Fome de poder - ActionAid Brasil

Transcrição

Fome de poder - ActionAid Brasil
Fome de poder
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Sumário
Resumo Executivo
4
1
Uma abordagem para a regulamentação corporativa baseada em direitos
7
2
Contexto: a subsistência rural em crise
10
3
Seis motivos para regulamentar as empresas agroalimentares
18
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
3.6
4
5
As corporações transnacionais usam e abusam de seu poder
de mercado para drenar riquezas das comunidades pobres
As transnacionais pagam preços baixos e retêm o valor resultante
As transnacionais marginalizam os agricultores pobres e os
trabalhadores rurais
As transnacionais não são inteiramente responsabilizadas pelos
impactos nos direitos humanos e no meio ambiente
A responsabilidade social corporativa é opcional e insuficiente
As pessoas prejudicadas por atividades corporativas não têm
acesso à justiça
19
28
32
39
42
45
Políticas para a regulamentação corporativa
50
4.1
4.2
51
57
Reassumindo o controle dos mercados agroalimentares
Responsabilizando legalmente as transnacionais por seus impactos
nos direitos humanos e no meio ambiente
Principais recomendações
60
Apêndice
62
Referências bibliográficas
63
Notas
65
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Acrônimos e abreviaturas
ADM
Archer Daniels Midland
BAT
British American Tobacco
CORE
Coalizão de Responsabilidade Corporativa
CP
Charoen Pokphand Group
DPIs
Direitos de Propriedade Intelectual
DUDH
Declaração Universal dos Direitos Humanos
EUREP-GAP
Grupo de Trabalho dos Varejistas Europeus de Frutas e Hortaliças por Boas Práticas
Agrícolas (sigla em inglês)
FIDA
Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola
FMI
Fundo Monetário Internacional
GATT
Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (sigla em inglês)
GM
Geneticamente Modificado
HLL
Hindustan Lever
IDE
Investimento Direto Estrangeiro
IFPRI
Instituto Internacional de Pesquisa de Políticas Alimentares (sigla em inglês)
Normas da ONU Normas das Nações Unidas sobre Direitos Humanos para Empresas
OCDE
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
OIT
Organização Internacional do Trabalho
OMC
Organização Mundial do Comércio
ONU
Organização das Nações Unidas
PAEs
Programas de Ajuste Estrutural
PBRs
Direitos dos melhoristas de plantas (sigla em inglês)
PCN
Ponto de Contato Nacional
PIB
Produto Interno Bruto
Pnuma
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
RSC
Responsabilidade Social Corporativa
TOPP
Twifo Oil Palm Plantation
UAT
Ultra-Alta Temperatura
UE
União Européia
UNCTAD
Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (sigla em inglês)
Unicef
Fundo das Nações Unidas para Infância (sigla em inglês)
USDA
Departamento de Agricultura dos EUA (sigla em inglês)
www.actionaid.org
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Resumo Executivo
As companhias globais de alimentos tornaram-se poderosas demais e estão
prejudicando a luta contra a pobreza nos países em desenvolvimento. Elas drenam
riquezas das comunidades rurais, marginalizando a pequena agricultura e violando
os direitos das pessoas. É necessário uma ação urgente para retomar o controle dos
mercados agrícolas, de modo que beneficiem os pobres, e responsabilizar legalmente as
companhias por seu impacto nos direitos humanos e no meio ambiente.
Corporações transnacionais como a Monsanto, Cargill, Nestlé e Wal-Mart assumiram o domínio das cadeias de
fornecimento de alimentos e produtos agrícolas, das sementes à prateleira dos supermercados. Duas décadas
de liberalização econômica permitiram que as transnacionais agroalimentares tivessem uma expansão enorme
de tamanho, poder e influência nos países em desenvolvimento. Como conseqüência, essas empresas agora
negociam diretamente com os pequenos agricultores. Uma onda de fusões, aquisições e alianças empresariais
na indústria agroalimentar concentrou um enorme poder de mercado nessas corporações:
• as trinta maiores corporações varejistas são responsáveis por um terço das vendas globais de alimentos
• uma empresa transnacional controla 80% da produção de leite do Peru
• cinco companhias controlam 90% do comércio mundial de grãos
• seis empresas controlam três quartos do mercado global de pesticidas
As empresas transnacionais agroalimentares estão transformando rapidamente os sistemas agrícolas nos
países em desenvolvimento. Estes sistemas cumprem um papel vital na redução da pobreza e na promoção da
segurança alimentar. Setenta por cento das pessoas pobres do mundo vivem e trabalham em áreas rurais e a
maioria vai permanecer vivendo desse modo durante boa parte do século XXI. No entanto, no lugar de ajudarem
a criar economias agrícolas vibrantes, as transnacionais estão tendo um impacto prejudicial no desenvolvimento
das comunidades rurais, além de deteriorarem os direitos básicos das pessoas pobres.
Este relatório marca o início do envolvimento da ActionAid Internacional com os governos e a sociedade civil na
questão da regulamentação da indústria agroalimentar. O relatório destaca seis razões para regulamentar as
empresas transnacionais do setor agroalimentar:
1As empresas transnacionais usam e abusam do seu poder de
mercado para drenar riquezas das comunidades pobres
As transnacionais agroalimentares estão utilizando seu poder de mercado para aumentar o preço dos insumos
agrícolas, exercer práticas injustas de compra, formar cartéis para fixação de preços, eliminar empresas dos
mercados e rebaixar os preços dos produtos agrícolas. Por exemplo, o supermercado britânico Asda WalMart usou seu poder de barganha junto aos fornecedores para diminuir o preço das bananas em 2002. Outros
varejistas seguiram esse exemplo e exigiram grandes reduções de preços de seus fornecedores. Em 2004, as
bananas eram vendidas no varejo do Reino Unido por £ 0,74 o quilo, enquanto custavam £ 1,08 em 2002. Como
conseqüência, os plantadores de banana de Costa Rica não conseguiam o preço mínimo legal por uma caixa
de bananas, nem pagar aos trabalhadores o salário mínimo legal. Oitenta e cinco por cento de todas as multas
impostas recentemente a cartéis globais por fixação de preços foram pagas pelas companhias agroalimentares.
Empresas como a Tate & Lyle, Cargill e Archer Daniels Midland pagaram, juntas, mais de um bilhão de dólares
em processos judiciais a que foram submetidos por fixação de preços.
2 As corporações transnacionais pagam preços baixos e retêm o valor
resultante
Muitos fatores podem contribuir para reduzir os preços agrícolas, além do mau uso do poder de mercado,
incluindo oferta excedente e mudanças nas regras do comércio. Apesar das quedas dramáticas que vêm
ocorrendo nos preços de produtos agrícolas importantes comprados pelas transnacionais, como café, arroz,
açúcar, leite, trigo e chá, os consumidores quase sempre não têm pago menos por esses produtos. Quando
essas empresas transnacionais agroalimentares forçam ativamente a redução dos preços pagos aos agricultores
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
ou tiram vantagem de mercados desvalorizados para pagar preços baixos, com freqüência ficam com os lucros.
A distância entre os preços pagos ao agricultor e os do varejo está aumentando, e essa diferença é maior nos
países onde as transnacionais concentraram poder de mercado. O Banco Mundial estima que a distância entre
o preço pago ao agricultor e os preços no varejo custe mais de US$ 100 bilhões anuais aos países exportadores
de produtos primários e que as práticas anticoncorrência das transnacionais agroalimentares são uma causa
fundamental do problema.
3 As transnacionais marginalizam os agricultores pobres e os
trabalhadores rurais
O poder de mercado das corporações agroalimentares permite que elas estabeleçam as “regras do jogo”:
quem entra e quem sai da cadeia de fornecimento. Ao impor padrões estritos, que os agricultores pobres não
têm recursos para aplicar, as transnacionais ameaçam a existência de centenas de milhares de pequenos
agricultores. Por exemplo, após uma série de aquisições agressivas no Brasil, a Nestlé e a Parmalat expulsaram
mais de 50.000 criadores de gado leiteiro da cadeia de fornecimento. Como resultado, muitos foram forçados a
abandonar seus negócios. As mulheres constituem até 90% da força de trabalho nas cadeias de fornecimento
de frutas e verduras exportadas dos países em desenvolvimento. As transnacionais agroalimentares estão
repassando os custos e riscos dos negócios para os fornecedores que, por sua vez, repassam essas pressões
atacando os direitos das trabalhadoras.
4 As transnacionais não são inteiramente responsabilizadas por seus
impactos nos direitos humanos e no meio ambiente
Muitas vezes, as transnacionais agroalimentares violam direitos básicos das pessoas pobres. Por exemplo,
na Índia, pelo menos 12.000 crianças trabalhavam em fazendas em 2003, fornecendo sementes de algodão
a subsidiárias de transnacionais, incluindo a Bayer, Monsanto, Syngenta e Unilever. Em muitos aspectos, as
empresas transnacionais já estão fora do alcance das leis nacionais em muitos dos países em que operam. As
leis nacionais são insatisfatórias e aplicadas de forma desigual nos países pobres. Além disso, as transnacionais
podem evitar processos ao tirar proveito da separação legal entre a matriz da empresa e suas subsidiárias.
As companhias transnacionais estão operando num “vazio regulatório”, no qual podem enfraquecer as
leis trabalhistas, ambientalistas e de saúde pública, tendo um comportamento diferenciado ao serem mais
responsáveis nos países com regulamentação mais estrita e menos responsáveis nos demais.
5 A responsabilidade social corporativa é opcional e insuficiente
Os esforços voluntários das empresas para melhorar seu desempenho social e ambiental – uma prática
conhecida como responsabilidade social corporativa (RSC) – traz benefícios importantes, como o de ajudar as
companhias a desenvolverem e implementarem melhores práticas no seu setor industrial. No entanto, a boa
vontade das companhias tem se mostrado insuficiente para a tarefa de proteger os direitos humanos e o meio
ambiente. A própria quantidade de códigos de conduta empresariais e industriais está prejudicando os esforços
das empresas para enfrentar essas questões, e criando incertezas em relação a que padrão devem seguir. A
maior parte das iniciativas de responsabilidade social corporativa foi realizada por grandes empresas com perfis
públicos elevados. O setor agrícola tem relativamente poucos código empresariais e a indústria de fabricação
de alimentos tem menos ainda. A seleção, ou mesmo omissão, de questões a serem cobertas pelo código de
RSC varia de modo significativo e muitas empresas adotaram um enfoque de “seleção e combinação”. A maioria
dos códigos consiste em declarações gerais de princípios e não em instruções detalhadas de como esses
princípios podem ser aplicados. Ao mesmo tempo, das 64.000 transnacionais que se estima em operação na
atualidade, somente de 1.500 a 2.000 (no máximo 3%), produzem relatórios anuais sobre a responsabilidade
social corporativa.
6 As pessoas prejudicadas por atividades corporativas não têm acesso
à justiça
Quando as transnacionais violam os direitos humanos e do meio ambiente, as comunidades afetadas procuram
reparação através das leis de seu país ou do país onde a companhia tem sede. Existe ainda vários tratados
internacionais que as pessoas afetadas poderiam utilizar. No entanto, as autoridades nacionais muitas vezes
não querem ou não são capazes de processar as companhias, e não existem mecanismos internacionais de
reparação que sejam legalmente vinculatórios para as empresas. Com freqüência, as pessoas prejudicadas
pela atividade corporativa são pobres mas, na maioria dos casos, têm de arcar com os custos dos processos
contra as corporações. Os reclamantes podem temer perseguição, principalmente se a empresa colabora com
o governo ou com as forças de segurança. Mesmo quando as pessoas atingidas conseguem processar as
empresas, podem ter de esperar anos pela indenização porque as empresas têm mais recursos legais, políticos
e financeiros para adiar e enfraquecer qualquer decisão.
www.actionaid.org
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Soluções
Muitas comunidades rurais estão se mobilizando para defender seus interesses contra os impactos negativos
das transnacionais agroalimentares, através de mobilizações das bases. A ActionAid apóia ativamente essas
iniciativas, incluindo cooperativas e organizações de produtores. Os governos e instituições internacionais
devem também atuar para assegurar que as transnacionais não infrinjam os direitos das pessoas pobres e das
comunidades excluídas. As medidas de contraposição não devem ser vistas simplesmente como uma resposta
ao mau uso do poder corporativo, pois são também importantes instrumentos para construir um sistema
alimentar mais democrático e eqüitativo, e para gerar crescimento sustentável com eqüidade. A ActionAid
Internacional exige que os governos:
1) Reassumam o controle dos mercados agroalimentares com metas de desenvolvimento favoráveis às
pessoas pobres
• evitando o mau uso do poder de compra das transnacionais nos mercados agroalimentares
• fortalecendo e, quando for o caso, criando organizações de produtores rurais
• enfrentando a crise global de mercadorias agrícolas que afeta as comunidades de pequenos produtores
2) Responsabilizem legalmente as empresas transnacionais por seu impacto nos direitos humanos e no
meio ambiente
• assegurando que essas empresas cumpram suas obrigações de promover, assegurar e proteger direitos
humanos de acordo com as Normas da ONU sobre Direitos Humanos para Empresas
• introduzindo e fazendo cumprir a legislação nacional que regula as atividades das transnacionais nos países
em desenvolvimento
• capacitando organizações de agricultores e grupos da sociedade civil nos países em desenvolvimento
Karen Robinson/Panos/ ActionAid Reino Unido/Meninas de até 9 anos trabalham nas fazendas de sementes de algodão, no Sul da Índia.
Capítulo 1
Uma abordagem para a
regulação corporativa
baseada em direitos
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
“Sinto-me enganado pelas contas da Twifo Oil Palm Plantation porque não entendo as
deduções que fazem. Quando a gente levanta dúvidas sobre os números, eles não dão
explicações... Não há esforço para corrigir os erros rapidamente, se é que corrigem.
Temos de aceitar o que os funcionários nos dão”. Kwadwo Osae, pequeno produtor de óleo
de palmeira que fornece para uma fazenda da Unilever em Twifo Ntafrewaso, Gana.
“Eles não se dão ao trabalho de receber leite daqueles que vendem pouco, querem
aqueles que produzem muito mais, para reduzir o número de fornecedores e ter ganhos
de volume”. Baldur Frederich, produtor de leite do Rio Grande do Sul, Brasil, descrevendo sua
experiência de vender para a Parmalat.
“As crianças gritavam, vomitavam e apertavam suas barrigas. Algumas estavam mortas,
outras se contorciam na grama, e outras mais no pátio da escola. Não sabíamos o que
fazer”. Uma mulher da aldeia de Tauccamarca, Peru, onde 24 crianças morreram depois de ingerir
um pesticida vendido pela Bayer.
As corporações transnacionais têm uma grande influência na vida das pessoas pobres do Sul. Essas
companhias, a maior parte com sede nos países ricos, fazem comércio de bens e serviços e investimentos nos
países pobres no valor de centenas de bilhões de dólares anuais. A ActionAid apóia as atividades comerciais
éticas e responsáveis. Se regulamentadas de forma apropriada, as empresas do setor privado podem ajudar
a reduzir a pobreza, concretizar os direitos das pessoas, aumentar as oportunidades de emprego e gerar
crescimento econômico com eqüidade. Porém, a experiência da ActionAid de trabalhar com comunidades
pobres em todo mundo indica que a atividade corporativa pode também criar e sustentar a pobreza, degradar o
meio ambiente natural e violar os direitos das pessoas.
Este relatório marca o início do envolvimento da ActionAid internacional com governos, instituições internacionais
e a sociedade civil para a regulamentação da indústria agroalimentar. Está focalizado nas corporações que
comerciam, processam e distribuem os produtos dos agricultores pobres e dos trabalhadores rurais nos países
em desenvolvimento. Nos anos recentes, as tendências mundiais para a liberalização econômica, privatização
e desregulamentação permitiram que as transnacionais agroalimentares tivessem uma expansão enorme em
termos de tamanho, poder e influência. Essas empresas agora tratam mais diretamente com os pequenos
produtores e conseguiram dominar os mercados nacionais e internacionais de produtos agrícolas. Ao fazer isso,
as transnacionais agroalimentares estão impulsionando um processo de transformação radical dos sistemas
agrícolas dos países em desenvolvimento, que são de importância estratégica para redução da pobreza, a
segurança alimentar e um crescimento econômico que seja favorável às pessoas pobres. No entanto, em vez de
promover economias agrícolas vigorosas, em muitos casos as transnacionais estão impulsionando características
contrárias ao desenvolvimento na cadeia agroalimentar e deteriorando os direitos básicos das pessoas pobres.
A ActionAid Internacional continuará a fazer campanhas com seus parceiros para reformar as regras comerciais
injustas. Porém, mesmo que essas regras se tornassem mais justas, os desequilíbrios extremos de poder
entre os agricultores e as corporações ainda permaneceriam, prejudicando os esforços para aliviar a pobreza
e promover os direitos das pessoas, até que regulamentações eficazes fossem implementadas. O comércio
global de produtos agrícolas é controlado por um punhado de corporações poderosas e não pelos agricultores
ou pelos países. Os formuladores de políticas devem reconhecer que a concentração de poder de mercado
nessas companhias está desviando os benefícios do comércio das pessoas pobres do Sul para os donos
das corporações do Norte. Considerando que 70% das pessoas pobres do mundo vivem e trabalham em
áreas rurais e levando em conta os múltiplos benefícios que derivam de uma economia de pequena agricultura
próspera, essas tendências representam uma ameaça séria ao desenvolvimento sustentável e eqüitativo.
