História dos Judeus no Brasil

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História dos Judeus no Brasil
História dos Judeus no Brasil
Compilação de Artigos sobre Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
A DESCENDÊNCIA JUDAICA NO BRASIL
Um povo para ser destacado dentre as nações precisa conhecer sua identidade, buscando profundamente suas
raízes. Os povos formadores do tronco racial do Brasil são perfeitamente conhecidos, como: o índio, o negro e o branco,
destacando o elemento português, nosso colonizador. Mas, quem foram estes brancos portugueses? Pôr que eles vieram
colonizar o Brasil? Viriam eles atraídos só pelas riquezas e Maravilhas da terra Pau-Brasil? A grande verdade é que muitos
historiadores do Brasil colonial ocultaram uma casta étnica que havia em Portugal denominada por cristãos novos, ou seja,
os Judeus ! Pôr que? (responder esta pergunta poderia ser objeto de um outro artigo). Em 1499, já quase não havia mais
judeus em Portugal, pois estes agora tinham uma outra denominação: eram os cristãos novos. Eles eram proibidos de
deixar o país, a fim de não desmantelar a situação financeira e comercial daquela época, pois os judeus eram prósperos.
Os judeus sefarditas, então, eram obrigados a viver numa situação penosa, pois, por um lado, eram obrigados a confessar
a fé cristã e por outro, seus bens eram espoliados, viviam humilhados e confinados naquela país. Voltar para Espanha, de
onde foram expulsos, era impossível, bem como seguir em frente, tendo à vista o imenso oceano Atlântico. O milagre do
Mar Vermelho se abrindo, registrado no Livro de Êxodo, precisava acontecer novamente.
Naquele momento de crise, perseguição e desespero, uma porta se abriu: providência divina ou não, um corajoso
português rasga o grande oceano com sua esquadra e, em abril de 1500, o Brasil foi descoberto.
Na própria expedição de Pedro Álvares Cabral já aparecem alguns judeus, dentre eles, Gaspar Lemos, Capitão-mor,
que gozava de grande prestígio com o Rei D. Manuel. Podemos imaginar que tamanha alegria regressou Gaspar Lemos
a Portugal, levando consigo esta boa nova: - descobria-se um paraíso, uma terra cheia de rios e montanha, fauna e flora
jamais vistos. Teria pensado consigo: não seria ela uma “terra escolhida” para meus irmãos hebreus ? Esta imaginação
começou a tornar-se realidade quando o judeu Fernando de Noronha, primeiro arrendatário do Brasil, demanda trazer um
grande número de mão de obra para explorar seiscentas milhas da costa, construindo e guarnecendo fortalezas na obrigação de pagar uma taxa de arrendamento à coroa portuguesa a partir do terceiro ano. Assim, milhares e milhares de judeus
fugindo da chamada “Santa Inquisição” e das perseguições do “Santo Ofício” de Roma, começaram a colonizar este país.
Afinal, os judeus ibéricos, como qualquer outro judeu da diáspora, procurava um lugar tranqüilo e seguro para ali se
estabelecer, trabalhar, e criar sua família dignamente. O tema é muito vasto e de grande riqueza bibliográfica e histórica.
Assim, queremos com esta matéria abordar ligeiramente o referido tema, despertando, principalmente, o leitor interessado
que vive fora da comunidade judaica. Neste pequeno estudo, queremos mencionar a influência judaica na formação da
raça brasileira, apresentando apenas alguns fatos históricos importantes ocorridos no Brasil colonial, destacando uma lista
de nomes de judeus portugueses e brasileiros que enfrentaram os julgamentos do “Santo Ofício” no período da Inquisição.
Os fatos históricos são muitos e podem ser encontrados em vários livros que tratam com detalhes desse assunto, como já
mencionado. Comecemos, então, apresentando um pequeno resumo da história dos judeus estendendo até ao período do
Brasil Colonial. Desde a época em que o Rei Nabucodonosor conquistou Israel, os hebreus começaram a imigrar-se para
a península ibérica. A comunidade judaica na península cresceu ainda mais durante os séculos II e I A.C., no período dos
judeus Macabeus. Mais tarde, depois de Cristo, no ano 70, o imperador Tito ordenou destruir Jerusalém, determinando a
expulsão de todo judeu de sua própria terra. A derrota final ocorreu com Bar Kochba no ano 135 d.C, já na diáspora
propriamente dita. A história confirma a presença dos judeus ibéricos, também denominados “sefaradim”, nessa península,
no período dos godos, como comprovam as leis góticas que já os discriminavam dos cristãos. As relações judaico-cristãs
começaram a agravar-se rapidamente após a chegada a Portugal de 120.000 judeus fugitivos e expulsos pela Inquisição
Espanhola por meio do decreto dos Reis Fernando e Isabel em 31.03.1492. Não demorou muito, a situação também se
agravava em Portugal com o casamento entre D. Manoel I e Isabel, princesa espanhola filha dos reis católicos. Várias leis
foram publicadas nessa época, destacando-se o édito de expulsão de D. Manoel I. Mais de 190.000 judeus foram forçados
a confessar a fé católica, e após o batismo eram denominados “cristãos novos”, quando mudavam também os seus
nomes. Várias atrocidades foram cometidas contra os judeus, que tinham seus bens confiscados, saqueados, sendo suas
mulheres prostituídas e atiradas às chamas das fogueiras e as crianças tinham seus crânios esmagados dentro das
próprias casas. O descobrimento do Brasil em 1500 veio a ensejar uma nova oportunidade para esse povo sofrido. Já em
1503 milhares de “cristãos novos” vieram para o Brasil auxiliar na colonização. Em 1531, Portugal obteve de Roma a
indicação de um Inquisidor Oficial para o Reino, e em 1540, Lisboa promulgou seu primeiro Auto de fé. Daí em diante o
Brasil passou a ser terra de exílio, para onde eram transportados todos os réus de crimes comuns, bem como judaizantes,
ou seja, aqueles que se diziam aparentemente cristãos novos, porém, continuavam em secreto a professar a fé judaica. E
é nesses judaizantes portugueses que vieram para o Brasil nessa época que queremos concentrar nossa atenção. De
uma simples terra de exílio a situação evoluiu e o Brasil passou a ser visto como colônia. Em 1591 um oficial da Inquisição
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era designado para a Bahia, então capital do Brasil. Não demorou muito, já em 1624, a Santa Inquisição de Lisboa processava pela primeira vez contra 25 judaizantes brasileiros (os nomes abaixo foram extraídos dos arquivos da Inquisição da
Torre do Tombo, em Lisboa). Os nomes dos judaizantes e os números dos seus respectivos dossiês foram extraídos do
Livro: “Os Judeus no Brasil Colonial” de Arnold Wiznitzer – página 35 – Pioneira Editora da Universidade de São Paulo:
Alcoforada, Ana 11618 - Antunes, Heitor 4309 - Antunes, Beatriz 1276 - Costa, Ana da 11116 - Dias, Manoel Espinosa 3508
- Duarte, Paula 3299 - Gonçalves, Diogo Laso 1273 - Favella, Catarina 2304 - Fernandes, Beatriz 4580 - Lopes, Diogo
4503 - Franco, Lopes Matheus 3504 - Lopes, Guiomar 1273 - Maia, Salvador da 3216 - Mendes, Henrique 4305 - Miranda,
Antônio de 5002 - Nunes, João 12464 - Rois, Ana 12142 - Souza, João Pereira de 16902 - Teixeira, Bento 5206 - Teixeira,
Diogo 5724 - Souza, Beatriz de 4273 - Souza, João Pereira de 16902 - Souza, Jorge de 2552 - Ulhoa, André Lopes 5391.
Continuando nossa pesquisa, podemos citar outras dezenas e dezenas de nomes e sobrenomes, devidamente documentados, cujas pessoas foram também processadas a partir da data em que a Inquisição foi instalada aqui no Brasil. È
importante ressaltar que nesses processos os sobrenomes abaixo receberam a qualificação de “judeus convictos” ou
“judeus relapsos” em alguns casos. Por questão de espaço citaremos apenas nesta primeira parte os sobrenomes, dispensando os pré-nomes:
Abreu Álvares Azeredo Ayres - Affonseca Azevedo Affonso Aguiar - Almeida Amaral Andrade Antunes - Araújo
Ávila Azeda Barboza - Barros Bastos Borges Bulhão - Bicudo Cardozo Campos Cazado - Chaves Costa Carvalho
Castanheda - Castro Coelho Cordeiro Carneiro - Carnide Castanho Corrêa Cunha - Diniz Duarte Delgado Dias Esteves Évora Febos Fernandes - Flores Franco Ferreira Figueira - Fonseca Freire Froes Furtado - Freitas Galvão
Garcia Gonçalves - Guedes Gomes Gusmão Henriques - Izidro Jorge Laguna Lassa - Leão Lemos Lopes Lucena Luzaete Liz Lourenço Macedo - Machado Maldonado Mascarenhas - Martins Medina Mendes Mendonça Mesquita
- Miranda Martins Moniz Monteiro - Moraes Morão Moreno Motta - Munhoz Moura Nagera Navarro - Nogueira Neves
Nunes Oliveira - Oróbio Oliva Paes Paiva - Paredes Paz Pereira Perez - Pestana Pina Pinheiro Pinto - Pires Porto
Quaresma Quental - Ramos Rebello Rego Reis - Ribeiro Rios Rodrigues Rosa - Sá Sequeira Serqueira Serra - Sylva
Silveira Simões Siqueira - Soares Souza Tavares Telles - Torrones Tovar Trigueiros Trindade - Valle Valença Vargas
Vasques - Vaz Veiga Vellez Vergueiro - Vieira Villela.
(A lista dos sobrenomes citados acima não exclui a possibilidade da existência de outros sobrenomes portugueses de origem
judaica. – Fonte: Extraído do livro: “Raízes judaicas no Brasil” – Flávio Mendes de Carvalho – Ed. Nova Arcádia 1992).
Todos esses judeus brasileiros, cujos sobrenomes estão citados acima, foram julgados e condenados pela Inquisição
de Lisboa, sendo que alguns foram deportados para Portugal e queimados, como por exemplo o judeu Antônio Felix de
Miranda, que foi o primeiro judeu a ser deportado do Brasil Colônia. Outros foram condenados a cárcere e hábito perpétuo.
Quando os judeus aqui chegavam, desembarcavam na maioria das vezes na Bahia, por ser naquela época o principal
porto. Acompanhando a história dessas famílias, nota-se que grande parte delas se dirigia em direção ao sul, muitas vezes
fixando residência nos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Outros subiam em direção ao norte do país, destacando
a preferência pelos Estados de Pernambuco e Pará. Esses estados foram bastante influenciados por uma série de costumes judaicos, que numa outra oportunidade gostaríamos de abordar. É importante ressaltar que não podemos afirmar que
todo brasileiro, cujo sobrenome constante desta lista acima seja necessariamente descendente direto de judeus portugueses. Para saber-se ao certo necessitaria uma pesquisa mais ampla, estudando a árvore genealógica das famílias, o que
pode ser feito com base nos registros disponíveis nos cartórios. Mas, com certeza, o Brasil tem no seu sangue e nas suas
raízes os traços marcantes deste povo muito mais do que se imagina, quer na sua espiritualidade, religiosidade ou mesmo
em muitos costumes.
Constatamos que o Brasil já se destaca dentre outras nações como uma nação que cresce rapidamente na direção de
uma grande potência mundial. A influência histórica judaica sefardita é inegável. Os traços físicos de nosso povo, os
costumes, hábitos e algumas tradições são marcas indubitáveis desta herança. Mas, há uma outra grande herança de
nosso povo, a fé. O brasileiro na sua maioria pode ser caracterizado como um povo de fé, principalmente, quando esta fé
está fundamentada no conhecimento do Deus de Abraão, Isaque e Jacó, ou seja, no único e soberano Deus de Israel.
Isto sim, tem sido o maior, o melhor e o mais nobre legado do povo judeu ao povo brasileiro e à humanidade.
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Capítulo I
INTRODUÇÃO
A história dos judeus no Brasil constitui um caso único; pois de nenhum outro país se pode dizer que nele os
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judeus tenham vivido ao longo de toda a sua existência, contribuindo substancialmente para o seu desenvolvimento
econômico e social.
De fato, desde o descobrimento do país - evento este do qual participaram, tendo inclusive ajudado nos seus preparativos - até a época presente, os judeus, quase sem intermitência, aberta ou disfarçadamente, estiveram integrados nos
processos de formação da nacionalidade.
Isso não obstante, vale dizer, embora os judeus tenham representado continuamente uma parcela da sociedade, a
sua história não acompanha simplesmente a do Brasil. Longe de um esperado paralelismo, o que se verifica é a existência
de inúmeros desvios e meandros, os quais não raro atingem o grau de contraste.
À guisa de exemplo, mencione-se o período da ocupação holandesa, que, traduzindo um fracasso para o país,
constituiu, entretanto, o ponto mais alto do desenvolvimento da coletividade judaica local, dando-se o inverso com a
fase subseqüente, quando, após a expulsão dos invasores, sobreveio a decomposição, o êxodo e a dispersão dos
judeus do Brasil.
Semelhantemente, as intensas perseguições religiosas da primeira metade do século XVIII, de parcos efeitos diretos
sobre a população geral do país, tiveram influência específica marcante sobre a vida dos judeus brasileiros.
Finalmente, sob outro aspecto, a implantação do regime e disposições liberais no país, no início do século XIX, culminando com a proclamação da Independência, e que resultou tão favorável ao progresso geral do país, determinou porém
a assimilação quase total dos judeus, efeito este que é de se considerar negativo do ponto de vista da preservação da
comunidade judaica brasileira.
Por tais motivos, o estudo da história dos judeus no Brasil não pode ater-se às fases e aos marcos gerais da evolução
política e social do país, senão orientar-se, ao revés, segundo os fatos e acontecimentos históricos que hajam repercutido
especificamente nas condições de vida individual e sobretudo coletiva dos judeus.
1) 1500-1570 - FASE PACÍFICA DE CRESCENTE IMIGRAÇÃO e de ampla integração dos judeus na vida econômica do
país, compreendendo os três sub-períodos:
a) - Primeiras explorações (1501- 1515);
b) - Primeira colonização (1515- 1530);
c) - Colonização sistemática (1530- 1570)
2)1570-1630 – FASE TUMULTUÁRIA, caracterizada pelo surgimento de DISCRIMINAÇÕES ANTIJUDAICAS.
3) 1630-1654 - Período de EXUBERANTE DESENVOLVIMENTO, sob o domínio holandês – verdadeiro APOGEU DA
ORGANIZAÇÃO COLETIVA dos judeus do Brasil.
4) 1654-1700 - Período pós-holandês, FASE CRÍTICA na vida dos judeus brasileiros, compreendendo ÊXODO em massa,
desagregação da comunidade, DISPERSÃO e final acomodação local.
5) 1700-1770 - Período das GRANDES PERSEGUIÇÕES promovidas pela Inquisição portuguesa.
6) 1770-1824 - Período de LIBERALIZAÇÃO progressiva, queda da imigração judaica e GRADUAL ASSIMILAÇÃO dos
judeus.
7) 1824-1855 - Fase de ASSIMILAÇÃO PROFUNDA, subseqüente à cessação completa da imigração judaica homogênea
e à igualização total entre judeus e cristãos perante a lei.
8) 1855-1900 - Período PRÉ- IMIGRATÓRIO MODERNO, caracterizado pelas primeiras levas de imigrantes judeus, oriundos, sucessivamente, da África do Norte, da Europa Ocidental, do Oriente Próximo e mesmo da Europa Oriental, precursores das correntes caudalosas que, nas primeiras décadas do século XX, vieram gerar e moldar a atual coletividade
israelita do país.
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BIBLIOGRAFIA
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21) WIZNITZER, Arnold - “O número dos judeus no Brasil Holandês”, in “Aonde Vamos”, Rio de Janeiro. 1954.
HISTÓRIA DOS JUDEUS NO BRASIL
INTRODUÇÃO
A história dos judeus no Brasil constitui um caso único, pois não se conhece outro país no qual se tenham eles
instalado logo nas primícias do respectivo povo, ficando-lhe continuamente associados e participando do seu desenvolvimento econômico e social.
De fato, desde o descobrimento do Brasil até a época presente, os judeus, quase sem intermitência, aberta ou
disfarçadamente, estiveram integrados nos processos de formação da nacionalidade brasileira.
Isso não obstante, a historiografia judaica referente ao Brasil não deve ater-se às fases e aos marcos gerais da
evolução política e social do país, e sim orientar-se essencialmente segundo os fatos e acontecimentos históricos que
hajam repercutido especificamente nas condições de vida individual e sobretudo coletiva dos judeus.
De acordo com tal critério, é lícito destacar quatro grandes ciclos na história dos judeus no Brasil, cada qual comportando diversas fases de ascensão, consolidação e declínio: 1 - O Primeiro Ciclo Português (1500-1630); 2 - O Ciclo
Holandês (1630-1654); 3 - O Segundo Ciclo Português (1654-1822); 4 – O Ciclo Cosmopolita (1822-1966).
1 - O PRIMEIRO CICLO PORTUGUÊS (1500-1630)
Verificou-se o descobrimento do Brasil no ano de 1500, quando Portugal se achava no auge da sua expansão no
mundo. Não era então somente a glória militar ou apenas o desejo de dilatar a fé católica que impeliam os portugueses às
suas grandiosas expedições marítimas. Ao lado desses motivos, ou mesmo acima deles, imperava o espírito comercial, eis
que Portugal visava controlar o intercâmbio com o Levante e ambicionava concentrar em suas mãos as principais atividades
econômicas daquela época.
Mas apenas esses motivos, por mais estimulantes que fossem, não teriam bastado para promover o extraordinário
alargamento de Portugal; o grande ciclo das conquistas portuguesas, entre elas a do Brasil, não se teria concretizado sem
o longo período de descobertas e aperfeiçoamentos científicos que o precedeu, e no qual tiveram papel de sumo relevo os
sábios judeus ibéricos. Estes, aliás, desde o século XII, vinham se distinguindo sobremaneira nos domínios da matemática, astronomia e geografia, ciências essas básicas para a arte náutica, especialmente para a navegação oceânica, e os
governantes portugueses aproveitaram de forma esgotante tal acervo científico israelita em prol da ascensão de Portugal
à posição de grande potência naval. Assim, para a direção da “Escola de Sagres”, primeira academia portuguesa de
navegação, fundada em 1412, foi escolhido um dos mais famosos cartógrafos do século XV, o judeu Jehuda Crescas, cuja
missão essencial era ensinar aos pilotos portugueses os fundamentos da navegação bem como a produção e o manejo de
cartas e instrumentos náuticos. Mais tarde, outros judeus de renome científico prestaram sua colaboração à “Escola de
Sagres”, destacando-se os sábios José Vizinho, Mestre Rodrigo e, sobretudo, Abraham Zacuto, autor do “Almanaque
Perpétuo de Todos os Movimentos Celestes”.
Mas, a contribuição judaica ao descobrimento de novas rotas e de novas terras para a coroa portuguesa não se limitou
ao campo científico de feição preparatória, senão também se traduziu em participação direta nas temerárias viagens,
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inclusive na expedição que resultou no descobrimento do Brasil, eis que, na frota dirigida por Pedro Álvares Cabral,
viajavam como conselheiros especialistas pelo menos três judeus: Mestre João, astrônomo equipado com os instrumentos
de Abraham Zacuto, Pedro Nunes, navegador, e Gaspar de Lemos, intérprete e comandante de navio, justamente considerado pelos historiadores como co-responsável pelo descobrimento do Brasil.
Logo nos primeiros anos após a descoberta do Brasil, arrefeceu o interesse do rei de Portugal pela nova terra. A corte
era naquele tempo verdadeiramente uma grande casa de negócio e como, por um lado, estivesse fundamente absorvida
com as dispendiosíssimas expedições à Índia, onde pretendia estabelecer um vasto império colonial, e, por outro lado, não
enxergasse lucros apreciáveis e imediatos na exploração do Brasil, este ia sendo relegado a um simples ponto de ligação
nas viagens à Índia, uma escala de refresco e aguada.
É assim de todo compreensível que, tendo o monarca D. Manoel recebido em 1502, de um consórcio de judeus
dirigido pelo cristão novo Fernando de Noronha, uma proposta para exploração da nova colônia mediante contrato de
arrendamento, ele a aceitasse de bom grado; era a colonização do Brasil que se lhe oferecia, para ser feita a expensas de
particulares, sem riscos e sem ônus ou quaisquer encargos para o erário público. O contrato, que era um monopólio de
comércio e de colonização, foi firmado em 1503, pelo prazo de 3 anos, tendo sido, com algumas modificações, sucessivamente renovado até 1515. A exploração concentrou-se especialmente na madeira de “pau-brasil” (também chamada naquele tempo “madeira judaica”), artigo então grandemente procurado nos mercados europeus para as indústrias de corantes.
Tão intenso se tornou o comércio do pau-brasil durante o arrendamento do país a Fernando de Noronha, e de tal importância econômica ele se revestiu, que deu origem à denominação de “ciclo do pau-brasil”, sob o qual é conhecido, na história
do Brasil, aquele período, além de ter determinado a adoção do nome definitivo da terra - Brasil - em substituição ao de
Santa Cruz, como era antes designada.
Admite-se que, ao lado dos objetivos comerciais, Fernando de Noronha, ao propor ao governo português o arrendamento do Brasil, visasse ainda facilitar o êxodo dos judeus, então perseguidos em Portugal. De qualquer forma, é do
consenso geral que, nas expedições comerciais do sindicato de Fernando de Noronha, judeus constituíram a maioria,
cabendo-lhes assim o mérito de terem lançado no solo da nova pátria os primeiros marcos da civilização.
Na altura do ano de 1515, o Governo de Portugal despertou para a realidade: teria que tomar conta do vastíssimo
território brasileiro se não quisesse expor-se ao risco de perder o comércio com ele e mesmo a soberania. Efetivamente,
esse perigo existia, pois, àquele tempo, o litoral brasileiro era também freqüentado grandemente por franceses contrabandistas, que procuravam traficar com os indígenas, infringindo assim o monopólio português do pau-brasil; era visível, além
disso, que a simples exploração localizada dessa essência florestal não poderia conduzir à colonização e ocupação da
nova terra.
Interrompeu então o Governo de Portugal o contrato com Fernando de Noronha e passou a tomar medidas de proteção
militar do território brasileiro, bem como a incentivar a sua colonização mediante a implantação da cultura da cana-deaçúcar. Mas, a despeito das expressivas facilidades concedidas pelo Governo português nessa tentativa de colonização
dirigida, tais como transporte, equipamentos e assistência técnica, raros eram os colonos portugueses cristãos que quisessem emigrar para o Brasil - provavelmente em virtude da atração que sobre eles continuava a exercer a Índia - razão
por que, ao lado de criminosos, condenados ou exilados, se destacaram os voluntários judeus, que constituíam a maioria
das levas imigratórias.
Verifica-se, assim, que, não apenas no descobrimento e nas primeiras explorações do Brasil, mas também na colonização inicial do país, parece ter cabido aos judeus uma honrosa participação fundamental.
Com os crescentes incentivos do Governo português à ocupação e ao povoamento do território brasileiro - inclusive
através da sua divisão, entre os anos de 1534 e 1536, em 14 capitanias hereditárias, entregues a donatários - , novos
motivos de estímulo foram se apresentando para a vinda de judeus ao Brasil. Os donatários, desejosos de imprimir prosperidade às suas capitanias, porfiavam em atrair colonos, mas, ainda desta feita, os portugueses cristãos preferiam a
Índia, cujos efeitos atrativos perduravam. Não restava aos donatários senão recorrer mais uma vez aos judeus, que, aliás,
se revelaram excelentes colonizados: estavam familiarizados com a indústria do açúcar, que já vinha sendo, desde muitos
anos antes, a ocupação preferencial dos judeus das ilhas da Madeira e de São Tomé - de onde provavelmente foi a canade-açúcar transplantada para o Brasil - e, além disso, eram os colonos judeus hábeis no trato com o gentio, a cujos hábitos
e língua logo se adaptavam, passando a contar depressa com a sua amizade. Assim, as possibilidades de progresso das
capitanias dependiam em bom grau dos judeus, e, graças a essa circunstância, puderam eles gozar de bastante liberdade
de costumes. E mesmo quando, depois de 1548, se implantou no Brasil um novo sistema de governo - o dos Governos
Gerais -, a situação favorável dos judeus não sofreu qualquer alteração, muito embora na mesma ocasião se fixassem no
país os jesuítas. As condições eram tais que as autoridades se viram forçadas a uma política de transigência e cautela. Na
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contingência de ou perderem as esperanças de colonização do Brasil, ou levarem a bom termo a missão de que se
achavam incumbidas, optaram pela segunda alternativa e, para tanto, tiveram que fazer tábua rasa das exigências da
Inquisição. Esse panorama de tolerância contrastava vivamente com a onda de ódio e discriminação que varria Portugal,
onde crepitavam sem cessar as fogueiras dos autos de fé. É assim compreensível o efeito que entre os judeus de Portugal
deviam exercer as notícias ali chegadas sobre a vida judaica no Brasil.
Tangidos pela fúria avassaladora da perseguição religiosa, sentiam-se os judeus de Portugal impelidos a tentar
vida nova no Brasil, que se lhes afigurava como refúgio seguro, onde poderiam concretizar-se os seus anseios de
paz e liberdade.
Em tais condições, tudo favorecia o estabelecimento de uma intensa e ininterrupta corrente migratória de judeus
portugueses para o Brasil, onde, prosperando rapidamente, passaram a formar numerosos núcleos, dando mesmo início
a uma razoável vida coletiva, como o testemunham referências encontradas sobre uma sinagoga que funcionava numa
casa de propriedade do cristão novo Heitor Antunes, na cidade de Salvador - sede do Governo Geral - e sobre uma outra
que fazia parte de um centro marrano em Camaragibe, capitania de Pernambuco, capitania que chegou a contar com um
“rabi” - o cristão novo Jorge Dias do Caia.
Essa situação bonançosa dos judeus brasileiros, nos meados do século XVI, pôde concretizar-se em virtude da existência dos principais fatores que permitem a evolução de uma comunidade minoritária: havia “suficiência numérica”, tendo
os judeus, graças à intensa imigração e ao crescimento natural, alcançado uma proporção razoável em confronto com a
população geral, o suficiente para se opor ao risco de assimilação; havia “refrescamento imigratório”, pois o processo de
imigração era contínuo, e as sucessivas levas de judeus portugueses exerciam um papel reativante, contra aculturativo;
finalmente, havia “liberdade de culto”, com tolerância bastante para que os judeus mantivessem abertamente suas práticas religiosas, ainda que algo sincretizadas com o catolicismo.
Entretanto, por volta de 1570, passou a toldar-se o horizonte judaico no Brasil, até então sereno.
Começaram a surgir sinais de restrição à liberdade, que com o tempo se avolumaram, fazendo definhar a vida coletiva
dos judeus - justamente quando parecia aproximar-se a sua consolidação - e forçando os judeus a retornarem, qual na sua
mãe pátria, a uma vida disfarçada, de forma a guardarem as tradições apenas no recesso da família e assim mesmo com
a devida cautela.
A primeira manifestação oficial de intolerância verificou-se em 1573, na cidade do Salvador, onde foi instalado um auto
de fé. Paradoxalmente, mas talvez de propósito, não era israelita a primeira vítima: era um francês que, acusado de
heresia, foi condenado e queimado vivo. O balão de ensaio não surtiu, porém, os esperados efeitos junto à opinião pública,
pelo que a Inquisição teve que encerrar pouco depois a sua nefanda tentativa.
Alguns anos decorridos, entretanto, ela reiniciou a conspirata, até que, em 1591, veio ao Brasil a missão conhecida
como “Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil Pelo Licenciado Heitor Furtado de Mendonça”. Na Bahia,
permaneceu a Inquisição durante dois anos, até 1593, seguindo então o Inquisidor para Pernambuco, ltamaracá e Paraíba,
onde ficou até 1595.
Em 1618, a Bahia foi alvo de uma nova visitação do Santo Ofício, que ficou a cargo do Inquisidor de Évora, o Bispo D.
Marcos Teixeira. Diante dessas comissões inquisitoriais, que, aliás, se limitaram ao Nordeste do Brasil, foram denunciados
inúmeros marranos, entre eles muitos senhores de engenhos de açúcar, fato que propiciou o primeiro movimento migratório interno dos judeus Brasileiros, os quais abandonaram o Nordeste em busca do Sul, especialmente da capitania de São
Vicente (São Paulo), que era a parte mais liberal do país. Não se sabe ao certo dos motivos das duas visitações do Santo
Ofício ao Brasil. É todavia de se presumir que tivessem fundo político, receosa como se achava a coroa portuguesa de que
os cristãos novos brasileiros viessem a ajudar a Holanda, que então cobiçava conquistar o Brasil. Tal suspeita tinha certo
fundamento. Com efeito, em virtude das crescentes perseguições aos judeus em Portugal nas últimas décadas do século
XVI, eles passaram a emigrar, não só para o Brasil, mas também, em grandes levas, para vários países da Europa
ocidental, sobretudo para a Holanda, onde florescia o comércio e reinava tolerância religiosa, o que permitiu a célere
formação de uma ampla comunidade israelita, com centro na cidade de Amsterdã, justamente cognominada de “Nova
Jerusalém”. E é certo que essa simultânea emigração dos judeus portugueses, para o Brasil e para os Países Baixos,
propiciou o estabelecimento de um elo comercial e afetivo entre os judeus brasileiros e os judeus portugueses da Holanda.
Desiludidos que se achavam com a mãe-pátria - onde seus parentes e correligionários sofriam privações e perseguições tremendas -, e já agora decepcionados com o próprio Brasil português, onde tudo a princípio parecia sorrir-lhes, mas
onde passavam a acumular-se indícios hostis, os judeus brasileiros, instintivamente, na procura de algum outro ponto de
apoio, sentiam-se impelidos a um intercâmbio cada vez mais estreito com os judeus portugueses residentes na Holanda,
onde a liberdade, nos fins do século XVI, era absoluta em todos os terrenos.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
Era a possibilidade que eles vislumbravam de vir a ser melhorada a sua sorte graças à conquista do Brasil por uma
outra potência - no caso, a Holanda!
2 - O CICLO HOLANDÊS (1630-1654)
A esperança dos judeus do Brasil de que a sua sorte melhoraria graças a alguma forma de intervenção holandesa não
falhou. Finalizando uma série de tentativas de conquista do Nordeste brasileiro, através de invasões da Bahia, nos anos de
1624 a 1627 - a primeira das quais inicialmente favorável, pois conseguiram dominar a cidade do Salvador por quase um
ano -, os holandeses afinal lograram seu intento em 15 de fevereiro de 1630, quando atacaram Pernambuco com uma
poderosa esquadra de 70 navios, tripulada e guarnecida por 7000 homens, e assim iniciaram a ocupação do Nordeste, a
qual iría durar até 1654.
Foram poucos os anos de domínio holandês pacífico, mas bastaram para que os judeus, numa rapidez impressionante, alçassem a um nível excepcional a sua vida econômica, social e cultural, dentro do arcabouço de uma organização
coletiva, vindo a constituir no Nordeste do Brasil uma comunidade das mais florescentes do mundo de então.
Antes da conquista holandesa, os judeus brasileiros exerciam, em larga escala, as atividades de plantadores de
açúcar, mas os donos de engenho representavam apenas uma percentagem razoável, e os magnatas não passavam de
uma escassa minoria.
No mais, a colônia judaica era constituída de pequenos comerciantes e de profissionais manuais mal remunerados.
Com o advento dos holandeses e a decorrente implantação de uma grande tolerância religiosa, o panorama foi se alterando. Levas ininterruptas de judeus afluíam a Pernambuco de vários países, especialmente da Holanda, trazendo cabedais,
experiência comercial e um prodigioso espírito de realização. Esses judeus vindos da Holanda - e que em grande parte
eram ex-refugiados de Portugal, Espanha e França - tinham a vantagem de falar vários idiomas: espanhol, francês, ladino,
holandês, afora o mais importante, o português, que era a língua falada no Brasil; era-lhes fácil assim servir de intérpretes
para os milhares de homens do exército e da marinha holandesa, constituídos de mercenários - holandeses, ingleses,
franceses, alemães, polacos e outros - que não falavam o português. De simples intérpretes, foram rapidamente passando
a cambiadores e comerciantes, de um modo geral a intermediários, profissão que se tornou quase monopólio dos judeus,
com eles não podendo competir os pequenos negociantes e operários brasileiros e flamengos. Não tardou que os judeus
se tornassem grandes proprietários urbanos e rurais, passando a controlar a vida econômica da Nova Holanda brasileira,
merecendo lembrar, como testemunho disso, que a principal rua do Recife era conhecida como “Rua dos Judeus” e o porto
era chamado “cais dos judeus”.
Paralelamente com a prosperidade econômica dos judeus no Brasil holandês, desenvolveu-se com vigor a sua vida
coletiva. Para tanto, contribuiu fundamentalmente a liberdade de culto implantada pelos holandeses, sobretudo durante o
governo do conde Maurício de Nassau, no período de 1635 a 1644.
Havia ainda, como circunstância essencial, o crescimento contínuo e sensível da população judaica e sua concentração preponderante numa área restrita, em torno da cidade do Recife. Esse crescimento populacional resultou principalmente da intensa imigração oriunda da Holanda, de cujo porto Amsterdã partiam constantemente naus carregadas de
judeus e conversos, sendo que, só de uma feita, em 1642, embarcaram 600; mas, aos imigrantes do estrangeiro, cabe
também acrescentar os judeus que, de outras partes do próprio Brasil, vinham para Pernambuco, em busca de liberdade
religiosa. Não se sabe exatamente o número de judeus no Brasil holandês, variando as estimativas entre 1.500 e 5.000;
mas, admite-se que, no apogeu do desenvolvimento da comunidade judaica da Nova Holanda, os judeus representavam
cerca de metade da população branca civil, e no Recife havia judeus em tamanho número que, à primeira vista, se tinha a
impressão de uma cidade puramente judaica. Para se ter uma idéia da importância de que, naquele tempo, se revestia um
núcleo israelita de 1.500 almas, segundo a menor das referidas estimativas, basta lembrar que a própria comunidade
judaica de Amsterdã, no seu pleno fastígio, não era mais numerosa.
Ao alcançarem a forma de coletividade organizada, os judeus de Pernambuco contavam com duas sinagogas e um
cemitério próprio, e possuíam uma comunidade sagrada - Kahal Kadosh - chefiada por uma diretoria, sendo conhecidos os
componentes de uma delas: David Senior Coronel, Dr. Abraham de Mercado, Jacob Mucate e Isaac Castanho. Havia ainda
a Congregação Zur Israel (A Rocha de Israel) do Recife, que mantinha um “Pinkes” (livro de atas) e baixava “haskamot”
(regulamentos). Assim, os “regulamentos” revistos em 1648 estabeleciam que todos os judeus residentes no “Estado do
Brasil” e todos os futuros imigrantes tornavam-se automaticamente membros da Comunidade Judaica e deviam inscrever
os nomes no “Pinkes”, como demonstração de que aceitavam os regulamentos. Também na ilha de Itamaracá, havia uma
comunidade organizada, e era presidida por um rabino próprio, Jacob Lagarto, que foi, aliás, o primeiro escritor talmúdico
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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na América do Sul.
Em tal ambiente de segurança e de organização coletiva, a consciência de grupo avultou, chegando as festas judaicas
a ser celebradas publicamente com procissão nas ruas. O auge desse desenvolvimento sócio-cultural foi atingido pelos
judeus de Pernambuco em 1642, quando providenciaram a vinda da Holanda de um insigne líder espiritual, Isaac Aboab
da Fonseca, que veio acompanhado do “hazan” Moisés Rafael de Aguiar. Isaac Aboab permaneceu à testa da comunidade
judaica do Brasil até o fim do domínio holandês, tendo desenvolvido um vasto programa de trabalhos, rabínicos e sociais,
sem prejuízo da atividade literária, da qual é testemunho a obra “Miiméi Iehuda” que ele escreveu em colaboração com
Moisés Rafael de Aguiar, e que tratava da vida cultural dos judeus brasileiros.
Em 1645, tendo Maurício de Nassau deixado o governo, entrou em fase de declínio a vida judaica no Brasil, fase que
iría terminar um decênio mais tarde com a melancólica liquidação da pujante comunidade que se havia erguido - aparentemente com tanta solidez - no Nordeste do Brasil.
A saída de Nassau favoreceu sobremodo o nascimento da insurreição pernambucana, pois, em substituição a esse
notável estadista, que havia logrado granjear as simpatias gerais da população, ficara a administração do domínio holandês entregue a um triunvirato composto de indivíduos completamente incapazes, que não tardaram a implantar um regime
opressor e tirânico.
Os judeus de Pernambuco cedo deram-se conta do que a nova situação viria representar para eles. Previram facilmente que, sem a política tolerante e apaziguadora do príncipe de Nassau, seria inevitável o enfraquecimento e queda do
domínio holandês, ficando eles irremediavelmente expostos à sanha dos insurrectos pernambucanos. Em vista disso,
iniciaram o processo de retorno à Holanda, tendo emigrado em alguns anos cerca da metade da população judaica,
sobretudo os negociantes mais ricos.
O comércio começou então a decair, o dinheiro passou a escassear, e as tropas já se recusavam a combater, chegando mesmo a, mediante suborno, desertar para o exército português, que, em verdadeiro contraste, possuía moral
elevadíssimo. Para agravar a situação, a Holanda, que então se achava em guerra com a Inglaterra, não podia prestar a
necessária ajuda à colônia decadente, e os reforços, que todavia lhe mandava, eram insuficientes e extemporâneos.
Embora a conjuntura se apresentasse nitidamente desfavorável aos holandeses, os judeus que permaneceram em
Recife - cerca de 700 - resignaram-se a aguardar até o último instante o desfecho da luta, ficando fielmente ao lado dos
holandeses e com eles compartilhando de todos os horrores do longo cerco da cidade. Sobre essa atitude de inteira
fidelidade, assumida pelos judeus remanescentes de Recife - no mesmo sentido da anterior solidariedade judaica, demonstrada por ocasião das invasões holandesas - não faltam pronunciamentos desfavoráveis. Há, com efeito, quem a
considere uma espécie de deslealdade ao Brasil, é um erro que cabe corrigir. Merece notar desde logo que o Brasil não
estava propriamente em jogo.
Aos judeus impunha-se escolher entre dois ocupantes, entre duas potências estrangeiras: Portugal e Holanda.
De um lado - o país que perseguia, expulsava e queimava vivos os judeus; do outro - a nação que agia para com os
judeus, tanto na metrópole como nas colônias, com a maior tolerância religiosa. De um lado - a Inquisição e os autos de fé;
do outro - a liberdade de consciência. Entre os dois senhores, não havia outra possibilidade de escolha!
E aliás, procedendo como procederam, os judeus guardaram uma linha de impecável coerência. Eles que,
por todas as formas a seu alcance, ajudaram os holandeses a conquistar o Nordeste brasileiro, na esperança,
não desmentida, de obterem no Brasil um lar tranqüilo, não poderiam abandonar os aliados e protetores da
véspera no momento em que a sorte começava a faltar-lhes. Tal como souberam os judeus da Nova Holanda
armar os seus sonhos - que chegaram a ver em boa parte realizados -, também mostraram saber suportar a sua
ruína, lutando bravamente até a queda final da sua cidadela, com o que se haveria de encerrar o ciclo mais
fastigioso, embora efêmero, da vida judaica no Brasil colonial.
3 - O SEGUNDO CICLO PORTUGUÊS (1654-1822)
Com a queda de Recife e subseqüente capitulação dos holandeses, entrou em plena desagregação a comunidade
israelita do Nordeste do Brasil.
Uma pequena parcela resignou-se à permanência no país, dispersando-se pelo seu território, enquanto o grosso
optou pela emigração. Destes, um grupo - constituído provavelmente dos mais ricos e mais relacionados na Holanda decidiu retornar a esse país, ao passo que a maioria preferiu enfrentar o desconhecido, aventurando-se em direção das
mais longínquas paragens das três Américas - Guianas, Antilhas e Nova Holanda norte-americana -, onde lançaram a
afirmação pujante de sua vitalidade, contribuindo eficazmente para o desenvolvimento econômico de várias colônias
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francesas, inglesas e holandesas, e nelas implantando numerosas aglomerações judaicas, uma das quais viria a ser
nos tempos modernos a extraordinária comunidade israelita dos Estados Unidos da América do Norte. Nas Guianas, os
judeus fugitivos fixaram-se de começo em Caiena e, mais tarde, em Suriname, onde organizaram uma comunidade
duradoura, que chegou a contar mais de 1.300 almas; seu núcleo mais importante – com 1.045 judeus numa população
de 2.000 - ficava nos arredores de Paramaribo e era conhecido como “Savana Judéa”. Nas Antilhas, distribuíram-se
entre a Martinica, Guadalupe, Barbados, Jamaica e São Domingos, dedicando-se à sua tradicional ocupação - a indústria açucareira. Graças a esse concurso dos judeus foragidos do Brasil, conseguiu a América Central estabelecer o seu
monopólio no mercado mundial do açúcar, monopólio esse que antes estava nas mãos do Brasil. Forneceram, assim,
aqueles judeus às colônias centro americanas os elementos de riqueza que, por influência da desastrada política dos
monarcas portugueses, o Brasil desprezara!
Na América do Norte, um grupo de 23 judeus, que deixou Recife logo depois da sua queda, acampou, em 12 de
setembro de 1654, à margem do Hudson, na aldeia de Nova Amsterdã (atual Nova York), então capital da Nova Holanda.
Vencendo toda a sorte de dificuldades opostas pelo governador da colônia, o autocrata e anti-semita Pierre Stuyvesant,
os judeus originários do Brasil foram se radicando na nova pátria, crescendo em número, organizando-se em comunidade e disseminando-se pelo país, onde, com o correr dos séculos, viria desenvolver-se a maior das coletividades
israelitas do mundo.
Como já foi mencionados o êxodo que se verificou após a expulsão dos holandeses não abrangeu a totalidade da
população judaica do Nordeste dos Brasil, tendo um bom número de marranos resolvidos permanecer na terra que haviam
aprendidos a amar. E uma vez apagados os primeiros ressentimentos, puderam esses judeus remanescentes difundir-se
pacificamente pelo território brasileiro, inclusive em áreas do próprio Nordeste, reduzindo ao mínimo as aparências da sua
origem judaica.
Acresceu que, após a morte do rei D. João IV em 1656, a Inquisição fez recrudescer as perseguições aos judeus em
Portugal, culminando com a promulgação da lei de 9 de setembro de 1683, que determinava a expulsão dos cristãos novos
e a aplicação da pena de morte aos que voltassem ao país. Esse fato contribuiu para que se intensificasse a transmigração
de cristãos novos portugueses para o Brasil, cuja população judaica pôde, assim, não somente recompor-se do tremendo
abalo sofrido com a desagregação pós-holandesa, mas ainda experimentar um razoável crescimento numérico.
