
que, se deixarem um dia o barraco
vazio, no dia seguinte aparece alguém para ocupar. “E depois só pagando para eles saírem”, conta um
funcionário da empresa contratada
pela Norte Energia.
mes.” Nos primeiros meses de 2014,
houve um aumento no número de
homicídios, assaltos e furtos.
Nova Mutum. Para abrigar os engenheiros e encarregados da Usina de
Jirau, e os ribeirinhos removidos pelo alagamento da Velha Mutum, o
consórcioEnergiaSustentávelconstruiu uma cidade, Nova Mutum.
Mas muitas das famílias que foram
transferidasparaolocal nãoseadaptaram com a nova realidade e procuraram outros locais para morar. Alguns se uniram e foram morar perto
do igarapé que leva o nome de Jirau,
outros foram morar em Jacy-Paraná
ou Porto Velho.
A vendedora autônoma Maria das
Graças não se adaptou ao local.
“Não tinha nada lá. Era um monte de
casa no meio do nada. Me mudei para Jacy-Paraná.” Ela conta que muitos vizinhos ficaram por lá e se acostumaram com a nova realidade da
cidade. “Eles não sabem como vai
ficardepoisque acabarde vezaconstrução, mas já está todo mundo acomodado lá”, relatou.
Mesmo com vários ribeirinhos e
funcionários da usina morando em
Nova Mutum, o futuro das mais de
1.500 casas do local é preocupante. A
previsão de entrega total das obras
de Jirau é de 2016, mas o empreendimento já começou a reduzir de forma significativa a quantidade de trabalhadores na obra. Até agora, nenhuma indústria ou atividade de geração de renda independente da
construção da usina foi criada no local para tentar amenizar os efeitos
negativoscomofimdarendaproporcionada com o projeto.
B4 Economia
%HermesFileInfo:B-4:20140622:
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 22 DE JUNHO DE 2014
Reportagem Especial ✽
● Previsão
As turbinas do sítio Belo
Monte estão previstas para
funcionar a partir de 2016
A nova ocupação da Amazônia
COM ATRASO, BELO MONTE
ENTRA NA FASE FINAL
Cronograma das obras foi comprometido por causa de manifestações e invasões
de ribeirinhos, índios, ambientalistas, além de greves e decisões judiciais
Renée Pereira/ TEXTOS
Sergio Castro/FOTOS
ALTAMIRA e VITÓRIA DO XINGU (PA)
As seis carretas
que deixaram Taubaté,nointeriorde
São Paulo, com as
primeiras peças para montagem eletromecânica da Hidrelétrica de Belo
Monte demoraram quase três meses
parachegaraodestinofinal,emVitó-
riadoXingu,noPará.Foramquase3mil
quilômetros de estrada e rio carregando partes do pré distribuidor, que montado tem 11 metros de diâmetro, quatro
metrosdealturae261 toneladas.A peça
foi instalada na casa de força n.º 1, de
Belo Monte, no dia 10 de junho, em
evento com a presença de engenheiros,
operários e do diretor presidente da
NorteEnergia,DuílioDinizFigueiredo.
“Quando viemos aqui pela primeira
vez perguntei ao consórcio (constru-
tor) contratado qual seria o maior desafio na construção da usina. Eles me responderam que seria a logística e estavamcertos”,afirmouFigueiredo,comemorando mais um passo da hidrelétrica, de 11.233 MW, mas sem esconder a
preocupação com os atrasos da obra. O
cronograma está um ano atrasado devido à série de paralisações causada por
manifestações e invasões de ribeirinhos, índios, integrantes dos atingidos
por barragens e ambientalistas, além de
greves e decisões judiciais.
No sítio Pimental, as interrupções representaram 441 dias de atraso desde o
segundo semestre de 2011. No sítio Belo
Monte, foram 124 dias. Segundo o diretorpresidentedaNorteEnergia,porcausadasparalisações,aempresaestánegociando com a AgênciaNacional de Energia Elétrica (Aneel) a expansão em um
ano dos prazos para a entrada em operação das primeiras turbinas.
