CORREIO DA
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CORREIO DA
AESE Escola de Direcção e Negócios Publicação: quinzenal Director: J.L.Carvalho Cardoso Editor e Proprietário: AESE Impresso por: Cromaticamente Depósito legal: nº 21228/88 Preço: e 1 23º Ano CORREIO DA AESE Nº 543, 15-10-2010 Tempos de queixas «Queixo-me, logo existo», poderia ser o lema de alguns grupos. E, quando o protesto se centra num único personagem, a reunião aos gritos pode dar lugar a estranhas cacofonias. Foi aquilo que vimos há pouco tempo em Londres aquando da visita do Papa. Talvez porque sabiam que seriam menos que os apoiantes, os críticos juntaram todas as minorias dissidentes para fazer volume. E, assim, os que levavam o cartaz de Religion is stupid e os que descreviam a Igreja Católica como a barbárie institucionalizada, manifestavam-se juntamente com aqueles que pediam Ordenação de mulheres, já!. É como se os opositores das touradas se queixassem de que não se deixa as mulheres poderem tourear. Outras vezes, os queixosos invocam precisamente o valor que a sua conduta nega. É o caso de um casal de gays espanhóis, que tomaram conta de uns gémeos concebidos por uma mãe de aluguer nos Estados Unidos e querem que em Espanha sejam reconhecidos como pais das criaturas. Mas a legislação espanhola proíbe a gestação por substituição. Por isso, o Registo Civil do consulado espanhol de Los Angeles negou a inscrição. Trouxeram os gémeos para Espanha e conseguiram que a Direcção-Geral de Registos os reconhecesse como pais. Mas o ministério público recorreu e agora um juiz de primeira instância decidiu anular a inscrição. Contra o argumento de que a recusa da inscrição implicaria discriminação, o juiz entende que precisamente neste ponto a lei trata por igual todos, ao não reconhecer os efeitos de um contrato de maternidade de aluguer. «Esta consequência jurídica», diz a sentença, «seria aplicável no mesmo pressuposto tanto a um casal de homens, como de mulheres, de homem ou mulher sozinhos, ou casal heterossexual, PANORAMA pois a lei não distingue nestes pressupostos de sexos, mas sim que o facto determinante é a forma de dar à luz.» Perante esta resolução, o casal decepcionado queixa-se: «Não podemos continuar a dizer que em Espanha existe igualdade.» Mas realmente o que eles pediam é que fossem tratados de modo desigual, reconhecendo-lhes um tipo de paternidade que a lei proíbe a todos, homossexuais ou não. Naquilo em que não há igualdade, nem em Espanha nem fora de Espanha, é na possibilidade de que um casal homossexual seja capaz de produzir uma criança por si só como outro formado por homem e mulher. Mas o tribunal da biologia não tem apelo e é insensível às queixas. Num tempo tão virado para as queixas e para os pedidos de indemnizações, é raro que um governo encoraje um grupo a reclamar dinheiros públicos, dando todo o tipo de facilidades. Mas é o que fez a Junta da Andaluzia, que contactou as mulheres que sofreram vexames sob o franquismo, durante o período de 1936 a 1950, para lhes dar uma indemnização de 1800 euros. A medida procura oferecer uma reparação moral e simbólica às mulheres que, no clima de represálias da guerra civil, sofreram vexames como terem o cabelo rapado, serem obrigadas a tomar óleo de rícino ou serem expostas ao escárnio público. Como já se sabe que a memória histórica é longa mas selectiva, não há nenhuma indemnização prevista para as mulheres que sofreram vexames no outro lado da contenda. Dado o longo tempo decorrido e a inexistência de documentos que provem esses factos, as mulheres que solicitarem a indemnização poderão apresentar «qualquer prova admitida em Direito, incluindo testemunhos de terceiros e declarações sob juramento». Em resumo, bastará pedi-lo. A Junta da Andaluzia expõe-se a cair no ridículo se forem poucos os pedidos. E, mesmo tendo em conta apenas uma questão de idade, a grande maioria destas mulheres que sofreram represálias depois da guerra civil podem estar já mortas ou com a memória perdida. A outra possibilidade é que o pagamento de 1800 euros desperte o lado picaresco, e que as nonagenárias andaluzas cheguem a acordo para dizer que foram vítimas de cabelo rapado à força. Mas, por uma vez, qualquer queixa será bem