Mas essa acomodação, tão bem levada a efeito pelos judeus brasileiros na segunda metade do século XVII, não
logrou transpor o umbral do século seguinte, quando, afinal, a Inquisição de Lisboa, cujas garras até então mal haviam
conseguido arranhar a população judaica do Brasil, acabou estendendo sobre este país a sua implacável rede de perseguições. A sanha natural dos inquisidores viu-se atiçada pelas renascidas perspectivas de maciços confiscos, eis que os
judeus brasileiros, graças ao seu ajustamento econômico operado na parte final do século XVII, e ao posterior enriquecimento em conseqüência da intensa exploração das minas de ouro e do comércio de diamantes no começo do século XVII,
haviam voltado a constituir uma parcela das mais opulentas da colônia.
Essa onda de terror que, com algumas intermitências, se desdobrou por longos 70 anos, com especial virulência
nos períodos de 1707 a 1711 e 1729 a 1739, conferiu à primeira metade do século XVII as características de época
negra da história dos judeus no Brasil. E somente após 1770, começaram a criar-se condições outras, que viriam
extirpar para sempre o cancro da Inquisição, que tanto manchara a história de Portugal e tanto fizera decair esse
grande império dos tempos manoelinos. (*) (*) Entre as vítimas brasileiras da Inquisição Portuguesa, no fase da sua
mais nefanda atuação, figura Antônio José do Silvo, cognominado “O Judeu”, e tido como uma das maiores expressões
da genialidade judaico-brasileira.
Nascido no Rio de Janeiro em 1705, transladou-se aos oito anos de idade para Lisboa, onde se achava a sua mãe,
levada prisioneira pelos agentes da Inquisição sob a acusação de judaísmo. Cedo começou Antônio José a revelar os seus
excepcionais dotes de inteligência, aliados a um invulgar pendor literário, e em poucos anos enriqueceu a literatura portuguesa de numerosas peças teatrais de singular valor. Como dessas peças extravasasse com freqüência um sarcasmo
sem rebuços contra a torpe atividade da Inquisição, esta o marcou e não mais descansou no afã de eliminá-lo. E não tendo
conseguido fazê-lo calar-se por meio de uma série de intimidações, acabou enredando-o numa complicada trama de
denúncias e falsos testemunhos e, afinal, condenando-o a pena capital em 11 de março de 1739. Em 21 de outubro do
mesmo ano, foi Antônio José do Silva queimado, na praça pública, não tendo faltado sequer alguns requintes de crueldade: foram obrigadas a assistir ao ato - a sua mãe, sexagenária, sua mulher e sua filha de quatro anos.
Até hoje não se sabe ao certo quantos judeus oriundos do Brasil caíram vítimas da Inquisição de Portugal. Há quem
avalie em apenas 400 o número dos judaizantes brasileiros processados, dos quais não mais de 18 teriam sofrido a pena
capital; mas essas hão de ser cifras por demais modestas, longe de darem uma idéia exata da extensão que na verdade
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a tragédia assumiu, pois que, ainda hoje, permanecem inexplorados, nos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, 40.000
processos da Inquisição, cuja investigação revelaria certamente à História toda a hediondez dessa fanática instituição.
Em 1770, a vida judaica no Brasil passou a beneficiar-se de um liberalismo crescente como reflexo das mudanças
havidas em Portugal, onde a Inquisição acabava de entrar em seus últimos estertores, golpeada de morte pelo clarividente
e poderoso ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal. O ato decisivo,
conseguido pelo Marquês junto ao rei D. José I, foi a promulgação, em 25 de maio de 1773, de uma lei que extinguiu todas
as diferenças entre cristãos velhos e cristãos novos, lei essa que, um ano mais tarde, em 1° de outubro de 1774, foi
regulamentada por um decreto que passou a sujeitar os veredictos do Santo Ofício à sanção real.
A repercussão das disposições pombalinas no Brasil foi automática e eficaz. Após setenta anos de perseguições
tremendas, estavam os judeus e cristãos novos brasileiros ansiosos de se igualarem aos demais habitantes do país, e
o liberalismo da nova lei foi um franco estímulo a esse anseio de assimilação. Bem entendido, tal processo de integração
não se fez de pronto, nem de maneira cabal, pois que não desaparecera a desconfiança com relação às reviravoltas
políticas da coroa portuguesa. Foram necessários 50 anos para que, alcançada a Independência do Brasil em 1822, e
promulgada a Constituição de 1824, desaparecesse, pela via aberta da assimilação, o problema judaico brasileiro de
gênese portuguesa.
É oportuno lembrar que foi marcante a contribuição dos próprios judeus brasileiros para o movimento emancipador
que viria trazer a sua extinção como grupo pela completa integração na coletividade nacional.
Sirvam de testemunho as palavras do grande historiador brasileiro Adolfo Varnhagen: “Os judeus foram os pioneiros
da Independência do Brasil. A sua valiosa contribuição, a sua tenacidade de raça eleita, de povo perseguido, constituíram
os alicerces onde colocou-se o lábaro ardente da esperança da libertação do Brasil do jugo da mãe-pátria.”
4 - O CICLO COSMOPOLITA (1822-1966)
Uma vez emancipado o país, e implantada liberdade integral de consciência, nada mais restava que pudesse sustentar a sobrevivência coletiva dos judeus, os quais, tão logo perceberam que desta vez a liberdade viera em caráter duradouro, cortaram as últimas e débeis amarras que os prendiam ao passado judaico e difundiram-se rapidamente no seio da
população geral.
O único fator que, nessa conjuntura, talvez ainda lograsse reacender a chama pretérita e preservar aqueles judeus da
assimilação total teria sido uma imigração maciça e homogênea de judeus de nível cultural elevado e de tradições afins.
Mas, essa possibilidade única inexistiu de todo, pois que, depois da Independência, enfraqueceu de muito o movimento
imigratório no Brasil, sendo que a imigração judaica praticamente se anulou.
Cabe, apenas, abrir um parêntese para uma exceção verificada no extremo norte do país. Logo após a Independência,
principiaram a afluir para a Amazônia judeus provenientes do Marrocos. Tratando-se de uma imigração de origem nova,
sem qualquer afinidade histórica ou cultural com a população brasileira da região, fácil e cômodo foi a esses judeus
marroquinos conservarem sua religião e tradições, cedo vindo a fundar, no ano de 1824, uma sinagoga de nome “Porta do
Céu”, na cidade de Belém.
Essa aglomeração judaica da Amazônia, que com o decorrer dos anos foi sendo ampliada de maneira contínua com
elementos oriundos da mesma região norte-africana, disseminou-se pelos pontos estratégicos do grande rio, passando a
desempenhar um papel relevante no desenvolvimento econômico da região, bem como no intercâmbio comercial com o
estrangeiro. Entretanto, o agrupamento judaico da longínqua Amazônia, isolado cultural e materialmente das regiões vitais
e mais adiantadas do país, não podia, evidentemente, exercer qualquer influência sobre o judaísmo indígena que, de
resto, já havia entrado então na sua fase de total oclusão. E assim, durante a primeira metade do século XIX, coube à
remota e minúscula comunidade israelita-marroquina da Amazônia - que mal contaria duas centenas de almas - o papel de
sustentáculo único da continuidade judaica no Brasil.
Entretanto, no limiar da segunda metade do século, começou a modificar-se a situação. Sem prejuízo do prosseguimento da migração judaica norte-africana para a região amazônica, foram chegando ao Rio de Janeiro - de onde irradiavam para os Estados vizinhos, especialmente para São Paulo e Minas Gerais - judeus procedentes de vários países da
Europa Ocidental - franceses, ingleses, austríacos e alemães, sobretudo alsacianos - a tal ponto que, em 1857, já sentiram
a necessidade de fundar uma sinagoga na capital do país. As duas aglomerações - a da região amazônica e a do Rio de
Janeiro - não mantinham entre si quaisquer relações de grupo e apresentavam, aliás, características diferentes.
A coletividade amazônica era mais estável, eis que os judeus marroquinos vinham para o extremo norte do Brasil
com a intenção de ali se radicarem, tendo eles, em conseqüência, alargado com o tempo o seu campo de atividades, de
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molde a abranger não somente o comércio interno e o de exportação e importação - este especialmente de tecidos mas também o setor da navegação e da exploração de seringais, afora a participação nas atividades públicas e no
exercício de cargos oficiais.
Já no Sul, os judeus, originários do oeste europeu, vinham antes com o objetivo de prosperar e de em seguida
regressar aos países de origem, embora muitos acabassem permanecendo no Brasil, ou porque não houvessem logrado
o desejado enriquecimento rápido, ou porque já se sentissem dominados pelo apego à nova terra. Em face daquela
predisposição inicial, limitavam-se os judeus dos Rio de Janeiro e dos Estados vizinhos às ocupações comerciais, sem
nenhuma tentativa de integração em outras atividades econômicas, de feição mais estável e caráter mais fundamental, e
muito menos procuravam imiscuir-se na vida pública do pais.
Na última década do século XIX e durante a primeira do século XX - 20 anos estes que constituem a verdadeira fase
pré-imigratória moderna - a imigração judaica cresceu de vulto, multiplicando-se os países de procedência e também as
regiões em que os imigrantes passavam a fixar-se no Brasil.
Enquanto, até então, os imigrantes judeus provinham quase exclusivamente do Norte da África e do Ocidente europeu, já agora passaram a chegar também levas de judeus do Mediterrâneo Oriental - Grécia, Turquia, Síria, Líbano e
Palestina - bem como da Rússia e países vizinhos, localizando-se de preferência na zona sudeste do país - Rio de Janeiro,
São Paulo e Minas Gerais - mas também se disseminando, em pequenos núcleos, por muitos outros Estados, tanto do Sul
como do Nordeste.
Não obstante o caráter rapsódico da imigração judaica nessa fase (1890-1910), alguns pontos peculiares podem
ser estabelecidos:
1) No extremo sul do país, a comunidade judaica originou-se de uma tentativa de colonização empreendida pela JCA
(Jewish Colonization Association), a qual, na primeira década do século XX, adquiriu terras no Rio Grande do Sul e nelas
instalou colonos trazidos principalmente da Rússia. Ao contrário do que ocorreu na Argentina, a iniciativa da JCA no Brasil
não logrou seu objetivo, em boa parte devido à má escolha da região, tanto que, em poucos anos, as colônias Philipson e
Quatro Irmãos viram-se abandonadas pelos colonos, que foram trocando a agricultura pelo comércio nas vilas e cidades
próximas, acabando por se concentrarem na capital do Estado, a próspera cidade de Porto Alegre, onde com o tempo se
desenvolveu uma significativa coletividade judaica - a terceira do país.
2) Nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, a parcela mais substancial dos imigrantes proveio de uma pequena
região do sul da Rússia, mais precisamente, da parte norte da Bessarábia; é, assim, historicamente justo reconhecer os
imigrantes bessarabianos do início do século XX como grupo germinativo da coletividade judaica moderna do Brasil.
3) O quadro das principais concentrações israelitas do Brasil, no ano de 1910 - ás vésperas do início da vida judaica
organizada no país - pode ser apresentado nestes termos sucintos: no extremo norte – o agrupamento da Amazônia,
datando de 1822, isolado e conservantista, de origem norte-africana; no extremo sul - o conjunto de colônias judaicas do
Rio Grande do Sul, com imigrantes de origem russa; e no sudeste - o possante binário Rio de Janeiro - São Paulo, com
numerosos núcleos satélites, resultante de uma imigração cosmopolita.
Conquanto ainda não existissem quaisquer ligações de grupo mais firmes entre essas diversas aglomerações judaicas, é entretanto fato digno de registro que em 1910 já existia no Brasil uma coletividade judaica em potencial, que
praticamente abarcava todo o território nacional; uma rica infra-estrutura, sobre a qual viriam em breve apoiar-se as vastas
e homogêneas ondas imigratórias do leste europeu - Bessarábia, Ucrânia, Polônia, Lituânia, Romênia - consolidadoras da
moderna coletividade israelita do Brasil (*). (*) O quadro da população judaica do Brasil, na começo do Século XX, ficaria
incompleto se não fosse mencionada a existência então, no Rio de Janeiro, e também em São Paulo, de fortes contingentes israelitas de categoria inteiramente distinta, quer no tocante aos motivos da sua imigração, como no referente ao seu
gênero de ocupação. Trata-se dos judeus ligados ao mercado do meretrício, o ominoso “tráfico das brancas” que operava
dentro do quadro de uma grande organização internacional. Socialmente isolados pela coletividade judaica nascente, que
com eles não queria ser confundida, esses elementos marginais - chamados tméim (impuros) e também linke (esquerdos)
– não tiveram oportunidade de contribuir para a formação da moderna comunidade israelita do Brasil, sendo que, depois
de 1930, sobretudo por motivos de repressão legal, eles foram rareando e afinal desaparecendo, sem deixar vestígios.
Em 1911 é que teve verdadeiramente início a vida judaica organizada no Brasil, em seu ciclo moderno. No Rio de
Janeiro, foi fundada, no referido ano, uma sinagoga - Bet Iacov; no ano seguinte - a sociedade de “Ajuda Fraternal”
Achiezer; em 1913, a organização sionista Tiferet Zion; e em 1916 - o Comitê em prol das Vítimas da Guerra, bem como a
Biblioteca Sholem Aleichem - esta de se considerar a primeira instituição cultural judaica do Brasil - afora outras associações de menor vulto. Em São Paulo, na mesma época, foi fundada, em 1912, a Comunidade Israelita; em 1915 - a
Sociedade Beneficente Feminina; e em 1916 - a Instituição Beneficente “Ezra”, a Biblioteca Judaica, o centro sionista
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“Ahavas Zion”, e o Comitê de Auxilio às Vítimas da Guerra. Também em Porto Alegre foram, no correr da segunda década,
criadas várias instituições religiosas, filantrópicas e educacionais, merecendo-se destacar a fundação, em 1915, dos primeiro órgão de imprensa judaica no Brasil, um semanário redigido em idish, sob o nome de “Di Mentshait” (A Humanidade). Cabe, finalmente, mencionar ainda a cidade de Curitiba, onde, já em 1913, a reduzida população judaica se organizou
em torno de um centro social.
Mas, se foi tão dinâmica a atuação organizacional judaica ao longo do segundo decênio do século, é certo que numericamente a coletividade permaneceu pequena, e só depois de terminada a Primeira Guerra Mundial é que a imigração
teve um forte incremento, de um lado porque então já se desvanecera entre os judeus brasileiros a aspiração de regressar
à Europa, pelo que mandavam buscar seus parentes para aqui se radicarem, e do outro lado porque, naquela altura, o
governo americano havia imposto severas restrições à imigração nos Estados Unidos. Sobretudo no decorrer do período
1920-1930, foram ininterruptas as levas de imigrantes judeus vindos da Europa oriental, circunstância que deu extraordinário impulso á vida coletiva judaica no Brasil; com singular entusiasmo, foram sendo criadas, inclusive nas cidades
menores, instituições de toda sorte - sinagogas, escolas, sociedades beneficentes, bibliotecas, centros sociais, clubes
juvenis, grupos dramáticos e órgãos de imprensa.
Quanto ao campo educacional - muito ajudado pela JCA - basta mencionar que, ao findar a terceira década do século,
havia funcionando no país nada menos que 27 escolas judaicas. No setor da imprensa, há a assinalar, naquele período, o
surgimento dos jornais Dos Idishe Vochenblat (Semanário Israelita), fundado em 1923, Di Idishe Folkstzaitung (A Gazeta
Israelita), em 1927, órgão de elevado gabarito, e Di Idishe Presse (A Imprensa Israelita), em 1930, todos surgidos no Rio
de Janeiro, e A Gazeta Israelita, fundada em 1931, em São Paulo. E mesmo a produção literária eclodiu nesse período com
livros de poesias e contos, em hebraico e idish.
Cabe ressalvar apenas que a situação econômica da coletividade judaica não acompanhou esse surto surpreendente
da sua vida sócio-cultural, e isto, em parte, por causa dos reflexos da depressão mundial. Com exceção de uma parcela
que se encaminhou para a indústria (têxtil, de confecções e de móveis), especialmente em São Paulo, e para o comércio
varejista (tecidos e móveis), o resto, ou seja a grande maioria dos imigrantes, dedicou-se ao comércio ambulante (klientéle),
ramo este trabalhoso e de rendimento em geral discreto.
No ano de 1933, a vida judaica penetrou em nova fase, tumultuária e decadente. Como fator mais ponderável, é de se
apontar o regime restritivo à imigração, instituído em 1931. Sem o constante refrescamento imigratório que caracterizou o
decênio anterior, só a inércia fez com que a vida coletiva judaica ainda prosseguisse viçosa por mais uns poucos anos. Em
acréscimo, sobreveio no ano de 1933 o movimento nazista, cujo espectro acabou atingindo as plagas do Brasil; fascinados
pelo prestígio alemão, alguns componentes de um partido brasileiro quiseram, numa imitação ingênua, disseminar pelo
Brasil o mito racial, mas, mesmo então, com todas as condições conjunturais favoráveis, tanto no país como no campo
internacional, a tentativa fracassou redondamente, por falta de ressonância da parte do povo.
Liberta dos sobressaltos provocados por esse ensaio anti-semita, a coletividade judaica passou, entretanto, a sofrer
os efeito de certos atos legais restritivos às atividades de estrangeiros em geral, um de tais atos, baixado em 1939,
exigindo que os jornais em língua estrangeira inserissem a tradução dos artigos publicados, e o outro, em 1941, interditando totalmente a publicação de jornais em línguas estrangeiras; além disso, ficou praticamente proibido usar o idish nas
reuniões e assembléias.
Amordaçada, assim, a imprensa idish - embora sem intenção específica - e freada a liberdade de reunião, a vida social
judaica ficou por vários anos reduzida a atividades religiosas e beneficentes, cabendo mencionar a este respeito o valioso
concurso trazido pelos imigrantes judeus alemães, que começaram a afluir ao Brasil depois de 1933, e que, com muita
eficiência, organizaram suas próprias instituições.
Resta entretanto ressalvar que a educação judaica não decaiu de ritmo durante essa fase sombria, o mesmo se dando
com a produção literária, que prosseguiu razoavelmente nas suas proporções discretas.
E quanto à imprensa judaica, que teve, lamentavelmente, silenciados os seus órgãos em idish, há a assinalar de
positivo o surgimento, no Rio de Janeiro, em 1942, de uma bem estruturada revista semanal, “Aonde Vamos”, redigida
em português, idioma em que também foram publicados com êxito os periódicos “Jornal Israelita” (Rio) e “A Civilização” (São Paulo).
Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, os ideais democráticos voltaram a dominar o país, dando azo a que
se reanimasse a vida coletiva dos judeus do Brasil. Conhecido o saldo trágico da hecatombe européia, com a perda
pesadíssima de seis milhões de almas judias, cresceu sobremaneira entre os judeus brasileiros a consciência de solidariedade grupal, o senso de responsabilidade pela sobrevivência judaica no mundo, agora repousando mais acentuadamente sobre os ombros do judaísmo americano. Por um lado, formaram-se e reorganizaram-se então instituições para ajudar
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
os prováveis imigrantes da Europa, indo-se ao extremo de fundar duas grandes escolas profissionais “ORT”, no Rio e em
São Paulo, destinadas a facilitar aos refugiados a sua integração na economia do país; por outro lado, revigorou-se o ideal
sionista e multiplicaram-se as respectivas atividades, que atingiram o auge com o advento do Estado de Israel, em 1948.
A educação judaica intensificou-se sensivelmente depois de 1945, embora não chegasse jamais a contemplar senão
20 a 30% das crianças em idade escolar. A imprensa em idish ressurgiu com muita vitalidade a partir de 1947, com a Idishe
Presse e Idishe Tzaitung, no Rio de Janeiro, e Undzer Shtime e Der Naier Moment, em São Paulo, ao lado de diversos
periódicos judaicos em português. E a produção literária prosseguiu satisfatoriamente, com vários livros publicados de
gênero diversificado, em idish e português, sobre temas judaicos e gerais. Também as atividades associativas tiveram
forte incremento, com a fundação de numerosas instituições religiosas e clubes recreativos culturais de alto gabarito, no
Rio de janeiro e em São Paulo, e mesmo nos centros menores, afora a criação de Federações e uma Confederação
Nacional. Finalmente, a situação econômica no pós-guerra experimentou enorme avanço, tendo os judeus brasileiros
quase abandonado a mercancia ambulante para progressivamente penetrar na indústria e no grande comércio. Entretanto, a partir de 1955, a vida sócio-cultural judaica passou a definhar qualitativamente, fato este que se pode atribuir a várias
circunstâncias de efeito conjugado: 1) a sensível melhoria do nível econômico dos judeus brasileiros e conseqüente enfraquecimento do seu espírito gregário; 2) a consolidação e relativa normalização do Estado de Israel e conseqüente redução
do seu poder galvanizador; 3) a irresistível ação assimilante do ambiente não-judaico;
4) o império da improvisação nas atividades de criação e condução das instituições, sem planejamento e sem
enquadramento democrático em entidades-teto; e 5) a falta de entrosamento entre os líderes da geração pioneira,
refratários à evolução do processo social judaico, e a nova geração, ávida de uma orientação mais condizente com o
espírito da época.
CONCLUSÃO
A história dos judeus no Brasil é uma longa e honrosa trajetória, pontilhada sem dúvida de sofrimentos, mas também
repleta de sucesso, traduzido em contribuições positivas e fundamentais para o desenvolvimento do país e para a formação do seu povo.
Na exploração das costas brasileiras, no desbravamento do interior, no progresso da lavoura, do comércio e das
indústrias, enfim nos movimentos ideológicos de emancipação política da terra - em tudo os judeus dos séculos passados
deixaram marcas indeléveis da sua participação ativa, e tudo eles impregnaram do seu senso progressista e dos seus
valores de cultura; por outro lado, em conseqüência de ampla miscigenação ao longo de centenas de anos, entraram eles
poderosamente na composição étnica nacional, e transmitiram ao brasileiro de hoje largos contingentes éticos, antropológicos e culturais.
Os judeus brasileiros do século XX vêm prosseguindo na mesma trilha construtiva e, conquanto não guardem estrita
continuidade com as populações israelitas de antanho, eles têm, como coletividade, todos os motivos para se apossarem
daquele patrimônio histórico, de o integrarem com a sua própria contribuição e, portanto, de se terem por legítimos partícipes
da nacionalidade. Eis que seus ancestrais, por quatro séculos, foram deixando um legado precioso ao país. Quatro séculos: nem sequer um dia menos que a própria história do Brasil!
Capítulo II
DESCOBRIMENTO DO BRASIL (1500)
Contribuição judaica ao descobrimento do Brasil
O judeu Gaspar de Lemos, primeiro explorador do Brasil
CONTRIBUIÇÃO JUDAICA AO DESCOBRIMENTO DO BRASIL
Verificou-se o descobrimento do Brasil numa época em que Portugal estava no auge da sua expansão no mundo.
Não era então somente a glória militar ou a busca romanesca de aventuras, ou ainda o desejo de dilatar a fé católica,
que impeliam os portugueses às suas grandiosas expedições marítimas, em que singravam “mares nunca dantes navegados”, intimoratos aos perigos, insensíveis às provações.
Ao lado desses motivos, e quiçá acima deles, o espírito comercial dominava as expedições. Visavam os portugueses
quebrar o monopólio que até então, por intermédio das caravanas árabes, mantinham venezianos e genoveses sobre o
intercâmbio mercantil com os portos do Levante, e desse modo assegurar a Portugal a posição de centro as grandes
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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atividades econômicas da época, a função de empório de produtos e especiarias intensamente procurados pelos meios
consumidores da Europa.
Fossem quais fossem, entretanto, os móveis do alargamento marítimo de Portugal, o certo é que ele não lograria
produzir-se sem o longo período de descobertas e aperfeiçoamentos científicos, que precedeu o grande ciclo das conquistas, e no qual tiveram papel de sumo relevo os sábios da época.
Desde o século XII, aliás, vinham os judeus ibéricos se distinguindo extraordinariamente nos domínios da matemática,
astronomia e geografia, ciências essas básicas para a arte náutica, especialmente para a navegação oceânica.
Merecem menção, entre muitos outros:
ABRAHAM BAR CHIA Autor das obras “Forma da Terra”, “Cálculo do Movimento dos Astros” e “Enciclopédia”;
ABRAHAM IBN ESRA Autor de “Utensílios Éneos”, “Tratado do Astrolábio”, “Justificação das Tábuas de Kvarismi” e “Tábuas Astronômicas”;
JOÃO DE LUNA Que escreveu “Epítomes de Astrologia” e “Tratado do Astrolábio”;
JACOB BEN MACHIR Que escreveu “Tratado do Astrolábio” e inventou um instrumento de observação, chamado
“Quadrante de Israel”;
ISAK IBN SAID Que elaborou um resumo concatenado das obras sobre astronomia dos gregos e árabes; RABÍ LEVÍ BEN
GERSON (GÉRSONIDES) Que escreveu as obras “Tratado sobre a Teoria e Prática do Cálculo”, “Dos Números Harmônicos”,
“Tábuas Astronômicas sobre o Sol e a Lua” e “Tratado sobre a Balestilha”, e construiu dois importantes instrumentos: a
câmara escura e o telescópio, cuja invenção é geralmente atribuída a outros;
ISAAC ZADDIK Que escreveu “Tábuas Astronômicas”, “Tratado sobre Instrumentos Astronômicos” e “Instruções para o
Astrolábio de Jacob Ben Machir”.
Esse vicejante movimento científico foi de forma excelente aproveitado pelos governantes portugueses em prol da
ascensão do seu país à posição de grande potência naval.
Assim, o infante D. Henrique, apelidado “O Navegador”, ao fundar, em 1412, a primeira academia de navegação, a
tradicional “Escola de Sagres”, escolheu para sua direção um dos mais famosos cartógrafos do século XV, o judeu Jehuda
Crescas, indo buscá-lo, especialmente, nas Ilhas Baleares.
Jehuda Crescas, também conhecido como mestre Jácome de Malorca e ainda comumente chamado “El judio de las
Brújulas” - devido à sua grande experiência na fabricação de bússolas - teve por essencial missão ensinar aos pilotos
portugueses os fundamentos da navegação e a produção e manejo de cartas e instrumentos náuticos.
Mais tarde, outros judeus de renome científico prestaram sua colaboração à Escola de Sagres, destacando-se os
sábios José Vizinho, mestre Rodrigo e, sobretudo, Abraham Zacuto - autor do “Almanaque Perpétuo de todos os Movimentos Celestes” - figura de grande influência em todas as decisões que diziam respeito aos interesses do Estado, inclusive
portanto às expedições oceânicas, uma das quais - a importante e bem sucedida viagem de Vasco da Gama que trouxe a
descoberta do caminho marítimo à Índia - foi por ele planejada.
Afigura-se, desse modo, evidente que, em grande parte, a cooperação científica dos judeus do século XV tornou
possível as viagens transoceânicas e as descobertas realizadas pela frota lusitana.
Mas, a contribuição judaica ao descobrimento de novas rotas e de novas terras para a coroa portuguesa não se
limitou ao campo científico de feição preparatória, senão também se traduziu na participação direta das temerárias
viagens, nas quais os judeus se revelaram de vital utilidade, graças inclusive ao conhecimento que tinham das línguas
e costumes de vários países.
Assim, também tomaram parte saliente na expedição que resultou no descobrimento do Brasil, pois que, na frota
dirigida por Pedro Álvares Cabral, viajaram como conselheiros especialistas pelo menos dois judeus:
Mestre João, médico particular do rei e astrônomo equipado com os instrumentos de Abraham Zacuto, e que tinha
como incumbência realizar pesquisas astronômicas e geográficas; e Gaspar de Lemos, também conhecido como Gaspar
da Gama e Gaspar das Índias, intérprete e comandante do navio que levava os mantimentos, e justamente considerado
pelos historiadores como co-responsável pelo descobrimento do Brasil.
O JUDEU GASPAR DE LEMOS, PRIMEIRO EXPLORADOR DO BRASIL
A importância que merece atribuir à participação de Gaspar de Lemos da expedição que descobriu o Brasil ressalta
desde logo da circunstância de haver decorrido de uma ordem régia vazada em termos elogiosos, conforme refere Gaspar
Correia nas “Lendas da Índia”:
“El Rei entregou ao Capitão-mor Gaspar da Gama (Gaspar de Lemos), o judeu, porque sabia falar muitas línguas, a
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
que El Rei deu alvará de livre e fôrro de sua comédia em terra dez cruzados cada mês, muito lhe recomendando que o
servisse com Pedralves Cabral, porque se bom serviço lhe fizesse, lhe faria muita mercê; e porque sabia as coisas da
Índia, sempre bem aconselhasse ao Capitão-mor o que fizesse, porque este judeu tinha dado a El Rei muita informação
das coisas da Índia mormente de Gôa”.
Divergindo embora os historiadores quanto à origem de Gaspar de Lemos e à sua vida até haver entrado em contato
com os portugueses, a versão mais aceita é a que o dá como judeu nascido na Polônia, de onde foi expulso ou teve que
fugir em 1450, quando criança, por não ter querido sua família converter-se ao cristianismo. Após uma longa peregrinação
através da Itália, Terra Santa, Egito e vários outros países, teria resolvido permanecer em Gôa, na Índia, ali adquirindo
prestígio e vindo a ocupar a função de capitão-mor de uma armada pertencente a um rico mouro na ilha de Arquediva.
Foi nessa ilha que Vasco da Gama, em 25 de setembro de 1498, ao regressar de uma viagem à Índia, conheceu
Gaspar de Lemos, que se lhe apresentou a bordo como cristão e prisioneiro do poderoso Saboya, proprietário da ilha.
Não tendo conseguido burlar a perspicácia de Vasco da Gama, este depressa forçou-o a confessar que tinha sob suas
ordens quarenta navios com instruções de Saboya para, na primeira oportunidade, atacar a frota lusitana.
Paradoxalmente, o incidente acabou gerando uma sólida amizade de Vasco da Gama por Gaspar de Lemos, a quem
levou consigo para Portugal, onde o apadrinhou no batismo, deu-lhe o seu nome - pelo que passou a chamar-se Gaspar da
Gama - e apresentou-o ao rei, D. Manoel, que o fez pessoa grata na corte e o nomeou “cavalheiro de sua casa”.
Na falta de elementos informativos seguros sobre o real papel desempenhado por Gaspar da Gama no descobrimento
do Brasil, há quem admita inclusive que, apoiado na sua enorme experiência de viagens marítimas, tivesse ele intencionalmente induzido Pedro Álvares Cabral a afastar-se da África por acreditar na existência de outras terras na direção oeste da
vastidão dos mares.
Seja como for, e ainda que sem fundamento tais suposições avançadas, permanece fora de dúvida que Gaspar da
Gama fez jus ao epíteto de “o primeiro explorador da terra”, que lhe dá Afrânio Peixoto, e mesmo ao de “co-descobridor do
Brasil”, que lhe atribui Alexandre Von Humboldt.
Capítulo III
PRIMEIRAS EXPLORAÇÕES DO BRASIL (1501 - 1515)
O arrendamento do Brasil e o ciclo do pau-brasil
Fernando de Noronha, o arrendatário judeu
O ARRENDAMENTO DO BRASIL E O CICLO DO PAU-BRASIL
Logo nos primeiros anos após a descoberta do Brasil, arrefeceu o interesse do rei D. Manoel pela nova terra. A
expedição enviada à costa do Brasil no ano de 1501, e que regressou a Portugal em 1502, não apresentou resultados que
fossem de molde a entusiasmar o Governo português, cúpido do mito do metal, pois no Brasil “nada fôra encontrado de
proveito, exceto infinitas árvores de pau-brasil, de canafístula, as de que se tira a mirra e outras mais maravilhas da
natureza que seriam longas de referir” (carta de Américo Vespuccio a Soderini).
A corte era naquele tempo verdadeiramente uma grande casa de negócio e, como, por um lado estivesse fundamente
absorvida com as dispendiosíssimas expedições à Índia, onde pretendia estabelecer um vasto império colonial, e, por
outro lado, não enxergasse lucros apreciáveis e imediatos na exploração do Brasil, este ia sendo relegado a um simples
ponto de ligação nas viagens à Índia, uma escala de refresco e aguada. É assim de todo compreensível que, tendo o
monarca recebido em 1502, de um consórcio de judeus dirigido pelo cristão-novo Fernando de Noronha, uma proposta
para exploração da nova colônia mediante contrato de arrendamento, ele a aceitasse de bom grado; era a colonização do
Brasil que se lhe oferecia, para ser feita a expensas de particulares, sem riscos e sem ônus ou quaisquer encargos para o
erário público, e ainda com a possibilidade de lhe serem proporcionados lucros e de, sob certa forma, ser sustentada,
ainda que fracamente, a autoridade portuguesa na nova possessão.
O acordo - que era um monopólio de comércio e de colonização - foi firmado em 1503, pelo prazo de 3 anos, e
compreendia os seguintes principais compromissos dos arrendatários:
1. Enviar seis navios anualmente;
2. Explorar, desbravar e cultivar, cada ano, uma nova região de 300 léguas;
3. Construir nessas regiões fortalezas e guarnecê-las durante o prazo do contrato;
4. Destinar à Coroa, no segundo ano do arrendamento, a sexta parte das rendas auferidas com os produtos da terra, e, no
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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terceiro ano, a quarta parte das mesmas.
Esse contrato foi, com algumas modificações, sucessivamente renovado em 1506, 1509 e 1511, estendendo-se até
1515.
No próprio ano do contrato inicial - mais precisamente, em maio de 1503 - desferrou de Portugal com destino ao Brasil
a primeira frota, composta de seis navios, sob o presumível comando pessoal de Fernando de Noronha, tendo aportado
em 24 de junho de 1503 a uma ilha até então desconhecida, que inicialmente recebeu o nome de São João, mais tarde
trocado para “Fernando de Noronha” em reconhecimento aos méritos do seu descobridor, a quem acabou sendo doada
pelo rei em 1504.
Nesse ano de 1504, os navios de Fernando de Noronha voltaram para Portugal com enorme carregamento de paubrasil (também chamado “madeira judaica”), artigo então grandemente procurado nos mercados europeus para as indústrias de corantes.
Tão intenso se tornou o comércio do pau-brasil durante o arrendamento do Brasil a Fernando de Noronha - exportavam-se nada menos de 20.000 quintais por ano - e de tal importância econômica ele se revestiu, que deu origem à
denominação de “ciclo do pau-brasil”, sob a qual é conhecido aquele período, além de ter determinado a adoção do nome
definitivo da terra - Brasil, em substituição ao de Santa Cruz (ou ainda Terra dos Papagaios), como era antes designada.
Fernando de Noronha, o arrendatário judeu Fernando de Noronha - também chamado Fernão de Noronha ou Fernão
de Loronha - foi sem dúvida uma personalidade marcante na vida pública de Portugal.
Homem de extraordinária atividade e singular visão comercial, não tardou a entrosar muitos e vultosos negócios com
a côrte, a qual não lhe regateou manifestações de reconhecimento pela sua destacada contribuição ao desenvolvimento
comercial e marítimo do reino, concedendo-lhe vários títulos nobiliárquicos, afora a permissão de usar o brasão que lhe
conferira a Coroa Inglesa.
Admite-se que Gaspar da Gama, ao voltar do Brasil, teria sugerido a Fernando de Noronha a conveniência de ser a
nova colônia portuguesa utilizada como refúgio para os judeus perseguidos, e que essa sugestão teria induzido Fernando
de Noronha a propor ao Governo o arrendamento do Brasil, visando assim facilitar a transmigração judaica.
Refere-se subsidiariamente, com base em documentos do arquivo da Torre de Tombo, que Fernando de Noronha,
para ajudar o êxodo de numerosos judeus, comprava-lhes as propriedades que, de outro modo, teriam de perder.
Esses e outros indícios têm levado muitos historiadores a admitirem a origem judaica de Fernando de Noronha.
Que tenha ou não tenha sido Fernando de Noronha descendente de judeus, cristão novo ou criptojudeu, não envolve
especial interesse. Importa antes a afirmativa, de consenso geral, de que, nas expedições comerciais do sindicato de
Fernando de Noronha, judeus constituíam a maioria, cabendolhes assim o mérito de terem lançado no solo da nova pátria
os primeiros marcos da civilização.
Capítulo IV
PRIMEIRA COLONIZAÇÃO (1515 - 1530)
Expedições de guarda-costas
Primeiras tentativas de colonização dirigida
Participação dos judeus na introdução da cana de açúcar
EXPEDIÇÕES DE GUARDA-COSTAS
Tendem os historiadores a considerar que, até 1530, a Coroa pouco se importou com o aproveitamento do Brasil, não
faltando mesmo quem tache, englobadamente, de “período da indiferença” toda a fase de 1500 a 1530.
Parece, entretanto, haver exagero em tal juízo, que só é justamente aplicável ao período 1500-1515, durante o qual,
como visto no capítulo anterior, o Brasil chegou a ser arrendado, todo ele, a uma empresa comercial, dirigida por Fernando
de Noronha.
Na verdade, o próprio fato de não ter sido prorrogado em 1515 o contrato de arrendamento com Fernando de Noronha
- sem que jamais fosse dada qualquer explicação dessa solução de continuidade - leva a supor que o Governo de Portugal,
na altura do ano 1515, despertara para a realidade: teria que tomar conta do vastíssimo território brasileiro se não quisesse
dispor-se ao risco de perder o comércio com ele e mesmo a soberania.
Efetivamente, tal perigo era real, pois, àquele tempo, o litoral brasileiro era também freqüentado grandemente por franceses contrabandistas, que procuravam traficar com os indígenas, infringindo assim o monopólio português do pau-de-tinta.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
Tudo parece confirmar, portanto, que tenha sido para obviar os aludidos perigos que o Governo de Portugal recorreu
a um duplo programa de medidas: por um lado, organizou armadas, ditas de guarda-costa, em cujo comando se notabilizou Cristóvão Jaques, para reprimir o comércio dos entrepolos, sabendo-se de três expedições, entre 1516 e 1519, 1521
e 1523, e entre 1526 e 1528; por outro lado, tomou medidas de incentivo à colonização do Brasil, facilitando o embarque
de todos quantos quisessem partir como colonos.
PRIMEIRAS TENTATIVAS DE COLONIZAÇÃO DIRIGIDA
Tem-se mesmo notícia de um decreto, baixado em 1516 por Dom Manuel I, rei de Portugal, segundo o qual todo
aquele que emigrasse para o Brasil receberia, por conta da Coroa, o equipamento necessário para aí construir um engenho de açúcar, não se tendo o decreto descuidado de ordenar que fosse enviado um perito à nova colônia a fim de dar a
necessária assistência.
O decreto dizia explicitamente em certo trecho: “Machadinhas, enxadas e outros instrumentos deverão ser dados às
pessoas que vão popular o Brasil e um homem experiente e capaz deverá ser enviado ao Brasil para dar início a um
engenho de açúcar. Deverá receber toda a assistência e materiais e instrumentos necessários para a construção do
engenho”.
A despeito das facilidades concedidas pelo Governo, sabe-se que eram todavia raros os colonos portugueses cristãos
que quisessem emigrar para o Brasil - provavelmente em virtude da atração que sobre eles continuava a exercer a Índia razão por que, ao lado de criminosos, condenados ou exilados, se destacaram os voluntários judeus, constituindo a
maioria das levas imigratórias.
Ao que tudo indica, as providências tomada pelo Governo de Portugal trouxeram os resultados almejados, pois documentos de 1526 já se referem a direitos alfandegários pagos em Lisboa sobre açúcar importado do Brasil.
PARTICIPAÇÃO DOS JUDEUS NA INTRODUÇÃO DA CANA DE AÇÚCAR
A suposição de que predominavam os judeus entre esses primeiros colonizadores do Brasil é corroborada pelo fato
inconteste de que a indústria do açúcar já vinha sendo, desde muitos anos antes, a ocupação preferencial dos judeus das
ilhas da Madeira e de São Tomé, de onde provavelmente foi a cana de açúcar transplantada para o Brasil.
Assim, pois, nesse período de transição, de 1515 a 1530, em que o Governo de Portugal fez os primeiros ensaios de
controle e ocupação do território brasileiro, parece ter cabido aos judeus uma parcela fundamental no cumprimento dessa
tarefa, como primeiros colonizadores do Brasil.
Capítulo V
COLONIZAÇÃO SISTEMÁTICA
(1530 - 1570)
Expedição de Martim Afonso de Sousa
Bahia e São Vicente
Capitanias Hereditárias
Governos Gerais
As figuras histórico-lendárias de Caramuru e João Ramalho
O papel dos judeus no período de 1530 a 1570
EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
Verificando que as esparsas expedições de guarda-costa e os reduzidos ensaios de colonização, empreendidos no
período de 1515 a 1530, eram insuficientes para afastar do Brasil os traficantes estrangeiros, já agora acrescidos de
espanhóis, que, além de negociarem, mostravam intenções de aqui se estabelecerem, o rei de Portugal, D. João III,
passou a uma ação decidida, visando a uma colonização sistemática em larga escala e pois a uma ocupação efetiva do
território brasileiro.
Assim, em 1530, mandou ele aprestar uma armada com 400 homens, sob o comando do seu amigo Martim Afonso de
Sousa, a quem nomeou “Capitão-mor e Governador das Terras do Brasil”, dandolhe autorizações especiais de muita
amplitude, que abrangiam “o direito de tomar posse de todo o país, fazer as necessárias divisões, ocupar todos os cargos,
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exercer todos os poderes judiciários, civis e criminais”.
A expedição de Martim Afonso de Sousa, dando cumprimento à sua missão, cobriu, em 2 anos, todo o litoral brasileiro,
estendendo-se desde o Amazonas até o rio da Prata.
Bahia e São Vicente
Merece notar, todavia, que Martim Afonso de Sousa concentrou as suas atenções em dois pontos do litoral, pontos
esses que perdurariam ao longo de toda a história do Brasil como focos de progresso: o Nordeste (Bahia-Recife) e o
Sueste (Rio-S. Paulo).
Tal bicentrismo econômico e social, já pouco comum, raramente se estabelece tão cedo na formação de países como
ocorreu no caso do Brasil, onde já em 1530 se delinearam os dois focos, que viriam exercer, com alternância de relevo,
uma influência decisiva sobre a história econômica do país, até os nossos dias: o Nordeste predominando nos séculos XVI
e XVII - ciclos do pau-brasil e do açúcar; o Sueste se sobressaindo no século XVIII, à época da mineração do ouro; um
curto ressurgimento setentrional; e, finalmente, um predomínio meridional definitivo no século XIX, ao influxo da grande
agricultura, especialmente da cultura do café; tudo isso, sem prejuízo das perspectivas de franco progresso que tornam a
desenhar-se para o Nordeste, embora sem afetar o centro-sul.
Constituindo esse bicentrismo um fato em si notável, acresce, como aspecto paradoxal, a circunstância de que ambos
os focos de progresso do país se localizaram longe, e um de cada lado, da região onde se deu o descobrimento.
Evidentemente, não pode satisfazer o argumento da maior proximidade da costa nordestina com relação à Europa,
quando comparada com a região de Porto Seguro, pois inclusive não explicaria a preferência dada à região de São
Vicente. Antes, deve-se admitir que havia no litoral sul da Bahia condições naturais adversas ao desbravamento e à
colonização, não sendo de se excluir o fato de ser o clima daquele trecho da costa por demais chuvoso, quase não
apresentando uma verdadeira estação seca no decorrer do ano.
