Corruptos anônimos
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Corruptos anônimos
CMYK CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 10 de janeiro de 2010 • Opinião • 15 Uma visão crítica »MAURÍCIO CORRÊA Advogado s grandes mutações na vida das nações se fizeram após momentos críticos de sua história. Pequeno exemplo dessa constatação foi a Segunda Guerra Mundial. Nesse aspecto, pode-se dizer que o nazismo foi o resultado do fracasso da República de Weimar. Desorganizada política, social e economicamente a Alemanha, o desencanto se instalou por todo o país. A nação imergiu numa crise sem precedentes, abrindo espaço para que as esperanças do povo se renovassem nas promessas de um gonfaloneiro que prometia restaurar os brios da nação humilhada pela derrota nos campos de batalha. Tratava-se de maníaco ensandecido que conseguiu aumentar ainda mais o desespero da nação, mergulhando-a na penúria de que o único recurso foi o reconhecimento da própria falência. Obrigado pelas circunstâncias, o povo se levantou, reuniu forças e disposição para enfrentar o problema e foi capaz de colocar o país no patamar dos mais prósperos e ricos do planeta. Os EUA, da mesma forma, emergiram das dificuldades da recessão de 1929 e, mesmo assim, tiveram condições de vencê-la. Pouco tempo depois, durante os anos da guerra na qual se viram forçados a ingressar, puderam mostrar a pujança e a robustez da economia reconquistada. Vários outros exemplos podem ser citados nesse mesmo sentido para provar que os traumas vividos por nações podem ser convertidos em energia e fortaleza de seus povos. Todos nós que viemos para Brasília somos responsáveis pela imagem que dela se faz. Com a cobertura que a imprensa deu sobre os últimos acontecimentos ocorridos na cidade, mais uma vez tornou-se ela alvo da maledicência geral. Há algum tempo setores da mídia a chamavam de Ilha da Fantasia. Alguns pequenos privilégios que servidores públicos passaram a ter com a mudança da capital serviram de mote para comentários maliciosos. Esse era o motivo de exploração do epíteto. Comportamentos censuráveis de parlamentares de outros estados confundiam-se genericamente como se fossem de deputados ou senadores daqui. Com relação aos recentes episódios que envolveram políticos da cidade, não há por que dizer que não procedem. Sem dúvida que não é nada agradável ouvir comentários dessa natureza. A cultura da corrupção política não é A prática que tenha raízes no atual governo da capital. Não se pode negar que o mal tem origem nos costumes transmitidos de gestões passadas. Afinal, há quanto tempo não se ouve falar nas rodas de amigos e de empresários sobre a exigência da propina na hora da liberação dos pagamentos de faturas. Como os atos de rapinagem do dinheiro público são difíceis de provar, nada se pode fazer para punir os corruptos enredados na malandragem. Nenhum empresário vai dizer que teve de pagar aos intermediários da trama o valor estabelecido pelo beneficiário do ilícito. O costume chegou a ponto de eclodir na boca de um delator, que, para atenuar as penas dos próprios crimes, acabou produzindo o arsenal de revelações já conhecidas da sociedade. Não é possível que o povo de Brasília tenha que pagar o preço pelos crimes dos maus administradores ou dos políticos desonestos. Como também não é de esperar que cometa o mesmo erro de eleger corruptos para cuidar da cidade. Sobretudo neste ano de eleições em que escolherá seus deputados, senadores, governador e presidente da República. O momento por que passa a capital, pela sucessão de fatos verificados ultimamente, é peculiar e especial. A oportunidade é ímpar para que os eleitores da cidade corrijam os vícios do passado e não os repitam no presente. Nova mentalidade deve florescer doravante para que possa servir de elo para mudança dos velhos paradigmas de equívocos para novos e seguros que hão de vir. A vergonhosa posição em que os maus governantes situaram Brasília como paraíso da corrupção não pode mais coexistir. É hora de acabar com os desvios e irregularidades na vida política da capital da República. A metáfora utilizada no início destas notas serve para acentuar que, quando um povo se dispõe a rever seus erros, é possível achar rumos que o conduza a acertos. É imperioso que se ponha um termo final na nefasta cultura do saque e da pilhagem implantados na cidade. Só há uma maneira de acabar com seus agentes. É por meio da renovação de valores que o seu povo deve processar. Não basta que a escolha dos detentores de mandatos se faça com pessoas que se digam capazes e competentes. É necessário saber se não têm os mesmos vícios dos que devem ser substituídos. Como a revisão que impõe ser feita se faz pelo voto, não é nada fácil que a nova cultura possa