As empresas agroalimentares baseadas no Sul – algumas delas transnacionais – também têm um impacto
substancial nas pessoas pobres e no meio ambiente dos países em desenvolvimento. A ActionAid apóia reformas
nacionais para evitar que essas companhias degradem os direitos das pessoas. Porém, a legislação nacional
não pode enfrentar sozinha os desafios apresentados pela economia globalizada e as transnacionais requerem
uma atenção específica. As políticas públicas precisam ser atualizadas para enfrentar as realidades dos negócios
internacionais, onde as corporações jogam um país contra o outro, exploram os pontos fracos da legislação
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
trabalhista, ambiental, de saúde pública e de concorrência, declaram a maioria de seus lucros onde os impostos
são mais baixos e vendem produtos que foram banidos em países com leis mais estritas, enquanto aconselham
governos sobre as regras comerciais e de investimento que melhor lhes convêm.
A ActionAid acolhe com satisfação os passos dados por algumas companhias para melhorar seu desempenho
social e ambiental, através de códigos de conduta voluntários. Entretanto, a proteção dos direitos humanos e
do meio ambiente não pode ser deixada somente por conta da boa vontade empresarial. Embora a abordagem
voluntária da regulamentação corporativa tenha seus méritos, na prática tem se mostrado insuficiente. Há
inúmeros exemplos de empresas de ponta na questão da “responsabilidade social corporativa” que continuam
envolvidas em violações de direitos. Está claro que a abordagem voluntária precisa estar apoiada em padrões
mínimos, cujo cumprimento seja garantido por lei.
Os impactos negativos das corporações transnacionais nas comunidades pobres não são casos isolados
perpetrados por alguns “maus elementos”. Eles resultam de problemas sistêmicos e generalizados que requerem
novos mecanismos institucionais para a sua correção. Exigimos que os governos evitem a marginalização dos
pequenos produtores e dos trabalhadores rurais, reassumindo o controle dos mercados agroalimentares, com
metas de desenvolvimento favoráveis às pessoas pobres, garantindo que as transnacionais contribuam para a
implementação dos direitos humanos e ambientais, e trazendo-as para dentro do marco legal internacional.
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Liba Taylor/ActionAid Reino Unido /Mulheres processando óleo de palmeira em Gana.
Capítulo 2
Contexto: a subsistência
rural em crise
11
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
“Antes a gente comprava peixe ou carne um ou duas vezes por semana. Agora isso
acabou de vez. Não podemos nem mesmo pensar em comprar no dia do pagamento.
Deixamos de comprar verduras, que antes comprávamos a crédito para pagar no dia do
recebimento. Agora não podemos mais fazer isso. Não podemos diminuir o arroz porque
enche a barriga de todos, mas não temos mais como comprar verduras e feijão-guando”.
Chandran, trabalhador de uma fazenda de chá de Tamil Nadu, Índia, de propriedade da subsidiária
local da Unilever.1
Estima-se que 1,3 bilhão de pessoas trabalham na agricultura em todo mundo e outros 2,5 bilhões dependem
desse setor.2 Mais de 50% da população dos países em desenvolvimento trabalham na agricultura, uma cifra
que aumenta para 85% em alguns países mais pobres.3 A agricultura fornece a principal fonte de alimento e
renda para a maioria das pessoas pobres do mundo. Ela cumpre um papel crucial na luta contra a pobreza e a
fome, sendo essencial para assegurar os direitos básicos das pessoas. A agricultura tem também um grande
significado social, cultural e ambiental para as comunidades rurais. Ela tende a ser especialmente importante
para as mulheres, que têm a responsabilidade principal na alimentação de suas famílias. Estima-se que as
mulheres produzem de 60 a 80% dos alimentos plantados na maioria dos países em desenvolvimento.4
Há fortes evidências de que o crescimento da economia das pequenas propriedades é a maneira mais efetiva
de aliviar a pobreza rural. O aumento da renda dos pequenos agricultores reduz a pobreza na economia
como um todo e faz crescer a demanda local por bens e serviços, tais como transportes, construção e mãode-obra agrícola (IFAD 2001; Irz et al. 2001). Num documento de políticas de 2003, o Departamento para o
Desenvolvimento Internacional do governo do Reino Unido concluiu que “o crescimento na agricultura beneficia
mais as pessoas pobres... Nenhuma outra atividade econômica gera os mesmos benefícios para as pessoas
pobres”.5
Na maior parte dos países do Sul, a pequena agricultura deve cumprir um papel central em qualquer estratégia
eficaz de desenvolvimento nacional. Uma economia de pequena agricultura vigorosa, juntamente com uma
distribuição eqüitativa da terra, serve como pedra fundamental para o crescimento econômico mais amplo.
Poucos países desenvolveram economias industriais fortes sem anteriormente terem atingido um crescimento
da agricultura de pequena escala. A industrialização é uma meta importante, porém os formuladores de políticas
não devem ignorar a agricultura. Nos últimos 300 anos, quase todos os exemplos de redução da pobreza em
grande escala foram iniciados por aumento de renda resultante de uma produtividade mais alta das pequenas
propriedades agrícolas (Lipton 2004). Mesma nas histórias de sucesso dos países recém-industrializados do
Leste da Ásia, há uma característica comum: eles investiram desde o início no desenvolvimento rural e agrícola.6
Cresce o controle corporativo da agricultura
As tendências atuais da agricultura ameaçam sua capacidade de gerar esses benefícios múltiplos. A cadeia
agroalimentar – produção, comércio, manufatura e venda no varejo dos alimentos e dos produtos agrícolas
– está se tornando industrializada, globalizada e concentrada. Um pequeno número de transnacionais estão
na vanguarda dessa tendência. Elas conseguiram dominar os mercados agroalimentares globais e nacionais
(ver Boxe 2) e sua influência está transformando a agricultura em muitos países em desenvolvimento. Este
relatório mostra como essas tendências estão tendo o efeito de marginalizar profundamente os agricultores e
trabalhadores agrícolas e como a ausência de responsabilidade legal pelas atividades das transnacionais está
deteriorando os direitos das pessoas pobres.
A cadeia agroalimentar pode ser dividida em quatro atividades centrais (ver Figura 1). Um grupo de companhias
fornece os insumos agrícolas, como sementes e agroquímicos, aos agricultores. Outro grupo compra os
produtos dos agricultores e os vendem em todo o mundo para o terceiro setor, o dos processadores de
alimentos. O último elo da cadeia é formado pelas companhias que vendem alimentos de marca e produtos
alimentícios para os consumidores dos hemisférios Norte e Sul. Cada uma dessas atividades tem despertado
fortes críticas por causa de seus impactos sobre as comunidades pobres.
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12
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Figura 1: A cadeia agroalimentar
GENES
SEMENTES
INSUMOS QUÍMICOS
COMÉRCIO DE
ALIMENTOS E FIBRAS
PROCESSAMENTO
PRIMÁRIO
PROCESSAMENTO
POSTERIOR
MANUFATURA
SUPERMERCADOS
Corporações líderes
Syngenta
Monsanto
DuPont
Bayer
ADM
Louis Dreyfus
Bunge
Cargill
Nestlé
Kraft Foods
Unilever
PepsiCo
Wal-Mart
Carrefour
Metro
Tesco
Atividades centrais
produção de sementes e
agroquímicos
venda e processamento
básico de matérias-primas
processamento de
alimentos e bebidas
venda de alimentos no varejo
Questões principais
• controle da propriedade
intelectual
• promoção de tecnologias
inadequadas para os
agricultores pobres
• exclusão das alternativas
de agricultura sustentável
• uso do poder de mercado
para reduzir preços
• práticas de compra
injustas
• uso do poder de mercado
para reduzir preços
• estabelecimento de
padrões restritivos
• práticas de compra
injustas
• uso do poder de mercado
para reduzir preços
• estabelecimento de
padrões restritivos
• práticas de compra
injustas
Impactos-chave sobre os
agricultores
• perda do direito de
estocar e trocar sementes
• aumento dos custos de
insumos
• envenenamentos por
pesticidas
• ciclo de endividamento
• rendas mais baixas
• exposição a mercados
voláteis
• custos e riscos
repassados aos
produtores
• rendas mais baixas
• exclusão de mercados
• custos e riscos
repassados aos
produtores
• rendas mais baixas
• exclusão de mercados
• custos e riscos repassados
aos produtores
A CADEIA
AGROALIMENTAR
Um crescimento muito rápido das fusões, aquisições e alianças empresariais na indústria agroalimentar tem
ajudado a criar este conjunto de corporações poderosas. As transnacionais agroalimentares têm estado numa
farra de compras no Sul, adquirindo um grande número de empresas locais nos últimos anos.7 Elas formaram
novas redes globais, através de joint ventures (consórcios) e alianças informais com outras empresas da cadeia
– do genes à semente, passando pela produção, comércio e processamento, até a prateleira do supermercado
–, aumentando o seu poder de negociação e controle sobre o modo como os alimentos são produzidos e
distribuídos nos países em desenvolvimento (Busch, 2004).
Boxe 1
Como e por que as transnacionais agroalimentares aumentam de
tamanho e poder
Integração horizontal e vertical
As corporações agroalimentares vêm comprando empresas ou realizando fusões com outras companhias de
atividades similares na cadeia de fornecimento agroalimentar. A aquisição de um supermercado por outro é um
exemplo de “integração horizontal”. As transnacionais agroalimentares também compram empresas que operam
em diferentes etapas da cadeia – um processo conhecido como “integração vertical”. Isso ocorre, por exemplo,
quando uma empresa comercial que compra produtos de agricultores adquire uma outra que fornece sementes
e fertilizantes aos agricultores.
Coordenação horizontal e vertical
Uma tendência à “coordenação vertical” também está dando grande poder às corporações agroalimentares.
Avanços em logística e tecnologia da informação permitiram que as transnacionais coordenassem e
controlassem cadeias completas de fornecimento, através de alianças, redes e relações contratuais – sem a
fusão formal com outras firmas da cadeia. As transnacionais agroalimentares também formam alianças com
outras empresas que operam no mesmo estágio da cadeia de fornecimento, uma prática conhecida como
“coordenação horizontal”. Isso acontece, por exemplo, quando transnacionais compartilham tecnologias
patenteadas para consolidar seu controle dos mercados (ver Capítulo 3, item 3.1).
Tamanho é importante
O aumento de tamanho pode porporcionar muitos benefícios às empresas agroalimentares. Por exemplo,
pode criar barreiras à entrada de concorrentes no mercado, gerar economia de escala e reduzir os custos das
transações. Propicia inteligência meteorológica e mercadológica, controle da propriedade intelectual, assim como
acesso privilegiado às pessoas que tomam decisões. O tamanho também dá às corporações capacidade de
oferecer mais do que os agricultores e as empresas menores na disputa por recursos e idéias, de estabelecer
preços predatórios e de aumentar a fatia de mercado através de campanhas publicitárias luxuosas.8
13
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Boxe 2:
Concentração corporativa nos mercados agroalimentares nacionais e
globais (ver apêndice)
“Para quem quer comprar milho, realmente não há muita escolha, a não ser vir até nós”.
Bob Kohlmeyer, ex-gerente da Cargill9
1) Sementes e agroquímicos
•Seis corporações transnacionais – BASF, Bayer, Dow, DuPont, Monsanto e Syngenta – agora controlam de 75-80% do mercado global de pesticidas. Em 1994, eram 12 empresas.10
•DuPont e Monsanto, juntas, dominam o mercado mundial de sementes de milho (65%) e de soja (44%).11
•A Monsanto controlava 91% do mercado global de sementes geneticamente modificadas em 200112 e em dois anos (1997-1999) assumiu o controle de mais de 60% do mercado brasileiro de sementes de milho não-
modificadas.13
•A Bayer controla 22% do mercado de pesticidas da Índia.14
2) Comércio de commodities a granel
•Duas corporações dos EUA, Chiquita e Dole Foods, controlam quase 50% do comércio mundial de bananas.15
•Archer Daniels Midland (ADM), Barry Callebaut e Cargill dominam a indústria de processamento de cacau da Costa do Marfim, onde 95% da capacidade de processamento é controlada por transnacionais.16
•A Fyffes, a maior distribuidora de frutas e verduras frescas na Europa, é a única exportadora de bananas de Belize e Suriname.17
•Três empresas – ADM, Cargill e Zen Noh – controlam mais de 80% das exportações de milho dos EUA.18
3) Fabricação e processamento de alimentos
•As dez maiores companhias de processamento de alimentos são responsáveis por 37% das vendas das 100 maiores companhias industriais.19
•Três empresas controlam 85% do mercado mundial de chá e a Unilever é a maior fornecedora de chá do mundo.20
•A Nestlé estabeleceu um virtual monopólio no mercado de leite UAT no Paquistão21 e controla cerca de 80% da produção de leite do Peru.22
•Quatro empresas, incluindo Cargill e Tyson, controlam 81% da indústria de empacotamento de carne dos EUA.23
4) Venda de alimentos no varejo
•As 30 maiores empresas varejistas de alimentos são responsáveis por cerca de um terço das vendas de alimentos24 e as dez maiores venderam juntas US$ 649 bilhões em 2002.25
•A Wal-Mart controla 40% do setor varejista do México.26
•Atualmente, 36% de todas as vendas de alimentos na Tailândia são feitas através de varejistas transnacionais, sendo que a Tesco tinha 48 pontos de distribuição e vendeu US$ 1,2 bilhão em 2003.27
•Asda Wal-Mart, Safeway, Sainsbury e Tesco são responsáveis por 75% das vendas de alimentos no Reino Unido.28
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14
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Tabela 1: Lucros das corporações transnacionais agroalimentares (em US$ bilhões)29
EMPRESA
2003
2002
2001
2000
Wal-Mart
Empresa
2003
2002
2001
2000
Unilever
Lucros antes dos
impostos
12,3
10,4
9,9
8,3
Lucros antes dos
impostos
6,6
5,7
5
4,8
Rendimento sobre o
capital em ações*
22%
20%
22%
22%
Rendimento sobre o
capital em ações
13%
10%
7%
6%
Lucros antes dos
impostos
2,2
1,8
1,6
1,4
Lucros antes dos
impostos
3,2
3
2,3
Rendimento sobre o
capital em ações
14%
15%
14%
14%
Rendimento sobre o
capital em ações
21%
20%
13%
Lucros antes dos
impostos
2,6
2,2
2,2
Lucros antes dos
impostos
5
4,9
4
3,8
Rendimento sobre o
capital em ações
23%
17%
13%
Rendimento sobre o
capital em ações
30%
35%
30%
30%
Tesco
BAT
Carrefour
PepsiCo
Nestlé
DuPont
Lucros antes dos
impostos
6,2
6,2
5,2
5
Lucros antes dos
impostos
0,1
2,1
6,9
3,5
Rendimento sobre o
capital em ações
17%
22%
21%
21%
Rendimento sobre o
capital em ações
10%
12%
30%
17%
*Rendimento sobre o capital em ações é uma medida útil das margens de lucro de uma empresa. É calculada dividindo-se a renda líquida
da empresa pelo capital do acionista, de fato, a quantidade de dinheiro investido numa empresa pelos acionistas. Um rendimento sobre o
capital em ações de 20% indica que para cada US$ 1 investido na empresa, o acionista ganharia 20 centavos.
A crise da pequena agricultura
A Tabela 1 mostra que a cadeia agroalimentar é altamente lucrativa para as companhias que dominam a
indústria. Muitas delas são mais ricas do que os países onde operam. Em 2002, por exemplo, a Nestlé registrou
lucros maiores do que o PIB de Gana para o mesmo ano. Em 2003, os lucros da Unilever foram 30% maiores
do que o PIB de Moçambique, enquanto os lucros da Wal-Mart foram maiores do que as economias de Gana
e Moçambique juntas.30 No entanto, há um contraste extremo entre essas riquezas e as condições de vida
daqueles que produzem as matérias-primas que contribuem para a prosperidade das transnacionais. Na Ásia,
África e América Latina, centenas de milhões de agricultores e trabalhadores, com uma grande proporção de
mulheres, lutam para sobreviver com um ou dois dólares por dia. Cerca de 70% das pessoas pobres do mundo
vivem e trabalham em áreas rurais31 e a maioria continuará vivendo desse modo durante boa parte do século XXI
(IFAD, 2001).
Os preços mundiais de importantes produtos agrícolas estão numa tendência de declínio de longo prazo, com
conseqüências desastrosas para as comunidades rurais. Os preço do café, cacau, arroz, óleo de palmeira
e açúcar caíram 50% ou mais nas últimas duas décadas, e outras colheitas, como o trigo e o chá, também
registraram declínios acentuados.32 Se os preços das dez principais commodities tropicais tivessem aumentado
com a inflação nos últimos vinte anos, estima-se que somente em 2002 os países produtores teriam ganho a
mais US$ 242 bilhões (Robbins, 2003).
A crise das commodities é uma das causas principais da pobreza e fome nos países em desenvolvimento
(UNCTAD, 2002a). Com freqüência, os preços que os pequenos agricultores conseguem para suas colheitas
não cobrem os custos de produção, deixando agricultores e trabalhadores em dificuldades para alimentar
suas famílias. Aqueles países onde a agricultura constitui uma parcela grande do PIB, do emprego e da renda
de exportação apresentam os maiores níveis de subnutrição. Em geral, o número de famintos no mundo em
desenvolvimento aumentou de 34 milhões para 815 milhões de pessoas, entre meados dos anos 1990 e 2002 (FAO, 2004).
A crise causada pelos preços baixíssimos pagos aos produtores foi exacerbada por um aumento no custo dos
insumos agrícolas, tais como sementes, pesticidas, herbicidas e fertilizantes. A criação de sólidas regras globais
15
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
concedendo e protegendo direitos de propriedade intelectual sobre as variedades de plantas e sobre novas
tecnologias de sementes (como as GMs) tem permitido às transnacionais aumentarem os preços que cobram
por esses produtos. Ao mesmo tempo, a remoção dos subsídios estatais aos insumos agrícolas nos países em
desenvolvimento também aumentou os custos do agricultor. Os pequenos agricultores, que produzem para
mercados comerciais, estão esmagados entre o custo e o preço: as empresas podem cobrar preços mais altos
pelos insumos agrícolas e ao mesmo tempo pagar preços menores pelos produtos dos agricultores.