No que respeita à questão dos judeus do Brasil, a existência dos aludidos dois centros econômicos importantes
merece dois reparos: um de caráter essencial, relativo às migrações internas dos judeus, os quais, sempre que acossados
pelas perseguições no Nordeste, escolhiam em boa parte como refúgio a província de São Vicente; o outro, de caráter
ilustrativo, consiste na circunstância de, em cada um dos aludidos pontos - Bahia e São Vicente (S. Paulo) - ter Martim
Afonso de Souza encontrado um judeu influente - respectivamente, Caramuru e João Ramalho - que lhe prestasse decisivo auxílio na sua tarefa colonizadora.
CAPITANIAS HEREDITÁRIAS
Tendo verificado, pelas sucessivas expedições dos anos anteriores, a grande extensão litorânea do Brasil e julgando
os meios até então empregados insuficientes para assegurar a soberania portuguesa na colônia bem como para promover
o seu povoamento, resolveu D. João III, em 1532, criar capitanias situadas ao longo da costa, medida que pôs em prática
entre os anos de 1534 e 1536, mediante a divisão do litoral entre Maranhão e Santa Catarina em 14 lotes, de 10 a 100
léguas de costa, doando essas 14 capitanias hereditárias a 12 “donatários”, escolhidos entre os nobres e mais valorosos
vassalos, os quais deviam explorar e colonizar à sua custa as regiões que lhes haviam sido confiadas, tudo fazendo pelo
seu rápido e seguro progresso.
Apresentou-se aí um novo motivo de estímulo para a vinda de judeus ao Brasil. Os donatários, desejosos de imprimir
prosperidade às suas capitanias, porfiavam em atrair colonos patrícios e, ainda desta feita, os portugueses cristãos preferiam a Índia, cujos efeitos atrativos perduravam. Não restava aos donatários senão recorrer mais uma vez às famílias
israelitas, às quais concediam direitos e vantagens iguais aos dos demais colonos.
Acrescia que os judeus se revelaram excelentes colonizadores: hábeis no trato com o gentio, a cujos hábitos e línguas
logo se adaptavam, passando a contar depressa com a sua amizade.
Assim, as possibilidades de progresso das capitanias dependia em bom grau dos judeus, e, graças a esta circunstância, puderam eles gozar de ampla liberdade de costumes.
Das capitanias, apenas duas se desenvolveram com resultados apreciáveis: Pernambuco e São Vicente, justamente
nos já aludidos dois focos de progresso - Nordeste e Sueste.
Prosperidade excepcional conheceu a capitania de Pernambuco, superiormente dirigida por Duarte Coelho Pereira.
Tendo verificado, pelas tentativas desenvolvidas nos anos precedentes, que a região era favorável à agricultura - fumo,
algodão e cana de açúcar - especialmente para esta última, resolveu Duarte Coelho implantar o cultivo intenso e sistemático de cana e incrementar a indústria açucareira.
Nesse sentido, determinou ele o estabelecimento de grandes plantações de cana de açúcar e a construção de bom
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número de engenhos, mandando trazer, das ilhas da Madeira e de São Tomé, mecânicos, capatazes e operários
especializados - que em sua maioria eram judeus - para dirigirem engenhos e impulsionarem a produção do açúcar.
Merece lembrar o nome do judeu Diogo Fernandes, que foi o maior técnico trazido por Duarte Coelho ao Brasil.
GOVERNOS GERAIS
Por vários motivos - tamanho excessivo dos territórios, falta de recursos para repelir os ataques dos selvagens (*) ou
as invasões estrangeiras, falta de união entre os donatários - falhou totalmente o sistema de colonização das capitanias,
mesmo com as exceções que representavam as de São Vicente e Pernambuco.
(*) Não seriam os antigos brasileiros, chamados pelo autor de “selvagens”, que estariam tentando repelir a invasão dos
estrangeiros portugueses?
Resolveu, então, D. João III, em 1548, criar um governo geral, com sede na Bahia, capaz de, em torno dele, reunir os
esforços dos donatários, dando-lhes “favor e ajuda” e deles recebendo auxílios, inclusive “gente e mantimentos”.
Com a implantação do novo sistema de governo em 1549, não sofreu alteração a situação dos judeus no Brasil, muito
embora na mesma ocasião se fixassem no país os jesuítas. As condições eram tais, que estes se viram forçados a uma
política de transigência e prudência, merecendo destacar a atividade do padre José de Anchieta e do primeiro bispo do
Brasil – Pero Fernandes Sardinha - que se opuseram energicamente à instalação de tribunais inquisitoriais no país e a
quaisquer outras formas de discriminação e perseguição.
Na contingência de ou perderem as esperanças de colonização do Brasil ou levarem a bom termo a missão de que se
achavam incumbidas, as autoridades optaram pela última alternativa e, para tanto, tiveram que fazer tábua rasa das
exigências do 5º Livro das Ordenações da Inquisição e negligenciar as reclamações dos Inquisidores.
Em 1554, escrevia o padre José de Anchieta “ser grandemente necessário que se afrouxasse o direito positivo nestas
paragens”. Semelhantemente, o bispo Pero Lopes Sardinha opinava que “nos princípios muitas mais coisas se hão de
dissimular que castigar, maiormente em terra tão nova como esta”.
Esse panorama de tolerância contrastava vivamente com a onda de ódio e discriminação que varria Portugal, onde
crepitavam ininterruptamente as fogueiras dos autos de fé. É assim compreensível o efeito que sobre os judeus de Portugal deviam exercer as notícias ali chegadas sobre a vida judaica no Brasil. Tangidos pela fúria avassaladora de perseguição religiosa, sentiam-se os judeus de Portugal impelidos a tentar vida nova no Brasil, que se lhes afigurava como refúgio
seguro, onde poderiam concretizar-se os seus anseios de liberdade, as suas esperanças de paz e de tranqüilidade.
Em tais condições, tudo favorecia o estabelecimento de uma intensa e ininterrupta corrente imigratória de judeus
portugueses para o Brasil, onde, prosperando rapidamente, passaram a formar numerosos núcleos, dando mesmo início
a uma vida coletiva que com o tempo viria assumir nitidamente características judaicas como o testemunham as esparsas
referências encontradas sobre uma sinagoga que funcionava em uma casa de propriedade do cristão-novo Heitor Antunes,
na cidade do Salvador - sede do Governo Geral - e sobre uma outra que fazia parte de um centro marrano em Camaragibe,
capitania de Pernambuco, capitania esta que inclusive chegou a contar com um “rabi” - Jorge Dias do Caia, cristão-novo,
calceteiro. As figuras histórico-lendárias de Caramuru e João Ramalho Martim Afonso de Souza, ao deter-se, como já foi
mostrado, com especial interesse nas regiões da Bahia e de São Vicente, teve a sorte de encontrar nesses dois pontos
duas extraordinárias figuras, respectivamente Caramuru e João Ramalho, que lhe prestaram decisiva ajuda na sua função
desabrochadora da colonização do Brasil.
Esses dois vultos, de vida semi-lendária, justamente considerados os primeiros colonizadores efetivos do país, apresentam viva semelhança quanto ao desenrolar das suas longas existências. Ambos aportaram à costa brasileira como
náufragos, e na mesma época, por volta de 1510; ambos tiveram que se acomodar com os indígenas, aos quais acabaram
impondo a sua autoridade: ambos integraram-se na vida dos selvícolas, inclusive casando com índias; um e outro realizaram uma prodigiosa obra de pacificação e aproximação entre os indígenas e os representantes do Governo de Portugal;
finalmente, a ambos, é atribuída ascendência judaica.
CARAMURU
Acerca do aparecimento de Caramuru - cujo verdadeiro nome era Diogo Álvares Correia - existe a seguinte lenda: Em
1509 ou 1510, um navio português naufragou junto da atual Bahia de Todos os Santos. Quase todos os homens morreram
afogados ou foram devorados pelos índios Tupinambás. Entre os poucos deixados para serem sacrificados posteriormente, em espetáculo festivo, estava Diogo Álvares Correia. Quando se aproximava a hora de ser ele sacrificado, uma idéia
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relampejante salvoulhe a vida: Disparou Diogo o mosquete que retivera do naufrágio e matou um pássaro em pleno vôo.
Os selvagens que presenciavam a cena foram tomados de grande terror, pondo-se a gritar: “Caramuru! Caramuru!”, o que,
na sua língua, significava “homem do fogo” ou “filho do trovão”. (Há quem considere, talvez com mais acerto, que o apelido
Caramuru se deriva do fato de ser esse o nome com que os indígenas designavam um peixe comum no Recôncavo da
Bahia, a moréia, freqüentadora das águas baixas das locas, numa das quais teria sido encontrado Diogo Álvares depois do
naufrágio). Passou logo Diogo Álvares Correia a ser altamente considerado pelos índios que, daí em diante, o respeitavam
como a um chefe.
Mais tarde, casou-se Caramuru com Paraguaçu, filha do chefe Taparicá, com o que se tornaram mais íntimas e sólidas
as suas relações com os indígenas.
Quando da chegada de Martim Afonso de Souza, Caramuru serviu de intérprete e elemento de ligação entre esse
primeiro Governador do Brasil e os chefes índios, acertando medidas para a introdução de trabalhos agrícolas na região
com o aproveitamento de sementes trazidas por Martim Afonso.
Papel ainda mais saliente desempenhou Caramuru a partir de 1538, no período do primeiro Capitão-mor, D.Francisco
Pereira Coutinho, cujo governo decorreu tumultuoso, em virtude de sucessivos desentendimentos entre os portugueses e
os indígenas.
Tão grande se tornou a fama de Caramuru e tão alto o seu prestígio junto ao Governo de Portugal, que, ao ser
nomeado, em 1548, o primeiro Governador Geral do Brasil - Tomé de Souza - o rei dirigiu-se em carta a Caramuru, pedindo
sua imprescindível cooperação, nestes termos:
“Diogo Álvares. Eu, El Rei, vos envio muito saudar. Eu ora mando Tomé de Souza, fidalgo da minha Casa, a essa
Bahia de Todos os Santos... E porque sou informado pela muita prática que tendes dessas terras e da gente e costumes
delas o sabereis bem ajudar e conciliar, vos mando que, tanto o dito Tomé de Souza lá chegar, vos vades para ele e o
ajudeis no que lhe deveis cumprir e vos encarregar, porque fazeis nisso muito serviço...
Sendo necessária vossa companhia e ajuda, encomendo-vos que ajudeis no que virdes que cumpre, como creio que
o fareis. Bartolomeu Fernandes a fez em Lisboa a 19 de novembro de 1548. Rei”.
Caramuru atendeu ao pedido do rei e tão proveitoso foi o auxílio prestado a Tomé de Souza que, em meio a uma plena
cooperação dos índios, pôde rapidamente ser fundada, em 1549, a cidade do Salvador, Capital do País, no lugar onde
anteriormente Caramuru estabelecera a aldeia “Vila Velha”.
Quanto à origem judaica de Caramuru, na falta de quaisquer provas, muitos historiadores a admitem levados por
simples presunções, inclusive pelo fato de que, segundo muitas indicações, era tradicionalmente israelita o nome de
família Álvares Correia.
JOÃO RAMALHO
Embora o historiador Rocha Pombo admita que João Ramalho tenha vindo antes da descoberta do Brasil, possivelmente em 1497, época da expulsão dos judeus de Portugal, a suposição mais aceita é a de ter ele aportado em 1512, salvo
de um naufrágio na costa de São Paulo.
Tal como Caramuru no Norte, conseguiu João Ramalho captar depressa a amizade dos indígenas, merecendo especialmente a simpatia de Tibiriçá, o todo-poderoso chefe dos índios Guaianases, que, posteriormente, lhe deu em casamento sua filha Bartira.
Quando, em 1532, Martim Afonso de Souza alcançou São Vicente, lá encontrou João Ramalho que, havia vinte anos,
vivia com os indígenas. Induzido pelas informações de Ramalho acerca das características do clima e do solo da região e
estimulado pela situação estratégica da baía, Martim Afonso, com a ajuda substancial de João Ramalho, fundou então a
primeira colônia agrícola, formada de duas povoações: São Vicente - na planície da ilha do mesmo nome, e Piratininga –
na região serrana do continente, ao lado da aldeia de Santo André da Borda do Campo, onde vivia Ramalho com sua
família e seus aliados.
Em consideração aos relevantes serviços prestados por João Ramalho à capitania de São Vicente, Martim Afonso
conferiu-lhe o título de “guarda-mor”, deu-lhe poderes sobre toda a terra de Piratininga e, finalmente, antes do seu regresso
para Lisboa, elevou-o ao cargo de “Capitão-mor”.
No que toca à origem judaica de João Ramalho, abundam as conjeturas. Há, de um lado, os que se associam à ilação
feita da circunstância de que nunca participara João Ramalho dos exercícios religiosos dos jesuítas e de que, ao cair seriamente doente, recusou as consolações religiosas, fatos estes que são interpretados como indicando pertinência judaica.
Entretanto, a maior parte dos adeptos da estirpe israelita de Ramalho liga a sua argumentação ao sinal, em forma de
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
um ferradura, que João Ramalho incluía na sua assinatura, entre o prenome e o nome de família. Sobre o assunto, existe
uma verdadeira literatura, sendo as mais desencontradas as interpretações dadas com respeito ao mencionado símbolo.
Enquanto alguns o consideram um mero ornamento ou simples talismã, e outros o julgam um hieróglifo que testemunharia
a origem egípcia de Ramalho, a maioria o qualifica como letra hebraica; mesmo estes últimos, porém, divergem entre si,
achando uns que a letra é um “caf”, representando a letra inicial da palavra “Cohen” (sacerdote) ou da palavra “cabir” (forte)
ou ainda da palavra “cafui” (cristão-novo), ao passo que outros consideram a letra como sendo um “bes”, que seria a
abreviação da palavra “ben” (filho), significando a assinatura - “João, filho de Ramalho” - e, finalmente, alguns admitem que
se trate de um “reich”, letra inicial do nome Ramalho.
Como visto, a questão constituiu-se em objeto de amplas discussões e análises de caráter exegético, cujo desenvolvimento evidentemente não apresenta nenhum interesse especial a não ser o incentivo ou a satisfação da curiosidade
sobre a ascendência étnica ou religiosa de João Ramalho, esse inconfundível personagem que tanto contribuiu para a
colonização de São Vicente.
O PAPEL DOS JUDEUS NO PERÍODO DE 1530 A 1570
O período de 1530 a 1570 é talvez o único em toda a história dos primeiros quatro séculos do Brasil, do qual se pode
dizer que, no seu decorrer, a evolução da vida judaica se entrosou plenamente com a do país, numa cooperação ativa,
uma coexistência pacífica e uma integração harmoniosa. Para a formação do Brasil, esse período foi decisivo. No seu
transcurso, fez-se sentir o poderio da metrópole, primeiro através das capitanias hereditárias e depois por intermédio do
Governo Geral, que unificou politicamente o território, exercendo o poder da Coroa sobre o dos capitães-mores; simultaneamente, a língua portuguesa se impôs como elemento de coesão entre os núcleos esparsos do povoamento, coesão essa
reforçada pela união espiritual desenvolvida pela extraordinária atividades dos jesuítas.
E é da maior importância que, durante esse excepcional período de expansão, os judeus tenham desempenhado um
papel sobremodo honroso e atuante na vida econômica e social do país.
Capítulo VI
PERÍODO DAS PRIMEIRAS DISCRIMINAÇÕES (1570 - 1630)
A conjuntura em 1570
Dificuldades de emigração judaica de Portugal
Os tentáculos inquisitoriais no Brasil
Migrações internas
Intercâmbio judaico Brasilo-Holandês
O complexo judaico no período 1570-1630
A CONJUNTURA EM 1570
No período da colonização sistemática (1530-1570), criaram-se, como ficou visto, todas as condições favoráveis à eclosão
de uma sólida comunidade israelita no Brasil:
a)
Suficiência numérica. - O número dos judeus, graças à intensa imigração e ao
b)
crescimento natural, alcançou uma proporção razoável em confronto com a população geral, o suficiente para se
opor ao risco de assimilação.
c)
Liberdade de culto. - Havia tolerância e liberdade bastantes para que os judeus mantivessem abertamente suas
práticas religiosas, ainda que, como é de se supor, algo sincretizadas com o catolicismo.
d)
Refrescamento imigratório. - As sucessivas levas imigratórias de judeus portugueses exerciam um papel reativante,
contra aculturativo.
Graças a tal conjuntura, estavam se desenhando perspectivas seguras para que, nos fins do século XVI, se corporificasse
no Brasil uma coletividade judaica, numerosa e estável. Vários fatores adversos intervieram, porém, para tumultuar esse
processo em marcha.
Dificuldades de emigração judaica de Portugal Nas vizinhanças de 1570, sobreveio uma alteração na política emigratória
de Portugal. Às normas liberais até então vigorantes substituiu-se uma longa série de medidas restritivas, entremeadas de
permissões, condicionadas e efêmeras, concedidas a troco de vultosas somas pecuniárias.
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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Assim, em 30 de junho de 1567, na regência do Cardeal D. Henrique, foi expedido o primeiro alvará qie proibia a saída
do reino, por mar ou por terra, a todos os cristãos-novos.
Em 1573, foi essa proibição reforçada por D. Sebastião.
E, embora quatro anos mais tarde, em 1577, o próprio D. Sebastião o revogasse, mediante a contribuição de 250.000
cruzados para o custeio da malograda expedição à África, voltou o alvará a ser revigorado em janeiro de 1580, pelo ReiInquisidor D. Henrique.
Nesse mesmo ano de 1580, perdeu Portugal sua independência para a Espanha e, em 1587, foram confirmadas todas
as leis anteriores sobre a proibição da saída de judeus.
Em julho de 1601 - dada a péssima situação do erário castelhano - foi, por Carta-Patente, concedida aos judeus
licença para sair do reino, a troco de 200.000 cruzados.
Mas, nove anos mais tarde, em março de 1610, foi promulgada uma lei que revogou a concessão de saída, apesar das
promessas de que a proibição não mais se repetiria.
Somente em 1627, voltou a ser concedida aos judeus uma permissão condicionada de saída e, finalmente, em 1629,
a lei estabeleceu definitivamente a livre saída do reino, benefício para cuja concessão tiveram os judeus que contribuir com
a quantia de 250.000 cruzados.
Tais reviravoltas na política emigratória eram determinadas - abstração feita das freqüentes incompatibilidades entre a
igreja e a coroa - pela situação precária das finanças do país, que impelia ao recurso da extorsão de dinheiro judaico, em
alternância com a necessidade de reter os judeus no país, eis que, emigrando para outros países, eles concorriam para
sua prosperidade, enquanto se depauperava o reino, como chegou a confessá-lo o Conselho de Fazenda nestes termos:
“...estar o comércio empobrecendo e terem os homens de mais cabedal deixado o País”.
Apesar de todas as restrições mais acima enumeradas, é fora de dúvida que o êxodo dos judeus de Portugal em busca
do Brasil prosseguia intenso. Tais e tão crescentes eram as perseguições a que os judeus se viam expostos, que certamente eles haviam de encontrar meios de contornar as proibições, nos períodos em que não o conseguiam oficialmente
através das já mencionadas contribuições de vulto.
Na última década do século XVI, a corrente emigratória dirigiu-se predominantemente para a França e sobretudo aos
Países Baixos, onde florescia o comércio e reinava tolerância religiosa, o que permitiu a célere formação de uma ampla
comunidade israelita, com centro na cidade de Amsterdã, justamente cognominada de “Nova Jerusalém”.
Mas, mesmo nesse período, é de se admitir que continuava a vinda de judeus portugueses ao Brasil.
Há indícios de que, de um modo geral, os países europeus, e em especial a Holanda, eram preferidos pelos emigrantes mais abastados, enquanto ao Brasil se dirigiam os pertencentes às camadas sociais mais modestas, sobretudo os que
tinham propensão à agricultura.
Fosse como fosse, o certo é que essa simultânea emigração de judeus portugueses, para o Brasil e os Países Baixos,
propiciou o estabelecimento de um elo comercial e afetivo entre os judeus brasileiros e holandeses, o qual nos anos
seguintes veio a ter importante repercussão político-social, decorrente do conflito de consciência em que se viram lançados os judeus brasileiros em virtude do triângulo Brasil- Portugal-Holanda que passou a dominar os seus interesses
individuais e suas aspirações coletivas. Os tentáculos inquisitoriais no Brasil Como visto acima, as sucessivas restrições à
emigração dos judeus de Portugal, as quais cobriram todo o período de 60 anos (1570-1630), não foram de molde a afetar
substancialmente a entrada contínua de judeus no Brasil, onde prosseguia crescendo seu número e sua prosperidade.
Entretanto, fatores outros passaram a toldar a vida judaica no Brasil, até então tranqüila e serena. Começaram a
surgir sinais indiscutíveis de restrição à liberdade, que com o tempo se reforçaram, fazendo definhar a vida coletiva
judaica, justamente quando parecia aproximar-se a sua consolidação, e forçando os judeus a retornarem, qual na sua
mãe-pátria, a uma vida disfarçada, de forma a guardarem as tradições apenas no recesso da família e assim mesmo
com a devida cautela.
A primeira manifestação de intolerância verificou-se logo em 1573, na cidade do Salvador, onde foi instalado um auto
de fé. Paradoxalmente, mas talvez de propósito, não era israelita a primeira vítima; era um francês que, acusado de
heresia, foi condenado e queimado vivo.
O balão de ensaio não surtiu, porém, os esperados efeitos. Verificado que os espetáculos dos autos de fé em si não
exerciam nenhuma emoção especial sobre os selvícolas - habituados, de resto, à incineração de prisioneiros - e que,
por outro lado, permanecia incompreensível para os gentios que se queimassem pessoas vivas por respeitarem e
servirem outro Deus, o que os levava a simpatizarem com os prisioneiros da Inquisição, esta encerrou brevemente a
sua nefanda tentativa.
Pôde assim restabelecer-se o ambiente de tolerância, aliás com o franco apoio da opinião pública. Entretanto, em
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
1591, acabou vindo ao Brasil o Santo Ofício, sendo essa missão conhecida como “Primeira visitação do Santo Ofício às
Partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça”.
Na Bahia, permaneceu a Inquisição durante dois anos, até 1593, seguindo então o Inquisidor para Pernambuco,
Itamaracá e Paraíba, onde ficou até 1595.
Decorridos 25 anos, a Bahia, então capital do Brasil, foi, entre 11 de setembro de 1618 e 26 de janeiro de 1619, alvo de
uma nova visitação do Santo Ofício, que ficou a cargo do Inquisidor de Évora, o bispo D. Marcos Teixeira.
Diante desta segunda comissão inquisitorial, foram denunciados nada menos de 90 marranos, entre eles muitos
senhores de engenhos de açúcar.
MIGRAÇÕES INTERNAS
Merece notar que o Santo Ofício limitou suas visitas ao Nordeste, jamais tendo tentado instalar-se no Sueste do país,
talvez para não se expor a um fracasso completo, dado o ambiente hostil que certamente ali iría encontrar.
Essa circunstancia teria propiciado o primeiro movimento migratório interno dos judeus do Brasil.
É provável que, mesmo anteriormente, se viesse processando, em condições normais, a disseminação dos judeus
pelo território brasileiro, e isso sobretudo por motivos econômicos, pois não se ocupavam os judeus somente de agricultura; o seu senso inato de mobilidade e de ubiqüidade certamente os levara a monopolizar o comércio entre os núcleos rurais
e urbanos, assim penetrando nas mais recônditas partes do país.
Mas essas haviam de ser migrações lentas, centrífugas e de caráter voluntário.
Já por ocasião dos inquéritos da Inquisição no Nordeste deve ter sido de forma forçada, e em mais rápido ritmo,
a saída de judeus daquela região em direção da parte mais liberal do país, onde não medravam preconceitos, e que
era sobretudo a capitania de São Vicente - justamente o segundo foco de progresso do país, como ficou indicado
páginas atrás.
INTERCÂMBIO JUDAICO BRASILO-HOLANDÊS
Não se sabe ao certo dos motivos das visitações do Santo Ofício ao Brasil, pois tornaram os inquisidores ao reino sem
que viessem a lume os efeitos das sindicâncias.
É todavia de se presumir que tivessem fundo político, receosa como se achava a Coroa quanto aos negócios dos
cristãos-novos com a Holanda e quanto a certos indícios de que o inimigo encontraria no Brasil aliados e guias.
A conjetura tinha certo fundamento, e os registros da visitação de 1618-1619 revelaram, efetivamente, que, durante
cerca de 25 anos, os marranos do Brasil vinham se mantendo em constante comunicação com os judeus confessos de
Flandres e, em especial, com os ex-marranos portugueses que tinham escapado para Amsterdã.
As suspeitas foram reforçadas mais tarde com a criação da Companhia da Índias Ocidentais, aprovada em 1621 pelo
governo holandês. Em face do programa e dos poderes dessa Sociedade - entre os quais se incluíam os de nomear e
depor governadores, fazer tratados de aliança com os indígenas, erguer fortalezas e construir colônias - e da circunstância
de que o capital da empresa era constituído em grande parte com os cabedais de judeus hispano-portugueses, era lógico
desconfiar que o íntimo intercâmbio entre os judeus do Brasil e da Holanda pudesse vir a ajudar os propósitos conquistadores dessa última.
E a primeira prova real da justeza desse receio foi de fato obtida em 1624, quando os holandeses invadiram e conquistaram a cidade do Salvador, capital do Brasil. A população israelita, que na Bahia era então mais numerosa do que em
qualquer outra cidade do País, submeteu-se alegremente aos conquistadores, com os quais haviam vindo muitos judeus.
Refere-se que cerca de 200 cristãos novos aceitaram desde logo o jugo holandês e passaram a induzir os demais habitantes de origem judaica a seguirem o seu exemplo.
O COMPLEXO JUDAICO NO PERÍODO 1570-1630
Esse longo período de 60 anos foi altamente favorável ao desenvolvimento e à prosperidade da população judaica do
Brasil, mas, em contraste com o período anterior (1530-1570), ele não constituiu uma fase tranqüila de evolução.
Foi um período essencialmente tumultuário, cheio de sobressaltos e de vai-vens que, se não impediram o progresso
material dos judeus - os quais em 1600 chegaram a possuir uma ponderável porcentagem dos 120 engenhos então
existentes no Brasil - solaparam todavia a sua organização coletiva, que vinha tomando corpo, e feriram fundo as suas
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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esperanças de liberdade. Os fatos e circunstâncias característicos do período em questão podem assim ser recapitulados:
- Perseguição cada vez maior aos judeus em Portugal e restrição à sua emigração para o Brasil, o que provavelmente
provocou entre os judeus brasileiros um ânimo adverso para com a mãe-pátria;
- Surgimento de um auto de fé em Salvador (Bahia), embora sem conseqüências sensíveis; bastante, porém, para suscitar entre os judeus brasileiros a idéia de que a nova pátria não estava imune a preconceitos e a eventuais perseguições;
- Vinda de 2 comissões da Inquisição de Portugal, em 1591-95 e 1618-19, com os respectivos processos de acusações e
denunciações, o que deve ter levado os judeus brasileiros a um retrocesso na evolução da sua vida coletiva e a uma
limitação das práticas religiosas ao âmbito da família e a formas disfarçadas;
- Primeira migração forçada de judeus dentro do país, por motivos de perseguição religiosa – do Nordeste para a capitania
de São Vicente;
- Fracasso da invasão na Bahia, em maio de 1624, pois a conquista não chegou a durar um ano, terminando com total
derrota dos holandeses em 1º de maio de 1625.
Em decorrência de todos esses fatos, os judeus do Brasil foram sendo, cada vez mais, dominados por um sentimento de frustração, vendo se esboroarem as suas ilusões e esperanças quanto à segurança e tranqüilidade do seu
porvir na nova terra.
Desiludidos com a mãe-pátria - onde seus parentes e correligionários sofriam privações e perseguições tremendas - e
já agora decepcionados com a própria Nova Lusitânia, onde tudo a princípio parecia sorrir-lhes, mas onde passavam a
avolumar-se indícios hostis, os judeus do Brasil, instintivamente, na procura de algum outro ponto de apoio, sentiam-se
impelidos a um intercâmbio cada vez mais estreito com os judeus portugueses residentes na Holanda, onde a liberdade,
nos fins do século XVI, era absoluta em todos os terrenos.
Era a possibilidade que eles vislumbravam de vir a ser melhorada a sorte dos judeus do Brasil graças à intervenção de
uma outra potência - no caso a Holanda!
Capítulo VII
DOMÍNIO HOLANDÊS (1630 - 1654)
Fases da comunidade judaica sob a ocupação holandesa
Aspectos da atividade econômica dos judeus
Aspectos sócio-culturais da vida judaica. Isaac Aboab da Fonseca
Decadência e “débâcle”
FASES DA COMUNIDADE JUDAICA SOB A OCUPAÇÃO HOLANDESA
A esperança dos judeus no Brasil de que sua sorte melhoraria graças a alguma forma de intervenção holandesa não
falhou. Finalizando uma série de tentativas frustradas com que visavam tornar a conquistar a Bahia no decorrer do ano de
1627, os holandeses, após verificarem que a façanha seria mais exeqüível em Pernambuco - ponto pior defendido e mais
fácil de ser depois fortificado - atacaram-no em 15 de fevereiro de 1630 com uma poderosa esquadra de 70 navios,
tripulada e guarnecida por 7.000 homens, iniciando assim a ocupação do Nordeste brasileiro, a qual iría durar até 1654,
centralizada na próspera capitania de Pernambuco.
Esse período singular da vida judaica no Brasil é de ser considerado em inteira conexão com a ocupação holandesa,
com ela tendo começado e também tido fim, quase abruptamente. Mas, o que impressiona não é simplesmente essa
coincidência, senão a rapidez com que os judeus lograram constituir no Nordeste do Brasil uma comunidade das mais
florescentes do mundo de então.
De fato, cabe descontar a tumultuada fase de 1630 a 1635, em que se processou a consolidação da conquista e que
foi assinalada por lutas incessantes, que a resistência tenaz dos pernambucanos tornou inevitáveis; outrossim se deve
deduzir a fase de decadência do domínio holandês, a qual se estendeu de 1645 a 1654; resta, assim, o período de 1635
a 1644, que abrangeu o governo liberal e progressista do Conde Maurício de Nassau, espaço esse de apenas 10 anos, o
qual, entretanto, bastou aos judeus para alçarem a um nível excepcional a sua vida econômica, social e cultural, dentro do
arcabouço de uma organização coletiva.
ASPECTOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA DOS JUDEUS
A ocupação holandesa do Nordeste do Brasil introduziu profundas modificações na vida econômica dos judeus, alar-
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
gando o seu âmbito, diversificando os seus ramos ocupacionais e erguendo a sua potencialidade a um grau singular.
Antes da conquista holandesa, os judeus exerciam, em larga escala, as atividades de plantadores de açúcar,
mas os donos de engenho representavam apenas uma percentagem razoável, e os magnatas não passavam de
uma escassa minoria. No mais, a colônia judaica era constituída de pequenos comerciantes e de profissionais
manuais mal remunerados.
Com o advento dos holandeses e a decorrente implantação de uma grande tolerância religiosa, o panorama foi se
alterando. Levas ininterruptas e judeus afluíam a Pernambuco de vários países, especialmente da Holanda, trazendo
cabedais, experiência comercial e um prodigioso espírito de realização.
Esses judeus vindos da Holanda - e que em grande parte eram ex-refugiados de Portugal, Espanha e França tinham a vantagem de falar vários idiomas: espanhol, francês, ladino e holandês, afora o mais importante - português,
que era a língua falada no Brasil; era-lhes fácil assim servir de intérpretes para os 7.000 homens do exército e da
marinha holandeses, constituídos de mercenários - holandeses, ingleses, franceses, alemães, polacos e outros - que
não falavam o português.
De simples intérpretes, foram rapidamente passando a cambiadores e comerciantes, de um modo geral a intermediários, profissão que se tornou quase monopólio dos judeus, com os quais não podiam competir os pequenos negociantes e
operários brasileiros e flamengos.
Por volta de 1638, aproveitando-se do confisco dos engenhos pertencentes aos portugueses, feito pelos
governantes holandeses, que puseram essas propriedades em hasta pública, os judeus fizeram grandes aquisições
por preços irrisórios.
Não tardou assim que os judeus se tornassem grandes proprietários urbanos e rurais, controlando a vida econômica
da Nova Holanda; merece lembrar, como testemunho disso, que a principal rua do Recife era conhecida como “rua dos
Judeus” (depois de 1654 - “rua da Cruz”) e o porto era chamado “cais dos judeus”.
Um documento da época, vazado em linguagem pitoresca, ainda que algo exagerada, dá um retrato expressivo da
rapidez com que se efetuou a ascensão econômica dos judeus no Brasil Holandês:
“Haviam vindo com os holandeses, quando tomaram a Pernambuco, alguns judeus, os quais, não trazendo mais do
que um vestidinho roto sobre si, em breve se fizeram ricos com seus tratos e mofatras, o que sabido por seus parentes,
que viviam em Holanda, começaram a vir tantos, e de outras partes do Norte, cada um com suas baforinhas, que em
quatro dias se fizeram ricos e abundantes, porque, como os mais deles eram portugueses de nação e haviam fugido de
Portugal por temor da Santa Inquisição, e juntamente sabiam falar a língua flamenga, serviam de línguas entre os
holandeses e portugueses e por esta via granjeavam dinheiro, e como os portugueses não entendiam os flamengos,
nem eles aos portugueses, e não podiam negociar nas compras e vendas, aqui metiam os judeus a mão comprando as
fazendas por baixo preço e, logo, sem risco nem perigo, as tornavam a revender aos portugueses com o ganho certo,
sem trabalho algum”.
A prosperidade dos judeus na Nova Holanda não se processou todavia sem incômodos. O acréscimo do seu bem
estar e o desenvolvimento extraordinário do seu poderio econômico despertaram inveja e geraram uma perigosa inimizade
da concorrência cristã.
Se tais ondas de ódio coletivo não tiveram maiores conseqüências, o fato se deve à ação equilibrada de Maurício de
Nassau, que, durante a sua regência de sete anos, trabalhara honestamente para fazer a união de todas as oposições
religiosas na colônia, distribuindo justiça imparcial: era o primeiro a exigir reparação quando provadas infrações legais
cometidas por judeus, mas também sabia defendê-los com o seu braço poderoso quando os via vítimas de atiçamento.
ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS DA VIDA JUDAICA.
Isaac Aboab da Fonseca
Sob o domínio holandês, criaram-se no Nordeste do Brasil todas as condições favoráveis à eclosão de uma sólida
comunidade judaica com vida coletiva de características próprias: a)liberdade de culto; b) suficiência numérica e
concentracional; c)continuidade imigratória; d)superioridade cultural. a) - LIBERDADE DE CULTO. - Já quando de sua
organização, a Companhia das Índias Ocidentais havia declarado que toda e qualquer crença seria respeitada na Nova
Holanda. Ao assumir o governo o conde Maurício de Nassau, a promessa, que já vinha sendo posta em prática parcialmente, tornou-se realidade.
No dizer de Hermann Wätjen: “Aos judeus o Conde tolerante permitiu guardarem a santidade do sábado, havendo feito
promulgar que os cristãos dos dois credos deveriam considerar o domingo como o dia do Senhor. No mais, o Governador
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tinha o ponto de vista de deixar cada um ser feliz da sua forma em Pernambuco”.
Estava, assim, implantada a condição básica para que pudesse desabrochar uma comunidade judaica no
Brasil holandês.
b) - SUFICIÊNCIA NUMÉRICA E CONCENTRACIONAL. - A tolerância religiosa, embora indispensável, não era condição
bastante. Fator complementar, da maior importância, foi o crescimento numérico suficiente da população judaica e sua
concentração preponderante numa área restrita, tendo a cidade do Recife como centro.
Trata-se aí, efetivamente, de duas circunstâncias essenciais para que um grupo étnico ou cultural logre conservar as
características próprias, sem se deixar absorver pelo meio dominante.
E o certo é que, sob o domínio holandês, a população judaica cresceu desmesuradamente, concentrando-se em
Recife, bastando dizer que, enquanto essa cidade, em 1630, apenas possuía 150 casas, já em 1639 ali existiam 2.000.
Havia judeus em tamanho número que, à primeira vista, se tinha a impressão de uma cidade puramente judaica.
Esse crescimento populacional dos judeus do Brasil resultou principalmente da intensa imigração que se operou
naquele período, vindo para o Brasil - qual para uma terra da Promissão - judeus de vários países, sobretudo da Holanda,
de cujo porto Amsterdã partiam continuamente naus carregadas de judeus e conversos, sendo que só de uma feita, em
1642, embarcaram 600. A intensidade da emigração de judeus dos Países Baixos para o Brasil ressalta de uma nota
escrita por Francisco de Souza Coutinho, embaixador de Portugal na Holanda, em 1644, ao conde de Vidigueira: “Esta
terra é a mãe dos cristão-novos, e daqui vão para o Brasil”.
Aos imigrantes do estrangeiro, cabe ainda acrescentar os judeus que, de outras partes do próprio Brasil, vinham para
Pernambuco, em busca de liberdade religiosa.
Não se sabe exatamente o número de judeus no Brasil holandês, inclinando-se a maioria dos historiadores para a
elevada cifra de 5.000.
Ainda que esse numero seja exagerado - parecendo mais prudente adotar o de 1.500 - o certo é que, no apogeu do
desenvolvimento da comunidade judaica da Nova Holanda, os judeus representavam cerca de 50% de toda a população
civil, que então orçava em 3.000.
Para se ter uma idéia da importância de que, naquele tempo, se revestia um núcleo israelita de 1.500 almas, basta
lembrar que a própria comunidade judaica de Amsterdã, no seu pleno fastígio, não era mais numerosa.
c) - CONTINUIDADE IMIGRATÓRIA. - Trata-se de um fator supletivo, de grande ação anti assimilatória.
E o que se verificou, durante mais de dois decênios de domínio holandês, foi justamente - em vez de um restrito
número de imigrações maciças - uma ininterrupta entrada de judeus, refrescando permanentemente o espírito de grupo
dos judeus já aqui residentes.
d) - SUPERIORIDADE CULTURAL - Igualmente, constitui fator contra aculturativo a superioridade cultural do grupo
considerado, em relação ao meio dominante. E, no caso em foco, não resta dúvida de que os judeus imigrados especialmente os oriundos da Holanda - eram elementos de expressão cultural bastante superior à existente no Brasil
naquela época.
Em face das condições favoráveis acima apontadas, é compreensível que fosse evoluindo a passo rápido a vida social
dos judeus em Pernambuco, até assumir a forma de uma coletividade organizada.
Nesta altura, havia duas sinagogas - uma no Recife, a outra em Santo Antônio - e um cemitério próprio, na
Boa Vista. Possuíam os judeus pernambucanos uma comunidade sagrada - Cahal Cadoch - chefiada por uma
diretoria, sendo conhecidos os componentes de uma delas: David Senior Coronel, Dr. Abraham de Mercado,
Jacob Mucate e Isaac Castanho.
Havia ainda a Congregação Sur Israel do Recife, que mantinha um Pinkes (livro de atas) e baixava hascamot (regulamentos). Assim, os “regulamentos” revistos em 1648 estabeleciam que todos os judeus residentes no “Estado do Brasil” e
todos os futuros imigrantes tornavam-se automaticamente membros da Comunidade Judaica e deviam inscrever os seus
nomes no Pinkes como demonstração de que aceitavam os regulamentos.
Também na ilha de Itamaracá formou-se uma comunidade presidida por um rabino próprio, Jacob Lagarto, que foi,
aliás, o primeiro escritor talmúdico na América do Sul.
Em tal ambiente de segurança e de organização coletiva, a consciência de grupo avultou, chegando as festas judaicas
a serem celebradas publicamente com procissão nas ruas.
O auge desse desenvolvimento sócio-cultural - de fundo predominantemente religioso - foi atingido pelos judeus de
Pernambuco em 1642, quando providenciaram a vinda da Holanda de um insigne líder espiritual, Isaac Aboab da Fonseca,
que veio acompanhado do “hazan” Moisés Rafael de Aguiar.
ISAAC ABOAB DA FONSECA. Era Isaac Aboab originário de Portugal, de onde emigrara para Amsterdã aos 7 anos.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
Nesta cidade, por suas qualidades excepcionais, fez brilhante carreira, alcançando altas posições, inclusive a de membro
do rabinato.
Quando se tratou de enviar um chefe espiritual para o Brasil, foi ele o escolhido pelo presidente da comunidade holandesa, o que, aliás, serve para corroborar a importância que então se atribuía à coletividade israelita do
Nordeste brasileiro.
Ao chegar ao Brasil, já encontrou Aboab uma vida judaica florescente, um campo amplo para aplicar a sua experiência
e o seu alto saber.
Desdobrou-se ele em várias atividades, destacando-se os seus admiráveis discursos sobre leis e costumes judaicos,
cujo êxito era devido não só aos seus vastos conhecimentos, senão ainda à sua extraordinária eloqüência e ao fato de
dominar a língua portuguesa.
Ao lada das suas atividades rabínicas, continuou Isaac Aboab no Brasil os seus trabalhos literários, tendo escrito, em
colaboração com o rabino Moisés Rafael de Aguiar, a obra “Miiméi Iehuda”, que trata da vida cultural dos judeus brasileiros.
Permaneceu Isaac Aboab fielmente à testa da comunidade brasileira até a sua “débâcle” em 1654.
DECADÊNCIA E “DÉBÂCLE”
Em 1645, começa a entrar em declínio a vida judaica no Brasil. A bem dizer, já a data de 6 de maio de 1644 - em que
Maurício de Nassau, após uma série de desinteligências com a Companhia das Índias Ocidentais, deixa o governo - marca
o início simbólico dessa fase que iría terminar um decênio mais tarde com a melancólica liquidação da pujante comunidade
que se havia implantado – aparentemente com tanta solidez - no Nordeste do Brasil.
A saída de Nassau - esse espírito culto e apaixonado pelos supremos ideais políticos, que se afeiçoara ao Brasil, onde,
não obstante as violências da guerra, tentara introduzir adiantados processos administrativos e instituições liberais - favoreceu sobremodo o nascimento da insurreição pernambucana, pois, em substituição àquele notável estadista que havia
granjeado as simpatias gerais da população, ficara a administração do domínio holandês entregue ao Supremo Conselho
do Recife, composto do negociante Hamel, do ourives Bass e do carpinteiro van Bollestraten, indivíduos completamente
incapazes para a missão.
Inutilmente, Nassau, no seu testamento político, havia apontado a tolerância como uma das diretrizes mais importantes do Governo. O triunvirato que o sucedeu implantou um regime opressor e tirânico, inclusive passando a tratar os
católicos como infiéis, dificultando aos seus sacerdotes a celebração de missas e expulsando os frades do país, por
suspeitá-los beleguins do Governador da Bahia.
Os judeus de Pernambuco cedo deram-se conta do que a nova situação viria representar para eles. Previram facilmente que, sem a política tolerante e apaziguadora do príncipe de Nassau, seria inevitável o enfraquecimento e a queda
do domínio holandês, ficando eles irremediavelmente expostos à sanha dos insurrectos pernambucanos.