advir sem maiores esforços. A cada candidato disposto a realizar a tarefa cabe o encargo de denunciar os demagogos e aproveitadores. Só assim poderá suceder que os maus não voltem mais. A maior responsabilidade caberá aos candidatos a governador, que não poderão se omitir na edificação moral dos novos costumes políticos da cidade. Para isso, é preciso que sejam incisivos, explícitos e diretos nos objetivos. A capital do país tem que se libertar dos maus políticos e de sua cultura. Que se faça a depuração pelo voto livre do povo. Corruptos anônimos JAIME PINSKY Historiador e editor, livre docente pela USP e professor titular da Unicamp (pinskyeditoracontexto.com.br) C pelos convivas, ou dispara um número sobre as prováveis gorduras que aquele filé traz consigo. É um verdadeiro gordo anônimo. Mais de duas décadas passadas após seu período de “robustez” não foram suficientes para fazê-lo acreditar no espelho. O fato é que se conhece. Sabe que continua amando comida, especialmente doces, e que qualquer pequeno abuso poderá levá-lo a reincidir e voltar a ser gordo. Por se conhecer, se cuida. Nelson Rodrigues, com seu talento, descreveu em várias peças um tipo que poderíamos caracterizar como o devasso anônimo. Uma figura que destila moral o tempo todo, revolta-se contra o biquíni, o vestido curto, a calça comprida feminina (particularmente quando justa), a liberdade de costumes, o sexo prazeroso. Todos nós conhecemos certos pais de família que, quando solteiros, foram predadores sacanas que conquistavam e largavam garotas inocentes e nem sequer pagavam o aborto quando a coitada engravidava. Pois esse tipinho, agora, controla os horários das filhas, fiscaliza suas gavetas com chaves falsas que mandou fazer, pergunta ao farmacêutico da esquina se a menina compra pílula anticoncepcional. Sua relação com a mulher é fria e burocrática, prazer para ele é sinônimo de pecado. Numa festa não consegue olhar as demais mulheres nos olhos, resmunga contra os decotes excessivos, os vestidos de alcinha, o tecido marcando a calcinha. Continua um devasso, não praticante, mas pronto para cair na gandaia, que sabe, inevitável, se se deixar tentar. Não é um moralista, é um devasso anônimo. Ou melhor, o moralista é CMYK ada um de nós já se deparou com um ex-alcoólico. O camarada sabe exatamente o número de dias que está sem beber, não se aproxima de uma taça de vinho ou de um copo de cerveja, evita situações em que possa ser tentado por um drinque. Sabe, por experiência própria e de seus colegas, que não é um abstêmio. Mesmo 20 anos depois de parar de beber. Foi e continua sendo um alcoólico e necessita fiscalizar-se todos os dias, 24 horas por dia, porque nunca conseguirá beber “socialmente”. Se tomar uma, tomará todas. É um autêntico alcoólico anônimo. E os gordos, então? Quem já foi gordinho na adolescência vai se ver eternamente como um gordo. Conheço um fulano que era muito guloso na infância. Quando ia a festas de coleguinhas de escola, fazia a alegria das mães que se aventuravam a preparar sozinhas os salgadinhos sem recheio e os brigadeiros gosmentos e superaçucarados. Enquanto a turma disputava corrida de saco ou brincava de esconde-esconde, ele, feito uma draga, detonava a mesa de comida. Quando chegou aos 16 anos e viu não ter sucesso com as garotas, tomou a decisão de emagrecer. Fechou a boca, fez judô, natação, corrida, musculação, alongamento e tornou-se um gato, no parecer das meninas. Namorou todas que pôde (e até algumas que não pôde, mas namorou assim mesmo), casou-se, teve filhos, tornou-se empresário de sucesso, magérrimo, com o rosto até um pouco chupado. Mesmo assim, até hoje conta calorias. Jantar com ele é um tormento, já que fiscaliza o número de azeitonas comidas devasso anônimo... Quando trabalhava numa universidade no interior paulista, tinha um colega que chegava diariamente às 8h da manhã, saía às 12h para almoçar, voltava às 13h e ficava trabalhando até as 18h horas, a não ser em dias de aula. Como a maioria dos colegas se permitia horários bem mais elásticos (alguns porque trabalhavam em casa ou em arquivos, outros porque não trabalhavam mesmo) perguntei-lhe o porquê de seu comportamento. Disse-me ser um cara preguiçoso e desorganizado. A vida toda sua escrivaninha foi uma bagunça e sua condescendência para consigo mesmo não tinha limites. A duras penas terminou a faculdade. Quando entrou no mestrado, transformouse num legítimo CDF, mas, com medo de reincidir e voltar ao que tinha sido. Pronto, eu havia encontrado o preguiçoso anônimo. Como vê, meu leitor, a lista é muito extensa. Dizem até que pode incluir um espécime bastante comum no Planalto (neste e em vários outros), o corrupto anônimo. O tipo já foi pilhado, há algum tempo, apropriando-se de bens