De acordo com a “Cartilha de Belo
Monte”, o cronograma original prevê a
entrada em operação das seis unidades
geradoras no Sítio Pimental, onde está
abarragemprincipal,overtedouroecasa de força complementar. A obra tem
outrosdoislocaisdeconstrução:canais
e diques e Sítio Belo Monte, onde está a
casa de força principal com 18 turbinas.
As turbinas do Sítio Belo Monte estão previstas para funcionar a partir
de 2016. “Por enquanto estamos negociando o cronograma de 2015. Não decidimos se vamos pedir algum adiamento para o Sítio Belo Monte. Estamos tentando manter a entrada em
operação da primeira turbina em março de 2016”, diz Figueiredo. Se não
conseguir convencer a agência, a empresa pode perder receita e ainda ser
obrigada a recorrer ao mercado à vista para cumprir os contratos.
Além dos atrasos, Belo Monte também convive com o aumento dos custos. Hoje o volume de investimentos
está em R$ 30 bilhões, afirma Figueiredo. “O aumento de R$ 25 bilhões para
R$30bilhõeséinflação.”Masahidrelétrica já teve, pelo menos, outros dois
orçamentos. O valor inicial calculado
pela Empresa de Pesquisa Energética
(EPE) era R$ 16 bilhões e antes do lei-
SÉRGIO CASTRO / ESTADÃO
MEGA CANAL DA
HIDRELÉTRICA MUDA
PAISAGEM DO XINGU
VITÓRIA DO XINGU
O
enorme canal que vai ligar o
RioXinguaoreservatóriointermediário da Hidrelétrica
de Belo Monte começa a ganhar formase mudara paisagem local. Os 20
quilômetros de extensão da obra já
foram abertos e estão em estágios
diferenciados de trabalho. Por enquanto, apenas 1 km está concluído.
Outrosestãoemfasederevestimento do leito e taludes do canal ou na
etapa de aprofundamento do terreno.
Aexpectativaéconcluirtodootrabalho até o fim do ano. Mas a meta
não será uma tarefa fácil de cumprir, especialmente com o histórico
de paralisações desde o início das
obrasdahidrelétrica.Alémdisso,pareceumtrabalhosemfim.Aconstrução do canal, que na prática é um rio
artificial construído no meio da
Amazônia para desviar a água do
Xingu,exigeaescavação de110,8 milhões de m³ de rocha e solo – volume
equivalente ao Canal do Panamá.
Todo esse material encheria 5 milhões de caminhões basculantes.
Hoje 1.400 máquinas, tratores e
caminhões trabalham freneticamentepara cumprirosprazos docanal, que terá 25 metros de profundidade, 210 metros de largura na base
e 360 metros na superfície. Toda a
retirada de rocha e solo é feita em
camadas.“Primeiro fazemos a aber-
tura do canal para a cota 84 (em relação ao nível do mar). Retiramos todo o
material, criamos uma frente de serviço e praça de manobra para as máquinas e caminhões. Depois começamos
tudo de novo, com detonações de rocha e retirada de material para a cota
75, que será o fundo do canal”, afirma o
engenheiro da Norte Energia, Marcelo
Boaventura.
Com o solo nivelado, é hora de fazer
o revestimento do leito e dos taludes.
As rochas retiradas de outros locais da
obra são trituradas e usadas para cobrir o fundo do canal. As pedras precisam ter tamanhos e pesos similares,
paraaguentar ovolume de águaquevai
passar pelo canal: a vazão será de 14 mil
m³ por segundo, afirma Boaventura.
Porestarnuma áreasensível do ponto de vista ambiental, o projeto exigiu
uma série de soluções diferenciadas.
Nos20 quilômetros de extensãodo canal de derivação, passavam dezenas de
igarapés cujo curso foi interrompido
com a construção de diques paraevitar
o alagamento da área de trabalho das
máquinas e caminhões.
O engenheiro da Norte Energia explica que foram criados cinco sistemas
de drenagens com canais paralelos nas
margens do grande canal principal para absorver a água desses pequenos
rios. Alguns igarapés tiveram seu curso invertido. Corriam para um lado e
agoravãodesaguarnoRio Xingu.Aempresa garante que a medida não provocará impactos ambientais ao meio am-
Construção. Estrutura que vai receber a primeira turbina da Usina de Belo Monte está sendo montada
● Obra
20 km
é a extensão da obra que vai ligar o
grande canal entre o Rio Xingu
ao reservatório intermediário da
Hidrelétrica de Belo Monte. Apenas
1 km foi concluído
biente. No total, serão construídos 27
diques para barrar os igarapés ou para
evitar que a água do reservatório intermediário de Belo Monte se espalhe para regiões mais baixas.