Em vista disso, iniciaram o processo de retorno à Holanda, tendo emigrado em alguns anos cerca de metade da
população judaica, sobretudo os negociantes mais ricos. O comércio começou então a decair, o dinheiro passou a escassear e as tropas já se recusavam a combater; ainda mais – mediante suborno, os soldados holandeses desertavam com
freqüência para o exército português, que, em verdadeira antítese, possuía moral elevadíssima.
Para agravar a situação, a Holanda, que então se achava em guerra com a Inglaterra, não podia prestar a necessária
ajuda à colônia decadente e os reforços, que todavia lhe mandava, eram insuficientes e extemporâneos.
Embora a conjuntura se apresentasse nitidamente desfavorável aos holandeses, os judeus que permaneceram em
Recife - cerca de 700 - resignaram-se a aguardar até o último instante o desfecho da luta, ficando fielmente ao lado dos
holandeses e com eles compartilhando de todos os horrores do longo cerco da cidade.
O que os sitiados tiveram de suportar nesse período foi descrito de modo comovente pelo chefe da comunidade
israelita, rabino Isaac Aboab da Fonseca, que assistiu, do início ao fim, ao combate desesperado:
“Livros não seriam capazes de descrever os nossos sofrimentos. O inimigo espalhava-se nos campos e no mato,
espreitando aqui despojos e ali vidas. Muitos de nós morreram de espada na mão, outros por carência de víveres. Jazem
agora na terra fria. Nós, que sobramos, estávamos expostos a morrer de qualquer maneira. Os que antes estavam habituados a iguarias, sentiam-se felizes quando conseguiam pão seco o mofado para acalmar a fome”.
Sobre a atitude de inteira fidelidade aos holandeses, assumida pelos judeus remanescentes de Recife, não faltam
pronunciamentos desfavoráveis. Há, com efeito, quem a considere uma espécie de deslealdade ou ingratidão ao Brasil. É
um erro que cabe corrigir.
Merece notar desde logo que o Brasil não estava propriamente em jogo. Aos judeus impunha-se escolher entre dois
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ocupantes, entre duas potências estrangeiras: Portugal e Holanda. De um lado – o país que perseguia, expulsava e
queimava vivos os judeus; do outro - a nação que agia para com os judeus, tanto na metrópole como nas colônias, com a
maior tolerância religiosa. De um lado – a inquisição e os autos de fé; do outro - a liberdade de consciência.
Entre dois senhores - não havia outra possibilidade de escolha!
E, aliás, procedendo como procederam, os judeus guardaram uma linha de impecável coerência. Eles que, por todas
as formas a seu alcance, ajudaram os holandeses a conquistar o nordeste brasileiro, na esperança, não desmentida, de
obterem no Brasil um lar tranqüilo, não poderiam abandonar os aliados e protetores da véspera, no momento em que a
sorte começava a faltar-lhes.
Tal como souberam os judeus da Nova Holanda armar os seus sonhos - que chegaram a ver em boa parte realizados
- também mostraram saber suportar a sua ruína, lutando bravamente até a queda final da sua cidadela, com o que se
haveria de encerrar o ciclo mais fastigioso, embora efêmero, da vida judaica no Brasil colonial.
Capítulo VIII
PERÍODO PÓS-HOLANDÊS
DISPERSÃO E ACOMODAÇÃO (1654 - 1700)
O grande êxodo
O destino dos fugitivos nas colônias americanas
A acomodação no Brasil
O GRANDE ÊXODO
Com a queda de Recife e subseqüente capitulação dos holandeses, entrou em plena desagregação a comunidade
israelita no nordeste do Brasil.
Viram-se então os judeus dessa região, após vários anos de privações e sofrimentos, em face de uma dolorosa
encruzilhada: permanecer no Brasil, onde presenciaram a calamitosa destruição da sua vida coletiva e dos seus bens
pessoais, e onde os ameaçavam os horrores de uma implacável perseguição - não obstante o arranjo feito pelos holandeses com os portugueses no sentido de ficarem impunes os judeus remanescentes - ou emigrar em busca de refúgio, onde
pudessem reconstruir as suas vidas.
Uma pequena parcela resignou-se à permanência no Brasil, dispersando-se pelo seu território, enquanto o grosso
optou pela emigração. Destes, um grupo - constituído provavelmente dos mais ricos e mais relacionados na Holanda, entre
eles o próprio chefe da comunidade rabino Isaac Aboab da Fonseca - decidiu retornar a esse país - ilha de liberdade no
vasto oceano de intolerância que então era o continente europeu - ao passo que a maioria, a parte mais pobre, preferiu
enfrentar o desconhecido, aventurando-se em direção das mais longínquas paragens das três Américas.
Os que regressaram à Holanda, ali se reintegraram na comunidade israelita, sem deixarem maiores vestígios. Os
outros, pulverizados entre diversas colônias francesas, inglesas e holandesas das Américas, lançaram nas novas pátrias
a afirmação pujante da sua vitalidade, contribuindo eficazmente para o desenvolvimento econômico das mesmas e implantando aglomerações judaicas, uma das quais viria a ser nos tempos modernos a extraordinária comunidade israelita
dos Estados Unidos da América do Norte.
O destino dos fugitivos nas colônias americanas O êxodo dos judeus brasileiros para as colônias européias nas
Américas tomou três rumos: Guianas, Antilhas e Nova Holanda (América do Norte), dos quais o segundo foi que
atraiu a maioria.
Guianas. - De começo, um grupo de judeus fugitivos, sob a direção de David Nassib, fixou-se em Caiena (1657),
donde, por ter sido hostilizado pelos habitantes locais, passou mais tarde para Suriname, que naquele tempo era uma
colônia inglesa, somente vindo a ser conquistada em 1667 pelos holandeses.
Em Suriname, os judeus contribuíram substancialmente para o desenvolvimento da colônia, à base da cultura da cana
de açúcar, e, graças à absoluta liberdade de que gozavam, foram crescendo em número e se organizando em uma
comunidade duradoura que, em fins do século XVIII, chegou a contar mais de 1.300 almas. O núcleo mais importante com 1.045 judeus numa população de 2.000 - ficava nos arredores de Paramaribo e era conhecido como “Savana Judéa”.
Antilhas. - A primeira leva de judeus procurou atingir a Martinica, que gozava da fama de ser bem administrada pelo
governador Parquet. Este, entretanto, embora a princípio disposto a aceitá-los, resolveu, por influência dos jesuítas, não
permitir o desembarque, o que fez com que os forasteiros, em número de 900, seguissem para Guadalupe, onde foram
acolhidos e, bem depressa, prosperaram.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
Mais tarde, Parquet, arrependido, permitiu que outras levas de judeus se estabelecessem na ilha, a qual passou então
a experimentar enorme progresso na agricultura e no comércio.
Outro grupo atingiu Barbados, onde já havia alguns cristãos-novos trazidos pelos ingleses e que, acrescidos agora
dos judeus brasileiros, deram um forte incremento à indústria do açúcar. Finalmente, vários outros grupos estabeleceramse em Jamaica e São Domingos, dedicando-se, como sempre, à sua tradicional ocupação - indústria açucareira.
Graças a esse concurso dos judeus foragidos do Brasil, conseguiu a América Central estabelecer o seu monopólio no
mercado mundial de açúcar, monopólio esse que antes estava nas mãos do Brasil. Forneceram, assim, aqueles judeus às
colônias centro americanas os elementos de riqueza que, por influência da desastrada política dos monarcas portugueses,
o Brasil desprezara!
América do Norte. - Um grupo de judeus, numericamente pequeno, porém de importância significativa para a história
dos judeus no Novo Mundo, deixou Recife, logo depois da sua queda, em direção à longínqua Nova Amsterdã (atual Nova
York), então capital da Nova Holanda norte americana.
Quando esse grupo de 23 judeus, levado pelo navio de guerra francês “St. Charles”, acampou em 12 de setembro
de 1654, à margem do Hudson, era sua esperança encontrar ali boa acolhida, por se tratar de uma colônia holandesa.
Entretanto, o governador da colônia, Pierre Stuyvesant, autocrata e anti-semita, fanático e inflexível em matéria de
religião, exigiu a retirada desses “inimigos e blasfemadores do nome de Cristo”. E foi somente graças à intervenção da
Companhia das Índias Ocidentais - em cujo seio acionistas judeus exerciam influência - que afinal se permitiu a permanência dos 23 judeus brasileiros na aldeia de Nova Amsterdã, com a condição de que “os pobres entre eles fossem
mantidos por sua própria nação”, que não exercessem cargos públicos, que não se dedicassem ao comércio a varejo,
e que não fundassem congregação.
Evidentemente, tais restrições passaram em breve a ser letra morta, pois, decorridos apenas dois anos, já haviam os
judeus, sob a liderança de Asser Levy, conseguido adquirir um terreno para um cemitério próprio.
Pouco mais tarde, tendo os ingleses se apoderado em 1664 das colônias holandesas da América do Norte, os judeus
passaram a gozar de absoluta liberdade de consciência, podendo assim consolidar a sua comunidade e disseminar-se
pelo país, onde, com o correr dos séculos, viria desenvolver-se a maior das coletividades israelitas do mundo, tendo como
principal centro a cidade de Nova York, justamente a antiga aldeia de Nova Amsterdã onde, em meados do século XVII, um
punhado de judeus brasileiros fugitivos estabelecera a primeira aglomeração judaica da América do Norte.
A ACOMODAÇÃO NO BRASIL
Como já foi mencionado, o êxodo que se verificou após a expulsão dos holandeses não abrangeu a totalidade da
população judaica do nordeste do Brasil. Certo número de marranos resolveu permanecer na terra que havia aprendido
a amar, confiando não só no compromisso estipulado no tratado de capitulação dos holandeses no sentido de que os
judeus remanescentes não seriam molestados, como ainda no ambiente de relativa tolerância religiosa que então
reinava em Portugal.
Contribuiu para tal ambiente a influência do padre jesuíta Antônio Vieira, enérgico, persistente e abnegado defensor
dos judeus. O ardor com que lutou pela sua causa provinha-lhe da convicção de que os judeus não podiam ser jamais
um perigo para Portugal: e de que, ao contrário, eles eram a energia vital da nação, tornando-se assim urgente chamar
de volta os judeus expulsos ou foragidos com o fim de revigorar as forças empobrecidas. O mais importante dos
trabalhos que escreveu em defesa dos judeus intitulava-se: “Proposta feita a El Rei D. João IV, em que se lhe representa o miserável estado do reino e a necessidade, que havia, de admitir os judeus mercadores, que andavam por diversas
partes da Europa”.
Graças à visão esclarecida e aos esforços do padre Antônio Vieira, fundou-se, em 8 de março de 1649, a Companhia
Geral do Brasil, semelhante à Companhia anteriormente criada pelos holandeses, tendo os cristãos-novos ricos do país
subscrito grande número de ações da nova sociedade. Como contrapartida, obtiveram os cristãos-novos várias concessões tais como a isenção do confisco dos seus bens e facilidades para comerciarem e se transportarem ao Brasil.
Em tais condições, compreende-se que, com a retirada dos holandeses do Brasil, e apagados os primeiros ressentimentos, pudessem os judeus remanescentes difundir-se pacificamente pelo território brasileiro, inclusive em áreas do
próprio Nordeste, reduzindo ao mínimo as aparências da sua origem judaica.
É certo que, decorridos alguns anos, tendo falecido D. João IV em 1656, a Inquisição conseguiu pôr termo à tolerância
anteriormente instituída para com os judeus e - sem se esquecer de vingar-se do padre Vieira - fez recrudescer as perseguições. Estas culminaram com a promulgação da lei de 9 de setembro de 1683, que determinava a expulsão dos cristãos-
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novos e a aplicação da pena de morte aos que voltassem ao país.
Os efeitos dessa nova onda de perseguições não alcançaram todavia de forma sensível o Brasil, tendo até contribuído
para que se intensificasse a vinda dos cristãos-novos acossados em Portugal.
E, assim, pôde a população do Brasil, não somente recompor-se do tremendo abalo sofrido com a desagregação
pós-holandesa, mas ainda experimentar um razoável crescimento numérico. Do exposto, cabe concluir, portanto, que a
segunda metade do século XVII foi um período de lenta e discreta acomodação dos judeus no Brasil: um período
certamente sem brilho e sem quaisquer manifestações de vida coletiva judaica, mas também sem grandes abalos,
sofrimentos e dissabores.
Capítulo IX
PERÍODO DAS GRANDES PERSEGUIÇÕES (1700 - 1770)
Apogeu da inquisição portuguesa e sua repercussão no Brasil
Antônio José da Silva: “O Judeu”
APOGEU DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA E SUA REPERCUSSÃO NO BRASIL
A acomodação, tão bem levada a efeito pelos judeus brasileiros na segunda metade do século XVII, não logrou
transpor o umbral do século seguinte, quando, afinal, a Inquisição de Lisboa, cujas garras até então mal haviam conseguido arranhar a população judaica do Brasil, acabou estendendo sobre este país a sua implacável rede de perseguições.
Essa onda de terror que, com algumas intermitências, se desdobrou por longos 70 anos, com especial virulência nos
períodos de 1707 a 1711 e 1729 a 1739, conferiu à primeira metade do século XVIII as características de época negra da
história dos judeus no Brasil.
Várias razões, entre essenciais e subsidiárias, contribuíram para esses trágicos eventos. Em primeiro lugar, a perseguição aos cristãos-novos em Portugal atingira então justamente o seu apogeu, assumindo ali a obra vandálica da Inquisição
aspectos verdadeiramente pavorosos.
“Despovoavam-se extensas zonas do país e a Europa contemplava atônita uma nação que se destruía à ordem de
broncos frades”. Não admira, pois, que tal fúria infrene acabasse também repercutindo nesta banda do oceano.
Por outro lado, os judeus brasileiros, graças ao seu ajustamento econômico e social, operado na segunda metade
do século XVII, haviam voltado a constituir uma parcela das mais opulentas da colônia; havia, pois, bens a confiscar, e
com facilidade!
E, se isso não bastasse, fôra designado bispo do Rio de Janeiro - D. Francisco de São Jerônimo, que exercera, em
Évora, o cargo de qualificador do Santo Ofício, ali se distinguindo pela sua intolerância religiosa e pelo seu rancor contra a
raça hebréia.
Tão furiosa passou a ser então a caça aos judeus brasileiros, principalmente no Rio de Janeiro e na Paraíba, que, só
entre 1707 e 1711, mais de 500 pessoas foram levadas prisioneiras para a Inquisição de Lisboa.
O pânico se fez geral, paralisando por completo o desenvolvimento das relações mercantis da colônia com a metrópole, e a esta causando tão sérios prejuízos que a coroa portuguesa afinal se viu forçada a proibir que prosseguisse o
confisco dos engenhos de açúcar, na maioria pertencentes a indivíduos de origem judaica.
Sucedeu então uma relativa calma, que, entretanto, não chegou a durar 20 anos. Tendo neste interregno os
judeus se refeito dos abalos anteriores e mesmo voltado a enriquecer graças ao incremento da exploração das
minas de ouro e do comércio de diamantes, recomeçou a sanha dos inquisidores, atraídos pelas renascidas perspectivas de maciços confiscos.
A nova fase de perseguições, mais intensa durante o decênio 1729-1739, prosseguiu, praticamente até 1770, quando
outras condições vieram extirpar, e para sempre, o cancro da inquisição, que tanto manchara a história de Portugal e tanto
fizera decair esse grande império dos tempos manoelinos.
Até hoje não se sabe ao certo quantos judeus oriundos do Brasil caíram vítimas da Inquisição de Portugal.
Há quem avalie em apenas 400 o número dos judaizantes brasileiros processados, dos quais não mais de 18 teriam
sofrido a pena capital; são cifras relativamente modestas, não perfazendo senão 1 a 2% do total de processos e condenações da Inquisição nos seus 230 anos de funcionamento em Portugal.
Mas, tal estimativa parece longe de dar uma idéia exata da extensão que na verdade a tragédia assumiu, pois que,
ainda hoje, existem nos arquivos da Torre de Tombo, em Lisboa, 40.000 processos da Inquisição, cujos mistérios aguardam o trabalho paciente dos que se disponham a investigá-los para revelar à história toda a sua hediondez.
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ANTÔNIO JOSÉ DA SILVA: “O JUDEU”
Entre as vítimas brasileiras da Inquisição portuguesa, na fase da sua mais nefanda atuação, figura Antônio José da
Silva, nascido no Rio de Janeiro, em 1705, e que, por consenso geral, é considerado descendente de judeus.
Aos oito anos de idade, transladou-se ele com seu pai para Lisboa, aonde acabava de ser enviada como prisioneira a
sua mãe, acusada como fôra de judaísmo pelos agentes da Inquisição.
Em Portugal, freqüentou Antônio José colégio e universidade, sempre revelando excepcionais dotes de inteligência e
invulgar pendor literário. Em poucos anos, seu espírito criador enriqueceu a literatura portuguesa de numerosas peças
teatrais de singular valor, galgando ele os mais altos degraus da fama e da popularidade.
Como de suas peças, genialmente arquitetadas, com freqüência extravasasse um sarcasmo sem rebuços contra a
torpe atividade da Inquisição, esta o marcou e não mais descansou no afã de eliminá-lo.
E ela conseguiu o seu intento, não obstante o prestígio imenso do poeta. Tentara a princípio intimidá-lo, confiscandolhe os bens e esmagando-lhe os dedos - ato este praticado na igreja de São Domingos em 13 de outubro de 1726 - na
esperança de que assim não mais viesse a manejar a sua pena mordaz.
Vendo, porém, que com isso ainda mais haviam acirrado o seu ódio ao monstruoso tribunal, os inquisidores enredaram
Antônio José da Silva numa complicada trama de denúncias e falsos testemunhos, entre os quais o de que ele ria do nome
de Cristo, jejuava às segundas e quintas-feiras, vestia roupa limpa aos sábados, e rezava o Padre Nosso substituindo, no
fim, o nome de Jesus pelo de Abraão e do Deus de Israel.
E assim, inapelavelmente condenado à pena capital em 11 de março de 1739, foi Antônio José da Silva - cognominado
“O Judeu” - queimado, em 21 de outubro do mesmo ano, na praça pública, não tendo faltado sequer alguns requintes de
crueldade: foram obrigadas a assistir ao ato - a sua mãe, setuagenária, sua mulher e sua filha de quatro anos.
Uma das maiores expressões da genialidade judaico-brasileira acabava de pagar com a preciosa vida o seu
inconformismo com a bestialidade da Inquisição!
Capítulo X
PERÍODO PRÉ-ASSIMILATÓRIO (1770 - 1824)
Disposições liberais em Portugal. O Marquês de Pombal
Repercussão no Brasil. Tratado de comércio de 1810. Proclamação da Independência do Brasil
DISPOSIÇÕES LIBERAIS EM PORTUGAL. O MARQUÊS DE POMBAL
Em 1770, teve início um novo ciclo para a vida judaica no Brasil, sem nenhuma semelhança com todo o seu passado.
As cinco décadas seguintes constituem uma fase de transição para uma política liberal, que não mais sofreria retrocessos,
ampliando cada vez suas conquistas até a eclosão definitiva em 1824, após a proclamação da independência do Brasil e
sua constitucionalização.
Em Portugal, o cenário mudara e a Inquisição acabava de entrar nos seus últimos estertores, golpeada de morte pelo
clarividente e poderoso ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido como o Marquês de Pombal.
Já em 5 de outubro de 1768, como medida precursora, havia esse estadista excepcional desarmado os denominados
“puritanos”, isto é, os nobres que timbravam em não se alinhar a sangue suspeito de cristão-novo: determinou o Marquês
um prazo de 4 meses àqueles que tivessem filhos em idade casadoura, para que procedessem a enlaces com famílias até
então excluídas.
Poucos anos depois, em 25 de maio de 1773, conseguiu ele junto ao rei, D. José I, a promulgação de uma lei que
extinguiu as diferenças entre cristãos-velhos e cristãos-novos, revogando todos os decretos e disposições até então
vigorantes com respeito à discriminação contra os cristãos-novos. As penalidades pela simples aplicação da palavra
“cristão-novo” a quem quer que fosse, por escrito ou oralmente, eram pesadas: para o povo - chicoteamento em praça
pública e banimento para Angola; para os nobres - perda dos títulos, cargos, pensões e condecorações; para o clero banimento de Portugal.
Finalmente, um ano mais tarde, em 1 de outubro de 1774, foi a referida lei regulamentada por um decreto, que sujeitava os veredictos do Santo Ofício à sanção real.
E assim, com essa restrição, estava praticamente anulada a Inquisição portuguesa.
Sobre o especial empenho do Marquês de Pombal junto ao rei em favor da extinção de quaisquer discriminações
contra os cristãos-novos, encontra-se na “História Universal do Povo Judeu” de S. Dubnov, a seguinte conjetura: “Mas,
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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consta que o rei manifestou o desejo de que os marranos fossem pelo menos reconhecíveis por um sinal especial. Então,
Pombal tirou três chapéus amarelos, dos que usavam os judeus em Roma, explicando que um seria destinado a ele
próprio, outro ao inquisidor geral e o terceiro ao rei, visto como ninguém - disse ele - podia estar certo de que nas suas
veias não corria o sangue dos marranos”.
Repercussão no Brasil
Tratado de comércio de 1810
Proclamação da Independência do Brasil
A repercussão das disposições pombalinas no Brasil foi automática e eficaz. Após setenta anos de perseguições
tremendas, estavam os cristãos-novos brasileiros ansiosos de se igualarem aos demais habitantes do país, dos quais, na
realidade, freqüentemente em nada se distinguiam, a não ser pela discriminação que lhes era imposta. Assim, nesse
ambiente já por si propício - favorecido ainda pelos intensos cruzamentos étnicos e processos trans culturativos que se
vinham verificando naquela época, graças à mutação econômica parcial da base agrária para a de mineração - o liberalismo da nova lei foi um franco estímulo à completa assimilação dos cristãos-novos.
Bem entendido, esse processo de integração não se fez de pronto, nem de maneira cabal, pois que não desaparecera
a desconfiança com relação às reviravoltas políticas da coroa portuguesa.
Tanto assim que, mesmo 25 anos mais tarde, quando, pelo tratado de comércio formado em 19 de fevereiro de 1810,
na cidade do Rio de Janeiro, entre a Inglaterra e Portugal, foi dado mais um passo à frente no caminho da liberalização,
ficando oficialmente proibidas as atividades da Inquisição no Brasil, o governo de Portugal ainda receava os judaizantes.
É como se explica que, no mesmo artigo nº 12 do aludido tratado, em que se dispunha que: “nem os vassalos da
Grande Bretanha, nem outros quaisquer estrangeiros de comunhão diferente da religião dominante dos Domínios de
Portugal, serão perseguidos ou inquietados por matérias de consciência, tanto nas suas pessoas, como nas suas propriedades, enquanto eles se conduzirem com ordem, decência e moralidade, e de uma maneira conforme aos usos do País
e ao seu estabelecimento religioso e político”, acrescentou-se:
“porém, se provar-se que eles pregam ou declamam publicamente contra a religião católica, ou que eles procuram
fazer prosélitos ou conversões, as pessoas que assim delinqüirem poderão, manifestando-se o seu delito, ser mandadas
sair do País...”
Foram necessários mais outros 15 anos para que, alcançada a independência do Brasil em 1822 e promulgada a
constituição de 1824, desaparecesse, pela via aberta da assimilação, o problema judaico brasileiro.
Não será demais lembrar que foi marcante a contribuição dos próprios judeus brasileiros para o movimento que viria
trazer a sua extinção como grupo pela completa integração na coletividade nacional. Assim o testemunha o historiador
Rocha Pombo: “Os primórdios da rebeldia para constituir uma nação independente tiveram por parte dos israelitas e dos
sues descendentes destacada contribuição”, e assim o reforça o historiador Adolfo Varnhagen: “Os judeus foram os pioneiros da independência do Brasil. A sua valiosa contribuição, a sua tenacidade de raça eleita, de povo perseguido, constituíram os alicerces onde colocou-se o lábaro ardente da esperança na Libertação do Brasil do jugo da mãe-pátria”.
Capítulo XI
PERÍODO DA ASSIMILAÇÃO (1824 - 1855)
Assimilação profunda da população judaica autóctone
Surgimento do foco judaico da Amazônia
ASSIMILAÇÃO PROFUNDA DA POPULAÇÃO JUDAICA AUTÓCTONE
Uma vez constitucionalizado o país e implantada a total liberdade de consciência, nada mais restava que pudesse
sustentar a sobrevivência da população judaica, já bastante reduzida em conseqüência da assimilação que se vinha
operando, lenta mas continuamente, nos 50 anos precedentes, à sombra do crescente liberalismo pós-pombalino.
Esses judeus remanescentes, cujo espírito coletivo já estava muito debilitado - pois, como mencionado atrás, eles
quase só se consideravam judeus em virtude da discriminação vinda de fora - tão logo perceberam que desta vez a
liberdade viera em caráter duradouro, cortaram aquela última amarra, de odioso fundo discriminatório, que os prendia ao
passado judaico e difundiram-se rapidamente no seio da população geral, com a qual, de resto, já se achavam inteiramente identificados, sob todos os aspectos histórico-culturais.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
(A título de curiosidade, aliás expressiva, merece notar que, não obstante essa integração total, muitos assimilados
continuaram, pelos anos afora, a declinar a sua condição de ex-cristãos-novos, sendo mais notável o fato de que, mesmo
depois de decorrido mais de um século, em pleno meado do século XX, encontram-se todavia descendentes de criptojudeus
que, com certo sentimentalismo, evocam a sua origem e testemunham o seu enternecimento pelos sofrimentos dos antepassados comparecendo aos templos israelitas por ocasião das principais cerimônias religiosas do ano).
O único fator que, nessa conjuntura criada após a Constituição de 1824, talvez ainda lograsse reacender a chama
pretérita e preservar aqueles judeus da assimilação total, teria sido uma imigração maciça e homogênea de judeus, de
nível elevado e de tradições afins.
Mas essa hipótese única, assim mesmo de efeito problemático, inexistiu de todo, pois que, depois da Independência,
enfraqueceu de muito o movimento de imigração no Brasil, sendo que a imigração judaica praticamente se anulou. Evidentemente, não se pode levar em nenhuma conta os judeus esporadicamente encontrados de permeio com grupos imigrantes europeus. Tais elementos isolados, oriundos provavelmente de esferas israelitas já bastante assimiladas da Europa
ocidental, passaram a atuar no país de forma exclusivamente individual, sem nenhum resquício de comportamento grupal
e sem a menor manifestação de hábitos e tradições judaicos.
SURGIMENTO DO FOCO JUDAICO DA AMAZÔNIA
Cabe, apenas, abrir um parênteses para uma exceção de valor pouco mais que simbólico, verificada no extremo
norte do país.
Logo após a Independência, principiaram a afluir para a Amazônia elementos judaicos provenientes do Marrocos.
Tratando-se de uma imigração de origem nova, sem qualquer afinidade histórica ou cultural com a população brasileira da
região, e dado o clima liberal criado pela Constituição de 1824, fácil e cômodo foi a esses judeus marroquinos conservarem
sua religião e tradições, cedo vindo a fundar - no ano de 1828 - uma sinagoga, de nome “Porta do Céu”, na cidade de
Belém do Pará.
Essa aglomeração judaica da Amazônia, que, com o decorrer dos anos, foi sendo ampliada de maneira contínua
com elementos oriundos da mesma região norte-africana, difundiu-se pelos pontos estratégicos do grande rio, passando a desempenhar um papel relevante no desenvolvimento econômico da região, bem como no intercâmbio comercial
com o estrangeiro.
Entretanto, esse agrupamento judaico da longínqua Amazônia, pouco numeroso, aliás, e isolado, cultural e materialmente, das regiões vitais e mais adiantadas do país, não podia, evidentemente, exercer nenhuma influência sobre o
judaísmo indígena que então já entrava na sua fase de total oclusão.
Por isso mesmo, a existência da minúscula comunidade do extremo norte do país não tira, de modo nenhum, ao
período 1824-1855 a sua característica inconfundível, que é a de se ter, no seu decurso, processado a profunda assimilação da população judaica remanescente após a Independência do Brasil.
Capítulo XII
PERÍODO PRECURSOR DA IMIGRAÇÃO MODERNA (1855 - 1900)
Imigração ocidental (Norte da África e Oeste europeu)
Imigração oriental (Mediterrâneo oriental e Leste europeu)
IMIGRAÇÃO OCIDENTAL (NORTE DA ÁFRICA E OESTE EUROPEU)
Na segunda metade do século XIX, por volta de 1855, começou a modificar-se a situação judaica no Brasil. A população israelita, até então reduzida unicamente ao remoto agrupamento amazonense, passou a crescer em número e a
espalhar-se pelo território brasileiro.
Sem prejuízo do prosseguimento da imigração judaica norte-africana para a região amazônica, foram chegando para
o Rio de Janeiro - de onde irradiavam para os estados vizinhos, especialmente para São Paulo e Minas Gerais - judeus
procedentes de vários países da Europa Ocidental - franceses, ingleses, austríacos e alemães, sobretudo alsacianos - a
tal ponto que, em 1857, já sentiram a necessidade de fundar uma sinagoga.
As duas aglomerações - da região amazônica e do Rio de Janeiro - não mantinham entre si quaisquer relações de
grupo e apresentavam, aliás, características diferentes.
A coletividade amazônica era mais estável, eis que os judeus marroquinos vinham para o extremo norte do Brasil
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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com a intenção de ali se radicarem, tendo eles, em conseqüência, alargado com o tempo o seu campo de atividades, de
molde a abranger não somente o comércio interno e o de exportação e importação - este especialmente de tecidos mas também o setor de navegação e da exploração de seringais, afora a participação nas atividades públicas e no
exercício de cargos oficiais.
Já no sul, os judeus, originários do oeste europeu, vinham antes com o objetivo de prosperar e de em seguida regressar aos países de origem, embora muitos acabassem permanecendo no Brasil, fosse porque não houvessem logrado o
desejado enriquecimento rápido, fosse porque já se sentissem dominados pelo apego à nova terra. Em face daquela
predisposição inicial, limitavam-se os judeus do Rio de Janeiro e dos estados vizinhos às ocupações comerciais, sem
nenhuma tentativa de integração em outras atividades econômicas, de feição mais estável e caráter mais fundamental, e
muito menos procuravam imiscuir-se na vida pública do país.
IMIGRAÇÃO ORIENTAL (MEDITERRÂNEO ORIENTAL E LESTE EUROPEU)
Na última década do século XIX, a imigração judaica cresceu de vulto, multiplicando-se os países de procedência e
também as regiões em que os imigrantes passavam a fixar-se no Brasil.
Enquanto, até então, os imigrantes judeus provinham quase exclusivamente do Norte da África e do Ocidente europeu, já agora, afora aquelas regiões, chegavam levas de judeus oriundos do Mediterrâneo oriental - Grécia, Turquia, Síria
e Líbano (sefaradim) e da própria Palestina (sefaradim e asquenazim) - e ainda da Rússia e países vizinhos do leste
europeu, localizando-se de preferência na zona sueste do país - Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais - mas também
se disseminando por muitos outros estados, tanto do Sul como do Nordeste.
Ficou assim o Brasil, no final do século XIX, pontilhado de núcleos judaicos multicolores.
Conquanto ainda não existissem quaisquer ligações de grupo mais firmes entre essas diversas aglomerações judaicas, e nem mesmo se houvessem ainda estabelecido coordenações locais entre os elementos israelitas policrômicos - que
tinham línguas, tradições e interesses diferentes - é entretanto fato digno de registro que, ao findar o século XIX, já existia
no Brasil uma coletividade judaica em potencial, que abarcava todo o território nacional; uma rica infra-estrutura, sobre a
qual viriam em breve apoiar-se as vastas e homogêneas ondas imigratórias do leste europeu - Bessarábia, Ucrânia,
Lituânia, Polônia - as quais, nas primeiras décadas do século XX, ergueriam no Brasil o arcabouço de uma sólida comunidade israelita.
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO JUDAICA DO BRASIL, POR ESTADO, NO LIMIAR DO SÉCULO XX
(Dados do censo de 1900)
Amazonas 153 - Pará 211 - Maranhão 2 - Ceará 25 - Rio G. do Norte 5 - Paraíba 6 - Pernambuco 8 - Alagoas 2 - Bahia 17
- Minas Gerais 37 - Espírito Santo 30 - Rio de Janeiro 25 - Distrito Federal 202 - São Paulo 226 - Paraná 17 - Santa Catarina
1 - Rio Grande do Sul 54 - Total 1.021.
CONCLUSÃO
Um relance retrospectivo sobre o passado dos judeus no Brasil - compreendendo judeus propriamente ditos, criptojudeus,
cristãos-novos e meros descendentes de judeus - revela uma trajetória honrosa, pontilhada sem dúvida de dissabores e de
sofrimentos, mas também repleta de sucesso, traduzido em contribuições positivas e fundamentais para o desenvolvimento do país e para a formação do seu povo.
Na exploração das costas brasileiras, no desbravamento do interior, no progresso da lavoura, do comércio e das
indústrias, no avanço das artes e das ciências, enfim nos movimentos ideológicos de emancipação política da terra - em
tudo os judeus deixaram marcas indeléveis da sua participação ativa, e tudo eles impregnaram do seu senso progressista
e dos seus valores de cultura.
Por outro lado, o seu dom de grande mobilidade e sua notável capacidade de adaptação e convivência deram margem
permanentemente a cruzamentos em alta escala, fazendo com que os judeus entrassem poderosamente na composição
étnica nacional e transmitissem ao brasileiro de hoje largos contingentes éticos, antropológicos e culturais.
Conquanto não guardem propriamente continuidade com as populações israelitas de antanho, os judeus brasileiros do
século XX, como coletividade, têm todos os motivos para se apropriarem de tal patrimônio histórico e de se terem por
partícipes da nacionalidade.
Eis que seus ancestrais, por quatro séculos, foram deixando um legado precioso ao país. Quatro séculos: nem sequer
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
um dia menos que a própria história do Brasil!
BIBLIOGRAFIA
1) AZEVEDO, J. Lúcio D. - “História dos Cristãos Novos Portugueses”, Lisboa. 1921.
2) BENARUS, Adolfo - “Os Judeus”, Lisboa.
3) BORGES DOS REIS, A. A. - “História do Brasil”, Bahia. 1929.
4) CALMON, Pedro - “História do Brasil”, S. Paulo, 1943.
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7) FREYRE, Gilberto - “Nordeste”, Rio de Janeiro. 1937.
8) HOROWITZ, Eduardo - “Judeus no Brasil - uma estranha coletividade” (em idich) – in “Nossa Contribuição”, Rio de
Janeiro. 1956.
9) LEITE FILHO, Solidônio - “Os Judeus no Brasil”, Rio de Janeiro. 1923.
10) LOEWENSTAMM, Kurt - “Vultos judaicos no Brasil”, Rio de Janeiro. 1949.
11) MORAES, Evaristo de - “Cárceres e Fogueiras da Inquisição”, Rio de Janeiro.
12) NEIVA, Artur Hehl - “Estudos sobre a imigração semita no Brasil”, Rio de Janeiro. 1945.
13) NEIVA, Artur Hehl - “O problema imigratório brasileiro”, Rio de Janeiro. 1945.
14) PINKUSS, Frederico - “O caminho de Israel através dos tempos”, São Paulo. 1945.
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17) VAINER, Nelson - “Antônio José da Silva - o Judeu” (em idich) - in “Nossa Contribuição”, Rio de Janeiro. 1956.
18) VIANA, Hélio - “História da Viação Brasileira”, Rio de Janeiro, 1949.
19) WÄTJEN, Hermann - “Das holländische Kolonialreich in Brasilien”, Gotha. 1921.
20) WIZNITZER, Arnold - “Os marranos no Brasil do século XVIII”, in “Aonde Vamos”, Rio de Janeiro. 1956.
21) WIZNITZER, Arnold - “O número dos judeus no Brasil Holandês”, in “Aonde Vamos”, Rio de Janeiro. 1954.
ANTIGA HISTORIA DO BRASIL
Introdução
FENÍCIOS, DESCOBRIDORES E COLONIZADORES DO BRASIL
Milhares de obras já foram escritas apresentando a tese de que os pré-egípcios teriam saído da América do Sul, e
que foi também aqui o berço da civilização européia. Freqüentemente vemos surgirem aqui e ali indícios que reavivam
essa tese, e volta a manchetes o assunto, seja devido a escavações, quando se descobrem prováveis cidades soterradas, túneis e cavernas com objetos de origem antiga, ou inscrições petroglíficas, seja porque algum cientista vem a
países sul-americanos.
O Brasil tem sido, talvez, o menos estudado em assuntos arqueológicos ou, esporadicamente, um cientista estrangeiro descobre aqui e ali um indício e chama nossa atenção, olhe aqui... ali...
Mas ultimamente tem sido despertada a consciência dos brasileiros para a necessidade de conhecer melhor a sua
terra, a sua origem. Tem havido, mesmo, grande interesse em tudo o que se relaciona com a nossa terra. O dizer-se que
os índios brasileiros nasceram autóctones há 50 ou 100 mil anos é teoria já não muito aceita, ou dizer-se que os primeiros
habitantes da terra surgiram na África ou na Ásia, e um bocadinho no Brasil, é assunto para estudar-se com maior profundidade. Mas o afirmar-se que os primitivos brasileiros emigraram do lendário continentes Atlântida, via Venezuela, ou
chegaram em pirogas, ou desceram dos Andes, ou são pré-egípcios, ou grande parte descende dos Fenícios, ou por que
nossos índios possuem uma memória do Dilúvio, é assunto para estudar-se mais ainda. A História existe, mas ela é
também uma teoria que poderá ser ampliada ou até renegadas algumas de suas verdades. As teorias e verdades aristotélicas
dominaram a civilização durante mais de mil anos e, tentando reformular essas verdades, muitos cientistas morreram em
fogueiras, quando os senhores da verdade oficial achavam que a nova verdade poria em perigo sua hegemonia sobre os
homens. Se tivermos que amanhã reformular a História brasileira, por que não o fazermos, a bem da verdade?
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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Se aqui e ali aparecem indícios de que os Fenícios descobriram e colonizaram parte do Brasil há 3.000 anos, estudemos os indícios, os sinais de sua passagem, as escritas cuneiformes, as inscrições petroglíficas, a mão encarnada que
alguém deixou gravada na pedra ou a marca noutra pedra que deixaram para indicar que por aqui passaram outros.
A obra que ora apresentamos, ANTIGA HISTÓRIA DO BRASIL (de 1100 a.C. a 1500 D. C.), de LUDWIG
SCHWENNHAGEN, é um desafio. Desafio aos arqueólogos, geógrafos, geólogos, aos antropólogos, filólogos, etimólogos,
indianistas, aos prefeitos de Municípios, governos de Estados brasileiros, desafio a todos os brasileiros, para que estudem
e expliquem melhor a sua terra, a sua gente, suas heranças mais remotas.
Desafio lançado por esse austríaco em 1928 e que se perdeu na restrita área do Piauí, quando a Imprensa Oficial de
Teresina lançou essa obra em primeira edição e seus poucos exemplares desapareceram no manuseio de mão em mão.
Desafio que volta a ser lançado na reedição desta obra de excepcional valor para os estudos da origem brasileira,
quando as teses de seu autor vêm despertando intensa curiosidade e está merecendo até apoio oficial.
Ao tomar o leitor este livro às mãos, por certo se fará perguntas que talvez nunca tenha ouvido, como, por exemplo: foi
Pedro Álvares Cabral quem descobriu o Brasil em 1500 d.C. ou navegadores Fenícios em 1100 a.C.? Cabral o terá
descoberto por acaso como narram os compêndios de história, ou ele já conhecia, detalhadamente, a descrição feita pelo
historiador grego Diodoro, no século I, antes de Cristo, na sua História Universal? Ou teria Cabral em mãos a carta de
navegação, descrevendo as costas do Brasil, confeccionada por Toscanelli, a mando de Fernando Teles, em 1473?
Onde fica a lendária Insula Septem Civitatum, ou Ilha das Sete Cidades, que os romanos tanto buscavam, e já aparecia a sua descrição em latim numa crônica de Porto-Cale (Porto), em 740 d.C., como sendo um novo Éden, a ilha dos Sete
Povos, onde existiam ouro e muitas outras riquezas? Ficaria nos Açores, na Ilha da Madeira, nas Antilhas ou nas costas do
Piauí, no Brasil? Quais os primeiros mineradores que exploraram ouro e pedras preciosas no Brasil? Os portugueses ou
engenheiros egípcios? Buscavam apenas ouro e metais preciosos ou também salitre para o embalsamamento de seus
mortos? Ou engenheiros mandados pelos reis Davi e Salomão, em aliança com o rei Hirã, nos anos 991 a 960 antes da era
cristã? Quem primeiro oficiou funções religiosas aos índios brasileiros? Henrique de Coimbra ou sacerdotes da Ordem dos
Magos da Caldéia, da Suméria ou da Mesopotâmia? Foram os portugueses os primeiros a exportarem pau-brasil? Mas, se
nas memórias de Georg Fournier, da Marinha francesa, não consta que os bretões e normandos já traficavam com os
selvagens do rio São Francisco, que lhes vendiam o Pau-Brasil?
Perguntas dessa natureza estão implícitas nesta admirável obra de LUDWIG SCHWENNHAGEN, que pode ser lida
até por leitores de literatura circunstancial, como se lê um livro de mistério, tal o interesse que nos desperta, mas é obra de
exaustiva pesquisa.
A primeira edição de ANTIGA HISTÓRIA DO BRASIL é de 1928, da Imprensa Oficial de Teresina, e menciona sob o
título: Tratado Histórico de Ludovico Schwennhagen, professor de Filosofia e História. Como vemos, o autor assinou-se,
não sabemos se por espontânea vontade, como Ludovico. Preferimos, na sua reedição, conservar-lhe o nome original,
que é Ludwig. Pouco se sabe a seu respeito. Em Teresina existe uma memória no povo de que “por aqui passou esse
alemão calmo e grandalhão que ensina história e bebia cachaça nas horas de folga, andava estudando umas ruínas pelo
Estado do Piauí e outros do Nordeste, e que chegou a Teresina no primeiro quartel deste século, não se sabe de onde, e
morreu sem deixar rastro, não se sabe de quê, e andava rabiscando uns manuscritos sobre a origem da raça Tupi, lendo
tudo o que era pedra espalhada por aí. Seu nome é tão complicado que muitos o chamavam Chovenágua”. É muito pouco
para se situar um estudioso de seu quilate.
No livro Roteiro das Sete Cidades, de autoria de Vitor Gonçalves Neto, publicado pela Imprensa Oficial de Teresina,
para as Edições “Aldeias Altas”, de Caxias, Maranhão, em 1963, livro gostoso de se ler, em que descreve as Sete Cidades
e cita vários trechos deste livro de Schwennhagen, comentando-o através de personagens bem típicos, o autor faz o
seguinte oferecimento: “À memória de Ludovico Schwennhagen, professor de História e Filosofia, que em maio de 1928
levantou a tese meio absurda de que os fenícios foram os primeiros habitantes do Piauí. Em sua opinião, as Sete Cidades
serviram de sede da Ordem e do Congresso dos povos tupis. Nasceu em qualquer lugar da velha Áustria de ante-guerras,
morreu talvez de fome, aqui, n’algum canto do Nordeste do Brasil. Orai por ele!”