Contrariamente à lógica econômica, o declínio de rendimentos dos agricultores não leva ao abandono da
agricultura, o que resultaria numa queda da produção total e num aumento correspondente dos preços no
produtor. Os pequenos agricultores os agricultores marginais estão relativamente presos a seus mercados. Não
é barato nem fácil colocar e retirar a terra da produção ou modificar as colheitas. Uma propriedade que planta
cacau, por exemplo, não pode facilmente passar a plantar milho ou verduras.33 Como conseqüência, muitos
pequenos agricultores respondem aos preços baixos produzindo mais ainda, para obter os mesmos resultados.
Ao mesmo tempo, os pequenos produtores agrícolas dos países em desenvolvimento têm poucas alternativas
para garantir sua sobrevivência. Aleyamma é uma pequena plantadora de chá de Nilgiris, em Tamil Nadu, Índia
e sua história é típica: “Antes de plantar chá, plantava mandioca e inhames. Podia alimentar minha família”, disse
ela. Porém, os preços do chá entraram em colapso, deixando-a “realmente numa enrascada”.
“Não temos condições de abandonar o chá”, diz ela. “Foi um investimento enorme. E
agora que minhas terras estão todas plantadas com chá, não há espaço para produzir
nenhum alimento. Agora meus netos comem menos do que comiam meus filhos, nos
primeiros tempos de nossa luta aqui.”34
Esta crise da agricultura não está restrita ao Hemisfério Sul. É um problema global, que afeta os produtores
e trabalhadores dos países desenvolvidos, onde todos os anos milhares de pequenos produtores rurais e
agricultores familiares decretam falência. As rendas agrícolas no Reino Unido caíram 40% nos últimos 30 anos
e cerca de 87.000 agricultores e trabalhadores agrícolas abandonaram o setor, entre 1993 e 2001.35 A França
perdeu a metade de seus agricultores nos últimos 20 anos36 e, no Canadá, a renda líquida agrícola baixou a
níveis semelhantes ao dos tempos da Depressão.37
Boxe 3
Três mundos rurais38
As desigualdades sociais e econômicas estão crescendo entre cerca de 2,5 bilhões de pessoas cuja subsistência
depende da agricultura em todo mundo. As políticas governamentais tendem a encarar as populações rurais
como homogêneas ou a favorecer os agricultores mais abastados. Muitas vezes essas políticas não enxergam
as enormes disparidades que existem entre os três “mundos rurais” aqui descritos. Apesar das tendências
divergentes, o mundo rural 3 está intimamente ligado aos mundos rurais 1 e 2, e constitui uma grande parcela da
força de trabalho agrícola.
O mundo rural 1 é composto dos agricultores ricos e industrializados que:
• estão ligados aos mercados globais, através de contratos com os agronegócios
• têm acesso privilegiado aos recursos
• utilizam métodos de produção intensivos em capital e insumos
O mundo rural 2 está constituído dos pequenos agricultores e dos agricultores familiares que:
• enfrentam rendimentos declinantes e riscos crescentes
• são carentes de capital, informação e recursos
• são vulneráveis às forças da globalização
O mundo rural 3 está composto pelos agricultores de subsistência e trabalhadores sem-terra que:
• são trabalhadores sazonais, migrantes ou familiares
• têm pouca ou nenhuma terra
• carecem de educação e capacitação, e têm poucas alternativas de sobrevivência
• constituem quase quatro quintos das pessoas famintas do mundo
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
16
Muitos fatores desencadearam a crise na pequena agricultura
Uma inter-relação complexa de fatores causou a crise na pequena agricultura. Nas últimas duas décadas, o
Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) forçaram
a liberalização comercial nos países em desenvolvimento, intensificando a competição global na agricultura.39
Essas instituições também pressionaram os governos do Sul para que retirassem apoio aos agricultores,
deixando-os mais expostos às forças do mercado global e vulneráveis à pobreza – especialmente nas áreas
mais pobres e mais remotas.40 A crônica oferta excedente de muitas mercadorias agrícolas – em parte causada
pelo subsídios aos agricultores no Norte, políticas dos doadores e o fim dos acordos globais de commodities
–, tem rebaixado os preços pagos aos produtores agrícolas, enquanto a introdução de novas tecnologias
tem aumentado alguns tipos de produção e, portanto, incrementado a oferta. Entretanto, essas tecnologias
geralmente têm sido orientadas para a agricultura em larga escala e tendem a ser inacessíveis os produtores
pobres.41
Concentração corporativa
No entanto, outra causa importante da crise da agricultura, quase sempre ignorada pelos formuladores de
políticas, é a concentração do poder de mercado nas mãos de um pequeno número de empresas transnacionais
agroalimentares. Afirma-se que os mercados estão “concentrados” quando são dominados por um pequeno
número de companhias. A concentração permite que as empresas dominantes possam usar e abusar de seu
poder para extrair lucros exorbitantes dos outros participantes do mercado, por exemplo, ao forçarem a redução
dos preços pagos aos produtores ou ao expulsarem outras companhias do mercado.42
Boxe 4
Principais fatores que levaram à concentração das transnacionais
agroalimentares e à sua dominação dos mercados do Hemisfério Sul
Programas de ajuste estrutural: em muitos países em desenvolvimento, o Banco Mundial, o FMI e outros
doadores de ajuda exigiram que os governos se retirassem da pesquisa agrícola, produção, extensão e
comercialização, permitindo a entrada de atores privados em busca de lucros, inclusive empresas transnacionais.
Embora isso tenha eliminado algumas ineficiências, em muitos casos os monopólios públicos foram substituídos
por monopólios privados, contrários à concorrência.43
Liberalização do comércio e dos investimentos: nas últimas duas décadas, os países em desenvolvimento
reduziram suas barreiras ao comércio e ao fluxo de investimentos, em grande parte como condição para
receberem ajuda. Embora a liberalização possa melhorar a concorrência, permitindo que novos produtos e
empresas entrem nos mercados locais, também pode estimular a concentração do poder de mercado entre
um pequeno número de empresas globais dominantes, o que permite que estas distorçam os mercados.44 A
concorrência mais livre provavelmente trará benefícios maiores para as transnacionais do Norte, pois estas estão
mais bem equipadas do que as firmas locais para tirar vantagem das oportunidades de negócios.45
Políticas de concorrência: os formuladores de políticas tendem a encarar as empresas grandes como
intrinsecamente mais eficientes e mais competitivas nos mercados mundiais e têm mostrado relutância em
contestar fusões e aquisições. Assim, as corporações têm crescido, aumentando a concentração, o potencial
para distorções de mercado e o poder das elites corporativas.46
Direitos de propriedade intelectual (DPIs): a proteção dos direitos de propriedade intelectual sobre novas
variedades de plantas e sementes tornou-se uma parte integral da indústria de insumos agrícolas. No entanto,
DPIs como os dos melhoristas de plantas47 e os de donos de patentes são excessivamente amplos, durando até
20 anos e, em alguns casos, permitindo a propriedade de toda uma espécie de planta. Isto restringe o número
de participantes no mercado e estimula a concentração da indústria.48 O controle de marcas registradas e
patentes também levanta barreiras à competição nas indústrias de fabricação de alimentos e de vendas a varejo,
permitindo que as empresas dominantes concentrem capital fora da propriedade rural e fora do Sul.49 Os direitos
de propriedade intelectual são justificados como incentivo aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento,
porém na prática têm sido mais um meio de evitar a concorrência.
Estratégia corporativa: a intensa competição e saturação de mercado no Norte têm estimulado a expansão das
empresas agroalimentares para os mercados do Sul, em busca de maiores margens de lucro e vendas, assim
como de fontes de mão-de-obra e matérias-primas mais baratas.50
17
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
A ActionAid reconhece que os investimentos feitos pelas transnacionais agroalimentares podem reduzir
a pobreza, quando são planejados e administrados de forma adequada, apoiando as metas nacionais de
desenvolvimento. No entanto, em vez de ajudar a promover economias agrícolas vigorosas, as empresas
transnacionais agroalimentares estão, em muitos casos, exercendo seu poder de mercado para impulsionar
características contrárias ao desenvolvimento na cadeia agroalimentar. Nós mostramos como o esforço
das transnacionais para aumentar os valores para o acionista e o consumidor está levando à transferência
perversa de riqueza das comunidades rurais no Sul, assim como à marginalização dos pequenos agricultores e
trabalhadores rurais.
O uso e abuso de poder de mercado não é a única prática corporativa que está degradando os direitos
das pessoas. As comunidades rurais sofrem muitas outras violações de direitos resultantes das operações
das transnacionais agroalimentares. Entre essas violações, estão deslocamentos forçados, a utilização de
trabalho infantil e o envenenamento por pesticidas. No entanto, as empresas privadas não são totalmente
responsabilizadas por esses abusos, colocando em risco comunidades vulneráveis e deixando as pessoas
afetadas com poucas esperanças de obter justiça.
Os problemas destacados a seguir resultam não somente do uso e abuso do poder corporativo, como
também da ausência de ações contrárias por parte dos governos, para reassumir o controle dos mercados
agroalimentares e obter resultados mais eqüitativos. O resultado tem sido o aumento do tamanho das
corporações e da concentração do poder de barganha junto aos pequenos agricultores e trabalhadores rurais.
Considerando os benefícios de uma pequena agricultura próspera, isso representa uma ameaça séria ao
desenvolvimento sustentável. Contudo, a inação dos governos e a regulamentação voluntária não vão coibir os
efeitos danosos das multinacionais agroalimentares sobre o desenvolvimento rural e os direitos das pessoas. As
evidências apresentadas nesse relatório mostram de forma convincente a necessidade de regulamentos legais
compulsórios para essas corporações. O relatório mostra que é preciso ação urgente para:
• retomar o controle dos mercados agroalimentares, com metas de desenvolvimento que favoreçam as
pessoas pobres
• responsabilizar legalmente as transnacionais por seus impactos nos direitos humanos e no meio
ambiente.
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Foto AFP/Jornal La Republica/Caixões de 24 crianças que morreram envenenadas por pesticida no Peru.
Capítulo 3
Seis motivos para regulamentar
as empresas agroalimentares
19
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
“Embora as corporações transnacionais controlem cada vez mais o nosso sistema
alimentar, há ainda relativamente poucos mecanismos em funcionamento para garantir
que respeitem os padrões e não violem os direitos humanos”. Jean Ziegler, Relator Especial
da ONU para o Direito à Alimentação, 2003.51
O uso e abuso irrestrito do poder corporativo está marginalizando a pequena agricultura e privando as pessoas
pobres de direitos básicos à alimentação, meios de sobrevivência, saúde e educação. Há muitas razões para
que os governos precisem regulamentar as corporações agroalimentares e este relatório destaca seis delas.
As três primeiras explicam por que os mercados agroalimentares precisam ser controlados, com metas de
desenvolvimento favoráveis às pessoas pobres, enquanto as três últimas descrevem como as empresas
precisam ser responsabilizadas legalmente por seus impactos negativos nos direitos humanos e no meio
ambiente.
Três motivos para reassumir o controle dos mercados
1.as corporações transnacionais usam e abusam do seu poder de mercado para drenar riquezas das comunidades pobres
2.as transnacionais pagam preços baixos e retêm os valores resultantes
3.as transnacionais marginalizam os pequenos agricultores e trabalhadores rurais
Três motivos para responsabilizar legalmente as empresas
1. as corporações transnacionais não são responsabilizadas inteiramente por seus impactos nos direitos humanos e no meio ambiente
2. a responsabilidade social corporativa é opcional e insuficiente
3.as pessoas prejudicadas pela atividade corporativa não têm acesso à justiça
3.1 As corporações transnacionais usam e abusam de seu poder de
mercado para drenar riquezas das comunidades pobres
“Somos a farinha no trigo, o trigo no seu macarrão, o sal nas suas batatas fritas. Somos
o milho na sua tortilha, o chocolate na sua sobremesa, o adoçante no seu refrigerante.
Somos o azeite no molho da sua salada e a carne de boi, porco ou galinha que você
come no jantar. Somos o algodão da sua roupa, o reverso do seu tapete e o fertilizante
da sua plantação”. Cargill, transnacional de comércio de commodities, folheto institucional, 2001.52
Os mercados agroalimentares globais são altamente concentrados (ver Boxe 2) – um fato “inquestionável”, de
acordo com o governo do Reino Unido.53 A concentração em nível global pode aumentar a concentração nos
mercados nacionais. Por exemplo, uma onda de megafusões internacionais na indústria de insumos agrícolas
(ver Tabela 2) reduziu dramaticamente o número de empresas na Índia e deu às transnacionais uma escala
maior de operações para desafiar as empresas locais.54 Nos mercados de mercadorias a granel, as companhias
nacionais de comércio exterior e exportação praticamente desapareceram em muitos países e tornaram-se
subsidiárias ou agentes das transnacionais, de acordo com a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e o Desenvolvimento).55
Embora os dados nacionais sobre a parcela de mercado controlada pelas transnacionais agroalimentares nos
países em desenvolvimento sejam esparsos, as evidências sugerem que os agricultores que fornecem aos
mercados domésticos também estão enfrentando níveis altos de concentração corporativa.56 Os supermercados
e as companhias de processamento globais estão se deslocando rapidamente para os países de baixa e média
renda, criando estruturas de mercado nacional similares àquelas dos mercados exportadores, assim como
trazendo modelos de negócios que excluem dos mercados os produtores mais pobres (ver item 3.3).57
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
20
A concentração do mercado não leva necessariamente ao abuso de poder de mercado, porém, as companhias
líderes em qualquer setor concentrado invariavelmente utilizam sua posição dominante para desviar riqueza e
recursos dos participantes menores para si próprias. Nas palavras de um analista de negócios, a concentração
corporativa “leva a uma transferência de poder e recursos financeiros dos consumidores, contribuintes e
pequenas empresas para uma pequena elite empresarial”.58
Uma abordagem de não interferência na crescente concentração das transnacionais por parte dos governos
no Norte e regulamentação débil no Sul aumentaram as oportunidades para as transnacionais exercitarem seu
poder de mercado. Os casos são difíceis de se provar e os países em desenvolvimento estão mal equipados
para investigar essas empresas. No entanto, há evidências suficientes de abusos para que as autoridades
regulatórias tomem medidas que contenham os danos causados às comunidades agrícolas. As empresas
transnacionais agroalimentares usam e abusam de seu poder de mercado de várias maneiras. Por exemplo:
• rebaixando os preço dos produtores
• aumentando os preços dos insumos
• compartilhando tecnologias patenteadas
• eliminando concorrentes
• utilizando práticas injustas de compra
• formando cartéis para fixação de preços
A concentração corporativa rebaixa os preço dos produtores
“Temos um sistema no qual meia dúzia de empresas estão estrangulando os produtores.
A cada ano elas criam uma nova maneira de apertar ainda mais os produtores”.
Helio Friedricha, vereador na região de cultivo de fumo do Rio Grande do Sul.59
Os níveis crescentes de concentração na cadeia agroalimentar significam que os agricultores estão vendendo
seus produtos a um número cada vez menor de empresas. E isso dá a elas enorme poder de barganha sobre
os produtores, possibilitando que reduzam os preços pagos ao produtor. As pesquisas mostram que as
transnacionais agroalimentares exercem seu poder de mercado através de agressivas negociações de preços,
compras em volume e jogando um produtor contra o outro (Vorley, 2003; Dobson et al., 2003; Oxfam, 2004). Isso
força os pequenos agricultores a aceitarem preços inferiores ao que teriam em mercados com estrutura mais
competitiva e a cortarem investimentos que necessitariam realizar em suas propriedades (UNCTAD, 2003).
A drenagem de riqueza das comunidades rurais
A economia que as empresas fazem pagando aos produtores preços inferiores aos competitivos é mantida como
lucro ou repassada aos consumidores para aumentar sua participação no mercado em relação aos concorrentes.
Portanto, as transnacionais agroalimentares estão usando seu poder de compra concentrado para transferir
riquezas dos agricultores e das comunidades rurais para os proprietários das empresas e para os consumidores
urbanos – dos países pobres para os ricos.
Na África Ocidental, por exemplo, estudos recentes mostram que a concentração corporativa tem permitido
que as transnacionais de comércio exterior reduzam os preços que pagam aos pequenos produtores de cacau.