Ao contrário da maioria das usinas,
em que a construção se concentra
num único local, Belo Monte tem três
grandes frentes de trabalho: Pimental,
Bela Vista e Belo Monte. O barramento e o vertedouro principal ficam no
SítioPimental,ondeestásendoinstalada também a Casa de Força Complementar, há 40 km de Altamira. Desse
ponto, por meio do canal de derivação,
parte da água do rio será desviada para
a Casa de Força Principal, no sítio Belo
Monte, que terá 18 turbinas.
Pelo gigantismo da obra, dá para entender porque índios e ribeirinhos temem que o rio seque abaixo da barragem principal quando a usina começar
a funcionar. Mas os executivos garantem que a hidrelétrica terá um rígido
sistema para controlar o volume mínimo de água no rio, definido pela InstitutoBrasileirodeMeioAmbiente (Iba-
ma),noprocessodelicenciamentoambiental.
Mas a vida dos ribeirinhos já mudou.
Quem antes andava sem restrições pelo Rio Xingu agora tem de passar pelo
Sistema de Transposição de Barcos
construído pela Norte Energia, no Sítio Pimental. Desde fevereiro de 2013,
dois sistemas estão em operação: um
para barcos pequenos, como rabetas e
voadeiras, e outro para embarcações
maiores. No primeiro caso, a embarcação é rebocada por um trator num percurso de 700 metros. No outro, carretas são responsáveis pela transposição
dos barcos. Entre o início do ano e final
de março, foram realizadas 259 transposições, com um total de 1.169 usuários atendidos. /R.P.
Economia B5
%HermesFileInfo:B-5:20140622:
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 22 DE JUNHO DE 2014
27
é o número de ações contra Belo Monte, segundo
a Advocacia Geral da União. Nenhuma decisão em
vigor determina paralisação das obras
25 mil
● Força tarefa
trabalhadores se revezam
em três turnos diários nos três sítios da usina.
O número é superior aos 23 mil previstos inicialmente
Hoje 1.400 máquinas, tratores e
caminhões trabalham no canal, que
vai ligar o Rio Xingu ao reservatório
SÉRGIO CASTRO / ESTADÃO
Contra o relógio.
Cronograma de
obras da usina
está um ano
atrasado
OBRA NA AMAZÔNIA
OCEANO
ATLÂNTICO
AP
Dados gerais da hidrelétrica
●
Ao contrário da maioria das
hidrelétricas, Belo Monte tem três
áreas diferentes de construção.
Na área 2 onde será feito um super
canal, apenas 1 km foi concluído.
Os demais trechos estão em fase
revestimento e de terraplenagem
para aprofundamento do canal
Investimento:
R$ 30 bilhões
Área alagada:
503 km2
NOVO PERCURSO DO RIO
ÁREA 1
0 km
Altamira
Rod. Transa
ÁREAS DE CONSTRUÇÃO
O
XI
N
ic a
ôn
m az
estadao.com.br/e/belomonte
0)
-23
CASA DE FORÇA
PRINCIPAL
Belo Monte
do Portal
GU
RESERVATÓRIO
O canal de derivação vai
desviar água do Rio Xingu para
o reservatório intermediário da
Casa de Força principal, que
terá 18 turbinas
Vídeo. Confira imagens da
construção da hidrelétrica
na região do Xingu
(BR
SÍTIO PIMENTAL
CANAL
BARRAGEM
PRINCIPAL
14 mil m³
O super canal de Belo Monte
CA
JÁ
TERRA INDÍGENA
ARARA DA VOLTA
GRANDE DO
XINGU
BA
SISTEMAS
DI MARIA
E XINGU
VOLTA
GRANDE
O
assuri ni
por segundo
TERRA INDÍGENA
PAQUIÇAMBA
RI
ss
d. Tr an
Ro
A vazão no canal será de
ÁREA 3 SÍTIO BELA VISTA
A 40 km de Altamira ficará o
vertedouro principal e a casa
de força complementar com
9 turbinas para gerar 233 MW
A obra terá
20 km
de extensão
SISTEMA
DE BACIAS
INTERMEDIÁRIAS
Igarapés
Como a obra
está sendo feita
numa área cheia
de igarapés, a
solução foi
interromper os
pequenos rios e
criar sistemas de
drenagem em
todo trecho
SISTEMA
TICARUCA
Construção
1
Durante a escavação do canal
foram retiradas rochas
(migmatito) para serem usadas