Encontramos na Biblioteca Nacional um livreto intitulado: “Meios de Melhorar a Situação Econômica e Moral da
População do Interior do Amazonas”, conferência dos Drs. Ludwig Schwennhagen, membro da Sociedade de Geografia Comercial de Viena, d’Áustria, e Luciano Pereira da Silva, publicista – Rio de Janeiro, tipografia do “Jornal do
Comércio”, 1912. Esse livreto reproduz as conferências que fizeram esses dois estudiosos no salão nobre da Associação Comercial do Amazonas, na noite de 15 de agosto de 1910. Ali não só este autor se escreve com o nome original
de Ludwig, como na conferência seguinte, Luciano Pereira da Silva refere-se constantemente às opiniões de seu
colega, citando sempre o doutor Ludwig.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
Na sua conferência, cita Schwennhagen que com o “Deputado Federal Monteiro Lopes, meu companheiro de viagem
até a fronteira peruana, estivemos com as pessoas mais distintas de Tefé, Fonte Boa, São Paulo de Olivença, Santa Rita
e outros. Estacionamos nessa viagem em mais de quarenta cidades, vilas e povoações... eu mesmo visitei cinco seringais,
nos quais examinei...”
Mais adiante, à pág. 14, opina: “há ainda uma outra objeção importantíssima: segundo meu plano de colonização,
talvez dez mil famílias poderiam ser domiciliadas aqui como colonos...” – E ainda: “Quando os cearenses virem que como
colonos domiciliados podem encontrar para si e para suas famílias uma vida melhor e um lucro mais alto que viajando
como nômades de um lado para o outro do país...
Vemos por aí que Ludwig Schwennhagen já andava em 1910 percorrendo o Brasil e estudando as condições sociais
do povo brasileiro. Posteriormente, iniciou longo curso de viagens por todo o interior do Norte e Nordeste, cremos que
também do Sul, tendo estado no Espírito Santo, estudando o aspecto das inscrições petroglíficas encontradas em todo o
território brasileiro.
Infelizmente não temos maiores dados sobre ele, quando e onde morreu. Não encontramos referências a ele nos
documentos a que recorremos. Talvez na Áustria se conheça mais sobre ele. Concitamos principalmente os piauienses a
buscarem maiores dados sobre esse “alemão calmo e grandalhão” que, para explicar a história antiga e a origem da raça
brasileira, tanta contribuição deu à história do Piauí, tendo ali residido durante anos, ensinado e pesquisado.
Quanto ao seu livro ANTIGA HISTÓRIA DO BRASIL, tem sido fonte de estudos há mais de quarenta anos, inspiração
do livro a que nos referimos, de Vitor Gonçalves Neto, e motivo principal de dois artigos em jornais, um publicado no Jornal
do Comércio, de Recife, em 16 de março de 1969, de nossa autoria, e o último publicado no Jornal do Brasil, em 21 de
janeiro de 1970, de Renato Castelo Branco. Devemos a divulgação de obra de Schwennhagen ao esforço e entusiasmo do
eminente engenheiro Raimundo Nonato Medeiros, delegado do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal do Piauí
e Administrador do Parque Nacional de Sete Cidades, no município de Piracuruca, região hoje tombada como patrimônio
histórico, a única pessoa, talvez, que possui um exemplar dessa obra, além do exemplar existente na coleção de obras
raras da Biblioteca Nacional. Tivemos conhecimento dela em fevereiro de 1968, quando fomos a Teresina a convite de
nosso amigo João Bezerra da Silva. Através dele travamos conhecimento com a nova geração de intelectuais piauienses,
da qual destacamos o desembargador Simplício de Souza Mendes, Arimathea Tito Filho, Fontes Ibiapina, Drs. Darcy e
Nodge, Otávio Bentes Guimarães, o Basílio, cultores da melhores tradições de sua terra e entusiastas colaboradores da
divulgação daquele patrimônio histórico milenar que são as ruínas das Sete Cidades de Piaguí.
Em maio de 1968 lemos no jornal O Dia, do Rio de Janeiro, uma notícia vinda dos Estados Unidos, acompanhada da
reprodução de um quadro de símbolos; dizia o texto: “Encontrados na Paraíba e levados para Walthan, em Massachussets,
nos EUA, estes símbolos foram estudados durante quase cem anos. Finalmente o professor Cyrus Gordon, especialista
em assuntos mediterrâneos, conseguiu decifrá-los. Indicam que os fenícios estiveram nas terras que hoje formam o nosso
país, pelo menos dois mil anos antes de Cristóvão Colombo descobrir a América e Cabral chegar ao Brasil”.
Dois dias após a publicação dessa nota, vimos em outro jornal outra nota: “Lusos: Cabral chegou antes”, em que
alguns portugueses radicados no Brasil mostram-se mesmo “revoltados, manifestando a disposição de fazer uma representação junto à Embaixada dos Estados Unidos...”
Logo abaixo, na mesma nota, afirma um professor do Instituto de Geociências da Universidade de Geociências da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, que “o professor americano pode estar certo, lembrando que os vikings, liderados
por Ericson, estiveram na América antes de Colombo descobri-la. Acrescentou que o professor teve o mérito de decifrar os
símbolos encontrados na Paraíba e levados para os EUA.
Assinalou que a notícia o surpreendeu, porque nunca ouvira falar na existência desses símbolos em áreas
do Nordeste”.
Ora, não é outro assunto se não esse, o de que trata o presente livro, e de que tratam muitos outros livros já publicados
no Brasil e em Portugal, na Inglaterra e em outros países, embora seja ANTIGA HISTÓRIA DO BRASIL o que mais se
dedica ao assunto.
Primeiramente, vejamos o que traduziu o professor Cyrus Gordon dos símbolos encontrados na Paraíba:
“Somos filhos de Canaã, de Sidon, a cidade do rei. O comércio nos trouxe a esta distante praia, uma terra de montanhas. Sacrificamos um jovem aos deuses e deusas exaltados no ano 19 de Hirã, nosso poderoso rei. Embarcamos em
Ezion-Geber, Mar Vermelho, e viajamos com 10 navios. Permanecemos no mar juntos por dois anos, em volta da terra
pertencente a Ham (África), mas fomos separados por uma tempestade e nos afastamos de nossos companheiros e assim
aportamos aqui, 12 homens e 3 mulheres. Numa nova praia, que eu, o almirante, controlo. Mas, auspiciosamente possam
os exaltados deuses e deusas intercederem em nosso favor”.
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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Foram descobertas pelo engenheiro de minas Francisco Soares da Silva Rotunda, que dirigiu, a respeito, um relatório,
em 7 de julho de 1896, ao presidente da Província da Paraíba, o qual foi transcrito na Memória constante do nº 4 da Revista
do Instituto Histórico Brasileiro. Foi justamente Rotunda quem copiou as inscrições de uma pedra.
Na ocasião, o Dr. Ladislau Neto examinou-as e as considerou apócrifas. Mas, tendo sido enviadas, cremos que primeiramente à França, o sábio francês Ernesto Renan as estudou
detalhadamente e declarou serem de verdadeira origem fenícia.
Seguindo depois para os Estados Unidos, o assunto dormiu durante quase cem anos, até que o professor Cyrus Gordon, de
Brandeis University, em boston, com a sua reconhecida autoridade em línguas mortas, aprofundou-se no assunto e decifrouas, tendo em princípio deste ano vindo ao Brasil para
assenhorear-se melhor, no local, da natureza das inscrições
Essas inscrições foram encontradas no final do
petroglíficas brasileiras.
século passado, em Pouso Alto, Paraíba.
Em 1896 foi publicado em Manaus um tratado do historiador
Henrique Onfroy de Thoron, que pretendeu interpretar as misteriosas viagens do rei Salomão. Thoron sabia latim, grego e hebraico e conhecia também as línguas tupi e quíchua. Interpretou ele da Bíblia hebraica, palavra por palavra, que a narração do I Livro dos Reis sobre a construção e viagem da frota dos
judeus, juntamente com a frota dos fenícios, do rei Hirã, da cidade de Tiro, então capital fenícia, referem-se ao rio Amazonas, para organizarem a procura de ouro e pedras preciosas, estabelecendo naquele local colônias e ensinando aos
indígenas a mineração e lavagem de ouro pelo sistema dos egípcios, conforme descrição que nos deixou Diodoro, minuciosamente, nos capítulos 11 e 12 do 3º tomo de sua História Universal.
O nosso grande historiador e arqueólogo Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, amazonense, chegou a juntar cópias
de 3.000 letreiros e inscrições encontrados no Brasil e em outros países americanos, e aponta semelhanças com inscrições encontradas em outros países do velho mundo. Bernardo Ramos esteve na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro,
estudou a inscrição ali encontrada, afirmou ser de caracteres fenícios e traduziu-as:
“Tiro, Fenícia, Badezir Primogênito de Jethabaal”.
Essas inscrições foram encontradas em 1836, no pico dessa montanha, a uma altitude de 840 metros, e mede cada
uma três metros. Badezir reinou na Fenícia de 855 a 850 a. C., como se pai reinara em 887 a 856. Pode-se concluir que
a inscrição, se considerarmos verdadeira a tradução de Ramos, teria sido gravada entre os anos 887 a 850 a.C. e
provaria a evidência de que os fenícios, já antes da era cristã, teriam estendido seus expedições à América do Sul, e
essas inscrições teriam tido o intuito de imortalizar a glória do nome fenício, além da simples demarcação das entradas
ao interior do Brasil.
Alexandre Braghine, no seu livro O Enigma da Atlântida, Irmãos Pongetti Editores, 2a. edição, 1959, sustenta a tese de
que o berço da civilização teria sido a América do Sul, de povos descendentes do continente Atlântida. A teoria sobre a
Atlântida aparece em milhares de obras, desde Platão, que a menciona em seus diálogos Timeu e Crítias.
“Era um país – dizia Platão – que ficava situado além das colunas de Hércules (o estreito de Gilbraltar até as ilhas de
Cabo Verde). Essa ilha era mais vasta que a Líbia e a Ásia reunidas, e os navegantes passavam dela para outras ilhas e
destas para o continente que borda esse mar”. Referia-se o filósofo, evidentemente, à América.
Também Homero alude à ela, e Sólon, Eurípides, Estrabão, Dionísio de Halicarnasso, Plínio. Até sobre um hipotético
continente chamado Mã, desaparecido no Pacífico, levantaram discussões e é tema do livro The Lost Continent of Mã, de
James Churchward, editado nos Estados Unidos. O autor manuseou o Codex Cortesianus e analisou as duas mil pedras
com inscrições descobertas por Niven no noroeste do México, para reforçar sua teoria. Tradições arraigadas de povos
orientais, chineses, tibetanos, indianos, mongóis, se referem a um continente situado no Pacífico e que teria submergido
em conseqüência de uma grande catástrofe. E os homens daquele continente já dispunham de aparelhos voadores e
possuíam mesmo a capacidade de poderem viajar pelas estradas siderais desconhecidas e atingir os desembarcadouros
de distantes planetas.
São teorias e antigas tradições que apresentamos apenas como referências. Mas, voltando a Alexandre Braghine, cita
ele à pág. 258 de sua obra:
“Os principais arqueólogos que percorreram o Mato Grosso são o Srs. R. O. Marsh, o general Cândido Rondon, o Dr.
Barbosa, Bernardo da Silva Ramos e Lecointe. A. Frot Ramos e Frot descobriram naquele Estado inscrições rupestres em
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
fenício, em egípcio e até em língua sumérica, assim como textos escritos em caracteres alfabéticos análogos aos empregados antigamente em Creta e Chipre. Certamente são surpreendentes essas descobertas, porém Marsh chegou à conclusão de que o Mato Grosso encerra vestígios de uma civilização muito mais antiga que a dos fenícios e cários. Como já
disse anteriormente, as tradições correntes entre os indígenas falam num grande e poderoso império que se estendia em
tempos muito afastados, para o Oeste e o Norte de Mato Grosso, e nessas lendas parece haver fundamento”.
Na mesma obra, à pág. 153, Braghine menciona uma carta que recebeu do Brasil, do engenheiro Apolinário
Frot, que dizia:
“Os fenícios serviam-se, para gravar suas inscrições sul-americanas, dos mesmos métodos que os antigos egípcios
usavam nos primeiros tempos para a sua escrita hieroglífica. Estes métodos eram empregados pelos astecas, como
também pelos povos desconhecidos aos quais se atribuem os petróglifos da bacia do Amazonas. O resultado de minhas
investigações é tão surpreendente que eu hesito em publicá-lo. Para dar-lhe uma idéia, basta dizer que tenho em mãos a
prova da origem dos egípcios: os antepassados desse povo saíram da América do Sul”.
Ora, resultados tão surpreendentes que Frot se recusava a publicá-los, temendo contrariar as verdades estabelecidas,
são bem explicáveis, porquanto Humboldt, que tanta contribuição deu ao Brasil nos seus estudos da vegetação amazônica,
das condições climáticas e até de inscrições, foi atingido pela ordem régia em 2 de junho de 1800, que proibia a entrada de
estrangeiros nos domínios das províncias do Pará e do Maranhão. Mas, as notas de Apolinário Frot devem existir em
algum lugar e, se descobertas, muito adicionariam aos estudos das origens do povo brasileiro.
Cândido Costa, paraense, foi outro historiador que muito se dedicou ao estudo das inscrições encontradas no Brasil.
Em 1896 publicou em Belém, Pará, sua obra O Descobrimento da América e do Brasil, em homenagem ao quarto centenário do descobrimento do Brasil. Em 1900, tendo ampliado a mesma obra, publicou-a em Lisboa, pela antiga Casa
Bertrand, de José Bastos – Mercador de Livros, com o título As Duas Américas. Nessa obra, Cândido Costa menciona
inúmeras inscrições e obras de arte e utensílios antigos encontrados no Brasil.
Menciona ele à pág. 38:
“Lorde Kingborough dispensou somas consideráveis para provar que às tribos de Israel é que o Novo Mundo deve a
origem de suas civilizações; e Brasseur de Bourbourg reconheceu entre os selvagens do México e da América Central o
verdadeiro tipo judaico, assírio e egípcio, tendo também observado perfis gravados nas ruínas de Karnac muito semelhantes aos da Judéia”.
Escreveu Ferdinand Denis que, tendo o conde de Nassau enviado ao centro de Pernambuco um seu compatriota,
encontrou este duas pedras perfeitamente redondas e sobrepostas, e outras amontoadas pelas mãos dos homens, e as
comparou com alguns monumentos toscos que vira em Drenthe, na Bélgica.
José de Sá Betencourt Acioli, natural de Minas Gerais, e bacharel em ciências naturais pela Universidade de Coimbra,
fundando em 1799 um estabelecimento de plantações de algodão nas margens do rio Das Contas, na Bahia, em terras
compradas do capitão-mor João Gonçalves da Costa Dias, por ocasião das escavações para firmar alicerces de uma casa
nesse terreno, encontrou uma espada com copos de prata, e prosseguindo as escavações, foram ainda encontrados
pedaços de loução puríssima da Ásia e diversos artefatos de vidro com bordados e dourados.
Existe também uma Memória, datada de 1753, em que o seu autor dá notícia de uma cidade abandonada no interior
da Bahia, na qual existiam palácios, inscrições, colunas, aquedutos, ruas, arcos. É mencionado nessa Memória que certo
indivíduo chamado João Antônio achara nas ruínas das casas da dita cidade um dinheiro em ouro, de forma circular, tendo
de um lado a figura de um jovem ajoelhado e do outro, arco, coroa e seta. Como preciosidades que foram encontradas
numa praça, citam uma coluna de pedra preta e de grandeza extraordinária, e sobre ela a estátua de um homem regular,
com a mão na ilharga esquerda e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index o pólo Norte; e em cada canto da
praça estava uma agulha imitando as que usavam os romanos, mas algumas já estragadas e partidas.
Em 1840, chegou à Bahia a fragata dinamarquesa Belonne, com os tenentes Svenson, Schuls, e o naturalista
Kruger, encarregados de examinarem as ruínas dessa cidade, mas não lhes foi possível descobrir o local em que
estava localizada.
Antônio Galvão, no seu Tratado dos Descobrimentos Antigos e Modernos, Lisboa, 1731, cita à pág. 8:
“No ano 590, antes da encarnação de Cristo, partiu da Espanha uma armada de mercadores cartagineses feita
a sua custa, e foi contra o Ocidente por esse mar grande, ver se achava alguma terra; diz que foram dar nela. E que
é aquela a que agora chamamos Antilhas e Nova Espanha, que Gonçalo Fernandes de Oviedo quer nesse tempo
fosse já descoberta”.
O mesmo Galvão afirma que os antigos não só conheciam a América, como a sua primitiva população é oriunda da Ásia.
Cândido Costa diz, na obra citada, referindo-se ao “Santuário da Lapa”, em Pernambuco:
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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“Se ficar provado que este antigo templo é obra humana, estará provada também a existência de uma civilização préhistórica no Brasil”.
E menciona também que Robert M. Larney, reitor de Clanfert, escreveu uma carta ao editor de Public Opinion, alegando que São Brandão, o patrono de sua igreja, catedral de Clonfert, Galway, na Irlanda, fundada em 558 de nossa era, não
somente colonizou a América 900 anos antes do nascimento de Colombo, como também evangelizou uma porção do povo
daquele país, naquela época.
Há também na Irlanda a lenda de que São Patrício percorreu diversas partes do Atlântico.
Como vemos, é vasta a literatura e as teorias, teses e hipóteses levantadas quanto à descoberta e colonização do
Brasil por povos antigos. Mas, nenhum se aprofundou tanto no assunto quanto LUDWIG SCHWENNHAGEN nesta obra. E
mais extensos são seus estudos etimológicos sobre a origem da língua tupi.
CAPÍTULO I
O Estudo da História no Antigo Brasil
O Brasil possui uma extensa literatura sobre sua “pré-história”; os autores dessas obras chamam-se também “indianistas”,
devido aos seus estudos sobre as línguas e dialetos dos antigos habitantes deste continente. São trabalhos de alto interesse e grande valor, como os de Couto Magalhães, do pernambucano Alfredo Carvalho, cuja morte prematura foi lamentável,
assim como de muitos outros. Mas, essas obras não tratam de história, não procuram as datas cronológicas para os
acontecimentos que descrevem. Por isso elas não encontram o nexo das coisas, que é o fio condutor no desenvolvimento
dos povos do nosso planeta.
É muito interessante raciocinar que o planalto de Goiás foi o primeiro ponto seguro da crosta terrestre; dizer que a raça
tapuia nasceu autóctone no Brasil, há 50 milênios, ou calcular que a Atlântida foi antigamente ligada com o Brasil e ficou
afundada entre 90 mil a 9 anos antes de Cristo. Essas são lendas paleológicas, com as quais não pode contar a historiografia.
O estudo da antiga história brasileira começou no Norte. Em 1876, apresentou Onfroy Thoron, em Manaus, seu
excelente tratado sobre as viagens das frotas do rei Hiran de Tiro, da Fenícia, e do Rei Salomão, da Judéia, no rio Amazonas, nos anos 993 a 960 antes de Cristo .[1] O sucessor de Thoron em Manaus é Bernardo Ramos [2], um legítimo
amazonense, com traços característicos da descendência tapuia, também com a inata modéstia dessa antiga raça brasileira. Bernardo Ramos é hoje o primeiro paleógrafo do Brasil, um Rui Barbosa no terreno das ciências arqueológicas. Sua
obra é o produto de um trabalho assíduo, de 30 anos; são quatro grandes volumes, com as cópias de 3.000 letreiros e
inscrições, a metade do Brasil e de outros países americanos, a outra parte dos países dos três velhos continentes. O autor
compara sempre as inscrições americanas com inscrições semelhantes dos países do velho mundo, para provar a
homogeneidade da escrita. Bernardo Ramos foi primeiro numismático e vendeu algumas coleções de moedas, com bom
lucro. Esse dinheiro, ele o aproveitou em fazer viagens longínquas às três Américas, visitou também Europa, Egito e
Babilônia, para estudar, em todos esses países, as antigas inscrições.
Bernardo Ramos
A obra de Bernardo Ramos ainda não está impressa (1928). O autor apresentou o seu manuscrito, com todas as
fotografias e desenhos anexos, sucessivamente aos presidentes Drs. Epitácio Pessoa e Arthur Bernardes, que examinaram minuciosamente a obra e prometeram providenciar sobre a impressão de trabalho tão valioso. É de esperar que
dificuldades não se sobreponham à publicação de tão erudito e importante trabalho.
Cândido Costa, o grande historiador-colecionador do Pará, mandou publicar o seu magnífico livro As Duas Américas,
prudentemente, em Portugal. Esse livro vale para o Brasil como uma biblioteca de história universal nas faculdades de
letras do Sul do Brasil. Seu livro é farto em notícias importantes sobre o antigo Brasil, obrigando o leitor a pensar e iniciar
novos estudos. Apreciável e coerente é, por exemplo, a crítica do autor a respeito do chamado Santuário da Lapa, em
Pernambuco, de que afirma: “Se ficar provado que esse antigo templo é obra humana, provada será também a existência
da civilização pré-histórica do Brasil”. Isso é claro e inegável. O autor deste tratado pesquisou, no interior de Pernambuco,
aquele importante edifício pré-histórico.
No respectivo capítulo serão explicados todos os pormenores desse testemunho da antiga civilização e da clarividência histórica de Cândido Costa.
No Maranhão formou-se, em redor da simpática figura do jovem professor Ruben Almeida, um novo centro de estudos
históricos, para indagar do passado maranhense e restabelecer a antiga fama da “Atenas Brasileira”.
No Piauí, o interesse pela história antiga do Estado faz parte do seu patrimônio intelectual. Desde o erudito Governa-
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
dor do Estado, que favorece generosamente todos os estudos científicos piauienses, até o novíssimo aluno do Liceu ou da
Escola Normal, existe em todos o mesmo interesse pela história da antiga pátria dos Tabajaras. [3]
O Ceará é um notável centro de inteligência e energia intelectual, onde se estuda, com alto interesse, as coisas
históricas. Na primeira fileira estão as figuras proeminentes do senador Thomaz Pompeu e do Barão de Studart, que
exortam pelo seu trabalho infatigável seus contemporâneos, assim como a geração jovem, para se dedicarem a novos
estudos. Mesmo nas cidades menores, como Camocim, Sobral, Quixadá, Baturité e muitas outras, existem centros intelectuais, onde se trabalha e estuda a história e a pré-história da terra cearense. [4]
Nos quatro menores Estados do Nordeste encontrou sempre o autor deste opúsculo um forte interesse pelos estudos
da Antigüidade brasileira. Os presidentes dos Estados facilitaram as suas indagações em toda parte; os Institutos Históricos forneceram-lhe indicações importantes sobre todos os pontos da história. Esses institutos já possuem pequenas
coleções de cópias de letreiros antigos, provenientes do interior desses Estados. Também particulares se ocupam com o
estudo das inscrições. Em Acari, no Rio Grande do Norte, encontramos um agricultor e desenhista, José Azevedo, que nas
suas horas livres copiou os letreiros da região, com muito cuidado, e compilou um interessante quadro de letras do antigo
“alfabeto brasílico”, sobre que falaremos adiante.
Em Bananeiras, na Paraíba, surpreendeu-nos o filósofo-químico José Fábio com um grande quadro de letreiros,
apanhados nos rochedos da Serra dos Cariris Velhos. Havia tirado também pequenas quantidades da tinta encarnada,
com a qual são sobrepintadas as linhas cravadas nas pedras. O exame químico dessa tinta revelou a mistura de óxido de
ferro com um elemento gomoso vegetal, que os antigos químicos fabricavam com tanta felicidade e que resistiu, com sua
cor viva, ao sol e à chuva, durante dois milênios. Em Picuí, na Paraíba, conseguimos obter, no Paço Municipal, do comerciante José Garcia e de outro senhor, cópias de inscrições que existem na vizinhança daquela cidade, com indicações
exatas dos respectivos lugares. Muito grande é também o número dos prefeitos que nos deram minuciosas informações
sobre os letreiros que existem nos seus municípios. [5]
Esses fatos constataremos oportunamente perante a crítica dos incrédulos, que reclamam cópias fotográficas dos
letreiros e certificados elucidativos sobre a veracidade de tais comunicações. É-lhes fácil tal crítica, a eles que nunca
andaram mesmo nos sertões e nunca viram um só letreiro com seus próprios olhos. Petróglifos que existem em rochedos
há 2000 a 2500, não é possível fotografá-los. Ficam cuidadosamente desenhados; verifica-se com os dedos, com boa
lente, as linhas meio gastas, tiram-se com faca as crostas sobrepostas e reconstrói-se, com critério, o conjunto da antiga
escrita. [6]
O engenheiro francês Apollinário Frot, que viveu 30 anos no interior da Bahia e juntou ali cerca de cem cópias de
inscrições e letreiros, constatou que todos esses petróglifos são documentos da antiga mineração. Encontrou a chave dos
sinais, compreendeu as medidas das distâncias e o sistema das antigas estradas de penetração. Finalmente, descobriu o
Sr. Frot que há 300 anos antes o português Roberto Dias tinha encontrado e compreendido o significado desses letreiros,
que lhe haviam indicado o lugar das ricas minas de prata, na bacia do alto São Francisco. [7]
Está largamente provado que existiu, no primeiro milênio antes da era cristã, uma época de civilização brasileira. Já
conhecemos dois mil letreiros e inscrições espalhados sobre todo o território brasileiro e escritos nas pedras com instrumentos de ferro ou de bronze, ou com tintas indeléveis, quimicamente preparadas.
Essas inscrições petroglíficas foram feitas por homens que sabiam escrever e usaram os alfabetos dos povos
civilizados do Mar Mediterrâneo. Já provado também se acha que existiu uma navegação transatlântica entre esses
povos e o continente brasileiro, durante muitos séculos antes de Cristo.
A maior parte dos letreiros brasílicos são escritos
com letras do alfabeto fenício
e da escrita demótica do
Egito. Existem também inscrições com letras da antiga
escrita babilônica, chamada
sumérica. Além disso, temos
letreiros escritos com
hieróglifos egípcios, e podeInfluência fenícia no Mediterrâneo
mos diferenciar, em outros
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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lugares, variantes de letras que se encontram nas inscrições da ilha de Creta, da Caria, da Etrúria e Ibéria. Encontram-se
também letras gregas e mesmo latinas.
Os sábios especialistas que se dedicam só ao estudo da petroglífia compreenderão mal esse “caos” da antiga escrita
brasileira. O historiador tira suas conclusões numa outra base. O estudo da história começa com a cronologia. Primeiro se
indaga a data histórica de um acontecimento, ou de uma inscrição. No caso de ser impossível encontrar o ano, procura-se
a década; se essa também é incerta, define-se o século no qual se deu o acontecimento.
As navegações dos fenícios começaram 2500 anos a.C., mas limitaram-se, durante muitos séculos, ao mar Mediterrâneo. O estreito de Gibraltar foi dominado pelo império dos Atlantes, cuja capital foi Gades; a dinastia de Atlas reinou em
ambos os lados do estreito cerca de 500 anos. Fora do estreito, nas costas e ilhas atlânticas dominaram os Tartéssios, cuja
capital era Tartessos (ou Tarsos, na foz do rio Ton Tarsis) Guadiana. As frotas dos Tartéssios andaram, como disse o
salmista hebraico Davi, em todos os lugares, e sua capital possuía riquezas iguais às riquezas da Babilônia. Esses
antecessores dos Portugueses já navegavam entre a Península Ibérica e América Central 1500 anos antes da era cristã.
É provável que os Tartéssios navegassem também nas costas do Brasil.
Os Atlantes, bem como os Tartéssios, foram sobreviventes e refugiados da Atlântida, cujo último desmoronamento
devemos colocar na época de 2000 a 1800 a.C. Os Atlantes, que se domiciliaram em Marrocos e no sul da Ibéria, tornaram-se um povo conquistador. Platão conta que eles quiseram subjugar todos os povos do Mediterrâneo e apareceram
também com grandes exércitos na Grécia, mas sofreram uma derrota perto de Atenas. No Peloponeso, um filho do rei Atlas
fundou um reinado, e a filha Maia casou com outro rei da mesma península, que era aliado dos Atlantes. Cerca de 1300 a.
C. foi destruído o império dos Atlantes pela dinastia ibérica dos Geriões, que fundaram um poderoso império nacional na
península, com a capital Carteja.
Os tartéssios se abstiveram de qualquer ingerência nas lutas continentais e limitaram-se ao seu império marítimo. Os
fenícios aproveitaram-se da queda do império dos atlantes e procuraram uma aliança com os geriões, bem como uma
amizade e aliança comercial com os tartéssios. Ambos concordaram que os fenícios estabelecessem uma estação marítima em Gades e que suas frotas mercantes pudessem passar o estreito, para navegarem nas costas atlânticas. Isso foi
cerca do ano 1200 a.C., quando já a cidade de Tiro (ou Turo) tinha alcançado a hegemonia sobre todas as cidades e
colônias fenícias. Em 1100 a.C. chegou a primeira frota dos fenícios às costas do Nordeste do Brasil, e em 1008 a.C.
entrou o rei Hirã de Tiro numa aliança com o rei Davi, da Judéia, para explorarem comumente a Amazônia brasileira.
O rei salmista conta esse acontecimento com as seguintes palavras: “O meu Senhor encheu meu coração com prudentes conselhos. Para edificar ao Supremo um templo digno de sua glória, precisava eu de um aliado que me ajudasse
com a sua riqueza. Deus me mostrou Hirã, rei daquele poderoso Tur, que ganhou tantas riquezas pela sua aliança com os
tartéssios, cujas frotas andam em todos os mares”. E num outro salmo, disse Davi:
“Quando o Supremo mandar seu delegado, o Messias, todos os reis deste mundo se submeterão ao seu império, e
apresentarão tributo e ricos presentes: os reis do Egito, da Núbia, de Tartessos e das ilhas longínquas do Oceano.”
Verifica-se que Davi, o aliado dos fenícios, tinha seguro conhecimento do império marítimo dos tartéssios e sabia que
os fenícios já haviam feito parte desse domínio colonial. Davi morreu em 997 a.C. e temos, nessa data histórica, um ponto
seguro para o nosso cálculo cronológico da antiga história brasileira.
No capítulo seguinte será explicada a primeira viagem transatlântica dos fenícios, cerca de 1100 a.C., e contaremos a
estada dos fenícios no Brasil, desde esta data. A metrópole da Fenícia, a cidade de Tiro, foi destruída por Alexandre Magno
em 332 a.C.; até essa data, quer dizer, durante 769 anos, continuaram as relações marítimas e comerciais entre a Fenícia
(a atual Síria) e o Brasil. As emigrações de egípcios para o Brasil, em navios dos fenícios, começaram no tempo do
usurpador Chechonk, que se apoderou do trono dos faraós em 935 a.C. Essa imigração recebeu um novo impulso pela
invasão dos núbios, sob o chefe Napata, em 750 a.C., que anarquizou todo o Egito.
Os cartagineses participaram do domínio brasileiro dos fenícios desde 700 a.C. e ficaram ali até a destruição de
Cartago pelos romanos, em 147 a.C., quer dizer, durante 533 anos.
Nessa época, que se estendeu quase sobre um milênio inteiro, foram escritos os letreiros que encontramos ainda hoje
nos rochedos do interior do Brasil. Não é possível que todos eles sejam escritos pelo mesmo sistema e alfabeto. A escrita
dos fenícios modificou-se, nesse grande espaço de tempo, diversas vezes. Também a escrita demótica dos egípcios não
ficou sempre na mesma. Formou-se o alfabeto grego e depois apareceu o alfabeto itálico-latino. Os cartagineses foram um
povo conquistador e levaram nos seus navios tripulantes e soldados de diversas nações. As inscrições brasileiras foram
escritas por mercantes e mestres de obras das minas. Foram comunicações deixadas pelas diversas expedições, para
indicar o rumo das estradas, as distâncias dos lugares e a situação das minas.
É muito provável que tenha desaparecido, no correr do tempo, uma grande parte dos letreiros e quase todos que foram
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
escritos em placas soltas. Bernardo Ramos encontrou algumas placas com escritos em Atuma, no Amazonas. No Museu
Goeldi, no Pará, existem alguns vasos com letras, que foram encontrados nos aterros da ilha de Marajó. Na sala do Sumé,
do Castelo das Sete Cidades, no Piauí, existe ainda a chamada “biblioteca”, contendo dúzias de placas de pedras coladas
pela ação atmosférica, umas em cima das outras; talvez, desligando-se essas placas por um processo químico, se poderá
verificar se elas contêm escritos.
Finalmente, é de supor-se que os chefes dos povos tupis, principalmente os sacerdotes piagas, aprenderam o modo
de escrever dos estrangeiros e o preparo das tintas indeléveis. Assim começou também o costume entre os povos indígenas, de fazer desenhos artísticos e humorísticos nas paredes lisas dos rochedos, costume que se estendeu até a América
do Norte. O investigador cuidadoso, porém, encontrará sem dificuldades, grande diferença entre as inscrições da escrita
fenício-egípcia e as similares petroglíficas do humorismo dos indígenas.
[1] Henrique Onfroy de Thoron, monografia intitulada Voyages des Vaisseaux de Salomon au Fleuve dês Amazones,
publicada em Gênova em 1869 e em Manaus, em 1876. Consta também do tomo IV dos Anais da Biblioteca e Arquivo
Público do Pará, de 1905.
[2] Bernardo da Silva Ramos, Inscrições e Tradições da América Pré-Histórica.
[3] Odilon Nunes, o notável historiador piauiense, dedica algumas páginas ao assunto tratado nesta obra, referindo-se
a ela e às opiniões emitidas por Ludwig Schwennhagen, na sua Pesquisas para a História do Piauí, Vol. I, Imprensa Oficial
do Estado do Piauí, 1966.
[4] Também Gustavo Barroso dedicou-se a esses estudos em Aquém da Atlântida.
[5] “Contudo, as inscrições lapidares que se encontram em penhascos e grutas, por muitas partes do Brasil, especialmente no Nordeste e na Amazônia, quando não esculpidas, são desenhadas com tintas que, pelo frescor e nuanças
que ainda guardam, levam a crer foram feitas com alguma substância mineral que as torna quase indeléveis. Foram
traçadas por artífice de uma civilização que havia ultrapassado a idade da pedra, e que já se utilizava de metais e se
tornara capaz de elaborar uma composição química. Os índios contemporâneos da conquista atribuíam tais pictografias
a seus avoengos mais remotos, enquanto pesquisadores modernos presumem que foram deixadas por povoadores
doutra casta de gentios que antecedeu as dos gentios da época do Descobrimento, ou mesmo pertencentes a alguma
civilização que floresceu no continente oriental. Uns aceitam-nas como simples passatempo de seus autores, outros,
como propósito comunicativo e até mesmo descritivo, aqui deixadas por tribo nômade ou povo errante ainda não
identificado. Ainda outros pretendem elucidar as dúvidas e afirmam que foram gravadas pelos fenícios, há cerca de
2500 anos. Os argumentos em torno da teses histórica, com referência aos fenícios, são por vezes pueris, outros
repousam, entretanto, em critério científico e, pela complexidade do assunto, abrangem toda a área cultural dos primitivos americanos”. – Odilon Nunes, Obra cit. pg. 24/25.
[6] Em página anterior, refere-se o autor a Bernardo da Silva Ramos, em cuja obra, então inédita, apareciam cópias de
quase 3.000 letreiros, e formulava Schwennhagen esperanças de que fosse publicada, dada a sua importância. Foi essa
excepcional obra de Ramos editada no Rio de Janeiro, em 1930, pela Imprensa Oficial. Consta de dois volumes, num total
de mais de mil páginas, com cópias de cerca de 3.000 inscrições, encontradas no Brasil e outros países. Numa das
primeiras páginas consta o seguinte Parecer, conferido pelo Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas:
“A Comissão de Arqueologia, examinando o trabalho apresentado pelo Coronel Bernardo de Azevedo da Silva Ramos,
sobre “Inscrições e Tradições do Brasil Pré-Histórico”, considerando:
· que, isolados, os símbolos das inscrições exibidas correspondem eles a caracteres de alfabetos fenício, grego,
paleográfico, grego de inscrição, hebraico, árabe e chinês;
· que a coordenada dos caracteres forma palavras;
· que a sucessão de palavras, assim representadas, forma sentido;
· que a autenticidade das inscrições é assegurada, ora por fotografias, ora pela autoridade das obras de onde
foram extraídas;
· que as tradições referidas no trabalho estão vulgarizadas por autores cuja competência não se pode contestar;
· que os desenhos da cerâmica, representada nesse trabalho, correspondem ao estilo grego;
· que esses desenhos, pela sua precisão e simetria, jamais poderiam ser feitos pela tribos indígenas existentes no
Brasil por ocasião de sua descoberta;
· que aquelas inscrições foram indubitavelmente produzidas por mão humana e hábil; resolve julgar o aludido trabalho
digno de ser aprovado e aceitas as suas respectivas teorias e conclusões.
Manaus, 4 de maio de 1919
(a) João Baptista de Farias e Souza - Nicolau Tolentino José da Costa Teixeira
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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[7] Alexandre Braghine, em sua obra O Enigma da Atlântida, Irmãos Pongetti Editores, 1959, tradução de Marina
Bastian Pinto, do original The Shadow of Atlantis, também se refere a A. Frot, à pág. 153:
“Viajando pelo norte do Brasil há uns quinze anos, tive ocasião de encontrar na Bahia um engenheiro francês, residente no país havia cinqüenta anos... Recebi mais tarde do Sr. Frot, uma carta muito interessante, que assim se pode resumir:
‘Os fenícios serviam-se, para gravar suas inscrições sul-americanas, dos mesmos métodos que os antigos egípcios usavam nos primeiros tempos para a sua escrita hieroglífica. Esses métodos eram empregados pelos astecas, como também
pelos povos do Amazonas. O resultado das minhas investigações é tão surpreendente que eu hesito em publicá-lo. Para
dar-lhe uma idéia, basta dizer que tenho em mãos a prova da origem dos egípcios: os antepassados desse povo saíram da
América do Sul. Eles tinham criado três poderosos impérios, dos quais dois no continente que acabo de citar e um no
Antigo Continente. Este englobava o noroeste da África, a península Ibérica e as ilhas vizinhas. Os pré-egípcios tinham
partido de 57º 42’ 45” de Longitude Oeste de Greenwich (Frot não indicava a Latitude): o fato está mencionado em um
antigo documento tolteca que possuo e o qual contém ao mesmo tempo uma história resumida dos pré-egípcios. Ainda
mais, descobri na Amazônia uma inscrição que narra a viagem efetuada na terra que hoje é a Bolívia, por um certo
sacerdote pré-egípcio’. A inscrição à qual alude este trecho da interessante carta de Frot é sem dúvida a que foi descoberta
na bacia do rio Madeira. Este acontecimento produziu sensação naquele tempo na imprensa brasileira. A decifração do
texto prova que em época remota um grupo de pré-egípcios foi ter às minas de prata da Bolívia.
Capítulo II
LISTA CRONOLÓGICA DOS FATOS HISTÓRICOS, DESDE 1100 ANOS ANTES DE CRISTO ATÉ 1500 DEPOIS DE CRISTO
I - O PRIMEIRO DESCOBRIMENTO
O escritor grego Diodoro (da Sicília) dá-nos, nos capítulos 19 e 20 do 5º livro da sua História Universal, a descrição da
primeira viagem duma frota de fenícios que saiu da costa da África, perto de Dacar, e atravessou o Oceano Atlântico no
rumo do Sudoeste.
Os navegadores fenícios encontraram as mesmas correntezas oceânicas de que se aproveitou Pedro Álvares Cabral
para alcançar o continente brasileiro, e chegaram com uma viagem de “muitos dias” às costas do Nordeste do Brasil.
Conforme o cálculo cronológico, dado no capítulo precedente, devemos colocar essa viagem, esse primeiro descobrimento do Brasil, na época de 1100 anos a.C. Diodoro conta a viagem da frota dos fenícios quase com as mesmas palavras
com que narram os compêndios escolares brasileiros a viagem de Cabral: os navios andavam para o Sul, ao longo da
costa da África, mas, subitamente, perderam a vista do continente e uma violenta tempestade levou-os ao alto mar. Ali,
perseguindo as mesmas correntezas, descobriram eles uma grande ilha, com praias lindas, com rios navegáveis, com
muitas serras no interior, cobertas por imensas florestas, com um clima ameno, abundante em frutas, caça e peixe, e com
uma população pacífica e inteligente.
Os navegantes andaram muitos dias nas costas dessa ilha (que foi a costa brasileira entre Pernambuco e Bahia), e
tendo voltado ao mar Mediterrâneo, contaram a boa nova aos Tirrênios, que eram parentes e aliados dos fenícios de Tiro.
Estes resolveram logo mandar também uma expedição à mesma ilha e fundar ali uma colônia.
Para compreender essa narração de Diodoro, precisamos nos ocupar desse grande escritor. Nascido em Agrigento,
cidade grega da Sicília, viveu em Roma, como contemporâneo de Cícero e Júlio César, com os quais esteve em
relações amigáveis.
Escreveu uma história universal em 45 livros, dos quais possuímos mais da terça parte.
Era um historiador muito consciencioso, fez longas viagens, e sabia numerosas línguas.
Sua obra é uma fonte inesgotável para os nossos conhecimentos da Antigüidade. Como grego, não era ele amigo dos
fenícios e dos cartagineses, mas reconheceu o grande valor dessas nações de navegantes para a civilização geral dos
povos. Seria uma ofensa pueril contra a historiografia pretender que Diodoro tivesse inventado aquela narração da viagem
transatlântica dos fenícios.
Temos para isso uma confirmação indireta de parte do mesmo escritor. Em outro lugar fala Diodoro sobre a viagem
duma frota cartaginesa na costa da África, até o golfo de Guiné. Foram 50 grandes cargueiros, chamados carpássios, com
30.000 pessoas a bordo, para o fim de fundar colônias no Sudoeste da África. Era chefe da expedição o general Hanon,
que foi encarregado de estabelecer um grande domínio colonial para Cartago, no lado oriental do Oceano Atlântico, no
lado oriental do Oceano Atlântico.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
Essa viagem foi realizada cerca de 810 a.C.; mas a expedição não obteve resultado.
Diodoro enumera todas as estações da viagem e indica as distâncias geográficas, que correspondem exatamente às
atuais. Os Kerneos, um povo civilizado, resquício da Atlântida desfeita, que moravam na costa do Senegal, ajudaram aos
cartagineses para encontrarem lugares para a projetada colonização; mas as condições do país eram tão selvagens que
ninguém quis ficar ali, e Hanon foi obrigado a voltar, com todos os navios e passageiros, à sua terra.
Essa narração prova que Diodoro conhecia bem a situação da África Ocidental, do Oceano Atlântico e do golfo de Guiné, e sabia perfeitamente que a “grande
ilha”, descoberta pelos fenícios, era situada no outro lado do Atlântico. A expedição de Hannon prova mais que os cartagineses, naquele tempo rivais dos fenícios
do Partido de Tiro, invejavam-nos, devido ao domínio colonial que os Tírios possuíam no continente brasileiro. Por esse motivo, quiseram criar um domínio igual
no Sul da África.