Corporações como ADM, Barry Callebaut e Cargill controlam mais 95% da capacidade de processamento
do cacau da Costa do Marfim60 e mais de 90% das exportações do produto.61 Evidências econométricas,
apresentadas por Wilcox e Abbott (2004), mostram que os compradores corporativos estão exercendo seu poder
de mercado contra os plantadores de cacau da Costa do Marfim. O estudo também revelou que as empresas
de comércio exterior também exercem poder de mercado para cobrar mais pelo cacau que fornecem aos
fabricantes de chocolate, o que tem aumentado a diferença entre os preços pagos ao agricultor e os preços no
varejo dos produtos de cacaux62 (ver item 3.2). Os pesquisadores concluíram que “as rendas agrícolas seriam
mais elevadas se esses mercados fossem mais competitivos” (Wilcox e Abbott, 2004).63
Uma concentração crescente na etapa de varejo da cadeia de fornecimento também está forçando a redução
dos preços no produtor. Um exemplo marcante do poder de compra dos supermercados é apresentado
na Figura 2. O supermercado Asda Wal-Mart, do Reino Unido, utilizou seu poder de barganha junto aos
fornecedores para negociar uma redução de preço das bananas em 2002 e, em seguida, baixou o preço do
21
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
quilo da fruta no varejo britânico de £ 1,08 para £ 0,94. Outros supermercados seguiram esse exemplo e exigiram
cortes profundos nos preços de seus fornecedores. Em 2004, as bananas eram vendidas por £ 0,74 o quilo
nos supermercados britânicos. Esta fruta é uma fonte de sobrevivência crucial para milhões de produtores e
trabalhadores da América Latina e do Caribe. No entanto, pesquisa realizada pelo grupo de campanhas Banana
Link mostra que com preço de varejo a £ 0,81 por quilo fica inviável pagar o preço mínimo legal pela caixa
de bananas aos plantadores da Costa Rica e, por sua vez, fica impossível para os plantadores pagar a seus
trabalhadores o salário mínimo legal.64
O estágio comercial da cadeia da banana é também altamente concentrado. Somente cinco companhias
– Chiquita, Del Monte, Dole, Fyffes e Noboa – controlam mais de 80% do mercado global.65 De acordo com a
UNCTAD, estas companhias “são capazes de exercer seu poder de mercado em vários ou mesmo em todos os
estágios da cadeia de comercialização da banana”.66 Somente cerca de 12% do preço de varejo fica nos países
produtores, embora seja muito pequeno o processamento fora da propriedade agrícola ou plantação. Para cada
£ 1,00 que o consumidor britânico gasta em bananas equatorianas, cerca de 40 centavos de libra vão para os
supermercados, enquanto os trabalhadores da fazenda recebem somente 1,5 centavo.67
Atualmente, estima-se que o comércio entre as transnacionais represente aproximadamente 60% de todos os
fluxos comerciais do mundo, refletindo o crescimento do comércio entre as próprias empresas.68 Esta tendência
pode criar pressões para a redução dos preços pagos aos agricultores. A utilização de métodos comerciais que
não envolvem dinheiro, tais como os contratos de trocas de produtos nessas cadeias privadas ou “fechadas”,
reduz a capacidade de os mercados “descobrirem” qual deve ser o preço dos produtos agrícolas no mercado
aberto. Isto tem aumentado a vulnerabilidade dos agricultores à manipulação de preços, pois estes passam a ser
decididos pelos funcionários das empresas (Murphy, 2002).
O poder do comprador
Quanto maior for o varejista, mais capacidade terá de conseguir preços mais baixos dos fornecedores. Este foi
um dos resultados da investigação da Comissão de Concorrência do Reino Unido no setor de supermercados
britânicos, em 2000.69 Os dados da Comissão revelaram um forte vínculo entre a fatia de mercado dos varejistas
e sua capacidade de exercer seu poder de compra (ver Figura 2). O maior supermercado, nesse caso o Tesco,
pagava consistentemente a seus fornecedores 4% abaixo da média da indústria, enquanto supermercados
menores pagavam acima da média.
Preço pago ao fornecedor em relação à média (%)
Figura 2: o impacto do poder de compra dos supermercados sobre os preços pagos aos produtores
106
104
102
100
98
96
94
0
5
10
15
20
25
Participação relativa no mercado (%)
Fonte: Vorley, B (2003). Dados da Comissão de Concorrência do Reino Unido (2000), apêndice 7.2. Aplica-se às cinco linhas principais de produtos dos
fornecedores.
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22
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Os governos têm a responsabilidade de prevenir o mau uso do poder de mercado que prejudica os setores
vulneráveis da sociedade. Contudo, as autoridades encarregadas da concorrência tendem a fazer vista grossa
ao poder do comprador, especialmente quando a redução dos preços pagos ao produtor é repassada aos
consumidores, na forma de alimentos mais baratos. No entanto, na maior parte da cadeia agroalimentar, a
riqueza extraída das áreas rurais, através do exercício do poder de compra, não é transmitida aos consumidores
(ver itemo 3.2). Os consumidores também saem perdendo quando o poder do comprador força os produtores
a cortar investimentos em suas propriedades, o que reduz tanto a qualidade do produto quanto a margem de
escolha do consumidor (UNCTAD, 2003; Dobson et al., 2003). A ActionAid exige que as autoridades regulatórias
reexaminem as políticas de concorrência e confrontem o problema do poder de compra nos mercados
agroalimentares (ver Capítulo 4).
A concentração corporativa aumenta os preços dos insumos agrícolas
“A velocidade da concentração no setor levanta sérias questões em relação à
competição. Há riscos consideráveis para a segurança alimentar, se as tecnologias
estão tão caras que excluem os pequenos agricultores, ou se não existe fonte alternativa
de novas tecnologias, especialmente no setor público”. Comissão sobre os Direitos de
Propriedade Intelectual, 2002.70
Os agricultores também enfrentam mercados altamente concentrados quando compram insumos agrícolas,
especialmente sementes e agroquímicos comerciais, como pesticidas e herbicidas (ver Tabela 2). Os custos
desses insumos têm aumentado nos anos recentes, pressionando os agricultores comerciais dos dois lados:
pagam mais às companhias agroalimentares por seus insumos, porém recebem menos dos compradores por
seus produtos. Antes que os mercados agrícolas nos países em desenvolvimento fossem liberalizados, muitos
agricultores dependiam de apoio governamental para obter os agroquímicos. Agora, que esses subsídios foram
reduzidos ou totalmente eliminados, aumentaram os custos desses insumos para os agricultores. Ao mesmo
tempo, as regras da OMC sobre os direitos de propriedade intelectual facilitaram a concentração da indústria de
sementes comerciais71. As regras da OMC também significaram que novas sementes comerciais fossem quase
sempre mais caras do que as variedades tradicionais, pois permitem que as companhias cubram o pagamento
de royalties e façam contratos restritivos com os agricultores, envolvendo colheitas protegidas.72
Tabela 2: Doze transnacionais agroquímicas ficam reduzidas a seis
Início de 1994
Bayer (Alemanha)
Hoechst (Alemanha)
Schering (Alemanha)
Rhône-Poulenc (França)
Ciba Geigy (Suíça)
Sandoz (Suíça)
Zeneca (Reino Unido)
BASF (Alemanha)
Cyanamid (EUA)
DowElanco (EUA)
DuPont (EUA)
Monsanto (EUA)
1997
1999
Bayer
AgrEvo
AgrEvo
Rhône-Poulenc
AgrEvo
Aventis
Aventis
Novartis
Novartis
Zeneca
Novartis
Novartis
AstraZeneca
Syngenta
BASF
Cyanamid
DowElanco
BASF
Cyanamid
Dow
BASF
Dow
DuPont
DuPont
DuPont
Monsanto
Monsanto
Monsanto
Fonte: Dinham, B ‘Corporations and pesticides’ (Corporações e Pesticidas) – no prelo.
2000-2003
Bayer
23
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Direitos de propriedade intelectual geram aumento de preços das sementes
Uma pesquisa de campo realizada na Índia em 2002-2003 revelou que os agricultores que utilizavam as
sementes de algodão Bt da Monsanto, geneticamente modificadas, pagavam entre 200% a 300% a mais do que
pelas variedades tradicionais. Os produtores do distrito de Nalgonda, em Andhra Pradesh, pagavam até 1.600
rupias por um pacote de 450g de sementes de algodão Bt, dos quais 1.200 rupias correspondiam a pagamento
de royalties. Em comparação, um pacote de sementes tradicionais de algodão custava de 450 a 500 rupias.
Apesar dos altos custos, algumas sementes Bt apresentaram produtividade inferior à das variedades locais.73
Uma pesquisa de acompanhamento realizada em 2003-2004, com 164 plantadores de algodão em 27 aldeias de
Andhra Pradesh, revelou uma pequena redução no uso de pesticidas entre os plantadores de sementes Bt. No
entanto, para os pequenos e médios agricultores, a diferença de rendimento era desprezível. Por pagarem preços
mais altos pelas sementes Bt e gastarem mais no seu cultivo, os pequenos e médios agricultores ganhavam em
média menos 1.526 rupias (US$ 35) por acre do que aqueles que utilizavam sementes tradicionais.74 No entanto,
a Monsanto alega que os usuários do algodão Bt em Andhra Pradesh tiveram uma redução substancial no uso
de pesticidas e rendimentos mais altos.75
Agricultores ficam endividados
Em geral, as sementes comerciais estão vinculadas por contratos a caros pesticidas, herbicidas e outros
agroquímicos produzidos pela mesma empresa. Sem esses químicos, as colheitas não crescem ou produzem
menos. Muitas vezes os pequenos agricultores precisam conseguir empréstimos para adquirir esses pacotes de
insumos e ficam vulneráveis a dívidas, quando não se concretiza o esperado aumento de rendimento. Na África
do Sul, por exemplo, o grupo de advocacy Biowatch relatou que em 2004 pequenos plantadores de algodão Bt
na planície de Makhathini, em Kwa-Zulu Natal, estavam tendo problemas de endividamento, após terem adquirido
um pacote promovido pelas empresas, incluindo créditos, sementes geneticamente modificadas, fertilizantes,
pesticidas e assessoria técnica da Vunisa – parceira local da Monsanto. Credores do paraestatal Land Bank
disseram que 2.390 agricultores deviam US$ 3,3 milhões em empréstimos – uma média per capita de US$ 1.390
e uma quantia paralisante para um pequeno agricultor.76 Ao mesmo tempo, a Monsanto afirma que o algodão Bt
trouxe benefícios para os pequenos agricultores de Makhathini.
Tabela 3: Quatro empresas controlam os mercados globais de sementes e agroquímicos
Semente de milho (exclui a China)
Semente de soja
Agroquímicos
Monsanto
38%
29%
11%
DuPont
27%
15%
6%
Syngenta
7%
4%
19%
Dow
5%
1%
10%
Total
77%
49%
46%
Fonte: Grupo ETC (2003). “Oligopoly Inc. – concentration in corporate power: 2003”.
Outras práticas anticompetitivas na indústria de insumos agrícolas
A expansão global das regras da OMC sobre direitos de propriedade intelectual está dando às corporações um
controle sem precedentes sobre a oferta de alimentos do mundo. Com a manipulação de somente um gene de
um organismo vivo, uma companhia pode ter a propriedade exclusiva de uma variedade de planta e, em alguns
casos, de toda uma espécie de planta.77 As patentes de tecnologias agrícolas duram de 17 a 20 anos, permitindo
que as corporações transnacionais impeçam a concorrência, fixem preços e monopolizem mercados inteiros de
sementes produzidas comercialmente.78
Os direitos de propriedade intelectual são concebidos para dar incentivos ao investimento em pesquisa e
desenvolvimento, resultando em inovações. No entanto, os direitos de propriedade intelectual sobre produtos e
processos são excessivamente pesados e podem ter o efeito de:
• sufocar a inovação
• restringir a concorrência
• impulsionar a concentração na indústria79
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
24
Atualmente, somente seis empresas controlam 74% de todas as patentes dos EUA sobre tecnologias agrícolas,
o que indica o nível de concentração do setor.80 No entanto, controles legais excessivos sobre essas tecnologias
podem sufocar a pesquisa na indústria. Pesquisadores seniores do setor público afirmam que as patentes sobre
os principais genes de plantas e sobre tecnologias constituem uma “barreira significativa” ao desenvolvimento
de novas colheitas, especialmente de colheitas de subsistência.81 Quando pesquisadores do setor público suíço
quiseram desenvolver arroz enriquecido com vitamina A, descobriram que existiam 70 patentes de propriedade
de 32 empresas e universidades sobre os principais genes envolvidos no desenvolvimento do chamado “arroz
dourado”. Depois de encontrar dificuldades com as complexidades criadas por esse emaranhado de patentes, os
pesquisadores terminaram fazendo um acordo com um dos principais proprietários das patentes, Astra-Zeneca
(atualmente Syngenta) em 2000, para poder avançar com a pesquisa que estava paralisada (Comissão sobre
Direitos de Propriedade Intelectual, 2002). Quaisquer que fossem os méritos dessa controvertida tecnologia dos
organismos geneticamente modificados, essas patentes representavam uma barreira substancial à inovação.
Cooperação corporativa
De acordo com um analista sênior da indústria de alimentos, “entre as principais empresas da indústria, a
cooperação está se tornando tão comum quanto a competição”.82 O Grupo ETC, uma organização de interesse
público com sede no Canadá, documentou uma tendência de as corporações trocarem e compartilharem
suas patentes sobre as principais tecnologias, para reforçar seu controle sobre os mercados agroalimentares.
Na verdade, essas empresas estão estabelecendo “cartéis globais de tecnologia” que são ignorados pelas
autoridades que regulam a concorrência ou ficam fora do escopo da autoridade regulatória.83 Por exemplo, em
2002, a DuPont e a Monsanto chegaram a um acordo para desistirem de suas disputas judiciais envolvendo
patentes. No lugar disso, fizeram um intercâmbio de tecnologias patenteadas importantes para milho, colza e
soja geneticamente modificados.84 Pat Mooney, diretor do Grupo ETC, comentou que o acordo “parece estimular
as duas empresas a expandirem o uso das tecnologias existentes, no lugar de inventar novas tecnologias” e que
“diminui o número dos participantes principais de cinco para quatro. Isso significa menos margem de escolha e
menos inovação pelo mesmo preço ou por preço mais alto”.85
Eliminação da concorrência
No entanto, as empresas agroalimentares nem sempre optam por relações comerciais confortáveis. Em julho
de 2004, a Syngenta, a maior empresa agroquímica do mundo, entrou com uma ação contra a Monsanto, a
principal companhia na área de sementes geneticamente modificadas. Na sua queixa, a Syngenta alega que
a Monsanto “tem o monopólio de todas as características biotecnológicas do milho no mercado dos EUA” e
que a empresa “mantém um monopólio ilegal e impróprio” da cadeia de fornecimento de sementes de milho
geneticamente modificadas utilizadas por agricultores de todo os EUA.86 A Syngenta alega que, desde a década
de 1990, a Monsanto tem sustentado e aumentado seu poder monopolista com uma série de “táticas de coerção
e de acordos comerciais exclusivos” com 300 companhias de sementes dos EUA, concebidos para “eliminar
a concorrência do mercado de sementes geneticamente modificadas”.87 A Monsanto sustenta que essas
alegações não possuem nenhum mérito.
É improvável que este seja um caso isolado. Um estudo do Banco Mundial previne que “com a crescente
dependência do sistema de patentes para proteger os produtos agrícolas, o sistema de preços monopolistas
pode muito bem tornar-se um motivo de séria preocupação no futuro”.88 Tendo em vista essas preocupações, a
ActionAid exige que os governos reformem os direitos de propriedade intelectual e assegurem que não haverá
patentes sobre plantas e sementes.
25
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Boxe 5
O poder político das transnacionais agroalimentares
“Graças à sua influência política, as grandes empresas do agronegócio lotam o
Departamento de Agricultura dos EUA com indicações de pessoas que têm um
histórico de trabalho na indústria, de lobby a seu favor ou de realização de pesquisas e
outras tarefas em seu benefício. Essas pessoas ajudaram a implementar políticas que
soterram a missão regulatória do Departamento em favor dos interesses financeiros do
agronegócio”. Philip Mattera, analista da indústria, em USDA Inc. (2004).
O poder político vem junto com o poder econômico. Atualmente, as corporações agroalimentares exercem uma
enorme influência sobre as pessoas que tomam decisões, de Washington ao parlamento ganense. O Relator
Especial da ONU para o Direito à Alimentação afirma que “como grupos de lobby financeiramente poderosos, as
corporações podem exercer grande controle sobre leis, políticas e padrões aplicados em suas indústrias, o que
pode resultar em uma regulação mais frouxa e impactos negativos sobre a saúde, a segurança, os preços e a
qualidade do alimento”.89
As empresas transnacionais agroalimentares têm ampla influência sobre a formulação de políticas públicas nos
países em desenvolvimento. Por exemplo, em Gana, a Unilever tornou-se um pilar central da economia nacional
e o governo conduz a política econômica com referências específicas à estratégia empresarial da companhia.
Como dizia o ex-ministro da Fazenda, JH Mensah, “conceber um plano nacional sem saber quais são as
intenções de investimento da Unilever para os próximos três anos é apenas um exercício de fantasia”.90
Em muitos países em desenvolvimento, as companhias agroalimentares nacionais utilizam suas redes comerciais
e sociais para influenciar diretamente as autoridades. Executivos do grupo Charoen Pokphand (CP), empresa
agroalimentar tailandesa com alcance transnacional, por exemplo, têm acesso de alto nível ao governo tailandês.
O diretor da CP Foods, Pong Visedpaitoon, atua como conselheiro na Comissão Governamental de Agricultura e
Cooperativas, enquanto o presidente Monti Congrakultien do Grupo Empresarial para a Integração das Colheitas,
pertencente ao grupo CP, é também membro da Diretoria do Banco da Agricultura e Cooperativas da Tailândia,
que fornece créditos aos agricultores pobres.91
Há um movimento de “entra-e-sai” entre as burocracias governamentais e as corporações agroalimentares.
No caso mais famoso, Dan Amstutz, um ex-vice-presidente da Cargill, ficou conhecido por escrever a versão
preliminar da proposta dos EUA para colocar a agricultura sob a jurisdição das regras do comércio internacional,
enquanto ocupava o posto de Representante de Comércio dos EUA. A proposta tornou-se o Acordo sobre
a Agricultura da OMC. Depois de ocupar seu posto governamental, Amstutz voltou a trabalhar no comércio
internacional de grãos.92 Da mesma forma, um pequeno número de companhias dos EUA, incluindo DuPont e
Pfizer, passaram a controlar o processo da agenda comercial dos EUA na década de 1990 e, em parceria com
corporações européias e japonesas, esboçaram os princípios que se tornaram o modelo para o Acordo sobre
Direitos de Propriedade Intelectual da OMC.93
As transnacionais agroalimentares têm utilizado repetidamente seu poder político para bloquear tentativas de
grupos de agricultores de elevarem o valor de suas colheitas. Por exemplo, a indústria de grãos minou o Acordo
Internacional de Grãos, que foi estabelecido para manter preços globais mínimos de produtos agrícolas, como
o trigo.94 O governo dos EUA, atuando a pedido das transnacionais estadunidenses, perdeu recentemente sua
11ª disputa legal contra o Conselho Canadense de Trigo, desta vez na OMC. 95 Este conselho público administra
a oferta de grãos das províncias ocidentais do Canadá, impedindo que empresas como Cargill e ADM entrem
nesse lucrativo mercado.