públicos, arrependeuse, pediu perdão e foi perdoado. Passou a criticar corruptos e corruptores e a apresentar-se como modelo de virtudes. Durante bom tempo ficou longe da tentação de aumentar fácil e rapidamente o seu patrimônio, utilizando-se de funções públicas. Tinha medo de não poder resistir. Mas, ao contrário de alcoólicos, gordos, devassos e preguiçosos, conta com um trunfo: se reincidir será novamente perdoado. Afinal, brasileiro tem memória curta mesmo. ARI CUNHA Desde 1960 VISTO,LIDO E OUVIDO [email protected] com Circe Cunha // [email protected] Passarinho, o exemplo Jarbas Passarinho aniversaria amanhã. Noventa anos de vida a serviço do país em várias oportunidades. A família está convidando amigos para um jantar em sua casa. De gestos moderados, o grande brasileiro está superando a idade. A lucidez continua cristalina. Ao deixar o Exército, estudou tudo que um patriota precisava fazer. Foi chefe da Petrobras no Norte, onde aprendeu todo o trabalho. Foi ministro quatro vezes e presidiu o INSS. Ocupou muitas atividades civis, se destacando em tudo. Trabalhador, pesquisador, possui invejável biblioteca. Os assuntos da atualidade passaram pela leitura de anotações. Chegou a ser indicado para a Presidência da República. Um general foi contra: “Não vou fazer continência a um coronel”. Basta saber que a continência entre os militares é o cumprimento longe dos abraços e aperto de mão. Passado na casca do alho, Passarinho é de uma terra excepcional. Nasceu em Xapuri, de onde provêm nomes célebres do país. Amanhã vou abraçar meu ex-vizinho. Modelo de simpatia e simplicidade para todas as pessoas. A frase que não foi pronunciada “O senhor poderia enviar um e-mail para ele?” » Mãe animada vendo o primeiro filho durante o exame de ultrassom. Silêncio » Câmara e Senado discutem ou fazem as propostas que desejarem. Ninguém fala sobre companheiro. Isso porque todos têm reserva pessoal de informações. Se um dia o sigilo for aberto, o Brasil vai corar com as brigas entre eles. Inteligência » Grande transportadora de frutas em todo o país se chama Mendes. Caminhões novos são trocados. Ainda na garantia, são devolvidos à fábrica. A razão é simples. Nossas estradas não são de confiança. Ambiente » Gestores internacionais promovem discussões sobre a emissão de gases de cada país. Previsões somam US$ 39 trilhões para o mundo. Reuniões vão tentar encontrar solução dentro dos interesses de cada país. Parece difícil. Mesmo assim, estão procurando um indicador que consiga unir comunidades. Congresso » Não adianta tentar a redução das vantagens dos parlamentares. Pedro Simon é batalhador nesse assunto. Prega no deserto. Em se reduzindo para uma reunião por mês, candidatos de bom nível intelectual e jurídico teriam oportunidade de participar da vida nacional. O certo é haver unificação entre todos os legisladores, tanto estaduais como municipais. Com Congresso todos os dias, é amontoar leis e interesses pessoais. Fugas » Portas dos presídios são abertas para que presidiários passem em família as festas universais. Convém lembrar que no Brasil os presídios são amontoados de gente. A revolta é geral. Homens e mulheres em diferentes lugares, dispostos de maneira imprópria para a dignidade humana. Na última vez, menos de 10% regressaram à prisão. Quadro » Agnelo deve concorrer ao GDF. A previsão é do professor e cientista político David Fleischer. O senador Cristovam Buarque tira o jogo de xadrez da gaveta. Reguffe mantém a linha. Pelo sorriso de Arruda depois da Operação Pandora e perdões, há cartas na manga. Paulo Octávio olha para o relógio entre o tempo e as horas. Novidade » Estão padronizados os modelos de certidão de óbito, casamento e nascimento. A iniciativa é do Conselho Nacional de Justiça, com modelos da Corregedoria Nacional de Justiça. A maior novidade é o espaço para filiação. Basta apenas um nome. Do pai ou da mãe. Menos câncer » Chega a boa notícia de que 119 quadras cobertas serão inauguradas ainda este ano nas escolas públicas do DF, em oito regiões administrativas. Argumentando a favor da iniciativa, uma professora olha de soslaio para o carro do governador que repousa na sombra de uma tenda, no Buritinga. Ação » Mesmo com o aumento dos assaltos em Brasília, as motos do Batalhão de Trânsito na SQS 307 continuam estacionadas. O local já foi apelidado de concessionária da PM. Um desperdício. História de Brasília O presidente Jânio Quadros mandou um avião especial buscar o sr. Francisco Morato de Oliveira, presidente do Ipesp e um dos mais eficientes colaboradores do governador Carvalho Pinto. Aqui chegando, o sr. Morato foi convidado para um alto cargo, que não aceitou, sob a alegação de que servia ao governador paulista, que lhe havia confiado uma grande obra. (Publicado em 22/2/1961)