Quanto às correntes oceânicas que levaram os fenícios, bem como Pedro
Álvares Cabral, ao Brasil, “contra a sua vontade”, é preciso destruir essa lenda definitivamente.
O capitão do porto de Natal, no Rio Grande do Norte, recebeu no fim do ano de
1926, de um pescador, uma garrafa-correio que continha uma notícia do cruzador
inglês Capetown. Essa belonave cruzava a costa ocidental da África e, passando o
golfo da Guiné, lançou a garrafa, que chegou, em rápida viagem de seis semanas, à
costa do Rio Grande do Norte. As correntes oceânicas que saem da Guiné, rumo ao
Criação artística mostrando
Brasil, foram conhecidas dos navegadores da antiguidade como na Idade Média. um barco fenício navegando
Os fenícios haviam navegado nas costas
ocidentais da África, como amigos e aliados dos Tartéssios, já há cem anos, e tiveram conhecimento da existência da
“grande ilha” no outro lado do Atlântico. Por isso, procurando as correntes ocidentais, chegaram em poucas semanas à costa brasileira. Pedro Álvares Cabral, o
mais nobre navegador da frota do rei Manoel, ele, cujo bisavô já conhecia toda a
costa ocidental da África, com todas as suas correntes, aproveitou aquela conhecida estrada marítima para chegar rápida e seguramente à costa do Brasil, da
qual já tinha em mão o mapa geográfico.
Colocamos o primeiro descobrimento do Brasil no ano 1100 a.C. porque os
fenícios ofereceram ao rei Davi da Judéia a aliança para a comum exploração da
Amazônia, em 1008 a.C. Os portugueses gastaram para chegar na Bahia ao
Maranhão e ao Pará mais de cem anos. Os fenícios fizeram suas operações investigadoras com maior rapidez e conheceram, em poucos decênios, todo o litoReprodução de moeda fenícia ral do Brasil, incluindo o grande “rio-mar do Norte”.
mostrando o que parece ser um
Durante o primeiro século da estada dos fenícios no Brasil, deram-se ainda
mapa-múndi com todos os con- outras ocorrências de grande importância. Já mencionamos a resolução dos
tinentes conhecidos atualmente, tirrênios de mandar uma frota para a mesma “ilha”, quer dizer, ao continente brainclusive a América
sileiro. Tirrênios e etruscos são os habitantes da Etrúria, da Itália Superior; foram
povos pelasgos de alta cultura, conhecidos por suas construções ciclópicas e sua
fina arte cerâmica. Na ilha de Marajó mostram os compridos aterros e os antigos muros de pedras “toscas” o sistema do
trabalho ciclópico dos etruscos. Mais característicos são ainda os vasos cerâmicos encontrados em Marajó, que revelam
claramente a arte e letras do alfabeto dos etruscos. Essa imigração pode ser colocada no espaço de 1080 a 1050 a.C.
Um outro ponto histórico está em relação com a guerra de Tróia, cujo término colocam os antigos historiadores no ano
1181 a.C. É nossa suposição, porém, que aquela época guerreira continuou ainda durante decênios. A luta para ganhar a
cabeça da ponte entre Europa e Ásia era uma guerra mundial. Os troianos tinham como aliados mais de 30 povos da Ásia;
os agressores gregos tiveram ao seu lado 50 povos e tribos. A guerra quase ficou sem fim e resultado. Tróia foi conquistada
e destruída seis vezes, como provaram as escavações. A sétima conquista era definitiva. A guerra estendeu-se sobre a
Trácia e Ásia Menor e suas conseqüências foram desastrosas para muitos povos. Os fenícios, que viam nos gregos os
seus competidores marítimos e comerciais, estiveram com suas simpatias ao lado dos troianos e prestaram seu auxílio
aos vencidos. Diodoro e outros escritores gregos contam que os fenícios levaram milhares de pessoas dos povos vencidos
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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para suas colônias e assim fundaram diversas novas cidades com o nome de Tróia. As mais conhecidas foram Tróia, perto
de Veneza, uma Tróia no Lácio, donde nasceu a história de Enéias (1) uma Tróia na Etrúria, que foi chamada também
Troila, uma Tróia na costa de Marrocos e uma Tróia na costa atlântica da Ibéria, perto da cidade de Vigo.
No Norte do Brasil ficou a tradição de que a cidade mais antiga dessa região fosse Tutóia, cujo morubixaba era, ainda
na chegada dos europeus, o chefe reconhecido do litoral Norte, desde o Rio Grande do Norte até o Pará. O nome antigo
foi provavelmente Tur-Tóia, a união dos dois nomes mais ilustres: Tur, a metrópole dos fenícios, e Tróia, o centro heróico
da resistência contra os invasores gregos. A cronologia concorda perfeitamente com essa explicação, e a eliminação da
consoante r é regra comum na evolução da língua tupi. Os fenícios fundaram mais duas cidades com o nome Tur ou Turo,
uma no Rio Grande do Norte, hoje Touros, e uma na Bahia, hoje Torre.
A chegada das Amazonas ao Brasil foi na mesma época. O nome Amazonas, dado para a bacia inferior do grande rio,
isto é, a região entre as fozes do rios Xingu e Parintins, é antiga; no tempo da conquista européia assim também chamavam os Tupinambás o curso inferior do mesmo rio, conquanto o seu nome geral fosse Maranhão.
A história das Amazonas é um capítulo interessantíssimo da história da Antigüidade.
Em geral, só se conhece a aparição dessas guerreiras sob sua rainha Pentesiléia, na guerra troiana, onde a valente
mulher desafiou Aquiles, o primeiro herói dos gregos.
Mas, a história dessas guerreiras é muito mais antiga. Diversos historiadores opinam que a primeira sociedade de
mulheres guerreiras formou-se na cidade Hespera, localizada numa ilha do grande lago Tritonis, na África ocidental. Esse
lago era ligado ao Oceano Atlântico por um canal; mas, ao tempo duma grande enchente, entrou o mar pelo a dentro,
destruindo a cidade Hespera e obrigando as Amazonas a procurarem uma nova pátria.
Essa narração lembra os cataclismos oceânicos que destruíram a Atlântida; mas, existe também no interior da África
Ocidental o grande lago de Tchad, e de lá sai um rio que percorre o país do Dahomé (2), onde hoje ainda vive um povo com
mulheres montadas e armadas, as chamadas Amazonas de Dahomé. Muitos escritores viajantes do século passado
visitaram e descreveram esse Estado de guerreiras africanas.
Depois da destruição da cidade de Hespera, reuniu a rainha Mirina as sobreviventes e entrou com seu exército no
território dos Atlantes, em Marrocos; estes exigiram que as Amazonas entregassem suas armas e se dedicassem ao
trabalho agrícola. Mirina recusou-se a essa imposição e venceu-os numa batalha, obrigando-os a fornecer cavalos e
víveres às Amazonas. Depois invadiram a Numídia (hoje Algéria), onde existiu, sob a rainha Gorgo, uma outra sociedade
de mulheres guerreiras. Mirina venceu Gorgo, a quem também foi imposto fornecer animais, vestidos e víveres. As Amazonas continuaram sua viagem pelo litoral da Líbia até o Egito, onde o Faraó as recebeu com amizade e ofereceu-lhes
víveres. De lá passaram à Palestina e à Síria, onde o povo lhes foi hostil, travando-se muitos combates. Os reis fenícios,
porém, de Sidon e Tiro, ofereceram a Mirina paz e amizade, as Amazonas ali ficaram algum tempo para repousar das
fadigas da longa viagem.
Saindo da Fenícia, passaram as Amazonas para a Ásia Menor, apoderando-se de um território perto do Cáucaso, na
atual Armênia. Mirina organizou ali um Estado e governou-o até sua repugnância por um tal estado de tranqüilidade;
sempre fizeram invasões e pilhagens no território dos vizinhos, e quando rebentou a guerra troiana, logo resolveram
intervir na luta. Depois da morte da rainha Pentesiléia, uma parte das Amazonas voltou à Armênia, as outras erraram e
vagabundearam nos países da Ásia Menor, até que os fenícios as convidaram a irem nos seus navios para a Nova Canaã,
descoberta por eles no Oceano Atlântico.
Caracteristicamente, tinham as Amazonas, na Armênia, um lago com uma ilha chamada Faro, onde estabeleceram um
centro nacional com um pequeno templo, no qual foi sepultada a rainha Mirina. Isso foi sem dúvida em lembrança da sua
antiga cidade, Hespera, na ilha do lago Tritonis. No Baixo Amazonas fundaram elas a cidade Faro, e lá existe também o
lago, com seu antigo templo, escondido ao meio duma pequena ilha.
(1) Essa Tróia é a mais conhecida, arqueologicamente e literariamente, devido à obra Ilíada, o mais antigo poema
épico, escrito antes de 750 a.C., atribuído a Homero, em que narra a guerra com os gregos.
O herói troiano Enéias, filho de Vênus, escapa com alguns partidários e instala-se no Lácio, dando origem ao povo
romano. Entre 1870 a 1890 o arqueólogo Henrich Schiliemann identificou o local da antiga Tróia com a Colina de Hissarlik,
descobrindo ali sete cidades superpostas (N. do Apres.)
II - AS FROTAS DE HIRÃ E SALOMÃO NO RIO AMAZONAS (993 A 960 a.C.)
O tratado de Henrique Onfroy de Thoron sobre o suposto país Ophir, publicado em Manaus, em 1876, e reproduzido
em As Duas Américas, de Cândido Costa, em 1900, é um trabalho completo que acabou com todas as lendas e conjeturas
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a respeito das misteriosas viagens da frota de Salomão. Thoron sabia latim, grego e hebraico, e conhecia a língua tupi,
como também a língua “quíchua”, que é ainda falada nas terras
limítrofes entre o Brasil e o Peru. Da bíblia hebraica prova ele, palavra por palavra, que a narração dada no 1o. livro dos Reis, sobre a
construção, a saída e viagem da frota dos judeus, junto à frota dos
fenícios, refere-se unicamente ao rio Amazonas. (1)
As viagens repetiram-se de três em três anos; as frotas gastaram um ano entre os preparativos e a viagem de ida e volta, e ficaram dois anos no Alto Amazonas, para organizar a procura do ouro
e de pedras preciosas. Estabeleceram ali diversas feitorias e
colônias, e ensinaram aos indígenas a mineração e lavagem de
ouro pelo sistema dos egípcios, descrito por Diodoro, minuciosamente, no 3º livro, cap. 11 e 12. Ali, no Alto Amazonas, exploraram
as regiões dos rios Apirá, Paruassu, Parumirim e Tarchicha. No livro dos Reis, da Bíblia, está bem narrado quantos quilos de ouro o
rei Salomão recebeu dessas regiões amazônicas.
O mister de nosso trabalho é principalmente a exata Reprodução artística do Templo de Salomão
historiografia, e por isso devemos acrescentar aqui algumas explicações históricas que não se encontram no trabalho de Thoron. Quando o Brasil era colônia de Portugal, os seus destinos
eram dirigidos em Lisboa. Quando chegaram aqui os antigos descobridores, dependeram também, para o desenvolvimento de suas empresas, da situação política dos países do Mediterrâneo.
Os fenícios tiveram sempre muitos inimigos que invejavam as suas riquezas; mas, bons diplomatas, com ninguém
brigaram, nunca fizeram guerras agressivas e, em toda parte, solicitaram alianças políticas e comerciais. Assim, esse povo
pequeno, que nunca foi mais de meio milhão de almas, espalhado sobre centenas de colônias longínquas, pôde conservar, durante dois milênios, um grande domíno marítimo e colonial.
O rei David, dos judeus, havia fundado um poderoso reino, que atingiu seu apogeu no longo governo de Salomão.
Os fenícios mostraram-se muito amigos de seu grande vizinho, que lhes forneceu principalmente trabalhadores, que
faltavam na Judéia.
Ambos os países estiveram também em boas relações com o Egito, onde reinava a dinastia dos Tanitas. Essa “Tríplice
Aliança” deu a seus componentes uma certa segurança contra os planos conquistadores dos Assírios, e favoreceu as
empresas coloniais, no Atlântico. Mas, em 949 a.C., apoderou-se o chefe dos mercenários líbicos, Chechonk, do governo
do Egito e destronou a dinastia dos Tanitas. Esse chefe não era amigo do rei Salomão, tendo este querido repor a dinastia
caída. Chechonk vingou-se, incitando Jeroboão a fazer uma revolução contra Salomão, e tornou-se o instigador da divisão
do reino judaico em dois Estados. Jeroboão ficou como rei das províncias do Norte e Roboão, filho de Salomão, ficou com
Jerusalém e a província da Judéia. Depois, no quinto ano de governo de Roboão, apareceu Chechonk com grandes
exércitos na Judéia, sitiou Jerusalém e obrigou Roboão a entregar-lhe quase todos os objetos de ouro do templo. Assim,
levou Chechonk a maior parte do ouro que Salomão recebera da Amazônia, além de quatro grandes escudos que pesavam 5 quilos de ouro, cada um, para o Egito. O usurpador mandou colocar no templo de Amon, em Karnac, uma grande
lápide, na qual são narrados todos os pormenores dessa guerra contra a Judéia e enumeradas as peças de ouro que o
vendedor trouxe para colocá-las nos templos egípcios. Essa lápide ainda hoje existe. (2)
Chechonk, que olhara de mau grado os negócios que haviam feito os fenícios com os judeus, ofereceu àqueles uma
sociedade comercial, com o fim da procura de ouro.
Assim, apareceram, de 940 a.C. em diante, egípcios no Brasil, chegados nos navios dos fenícios. Foram engenheiros,
mestres de obra e trabalhadores de mineração que Chechonk mandou para abrirem minas de ouro no Brasil. (3)
Os maiores compradores de ouro, na antiguidade, eram os egípcios. Nenhum povo desprezou o ouro, mas os egípcios
precisavam sempre do duplo e do triplo de que necessitavam os outros. Crentes na ressurreição da carne no dia do juízo
final, preparavam-se para poder ingressar na vida futura em boas condições. Tinham artistas que sabiam embalsamar e
embelezar os corpos e os rostos dos mortos, de tal maneira que estes apareceriam perfeitos e belos ainda depois de 2 a
3 mil anos, como sabemos do túmulo da rainha Tinhanen. Mas os mortos não apenas queriam permanecer novos e belos;
necessitavam também de ouro, prata e pedras preciosas para reaparecerem na vida futura com os meios financeiros que
correspondiam às suas posições anteriores.
Por esse motivo, não só os reis, altos sacerdotes, nobres e altos funcionários, como também todas as mulheres e os
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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homens menos ricos, juntavam e acumulavam ouro durante sua vida, para ser depositado nos seus túmulos.
Uma única restrição devemos fazer às conclusões de Onfroy Thoron. É certo que os judeus fundaram nas regiões do
Alto Amazonas algumas colônias, onde negociavam, e ali se mantiveram durante muitos séculos, tendo deixado,
indubitavelmente, rastros da civilização e da língua
hebraica. Também o nome Solimões, para o curso
médio do grande rio, tem a sua origem no nome do rei
Salomão, cuja forma popular era sempre “Solimão”.
Mas isso não justifica que a antiga língua brasílica, o
tupi, fosse muito influenciada pela língua hebraica. O
tupi é muito mais antigo e pertence à grande família
das línguas pelasgas, que foram faladas em todos os
países do litoral mediterrâneo. Os povos da antiga
Atlântida falaram essa língua, e a mesma “língua
Gravura representando o comércio dos
sumérica”, dos antigos babilônios, pertenceu a essa
fenícios com os egípcios
língua gerla, dos cários, respectivamente, dos
pelasgos. Os diversos ramos dessa língua diferenciaram-se entre si como, no tempo moderno, as línguas romanas.
O laço comum dos povos pelasgos era a organização da ordem sacerdotal dos cários e o comércio marítimo dos
fenícios. Os sacerdotes e os mercantes entendiam-se com todos, e por isso formou-se, já no segundo milênio a.C., uma
“língua geral”, que foi falada desde a Ásia Menor até a América Central, e deveria ser chamada “pelasgostupi”.
Essa língua, que os antigos brasileiros chamaram “nhenhen-catu” (o bom andamento), falaram os mercantes fenícios,
bem como os sacerdotes (sumés e piagas) dos povos tupis. O hebraico é muito mais novo; quando Moisés apareceu com
seu povo em Canaã não trazia ainda uma língua organizada. Os tijolos com os dez mandamentos, recebeu-os Moisés da
Caldéia e foram escritos em língua babilônica. Depois, aprenderam os judeus a língua popular dos fenícios e, muito mais
tarde, elaboraram os levitas, com os elementos da língua fenícia, uma língua hierática, que ficou chamada “hebraica”. A
língua tupi no Brasil não tem ligação com essa formação posterior.
(1) É conhecida a grande amizade e forte aliança entre Salomão e Hirã. Além de servir-se Salomão da frota marítima
dos fenícios, numa associação de interesses comerciais, recorreu a Hirã, quando da construção de seu templo, tendo o rei
de Tiro designado um seu homônimo, o arquiteto Hirã, para comandar os trabalhos da construção do templo. (S. do Apres.)
(2) Um documento assírio do ano 876 a.C. refere-se ao tributo que os habitantes de Tiro eram obrigados a pagar ao
seu país para manterem por algum tempo aparente independência: “grande quantidade de ouro, prata, chumbo, bronze e
marfim, 35 vasos de bronze, algumas vestimentas de cores vivas e um delfim” (N. do Apres.)
(3) Reportamo-nos à carta de A. Frot mencionada por Braghine (N. 7): “para dar-lhe uma idéia, basta dizer que tenho
em mãos a prova da origem dos egípcios; os antepassados desse povo saíram da América do Sul”. Também Thoron é da
opinião que egípcios e pelasgos eram procedentes da América, dizendo que a língua quíchua tem muita semelhança com
o egípcio antigo, o grego e até com o hindustani. Lembramos também a hipótese de Wegener de que o Ceará e o Saara
formaram outrora uma única região, considerando a semelhança das condições geográficas e físicas entre o Estado
brasileiro e aquele deserto. (N. do Apres.)
III - A CHEGADA DOS EGÍPCIOS E A IMIGRAÇÃO DOS POVOS TUPIS (940 a 900 a.C.)
O segredo do sucesso em todos os grandes empreendimentos humanos está na continuação inalterável dos primeiros
conceitos. Planos efêmeros, hoje iniciados, amanhã alterados, depois interrompidos, novamente recomeçados em outra
época, com novos mestres, com outras ambições, nunca terão resultados satisfatórios. Os fenícios foram um povo disciplinado, onde cada qual se submetia ao interesse comum.
Uma prática de mil anos os havia educado a todos. O navegador é um homem calado, o bom comerciante sabe
guardar seus segredos. A Fenícia nunca teve reis ambiciosos, nunca teve poetas ou literatos, nem legisladores. Cada qual
conhecia o seu dever: era religioso, zeloso no seu trabalho, não conhecia medo, nem do mar, nem dos obstáculos naturais,
nem dos inimigos. Venceu sempre pela sua perseverança e pela prudente diplomacia. E nunca faltava-lhe a grande força
motriz: o dinheiro.
Tais foram os homens que conquistaram o grande Brasil, sem soldados e sem belonaves. Já tinham eles diversas
estações e colônias na costa do Nordeste. No Nordeste, no delta do Parnaíba, foi fundada Tutóia; na foz do Amazonas, em
Marajó, estava a colônia dos tirrênios; mais acima, andaram as mulheres guerreiras; no alto Amazonas, trabalharam as
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colônias hebraicas. A obra já estava bem iniciada quando chegaram os mineiros egípcios à procura dos filões auríferos.
Isso não era praticável no litoral; era preciso penetrar o interior, nas regiões montanhosas. Mas, ali estava a população
indígena, os povos tapuios da raça malaia. O povo era pacífico e não mostrou hostilidade contra os estrangeiros. No
entanto, eles necessitavam de trabalhadores para as suas empresas, e de garantia e segurança para suas obras. Sem
esses meios, a penetração era impossível.
Os fenícios não ficaram muito tempo indecisos. Já conheciam as
ilhas da América Central, as Antilhas, quer dizer: “Atlan-tilha” (as pequenas Atlântidas). Mil anos antes de Cristo, essas ilhas eram ainda maiores, e no lugar onde hoje está o Mar das Caraíbas, havia ainda um grande pedaço de terra firme, chamado Caraíba (isto é, terra dos caras ou
caris). Nessa Caraíba e nas ilhas em redor viviam naquela época as sete
Cinturão de ouro fenício
tribos da nação tupi, que foram refugiadas da desmoronada Atlântida.
Chamaram-se Caris, e eram ligados aos povos cários, do Mar Mediterrâneo. Os sacerdotes deram-lhe o nome tupi, que significa filho de Tupan.
O país Caraíba, porém, teve a mesma sorte que a Atlântida. Todos os anos desligava-se em pedaços até que desapareceu inteiramente, afundado no mar. Os tupis salvaram-se em pequenos botes, rumando para o continente, onde está
hoje a república Venezuela.
O nome da capital Caracas prende-se a essa origem. Os fenícios tiveram conhecimento dessa região e resolveram
levar os tupis em seus navios para o Norte do Brasil. Quando chegaram os primeiros padres espanhóis na Venezuela,
contaram-lhes os piagas aqueles acontecimentos do passado. Disseram que a metade da população das ilhas, ameaçada
pelo mar, retirou-se em pequenos navios para a Venezuela, mas que morreram milhares na travessia. A outra metade foi
levada em grandes navios para o Sul, onde encontraram terras novas e firmes.
Varnhagem, Visconde de Porto Seguro, confirma, na sua História Brasileira, que essa tradição a respeito da emigração
dos Caris-Tupis, da Caraíba para o Norte do continente sul-americano, vive ainda entre o povo indígena da Venezuela. O
padre Antônio Vieira, o grande apóstolo dos indígenas brasileiros, assevera em diversos pontos de seus livros, que os
Tupinambás, como os Tabajaras, contaram-lhe que os povos tupis imigraram para o Norte do Brasil, pelo mar, vindo de um
país que não existia mais. Os Tabajaras diziam-se o povo mais antigo do Brasil. Isso quer dizer que eles foram aquela tribo
dos tupis que primeiro chegou ao Brasil, e que conservou sempre as suas primeiras sedes entre o rio Parnaíba e a Serra
da Ibiapaba. Essa tradição confirma também que a primeira imigração dos tupis passou pela foz do rio Parnaíba. Os tupis,
que imigraram mais tarde pela baía de São Marcos e fixaram seu centro na Ilha Tupaon, hoje São Luiz, tornaram-se menos
estimados pelos Tabajaras, Potiguares e Cariris. Por isso, aqueles se chamavam orgulhosamente Tupinambás, que quer
dizer homens da legítima raça tupi. Pagaram o desprezo de parte dos outros tupis, pelo insulto Tupiniquins e Tupinambarana,
que quer dizer Tupis de segunda classe.
Sempre conservou-se também a tradição de que os tupis tinham sete tribos. Qual foi o fim desejado pelos fenícios com
a imigração dos tupis para o Brasil?
Procuravam um povo auxiliador para a sua grande empresa; um povo inteiro que assim identificou os seus interesses
nacionais com os interesses da nova pátria. Os outros que chegaram no Mediterrâneo permaneceram sempre estrangeiros; ficaram em relações com sua antiga pátria e pensavam voltar para lá, logo fosse possível. Os tupis não podiam voltar;
sua pátria fora vítima do mar. Procuravam uma nova pátria, uma terra de promissão, destinada para eles por Tupã, como
disseram seus sacerdotes.
Os fenícios tinham simpatias pelos tupis, que eram da mesma estirpe dos povos cários; entenderam a sua língua geral
“do bom andamento”; eram brancos, um pouco amarelados, como todos os povos do Sul da Europa e da Ásia Menor, e
tinham uma religião com sacerdotes semelhantes à organização religiosa dos fenícios. Além disso, eram agricultores e
tinham um caráter guerreiro. Um tal povo, transferido para o continente brasileiro e nele domiciliado com o auxílio dos
fenícios, poderia tornar-se um bom aliado para estes. Os antigos historiadores citam diversos outros exemplos da imigração de povos, com o auxílio e nos navios dos fenícios. Isso foi um dos meios eficazes de que se serviram para segurar
suas espalhadas colônias.
As primeiras massas dos emigrantes entraram na foz do Parnaíba, onde Tutóia era porto de recepção. Dividiram-se
em três tribos (ou povos) e chamavam-se Tabajaras, entre o Rio Parnaíba e a Serra do Ibiapaba, Potiguares, que se
domiciliaram além do rio Poti, e Cariris, que tomaram as terras da Ibiapaba para o nascente. Não é possível que eles já
chegassem com essa distinção de tribos. Os chefes escolheram esses nomes depois da colocação do emigrantes e
delimitação dos respectivos territórios.
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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Entretanto, escolheram os fenícios um outro ponto de entrada para a segunda onda dos imigrantes. Foi a ilha do
Maranhão, um ponto importante para a navegação e para a penetração ao interior. Cinco rios perenes: Muni, Itapecuru,
Mearim, Pindaré e Grajaú unem suas fozes em redor da linda ilha e abrem o caminho para o interior. Além disso, foi
naquele tempo a baía de São Marcos a embocadura oriental do rio Amazonas, quer dizer, do rio Pará, formado pelos doze
rios paraenses, inclusive o Guamá, o Tocantins e o Xingu. Desde a foz desse grande rio até a foz do Mearim, existiu a
“estrada dos furos”, entre a costa do continente e a linha ao longo das ilhas e bancos oceânicos.
Mesmo no tempo dos Europeus, existia ainda a passagem pelos furos, desde S. Luiz até Belém, somente interrompida
em dois pontos. Por isso, os Tupinambás chamaram Mara-Ion, “o grande rio da terra”, que se estendeu desde a baía da
São Marcos até os Andes, no Peru. Mas, é provável que tenham sido os navegadores fenícios os formadores desse nome,
que é hoje a denominação do Estado do Maranhão e do curso alto do Amazonas. “Nomina quoque habent sua fata”.
Os fenícios escolheram então a ilha de São Luiz como porto de entrada e iniciaram os alicerces para a cidade, empregando o grande labirinto do sistema pelasgo. Os emigrantes deram à ilha o nome de Tupaon, que significa burgo de Tupan,
e nela fundaram numerosas vilas e aldeias, das quais existiam ainda 27 no tempo da chegada dos europeus. Se os
Tabajaras duvidaram da descendência legítimo-tupi dos emigrantes da segunda época, foi talvez o motivo dessa dúvida, o
fato de que aqueles tupis tinham levado consigo um certo número dos antigos indígenas da Caraíba e das Ilhas, que lhes
serviam como trabalhadores. Mas, os emigrantes repeliram qualquer dúvida sobre a pureza de seu sangue tupi e adotaram
o nome significativo de Tupinambás, iniciando logo uma política de expansão, sobre a qual falaremos em lugar próprio.
O pagamento para os sacrifícios que fizeram os fenícios com a transferência dos tupis para o Brasil foi o contrato pelo
qual se obrigaram estes a fornecer aos fenícios soldados para garantirem e policiarem suas empresas no interior. Tupigarani
significa “guerreiro da raça tupi”. Os padres portugueses escreveram tupi-guarani, mas no nome antigo é garani, derivado
da palavra pelasga “garra”, que mudou nas línguas posteriores em guerra pela lei do abrandamento das vogais. Os
guaranis nunca foram um povo separado, foram legítimos tupis que andavam armados com as boas armas de bronze que
lhes forneceram os fenícios. Por esse contrato ganharam estes um exército aliado, cujo efetivo subiu depois a muitos
milhares de guerreiros.
A respeito dos mineiros egípcios que chegaram ao Brasil, deve-se constatar o seguinte: nas lápides, onde são inscritos
os acontecimentos do governo do faraó Ramsés III, está narrado que esse rei fundou na sua capital Tebas, em 1170 a.C.,
uma escola de engenharia e mineração. Dos engenheiros de minas que foram ali instruídos, mandou o faraó uma comissão para diversas regiões da Arábia para explorar as jazidas de lápis lazuli.
Uma outra comissão mandou ele à Etiópia para estudar a explorar todas as minas de ouro que ali existiam. Uma outra
comissão foi encarregada de explorar as minas de cobre de Ataca; outros engenheiros egípcios foram, em navios dos
fenícios, para o Sudeste da África e exploraram ali, por conta do faraó, as minas auríferas de Moçambique e do Transval.
Assim, não foi coisa extraordinária que cedesse Chechonk aos fenícios engenheiros egípcios para organizarem as empresas de mineração no Brasil.
IV - A PARTICIPAÇÃO DOS CARTAGINESES NA COLONIZAÇÃO DO BRASIL (750 a.C.)
Colocamos a fundação de Cartago no espaço de 850 a.C. a 840 a.C. Em 1240 a.C. foi fundada, no mesmo lugar, a
colônia fenícia Birsa, que ficou bem fortificada para poder servir como um ponto estratégico da estrada marítima, que liga
a bacia oriental do Mar Mediterrâneo à sua bacia ocidental. Nesse sentido, ganhou a pequena cidade de Birsa uma certa
importância no movimento marítimo. No ano 850 a.C., deu-se uma tragédia real de Tiro, mas não conhecemos exatamente
nem os fatos, nem os nomes dos implicados. O rei foi assassinado - por instigação de um parente - e a rainha viúva Elisa
(ou Dido) refugiou-se, com seus partidários, e com uma grande frota, em Birsa, onde foi construída a grande cidade de
Cartago. Não é possível que esse plano nascesse do cérebro de uma mulher. (1)
Foram dois partidos que lutaram entre si violentamente, e o partido vencido ficou obrigado a procurar uma outra
cidade, um acontecimento muito comum na história da antiguidade. Neste caso, porém, saíram os dissidentes com o
plano de fundar uma nova metrópole, bastante forte para dominar mesmo a antiga pátria. Começou logo o combate
entre os dois rivais.
Os cartagineses mandaram emissários a muitos países para juntar operários, colonos e soldados para sua nova
capital; os tírios mandaram frotas para impedir esse recrutamento. Mas Cartago cresceu e, para vingar-se dos tírios, o
senado cartaginês declarou que não deixaria passar pelo estreito de Gades (Gibraltar), qualquer navio que levasse
emigrantes para a grande ilha dos fenícios, no Oceano Atlântico. Isso foi cerca de 820 a.C. Os cartagineses quiseram,
principalmente, impedir que os tírios levassem mestres de obras e trabalhadores egípcios para o Brasil e ameaçaram
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
todos esses emigrantes com a pena de morte, no caso de caírem eles em poder dos navios encarregados do policiamento do estreito.
Poucos anos depois, cerca de 810 a.C., organizaram os cartagineses a grande expedição ao golfo de Guiné, sob a
chefia de Hannon, sobre a qual já falamos. Foi a orgulhosa tentativa de fundar, no Oceano Atlântico, um domínio colonial
ainda maior do que o domínio dos tírios. Essa tentativa fracassou e os cartagineses ficaram desiludidos e desanimados.
Mas, finalmente, com o correr do tempo, desapareceram a animosidade e a rivalidade entre os dois irmãos Tiro e Cartago;
eles entraram num acordo que estabeleceu um certo condomínio sobre as possessões coloniais das duas potências.
Assim, aparecem de 750 a.C. em diante também os cartagineses no Brasil.
Sua estação marítima estava no lago Extremoz, perto de Natal, atual capital do Rio Grande do Norte, o que será
explicado no respectivo capítulo.
(1) A fundação de Cartago é assunto ainda meio nebuloso entre os historiadores. Alguns afirmam que Pigmalião, filho
de Bélus, rei de Tiro, e irmão de Elisa (Dido) e de Ana, matou Siquei e provocou a fuga de Dido para o Norte da África, onde
fundou Cartago. Outros citam que Pigmalião era rei de Tiro, em 850 a.C., época que Schwennhagen dá como a provável
fundação de Cartago. Quanto à Elisa, é tradicionalmente apresentada como a fundadora da cidade, situada a 16 km da
atual Túnis, e seu nome vem da palavra fenícia Karthadshat (nova cidade). (N. do Apres.)
V - TESTEMUNHOS LITERÁRIOS DO 4º SÉCULO a.C.
O filósofo grego Platão escreveu o seu diálogo Timeu e Crítias em 380 a.C. Declara ele nesse livro que seu avô Crítias
adquiriu um manuscrito do legislador Sólon, no qual este relatou diversas e interessantes notícias geográficas. Disse Sólon
que os sábios egípcios lhe explicaram a posição e a história da Atlântida submersa e dos outros países que existem ainda
atrás do lugar onde estava a Atlântida. Platão se declara convicto que ao lado ocidental do Oceano Atlântico existisse um
grande país. (1)
O filósofo Aristóteles escreveu a sua Geografia cerca de 350 a.C. Nesse livro, ele confirma as notícias de Platão sobre
a Atlântida e declara que os fenícios e cartagineses haviam fundado muitas colônias no grande país do Ocidente.
Aristóteles foi o preceptor de Alexandre Magno. É certo que esse sábio ensinou a seu discípulo tudo o que sabia sobre
a geografia do nosso planeta, e que o jovem Alexandre esboçou seus grandes projetos de “conquista do mundo” nas
doutrinas de seu mestre.
Esses planos implicavam também a soberania sobre os mares e sobre as colônias dos fenícios.
(1)
Assim se refere Alexandre Braghine, em seu O Enigma da Atlântida, à pg. 13, ao diálogo de Platão: “Depois os
sacerdotes fizeram saber a Sólon que conheciam a história de Saís, a partir de 8000 anos antes daquela data. ‘Há manuscritos’, disseram-lhe, ‘que contêm o relato de uma guerra que lavrou entre os atenienses e uma poderosa nação que
habitava uma ilha de grandes dimensões situada no Oceano Atlântico. Nas proximidades dessa ilha existiam outras e mais
além, no extremo do oceano, um grande continente. A ilha chamava-se Posseidonis ou Atlantis, e era governada pelos reis
aos quais pertenciam também as ilhas próximas, assim como a Líbia e os países que cercam o mar Tirreno. Quando se
deu a invasão da Europa pelos atlantes, foi a cidade de Atenas, como cabeça de uma liga de cidades gregas, que pelo seu
valor, salvou a Grécia do jugo daquele povo. Posteriormente a estes acontecimentos, houve uma tremenda catástrofe: um
violento terremoto abalou a terra, que foi logo depois devastada pelas torrentes de chuva. As tropas gregas sucumbiram e
a Atlântida foi tragada pelo oceano”.
VI - A DESTRUIÇÃO DE TIRO, EM 332, E A EXPEDIÇÃO DA FROTA DE ALEXANDRE MAGNO PARA A AMÉRICA DO
SUL EM 328 a.C.
O ato mais brutal do grande chefe da nação helênica, cuja figura mostra tantos traços de generosidade e magnanimidade, foi a cruel destruição de Tiro e a matança de 8.000 prisioneiros, que se entregaram depois de uma resistência
heróica de sete meses, abatidos pela fome e pelos ferimentos. Além disso, Alexandre mandou saquear todas as casas e
vender 30.000 mulheres e crianças como escravas. Só deixou, na cidade demolida, alguns velhos, e nomeou um mendigo
como rei dos tírios, de nome Abdalonimo, que era vendedor de água nas ruas.
Assim terminou a glória dessa cidade que dominou durante um milênio em todos os mares e contribuiu para a
civilização humana. Foi a inata inveja do grego contra o pequeno e tão poderoso competidor comercial e marítimo que
impeliu o grande Alexandre a esse ato de brutalidade, que obscureceu o seu retrato histórico, tornando-se a sombra da
sua morte prematura.
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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Logo depois da queda de Tiro, invadiu Alexandre o Egito, que não fez resistência (331 a. C.). Visitou a capital, Tebas,
o afamado templo tríplice de Karnac e o oráculo do deus Amon. Voltando para o mar, escolheu no delta do Nilo o lugar para
ser construída ali uma nova capital, que devia trazer seu nome, “Alexandria”, e devia tornar-se a “Rainha dos Mares”, em
lugar de Tiro destruída. Nomeou seu general Ptolomeu governador (sátrapa) do Egito, deu-lhe ordem para edificar a nova
capital com o maior esplendor, e para construir, depois, uma grande frota. Esta devia procurar e conquistar o domínio
colonial dos fenícios, no Oceano Atlântico.
Alexandre continuou suas conquistas na Ásia; Ptolomeu edificou Alexandria e preparou a grande expedição para o Ocidente. Agora deixemos falar Cândido Costa (nas Duas Américas, pg. 48): “Não há muito, na vila de Dores, em Montevidéu, um
fazendeiro descobriu uma lápide sepulcral de tijolos, onde se achavam espadas antigas e um capacete, danificados pela
passagem do tempo, e uma jarra de barro, de grande dimensão. Todos estes objetos foram apresentados ao douto padre
Martins, o qual conseguiu ler na lápide, em caracteres gregos: ‘Alexandre, filho de Felipe, era rei da Macedônia na olimpíada
113. Nestes lugares Ptolomeu... ‘ Faltava o resto. Numa das espadas se achava gravada certa efígie que parecia ser a de
Alexandre, e no capacete se viam esculpidas várias figuras, representando Aquiles arrastando o cadáver de Heitor em roda
dos muros de Tróia. Pode-se supor que algum chefe das armadas de Alexandre, levado por alguma tormenta, surgisse ali e
marcasse com tal monumento a sua estadia”. Cândido Costa extraiu essa notícia dos jornais de Montevidéu.
Temos aí um dos mais importantes documentos da antiga história do continente sul-americano.
É deplorável que o exame da lápide não fosse feito mais minuciosamente, para realçar o seu valor histórico. A olimpíada 113 começou no ano 328 a.C., Ptolomeu já era há três anos governador do Egito, e o texto mutilado começou provavelmente assim: “para estes lugares mandou o sátrapa Ptolomeu uma frota sob o comando de...” O sepulcro era do chefe
da expedição, que recebera do próprio Alexandre a espada com a efígie do rei; a ferrugem destruiu as palavras da dedicatória. O capacete foi também um presente do rei. Alexandre sempre levava nas suas viagens um exemplar da Ilíada, de
Homero; o seu ídolo foi o herói Aquiles. Apeles deveria pintar para ele o grande quadro, mostrando Aquiles levando
arrastado o corpo do chefe dos troianos vencidos, em redor dos muros de Tróia. A mesma cena era gravada no grande
capacete, que trazia Alexandre nas duas batalhas decisivas contra os exércitos de Dario. Foi o mesmo elmo, ou foi uma
imitação do seu próprio, que deu Alexandre ao seu general, por ele incumbido de conquistar a América do Sul?
Indubitavelmente, estava escrito o seu nome na lápide, mas o examinador não o decifrou.
Devemos supor que a frota foi conduzida por práticos fenícios até as costas do Brasil, na altura da foz do rio São
Francisco. Ali aportou ela e o chefe foi informado pelos egípcios
que no Sul existia mais um grande rio, pelo qual se poderia penetrar no interior do continente. O rio da Prata foi conhecido dos
fenícios, como provam as inscrições. A frota grega navegou ao longo da costa, até a foz do grande rio do Sul, onde naufragou, ou
pelo menos uma parte, incluído o navio do almirante. Morreram ele
e muitos de seus companheiros, o que indica o grande número de
armas depositadas no mesmo sepulcro.
Ou travou-se um combate naval com um adversário que tinha também navios armados? Talvez fossem estes os navios dos cartagineses.
Os sobreviventes da frota grega juntaram os corpos dos náufragos, queimaram-nos, recolhendo as suas cinzas na “jarra de grandes dimensões”. Isto também deixa supor que tivessem morrido numerosos guerreiros de alta patente. Soldados e tripulantes comuns
não se sepultavam com tais honras.
Alexandre morreu em 324, provavelmente envenenado por seus
Tumba de Alexandre
generais. Seu vasto império foi dividido entre os seus generais, que
logo começaram a guerrear entre si. As notícias a respeito da sorte
da expedição atlântica não tinham ainda chegado ao Mediterrâneo. Ptolomeu proclamou-se rei do Egito e devia enfrentar
bastante dificuldade para assegurar o seu poder contra as ambições dos outros generais. Não se interessou mais pelas
coisas do Oceano Atlântico.
VII - O DOMÍNIO CARTAGINÊS NO BRASIL
Quando o rei Alexandre começou o sítio contra Tiro, mandaram os fenícios navios com muita gente rica, com a mulher
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
e as filhas do rei Straton, com pessoas doentes e com grandes quantidades de ouro e jóias a Cartago, pedindo auxílio
contra os agressores.
Os sitiados contaram com esse auxílio até o último dia, mas os cartagineses não mandaram nem navios, nem soldados, nem víveres, desculpando-se sob a alegação das grandes lutas que mantinham na Sicília. Depois da queda de Tiro,
tomaram eles posse de todas as colônias dos fenícios, na Espanha e nas costas atlântidas. Depois da morte de Alexandre,
tornaram-se os únicos senhores do Oceano Atlântico.
Em 270 a.C. começaram as lutas entre os cartagineses e os romanos, as quais terminaram em 147, com a destruição de Cartago. Nessas guerras sofreram os romanos inumeráveis derrotas, mas venceram pela sua persistência e
pelo patriotismo de seus soldados, enquanto os cartagineses enchiam seus exércitos e suas frotas com soldados
estrangeiros e mercenários.
Já em 230 a.C. compreenderam os cartagineses que não poderiam resistir aos romanos, que sempre recomeçaram a
guerra com novas forças militares. Por isso, resolveu o senado cartaginês transferir a capital de seu império para as ilhas
Macárias, hoje chamadas Canárias. (Os escritores latinos traduziram o nome Maçarias erradamente em Fortunatas). Os
navegadores da Idade Média mudaram o antigo nome em Canárias).
Os senadores cartagineses, que eram todos comerciantes, capitalistas e proprietários de navios, quiseram salvar o domínio colonial que lhes fornecera as suas riquezas. A ilha, onde está hoje o porto marítimo Las Palmas, conserva diversas
inscrições com letras fenícias, escritas no mesmo sistema que as inscrições brasileiras. Quando as Canárias foram colonizadas, nos séculos XIV e XV, pelos portugueses e espanhóis, encontraram eles uma população indígena branca, e na costa, em
diversos pontos, erguiam-se seis altas colunas de pedras que serviam de balizas e faróis aos navegadores.
A resolução do senado cartaginês de transferir para essa ilha a sua capital mostra claramente que os cartagineses
tinham um intercâmbio permanente com as costas sul-americanas.
Os historiadores Tito Lívio e Políbio falavam sobre essa resolução, afirmando que, caso os cartagineses tivessem
realmente esse plano, os romanos não poderiam aniquilar o poder deles, pois estes não tinham conhecimento do oceano,
nem forças marítimas para dominar regiões tão afastadas. Diodoro diz que os cartagineses sempre pensaram firmar-se
em lugares escondidos e desconhecidos, onde seus inimigos não os pudessem perseguir.