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
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Corporações envolvidas em práticas de compra injustas
“Sinto-me enganado pelas contas da Twifo Oil Palm Plantation porque não entendo
as deduções que fazem. Quando a gente levanta dúvidas sobre os números, eles não
dão explicações adequadas... Não há esforço para corrigir os erros rapidamente, se é
que corrigem. Temos de aceitar o que os funcionários nos dão”. Kwadwo Osaea, pequeno
produtor de óleo de palmeira numa fazenda, que é uma joint venture com a Unilever, em Twifo
Ntafrewaso, Gana.96
As corporações agroalimentares freqüentemente estão envolvidas em práticas comerciais injustas com os
pequenos agricultores. Essas práticas são rotineiras e podem aumentar os níveis de pobreza e insegurança de
produtores vulneráveis. Níveis altos de concentração no mercado significam que os agricultores muitas vezes
têm uma escolha limitada de compradores para seus produtos e um número restrito de fornecedores de insumos
agrícolas, deixando-os expostos à exploração, dívidas e dependência.97 Os agricultores são especialmente
vulneráveis porque os contratos são quase sempre verbais, dificultando qualquer reparação nos casos de
tratamento injusto.
As práticas injustas de compras feitas pelas transnacionais incluem:
• atrasos no pagamento dos produtos
• rebaixamento de preços de última hora
• compra de quantidades menores do que tinham sido acordadas
• pesagem e classificação não-transparentes dos produtos
• deduções excessivas e não-transparentes nos preços pagos ao produtor
• ameaças de retirar os agricultores das listas de fornecedores
• remoção de agricultores da lista de fornecedores, sem motivo
• cobrança de altas taxas de juros sobre os créditos
• mudanças de padrões de qualidade, sem aviso adequado
Processadores de alimentos e supermercados
Assim como rebaixam os preços pagos ao produtor, os principais processadores de alimentos e supermercados
exercem seu poder comercial para empurrar os custos e riscos do negócio para os elos mais fracos da cadeia
agroalimentar – agricultores e trabalhadores rurais. As firmas agroalimentares introduziram um modelo de
negócios just-in-time para as cadeias de fornecimento de produtos agrícolas frescos no Sul. Com isso, elas não
compram mais produtos antecipadamente, reduzindo os custos de manutenção de estoques.98 Os agricultores e
trabalhadores rurais sofrem as conseqüências, quando os compradores mantêm essas economias como lucros
ou quando as repassam aos consumidores na forma de alimentos mais baratos.
A abordagem comercial just-in-time estimula práticas de compra que aumentam a vulnerabilidade dos pequenos
agricultores. Por exemplo, são comuns as mudanças bruscas e de curto prazo na demanda do consumidor por
frutas e verduras. Quando a demanda cai repentinamente, as companhias muitas vezes baixam na última hora os
preços que pagam aos produtores, compram quantidades menores do que tinham sido previamente acordadas
ou cancelam totalmente os pedidos (Oxfam, 2004). As mudanças rápidas nas quantidades solicitadas pelas
empresas, os padrões de qualidade rigorosos e a ausência de contratos legais permitem que os compradores
corporativos rejeitem produtos agrícolas em perfeito estado, fazendo alegações espúrias.99
Comerciantes de commodities a granel
Muitas vezes, as empresas que compram mercadorias a granel, como óleo de palmeira, açúcar e fumo, atuam
como bancos para os pequenos produtores. Elas fornecem crédito na forma de sementes, pesticidas e apoio
técnico aos agricultores em troca do direito exclusivo de comprar a colheita do agricultor. Isto pode deixar os
agricultores à mercê das transnacionais. Há alegações de que as companhias determinam os preços pagos
ao produtor de forma unilateral e pagam aos agricultores menos do que o valor do empréstimo.100 Alguns
agricultores que assinam contratos com a Souza Cruz, uma subsidiária brasileira da British American Tobacco
(BAT), só podem comprar insumos dessa empresa e tê que vender sua colheita para ela. Individualmente, a
maior parte dos agricultores tem pouco ou nenhum poder de barganha frente às companhias de fumo. O preço
pago pela colheita é vinculado a critérios de qualidade que os agricultores afirmam não serem claros e que são
decididos unilateralmente pelas empresas. Alguns agricultores brasileiros se referem a esse sistema de contrato
como um “novo feudalismo”, afirmando que deixariam de plantar fumo se pudessem mudar rapidamente para
outro cultivo.101
27
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Em Gana, agricultores que fornecem frutos de palmeiras oleaginosas à Twifo Oil Palm Plantation (TOPP),
entrevistados pela ActionAid em 2004, expressaram sua preocupação com a falta de transparência quando
a companhia pesa seus produtos e quando faz deduções dos preços pagos ao produtor pelos insumos já
fornecidos. A Unilever, que desfruta de um quase monopólio como produtor de óleo de palmeira refinado
em Gana, assumiu a administração da TOPP em 1998.102 A companhia fornece insumos agrícolas e serviços
técnicos, com a condição de que os agricultores não vendam suas colheitas a outros. Os agricultores sob
contrato têm de vender seus produtos à TOPP, porém alguns deles não recebem valor justo. A empresa
determina os preços pagos ao produtor, que são inferiores ao do fruto da palmeira no mercado aberto.103
Todos os agricultores entrevistados pela ActionAid reclamaram de um tratamento não-transparente por parte
da companhia. Appiah Nti, um pequeno produtor que fornece frutos de palmeira à TOPP, afirmou: “Antes da
chegada da Unilever, a TOPP pesava a colheita na nossa propriedade, na nossa frente. Agora juntam os cachos
de cocos de palmeira de muitos produtores até encher o caminhão, antes de mandar para a usina de óleo...
Embora os cachos não sejam do mesmo tamanho, só ficamos sabendo do peso de nossos cachos no final do
mês, quando recebemos o recibo do pagamento”.104
Os produtores estão preocupados com os seguintes aspectos:
• não estão presentes quando o fruto é pesado
• os frutos são normalmente classificados para o menor pagamento
• não conhecem o critério de classificação usado, se é que existe
• não são informados dos critérios para a dedução dos insumos
• a TOPP paga abaixo do preço de mercado pelos frutos das palmeiras oleaginosas105
Os administradores da TOPP dizem que foi instituído um sistema formal de reclamações e que a empresa está
preparando diretrizes sobre “boas práticas agrícolas” para os pequenos produtores de frutos de palmeiras.
Os governos devem enfrentar essas práticas de compra injustas e atuar contra essas companhias. As empresas
devem fornecer aos pequenos produtores contratos que sejam claros, simples e justos. Além disso, devem
ser abertas e transparentes sobre seu sistema de pesagem, classificação e deduções. Devem assumir o
compromisso de relações de longo prazo com os agricultores, para construir confiança e desenvolver melhores
práticas comerciais. Além de trazer benefícios comerciais para as empresas, isso ajudaria a proteger a segurança
dos meio de subsistência dos agricultores. Essas relações também estimulariam uma melhor comunicação ao
longo da cadeia de fornecimento, tornando mais fácil a identificação e a solução dos problemas.106
Cartéis corporativos de fixação de preços
“Nossos concorrentes são os nossos amigos. Nossos clientes são os nossos inimigos”.
James Randall, ex-presidente da Archer Daniels Midland, uma transnacional do comércio de
grãos.107
Um dos mais prejudiciais abusos de poder de mercado ocorre na forma de cartéis globais para fixação de
preços. Os cartéis corporativos foram uma característica da paisagem econômica global até a Segunda Guerra
Mundial, quando ações legais contra os cartéis tiveram sucesso em desestimular sua formação durante 40
anos.108 Porém, uma onda de cartéis globais reapareceu na década de 1990. O Departamento de Justiça dos
EUA e a Comissão Européia estão atualmente investigando ou já instauraram ação legal contra pelo menos 40
conspirações internacionais para a fixação de preços, que funcionaram em algum momento da última década.109
De acordo com Connor (2002), os cartéis atuais causam distorções maciças de mercado e prejuízos para o bemestar, “incorporando um refinamento de técnicas operacionais, perspectiva global, pluralismo multicultural, estilo
de liderança, grau de longevidade e escala de operação que o mundo nunca tinha visto antes”.
Nos últimos anos, 85% de todas as multas impostas a operações internacionais de fixação de preços foram
pagas por cartéis agrícolas e alimentares.110 Vários casos destacados afetaram os mercados agroalimentares nos
países em desenvolvimento, incluindo cartéis para a fixação de preços da lisina (um aminoácido acrescentado à
ração animal), do ácido cítrico (acrescentado aos alimentos e à ração animal) e da frutose de milho (um adoçante
utilizado nas indústrias de alimentos e bebidas). Muitos desses casos envolveram multas substanciais e acordos
legais:
•A gigante comercial estadunidense ADM pagou US$ 400 milhões em 2004 para pôr fim a uma ação antitruste que a acusava de ter conspirado para a fixação do preço da frutose de milho.111
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
28
•A ADM foi também multada em US$ 100 milhões em 1996 por seu papel nos cartéis da lisina e do ácido cítrico.112
•A AE Staley, uma subsidiária estadunidense da transnacional açucareira britânica Tate & Lyle, foi acusada de conspirar com o cartel de fixação de preço da frutose de milho e concordou em pagar indenização no valor de US$ 100 milhões num acordo extra-judicial. A Tate & Lyle nega haver cometido qualquer delito.113
•A Cargill concordou em pagar US$ 24 milhões por seu alegado papel no cartel da frutose, embora negasse as acusações.114
Foi comprovada a existência de um cartel entre os produtores de vitaminas a granel, que são acrescentadas
aos alimentos e à ração animal. Em 1999, apenas três empresas – Hoffmann-La Roche, BASF AG e RhônePoulenc (agora de propriedade da Bayer) – controlavam 75% do mercado mundial de vitaminas. Na época, os
investigadores descobriram que a empresa, juntamente com várias outras companhias, tinha conspirado desde
1990 para a fixação do preço das vitaminas.115 As empresas foram processadas nos EUA, União Européia (UE),
Canadá e Austrália. A Hoffmann-La Roche foi multada em US$ 500 milhões pelo Departamento de Justiça dos
EUA e, em 2001, oito empresas, incluindo as “três grandes”, receberam multa de US$ 770 milhões da União
Européia por seu papel na conspiração.116 Mario Monti, na época Comissário de Concorrência da UE, concluiu:
“Os arranjos eram parte de um plano estratégico, concebido nos mais altos níveis, para controlar através de
meios ilegais o mercado mundial de vitaminas”.117
Os impactos dos cartéis nos países em desenvolvimento
As subsidiárias brasileiras das três gigantes das vitaminas foram consideradas culpadas pelas autoridades
brasileiras de uma conspiração para fixação de preços e divisão de fatias do mercado. As empresas conspiraram
para cobrar dos brasileiros um sobrepreço pelas vitamina A e E e pelo betacaroteno.118 Analistas do Instituto do
Comércio Mundial mediram os fluxos comerciais durante o período de operação do cartel das vitaminas. Eles
concluíram que as exportações dos países nos quais o cartel estava localizado para países da África, Europa
e América Latina que não possuíam legislação contra os cartéis haviam crescido mais rapidamente do que
as exportações para nações que possuíam essa legislação. Os pesquisadores sugeriram que o cartel tinha
escolhido deliberadamente países nos quais suas ações não pudessem ser levadas à Justiça.119
Esses cartéis operaram por longos períodos nos países desenvolvidos que possuem autoridades poderosas na
área de concorrência. O fato de as corporações envolvidas estarem aparentemente buscando países onde as
regras de concorrência sejam débeis ou inexistentes sugere que a fixação de preços e a divisão de mercados
é mais dispersa do que se reconhece atualmente. Isso reforça os argumentos para uma maior cooperação
governamental em questões de concorrência internacional, para criar órgãos de controle da concorrência em
nível regional e, se houver vontade política, em nível global (ver Capítulo 4).
3.2 Corporações pagam preços baixos e retêm o valor resultante
“Agora, a quatro ou cinco rupias o quilo, não consigo mais alimentar minha família. Todos
aqui estão na luta. É um círculo vicioso. Não podemos cuidar da terra. Assim, ela produz
cada vez menos... Não conseguimos nos alimentar, como vamos alimentar nossas
plantas?”. Lakshmi, um pequeno plantador de chá do vale de Gudalur, em Tamil Nadu, Índia.120
“Os grandes ganhadores da sobreoferta estrutural foram as principais corporações
transnacionais... Os baixos preços dos insumos permitiram que essas firmas e empresas
de comércio exterior obtivessem superlucros às custas dos produtores pobres”.
Comunicado da UNCTAD à imprensa sobre o relatório de 2004.121
As distorções de mercado causadas pelas transnacionais agroalimentares não são os únicos fatores que
contribuem para reduzir os preços pagos ao produtor. Excesso de oferta, mudanças nas regras comerciais
e condições atmosféricas também podem resultar em rebaixamento de preços. No entanto, como essas
corporações compram uma grande proporção da produção agrícola global, os baixos preços que pagam aos
agricultores são fator importante na geração e na manutenção da pobreza nos países em desenvolvimento.
Além disso, quer as transnacionais utilizem seu poder de mercado para reduzir os preços ou simplesmente tirem
vantagem de mercados reduzidos para pagar preços baixos, as economias que fazem são geralmente mantidas
como lucros e repassadas aos consumidores somente se a empresa deseja ganhar ou consolidar sua fatia de
mercado. Assim, as riquezas estão sendo transferidas dos agricultores e das áreas rurais para os donos das
empresas, dos países pobres para os ricos.122
29
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Os preços baixos pagos ao produtor estão tendo efeitos devastadores nas comunidades rurais. Nas colinas
férteis de Matagalpa, na região produtora de café do norte da Nicarágua, a fome, as doenças e a desnutrição
estão por toda parte. Os pequenos agricultores e trabalhadores foram atingidos duramente pelo colapso dos
preços internacionais do café, que reduziu a renda e o emprego e trouxe escassez de alimentos para milhares de
famílias.123 Trabalhadores da ajuda internacional documentaram uma alta incidência de doenças relacionadas à
fome nas áreas produtoras de café e de desnutrição crônica em quase metade de todas as crianças menores de
cinco anos.124 Persistem a falta de alimentos e a desnutrição e a ONU continua a distribuir alimentos para cerca
de 100.000 pessoas no Norte da Nicarágua.125
Apesar da queda dramática de preços de muitas mercadorias agrícolas, os consumidores nos países
desenvolvidos não presenciaram uma queda correspondente dos preços da maioria dos produtos alimentícios
que contêm aqueles produtos primários. Na verdade, alguns preços subiram. A UNCTAD tem documentado essa
crescente diferença entre os preços pagos ao produtor e os preços no varejo, uma lacuna que vem aumentando
mais rapidamente desde a década de 1980 e é maior nos países que têm os graus mais altos de concentração
de mercado. O estudo concluiu que os preços mais altos no varejo não podem ser atribuídos a aumento de
custos operacionais das empresas.126
Um estudo do Banco Mundial estima que a divergência entre os preços pagos ao produtor e os preços
do varejo custa aos países exportadores de commodities mais de US$ 100 bilhões por ano e que a causa
principal é o comportamento contrário à concorrência das principais companhias transnacionais de comércio
exterior (Morisset 1997). O mercado do café é um exemplo clássico. Ele é dominado por quatro transnacionais:
Kraft, Procter & Gamble, Sara Lee e Nestlé – uma empresa que ganha US$ 0,26 por cada US$ 1,00 de café
instantâneo que vende.127 No início dos anos 1990, a renda do café dos países exportadores era de US$ 10-12 bilhões, enquanto as vendas no varejo ficavam em cerca de US $ 30 bilhões. Em 2002, as vendas no varejo
tinham mais do que dobrado, passando de US$ 70 bilhões, porém a receita dos países produtores de café foi a
cerca da metade da década anterior: US$ 5,5 bilhões.128
O mesmo está acontecendo nos países desenvolvidos. De acordo com a União Nacional de Agricultores do
Reino Unido, não há evidências de que os preços declinantes pagos ao produtor estão sendo repassados aos
consumidores. As quedas acentuadas nos preços dos produtores de leite e de cordeiro durante a década de
1990 não se traduziram em preços mais baixos desses produtos no varejo. A distância geral entre os preço do
produtor e os do varejo está aumentando no Reino Unido. Entre 1991 e 1992, o índice de preço dos alimentos
no varejo aumentou 15%, enquanto os preços pagos ao produtor diminuíram 9,6%.129 A Figura 3 mostra que as
companhias retiveram o valor gerado pela crescente distância entre os preços do trigo e do pão no Canadá,
onde os agricultores enfrentam um mercado agroalimentar no qual “quase todos os elos da cadeia, em
praticamente todos setores, são dominados por 2-10 corporações multinacionais multibilionárias” (Qualman
2001).