recebida. I. A. Itália: Aprovada a lei sobr e sobre cuidados paliativos Quando passou pouco mais de um ano sobre a morte em Udine de Eluana Englaro, após 17 anos em coma, a Câmara dos Deputados italiana aprovou praticamente por unanimidade - 476 votos a favor, duas abstenções - uma lei que deseja garantir o acesso aos cuidados paliativos e à terapia da dor. A lei prevê um fundo económico de 150 milhões de euros para que as regiões possam satisfazer os níveis essenciais de assistência neste campo durante o triénio 2010-2012. Entre as inovações destacadas pelo ministro da Saúde, Ferruccio Fazio, figura o chamado projecto «hospital-território sem dor», que prevê um modelo integrado no território nacional, para melhorar a qualidade de vida dos que padecem de sofrimentos físicos graves, assim como o apoio às suas famílias. A tramitação desta norma seguiu um procedimento separado, embora de certo modo paralelo, à do problema mais debatido do tratamento vital. Isto porque, na opinião de altos dirigentes do Ministério da Saúde, é muito importante atender adequadamente as pessoas mais fracas, para assegurar um equilíbrio prudente entre a tutela da vida e a liberdade de escolha de terapias. Com esta lei, o Parlamento - sublinha o jurista Massimo Polledri -, «propõe-se afirmar que a doença não é uma derrota humana e não comporta qualquer elemento de que uma pessoa tenha de se envergonhar». Entre os principais promotores da norma encontra-se Paola Binetti, que milita hoje nas fileiras Correio da AESE da UDC (esquerda da democracia cristã), depois de abandonar o PD, a qual, segundo o Avvenire (9 de Março de 2010), está feliz, porque maioria e oposição superaram as controvérsias e juntaram-se com «o objectivo de assistirem os doentes mais graves da melhor maneira possível até ao fim das suas vidas». Em síntese, trata-se de una pagina di bella politica. Esta pílula, com rreceita eceita Um total de 2835 farmacêuticos, juntamente com 2000 profissionais de outros sectores, subscreveram um manifesto onde reclamaram ao governo espanhol que a pílula do dia seguinte (PDS) voltasse a ser vendida com receita médica. As associações promotoras apresentaram o texto ao Ministério da Saúde, após a recolha das assinaturas. Desde 28 de Setembro de 2009 que a PDS pode ser comprada nas farmácias espanholas sem necessidade de prescrição médica, devido a uma decisão do Ministério da Saúde. Mas, como não existem dados que demonstrem que seja segura, a Plataforma Profissional Farmacêutica - que reúne 21 associações - promoveu um manifesto contra a liberalização da PDS. O documento começa por denunciar que a Agencia Española del Medicamento permitiu alterar a ficha técnica e os prospectos dos dois produtos autorizados em Espanha (Norlevo e Postinor), sem as suficientes provas médicas que justifiquem a reavaliação do fármaco. Em consequência dessa modificação, agora a PDS pode ser vendida igualmente a menores de 16 anos sem o consentimento dos pais. A gravidade do assunto reside no facto de que, segundo a ficha técnica do Postinor, «não há estudos representativos nos quais se demonstre que a utilização da PDS em menores de 16 anos seja segura». Também é «extremamente desconcertante que na ficha do Postinor se faça alusão a este importante dado e, pelo contrário, o mesmo não aconteça na do Norlevo». Apesar desta incerteza, o Ministério da Saúde publicou um folheto informativo para as utentes onde assegura que «esta pílula é um medicamento seguro para a saúde». O folheto do Ministério afirma também que a PDS «não é abortiva nem produz qualquer problema 6 ou lesão no embrião no caso de haver já uma gravidez», pois «se trata de um medicamento hormonal que impede ou atrasa a ovulação e na maioria dos casos evita a gravidez mas nunca a interrompe». É verdade que a PDS tem vários mecanismos de acção. Mas, como explica a sua ficha técnica, um deles é que pode impedir a implantação do embrião no útero, que é o efeito abortivo. Por isso, o manifesto considera que «a informação fornecida padece de falta de clareza» e pode «confundir a utente, criando a falsa expectativa de que a PDS não interfere com o embrião». Quase metade das crianças indianas dos 6 aos 14 anos é que completam hoje esses oito anos de