nas paredes laterais e no
revestimento do fundo
SISTEMA
PAQUIÇAMBA
nal
o Ca
ed
Cort
360
25 m
Diques
Serão
construídos 27
diques para
barrar os
igarapés ou para
evitar que a água
do reservatório
intermediário de
Belo Monte se
espalhe para
regiões mais
baixas
PASTAGENS
MT
Belo
Monte
RI
ÁREA 2
PARÁ
7
SÍTIO BELO MONTE
Onde será construída a casa de
força principal com 20 turbinas
para gerar 11 mil MW
NA WEB
Altamira
3 mil
Frota de máquinas e caminhões:
Belém
AM
25 mil
Número de trabalhadores:
As 3 áreas de Belo Monte
Belo
Monte
11.233 MW
Capacidade:
5
quer trabalhar na usina.”
Embora tenha começado a fase de
montagem dos equipamentos, ainda
há muita obra de terraplenagem para
ser feita nos próximos meses, ou anos.
Além da conclusão do canal e diques, a
preparaçãodosreservatóriosaindaexigirámuitotrabalhopela frente.Por enquanto, é um amontoado de terras e
rochas que precisam ser detonadas e
retiradasdocaminho.Nototal,a hidrelétrica vai alagar uma área de 503 km²,
sendo que uma parte já é alagada naturalmentedurante a cheia do Rio Xingu.
Segundo dados da Advocacia Geral da
União (AGU), hoje há 27 ações contra
BeloMonte.Nenhuma,porém,temdecisão em vigor determinando a paralisação das obras ou do licenciamento. São
aguardados os próximos capítulos dessa
que hoje é considerada a maior obra de
infraestrutura do País em andamento.
PA
-41
lão mudou para R$ 19 bilhões. “É maldade o que falam sobre o aumento de
custos. Já arrematamos o projeto da
usina orçado em R$ 25 bilhões”, diz o
presidente da Norte Energia.
De qualquer forma, para evitar prejuízos maiores, Belo Monte corre contra o tempo para acelerar as obras atrasadas. Hoje são 25 mil trabalhadores –
acima das 23 mil pessoas previstas inicialmente para o pico daobra – se revezando em três turnos diários nos três
sítios dausina.Com o fimdo inverno e,
consequentemente,daschuvas,aconstrução ganha um ritmo mais acelerado, com o vaivém frenético de 3 mil
máquinas, tratores e caminhões.
Durante o inverno, a empresa dispensou vários trabalhadores já que o
volumedeserviçoerabaixo.Umexecutivo da Norte Energia afirmou que a
rotatividade dos trabalhadores da
obra é grande, em torno de 30%, mas
que o cadastro de pessoas interessadas em trabalhar na construção da usinaé extenso.O comerciantedeAltamira Waldir Narzetti sabe bem o que isso
significa. “Tive de aumentar a minha
folha de pagamento para conseguir segurar os funcionários. Ainda assim,
não tem sido suficiente. Todo mundo
de p
rofu
m de
largu
ra
ndid
ade
NAS MARGENS DO GRANDE
CANAL, FORAM CONSTRUÍDOS
PEQUENOS CANAIS PARA
ABSORVER A ÁGUA DOS
IGARAPÉS E LEVÁ-LOS ATÉ
O RIO XINGU
210 m
SISTEMA
GALHOSO
2
Depois de
completada a
escavação o
revestimento de
rochas é aplicado
e compactado
INFOGRÁFICO: RUBENS PAIVA/ESTADÃO
B14 Economia
%HermesFileInfo:B-14:20140629:
O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 29 DE JUNHO DE 2014
Reportagem Especial ✽
● Asfalto
Só 20% da cidade tem asfalto, água tratada e esgoto; prefeitura promete elevar para 55% o total de ruas asfaltadas
A nova ocupação da Amazônia
MINERAÇÃO VAI LEVAR US$ 47 BI
EM INVESTIMENTOS AO PARÁ
Quantidades de recursos injetados na economia local terá reflexo direto na criação de 99 mil empregos
setor de mineração têm sido um dos principais
motoresdecrescimentodaRegiãoNorte,emespecial no Pará, onde estão as grandes jazidas minerais. Nos próximos quatro anos, até 2018, só esse
Estado deverá receber cerca de US$ 47 bilhões de
novosinvestimentos,segundodados do Sindicato
das Indústrias Minerais do Estado do Pará (Simineral).