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30
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Figura 3: preços do trigo e do pão no Canadá130
$100,00
$90,00
$80,00
$70,00
$60,00
$50,00
Preço de varejo para o
pão feito de um bushel
(36,37 litros) de trigo
$40,00
$30,00
$20,00
$10,00
Preço de um bushel de
trigo (Saskatoon)
1999
1997
1995
1993
1991
1989
1987
1985
1983
1981
1979
1977
1975
$0,00
O estudo de caso a seguir destaca a crise atual na indústria de chá indiana. Os preços pagos ao produtor já
caíram abaixo do custo de produção, forçando os agricultores e trabalhadores a darem duro para alimentar suas
famílias, enquanto as companhias de chá colhem grandes lucros.131 A crise é tão aguda que em 2004 mais de
800 trabalhadores do chá morreram de fome no estado de Bengala Ocidental, enquanto dezenas de milhares de
outros trabalhadores perderam seus empregos à medida que as fazendas de chá encerravam suas atividades.132
Estudo de caso 1
A crise da indústria de chá indiana
“O preço declinante do chá em nível de produto primário não diminuiu o preço no
segmento do valor agregado ou do chá empacotado. Os consumidores estão pagando
altos preços pelo chá nas prateleiras. Em conseqüência, as grande companhias de chá,
como Hindustan Lever Ltd., Tata Tea Company, etc. não são aparentemente afetadas
pela longa crise. Ao contrário, há indicações de que os lucros estão aumentando”. Centro
de Educação e Comunicação, 2003.133
Mais de um milhão de pessoas são empregadas pela indústria do chá na Índia e este número aumenta
significativamente se incluímos os trabalhadores temporários.134 Os preços de leilão do chá caíram cerca de 33%
no Sul da Índia, de 69 rupias por quilo em 1998 para 46 rupias em 2004. No mesmo período, os preços caíram
quase 12% no Norte da Índia. Isso significa que os preços estão abaixo do custo de produção, estimado em
aproximadamente 75 rupias por quilo, em 2004.135
Muitas fazendas de chá foram forçadas a fechar porque não conseguiam mais cobrir seus custos. Embora alguns
ponham a culpa dos fechamentos na má administração, a queda de preços do chá teve um papel importante.136
Como conseqüência da crise, os trabalhadores de outras fazendas agora recebem salários substancialmente
menores. O sindicato dos trabalhadores da fazenda de chá de Nilgiris, em Tamil Nadu, por exemplo, negociou
recentemente um corte de 12% no salário de seus associados. Ao mesmo tempo, os colhedores de chá
receberam metas de produtividade mais altas, o que significa mais trabalho por menos dinheiro.
De acordo com Chandran, um trabalhador de 30 anos de uma fazenda de propriedade da Hindustan Lever, em
Nilgiris, os trabalhadores do chá estão mais endividados. Ele diz: “Todos devem aos kadaikaran (donos de lojas
de alimentos). No dia do pagamento, todos os donos de lojas nos esperam fora da fábrica para pegar nosso
dinheiro, mesmo quando ainda o estamos contando. Antes tinham confiança na gente. Não era assim. Agora
está difícil para todos”.137
ActionAid Reino Unido/ Colhedora de chá, Tamil Nadu, Índia.
31
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
O Dr. Shylajadevi Menon, fundador do Hospital Gudalur Adivasi,
está preocupado com os crescentes níveis de desnutrição nas
famílias que dependem de salários das fazendas de chá, muitas
das quais não podem mais comprar a mesma quantidade de
comida. “Estávamos começando a achar que a desnutrição
severa era coisa do passado, algo que era comum no final dos
anos 1980 e início da década de 1990”, disse o Dr. Menon.
“De repente, vemos um crescimento constante e alarmante do
número de crianças desnutridas e de grávidas anêmicas”.138
Os pequenos plantadores de chá têm sofrido quase tanto quanto
os trabalhadores das fazendas. Os baixos preços nos leilões
de chá e nas vendas privadas causaram queda significativa nas
suas rendas. Como muito outros, Aleyamma chegou em Tamil
Nadu há várias décadas para plantar chá. Ela comprou três
acres de terra e trabalhou duro para obter colheitas e alimentar
sua família. A queda de preços afetou sua subsistência: “Agora,
não importa quão duro você trabalhe, não dá para alimentar sua
família. Ninguém tem trabalho pra você. Aqui todos são pequenos agricultores e todos estão em crise. A esta
altura, estou tão desesperada que venderia minha terra, mas não há ninguém para comprá-la”, diz ela. “Dez anos
atrás, podia olhar pra minha vida com satisfação e dizer que com meu trabalho duro tinha livrado minha família
da pobreza. Agora olho para meus netos em desespero. Depois de trabalhar como uma mula todos os dias de
minha vida, não temos nada para dar a eles”.
Por que os preços declinaram?
Muitos fatores poderiam explicar a queda dos preços do chá indiano: excedente de produção, a má qualidade
ou a percepção do “ciclo de sete anos dos preços” no mercado indiano. Alguns analistas, entrevistados
pela ActionAid em 2004, acreditam que as grandes companhias compradoras também tiveram um papel no
rebaixamento do preço do chá.139 Um estudo recente observou queixas regulares de produtores e sindicatos
sobre cartéis operando nos leilões de chá: “Alega-se que os grandes operadores, atuando como agentes de
entidades empresariais, afastam os corretores menores dos leilões, para reduzir a concorrência. Isso é uma das
razões para o preço do chá no mercado varejista estar em cerca de 160 rupias por quilo, enquanto nos leilões
custa menos de 50 rupias”.140
Quaisquer que sejam as causas, a crise do chá está claramente tendo efeitos devastadores para os pequenos
plantadores de chá e para os trabalhadores das fazendas, enquanto as empresas de chá ainda colhem grandes
lucros. Estima-se que a Hindustan Lever tenha 34% do mercado indiano de chá empacotado,141 comercializando
marcas líderes como Lipton Yellow Label e Brooke Bond Red Label.142 Enquanto os preços do produtor
despencaram, os dividendos dos acionistas da Hindustan Lever mais do que quadruplicaram desde 1996143 e
o preço de varejo do chá na Índia subiu de 85 para 105 rupias por quilo no período de 1999 a 2002144, e ainda
continua a subir.
Restabelecendo o gerenciamento da oferta
A crise dos mercados de commodities agrícolas está gerando pobreza maciça e desigualdade em escala
global. Contudo, os formuladores de políticas públicas têm ignorado o problema. Está clara a necessidade de
aprender com as lições do passado e restabelecer os sistemas internacionais de gerenciamento da oferta,
como defenderam recentemente alguns países em desenvolvimento,145 a UNCTAD,146 economistas147 e grupos
da sociedade civil, como a Oxfam.148 O principal obstáculo para avançar na base dessas propostas é a falta de
vontade política.
Institucionalização da justiça no comércio
As transnacionais agroalimentares devem assumir o compromisso de manter relações justas e de longo
prazo com os produtores primários e de respeitar seus direitos básicos, tanto diretamente, através de suas
subsidiárias e parceiros comerciais na cadeia de fornecimento, quanto diretamente nas suas relações com
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
32
os pequenos agricultores. O pagamento aos produtores de até mesmo um pequeno percentual a mais do
preço total de varejo seria traduzido em enormes benefícios locais. Como os preços do varejo permaneceram
estáveis ou aumentaram, enquanto os preços pagos ao produtor caiam, o pagamento de preços mais justos aos
agricultores não significaria necessariamente preços mais altos para os consumidores, nem cortes nos lucros
das companhias.
As transnacionais agroalimentares devem aprender com a experiência da Fairtrade e adotar os princípios do
comércio justo149 como prática corporativa padrão em todas as suas relações com os produtores dos países em
desenvolvimento. Isso ajudaria a assegurar os direitos das pessoas pobres, incluindo o direito à alimentação e
a um meio de vida. A incorporação das práticas do comércio justo à prática corporativa padrão significa que as
empresas devem:
•pagar um preço mínimo garantido que assegure um padrão de vida digno aos produtores
•manter relações de longo prazo com os produtores
•pagar um “bônus” social, que os produtores possam utilizar para investir na melhoria de seus negócios e condições de vida
•fazer pagamentos antecipados, quando forem requeridos150
A institucionalização dos princípios do comércio justo implica muitos riscos, inclusive que as companhias façam
alegações falsas ou enganosas sobre suas negociações com os produtores. As empresas não devem fazer
alegações públicas sobre suas credenciais de comércio justo a menos que sejam certificadas por um organismo
reconhecido que forneça o selo de comércio justo. Embora algumas cadeias de commodities sejam complexas
e difíceis de monitorar, muitas empresas eliminaram camadas de fornecedores intermediários e atualmente se
relacionam mais diretamente com os produtores primários. Esta prática, combinada com melhor rastreamento,
controles de qualidade rigorosos e inspeções da companhia, faz com que essas transnacionais fiquem melhor
posicionadas para facilitar o monitoramento independente da cadeia de fornecimento e para automonitorar os
impactos sociais de suas operações nessa cadeia.
3.3 As transnacionais marginalizam os agricultores pobres e os
trabalhadores rurais
“Eles não se dão ao trabalho de receber leite de quem vende pouco, querem aqueles que
produzem muito mais para reduzir o número de fornecedores e ter ganhos de volume”.
Baldur Frederich, produtor de leite do Rio Grande do Sul, descrevendo sua experiência de vender
para a Parmalat.151
As seções anteriores mostraram que as empresas transnacionais utilizam sua posição dominante nos mercados
agroalimentares para extrair riqueza das áreas rurais dos países em desenvolvimento. Esta seção mostra que
o crescente poder das corporações tem causado outros efeitos que levam à marginalização das comunidades
agrícolas. Tendo em vista a importância crítica da pequena agricultura para reduzir a pobreza, garantir a
segurança alimentar e gerar um crescimento econômico favorável às pessoas pobres, é vital que os governos
tomem medidas para evitar que o exercício do poder corporativo esmague a pequena agricultura.
As transnacionais agroalimentares estão marginalizando os pequenos agricultores, comunidades rurais e
companhias agroalimentares locais:
• exigindo que os agricultores cumpram padrões rígidos
• impedindo o acesso das comunidades à terra
• deteriorando os direitos das mulheres
• registrando patentes e direitos de propriedade intelectual sobre colheitas
• recusando espaço para as companhias locais
33
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Padrões corporativos
Com a introdução de sistemas modernos de cadeia de fornecimento, os supermercados nacionais e
globais estão transformando radicalmente a agricultura de muitos países de baixa renda e de renda média,
especialmente na América Latina, no Leste e Sudeste da Ásia e na África Meridional e Oriental. O ritmo das
mudanças é rápido. Os 30 principais varejistas globais tinham se expandido para 85 países diferentes em 2003,
enquanto tinham presença em somente 15 países na década anterior.152 No ano 2000, os supermercados tinham
capturado 50-60% do setor de varejo alimentar da América Latina, enquanto controlavam 10-20% em 1990 – um
processo que levou 50 anos nos países desenvolvidos.153
Analistas assinalam que os supermercados podem trazer benefícios para os agricultores, tais como fazer a
ligação entre eles e mercados de maior valor, além de eliminar intermediários. No entanto, ao se basearem nas
fazendas maiores e imporem padrões rígidos, os supermercados estão excluindo os pequenos produtores dos
mercados e, assim, criando uma séria ameaça à pequena agricultura.
Os altos níveis de concentração na etapa de varejo da cadeia agroalimentar dão aos supermercados o poder
de decidir as “regras do jogo” da participação nos mercados: determinar quem está dentro e quem está fora
da cadeia de fornecimento. Varejistas globais como Ahold, Carrefour, Metro e Tesco, assim como grandes
processadores como Nestlé e Parmalat, estão comprando nos países em desenvolvimento volumes crescentes
de produtos frescos, como frutas, verduras, carnes e laticínios. Estas companhias exercem um alto grau de
controle sobre suas cadeias de fornecimento e exigem que os agricultores locais respeitem critérios rigorosos, se
quiserem vender às suas cadeias.
Tipicamente, espera-se que os produtores:
• respeitem padrões rigorosos nos seus produtos, no que diz respeito ao tamanho, formato e cor, por exemplo
• ajustem o volume de produção para atender tendências de mercado de curto prazo
• cumpram os padrões de segurança alimentar
• cumpram as normas sociais e ambientais
• evitem a deterioração dos produtos utilizando refrigeração
• mantenham-se atualizados com as novas tecnologias
Os padrões corporativos podem promover metas importantes, tais como a segurança alimentar, a qualidade
dos alimentos e a conservação do meio ambiente, e podem assegurar que os produtos sejam produzidos sem
a exploração dos agricultores e trabalhadores (ver item 3.2). As normas também podem ajudar os produtores a
melhorar a qualidade de seus produtos e a conseguir melhor preço. Muitos deles desejam vender para esses
mercados de maior valor.
No entanto, como a vasta maioria dos pequenos agricultores não possuem os recursos financeiros e gerenciais
para cumprir as exigências dos compradores corporativos, eles perderam ou estão arriscados a perder o acesso
aos mercados. O cumprimento dos padrões corporativos pode custar muito e as companhias agroalimentares
estão utilizando sua posição dominante para empurrar os custos desse cumprimento para os pequenos
produtores. Por exemplo, os supermercados europeus estão implementando novas normas que requerem que
os produtores paguem auditorias agrícolas que custam até US$ 500 por agricultor. Para muitos produtores da
África, isso é mais do que vão ganhar durante todo o ano (ver Boxe 6).
As normas dos supermercados estão também impulsionando um processo de modernização das cadeias
tradicionais de comercialização de alimentos. À medida que as cadeias tradicionais evoluem, há risco de que
também assumam características que discriminem os pequenos agricultores, deixando-os com menos pontosde-venda para comercializar seus produtos.155 Em alguns casos, cadeias de fornecimento introduzidas pelas
transnacionais agroalimentares substituíram mercados tradicionais e forçaram os agricultores a abandonar seus
negócios. Por exemplo, no Brasil e na África do Sul, grandes processadores como Parmalat e Nestlé entraram
nos mercados de laticínios na década de 1990, com novos critérios de compra, expulsando os pequena
agricultores de suas cadeias de fornecimento.156 As cadeias de fornecimento das companhias substituíram os
canais tradicionais de comercialização, cujo acesso era mais fácil para os pequenos produtores (ver Estudo de
caso 2).
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
34
Estudo de caso 2
A Nestlé e a Parmalat expulsaram pelo menos 50.000
pequenos criadores de gado leiteiro de sua cadeia de
fornecedores, após terem comprado cooperativas de leite
brasileiras na década de 1990. Muitos criadores tiveram
de abandonar seus negócios.157 A produção leiteira
fornece uma fonte de renda importante para centenas
de milhares de pequenos produtores brasileiros. Elaine
e Baldur Frederich operam uma típica propriedade rural
familiar no Rio Grande do Sul. Como explica Elaine: “Não
diria que [o leite] vai te trazer fortuna, mas é realmente
importante para te manter, para te dar o suficiente no
[fim do] mes para pagar a conta de luz, água, comida e
algumas outras coisas que tu precisas para a família”.
Carlos Carvalho/ActionAid Brasil/ Produtor de leite, Brasil.
Parmalat e Nestlé marginalizam pequenos produtores no Brasil
Porém, a renda leiteira dos Frederich está ameaçada
pelas normas impostas pelas companhias de laticínios transnacionais, como a Nestlé e a Parmalat, que agora
dominam a indústria de laticínios no Brasil. Os pequenos produtores têm tido dificuldade ou mesmo achado
impossível atender suas exigências. Como resultado, dezenas de milhares perderam seus mercados ou tiveram
que encerrar suas operações.
A Parmalat levou a cabo uma estratégia de expansão agressiva na década de 1990, assumindo o controle de
companhias e cooperativas leiteiras nacionais. Até 2001, já tinha comprado 27 concorrentes locais, tornandose em 2002 uma das maiores participantes do mercado de laticínios brasileiro, com transações de US$ 240
milhões.158
Depois de entrar no mercado, a Parmalat promoveu o leite UAT (Ultra Alta Temperatura - UHT na sigla em
inglês), que rapidamente superou os produtos tradicionais de leite pasteurizado normalmente vendidos através
dos canais de comercialização locais e das cooperativas. A maior parte do leite UAT é embalado e vendido
nos supermercados, cujo esforço permanente de redução de custos pressionou também os processadores de
laticínios a reduzir seus custos. Por sua vez, os processadores de laticínios começaram a reduzir os preços que
pagavam aos produtores. Entre 1989 e 2002, os preços do leite no produtor caíram 50%, embora os preços para
os consumidores tivessem declinado somente 36%.159
Os grandes processadores, como a Nestlé e a Parmalat, também cortaram os seus custos, exigindo que os
produtores instalassem tanques de refrigeração de leite em suas propriedades. O menor dos tanques exigia
pelo menos 100 litros por dia para ser preenchido, enquanto o produtor médio ordenhava somente 50 litros por
dia. A maior parte dos pequenos produtores não podia pagar a instalação desses tanques de refrigeração, que
excediam suas necessidades.
Os produtores excluídos tentaram comercializar seu leite junto a pequenos processadores e cooperativas,
continuando a utilizar mercados informais. Porém, o domínio de mercado das transnacionais significava que
os pequenos processadores também estavam falindo rapidamente, enquanto o aumento do consumo do leite
UAT reduzia o acesso do agricultor a canais alternativos de comercialização do leite. Em conseqüência, muitos
produtores perderam totalmente a renda leiteira.160
35
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Boxe 6
Normas “Eurep-GAP” para os supermercados
Os grupos de agricultores temem que “centenas de milhares” de pequenos produtores africanos de frutas e
hortaliças venham a perder seu meio de subsistência se os novos padrões “Eurep-GAP” forem implantados em
sua forma atual.161 Cerca de doze grandes supermercados estabeleceram o Eurep ou Grupo de Trabalho dos
Varejistas Europeus para Frutas e Hortaliças, introduzindo normas de “boas práticas agrícolas” (GAP, na sigla em
inglês). Os produtores devem cumprir critérios básicos para que seus produtos sejam considerados seguros para
os supermercados e para aliviar a preocupação dos consumidores com a higiene dos alimentos e com resíduos
de pesticidas. Os critérios incluem regras sanitárias e de segurança, teste dos produtos, auditorias agrícolas e
treinamento de pessoal.