A prudente resolução do partido dos mercantes, porém, não se realizou. Amílcar Barcas, o chefe do partido conservador e
militarista, organizou demonstrações populares contra uma tal traição à pátria e a mocidade jurou nos templos defender o solo
pátrio até a última gota de sangue. Amílcar prometeu organizar, na Espanha, um novo poder militar, suficiente para enfrentar todas
as ameaças dos romanos. As guerras continuaram e Cartago caiu, não sem própria culpa, em 147 antes de Cristo.
VIII - AS RELAÇÕES CORTADAS
Cortadas as relações marítimas e comerciais entre o mar Mediterrâneo e o Brasil, os fenícios e egípcios, restantes
aqui, procuraram outros campos para a sua atividade.
Influenciou também o declínio do rendimento das minas de ouro e prata em muitas partes do Brasil. Assim, começou
o êxodo dos fenícios para os países do Oeste e do Norte: para a Bolívia, Peru e México. Apolinário Frot descobriu uma
inscrição, indicando que um grupo de egípcios subiu o rio Madeira, fundou uma colônia no território boliviano e iniciou ali a
exploração de minas de prata.
Outras expedições subiram o Amazonas até os Andes do Peru. A civilização peruana começou no último século antes
da era cristã, oito séculos antes da chegada dos Incas, como provou o sábio cearense Domingos Jaguaribe. Outros
procuraram, nos navios dos fenícios e cartagineses, as costas da América Central. A civilização mexicana principiou
também 100 a.C. O grande calendário solar do antigo México começa com o ano 75 depois de Cristo. Todas as grandes
construções, pirâmides, templos, necrópoles e palácios do antigo México manifestam a arte egípcia. Esse desenvolvimento concorda perfeitamente com os nossos cálculos cronológicos.
Os eruditos romanos da era cristã tiveram também conhecimento do continente americano. O filósofo Sêneca, que
morreu em 65 d.C., escreveu: “Sabemos que no Oceano existe um país fértil, que além do Oceano existem outros países
e nasce um outro orbe, pois a natureza das coisas em parte nenhuma desaparece”.
IX - AS VIAGENS DO APÓSTOLO SÃO TOMÉ AO BRASIL (50 a 60 D.C.)
Na antiga literatura cristã encontramos a tradição de que o apóstolo São Tomé pregou o Evangelho nas costas e ilhas
do Nordeste da África. O nome S. Tomé foi dado àquela ilha, devido à essa tradição.
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Os primeiros padres portugueses que chegaram ao Brasil ouviram dos piagas que já mil anos antes chegara um
Sumé que ensinou uma nova religião. Ele fez longas viagens pelo interior e ganhou muitos crentes. O padre Antônio
Vieira escreveu muitas vezes estar convencido de que um apóstolo de Cristo já andara no Brasil. Ele pensava que o
nome Sumé era uma modificação de Tomé. Isso é um erro; a palavra Sumé, como nome de um alto sacerdote, pertence
à antiga pelasga.
Os tupis deram esse nome ao apóstolo para venerá-lo.
Os piagas mostraram aos padres diversos sinais de pés que significaram que ali estivera o Sumé, cercado por seus
amigos e adeptos. Tais sinais de pés existem no interior de Alagoas, onde os padres deram ao rio, que passa ali, o nome
de S. Tomé. O mesmo sinal existe em Oeiras, no Piauí, e o povo sempre venerou esse sinal, desde a antiguidade. A forma
do pé, gravada numa chapa de pedra, é uma placa comemorativa, usada pelos povos antigos para indicar que naquele
lugar esteve um homem que foi um benfeitor do povo.
A travessia de S. Tomé pelo Atlântico nada tem de milagrosa. Naquela época, a população das Canárias e das ilhas de
Cabo Verde tinha ainda bons conhecimentos do Brasil, e o zeloso apóstolo procurou uma caravela para ir com seus
amigos pregar a nova religião aos povos do outro lado do oceano.
X - A NAVEGAÇÃO ÁRABE NOS SÉCULOS II A VII
Nos três primeiros séculos da era cristã dominaram os romanos inteiramente o mar Mediterrâneo. Cada navio que não
fosse registrado pela polícia marítima era confiscado, a carga vendida em hasta pública e os tripulantes condenados como
piratas. A navegação livre foi expulsa para as costas da África, e um novo centro marítimo formou-se nos mares da Arábia.
O patrimônio marítimo dos fenícios passou para os povos da raça árabe.
Esses navegadores percorreram os mares entre as Índias e África do Sul e andaram até a América do Sul.
Um sábio sírio que fez viagens pelo Brasil declarou, numa conferência que fez, em 1923, no Maranhão, com
diversos professores brasileiros, que na antiga literatura árabe existem muitos documentos sobre as viagens dos navegadores árabes para o Brasil e Chile. Aqueles navios rodearam, nos séculos IV e V, quase todas as costas da América
do Sul, e as narrações sobre essas viagens contêm muitas notícias a respeito dos antigos países e povos deste continente. Nos eruditos círculos árabes de Cairo se estuda essa literatura, fazendo-se publicações interessantes sobre
esses fatos históricos.
Nós sabemos que Marco Pólo, o único escritor europeu que publicou na Idade Média um livro sobre a geografia
marítima, colheu todos os seus conhecimentos nas viagens que fez em navios árabes. Foram então navegadores
árabes que contaram a Marco Pólo a existência dos países Catai e Sipanga, nomes até aquele tempo desconhecidos
na Europa. Sobre isso falaremos mais tarde; aqui seja somente constatado que esses nomes foram comunicados à
posteridade pelos árabes.
XI - A ORIGEM DA “ILHA DAS SETE CIDADES”
Já no tempo do império romano apareceu na nomenclatura geográfica a Insula Septem Civitatum, que significa Ilha
dos Sete Povos. No latim, civitas não é cidade, mas a coletividade dos cidadãos. Os escritores romanos chamam um
pequeno povo civitas, quase o mesmo a que nós chamamos uma tribo. Na língua portuguesa esqueceu-se a antiga
significação e civitas ficou erradamente traduzida como cidade, com o significado de urbe.
O primeiro documento é uma crônica da cidade Porto-Cale (hoje, o Porto), escrita em latim por um padre católico,
cerca de 750 d.C. Foi quando os maometanos árabes já haviam destruído (em 711) o império dos Visigodos da Espanha
e invadido a Lusitânia.
O arcebispo de Porto-Cale recusou submeter-se à dominação dos maometanos e deliberou, com seus co-diocesanos,
como fazer para evitar as grandes humilhações dos cristãos. Perante o grande poder dos árabes, que tinham quase a
península inteira, surgiu como único meio a emigração. O Porto já possuía naquela época um extenso comércio marítimo
e os peritos de navegação declararam ao arcebispo que existia no Oceano Atlântico um grande país a que os pilotos
chamavam a “Ilha das Sete Civitates”.
O arcebispo resolveu ir para lá e com mais outros bispos e cônegos. Milhares de fiéis se declararam prontos a acompanhar o corajoso prelado. Juntaram-se 20 veleiros e a expedição saiu em 734, com 5.000 pessoas. A crônica narra que a
frota chegou salva no país de seu destino e que muita gente se preparava a seguir para a grande ilha.
Outros cronistas narram que a emigração do povo lusitano para a mesma ilha tomou, naquela época, grandes propor-
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
ções, de maneira que os árabes ficaram muito inquietos com esse acontecimento. Os comerciantes árabes, por esse
motivo, armaram uma esquadra, que devia ir para a mesma ilha, e verificar as condições daquele país.
Essas narrações são uma segura indicação de que:
1º) os navegadores ibéricos das costas atlânticas e os navegadores das Canárias e do Cabo Verde sempre guardaram
a lembrança do grande país do Ocidente, cujo nome se identificou com o nome da ilha dos sete povos, respectivamente,
das sete cidades;
2º) que se realizou, já à época de 700 a 950 anos d.C. uma extensa emigração da Península Ibérica para a América
Central e a América do Sul, precedente à chegada dos normandos, noruegueses e irlandeses na América do Norte.
A respeito da expedição do arcebispo de Porto-Cale, não temos provas de que ela chegasse ao Brasil; é possível que
ficasse nos Açores ou chegasse a uma ilha das Antilhas, onde se encontrou, no tempo de Colombo, descendentes duma
antiga emigração européia. O ponto saliente para as nossas investigações é que, naquela época, a existência da ilha das
sete civitates, ou cidades, era conhecida, e que todos os emigrantes só procuraram essa ilha.
Quanto a “cavalaria dos mares”, dirigida pelo Infante Dom Henrique, começou, de 1420 em diante, a procurar novas
terras, todos os navegadores buscaram a grande ilha das sete cidades. Muitos voltaram com a nova de ter encontrado a
ilha lendária; mesmo à Ilha da Madeira chamaram eles primeiro de “Ilha das Sete Cidades”. Mas, o grande geógrafo e
eremita de Sagres sabia bem que essa “Ilha” era um continente.
Finalmente, em 1473, chegou em Lisboa o açorense Fernando Telles, mostrou o seu roteiro e apresentou o mapa
duma longa costa, com muitas ilhas, furos e rios, declarando que essa costa pertencia à grande ilha das sete cidades. Era
a costa do Norte do Brasil, entre Maranhão e Ceará, com o delta do rio Parnaíba. O rei D. Afonso V e a junta dos Matemáticos, presidida por seu filho, o futuro rei D. João II, acharam a descoberta de Fernando Telles muito importante, mas não
consentiram que Telles recebesse a reclamada carta de doação para a ilha das Sete Cidades. Uma carta de doação não
lhe foi recusada, mas em seu teor ela evitou aquela denominação e falou só de uma grande ilha ocidental que Telles
pretendia povoar. Os documentos desses descobrimentos e as cópias das respectivas cartas de doação estão guardados
no Arquivo de Tombo, na repartição das ilhas. Foram publicados na ocasião do centenário da independência do Brasil.
Telles, que possuía oito caravelas e cujos pilotos navegaram em redor das ilhas Antilhas, bem como no litoral do Norte
do Brasil, não ficou muito satisfeito com o teor da sua carta de doação e, tendo largas relações com o comércio lisbonense,
pôde ele influenciar de certo modo o governo. A Junta dos Matemáticos encarregou então o cônego Fernão Martins (ou
Fernão Roriz) de escrever uma carta ao geógrafo florentino Toscanelli e consultá-lo a respeito da situação da ilha das sete
cidades. A resposta do sábio italiano foi tal que a Junta dos Matemáticos não se apôs mais à entrega a Fernando Telles da
carta de doação para a ilha das sete cidades, em 1476.
O genro de Telles, Fernando Ulmo, que fez depois da morte de seu sogro uma campanha comercial com um cidadão
da Madeira de nome Afonso Estreito, e outros sócios, para explorarem a ilha das sete cidades, recebeu em 1485 uma nova
carta de doação, na qual o rei se obrigou a fornecer ao donatário navios armados e forças militares para a CONQUISTA
DAS ILHAS E TERRAS FIRMES DAS SETE CIDADES. Esse documento, escrito sete anos antes da primeira viagem de
Colombo, prova que os “matemáticos” do rei João II sabiam perfeitamente que a chamada ilha das Sete Cidades era um
CONTINENTE, com ilhas e terras firmes.
XII - O SIPANGA, RESPECTIVAMENTE, CIPANGO, DE MARCO PÓLO E PAULO TOSCANELLI
O veneziano Marco Pólo escreveu seu livro cerca de 1250 d.C. Ele fez viagens ao Oriente durante 20 anos (1230 a
1250) e formou seu conhecimento, a respeito de Catai e Sipanga, pelos navegadores árabes. Estes explicaram a Marco
Pólo que esses países eram situados da Arábia para o nascente, mas se poderia alcançá-los também NAVEGANDO PARA
O POENTE. Marco Pólo compreendeu bem essa idéia e baseou nela a sua teoria de circunavegação da Terra. Já os
navegadores fenícios sabiam que a Terra tem a forma esférica, e os árabes, que navegaram naquela época entre as Índias
Orientais e a América do Sul, sabiam que se pode chegar ao Extremo Oriente e às ilhas do Pacífico navegando para Leste,
bem como para Oeste. O esperto veneziano, que nem foi geógrafo, nem astrônomo, nem físico como Copérnico e outros,
compreendeu o segredo da geografia terrestre e voltou para Europa com a nova teoria: “para ir às Índias, pode-se tomar
uma caravela e navegar para o poente”. Os Turcos ameaçaram o caminho terrestre para as Índias; então, o comércio teve
um outro caminho mais fácil, mais barato e mais seguro. Aqui está o grande mérito de Marco Pólo e, realmente, seu livro
foi a base, não só para a nossa ciência geográfica e astronômica da época da Renascença, mas também para o descobrimento do “Novo Mundo”.
Mas, por outro lado, o livro de Marco Pólo criou também uma grande confusão nas outras noções geográficas. Ele não
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sabia a língua dos árabes e entendeu-se com os navegadores por meio de intérpretes que sabiam italiano. Não tinha a
menor noção sobre distâncias marítimas, e como os navegadores dissessem que atrás das Índias e das ilhas (quer dizer,
Polinésia e Austrália) estava o grande país Catai e atrás dele Sipanga, pensava Marco Pólo que Catai fosse a China e
Sipanga fosse o Japão. Os modernos escritores chineses e japoneses provaram, há muitos anos, que a China nunca teve
o nome Catai, nem o Japão o nome Sipanga.
No livro de Marco Pólo o último nome não é escrito Sipanga, mas Cipango, diferença que não tem importância. No italiano
sempre se usa a terminação “o” em palavras exóticas, e o “C” no princípio da palavra é errado, pois ninguém disse “Tchipanga”,
como se devia pronunciar o nome com o C italiano. Nem a língua japonesa, nem o árabe, nem o tupi possui a consoante “tch”.
Podemos, por isso, bem supor que o nome era Sipanga. Marco Pólo conta que esteve na China, onde foi chanceler e
conselheiro íntimo do “Grande Khan da Mongólia”, e acrescenta muitas histórias fantásticas, que os modernos chineses
declaram puras invenções. Mas, para lá ele viajou por terra, saindo da Índia; por isso não pôde ele calcular a distância
marítima. No Japão, a que ele chama Sipanga ou Cipango, não esteve, mas declara que essa ilha estava situada longe do
Grande Oceano, DEZ MIL MILHAS DISTANTE DO CONTINENTE ASIÁTICO, QUASE NO MEIO ENTRE A ÁSIA E A ÁFRICA.
Esta foi, indubitavelmente, a indicação que Marco Pólo recebeu dos navegadores árabes. No meio, entre as Índias,
nas quais contavam-se também as ilhas da Polinésia e África, está a América do Sul, e não o Japão. Assim, confirma
Marco Pólo, mesmo contra a sua vontade, a nossa hipótese de que Sipanga era o nome antigo duma parte da América do
Sul, respectivamente do Brasil.
E agora Catai. Plínio diz que os Montes Catai são altas montanhas da Sarmenha. Isso é uma noção vaga: Sarmácia é
a grande planície do Norte da Europa e da Sibéria. Lá existe a montanha “Altai”, mas os romanos tinham poucos conhecimentos daquelas regiões. Os navegadores árabes da Idade Média, que andaram no país Catai, não atingiram essas
regiões continentais do Norte.
O autor deste tratado viajou no Alto Solimões e nos rios do Acre, no ano de 1910, quando não estudava ainda a
antiguidade do Brasil. Ali ele foi informado que as tribos indígenas chamam aquela parte do Brasil de “Catai”. O grande
mapa do Acre, organizado por ordem do Governo Federal no tempo das negociações com a Bolívia e Peru, contém
diversos lugares com o nome Catai, conforme as denominações dadas pelos moradores daquela região.
A palavra tubi cata-i significa “o grande mato do rio”. Esse rio, respectivamente todos os rios que formam a bacia do
Alto Amazonas, vem dos Andes. Por isso, pode-se explicar Catai como o grande país do mato que se estende até as altas
“montanhas”. A nossa hipótese é que Sipanga, o país dos sete povos, era o nome dado ao Nordeste do Brasil, até o Pará,
enquanto Catai era a denominação do interior da Amazônia, até os Andes.
Toscanelli acrescentou à sua carta, escrita em 1475 ao rei D. Afonso V, um mapa, no qual ele desenhou a posição das
ilhas, Antilhas e Sipanga, quase no meio entre a África e a Índia Oriental, com distâncias quase exatas, a respeito das
dimensões do Atlântico, mas não conhecia ainda a existência do continente americano. Ele pensava que se pudesse
navegar desde o mar Mediterrâneo até o continente da Ásia, numa linha reta, que passava entre as Antilhas e Sipanga,
opinando que as ilhas Antilhas fossem uma grande ilha apenas.
Depois disse: “O que vós chamais a Ilha das Sete Cidades é a grande ilha Antilha, que se estende para o Sul, quase até
a ilha Sipanga. A distância entre essas duas ilhas é de 2500 espaços, que são iguais a 225 léguas. A ilha Sipanga é a maior ilha
que nós conhecemos e é riquíssima em metais e pedras preciosas, assim como em todas as outras riquezas da natureza”.
Toscanelli escreveu essa carta na idade de 73 anos. Era um dos mais instruídos geógrafos do seu tempo. Tinha feito
muitas viagens para o Oriente, onde recebeu da parte dos árabes as informações sobre as distâncias marítimas. Ele
convenceu-se de que a asserção de Marco Pólo a respeito da identidade de Japão e Sipanga fosse errada e calculou bem
que Sipanga estivesse situada no lugar onde está o Norte do Brasil. A distância entre a ilha mais meridional das Antilhas e
as Goianas é menor de 225 léguas.
O erro de Toscanelli de que as Antilhas fossem uma única ilha é sem importância. Se ele tivesse sabido que as Antilhas
são um grande grupo de ilhas não poderia identificá-las com a ilha das Sete Cidades. Em todo caso, a Junta dos Matemáticos de Lisboa tirou da carta do geógrafo florentino a confirmação de que Sipanga seja um continente, como indicou o
mapa de Fernando Telles. A costa, com embocaduras de grandes rios, não podia ser a duma ilha.
A lista dos fatos acima enumerados forma a grande moldura histórica, dentro da qual desenvolveu-se a antiguidade do
Brasil. Examinaremos agora os acontecimentos que se desenrolaram no próprio solo brasileiro.
ARTIGOS VARIADOS
A Documentação Inquisitorial como fonte para a Genealogia
57
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
Introdução
O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi instalado na Espanha em 1478 e em Portugal em 1536.
Diversamente da Inquisição Medieval, não era mais uma instituição idealizada e dominada pelo Papa, mas pelos reis
espanhol e português. As principais razões para seu estabelecimento podem ser encontradas no século XIV. Desde 1391
milhares de judeus, membros de comunidades estabelecidas na Espanha desde o século I – foram obrigados a se converter ao cristianismo ou seriam mortos – e muitos o foram, nos chamados “massacres de Sevilha”. Havia então na Espanha
três diferentes grupos de religiosos: os cristãos, os judeus e os conversos, e estabeleceu-se na Península Ibérica uma
tradição herética. Alguns, depois de convertidos, se tornaram bons cristãos. Mas também havia aqueles que, convertidos
por medo, continuaram a praticar a religião de seus antepassados em segredo. Em 1449 em Toledo, foram promulgados
os Estatutos de Pureza de Sangue, que proibia os conversos de participar das corporações de ofícios, da Igreja, das
Ordens Militares, impedia o acesso a cargos burocráticos e oficiais, e dificultava a entrada nas universidades. Ou seja,
enquanto judeus, eram submetidos a uma legislação específica e restritiva. Como cristãos, deixavam de estar sujeitos a
ela e podiam concorrer em condições de igualdade com os cristãos-velhos. Os Estatutos de Pureza de Sangue eram uma
legislação de origem econômica, porém também racista, estabelecendo que os conversos (chamados cristãos-novos em
Portugal) não eram iguais aos cristãos-velhos uma vez que o judaísmo era transmitido pelo sangue.
Essa política racista quanto aos conversos, acusava todos de serem falsos cristãos. Refletia o conflito entre a
burguesia cristã-velha e a burguesia cristã-nova, uma competição por mercado de trabalho, por mercados de comércio.
Como judeus, estavam sujeitos à sua própria legislação, que nesse período era cada vez mais restritiva. Como conversos,
eram cristãos, não estando mais sujeitos à legislação restritiva dos judeus; estavam em igualdade com os cristãos, e
podiam então concorrer com eles em todos os campos. Daí a necessidade de uma legislação que limitasse a ação
desses conversos. A política anti judaica atingiu seu ápice em 1492, quando os reis católicos da Espanha deram aos
judeus a alternativa de conversão ao cristianismo ou a expulsão do reino. O édito de expulsão foi emitido em 31 de
março e tiveram prazo até o final de agosto para sair. Foram proibidos de levar quaisquer metais preciosos. O grande
problema era para onde ir: haviam sido expulsos da França, Inglaterra e grande parte das cidades alemães. Muitas
cidades italianas não aceitaram receber os refugiados. Restava o norte de África, o Levante e Portugal. Muitos judeus
preferiram a conversão, apesar do perigo que corriam sendo conversos, uma vez que o Tribunal do Santo Ofício da
Inquisição, cuja função era verificar sua religião, já estava em plena atividade, tendo preso e penitenciado milhares de
pessoas. A grande maioria dos judeus que deixaram a Espanha, cerca de 120 ou 100 000 judeus (segundo o cronista
judeu Abraão Zacuto), foram para Portugal e mediante o pagamento de uma taxa por pessoa poderiam ficar durante
oito meses. Findo esse prazo, o rei D.João II se comprometia a conseguir navios para sua partida. Muitos não conseguiram embarcar, e os que não pagaram por sua liberdade foram escravizados. Em conjunto com os judeus portugueses,
formaram cerca de 10% da população portuguesa. Após a morte de D.João II subiu ao trono português D.Manuel –por
razões do coração e de estado, quis se casar com a filha dos reis católicos de Espanha – e uma das condições
impostas pelos espanhóis era que em Portugal não existissem mais judeus. D.Manuel promulgou um édito de expulsão
– mas temendo perder repentinamente uma porção substancial de sua classe média e nascente burguesia, e sem ter
uma população significativa de conversos (como acontecera na Espanha) que continuaria suas atividades, mudou sua
política. Nessa época, os judeus representavam uma importante parcela da mão-de-obra portuguesa, como os ferreiros, essenciais na produção de armamentos para a guerra no norte da África, e mesmo para armar aqueles que participavam das grandes navegações. O rei imaginava que muitos judeus aceitariam a conversão voluntariamente, mas o
medo de uma crise econômica foi maior. Em 1497, houve a conversão forçada de todos os judeus de Portugal, por
ordem do rei D.Manuel, sem a opção de sair do Reino. Em Portugal, a tradição herética foi mais acentuada, uma vez
que formaram um enorme contingente dos chamados “batizados em pé” – ou seja, judeus adultos que foram batizados
à força, que abandonaram seus nomes judeus e foram obrigados a adotar nomes cristãos, em geral nomes dos cristãos-velhos que os haviam batizado, nomes de conhecidos ou mesmo nome de famílias nobres.
Após a morte de D.Manuel, em 1521, subiu ao trono D.João III, e foi com esse rei que começou a perseguição
metódica aos cristãos-novos portugueses, com a instalação do Tribunal da Inquisição em 1536. Os Estatutos de Pureza de
Sangue foram adotados em todo o império português, e passaram a orientar a política portuguesa com relação aos antigos
judeus e seus descendentes. O Tribunal instalado na Península Ibérica foi político, em que o rei, além de nomear os
inquisidores e assim, ser o detentor do poder, também recebia metade dos bens confiscados pelo tribunal. Era um tribunal
eclesiástico, composto por membros do clero: mas subordinados ao poder civil, ao poder da Coroa. O poder pertencia ao
rei, e durante os séculos em que o tribunal existiu, houve vários períodos de disputas entre a Coroa e o Papado. O objetivo
declarado do Tribunal da Inquisição era o de acabar com as heresias no Império Português, em especial com a heresia
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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judaizante. Logo após a publicação da bula que instalava a Inquisição,o primeiro inquisidor-mor Diogo da Silva, bispo de
Lamego, publicou em 1536 o primeiro edito da fé – no qual se enumeravam todos os crimes contra a fé cristã..Citava como
indícios de heresia e suspeita de judaísmo a circuncisão, observação do sábado, celebração das festas judaicas, rituais da
religião judaica, regras alimentares, etc. Concedeu também trinta dias de graça nos quais os judeus secretos poderiam se
confessar, com a garantia de perdão. Logo Diogo da Silva, considerado tolerante demais com os conversos, foi substituído
pelo cardeal-infante D.Henrique, irmão mais novo do rei, que foi nomeado inquisidor-mor em 22 de junho de 1539. Começou a proceder com toda a severidade contra os cristãos-novos e em 1540 realizou-se o primeiro auto de fé em Lisboa. O
tribunal da Inquisição – ou o auto–denominado – o Tribunal do “Santo” Ofício da Inquisição de Portugal foi na realidade um
tribunal político que serviu os interesses da Coroa em primeiro lugar, do próprio tribunal em segundo e somente depois
servia aos interesses da religião.O estabelecimento da Inquisição em Portugal e na Espanha está ligado às ambições de
centralização de poder. Tendo um tribunal que funcionasse sob seu controle, os reis teriam uma arma a mais para fazer
dobrarem-se posições a seu favor. Apesar de todo o aparato religioso e da auréola divina com que o tribunal se revestiu,
apesar das funções “santas” que alegou, foi uma instituição vinculada ao Estado em que era o poder civil que executava as
sentenças de morte que a inquisição sentenciava. Respondeu aos interesses das facções de poder: coroa, nobreza e
clero. Se focalizarmos os três séculos em que o tribunal da inquisição funcionou, podemos dizer que as facções do poder
(coroa, nobreza e clero), apesar da rivalidade entre si - tinham interesses na continuidade da instituição e a utilizaram pra
garantir a persistência da estrutura tradicional do regime, sem o qual suas posições e seus privilégios estariam ameaçados. Coroa e nobreza apoiaram-se na instituição, que durante séculos foi o sustentáculo e garantia da continuidade do
sistema. As restrições impostas pelos Estatutos de Pureza de Sangue, que impediam os cristãos-novos de participarem da
igreja, de cargos oficiais, da universidade, eram aplicadas conforme as conveniências políticas e econômicas do momento. O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Portugal Foram estabelecidos tribunais em seis localidades:
Lisboa, Coimbra, Évora, Porto, Lamego e Tomar. Porém esses três últimos tribunais tiveram curta duração. Os três
primeiros, Lisboa, Coimbra e Évora funcionaram durante quase três séculos. Fora do Reino foi estabelecido somente um
tribunal, em Goa em 1560 (apesar de já funcionar desde 1543) – o primeiro auto de fé foi em 1563 e até o final do século
XVII foram julgadas ali mais de 3000 pessoas, em 37 autos de fé. Os réus brasileiros pertenciam à alçada do Tribunal de
Lisboa. O Tribunal tinha um Regimento próprio – vigoraram quatro regimentos no tribunal: o de 1552, 1613, 1640 e o
regimento pombalino de 1774. Em geral nos referimos ao regimento de 1640, que tem codificada toda a legislação inquisitorial
à maneira das Ordenações do Reino. Era uma legislação ligada à legislação civil .O “santo” tribunal não matava – mas
condenava à morte, sentença que era executada pelo poder civil: daí a expressão “relaxado ao braço secular”. Os inquisidores
seguiam os procedimentos indicados no Manual dos Inquisidores de Eymerich, escrito na Idade Média A Inquisição portuguesa, nascida de uma combinação do poder pontifício com o poder régio, tornou-se praticamente um terceiro poder, que
nomeava seus funcionários, tinha seus réus, seus súditos e vivia de sua receita particular – os confiscos.
Os familiares (funcionários leigos do Tribunal) e comissários do Santo Ofício, juntamente com a população em geral,
foram integrantes ativos daquilo que se tornou o motor propulsor do Santo Ofício: as denúncias. O Tribunal dependia das
denúncias para obter réus – e na sociedade portuguesa formou-se uma teia de delação. Qualquer denúncia era recebida
pela Inquisição, independente da idoneidade dos denunciantes: Podiam ser denúncias anônimas, secretas, sem qualquer
comprovação, vindas de todos os tipos de pessoas. No decorrer do processo, essas denúncias seriam ou não comprovadas: mas a priori, o denunciado era considerado culpado: se houvera a denúncia, possivelmente era culpado. No processo
inquisitorial – que era secreto e corria sempre em segredo – não era possível a acareação das testemunhas. O réu nunca
era informado sobre quem o denunciara nem do que fora acusado. Mas em contrapartida, tinha que denunciar a todos que
o haviam denunciado – ou seja, tinha que adivinhar quem o denunciara e o que dissera. A fase de instrução, em que o réu
era submetido a interrogatórios que pretendiam levá-lo a confessar as culpas de que estava denunciado. A fase de julgamento, onde era apresentado o libelo da acusação, com base nas denúncias e nos depoimentos do réu, seguindo-se a
defesa deste, que se baseava principalmente nas contraditas, isto é, na prova de que eram suspeitas as testemunhas de
acusação. As duas fases do processo eram secretas – a sentença final era votada por maioria na mesa da Inquisição. A
grande maioria (mais de 80%) dos réus da Inquisição foram cristãos-novos.
Geralmente, seus processos inquisitoriais apresentavam-se da seguinte maneira: 1) As denúncias: testemunhos
do alegado crime do acusado, geralmente anexados ao processo. Era então emitida 2) A Ordem de Prisão, e na mesma
já vinha a ordem de seqüestro de todos os bens do acusado. No momento da prisão, todos os bens eram seqüestrados,
isto é, um Juiz dos Confiscos retirava tudo do réu, inclusive a casa e os bens perecíveis, como alimentos e vinhos, que
eram leiloados no ato, deixando a família imediatamente na miséria 3) Planta do Cárcere, mostrando em que cela o
prisioneiro ficaria detido.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
Seguiam-se as primeiras sessões de interrogatórios 4) Inventário – onde o réu dizia quais os bens, móveis e imóveis
que possuía, além de dívidas a pagar e créditos a receber. 5) Genealogia: o réu relacionava os membros de sua família. Ali
estavam os elementos que permitiam que o cristão-novo fosse processado como herege judaizante, apóstata da fé católica. Dizia se era batizado e crismado – estando assim, sob a autoridade eclesiástica. Era ali também que, através do
exame da qualidade de sangue de seus antepassados, que ficava provado serem portadores de sangue cristão-novo,
chegava-se a que por via o réu possuía sangue “infecto”. Um fator importante: o sangue judeu não se “limpava” nunca, não
era limpo através do casamento, por exemplo: ao contrário, o casamento de um cristão-novo com um cristão-velho, “sujava” o sangue cristão-velho. Para o Tribunal do Santo Ofício, o casamento com cristãos-velhos não “limpava” o sangue
“infecto” dos cristãos-novos, ao contrário, manchava a família cristã-velha, cujos filhos e netos seriam “parte de cristãonovo”, parte que variava segundo a quantidade de sangue judeu: um neto de judeu seria “um quarto cristão-novo”, um filho
de judeu “meio cristão-novo” 6) In Genere, onde o réu era interrogado sobre as práticas e cerimônias judaicas que era
acusado de observar. Eram feitas aos réus as seguintes perguntas: se em algum tempo se apartou da Santa Fé Católica
e se passou para a crença na Lei de Moisés para nela se salvar, não crendo no mistério da Santíssima Trindade nem em
Cristo Senhor Nosso se rezava as orações judaicas ou o Padre Nosso sem dizer Jesus no fim, ou os Salmos de Davi sem
dizer Gloria Patri no fim se guardava os sábados de trabalho como se fossem dias santos se seguia as Páscoas dos judeus
e demais festas e cerimônias se fazia algum jejum judaico, como o do Dia Grande de Setembro, o da rainha Éster, estando
neles sem comer nem beber senão a noite, só ceando coisas que não fossem de carne se quando morria alguma pessoa
em sua casa ou vizinhança, lançava fora a água dos cântaros e os colocava com a boca para baixo se varria a casa às
avessas se mandava amortalhar o corpo com mortalha nova e enterrava em terra virgem e cova funda se quando abençoava pessoa de sua relação, o fazia pondo a mão aberta sobre a cabeça se comia carne de porco, lebre, coelho ou peixe de
pele 7) In Specie. Nessa sessão, o inquisidor procurava fazer com que o réu especificasse quando, onde , com quem e
quais as práticas e cerimônias observadas ‘se em certo dia, certo lugar, com certas pessoas, fez tal cerimônia.....” 8)
Inquirições, que os inquisidores mandavam realizar no local de moradia do réu, onde eram formuladas perguntas a cristãos-velhos que o conheceram sobre contraditas levantadas pelo réu, ou sobre sua conduta e religiosidade 9) Inquirições
de Genere, nos locais de onde provinha a família, para verificar a qualidade de sangue dos antepassados. Seguiam-se
várias sessões de libelo, interrogatórios, provas de culpa, estâncias com o procurador, contraditas, reperguntas as testemunhas. Essas sessões, às vezes, demoravam anos. 10) e havia a peça essencial do processo: a confissão. Ali o réu
admitia sua culpa – que desde tal época, através do ensino de alguém, deixara a Lei de Cristo para crer na Lei de Moisés
com a intenção de nela salvar sua alma e fizera tais práticas e cerimônias. A confissão era essencial – se não confessasse
ter tido crença na Lei de Moisés em algum momento, era considerado culpado e condenado à morte como negativo. A
confissão era necessária para salvar sua vida. E também era necessária a delação: delatar a todos os que conhecia,
começando pela própria família, inclusive quem já havia falecido. Todo o réu, para salvar-se, tinha que acusar as pessoas
de sua intimidade: pais, filhos, irmãos, parentes, amigos, vizinhos. Os inquisidores guiavam-se por uma lista de nomes
extraídos de denúncias anteriores, que o réu ignorava, mas aos quais devia referir-se um por um e as fizera com tais
pessoas – tinha que denunciar a todos que o tinham denunciado, sob pena se ser diminuto. 11) ambos os casos, fosse um
réu negativo ou diminuto, levariam à sessão de tormento. As torturas mais comuns nos processos de cristãos-novos eram
o potro e a polé. 12) antes de ser promulgada a sentença era feita a sessão Crença, em que o réu devia confessar sua
crença. Todos os cristãos-novos confessavam que criam na Lei de Moisés para salvação de sua alma, e confessavam que
em certo dia, certo lugar, com determinadas pessoas haviam feitos determinadas cerimônias. Caso os inquisidores considerassem satisfatórias as confissões do réu – “satisfazendo a prova de justiça” era então emitida a sentença. 13) as
sentenças mais comuns, no caso de cristão-novos, foram as condenações a cárcere e hábito penitencial perpétuo. Cárcere significava que o réu teria que ficar confinado em um lugar determinado pelos inquisidores – geralmente alguma aldeia
distante e teria que usar o hábito penitencial – o sambenito – durante o resto da vida (sambenito era uma espécie de capa
com a cruz amarela de Santo André). 14) caso o réu não satisfizesse a prova de justiça, era relaxado ao braço secular – ou
seja, era entregue ao poder civil para ser queimado em praça pública.
Na hora da morte, se declarasse desejar morrer na Lei de Cristo, era garroteado antes de ser queimado. Caso contrário, seria queimado em carne, queimado vivo. Mas os Inquisidores sempre pediam “que se aja benignamente com eles, e
sem profusão de sangue”. 15) promulgada a sentença, os réus a ouviriam no auto de fé – grande espetáculo público. E
antes de ir ao auto de fé, todos os réus tinham que assinar um termo de segredo, em que se comprometiam a não contar
nada do que acontecera durante o período em que estiveram presos. Também tinham que assinar um formulário de
abjuração em forma Somente após essas formalidades era encaminhado ao auto de fé – cerimônias públicas, espetáculos
de massa, realizados em geral aos domingos ou dias santos, acompanhados de sermão e procissão, onde eram lidas as
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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sentenças dos réus, na presença do rei e autoridades. A Igreja recebia de volta o reconciliado, mas este ficava para sempre
marcado com o estigma de herege. O objetivo declarado do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição era coibir as heresias
no Império Português – mais especificamente, a heresia judaizante – embora também os muçulmanos tivessem sido
incluídos no rol dos hereges. Após o Concílio de Trento, também passaram para a alçada do Tribunal os chamados “crimes
de costumes”, ou seja, passaram a ser processados pela Inquisição as pessoas acusadas de sodomia, bigamia, proposições heréticas, feitiçaria, gentilidades (geralmente um sincretismo do catolicismo com a religião dos índios), solicitação e
a heresia “protestante”. Entretanto, os acusados desses crimes foram em número muito menor do que os cristãos-novos –
a proporção chega, no caso do Brasil e provavelmente também em Portugal a cerca de 80% de cristãos-novos acusados
de judaísmo para 20% de réus acusados por outros crimes – desses, a maioria incorria no crime de bigamia, seguido pela
sodomia. O motivo alegado da perseguição aos cristãos-novos era religioso: perseguir hereges, acabar com a heresia.
Entretanto, esse não era o único motivo da perseguição aos cristãos-novos. Essa perseguição foi conduzida por razões de
estado, políticas e econômicas, além de religiosas, que variaram durante os três séculos de duração do tribunal. Apesar de
todo aparato religioso, e da auréola “divina” com que o Tribunal da Inquisição se revestiu, apesar das funções “santas” que
alegou, foi uma instituição vinculada ao Estado. O caráter econômico acentuado da perseguição aos cristãos-novos pode
ser constatado através de vários indícios. Por exemplo, quando era emitida a ordem de prisão de um cristão-novo, no
próprio documento havia a ordem de seqüestro de todos os bens do acusado. Ou seja, antes mesmo do processo e de
qualquer julgamento, os bens eram seqüestrados, deixando a família do acusado na mais profunda miséria. Os bens de
um cristão-novo eram seqüestrados no ato da prisão. E esses bens eram indispensáveis para a manutenção do próprio
tribunal. Os inquisidores argumentavam que, caso fosse inocente, os bens seriam devolvidos – mas raramente um réu
cristão-novo era inocentado. E mais, esse seqüestro imediato dos bens dos cristãos novos representava também um préjulgamento, e um julgamento racista: o réu tinha sangue judeu – portanto era culpado – portanto, os bens podiam ser
confiscados antes de qualquer julgamento. Um outro indício desse caráter econômico da perseguição pode ser claramente
visto quando estudamos a ação da Inquisição no Brasil: nos séculos XVI e XVII, a atenção foi dirigida para o Nordeste da
colônia – especialmente Bahia e Pernambuco, onde se concentrava a produção do principal produto de exportação do
período – o açúcar. No século XVIII, após a descoberta das riquezas das gerais, é que as capitanias do sul foram alvo do
interesse inquisitorial. No Rio de Janeiro, mais de trezentas pessoas foram presas em menos de trinta anos. No início do
século XVIII, eram cristãos há mais de dois séculos, portanto não eram mais exatamente “novos”.Os cristãos-novos eram
perseguidos não porque fossem hereges, mas porque tinham ancestrais judeus. Desde a conversão forçada, a religião
judaica estava proibida. As sinagogas foram fechadas, muitas transformadas em igrejas, os livros e a língua hebraica
foram proibidos. Mas os inquisidores consideravam que o judaísmo havia chegado até eles pelo sangue, e não pelo
ensino, pela sinagoga, pelas tradições transmitidas nas famílias. A perseguição aos cristãos-novos tinha, antes de tudo,
um caráter de discriminação racista: eram perseguidos, presos e penitenciados devido à sua ascendência judaica. Se
eram ou não hereges, criptojudeus, se praticavam o judaísmo em segredo, na verdade pouco interessava ao Tribunal,
como é possível ver pelo próprio desenvolvimento do processo inquisitorial, em que o réu tinha sempre que se confessar
culpado, para salvar sua vida.
Genealogia A genealogia é parte fundamental de um setor da história social, a história da família, importante
meio de resgatar a memória tanto familiar como social. Até a pouco, os processos inquisitoriais eram usados como
fonte para a história social de um modo geral; mas revelaram-se úteis para o conhecimento das famílias no passado.
A história da família apresentou um grande desenvolvimento especialmente nas décadas de 1970/80, destacandose entre seus adeptos o grupo de Cambridge com Peter Laslett e Michel Anderson, americanos como Michel Gordon
e Elizabeth Kuznesof com seus estudos sobre o Brasil, franceses ligados à Nouvelle Histoire, liderados por Philippe
Áries, com seus estudos sobre a criança e a família, considerado por Tâmara Hareven como o iniciador dos estudos
contemporâneos sobre a família. No Brasil também houve desenvolvimento significativo dos estudos sobre a família, com autores como Eni de Mesquita Samara e Maria Beatriz Nizza da Silva, entre outros. A história da família é um
campo propício a interdisciplinaridade; tanto a psicologia, como a antropologia, sociologia e demografia tem uma
carga grande de influência nos estudos dessa área.
Uma das questões mais instigantes que se colocam para o historiador da família é a adaptação da teoria e do método
de outras disciplinas. Daí a diversidade de abordagens e até mesmo de escolas existentes na história da família. Só para
citar um dos problemas da história social, temos as fontes. Há uma enorme quantidade de fontes para a história social,
como testemunhos contemporâneos, romances, relatos de viajantes, coletâneas de lembranças, memórias, correspondências, artigos de imprensa, jornais, periódicos, manifestações de sociabilidade e sentimentos coletivos, como festas
populares e vida religiosa, relatórios administrativos, arquivos de empresas; há também a iconografia, canções e lendas.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
As informações das administrações públicas, de certos organismos privados, ou de publicações privadas, tais como
dados estatísticos, relatórios de administrações públicas, câmaras de comércio e outros. Os arquivos eclesiásticos e as
pesquisas elaboradas a pedido dos bispos são também muito úteis, assim como os textos jurídicos, a legislação e a
jurisprudência, alem dos documentos que testemunham sobre a condição de indivíduos e famílias, como os levantamentos nominativos, atas do estado civil, arquivos notariais, processos pessoais e biografias. Para a história da família, tradicionalmente tem sido usados dois tipos principais de fontes: as civis e as eclesiásticas. Dentre as civis, há os maços de
população e recenseamentos, as listas avulsas de população, cartas de alforria, listas de qualificação de votantes e listas
de categorias sociais, listas de forasteiros, livros de passaportes, relação de estrangeiros, registro de embarque de navios,
testamentos, inventários, partilhas post-mortem, processos civis de divórcio, arquivos de famílias, contratos de casamentos, dotes, etc. As fontes religiosas incluem os registros paroquiais, os mapas gerais, rol dos confessados, rol da desobriga,
status anima, rol das diversas freguesias, dispensas matrimoniais, livros de ordenações e votos, a documentação das
irmandades, recolhimentos, confrarias e seminários, processos de genere et moribus e processos eclesiásticos. Um tipo
de documentação religiosa imprescindível para a história social, e principalmente para a história da família, são os livros de
devassas e visitações e os processos inquisitoriais. Um exemplo de como essa fonte pode ser extremamente bem utilizada
é a obra de Emmanuel Le Roy Ladurie, que em Montaillou analisou a vida, a morte, o trabalho, o sexo, a religião, as teias
familiares e os costumes em uma aldeia dos Pirineus no final do século XIII, tendo utilizado como fonte a documentação
inquisitorial deixada pelo Tribunal de Carcassona, que se encontra no Arquivo do Vaticano. Para a história social do Brasil,
já existem alguns trabalhos importantes que utilizaram as fontes inquisitoriais. A Inquisição enquanto instituição e a ação
das Visitações ao Nordeste são tema de trabalho pioneiro de Sonia Aparecida Siqueira, que editou, em conjunto com
Eduardo d´Oliveira França também a documentação relativa à Visitação de 1618. Salvador José Gonçalves também
utilizou a Inquisição como base para seus trabalhos. Anita Novinsky tem livro fundamental para a compreensão da questão
do cristão-novo, tema que retomou em inúmeros artigos e trabalhos, inaugurando os novos estudos sobre Inquisição e
cristãos-novos no Brasil e dirigindo um grupo de pesquisadores que trabalha com os cristãos-novos nas várias regiões do
Brasil. Os processos inquisitoriais são material riquíssimo em informações. Através de sua análise é possível extrair dados
sobre inúmeros aspectos da vida colonial, como o nível de riqueza dos acusados, atividades econômicas, comércio,
profissões liberais, dados sobre a posse de escravos, a convivência com os escravos domésticos; relacionamentos familiares entre maridos e esposas, pais e filhos; relacionamentos dentro da comunidade, com outros cristãos-novos e com os
cristãos-velhos; participação na vida religiosa católica, as festas, irmandades e ordens religiosas; aspectos variados da
vida cotidiana, os objetos que tinham em suas casas, vestuário; e, evidentemente, informações sobre o crime de que eram
acusados, fosse heresia judaizante ou crime de costumes. São fonte privilegiada para o estudo das mulheres, por ser dos
poucos documentos do período colonial onde a fala das mulheres foi registrada. É possível encontrar nesses processos as
atividades econômicas, os parentes, amigos, vizinhos, inimigos, conflitos familiares, enfim, informações que permitem uma
análise do papel da mulher no passado colonial brasileiro. Vários níveis de informações são passíveis de serem pesquisados
nesse corpo documental; além da ação do Santo Ofício e das questões relativas à condução do processo, da prisão até a
sentença, é fonte imprescindível para o estudo de vários aspectos da história colonial.