Aquantidade derecursos injetadosnaeconomialocal teráreflexo direto na criação de 99 mil postos de trabalho. Até o ano passado, a cadeia produtiva mineral respondia por 271 mil empregos
diretos e indiretos no Estado. Para cada emprego direto, outros 13
postos detrabalho são criadosaolongo da cadeia,diz o presidente
do Simineral, José Fernando Gomes Júnior.
Naavaliaçãodele, todoesse investimentovaitrazer desenvolvimento e progresso para a região, já que as cidades envolvidas
O
recebem uma compensação financeira pela exploração dos recursos minerais, uma espécie de royalty da mineração. Em 2013, a
arrecadação dessa conta cresceu 53% no Estado, segundo o Simineral. Parauapebas recebeu 87% do total e Canaã dos Carajás,
4,8% – quando o projeto S11D da Vale entrar em operação esse
porcentual subirá.
“Mas a população tem de cobrar dos governantes a aplicação
adequada dos valores arrecadados”, afirma Gomes Júnior. O governador do Pará, Simão Jatene, é um dos defensores de mudanças no sistema de tributação e divisão dos recursos do ICMS.
Segundo ele, hoje no Estado municípios de 200 mil habitantes
têm a mesma cota-parte de ICMS que a capital Belém, que tem 1,5
milhãode moradores.“Aí você cria umailha deprosperidade num
mardetormentas,comumentornopaupérrimo”,diz ele,questionando a gestão dos recursos por parte de alguns municípios.
Várias cidades que recebem grandes projetos continuam com
uma infraestrutura que deixa a desejar, apesar da arrecadação
maior. Saneamento básico é a principal deficiência. A justificativa
dos governantes locais é que os recursos são consumidos pelo
explosão populacional das cidades, que recebem uma quantidade
enorme de migrantes.
Do lado ambiental, apesar de as jazidas estarem na Amazônia, a
pressão das ONGs tem sido bem menor que na construção de
hidrelétricas. Em recente entrevista ao Estado, o superintendente de Política Públicas do WWF-Brasil, Jean-François Timmers,
disse que os impactos da mineração são pontuais e mais restritos
comparadosà construção deumausina. Poroutrolado, ele ressalta que o setor mineral precisa de elevada oferta de energia para
produzir.Ouseja, elaacaba demandandonovosprojetosdeeletricidade.
EM CANAÃ DOS
CARAJÁS, O MAIOR
PROJETO DA VALE
Renée Pereira / TEXTOS
Sergio Castro / FOTOS
CANAÃ DOS CARAJÁS (PA)
Qualquer morador de Canaã dos
Carajás, no Sudoeste do Pará, sabebemoquesignifica S11D, sigla que está espalhada
pela cidade em adesivos de carros e
placas de sinalização nas estradas.
Trata-se do bilionário projeto Ferro
Carajás S11D (potencial e localização da reserva), localizado da Serra
SuldeCarajás.Éomaiorempreendimento da história da Vale e o maior
da indústria de mineração. Serão investidos em todo o complexo US$
19,67 bilhões. No pico da obra, a expectativa é criar 30 mil empregos
nos Estados do Pará e Maranhão.
O projeto consiste na construção
da mina, usina de processamento e
sistema de logística. Quase 60% do
volumedeinvestimentoseráaplicadonaexpansãodaferroviaedosistema portuário no Terminal de Ponta
da Madeira, em São Luiz (MA). Na usina, que fica cerca de 50 km de Canaã
dos Carajás, o minério explorado será
transportado até a usina por meio de
um sistema de correias com 9 km de
extensão, o que vai reduzir o número
de caminhões na operação.