Embora o esforço para conseguir melhores padrões seja um objetivo meritório, os pequenos produtores não
foram consultados de forma adequada e a iniciativa não levou em conta seus interesses. Representantes dos
produtores afirmam que as normas Eurep de boas práticas agrícolas favorecem os grandes produtores e que
os custos extras e a burocracia ameaçam a subsistência de centenas de milhares de pessoas.162 As normas
requerem testes científicos e auditorias agrícolas, porém somente a auditoria custa cerca de US$ 500 –
aproximadamente 70% da renda anual de um produtor ganense.163 Somente os produtores grandes e abastados
serão capazes de cumprir essas normas, deixando fora de valiosos mercados muitos agricultores pequenos que
produzem alimentos seguros e de boa qualidade.164
Para as transnacionais agroalimentares, é vantajoso procurar suas fontes de fornecimento entre poucas e
grandes fazendas, melhor equipadas para cumprir os padrões corporativos. Assim, reduzem seus custos e os
riscos dos negócios. Porém, a marginalização dos pequenos produtores não precisa ser inevitável. Por exemplo,
em Zâmbia, as autoridades encarregadas da concorrência impediram que a Parmalat expulsasse os produtores
leiteiros da cadeia de fornecimento (ver Boxe 8). Com investimentos apropriados na pequena produção,
organização e marketing, os custos e riscos de lidar com o pequeno produtor podem ser significativamente
reduzidos.165
As transnacionais agroalimentares também poderiam fazer contribuições importantes à redução da pobreza
ampliando suas bases de fornecimento, para incluir mais pequenos produtores que desejem vender para
as cadeias de fornecimento corporativas. As empresas deveriam dar apoio à participação dos pequenos
agricultores nos processos de estabelecimento de normas e ajustar os padrões privados para que não excluam
os pequenos produtores. A experiência do Fairtrade (Comércio Justo) mostra que a melhoria dos padrões não
precisa ser realizada às custas da subsistência dos pequenos produtores.
Acesso à terra
“Devido ao duplo fato de que uma grande quantidade de terras valiosas e tempo
precioso estão alocados no cultivo do fumo, a produção de alimentos sofre. Como
resultado, o distrito de Kuria juntou-se às áreas áridas e semi-áridas, que estão sempre
precisando de ajuda de alimentos para aliviar a fome. É constrangedor que o povo de
Kuria tenha voltado a sofrer de doenças associadas a baixos níveis de nutrição, tais
como o marasmo e o kwashiorkorNT etc – uma situação que poderia ser corrigida se mais
terras e tempo fossem utilizados na produção de alimentos”. Samson Mwita Marwa, explantador de fumo e membro do Parlamento do Quênia, 2001.166
As corporações agroalimentares têm uma longa história de estímulo à produção industrial de produtos agrícolas
para exportação. Das fazendas de café na África Oriental, passando pelas fazendas produtoras de frutas na
América Central, até a produção de óleo de palmeira na Indonésia, as firmas de comércio agroalimentares
têm confiado nas grandes fazendas para seu suprimento de commodities tropicais. Em muitos casos, as
transnacionais implantam e são elas próprias as proprietárias das grandes fazendas. No entanto, a alocação de
grandes áreas para colheitas voltadas para os mercados nem sempre gera um desenvolvimento favorável às
pessoas pobres. A agricultura em escala industrial com freqüência cria desigualdades na distribuição de terras,
reduz o emprego rural, gera insegurança alimentar, desencadeia migrações do campo para a cidade e traz danos
para o meio ambiente natural.167
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
36
Em muitas regiões, uma grande quantidade de terras continua retida em grandes fazendas ineficientes.168 De
acordo com o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento Agrícola, isso tem prejudicado as pessoas
pobres nas áreas rurais, reduzindo o crescimento econômico e as oportunidades de emprego (IFAD 2001).
Na América do Sul, por exemplo, as transnacionais, como a ADN, Bunge, Cargill e Dreyfus estão integradas
verticalmente na cadeia até o estágio do plantio e exercem um alto grau de controle sobre a produção da soja.
Somente uma pequena parte é consumida diretamente, como alimentação humana; grande parte é processada
pelos fabricantes de alimentos e ração animal. Embora a América do Sul seja um grande fornecedor de ração de
soja para as indústrias de criação de animais na Europa e na China, esse sucesso nas exportações não reduziu
a pobreza rural. No Brasil, a produção de soja expandiu-se dos pequenos e médios agricultores do sul do país
para as grandes fazendas do Brasil Central e do Nordeste. As fazendas de soja dessas regiões atingem até
dezenas de milhares de hectares, porém, de acordo com estudo recente, somente um único trabalhador tem
emprego permanente para cada 170-200 hectares.169
Em Mato Grosso, o estado brasileiro que mais produz soja, as propriedades agrícolas com mais de 10.000
hectares passaram de um total de 17,8 milhões de hectares em 1980 para 20,6 milhões em 1996. Nesse mesmo
período, desapareceram quase 14.000 propriedades de menos de 10 hectares.170 No Piauí – um estado com
cerca de 240.000 sem-terra –, alega-se que a busca de novas terras, impulsionada em parte pela expansão do
cultivo da soja, tem estimulado a grilagem e as práticas irregulares de transferência de terras por imobiliárias
privadas.171 Em julho de 2003, a propriedade de cerca de 4 milhões de hectares estava sendo investigada pelas
autoridades daquele estado.172
Analistas observaram que em muitos países em desenvolvimento, onde grandes parcelas de terras são usadas
em cultivos para venda às transnacionais agroalimentares, um grande número de pessoas pobres não tem terras
e passam fome.173 Os cultivos para o mercado podem forçar o aumento de preços dos alimentos locais e gerar
insegurança alimentar, especialmente quando desloca a produção e preparação de alimentos em pequena
escala.174 Por exemplo, nas regiões de plantio de tabaco do Quênia, o plantio do fumo substituiu as colheitas
tradicionais de alimentos e a criação de animais, deixando os pequenos agricultores com pouca terra e pouco
tempo para produzir seus alimentos.175 Um estudo da Unicef revelou que 52% das crianças do distrito de Migori,
uma área importante para o plantio do tabaco no oeste do Quênia, estavam crônica ou severamente desnutridas.
Awino, uma agricultora de Migori que planta fumo para a BAT, diz: “Na estação do tabaco, temos muito trabalho
e pouco tempo para cozinhar para nossos filhos”.176 Muito plantadores de fumo quenianos afirmam que não têm
tempo para cultivar alimentos, tais como milho, feijão, mandioca e batata-doce.177
As políticas nacionais de investimento podem cumprir um papel importante ao regularem a disponibilidade
de terra para as transnacionais. Por exemplo, a China e a Tailândia fecharam vários setores agrícolas aos
investimentos estrangeiros (ver Boxe 9) e vários estados dos EUA introduziram leis que restringem a propriedade
corporativa de terras agrícolas.178
Os direitos das trabalhadoras
Um crescimento rápido das exportações de produtos de horticultura de alto valor dos países em
desenvolvimento – como rosas, maçãs, ervilhas, vagens e abacates – tem gerado novas oportunidades de renda
e emprego para milhões de mulheres, que constituem entre 50% e 90% dos trabalhadores empregados nas
etapas de produção e processamento dessas cadeias de fornecimento (Dolan & Sorby 2003). A maior parte dos
países em desenvolvimento assinou os tratados das Nações Unidas que promovem os direitos das mulheres e a
igualdade entre os gêneros. Contudo, pesquisas indicam que as mulheres têm sido sistematicamente impedidas
de ter acesso a uma parcela justa dos benefícios derivados do crescimento dessas exportações (Oxfam 2004).
A maioria das exportações de produtos agrícolas de alto valor é vendida para redes de fornecimento globais
dominadas pelas transnacionais.179 Os compradores corporativos exercem um controle estrito dessas cadeias
e utilizam seu poder de mercado para empurrar o custo e o risco dos negócios para os fornecedores. Por seu
lado, os fornecedores repassam essas pressões, prejudicando os direitos dos trabalhadores.180 O Escritório
Internacional do Trabalho informa que os problemas enfrentados pelos trabalhadores agrícolas temporários são
“incontáveis”.181 As mulheres, que constituem a maioria dos trabalhadores temporários, estão perdendo terreno,
com direitos trabalhistas enfraquecidos, precarização do trabalho, salários baixos, jornadas longas, práticas
negligentes de saúde e segurança, estereótipos de gênero e assédio sexual.182
A maior parte das mulheres tende a fazer trabalho não-qualificado em situações de vulnerabilidade (trabalho
precário, temporário, sazonal ou flexível). De acordo com um estudo do Banco Mundial, isso tem permitido às
37
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
empresas de agronegócios não pagar benefícios estipulados na lei trabalhista, tais como pensão, seguro-saúde,
licença-maternidade, licença por enfermidade e feriados remunerados.183 As mulheres têm menos probabilidade
de formar sindicatos do que os homens e estão segmentadas por gênero numa divisão de trabalho rígida
determinada pelo sexo. Assim, as mulheres tendem a realizar tarefas laboriosas, porém “femininas”, como a
remoção de ervas daninhas, poda, corte, colheita, seleção, classificação e empacotamento. As mulheres estão
especialmente expostas aos danos dos pesticidas nas estufas de plantas e nas áreas de empacotamento. Há
também evidência de assédio sexual nas indústrias de flores cortadas e frutas frescas na África e na América
Latina.184
Algumas companhias implementaram medidas para enfrentar os efeitos negativos de suas práticas de compra
nos direitos dos trabalhadores, por exemplo, trabalhando mais estreitamente com os sindicatos. Porém, as
transnacionais precisam fazer mais para promover os direitos das trabalhadoras e garantir que o respeito a seus
direitos seja parte integral da visão e das operações dessas empresas.
Direitos de propriedade intelectual sobre plantas e sementes
“As patentes mantidas pelas multinacionais do Norte... privam os agricultores pobres do
acesso aos meios de produzir seus alimentos”. Jean Ziegler, Relator Especial da ONU para o
Direito à Alimentação, 2003.185
Como já indicado anteriormente, as regras da OMC sobre direitos de propriedade intelectual aumentaram os
custos de alguns insumos agrícolas, estimulando práticas contrárias à concorrência na indústria. À medida
que essas regras começam a ser aplicadas mais amplamente no Sul, seus impactos provavelmente terão
outros efeitos de marginalização sobre a pequena agricultura. Os direitos de propriedade intelectual podem
ser concedidos de forma muito ampla, permitindo direitos monopolistas sobre determinadas variedades de
plantas, genes e suas características. Esta extensão dos direitos de propriedade intelectual ameaça a segurança
alimentar no Sul, eliminando os direitos consuetudinários de os agricultores estocarem, utilizarem, trocarem e
venderem suas próprias sementes. A utilização crescente de plantas e sementes geneticamente modificadas,
protegidas por direitos de propriedade intelectual, pode tornar os pequenos agricultores dependentes de
transnacionais, como a Monsanto, Syngenta e DuPont, donas de patentes e de direitos de propriedade
intelectual. Por sua vez, isso pode modificar fundamentalmente o modo como a agricultura é praticada nos
países em desenvolvimento, facilitando o crescimento dos grandes agronegócios e aumentando o declínio das
pequenas propriedades e da biodiversidade.186
Embora os direitos de propriedade intelectual tenham estimulado e protegido a pesquisa das grandes
corporações, tiveram um efeito oposto sobre os organismos públicos de pesquisa, melhoristas de plantas e
pequenas companhias. Como já foi mostrado, as patentes sobre genes e características genéticas criaram
barreiras legais custosas que tornam difícil o acesso dos pesquisadores do setor público e das pequenas
empresas a novas tecnologias agrícolas.187 A pesquisa e o desenvolvimento podem ser bloqueados ou tornaremse proibitivamente dispendiosos se for preciso pagar royalties sobre características genéticas e processos
patenteados, necessários à pesquisa.
A maior parte da pesquisa corporativa é impulsionada pela exigência de lucros e controle de mercados e não
pelas necessidades dos agricultores pobres dos países em desenvolvimento. Estima-se que cerca de 80% da
pesquisa pública esteja orientada para as necessidades da pequena agricultura, comparado com somente 12%
da pesquisa empresarial.188 Os cultivos geneticamente modificados fornecem um exemplo clássico: menos de
1% de toda a pesquisa sobre produtos agrícolas geneticamente modificados está direcionada para os pequenos
produtores.189 A maior parte da pesquisa está dirigida para a monocultura em grandes fazendas comerciais, que
muitas vezes têm efeitos destrutivos sobre as comunidades e o meio ambiente locais. Desde meados da década
de 1990, a produção mecanizada e de larga escala da soja geneticamente modificada na Argentina – promovida
pelo governo e por transnacionais, como Cargill, Dow, Monsanto e Syngenta – vem crescendo e cobre quase 14
milhões de hectares de terras.190 Essa tecnologia não requer praticamente nenhuma mão-de-obra agrícola e tem
levado a uma “agricultura sem produtores”. Isto desencadeou um êxodo rural para as favelas das periferias das
cidades argentinas, segundo o grupo GRAIN, que faz trabalho de advocacy.191
Tendo em vista essas ameaças à pequena agricultura, é vital que o Estado e os atores privados garantam que
os insumos agrícolas sejam adequados para os agricultores pobres e tenham um custo que eles possam pagar.
Além disso, os governos devem proteger os direitos dos agricultores de estocar, utilizar, trocar e revender suas
próprias sementes.
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38
Boxe 7
As transnacionais agroalimentares prejudicam o desenvolvimento
Os pequenos agricultores e os trabalhadores não são os únicos participantes da cadeia alimentar marginalizados
pelo poder corporativo. As companhias menores dos países em desenvolvimento têm dificuldade de entrar ou
de permanecer nos mercados locais e globais por causa do tamanho e do poder das principais transnacionais
agroalimentares. Estas corporações, com marcas bem estabelecidas, melhor acesso a recursos de informação,
financeiros e tecnológicos, e acesso privilegiado aos formuladores de políticas, estão bem posicionadas
para manter fora do mercado os concorrentes potenciais.192 Por exemplo, as empresas dos países em
desenvolvimento que querem entrar no mercado do café solúvel precisam competir diretamente com a Kraft e a
Nestlé – as maiores fabricantes de alimentos do mundo. Da mesma forma, concorrentes potenciais dos países
em desenvolvimento que desejassem entrar no negócio de frutas e verduras encontrariam transnacionais, como
a Dole e a Del Monte, que são poderosos atores do mercado, especialmente nas etapas de processamento e
distribuição.193
Grupos da sociedade civil em Gana acusaram a Unilever de expulsar do mercado os negócios locais. Rudolph
Etoyo, porta-voz de um grupo local de campanhas, o ISODEC, afirma que a Unilever impede o crescimento da
concorrência local a tal ponto que os negócios locais nunca poderão crescer o suficiente para desafiá-la. “Por
causa do espaço enorme que ocupam, nossa economia está virtualmente hipotecada a elas”, diz ele. “Assim, em
termos de nossas prioridades nacionais e capacidade nacional, provavelmente nunca teremos capacidade nas
áreas que ocupam, pois elas eliminam a concorrência”.194
As transnacionais agroalimentares podem não somente sufocar o desenvolvimento dos concorrentes locais,
como também forçar empresas existentes a encerrar suas operações. Quando a Parmalat entrou no mercado de
laticínios da África do Sul durante os anos 1990, ganhou participação no mercado vendendo mais barato do que
os processadores e distribuidores locais – muitos dos quais tiveram que fechar suas portas.195 Depois que entrou
no mercado, a Parmalat ofereceu produtos de laticínios aos varejistas por preços reduzidos e depois pressionou
os criadores de gado leiteiro para que reduzissem seus preços em até 28%. No entanto, à medida que a
Parmalat se estabelecia no mercado, aumentava gradualmente seus preços de venda aos varejistas. As práticas
da Parmalat asseguraram seu domínio de mercado sobre produtores e processadores de laticínios menores e
eliminaram completamente do mercado alguns de seus concorrentes.196
O domínio de mercado das empresas transnacionais torna quase impossível o acesso de companhias dos países
em desenvolvimento às etapas mais lucrativas de processamento e empacotamento da cadeia agroalimentar.
Como afirma o Instituto de Desenvolvimento Estrangeiro (Overseas Development Institute) do Reino Unido: “As
condições do mercado das commodities, controlado por um pequeno número de grandes empresas integradas,
torna o acesso ao processamento de commodities extremamente difícil para os países em desenvolvimento”.197
Em muitos mercados importantes de commodities, a tendência de longo prazo tem sido os países desenvolvidos
aumentarem sua parcela de valor agregado às commodities produzidas no Sul. Por exemplo, a contribuição dos
países em desenvolvimento para o valor agregado no comércio do cacau declinou de 60% em 1970-1972 para
cerca de 28% em 1998-2000.198
Há mais oportunidades para empresas dos países em desenvolvimento agregarem valor quando as etapas de
fabricação e venda no varejo de uma cadeia de fornecimento não estão concentradas. Porém, os altos níveis
de concentração corporativa nessas etapas da cadeia agroalimentar impõem grandes barreiras à entrada
de empresas do Sul.199 De acordo com a UNCTAD, esse desequilíbrios crônicos de poder na estrutura dos
mercados globais de commodities contribuem para um círculo de estagnação econômica e pobreza extrema e
persistente nos países em desenvolvimento que dependem dessas commodities.200
39
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
3.4 As transnacionais não são totalmente responsabilizadas pelos
impactos nos direitos humanos e no meio ambiente
“Eu implorava e voltava a implorar à minha mãe para que me deixasse parar de trabalhar
e voltar para a escola... O cheiro dos pesticidas me dava vontade de vomitar. Primeiro,
fazia meu nariz escorrer e me dava uma dor de cabeça forte. Depois, sentia náuseas e
tontura”. Suhasini Boya, de 9 anos, trabalha nos campos de algodão de Andhra Pradesh, 2004.201
Os problemas destacados nos capítulos anteriores derivam do uso e abuso por parte das corporações
agroalimentares de seu poder de mercado concentrado e da ausência de uma ação contrária por parte dos
governos para reorientar os mercados agroalimentares na direção de resultados mais eqüitativos. O capítulo
4 aponta como esses problemas podem ser enfrentados através da concorrência, investimento, comércio e
políticas de ajuda ao desenvolvimento, assim como pela auto-regulamentação das empresas. Porém, a história
de Mallesh Harijana mostra que o mau uso do poder de mercado não é o único tipo de atividade corporativa
que prejudica os direitos das pessoas. Trabalhador de 13 anos de idade, Mallesh tinha passado um longo dia
pulverizando pesticidas com uma lata furada numa fazenda de sementes de algodão em Andhra Pradesh, no Sul
da Índia. Depois do trabalho, ele chupou uma manga sem lavar as mãos. Em 15 minutos, estava todo curvado
pelas dores e morreu na manhã seguinte envenenado pelo pesticida.