estudos. O interesse pela educação é grande e muito alargado, mas nem o Estado tem capacidade para escolarizar todas as crianças, nem em muitos casos as famílias pobres podem prescindir da ajuda dos seus filhos no ganha-pão. Daí que no nível primário faltem 8,1 milhões de alunos que deveriam estar matriculados. E acrescenta: «Em resumo, é um facto que a informação proporcionada é incompleta e está claramente enviesada. Longe de atender a razões científicas, esse folheto tem uma profunda carga ideológica e, o que é pior, pretende impô-la, sem discussão, a todo um colectivo profissional.» Segundo a nova lei, o governo central e os estados vão ocupar-se do pagamento do ensino a todas as crianças e assegurar a assistência. As escolas públicas continuarão a ser gratuitas, e as privadas terão de reservar 25% dos seus lugares para alunos que não podem pagar. O governo vai compensá-las com uma verba por aluno equivalente ao que lhe custa um aluno numa escola pública da zona. Isto é um mau negócio para as escolas caras, que recorreram da medida para o Supremo Tribunal. O manifesto critica também o facto de o Conselho Geral da Ordem dos Farmacêuticos ter ratificado o folheto, «o que contradiz a sua função profissional e deontológica de velar pela melhoria da saúde da população». Como a oferta de lugares não é grande, para evitar que as escolas coloquem limites aos pedidos, a lei proíbe-as de receber qualquer tipo de quota ou donativo das famílias, assim como fazer entrevistas aos candidatos a alunos ou aos pais. Os subscritores solicitam ao governo a retirada do folheto que o Ministério da Saúde distribuiu às farmácias, o regresso da PDS à categoria de «medicamento sujeito a prescrição médica» e o reconhecimento do direito à objecção de consciência dos farmacêuticos que não a querem disponibilizar. O governo teria de providenciar que possam ir às aulas não apenas as crianças, como em primeiro lugar os professores. O absentismo laboral é muito alargado nas escolas públicas das zonas pobres. Este é um dos principais motivos que fizeram proliferar as escolas privadas nesses lugares, as quais as famílias pagam à custa de renúncias. Algumas são informais e terão de fechar, pois a nova lei proíbe os centros educativos sem reconhecimento oficial. Além disso, exige ao Conselho Geral da Ordem dos Farmacêuticos a retirada do apoio ao folheto e «a protecção e cobertura dos farmacêuticos que por motivos de consciência não estão dispostos a dispensar a PDS». A Índia implanta 8 anos de educação obrigatória e gratuita Desde Abril deste ano, todas as crianças indianas dos 6 aos 14 anos têm de ir à escola. Na realidade, isso já o afirmava a Constituição numa emenda de 2002, mas com a nova Lei do Direito à Educação, que entrou em vigor, pretende-se torná-lo efectivo exigindo, entre outras coisas, o concurso do ensino privado. 7 Das leis à aplicação há uma grande distância. Em 2001, o governo encetou um plano de escolarização universal cujo primeiro objectivo era que todas as crianças completassem pelo menos cinco anos de ensino primário. A meta, que deveria ter sido alcançada em 2007, ainda está pendente. Para que a nova Lei do Direito à Educação tenha mais êxito, os poderes públicos terão de avançar com o dinheiro. O custo oficialmente estimado é de 38 200 milhões de dólares nos primeiros cinco anos, e vai ser repartido entre o governo central e os estados. Nova Delhi entrará com 65% na maioria dos casos, e com 90% nos estados mais pobres. Os fundos terão de responder não apenas às novas matrículas nas escolas públicas ou privadas, como também às carências de infra-estruturas e de pessoal. A ONG Save the Children calcula que serão necessários 1,2 milhões de novos professores qualificados. Correio da AESE Suíça: Um Robin Hood para devolver o dinheiro roubado por ex-ditador es ex-ditadores O Parlamento suíço elaborou uma lei que vai permitir às autoridades confiscar fundos ilícitos de ex-ditadores, para os restituir ao governo legítimo. Desde há algum tempo, a Suíça deixou de ser aquele país para o qual parecia convergir todo o dinheiro sujo e fugido à justiça, para se converter num lugar financeiro de espaços abertos onde não é possível passar quem quer que seja sem ter os papéis em