A previsão é que o projeto entre em
operação em 2016, produzindo 90 milhões de toneladas de minério de ferro
por ano – volume pouco menor que a
produção atual da mina de Carajás,
atingida após duas décadas de operação. Segundo dados da Vale, quando
estiverpronto,o S11D criará3.600postos permanentes de trabalho na região. A esperança da população de Canaãdos Carajásé queos jovens dacidade consigam uma chance na empresa.
Trabalhar na Vale virou status para a
população local. Todo mundo quer ser
“verdinho”, uma referência à camisa
verde dos funcionários da Vale. Com
esse uniforme, os funcionários levam
vantagem, tanto na paquera com as
moças da cidade como nos negócios.
Boa parte dos funcionários da Vale e
do pessoal mais graduado das constru-
Megaprojeto. Módulos que vão formar a usina de processamento S11D, que deve criar 30 mil empregos
toras mora em hotéis alugados pelas
empresas. O principal gasto deles é
com a comida. E não faltam opções na
cidade. Todos os dias, quando o sol se
põe, moradores montam seus restaurantes ambulantes no meio da praça
construída no canteiro central da AvenidaWeyne Cavalcante– a principalda
cidade. Ali, tem comida para todos os
gostos, de cachorro-quente, churrasquinho a um jantar completo. Maria
Aparecida Silva, de 48 anos, fechou seu
restaurante num ponto fixo da avenida
para servir suas refeições na praça.
Ela transformou a churrasqueira
num fogão onde coloca grandes panelas com buchada, chambaril (um ensopado de carne), assado e galinha caipira. No fim de semana, tem sarapatel.
Os preços variam de R$ 10 a R$ 15.
“Aqui vem todo tipo de gente comer
minha comida, advogados, médicos e
engenheiros. Está sempre cheio.” A
vantagem de Maria Aparecida é que
agora ela não paga nenhum aluguel.
Rebelião. Os operários da obra ficam
nos alojamentos, distantes da cidade.
E, como em outras grandes obras, de
vez em quando se rebelam. No último
feriado, um grupo queimou parte do
alojamento, quebrou máquinas e fez
um engenheiro de refém.
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O ESTADO DE S. PAULO
10.679%
DOMINGO, 29 DE JUNHO DE 2014
Economia B15
● “Aqui vem todo tipo de gente comer
foi o crescimento do PIB de Canãa dos Carajás, que era
de R$ 28 milhões em 2000 e atingiu cifra de R$ 2,9 bilhões
em 2011, segundo dados do IBGE
minha comida. Está sempre cheio.”
Maria Aparecida Silva,
vendedora de comida na rua
Em obras. Construção da
usina de processamento
do projeto S11D, da Vale
De mudança. Antônio Maurício: ‘Hoje temos de comprar tudo’
OBRA DA S11D
FAZ 90 FAMÍLIAS
SAÍREM DE VILA
O
início da construção do S11D,
da Vale, isolou os moradores
da Vila Mozartinópolis, mais
conhecida como Racha Placa. Boa parte da população da vila sobrevivia do
trabalho nas fazendas compradas pela
mineradora para o empreendimento.
Alémdisso, plantavammilho, mandioca e arroz. “Não dependíamos de nada.
Hoje temos de comprar tudo, até o milho para dar às galinhas”, diz Antônio
Maurício Gustavo, de 57 anos, um dos
fundadores da Vila. A família de oito
pessoas mora na pequena casa de madeira, com dois quartos, sala e cozinha.
No total, 90 famílias deixarão o Racha Placa para morar em outros locais.
Segundo a Vale, foram oferecidas três
opções aos moradores: “A livre negociaçãodos imóveis;atrocaporresidên-
Ritmo acelerado. Avenida Weyne Cavalcante, a principal de Canaã dos Carajás: alto custo de vida é um grande desafio para os empresários
DE CANAÃ DOS CARAJÁS (ACIACCA)
racterísticas de outras localidades do
Pará: apenas 20% da cidade têm água
tratada, esgoto e rua pavimentada – isso porque a Vale investiu cerca de R$
100 milhões na infraestrutura local. A
prefeitura promete elevar para 55% o
total de ruas asfaltadas até dezembro.
