cronologia visual da tipografia: do surgimento da escrita à
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cronologia visual da tipografia: do surgimento da escrita à
CRONOLOGIA VISUAL DA TIPOGRAFIA: DO SURGIMENTO DA ESCRITA À IDADE MÉDIA Laís Andrade Souza IFBA – Instituto Federal da Bahia, Diretoria de Comunicação [email protected] Eudaldo Francisco dos Santos Filho UNEB – Universidade do Estado da Bahia, DCET, Colegiado de Design [email protected] Gláucia Maria Costa Trinchão UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana, PPGDCI, Mestrado em Desenho [email protected] Resumo Este artigo traz uma compilação introdutória do panorama cronológico do desenho das letras, partindo da origem da escrita, em 4.000 a.C, até a Idade Média. Marcando épocas distintas com características formais da tipografia, esta proposta pode ser visualizada numa linha do tempo, onde é apresentado um destaque visual através de quadros demonstrativos. Tal abordagem possibilita uma observação da trajetória morfológica das letras no recorte temporal estabelecido. Palavras-chave: tipografia, linha do tempo, desenho das letras, escrita, idade média. Abstract This article provides an introductory compilation of a chronological overview of typography, starting from the origin of writing in 4,000 BC until the Middle Ages. Marking different periods with formal characteristics of typography, this proposal can be viewed in a timeline where a visual highlight is presented through statement frames. Such an approach enables observation of morphological trajectory of the letters in the established time frame. Keywords: typography, timeline, drawing of the letters, writing, middle age. 1 Introdução Este artigo traz parte das reflexões da dissertação da autora Laís Andrade Souza, 'Da letra invisível à letra como desenho: um método de análise das articulações entre aspectos morfológicos, estilísticos e ergonômicos no processo tipográfico', que está em processo de desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Desenho, Cultura e Interatividade, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). O tema deste artigo é, assim, uma compilação introdutória de um panorama cronológico do desenho das letras, partindo da origem da escrita, em 4.000 a.C, e chegando até o período de transição da Idade Média com o Renascimento. Marcando épocas distintas com características formais do desenho das letras, esta proposta pode ser visualizada numa linha do tempo, onde será apresentado um destaque visual através de quadros demonstrativos. Seguiremos a mesma orientação de abordagem do tema de autores como Maria Helena Bomeny (2010) e John Kane (2012), que traçam linhas temporais (gráficos cronológicos) em suas publicações sobre tipografia. Os métodos aqui utilizados foram revisão bibliográfica e investigação documental. Através de pesquisa, foi identificada a linha histórica utilizando autores como Robert Bringhurst (2005), Cees W. de Jong, Alston W. Purvis e Jan Tholenaar (2013), Elen Lupton (2011) e Milton Ribeiro (2003), além dos acima citados. A partir da linha do tempo, foram localizadas as fontes representativas de cada período, escolhendo-se a que apresentou maior destaque e vinculando-a a cada período. Esta linha do tempo foi pensada com o objetivo de investigar o panorama histórico, cronológico, visual e estilístico, que possa orientar os estudos na área da tipografia, no sentido de permitir a formação de uma imagem mental dos desenhos e estilos tipográficos de cada época. 