ordem. Uma amostra disso é que, em Novembro do ano passado, a Suíça abandonou a lista cinzenta da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), lista em que se incluem centros financeiros que se considera não cumpridores das normas internacionais de cooperação em investigações de evasão fiscal. A Suíça tinha sido incluída pelo G20 cinco meses antes na decidida luta internacional para alcançar uma maior transparência financeira. Mas não apenas relativamente à evasão fiscal. À medida que as instituições internacionais olham com melhores olhos a reorientação do savoir-faire suíço, todos aqueles personagens que anseiam ocultar dinheiro obtido de modo ilícito começam a riscar também a Suíça das suas listas de destinos paradisíacos. É o que acontece com os ditadores, muitos deles procedentes de países pobres que ficaram exauridos após a sua gestão. A Suíça congelou fundos de alguns deles por suspeitar que tinham sido obtidos de maneira ilegítima. São os casos de Vladimiro Montesinos (assessor de Alberto Fujimori) no Peru, Ferdinando Marcos nas Filipinas, Sani Abacha na Nigéria ou Raúl Salinas, o irmão do ex-presidente do México, Carlos Salinas de Gortari. Este processo não termina com o congelamento ou retenção do dinheiro dos ditadores. O passo seguinte consiste em fazer todo o possível por restituí-lo ao país onde foi roubado ou, pelo menos, certificar-se de que será utilizado em benefício do país do qual foi subtraído. Nestes últimos anos, a Suíça tratou caso a caso as modalidades de restituição de fundos de ex-ditadores. Em 2005, a Suíça devolveu à Nigéria 290 milhões de dólares pelos quais se havia apropriado o Associação de Estudos Superiores de Empresa l ex-presidente Sani Abacha; o acordo dava poderes ao Banco Mundial para controlar de modo a que os fundos fossem investidos em projectos de desenvolvimento nos sectores da saúde, educação e infra-estruturas de transportes. Noutro caso de dinheiro corrupto proveniente do Kazaquistão, os fundos foram devolvidos a este país depois de Berna ter obtido garantias de que seria destinado a um fundo especial para as crianças mais desfavorecidas da Ásia Central. Mas esta operação não é fácil do ponto de vista jurídico, porque até agora eram os Estados que reclamavam a terem de demonstrar que os fundos tinham sido roubados. Isto nem sempre foi possível. Em 2009, os herdeiros do ex-ditador do Zaire, Mobutu, puderam recuperar 7,7 milhões de francos suíços (5,4 milhões de euros) congelados na Suíça desde 1997. A justiça da República Democrática do Congo não foi capaz de provar a origem ilícita destes fundos. Para evitar estes casos de flagrante injustiça, o Parlamento helvético elaborou uma lei que vai permitir às autoridades não só bloquear os fundos ilícitos de ditadores provenientes de países «frágeis», como devolvê-los ao governo legítimo desse país e não à família do espoliador. Os fundos imobilizados em bancos suíços nestes casos são submetidos a uma «presunção de procedência ilícita». Cabe aos seus titulares - ex-presidentes ou altos funcionários - provar que esses fundos se adquiriram honradamente. O Estado que reclama esses fundos deve apresentar uma acção judicial para obter o confisco e a restituição do dinheiro, e o governo suíço poderá ele próprio avançar para o congelamento, se essa acção não chegar. A lei, além de prever que os interesses da Suíça terão de ser salvaguardados, admite a possibilidade de recurso para o Tribunal Administrativo Federal (TAF), que não terá efeito suspensivo. Após ordenado o congelamento, e para evitar que se torne caduco, o governo suíço terá no máximo dez anos para abrir uma acção de confisco junto do TAF. Embora a reforma talvez chegue tarde para o caso da República Democrática do Congo, Valentiz Zellweger, director de direito internacional público do Ministério dos Negócios Estrangeiros helvético, espera que se aplique, por exemplo, no caso dos fundos do ex-ditador haitiano Duvalier, ainda pendente de uma resolução definitiva. A lei foi aprovada em Junho pelo Conselho dos Estados (senadores) e em Setembro pelo Conselho Nacional (deputados). Administração: Calçada de Palma de Baixo, 12 – 1600-177 LISBOA – Tel.: 21 722 15 30 – Fax: 21 722 15 50 – E-mail: [email protected]