Naeducação,ocenárionãoédiferente. Para dar conta de toda demanda, foi
preciso criar turnos intermediários no
meio do dia, o que não é o ideal, diz o
prefeito. “Nossa meta é acabar com esses turnos e construir mais três escolas para atender todas as crianças.”
Segundo ele, apesar de a receita ter
aumentado, a demanda explodiu com
achegadadenovosmoradores.Oavanço da receita própria do município, especialmente de ISS pago pelos prestadores de serviços da Vale, cresceu
293% entre 2005 e 2013, para R$ 72 milhões. A receita total alcançou R$ 189
milhões, incluindo os royalties da mineração, que deverão aumentar com a
operação do S11D, em 2016.
mil pessoas haviam se mudado para a
“Terra Prometida” em busca de riqueza. Mas o prefeito de Canaã dos Carajás, Jeová Gonçalves de Andrade
(PMDB), diz que esse número está defasado. “Na prática, deve haver umas
50milpessoasnacidade”,dizele,reclamandoque a infraestruturado municípionãocomportatamanhoinchaçopopulacional.
Apesar da riqueza em seu solo, crescimento do PIB e arrecadação maior,
Canaã dos Carajás mantém várias ca-
Povo pobre. Mas muitos moradores
não estão contentes com o retorno do
empreendimento. “É uma cidade rica
com um povo pobre”, afirma Anderson Mendes, presidente da Associação
Comercial, Industrial e Agropastoril
deCanaãdosCarajás(Aciacca).Segundo ele, parte do comércio não vai bem.
Comoaumentodapopulação,onúmero de estabelecimentos comerciais
também cresceu. Em três anos, por
exemplo,a quantidadedefarmáciassubiu de 15 para 50 e a de lojas de material
de construção, de 4 para 60. O grande
CIDADE VIVE CRESCIMENTO
EXPLOSIVO APÓS MINERADORA
Até 2000, Canaã dos Carajás
era um lugarejo desconhecido;
chegada da Vale em 2004
mudou a história, e em 2011
PIB já havia crescido 10.679%
CANAÃ DOS CARAJÁS (PA)
D
e um lado da Rodovia PA-160,
quedáacesso àpequena Canaã
dosCarajás,nosudoestedo Pará, um estande de vendas dá sinais de
que o progresso chegou na cidade. Lotesde bairrosplanejados, com 300metros quadrados, são vendidos por R$
89 mil, em 180 parcelas. Dos 200 terrenos postos à venda há apenas uma semana, só restavam oito disponíveis.
Naoutramargem da estrada,noentanto, o outdoor alertava para outro reflexodocrescimento:“Abusosexualécrime. Denuncie”. Trata-se de uma campanha para reduzir os altos índices de
estupro e de pedofilia no município.
Batizada com nome de origem bíblica (70% da população local é evangélica), que significa Terra Prometida, Canaã dos Carajás era um lugarejo desconhecido no mapa do Brasil até o início
dos anos 2000. Sua história, no entanto,ganhounovanarrativa coma chega-
da da Vale e a instalação da Mina de
Cobre de Sossego, em 2004. O empreendimento foi o grande responsávelpeloelevadocrescimentoeconômico da cidade. Até 2000, o Produto Interno Bruto (PIB) do município não
passava de R$ 28 milhões. Em 2011, já
havia crescido 10.679% e alcançado R$
2,9 bilhões. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), no mesmo período o PIB do
Pará avançou 363% e o do Brasil, 251%.
O crescimento colocou a cidade em
terceiro lugar no ranking estadual do
ÍndiceFirjande DesenvolvimentoMunicipal (IFDM). Entre 2000 e 2011, o
municípiosaiudopatamarde baixodesenvolvimentoparaumníveldedesenvolvimento moderado. Hoje, aos 19
anos,Canaã dos Carajás abriga omaior
empreendimento da indústria mundial de minério de ferro (o S11D, de
US$ 19,67 bilhões, da Vale) e sonha em
absorverparte detoda riquezamineral
de seu território para o bem-estar da
população.