2 Linha do tempo A trajetória conceitual, formal, estilística e tecnológica do desenho da escrita tem início com a grafia do homem, que iniciou-se com a transmissão de mensagens nas paredes das cavernas, através de desenhos e sinais, há cerca de 17 mil anos, que ficou guardada nas paredes das cavernas até os dias atuais. Então, no Paleolítico Superior, ainda não havia acontecido a invenção da escrita, mas o homem já sentia a necessidade de se expressar de uma forma gráfica. Na Pré-História, antes do surgimento da escrita, as paredes das cavernas eram muito utilizadas como suporte para o desenho de figuras de animais e de cenas de caça, possivelmente por ser uma área protegida de possíveis ameaças externas como animais ferozes. 525 Segundo Maria Helena Bomeny (2010, p.17), “As origens do desenho e da escrita têm um tronco comum: a mão que traça.” Abordaremos então essas origens para estudar a história da tipografia - do desenho da escrita - desde seu início por volta de 4.000 a.C. até a Idade Média. A espinha dorsal desta linha do tempo é pontuada por eventos que provocaram mudanças paradigmáticas no desenho das letras. A evolução do desenho da escrita se processa à medida que a mão do homem passa a gravar, imprimir, traçar, esculpir e pintar pictogramas, fonogramas e letras em cada momento histórico, se adaptando, sucessivamente, a cada tecnologia e suporte que vão sendo desenvolvidos. 2.1 Idade Antiga - Final da pré-história e início da história 4.000 a.C. a 476 d.C. IDADE ANTIGA - Início com a invenção da escrita pictográfica na Mesopotâmia Figura 1: Pequena placa de Uruk (detalhe). Séc. IV a.C., Mesopotâmia, Museu do Iraque, Bagdá. Fonte da imagem: JEAN, 2002, p. 13. A Idade Antiga se inicia por volta de 4.000 a.C., com a invenção da escrita, que aconteceu de forma lenta na Europa, Ásia e norte da África. Segundo Bomeny (2010, p. 18), a escrita propriamente dita surgiu quando os sinais foram sendo alinhados lado a lado ou um sobre o outro, correspondendo ao pensamento linear. A grafia de pictogramas foi a primeira forma de escrita (Figura 1), provavelmente com o objetivo de registrar a oralidade e fazer contas. Eles surgiram em plaquetas de barro, na Mesopotâmia, na região da Suméria, entre os rios Tigre e Eufrates, região atual do Iraque, entre Bagdá e o Golfo Pérsico. 526 3.000 a.C. IDADE ANTIGA - Escrita cuneiforme na Mesopotâmia Figura 2: Pequena placa sumeriana (detalhe), Província de Telo, Mesopotâmia, por volta de 2360 a.C., museu do Louvre. Fonte da imagem: JEAN, 2002, p. 15. Em 3000 a.C., também na Mesopotâmia, teve início a escrita cuneiforme (Figura 2), austera, geométrica e abstrata, talhada com cálamos (ferramentas pontiagudas) na argila fresca. O barro e a cana (caniço - planta aquática) eram abundantes às margens dos rios Tigre e Eufrates e os sumerianos talhavam sinais no barro, formando cantos e linhas, “cunhas”, (em latim: cuneus), portanto o nome escrita cuneiforme. Quando as plaquetas endureciam, se tornavam uma forma resistente para o registro de informações. 2.1.1 Antiguidade Oriental 3.000 a.C. Egito - Surgimento dos hieróglifos Figura 3: Antigo hieróglifo egípcio. Fonte da imagem: http://www.pavablog.com/2015/05/19/ibis-a-rara-ave-conhecida-dos-hieroglifos-egipcios/ No Egito, os primeiros documentos com inscrições em hieróglifos são do terceiro milênio a.C. As escritas egípcias foram três: a hieroglífica (Figura 3), a hierática e a demótica. A hieroglífica, “escrita dos deuses”, chegou a ter 5.000 símbolos, reproduzindo quase completamente a língua falada. Tratava-se de um sistema gráfico, poético, feito de desenhos estilizados. 