Esses processos devem ser lidos com muito cuidado. Sendo uma fonte oficial, manuscrita, necessita um profundo
exame, uma vez que ao serem elaborados, esses documentos sofriam a manipulação dos inquisidores, que muitas vezes
confundiam o acusado, levando-o a dizer, às vezes, coisas que não haviam acontecido; levavam até o réu a acreditar
naquilo que dizia. É importante lembrar que além de mostrar o discurso “possível dos réus”. Mostra também, especialmente na sessão “confissão”, o discurso necessário: confessar as culpas - verdadeiras ou não - e delatar todos aqueles que o
haviam delatado - para salvar sua vida. O discurso do réu e as declarações de testemunhas aparecem no processo
intermediados por um notário, que transcrevia suas declarações; geralmente, eram utilizadas formas esquematizadas,
feitas sempre as mesmas perguntas aos réus; para as testemunhas, também os interrogatórios eram similares; na sessão
“contraditas” e nas “inquirições” havia maior fluidez, uma vez que ali eram relatadas histórias, deixando transparecer
sentimentos e envolvimentos. Através das genealogias e de outras informações presentes nos processos inquisitoriais,
pode-se reconstituir a história das famílias no passado colonial. Usando como exemplo uma família do Rio de Janeiro, que
desde o início do século XVII teve membros presos pelo Santo Ofício, é possível verificar como seus processos inquisitoriais
(que estão arquivados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa) são fundamentais para a elaboração de suas
genealogias e de sua história familiar. O primeiro membro da família preso no Rio de Janeiro, no século XVII, foi Izabel
Mendes, a única cristã-nova presa pela Terceira Visitação às Partes do Brasil, liderada pelo Visitador D.Luis Pires da Veiga.
Presa em 1727 e enviada para Lisboa, ficou presa durante sete anos, até ser condenada pelo Santo Ofício como judaizante.
Ao chegar em Portugal, foi considerada louca pelos inquisidores e enviada para um hospício.
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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Passados três anos, foi enviada novamente aos cárceres da Inquisição, apta para ser julgada. Assim, a sessão
“Genealogia” neste caso foi realizada somente 7 de outubro de 1633, quando já estava presa nos Estaus ( os cárceres da
Inquisição) há dois anos. Genealogia Aos sete dias do mês de outubro de mil e seiscentos e trinta e três anos em Lisboa,
nos Estaus e casa do despacho da Santa Inquisição, estando ai em audiência da tarde o Inquisidor Diogo Osório de Castro
mandou vir perante si a Izabel Mendes, ré presa conteúda neste processo, e sendo presente para responder em verdade
a tudo o que lhe fosse perguntado lhe foi dado juramento dos Santos Evangelhos em que pôs sua mão sob cargo do qual
prometeu de assim o fazer. Perguntada se cuidou em suas culpas como nesta mesa lhe foi mandado. E as quer acabar de
confessar para descarga de sua consciência e salvação de sua alma e ser bom despacho.
Disse que não tinhas culpas que confessar pelo que lhe foram feitas as perguntas seguintes de sua genealogia.
Perguntada como é o nome e de que idade e nação era filha, de onde era natural e moradora.
Disse que ela se chama Isabel Mendes de Cea, meia cristã-nova, de quarenta e quatro anos de idade, natural de Viana
e moradora vinte e três até o tempo de sua prisão no Rio de Janeiro. E tornou a dizer que era cristã-velha de todos os
quatro costados e que nessa conta teve sempre seus pais. E é filha de Gregório Mendes de Cea, contratador que foi da
Alfândega de Aveiro, natural da dita vila, e sua mãe chamavam Isabel Gómez, natural da dita vila de Caminha. Já seu avô
paterno chamavam Gaspar de Cea, provedor que foi da Misericórdia de Viana, e sua avó Isabel Mendes, natural da vila de
Caminha. E que seu avô materno chamavam Gabriel Ribeiro da Costa, natural desta cidade de Lisboa, e sua avó Caterina
Rodrigues, não sabe, digo, que lhe parece que foi natural de Caminha. E que ela não conhecera tio nenhum da parte de
seu pai, mas que lhe disseram que tivera cinco, e um deles Francisco de Cea e dos mais não sabe os nomes, todos
morreram solteiros. E uma tia por nome Gracia (…) que foi casada em Caminha com Gonçalo Rodrigues, sirgueiro e teve
um filho e uma filha, esta Filipa Mendes e aquele Gregório Mendes, os quais conheceu desde menino. E teve da parte de
sua mãe dois tios que eram meio irmãos de sua mãe e um por nome(…),que faleceu solteiro,e outro Tomaz Rodrigues, foi
casado nesta cidade e não teve filho nem filha. E que teve muitos irmãos e só conheceu cinco irmãs, duas inteiras e três
meias irmãs e um meio irmão que se chama Gabriel Ribeiro da Costa, solteiro. E uma das irmãs inteiras se chamam
Messia Barboza, casada com Paulo Rodrigues, cristão-velho, no Rio de Janeiro e tem filhos pequenos Gregório, Manoel e
Isabel. E outra irmã inteira se chama Beatriz da Costa, casada com Duarte Ramires de Leão não sabe se cristão novo se
cristão-velho, moradores no mesmo Rio de Janeiro, e tinham seis filhos Branca, de dez anos é mais velha, Gregório,
Antonio, José, Leonor e Isabel.
E das três meias irmãs uma se chama Marinha de Monserrate, Catarina Rodrigues e Maria da Costa, todas as três
solteiras. E que ela declarante é casada com Luis Pires, cristão-velho, mercador, de quem teve dois filhos, um dos quais
que se chamava Gaspar e faleceu de três anos e Isabel de ano e meio, e não foi casada outra vez. E que ela é cristã
batizada e o foi na Igreja de Viana, não sabe por quem nem quem foram seus padrinhos. E é crismada e o foi na mesma
igreja pelo arcebispo Dom Frei Bartolomeu dos Mártires. E que ela tanto que teve(…) idade consciente ia a Igreja, ouvia
missa e pregação, confessava-se e comungava quando manda a Santa Madre Igreja e fazia as mais obras de cristã. Logo
posta de joelhos disse(…)se persignou e benzeu. Disse o Padre Nosso e Ave Maria e creio em Deus Padre, mandamentos
da Lei de Deus e os da Santa Madre Igreja. E Salve Rainha. E que ela nunca foi presa pelo Santo Ofício senão agora, e o
foram Gabriel Ribeiro e Tomas Rodrigues que saíram soltos e livres havia vinte e dois anos pouco mais, e que ela não foi
fora deste Reino mais que ao Rio de Janeiro. Perguntada se sabe ou suspeita porque está presa. Disse que não sabia, que
não sabia, salvo se fosse por haver ensinado a uma mulher a quem seu marido dava má vida que quando ele pelejasse
com ela tomasse uma bochecha de água a não lançasse fora e se seu marido se não aquietar para que a dita mulher se
não descompusesse com o dito seu marido, o que alguns cuidaram que eram feitiços. Foi-lhe dito que ela está presa por
culpas que cometeu contra Nossa Santa Fé Católica e lhe fazem saber que no Santo Ofício se não prende alguém sem
bastante informação. E que esta houve para ela o haver ser, portanto a admoestam com muita caridade da parte de Cristo
Nosso Senhor confesse inteiramente suas culpas dizendo em tudo a verdade delas para assim merecer a misericórdia que
nesta mesa se costuma conceder aos bons e verdadeiros confidentes, e salvar a sua alma. E por dizer que ela não tinha
que dizer nesta mesa mais que o que tem dito nesta mesa, foi admoestada em forma e mandada a seu cárcere, e assinou
com o dito Inquisidor. João Carreira, notário o escrevi. E sendo-lhe lida esta sessão que estava escrita na verdade, o
sobredito o escrevi. Diogo Osório de Castro Izabel Mendes Esse documento, além de informações essenciais sobre a
possibilidade de o réu estar sob a autoridade da igreja, por ser batizado, investigava a qualidade de sangue do preso. E
deixa para o historiador pistas importantes sobre os antepassados deste, além de informações sobre a dinâmica familiar.
Por exemplo, sabe-se que o pai – ou a mãe – de Izabel já haviam sido casados anteriormente, tendo filhos do primeiro
casamento, com um filho e três filhas, meio-irmãos da ré. O mesmo acontecera com seu avós maternos. Através dessa
genealogia, vemos que as três irmãs tinham filhos. Mas é através da nova investida inquisitorial no Rio de Janeiro, no início
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
do século seguinte, que se conhece a descendência da família. Os filhos de Izabel e da irmã Messia, desapareceram dos
registros históricos. Não se sabe se morreram, se saíram do Rio de Janeiro ou se simplesmente conseguiram esconder
sua origem cristã-nova e assim escaparam do Santo Ofício – embora essa hipótese seja menos provável, uma vez que os
descendentes da terceira irmã, Beatriz que formaram a família Vale, foram presos. O sobrenome Vale surgiu em meados
do século com o casamento de Izabel Gomes da Costa, de sua terceira geração, com um reinól cristão-novo chamado
Manoel do Vale da Silveira. Nos processos inquisitoriais, as informações não se encontram somente na sessão Genealogia.
Nas denúncias e confissões também encontramos inúmeros dados sobre as famílias de cristãos-novos. Por exemplo, no
processo de Izabel Mendes, ela denuncia outros cristãos-novos que fundaram grupos familiares que se tornariam importantes na região, como Manuel de Paredes da Costa, que ao casar-se com Guiomar Rodrigues inauguraram a família de
sobrenome Paredes, também em inícios do século XVII. Este importante clã contou com advogados e senhores de engenho em seus quadros. Foram um elo fundamental na rede familiar de cristãos-novos que se constituiu no Rio de Janeiro do
período. Os filhos, filhas, netos e netas estabeleceram laços de união matrimonial com outras famílias cristãs-novas,
radicadas na cidade, como por exemplo, os Lucena Montarroyo, Barros, Azevedo Coutinho, Cardoso, Costa ou mesmo os
Vale. Outro casal denunciado por Izabel Mendes foi Beatriz Cardosa e Baltazar Rodrigues Coutinho, que foram antepassados de Antonio José da Silva, o dramaturgo que teve o cognome “O Judeu” na Lisboa do século XVIII. No caso específico
da família Vale, um outro documento foi de grande auxílio para a montagem das genealogias. Um parente, judeu português
que saiu de Portugal e estabeleceu-se na Holanda, deixou uma genealogia que foi encontrada em Londres.
Ishack Mathatia de Aboab escreveu o manuscrito Livro e Nota de ydades Reduzido por my Ishack Aboab e copiado por
my Mathatia do senhor Ishack Aboab. Ali estão listados dez filhos do casal Beatriz da Costa e Domingos Ramires Leão, e
aponta um parente importante: don frey Francisco de Vitória, Bispo de Tucumã e Arcepisbo de México. Izabel Mendes
listou somente seis sobrinhos – provavelmente, os demais nasceram após ela ter sido presa. As declarações dos processos devem sempre ser verificadas – nem sempre os irmãos dão a mesma informação a respeito dos familiares – mesmo
os avós, às vezes são desconhecidos para os netos. Para do Rio de Janeiro, pode-se contar ainda com as genealogias
elaboradas por Carlos Rheingantz, baseadas na documentação paroquial.E há outras obras, como por exemplo a de
Elysio de Oliveira Belquior. Um dos grandes problemas são os homônimos – nomes que se repetem nas várias e nas
mesmas gerações.Por exemplo, uma das filhas de Beatriz da Costa chamava-se Izabel Gomes da Costa. Entre muitos
filhos, uma era chamada Izabel Gomes. Duas de suas netas chamavam-se Izabel Gomes da Costa, além de outras netas
chamadas Izabel -de Andrade, de Mesquita – mas às vezes também chamadas de Gomes ou Gomes da Costa por
algumas pessoas. Na família Paredes, há inúmeros Manoel de Paredes (Manoel de Paredes da Costa, Manoel de Paredes
da Silva) e outros tantos Agostinho de Paredes e Rodrigo Mendes de Paredes, todos parentes. É necessário muito cuidado
na leitura dos processos e genealogias, porque é fácil cometer enganos, confundir os personagens. Através do depoimento do acusado, é possível recompor o quadro familiar deste. A genealogia permite solucionar um dos mais difíceis problemas da história brasileira, ou seja, recuperarmos um perfil mais exato da família colonial. Por exemplo, encontra-se na
historiografia estudos sobre a idade de casamento das moças na colônia. Na Península Ibérica, a idade do casamento
variou de região para região; por exemplo em Castela, no início do século XVII, a idade média de acesso ao casamento
das mulheres era de cerca de 20 anos, idade essa que aumentaria no final do século.Na região noroeste de Portugal, nos
séculos XVI, XVII e XVIII há um modelo de precocidade do casamento feminino, com a associação entre um sistema
familiar nuclear e a precocidade do casamento feminino; em outras regiões, onde o modelo cultural e a instituição
socioeconômica do domicilio pressupõem a co-residência do herdeiro casado e de seus pais, durante um período de
tempo que poderia ser longo, havia o acesso tardio do casamento feminino. Russel-Wood indicou que a fase casadoura
das mulheres da colônia era quando elas recebiam maior atenção; a idade em que era considerada pronta para o casamento dependia em parte da posição social e condição econômica dos pais; 14 anos era uma idade geralmente aceita
para um primeiro casamento, e as filhas eram encorajadas a casar cedo; a velhice para uma mulher começava aos 40
anos; e era comum que as moças se casassem com homens bem mais velhos. Para as mulheres cristãs-novas do Rio de
Janeiro o casamento não ocorria tão cedo; em geral os noivos eram mais velhos. De cinqüenta moças, somente oito
casaram-se com 15 anos ou menos. Mais da metade das cristãs-novas presas no Rio de Janeiro casaram-se entre os 18
e os 25 anos de idade. Somente seis eram mais velhas e, delas, somente uma não teve filhos. Quanto à seus maridos, em
trinta e seis casos pesquisados; a maioria casou-se entre os 26 e 30 anos; dois dos três homens que se casaram com mais
de 40 anos estavam no segundo casamento: Um segundo casamento era comum para as mulheres que ficavam viúvas,
especialmente tendo em vista a falta de mulheres brancas que havia na colônia. Esse segundo casamento, provavelmente, era limitado pela idade. Das vinte e oito cristãs-novas que eram viúvas, somente três casaram-se novamente. 40 anos,
para as mulheres, era considerada como o início da velhice nos tempos coloniais, enquanto para os homens, a velhice
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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chegava aos 60 anos.
Também a afirmação sobre as atividades profissionais das mulheres, que ficariam em casa sem fazer nada, não
condiz com a documentação inquisitorial, onde encontramos um grande número de mulheres que não só sabiam exatamente
o montante do patrimônio familiar, as dívidas a serem pagas e créditos a receber, como mulheres que administravam
sozinhas engenhos e lojas. Mesmo os relacionamento afetivos, tão difíceis de serem apreendidos na documentação
colonial, aparecem nos processos. Em uma peça chamada contraditas, encontramos declarações de amigos e inimigos,
de amantes, de flertes. O amor materno também pode ser visto em várias das atitudes de proteção aos filhos feitas pelas
cristãs novas.
A cristã-nova Brites de Lucena, presa pelo Santo Ofício em 1714, denunciou seus filhos como criptojudeus; e depois
revogou a denúncia, dizendo que eram inocentes; alguns dias depois, denunciou-os novamente, salvando a própria vida.
Outra mãe, Izabel de Barros Silva, também tentou proteger seus filhos, ensinando-os no que declarar ao Tribunal do Santo
Ofício. Acabou sendo presa pela segunda vez, açoitada e degredada para o Algarve. É possível também encontrar informações relativas à composição das famílias, inclusive os relacionamentos econômicos e solidariedade. Por exemplo, na
família Vale, havia vários núcleos, com muitos filhos – núcleos que se relacionavam não só afetivamente, mas também
economicamente. Além de ser uma família em que e endogamia, não somente étnica como familiar era dominante, também o relacionamento econômico era importante. Assim, em um dos engenhos da família, um cunhado, o irmão deste, e
um genro, mantinham partidos de cana. O processo inquisitorial, assim, permite fazer recortes e encontrar as famílias tais
como elas se apresentavam no momento da prisão e reconstituí-las por algumas gerações, sendo assim fonte importante
para o estudo das genealogias.
Variados
Cartas
Em relação ao belo artigo sobre a família Sulzberger e o jornal
The New York Times, gostaria apenas de acrescentar que esta família
descrita como sendo de judeus alemães, esquece ou esconde um
ramo que é basicamente de judeus portugueses, no qual sobrenomes
como Mendes Peixoto, Campos Pereira, Mendes Seixas, Maduro, Viera e Lopes identificaram os ancestrais próximos de Arthur Ochs
Sulzberger, o atual patriarca da família.
Entre todos estes ancestrais há também uma brasileira nascida em Recife, que pertenceu ao enclave holandês formado naquela cidade durante o século XVII.
Os judeus holandeses eram em sua maioria, naquele período, cristãos-novos ibéricos ou seus filhos, que fugiram dos
rigores da Inquisição, para desfrutar a relativa tolerância religiosa dos Países Baixos. Quando os holandeses ocuparam
Pernambuco, muitos judeus aproveitaram a oportunidade para voltar ao mundo ibérico. Eles permaneceram no Brasil até
a expulsão dos ocupantes holandeses.
Nestes anos, desenvolveram atividades comerciais e, como era natural, religiosas também. Interagiram com cristãosnovos locais, estabeleceram sinagogas, trouxeram rabinos.
Um destes rabinos, Isaac Aboab da Fonseca, nascido como cristão-novo em Castro Daire, Portugal, é considerado o
primeiro rabino do hemisfério ocidental. Ele pertencia a uma velha dinastia rabínica espanhola e que na expulsão dos
judeus da Espanha optou por Portugal, país no qual seus descendentes tiveram que se converter ao catolicismo em 1497,
e onde nasceu Simão da Fonseca, que alteraria seu nome quando foi para a Holanda integrando-se ao judaísmo. Isaac
Aboab casou-se e teve filhos e, destes, netos e netas, descendência que chegou até os nossos dias.
Levantando a genealogia dos primeiros judeus que chegaram aos EUA, o rabino Malcolm H. Stern encontrou a
pernambucana Rachel, de quem ele não conseguiu identificar os pais, mas, que baseado em outras evidências, atribuiulhe o sobrenome Aboab, entroncando-a na família do primeiro rabino brasileiro. Ainda não temos muitos elementos sobre
esta matriarca brasileira. Sabe-se apenas que ela se casou com Moses Cohen, filho de Diogo Mendes Peixoto. O filho do
casal, Josuah Cohen Peixoto, nasceu em Caiena, em 1663, mas foi casar-se em Amsterdã com Ester de Jacob Cohen
Peixoto, originária de Bordeaux. O casal teve um filho, Daniel Cohen Peixoto, que saiu de Amsterdã para Curaçao. Sua
esposa, Garcia de Abraham Campos Pereira, pertencia também a famílias portuguesas. A filha de ambos, Leah Cohen
Peixoto, casou-se o curaçaense Samuel Levy Maduro Peixoto, em 1765, e tiveram Moses Levy Maduro Peixoto, que se
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
casou com Judith de Samuel Lopes Salzedo. Eles tiveram Daniel Levy Maduro Peixoto, e este se casou com Rachel
Mendes Seixas, de uma família que chegou aos EUA em 1730, vinda de Portugal, onde tinham vivido como cristãos-novos
quase dois séculos e meio.
Daniel Levy Maduro Peixoto (1767-1828), foi um médico importante em New York, e de seu casamento com Rachel
Mendes Seixas teve dois filhos. Um deles, Judith Salzedo Peixoto, casou-se com David Holis Hays, e tiveram Rachel
Peixoto Hays, em 1861. Ela rompeu com a tradição de casamentos entre judeus portugueses (Portogeese Joden) e casouse com o judeu ale- mão Cyrus Lindauer Sulzberger. O filho deste casal, Arthur Hays Sulzberger, casou-se com Iphigene
Bertha Ochs, filha e herdeira de Adolph Simon Ochs, cria-dor do The New York Times. Ele sucedeu ao sogro na direção do
jornal, que repassou o cargo ao filho Arthur Ochs Sulzberger, atual presidente do grupo.
Assim, quase oculta na genealogia de uma família da aristocracia judaica norte-americana, onde encontramos rabinos
importantes, comerciantes e médicos, empresários e editores do mais conhecido jornal mundial, encontramos também
uma pernambucana quase anônima, a recifense Rachel, como a matriarca de todos.
(Fonte: Stern, Malcolm H., First American Jewish Families, 600 Genealogies, 1654-1988, Baltimore, 1991) Paulo
Valadares Historiador, Sociedade Genealógica Judaica do Brasil - São Paulo, SP Cronologia Histórica da Etnia Judaica
Ibero-Brasileira Anonymous Enviou “
Cronologia Histórica da Etnia Judaica Ibero-Brasileira Entre os Séculos XII e XIII - Época de maior esplendor judaico
na península ibérica, na Espanha.
1147- D. Afonso Henrique, na tomada
Cronologia Histórica da Etnia Judaica Ibero-Brasileira
Entre os Séculos XII e XIII - Época de maior esplendor judaico na península ibérica, na Espanha.
1147- D. Afonso Henrique, na tomada de Santarém dos Mouros, encontrara ali proeminente colônia judaica, com
autonomia em Portugal, numerosos durante toda a Idade Média.
Início do Século XIII- Tribunais do Santo Ofício da Inquisição, na Espanha
1383- Representantes da Aristocracia Burguesa, os chamados “homens bons”, apresentam
reivindicações à Rainha de Portugal, dentre elas uma que exigia a retirada dos judeus dos oficiais públicos. O “Mestre
de Avis” (futuro D. João I) defende os judeus da “Gente Miúda” (um grupo do povo com motivos revolucionários).
Meados do Século XIV - Desencadeia na Espanha, perseguições aos judeus pelo baixo clero.
1391- Meados do séc. XV- Um Clérigo fanático declara um “progrome” em Sevilha, milhares de judeus morrem e são
forçados a se converterem ao catolicismo na Espanha.
1449- É posto em vigor a primeira lei de “limpeza de sangue”, os judeus são proibidos de ter acesso a inúmeros cargos
públicos, honras e profissões na Espanha.
1449- O corregedor de Lisboa manda açoitar publicamente certos cristãos, que tinham insultado judeus na rua.
1478- Para combater o “marranismo” os Reis Católicos obtêm do Papa, uma bula instituindo a “Inquisição em
Castela”, na Espanha.
1487- O primeiro livro impresso em Portugal foi a Torah (Pentateuco) em caracteres hebraicos.
1480-1492- Período de grande perseguição, nestes anos cresceu um estado de miséria por toda comunidade
judaica na Espanha.
1491-1492 - Os Reis Católicos ordenam a expulsão dos judeus da Espanha; muitos vão para Portugal e para o
Norte da África
1492- Desaparecimento dos judeus mosaicos e judeus marranos na Espanha.
1495-1496- D. Manuel por casar com a filha dos “Reis Católicos” (Rainha Isabel) comprometeu-se em expulsar os
judeus que viviam em seu reino.
1495- Os judeus recém chegados à Portugal pela expulsão espanhola se tornavam escravos, mas D. Manuel deu-lhes
liberdade quando subiu ao trono.
1496 - O Rei D. Manuel declara a expulsão dos judeus que não aceitassem ser batizados; nada muito ofensivo, era
apenas uma estratégia política (cumprimento de seu compromisso com os reis católicos).
1496-1497 - Crianças judias menores de 14 anos foram obrigadas a se batizarem e foram adotadas por famílias
cristãs (católicas).
1497 - (04 de Maio). Saiu uma lei que proibia que se fizessem indagações sobre crenças dos novos convertidos.
1499 - (21 e 22 de Abril). Proibição da imigração de cristãos-novos de Portugal por D. Manuel.
1500 - O Brasil é descoberto pela Esquadra de Pedro Álvares Cabral, abrindo-se, assim, um “Mar Vermelho” para os
judeus portugueses que corriam risco de vida.
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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1503 - O judeu Fernando de Noronha lidera um grupo de judeus portugueses e apresenta a D. Manuel a primeira
proposta de colonização do território brasileiro.
1506 - Milhares de judeus foram assassinados e queimados barbaramente pelo Progon de Lisboa.
1507 - (01 de Março). Lei que abolia qualquer discriminação aos cristãos-novos, permitindo-lhes os mesmos direitos
dos cristãos-velhos.
1515 - (26 de Agosto). D. Manuel pede ao Papa uma inquisição segundo o modelo de castelhana.
1516 - D. Manuel distribui ferramentas aos que mudassem para o Brasil. Ele queria implantar engenhos de cana nesta
terra “recém descoberta”. Milhares de judeus aproveitam esta oportunidade.
1524 - D. João III confirma as leis de D. Manuel contra a discriminação.
1524 - (Junho). Assassínio de Firme Fé. (12 de dezembro). Lei em confirmação da de Março de 1507, sobre os direitos
iguais dos conversos.
1525 - Instrução a D. Martinho de Portugal, para pedir ao Papa a Inquisição.
1531 - Dita para Braz Neto, com o mesmo fim. (17 de Dezembro). Frei Diogo da Silva nomeado primeiro Inquisidor.
1531 - Martin Afonso de Souza, discípulo do judeu Pedro Nunes Português, foi mandado pelo Rei D. João III para a
primeira expedição sistemática colonizadora.
1531 - Terremoto em Portugal. Os frades de Santarém diziam ser um castigo de D-us pela tolerância quanto à permanência dos judeus no seu seio.
1532 - (14 de Junho). Proibição por 03 anos de saírem do Reino os cristãos-novos.
1533 - Martin Afonso de Souza funda o primeiro engenho de açúcar no Brasil.
1534-1560 - Período de crise no monopólio português.
1535 - (14 de Junho). A mesma proibição de 1532 é renovada por outros três anos. (12 de Outubro). Paulo III concede
perdão geral aos culpados de judaísmo.
1536 - (Janeiro). Tentativa de morte de Duarte da Paz. (23 de Maio). Bula de Paulo III que institui a Inquisição em
Portugal. São isentos por dez anos de confiscação os bens dos réus condenados. (22 de Outubro). Publica-se em Évora
o estabelecimento da Inquisição. 1540 - (20 de Setembro). Primeiro auto da fé em Lisboa.
1544 - (22 de Setembro). Paulo III manda suspender a execução das sentenças do Santo Ofício.
1546 - (08 de Agosto). Prorroga-se por mais um ano a isenção dos confiscos.
1547 - (15 de Junho). Renova-se por mais três anos a proibição de saírem do Reino os cristãos-novos. (11 de Maio).
Segundo perdão geral. (16 de Julho). Bula de Paulo III restabelecendo a Inquisição. Suspende-se por mais dez anos a
pena de confisco.
1558 - Prolonga-se por mais outros dez anos a concessão acima.
1560 - Inaugura-se a Inquisição em Goa.
1567 - (30 de Junho). Alvará que proíbe saírem do Reino, por mar ou por terra, os cristãos-novos.
1573 - (02 de Junho). Renova-se a proibição.
1577 - (21 de Maio). Anula-se a mesma. (05 de Junho). A coroa concede, por dez anos, a isenção dos confiscos, a
troco de um serviço de 225 mil cruzados.
1577 - Término do domínio espanhol sobre Portugal. Muitos judeus vieram para o Brasil direto da Península Ibérica.
Alguns destes foram para a América do Norte, Holanda e América Espanhola.
1579 - (19 de Dezembro). São restabelecidos os confiscos.
1580 - (18 de Janeiro). Revoga-se a permissão de livre saída do Reino.
1587 - (26 de Janeiro). Lei que confirma a antecedente, e todas as anteriores de sentido igual.
1591 - Primeira visitação do Santo Ofício ao Brasil.
1591 - O Santo Ofício continha um documento que denunciava práticas judaicas e ritos judaicos.
1591-1618 - Os judeus se espalharam por todo o Brasil, principalmente para o Sul.
1601 - (04 de Abril). Licença para a saída do Reino e promessa de nunca mais se renovar a proibição. Serviço de
170 mil cruzados.
1605 - (16 de janeiro). Perdão geral. Donativo de 1.700.000 cruzados.
1610 - (13 de Março). Retira-se a concessão de saída de 1601.
1618 - Segunda visitação do Santo Ofício ao Brasil.
1624 - Primeira condenação de 25 judeus cristãos-novos pela Inquisição de Lisboa.
1626 - Visitação a Angola.
1627 - (19 de Setembro). Édito de graça.
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Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
1629 - (23 de Maio). Junta dos prelados em Tomar. Primeira reunião. (17 de Novembro). A livre saída do Reino definitivamente restabelecida.
1630 - (15 de Janeiro). Sacrilégio de Santa Engrácia.
1631 - Projetos de expulsões e outros contra apóstatas.
1637-1644 - Tempos áureos para os judeus no governo holandês de Maurício de Nassau. Neste período, funda-se
a 1ª Sinagoga “Zur Israel”, em Pernambuco, quando vem da Holanda o 1º rabino de descendência portuguesa Isaac
Aboab da Fonseca.
1649 - (06 de Fevereiro). Alvará que isenta da confiscação a fazenda dos cristãos-novos. Contrato com a Companhia do Brasil.
1654 - Portugal retoma o domínio de Pernambuco, expulsando os judeus.
1654 - O 1º Judeu cristão-novo Antônio Félix de Miranda, dossiê 5002, é deportado para Portugal, condenado e
queimado em Lisboa.
1657 - (02 de Fevereiro). Alvará que revoga o antecedente.
1671 - (11 de Maio). Roubo da matriz de Odivelas. (22 de Julho). Decreto de expulsão dos apóstatas penitenciados.
1674 - (03 de Outubro). Clemente X priva do exercício os Inquisidores.
1678 - (24 de Dezembro). Inocêncio XI suspende o funcionamento das Inquisições.
1681 - (22 de Agosto). O Santo Ofício é restabelecido como anteriormente era.
1682 - (18 de Janeiro). Auto da fé em Coimbra, o primeiro depois da interdição.
1683 - (09 de Setembro). Lei de expulsão dos heréticos penitenciados.
1765 - (27 de Outubro). Último auto da fé público; último em que sai um judaizante.
1768 - (05 de Outubro). Lei pombalina (Marquês de Pombal) contra os chamados Puritanos.
1773 - (25 de Maio). É abolida a distinção de cristãos-velhos e cristãos-novos.
1774 - (01 de Setembro). Último regimento do Santo Ofício.
1770-1824 - Período de liberalização progressiva, queda da imigração judaica e gradual assimilação dos judeus.
1824-1855 - Fase da assimilação profunda, subseqüente à cessação completa da imigração judaica homogênea e à
igualização total entre judeus e cristãos perante a lei.
1855-1900 - Período pré-imigratório moderno, caracterizado pelas primeiras levas de imigrantes judeus, oriundos,
sucessivamente, da África do Norte, da Europa Ocidental, do Oriente Próximo e mesmo da Europa Oriental, precursores das correntes caudalosas que, nas primeiras décadas do século XX, viriam gerara e moldar a atual coletividade
israelita do país.
JUDEUS, SIM SENHOR
Testes de DNA indicam que uma tribo de negros africanos tem origem judaica
Além de solucionar crimes e processos de paternidade, a pesquisa genética está
reescrevendo algumas páginas da história de maneira surpreendente. Uma delas foi
anunciada na semana passada: uma tribo de negros moradores da região norte da África do sul e arredores tem ascendência judaica. Os Lemba fazem a circuncisão, casamse apenas entre si, guardam um dia da semana para orações e não comem carne de
porco. A maior semelhança entre eles e os judeus, no entanto, está no código genético.
Testes feitos com a saliva dos habitantes dessa tribo revelaram que os Lemba possuem
uma seqüência de DNA que é característica do Cohanim, um dos três grupos em que se
divide o povo judeu.
A origem da tribo africana começou a ser estudada nos anos 80 pelo historiador inglês
Tudor Parfitt, diretor do Centro de Estudos Judaicos de Londres. Durante dez anos ele
mergulhou no universo so Lemba. Além dos costumes parecidos - como a proibição de
comer carne de hipopótamo, considerado um parente do porco - , Parfitt ficou intrigado com os nomes dos dez clãs da
tribo. Com formação em lingüística, ele identificou uma raiz semita em nomes como Hamisi e Sadiki. A tradição oral da
tribo diz que eles viviam num lugar chamado Senna, de onde partiram em grupo. Parfitt descobriu no sul do Iêmen uma
pequena vila com esse nome. Segundo as lendas locais, até o século X ela ficava em um vale fértil, abastecido por um
açude. Quando este secou, a maioria das pessoas partiu.
Compilação de Documentos Históricos e Achados Arqueológicos
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Filhos de Aarão
As desconfianças de Parfitt quanto ao parentesco entre
judeus e os Lemba, no entanto, só ganharam força quando
foram respaldadas pelas pesquisas de seqüências de genes.
Estes estudos foram feitos nos últimos dois anos. No ano
passado, o geneticista inglês David Goldstein, da Universidade de Oxford, descobriu que 56% dos Cohanim estudados apresentavam certo tipo de assinatura genética que só
se repetia entre 3% a 5% dos membros dos outros dois
subgrupos judaicos, so Levi e Israel. Entre não judeus, a
seqüência praticamente inexiste. Quando a pesquisa foi aplicada aos Lemba, veio a surpresa. Entre o clã Buba, um dos
que formam a tribo, a incidência da assinatura foi de 53%.
Nos demais clãs, ficou em 9%.
Os Buba são o principal clã da tribo. Como as Cohanim, que no passado eram a elite dos judeus, de cuja linhagem
saíam os sumos sacerdotes. O inglês Goldstein também conseguiu calcular uma data para a origem da assinatura genética. Segundo o geneticista, ela teria pertencido a um ancestral que viveu entre 2.600 e 3.100 anos atrás. Pela tradição
judaica, o período coincide com a vida de Aarão, o irmão de Moisés, de quem os Cohanim se dizem descendentes diretos.
Provavelmente o grande pai também dos negros Lemba.
RENASCE EM RECIFE A PRIMEIRA SINAGOGA DAS AMÉRICAS
Templo fundado na Rua dos Judeus, em Recife, à época do domínio holandês, no século XVII,
será centro de memória hebraica.
A breve ocupação holandesa de Pernambuco, entre 1630 e 1654, foi um hiato de tolerância religiosa num continente
marcado pela imposição, à força, do catolicismo e pela severa vigilância da Inquisição.
Maurício de Nassau, que representava, na região, os esclarecidos déspotas dos Países Baixos viu, sob seu domínio
florescerem templos de vários credos, dos quais talvez o mais notável tenha sido a Sinagoga Tzur Israel (“Rochedo de
Israel”), a primeira das Américas.
Seus fundadores eram os descendentes daqueles judeus portugueses que, quando dos éditos de expulsão dos judeus da Península Ibérica, tinham ido buscar abrigo nos Países Baixos - onde continuaram a falar português.
Com a tomada do nordeste açucareiro pelos holandeses, eles,
de refugiados, rapidamente se transformaram em instrumentoschave na implementação do domínio político e econômico de
Nassau. Além da habilidade ao negociar e da lealdade à coroa
holandesa, eles conheciam bem o idioma das novas terras de
Holanda na América e foram, por isto, essenciais para mediar as
relações entre os cidadãos locais e os representantes dos novos
soberanos.
Prosperaram, assim, rapidamente e em 1636 a sinagoga Tzur
Israel foi erigida em Recife, sob o comando de um rabino de origem portuguesa trazido especialmente de Amsterdã.
A rua onde foi construído o edifício - nos altos de uma próspera casa de comércio - passou a chamar-se Rua dos Judeus, evidenciando a tolerância religiosa dos novos soberanos. A
nova liberdade também levou muitos dos cristãos-novos (judeus convertidos ao catolicismo por imposição da Inquisição)
- que ali residiam antes da chegada dos holandeses e praticavam secretamente os rituais judaicos - a assumirem em
público a verdadeira religião.
Hoje, a Rua dos Judeus, localizada no bairro do Recife Antigo, faz parte de um grande projeto de restauração do
bairro. Encontrar o local exato da Sinagoga demandou um grande trabalho de pesquisadores, coordenado pelo historiador
José Antonio Gonçalves de Mello. Diversas plantas das ruas tiveram que ser verificadas, pois as fachadas das casas foram
modificadas ao longo do tempo, principalmente no século XIX. O trabalho deu resultados. Contudo, hoje, quem quiser
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visitar o local deve ter paciência para encontrar uma pequena placa comemorativa na fachada do prédio da antiga Sinagoga, a primeira das Américas.
O local deve seguir os passos do bairro do Recife Antigo e ser restaurado. O Banco Safra, em conjunto com a prefeitura e a comunidade judaica, quer fazer da Sinagoga um centro de memória com exposições sobre os judeus no Recife
colonial holandês. O projeto deve custar em torno de 1 milhão. Dentre os documentos expostos deverão estar as listas das
famílias judias que vieram da Europa para o Brasil e as histórias de perseguições aos cristão-novos, especialmente aqueles que, com a derrota dos holandeses e a retomada portuguesa de Pernambuco, ficaram no Recife e foram denunciados
por terem participado, abertamente, dos cultos na Rua dos Judeus. “Recuperar esta tradição é muito importante para
Recife. A herança holandesa é uma da marcas mais fortes do passado colonial brasileiro”, diz o historiador José Antonio
Gonçalves de Mello, de 80 anos.
A Sinagoga, quando for reformada, vai servir de centro para os estudos da sociedade religiosamente tolerante que se
criou sob o domínio holandês, e onde protestantes, católicos e judeus conviviam em paz.
”Como entender as transformações decorridas depois desse período de liberdade religiosa? A equipe de pesquisadores
que vai trabalhar na casa tentará recuperar o passado analisando documentos, mapas e a iconografia do período”, diz
Gonçalves de Mello. O historiador sabe do que está falando. No final dos anos 80, escreveu “Gente da Nação”, livro que
aborda o passado judaico de Recife, em 546 páginas.
Para a empreitada intelectual foram consultados os mais de 60 mil documentos relativos ao período, guardados no
Arquivo Municipal da Prefeitura de Amsterdã, e que agora se encontram no Instituto de Ciências do Homem de Recife e
farão parte do acervo da Sinagoga.
Gonçalves de Mello analisa o período com sobriedade. “O capitalismo comercial faturava alto com um comércio triangular entre o açúcar brasileiro, os escravos africanos e os países europeus. A conquista holandesa esteve pautada no
valor do açúcar no mercado internacional”, diz. Chamado de ouro branco em pó, a especiaria também foi o motivo de
brigas entre judeus e holandeses. Como a maioria dos comerciantes da comunidade judaica falava português, possuíam
uma enorme vantagem nas negociações com os comerciantes e fazendeiros brasileiros. A rivalidade entre holandeses e
judeus não tardou a virar reclamação para as autoridades holandesas. “Os pedidos foram enviados em diversas formas:
cartas de notários, relatório de pequenos burocratas e reclamações dos próprios homens de negócios”, explica Mello.
O acervo que será reunido na Sinagoga incluirá uma série de documentos importantes, como os Cadernos do Promotor, do cartório da Inquisição de Lisboa. Aí estão registrados depoimentos prestados às autoridades eclesiásticas por
denunciantes, que mencionam “o bairro dos observantes da lei de Moisés”.
Em 1642, um denunciante em Lisboa dizia que os judeus ajuntavam-se “três vezes ao dia na esnoga (Sinagoga) que
tinham na entrada de Arrecife à mão direita, da banda de dentro, andando vestidos como judeus e guardando os sábados,
pois nele fechavam as tendas”.
“O cotidiano do mundo holandês em Recife pode ser aferido neste depoimento”, diz o historiador. Essas três vezes
ao dia eram, usualmente, a manhã, às três da tarde e ao pôr do sol. A referência de andarem vestidos como judeus é
significativa, pois a roupa era um sinal de distinção entre classes e profissões na época. Em 1648, outro depoente conta
a respeito das roupas que: “em uma festa de sua Lei andavam com uns panos brancos na cabeça”. O preconceito dos
católicos, acostumados a denunciar os atos judaizantes de seus vizinhos para a Inquisição, aparece claramente.
O pano branco, referido no depoimento e usado sobre os chapéus, era chamado talé, feito de algodão branco, com
fios postiços de lã nas quatro pontas. Várias gravuras dos séculos XVII e XVIII mostram essa prática no Recife. A
iconografia é uma parte importante do projeto, já que os holandeses são os responsáveis pelo melhor retrato do Brasil
na época. “O que eles retrataram em pouco mais de vinte anos, os portugueses não fizeram em séculos de colonização”, conta o historiador.
Esta passagem dos judeus por Recife, no século XVII, deixou também uma herança literária: Recife foi o berço dos
primeiros textos literários em hebraico do continente americano, com os poemas e orações dos “Hahamim” (em hebraico,
sábios, termo com que eram designados os eruditos) Isaac Aboab e Moisés Rafael de Aguiar. O historiador norte-americano Geoffrey Parker diz que os primeiros livros judaicos do continente foram impressos em Recife em 1636.
Com o fim da ocupação holandesa, em 1654, os judeus que eram cidadãos holandeses fugiram, pois sabiam que
seriam denunciados e implacavelmente perseguidos pelos portugueses.
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