O sonho, no entanto, já extrapolou
os limites do município. Em pouco
tempo, a fama de província mineralganhou outros Estados e atraiu milhares
demigrantesdevárias partesdo Brasil.
Até o ano passado, a estimativa do
IBGE era de que, entre 2000 e 2013, 20
● Impressões
“Na prática, deve haver umas
50 mil pessoas na cidade.”
“Nossa meta é acabar com
esses turnos e construir mais
três escolas para atender
todas as crianças.”
Jeová Gonçalves de Andrade
PREFEITO DE CANAÃ DOS CARAJÁS
“É uma cidade rica com
um povo pobre.”
Anderson Mendes
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO
COMERCIAL, INDUSTRIAL E AGROPASTORIL
cias na cidade; e o atendimento rural, por meio da criação de assentamento em parceria com o Instituto
Nacional de Reforma Agrária (Incra), cabendo a cada um cinco alqueires de terra e a construção de
uma casa”. Do total de famílias, 48
escolheram essa última opção.
Mas os moradores estão ansiosos
pela mudança, uma vez que a vila
está praticamente acabada. Algumas famílias que optaram pelas outras alternativas já saíram do bairro,
deixando para trás um rastro de ruínas. A Vale diz que o cronograma de
obras das 50 unidades do assentamento está em dia e que as casas
serão entregues em dezembro.
Segundo a mineradora, a realocação não era uma condição para a implantação do S11D. Foram os moradoresdavilaquemanifestaraminteresse em mudar, disse a empresa. A
história entre a população local é diferente. Eles dizem que foi a Vale
que, em 2008, começou a entrevistar as famílias para indenizar.
problema, diz ele, é que o dinheiro
não está circulando na cidade. Como os funcionários das construtoras que estão levantando o projeto
são de fora do município e ficam em
alojamentos, o dinheiro é enviado
para suas cidades de origem.
Outra reclamação é que o sistema
bancário não funcionabem. Às 6 horas já tem gente na fila aguardando a
abertura do banco. Em dias de pagamento, os moradores chegam a esperar quatro horas para ser atendido. E, muitas vezes, o dinheiro não é
suficiente para todos, diz Mendes.
“Os moradores acabam indo para
Parauapebas usar os bancos de lá. O
problema é que aí gastam tudo no
shopping.”
Para a dona do bar e restaurante
Premier, Uelma Lima, o alto custo
de vida da cidade é o grande desafio
para os empresários. Depois de morar na Europa por um tempo, ela foi
incentivada pelo tio a abrir um estabelecimento em Canaã dos Carajás.
Uelma está na cidade há dois anos e
já pensa se conseguirá manter o restaurante aberto por mais tempo.
“Só de aluguel pago R$ 6 mil. É difícil conseguir manter o negócio.” Segundo ela, várias lojas abertas na
AvenidaWeyneCavalcantejáfecharam as portas por falta de demanda.
Os empresários do ramo imobiliário e da construção civil vivem situação contrária. Na mesma avenida do
restaurantedeUelma,EdisondeMorais não tem do que reclamar da loja
de materiais de construção. Natural
deGoiás,eleestáhádoisanosnacidade. “A concorrência é alta e a margem de lucro pequena. Mas tenho
vendidobastante.”NocasodeRoberto Andrade, do grupo Moreira Empreendimentos Imobiliários, a margemdelucroébem alta.Aempresajá
vendeu 5 mil lotes e prepara outros
1,2 mil para comercialização a partir
de 15 de julho e 1 mil para 2015.
Ele conta que, no início, lotes acimade360m²eramvendidosporapenas R$ 3 mil. “Hoje não sai por menos de R$ 60 mil.” E, mesmo assim,
alguns residenciais de até 450 lotes
são vendidos em apenas uma hora,
com direito a briga entre os compradores. “A fila de espera tem mais 2
mil clientes”, diz Andrade, um mineiro de Patos de Minas. “Apesar da
distribuição de renda estar muito
aquém, há um espaço enorme para
crescer. Afinal, temos a maior jazida
de ferro do planeta.”
NA WEB
TV Estadão. Canãa
dos Carajás vive
transformação
estadao.com.br/e/carajas

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