527 1.300 a 1.100 a.C. Fenícia - Surgimento do alfabeto Figura 4: Primeiro alfabeto, inicialmente cuneiforme (a) e posteriormente linear (b). Fonte da imagem: (a) JEAN, 2002, p. 15.; (b) RIBEIRO, 2003, p.38. Outro marco importante foi o surgimento da primeira escrita alfabética cuneiforme (Figura 4a), na Fenícia. em 1.300 a.C., que utilizava apenas 22 caracteres, todos consoantes. O primeiro alfabeto linear (Figura 4b) se desenvolveu lá por volta de 1.100 a.C., e com as sucessivas invasões que esse território sofreu, seu alfabeto foi utilizado como base para os alfabetos árabe, grego, hebraico e latino, sendo hoje utilizado indiretamente nos alfabetos ocidentais e semíticos. 2.1.2 Antiguidade Clássica 800 a.C. Grécia Figura 5: Desenvolvimento do alfabeto grego a partir do fenício Fonte da imagem: www.kfssystem.com.br/loubnan/fenicio.html Os gregos criaram seu alfabeto adaptando o dos fenícios (Figura 5), incorporando suas vogais, que surgiram por volta de 800 a.C. “Assim nasceram: A ‘alfa’, E ‘epsilon’, O ‘ômicron’, Y ‘ypsilon’. Quanto ao I ‘iota’, foi uma inovação.” (JEAN, 2002, p. 62). Outra importante alteração foi no sentido da leitura, que passou a ser da esquerda para a direita, no entanto, assim como os fenícios, os gregos também não usavam espaço entre as letras nem pontuação. 528 700 a.C. Roma Figura 6: Desenvolvimento do alfabeto romano a partir do fenício Fonte da imagem: www.kfssystem.com.br/loubnan/fenicio.html Os romanos criaram seu alfabeto por volta de 700 a.C, com base no alfabeto grego, que chegou até eles pelos etruscos (Figura 6). Os romanos, então, mudaram a forma de algumas letras e acrescentaram outras. Em Roma, as letras eram pintadas com um pincel chato, no mármore, antes de serem inscritas com martelo e cinzel. As diferenças de espessura no seu traçado, advindas do ângulo de inclinação do pincel, permaneceram nas formas entalhadas. 113 d.C. Roma - Conclusão da construção da Coluna de Trajano Figura 7: Inscrição da Coluna de Trajano. Fonte da imagem: http://www.codex99.com/typography/21.html Em 113 d.C foi concluída a construção da Coluna de Trajano, no Foro Romano, que possui uma inscrição em mármore (Figura 7) na parte superior de sua base. Segundo Rocha (2003, p.3), as curvas não seguem linhas matemáticas precisas, mas quantidades consideradas de forma cuidadosa, como as linhas retas, que apresentam curvaturas sutis. Nesta época, já eram utilizadas serifas nas extremidades dos caracteres. Depois de 500 anos da fundação de Roma, as palavras passaram a ser separadas, no início por um ponto. A letra romana tomou formas diferentes, como as ‘Capitais Quadratas’, advindas das inscrições lapidares e que influenciaram o desenho das letras maiúsculas; as ‘Rusticas’, versão condensada das Capitais Quadratas; e as 529 ‘Cursivas’, utilizadas para anotações cotidianas rápidas e que influenciaram o desenho das letras minúsculas. 2.2 IDADE MÉDIA - Início com a queda de Roma, em 476 d.C. Na Idade Média (476 a 1.453 d.C.), a escrita caligráfica ficou sob o domínio de monges escribas. Ornada de iluminuras, a escrita era copiada e comparada com o objetivo de ser o mais fidedigna possível. Os livros eram produzidos em grandes formatos e ficavam presos às bibliotecas. Segundo Robert Bringhurst (2005, p. 134-135), “Os escribas monásticos - que também eram desenhistas, copistas e arquivistas - mantiveram vivas muitas das letras antigas.” Estas eram utilizadas em títulos, subtítulos e iniciais, no entanto, os textos corridos eram com escritas novas e mais compactas. Ainda segundo Brighurst, muitas convenções dos escribas continuam sendo utilizadas até hoje, como a utilização de: letras grandes e formais nos títulos; grandes iniciais no início de capítulos ou seções; e maiúsculas pequenas no início de uma frase. Já naquela época, letras com desenhos diferentes eram utilizadas para escrever escrituras sagradas, leis, romances, cartas e textos de negócios. As letras 'Unciais' eram cursivas pequenas, e as 'Semiunciais' marcaram a formalização da escrita cursiva em caixa-baixa, cheias de ascendentes e descendentes. Mas as letras Carolíngias (Fig. 8) é que fixaram o padrão da caligrafia no final do séc. 8 e início do séc. 9 d.C., inclusive o uso de capitulares e pontuação. 789 Europa - Criação da escrita Carolíngia por Carlos Magno Figura 8: Vida de São Martim por Sulpice Sevère. Manuscrito latino. Bibl. Nac., Paris. Fonte da imagem: JEAN, 2002, p. 87. 530 A Carolíngia é uma escrita clara, de fácil leitura, que foi instituída por Carlos Magno como parte de uma reforma educacional. Quando redescoberta e refinada na Renascença Italiana pelos humanistas, a escrita Carolíngia sobreviveu como base para as minúsculas e maiúsculas atuais Romanas. 800 Europa - Surgimento da Textura Gótica Figura 9: (a) O Livro de Horas, manuscrito em pergaminho, França, 1480; (b) Escrita gótica, textura, 900 d.C. Fonte da imagem: (a) ROCHA; MARCO, [2002], p. 3; (b) KANE, 2012, p. 20. A letra Gótica (Figura 9), com letras comprimidas, angulosas e verticais, se desenvolveu, aos poucos, em países como Alemanha, França e Inglaterra a partir do século XII, com o objetivo de apertar as letras para aproveitar os espaços disponíveis. A pena era mantida em ângulo perpendicular ao manuscrito e, segundo Ribeiro (2003, p. 42), no fim do séc. XV, a escrita já estava tão cheia de ornamentos que a leitura já era bem difícil. 1.300 Europa - Surgimento da Chanceleresca Figura 10: Cícero, De Oratore, Florença, 1428, caligrafado por Poccio Bracciolini. Fonte da imagem: BOMENY, 2010, p.41. 531 A escrita Chanceleresca (Figura 10), segundo Bomeny (2010, p.41), já tinha mais de um século de existência quando apareceu nos livros de modelo de caligrafia no Cinquecento. De uso inicialmente exclusivo da chancelaria do Vaticano, foi um dos aspéctos culturais significativos do Humanismo e do Renascimento. A Chanceleresca surgiu como um resgate da minúscula Carolíngia, pelo florentino Poccio Bracciolini, como uma aternativa à Gótica Rotunda, utilizada anteriormente na Itália. (Bomeny apud La operina, nº 18, 2000, p. 41). 3 Conclusão Após se considerar as principais fontes diante de uma linha de tempo por determinado período, podemos inferir que existe uma trajetória no desenho das letras intimamente relacionada com o panorama tecnológico e o momento social e político de cada povo ou região. Tal atributo faz com que cada fonte possa ser considerada como uma manifestação de cultura, reflexo e tradução do modus vivendi de um povo. Existe a possibilidade de se fazer considerações com mais profundidade sobre as características morfológicas de cada fonte em função dos períodos históricos e sociais e dos incrementos tecnológicos. Urge que esta linha cronológica seja estendida aos períodos subsequentes, com mais apuro à vinculação do desenho específico da letra relacionado ao contexto histórico, de forma a orientar a seleção de fontes para propiciar a facilitação do projeto em design. 4 Referências BOMENY, Maria Helena Werneck. Os Manuais de Desenho da Escrita. São Paulo : Ateliê Editorial, 2010. BONNY, Guilherme. Íbis: a rara ave conhecida dos hieróglifos egípcios. Disponível em: <http://www.pavablog.com/2015/05/19/ibis-a-rara-ave-conhecida-dos-hieroglifosegipcios/>. Acesso em: 29 jun. 2015. BRINGHURST, Robert. Elementos do estilo tipográfico. Tradução André Stolarski. 3. ed. São Paulo : Cosac Naify, 2005. 532 DESENVOLVIMENTO dos alfabetos árabe, grevo, hebraico e latino a partir do fenício. Disponível em: <www.kfssystem.com.br/loubnan/fenicio.html>. Acesso em: 07 ago. 2005. ENCYCLOPAEDIA Britannica. Chicago, 2015. Disponível em: <http://global.britannica.com/art/Carolingian-minuscule>. 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