“Nós todos comemos com o que Mallesh ganhava para continuar vivos, mas não tivemos meios de mantêlo vivo”, disse sua mãe, que por causa do custo demorou a alugar um jipe para levá-lo ao hospital do distrito.
A morte de Mallesh é um dos 36 casos em que há suspeita de envenenamento por pesticidas, atualmente
sendo investigados por uma organização local. Ele era uma das 83.000 crianças trabalhadoras empregadas
na indústria de sementes de algodão de Andhra Pradesh (ver Estudo de caso 3). Em 2003, aproximadamente
12.000 crianças foram empregadas em fazendas que forneciam sementes de algodão às transnacionais, muitas
delas trabalhando até 13 horas por dia em condições em que os padrões de saúde e segurança eram baixos ou
inexistentes. A fazenda em que Mallesh trabalhava não fornecia para transnacionais, porém, o trabalho infantil é
comumente usado na aplicação de pesticidas nas fazendas de sementes de algodão, que fornecem tanto para
as empresas transnacionais quanto para companhias locais.202
Os direitos dos agricultores, trabalhadores agrícolas e comunidades rurais nos países em desenvolvimento são
muitas vezes violados por causa das atividades das transnacionais agroalimentares. Os estudos de casos a
seguir, envolvendo trabalho infantil, deslocamentos forçados e envenenamento industrial são somente alguns
poucos exemplos. No entanto, corroboram o consenso emergente de que padrões legais internacionais
atualmente aplicados aos Estados precisam ser estendidos às transnacionais, para responsabilizá-las pelos
impactos danosos nos direitos humanos e no meio ambiente.
Responsabilidades corporativas
Nos últimos 20 anos, as tendências globais de privatização das empresas estatais, a desregulamentação e a
liberalização expandiram significativamente o escopo das atividades do setor privado para áreas antes reservadas
às intuições públicas. Ao mesmo tempo, as corporações conseguiram um enorme poder político e econômico,
ajudadas por um lobby coordenado da indústria, garantindo que as políticas nacionais e internacionais fossem
formuladas e implementadas de acordo com seus interesses.203
Atualmente, as corporações têm influência substancial sobre os direitos humanos das pessoas e sobre a saúde
do ambiente natural. Os Estados têm o dever de proteger os indivíduos de danos e abusos, incluindo aqueles
perpetrados por atores privados, como as corporações. De forma direta e específica, um amplo espectro de
leis nacionais são aplicadas atualmente às companhias. Além disso, muitas normas internacionais também se
aplicam às empresas, incluindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Embora essa Declaração diga respeito primariamente aos Estados, ela exige que “cada organismo da sociedade”
respeite, promova e assegure os direitos humanos.204 Também se aplica às empresas os acordos internacionais,
como as Diretrizes da OCDE para as empresas multinacionais205 e a Declaração Tripartite da OIT.206 Atualmente,
essas normas internacionais podem ter algum efeito jurídico como soft law,207 porém, ao contrário das
obrigações de um tratado internacional, não são legalmente vinculatórias para os Estados ou empresas.
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
40
As transnacionais superaram as regulamentações nacionais
Quando as empresas cometem abusos contra os direitos humanos ou degradam o meio ambiente, as pessoas
se voltam para os governos nacionais em busca de proteção e reparação. Contudo, as regulamentações
nacionais são, muitas vezes, insuficientes para proteger as comunidades e os ecossistemas da má conduta
corporativa. Em muitos aspectos, as empresas transnacionais superaram o alcance das leis nacionais. Há muitas
razões para isso, incluindo:
•As leis relevantes dos países nos quais as transnacionais operam são de qualidade desigual ou não são sempre cumpridas, especialmente nos casos em que a companhia e o governo do país hospedeiro estão juntos nos abusos;
•Os governos enfrentam um conflito de interesse entre a implementação e o cumprimento de leis que responsabilizem as transnacionais por suas atividades e suas tentativas de atrair investimentos estrangeiros;
•As leis diferem de um país a outro, tanto em seu conteúdo quanto no grau em que são cumpridas;
•As empresas podem evitar ações legais, explorando a separação jurídica entre a empresa matriz e as subsidiárias, o que é conhecido como o “véu corporativo” (ver Capítulo 3, seção 6);
•A capacidade de as empresas transnacionais transferirem capital livremente entre diferentes países dificulta os esforços dos Estados individuais para regulamentar suas atividades.
As transnacionais não são inteiramente responsabilizadas na legislação internacional
Assim, muitas atividades danosas realizadas pelas transnacionais estão fora do alcance teórico e prático da
legislação nacional. Porém, muitas dessas atividades também não estão cobertas pela legislação internacional,
permitindo que as transnacionais operem no equivalente a um “vazio regulatório”. As empresas transnacionais
desenvolveram muita habilidade em manter e tirar vantagem desse vazio, combinando isso com uma utilização
astuta da legislação existente e sua influencia sobre a formulação de políticas públicas. São práticas comuns:
•Enfraquecer a legislação trabalhista, ambiental e de saúde pública;208
•Praticar “duplos padrões”: agindo de maneira mais responsável nos países com regulamentação mais estrita e de modo menos responsável nos demais países;209
•Declarar mais lucros nos países onde os impostos são mais baixos;210
•Criar empresas fictícias ou holdings para evitar exigências regulatórias;211
•Praticar “fixação de preços de transferência”;212
•Exercer práticas comerciais contrárias à concorrência.213
Regras internacionais são necessárias
Está clara a necessidade de enfrentar essa lacuna na governança global e um consenso começa a surgir de
que as normas legais internacionais, atualmente aplicadas primariamente aos Estados, precisam ser estendidas
para os negócios privados.214 Da mesma forma que as leis de direitos humanos foram desenvolvidas para
contrabalançar o poder dos Estados, as obrigações jurídicas dos direitos humanos precisam, agora, englobar
o setor privado, de modo a contrabalançar o poder e a influência das transnacionais. Nem todas as práticas
citadas anteriormente estariam cobertas pela legislação atual de direitos humanos e ambiental. No entanto,
algumas dessas práticas precisam ser enfrentadas, por exemplo, por marcos de referência regionais e
internacionais sobre concorrência e investimento (ver Capítulo 4).
A ActionAid é parte de uma rede de grupos da sociedade civil que pressiona por normas globais que formem a
base de um conjunto de obrigações legalmente vinculatórias para as empresas transnacionais. A Subcomissão
da ONU de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos está atualmente clarificando a abrangência dessas
obrigações (ver Capítulo 4). Embora as regras internacionais não sejam um substituto para a legislação nacional,
podem atuar como padrão de avaliação das leis e regulamentos nacionais e fortalecer os marcos de referência
nacionais quando forem traduzidas em legislação doméstica.
A lei internacional pode ser aplicada explicitamente a atores privados
Segundo os especialistas jurídicos independentes e respeitados do Conselho Internacional de Políticas de
Direitos Humanos, “nenhum obstáculo conceitual impede que os Estados exijam que as empresas cumpram
obrigações internacionais de direitos humanos legalmente vinculatórias” (ICHRP, 2004). Na verdade, alguns
Tratados internacionais já impõem obrigações legais diretas às empresas, como por exemplo:
41
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
• Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção;215
• Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil de Danos Causados por Poluição por Óleo;216
• Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.217
Um número cada vez maior de governos está aplicando as leis internacionais de direitos humanos em suas
jurisdições nacionais e pode-se argumentar que a legislação internacional já cria obrigações legais diretas para
as empresas privadas. À medida que Estados, peritos legais e sociedade civil cada vez mais adotam a linguagem
e o marco de referência da obrigação legal, e governos começam a endossar iniciativas internacionais para o
estabelecimento de normas, as empresas serão cada vez mais responsabilizadas por seus impactos nos direitos
humanos e no meio ambiente.
Estudo de caso 3
As empresas transnacionais têm sido acusadas de
se beneficiarem da utilização de trabalho infantil para
produzir sementes de algodão híbrido na Índia e por
não fazer o bastante para eliminar essa prática nas
suas cadeias de fornecimento.218 Calcula-se que
82.875 crianças estavam empregadas em fazendas
de sementes de algodão no estado sulista de Andhra
Pradesh, em 2003-2004 – das quais 12.375 trabalhavam
em fazendas que forneciam para subsidiárias de
empresas transnacionais, tais como Advanta, Bayer,
Monsanto, Syngenta e Unilever.219
Karen Robinson/Panos/ActionAid Reino
Unido/ Crianças trabalhadoras em fazendas de
sementes de algodão, Índia.
Trabalho infantil nas fazendas de sementes de algodão da Índia
Grupos que fazem campanhas informam que muitas
crianças trabalhadoras têm menos de dez anos, que 85% delas são meninas e que ganham um salário médio
diário de 14-25 rupias.220 Muitas dessas crianças são migrantes das castas inferiores, forçadas a trabalhar no
regime de servidão por dívida, para pagar dívidas familiares. Normalmente, o trabalho das crianças é fazer a
polinização cruzada manual das flores do algodão, em jornadas de até 13 horas. Neste processo, elas ficam
expostas aos pesticidas tóxicos. As crianças moram juntas em pequenas cabanas e se queixam de dores de
cabeça, náuseas e convulsões. “É um trabalho muito duro e ficamos cansadas e entediadas fazendo sempre
o mesmo trabalho”, diz Sarala, uma menina de 12 anos que trabalha na aldeia de Alavakona, entrevistada pela
ActionAid.221
As empresas transnacionais não empregam as crianças diretamente, mas trabalham com intermediários
conhecidos como “organizadores de sementes” que, por sua vez, trabalham com os agricultores locais. Os
ativistas das campanhas dizem que as transnacionais são cúmplices na utilização do trabalho infantil por que
contribuem para fixar e pagar preços tão baixos pelas sementes de algodão, que fica menos viável para os
agricultores empregar trabalhadores adultos. Eles argumentam que as transnacionais exercem um alto nível de
influência e controle sobre o processo de produção da semente do algodão ao fornecer crédito e assessoria
técnica aos agricultores e ao estipular os controles de qualidade. Representantes das corporações fazem visitas
regulares às terras dos agricultores, para assegurar que seus padrões estão sendo seguidos e para assessorar
no uso de pesticidas.222 Apesar disso, a experiência de Suhasini (ver p. 37) não é um caso isolado. Há suspeitas
de que muitas crianças morreram de envenenamento por pesticidas e um grupo da sociedade civil local, a
Fundação MV, investiga atualmente 36 mortes de crianças pequenas.223
Tudo indica que foi principalmente por causa dos esforços de exposição e divulgação feitos por grupos
locais, em 2001, que as empresas tomaram medidas contra o trabalho infantil.224 Os ativistas das campanhas
argumentam que se houvesse obrigações mais fortes para as empresas transnacionais respeitarem os direitos
humanos internacionais, essas companhias teriam sido forçadas a agir antes – embora as grandes empresas
neguem ter qualquer responsabilidade legal pelas atividades dos agricultores locais.225 Para enfrentar esse
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
problema, as transnacionais estabeleceram conjuntamente um Grupo para a Eliminação do Trabalho Infantil. A
Unilever afirma que pretende implementar planos antigos de se retirar do negócio da semente de algodão na
Índia, em 2005.
Campanhas recentes, ações legais contra agricultores e intervenções do governo do Estado, grupos
transnacionais, da indústria e da sociedade civil reduziram o número de crianças trabalhadoras em Andhra
Pradesh – de 247.830 em 2000-2001 para 82.875 em 2003-2004.226 No entanto, alguns observadores comentam
que o declínio se deve principalmente à seca, e que as transnacionais precisam fazer muito mais para retirar as
crianças trabalhadoras dos campos de algodão e colocá-las nas escolas.227
3.5 A responsabilidade social corporativa é opcional e insuficiente
“Conduzimos nossas operações com honestidade, integridade e abertura, respeitando
os direitos humanos e os interesses de nossos empregados. Da mesma forma,
respeitamos os legítimos interesses daqueles com quem mantemos relações”. Princípios
do Código Empresarial da Unilever.228
“Os funcionários da fazenda [de chá], chegavam em nossas terras por volta das dez da
manhã, junto com fiscais de florestas e de arrecadação... Eles ficavam arrancando as
plantas de chá. Todo o trabalho duro que tínhamos feito, nosso suor e esforço. Todos os
funcionários ficavam em pé, em círculo. O empregado da aldeia e os fiscais arrancavam
as plantas. Nossa gente implorava, protestava, pedia, as mulheres choravam”. Badichi
Vayal descrevendo como empregados da subsidiária indiana da Unilever arrancaram suas touceiras
de chá em Tamil Nadu.229
Os esforços voluntários realizados pelas empresas para melhorar seu desempenho social e ambiental,
uma prática conhecida como responsabilidade social corporativa (RSC), trazem benefícios importantes. A
responsabilidade social corporativa pode atuar como instrumento para melhorar e desenvolver boas relações
com todos aqueles com quem a empresa entra em contato, de trabalhadores e fornecedores a consumidores e
acionistas. A RSC tem-se mostrado flexível e adaptável e pode ajudar as empresas a desenvolver e implementar
melhores práticas no seu setor industrial. Além disso, pode ajudar as companhias a melhorar suas práticas antes
que o governo introduza uma legislação.
Porém, a meta de proteger os direitos humanos e o meio ambiente não pode ser deixada somente por conta
da boa vontade das empresas ou por conta da resposta dessas empresas a pressões de críticas externas. As
empresas com acionistas externos (a maioria das transnacionais) são obrigadas por lei a agir, primeiro e acima
de tudo, no interesse de seus acionistas, uma obrigação que as empresas e seus acionistas institucionais
geralmente interpretam como a maximização dos lucros e resultados. No entanto, as corporações podem ter um
conflito de interesse entre este objetivo e seu declarado compromisso com a responsabilidade social corporativa.
Existe ampla evidência de que corporações que assumiram compromissos públicos com a responsabilidade
social corporativa estão também tendo impactos negativos sobre comunidades e meio ambiente.230 Apesar das
boas intenções de muitos daqueles envolvidos na promoção da RSC, a prática geralmente não tem minimizado
ou evitado esses impactos negativos e atualmente precisa ser apoiada por normas legais mínimas. A seção
seguinte explica por que a responsabilidade social corporativa tem sido insuficiente.
A proliferação de códigos de RSC tem gerado confusão
Atualmente, sobra confusão com tantos códigos de empresas individuais e códigos que abrangem indústrias
inteiras, alguns deles contradizendo uns aos outros. Os trabalhadores, fornecedores e mesmo as grandes
empresas consideram que essa proliferação e falta de coerência está, na verdade, prejudicando seus esforços
para enfrentar as questões que os códigos buscam solucionar. O grande número de códigos diferentes
pode sobrecarregar os sindicatos com recursos escassos e muitos trabalhadores podem até mesmo não
estar conscientes da existência desses códigos. As empresas que fornecem para diferentes companhias
43
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
transnacionais muitas vezes têm que lidar com uma ampla variedade de iniciativas separadas que podem se
sobrepor, mas também divergir em várias áreas. Este parece ser o caso da indústria de roupas, onde definições
diferentes em códigos distintos – por exemplo, sobre o que constitui trabalho infantil – geram incertezas para os
fornecedores e trabalhadores em relação a que norma devem utilizar.231
A proliferação de códigos tem implicações mais amplas para as empresas. A reclamação mais comum entre
as empresas pesquisadas para um relatório de 2003 foi a de que o número de códigos voluntários não era
administrável. Algumas empresas eram a favor do desenvolvimento de um código universal “porque isso
eliminaria a desculpa dos gerentes de fábricas de que a pletora de códigos que devem cumprir gera confusão”.232
Os códigos de RSC geralmente têm abrangência, cobertura e conteúdo limitados
Apesar da ampla variedade e do número de códigos, eles cobrem somente uma pequena parte do mundo
corporativo.233 A maior parte das iniciativas de RSC são promovidas por grandes empresas e, especialmente,
por aquelas com alto perfil público e marcas bem conhecidas. De um número estimado de 64.000 empresas
transnacionais em operação, somente 1.500 a 2.000 produzem relatórios anuais sobre sua responsabilidade
social corporativa234. Isso representa no máximo 3% do total e cerca da metade desses relatórios são de
companhias européias.235 Muitas vezes não fica claro até que ponto da cadeia de fornecimento o código é
aplicado. Por exemplo, a indústria de roupas depende de um enorme quantidade de subcontratados e os
códigos costumam ser imprecisos na aplicação aos fornecedores.236
Uma pesquisa da OCDE revelou que a maior parte dos códigos de empresa eram aplicados a setores industriais
de alto perfil público, especialmente têxteis, químicos e de indústrias extrativas. Em contraste, o setor agrícola
tinha relativamente poucos códigos de empresa e a indústria de fabricação de alimentos tinha menos ainda.237
O principal fator determinante parece ser o mercado exportador da empresa: os códigos foram adotados
principalmente pelas companhias que vendem para os países desenvolvidos, onde suas marcas e imagens
corporativas são mais suscetíveis à crítica e à pressão pública.238
A seleção, ou mesmo omissão, de questões cobertas pelos códigos de responsabilidade social corporativa
apresenta uma variação significativa. A pesquisa da OCDE revelou que a metade dos códigos que tratam de
questões trabalhistas não reconhecia a proibição do trabalho infantil ou o direito à liberdade de associação
– ambos direitos humanos fundamentais.239 Os temas trabalhistas são importantes nos códigos das indústrias
têxteis, de sapatos, brinquedos e varejistas porque elas fornecem bens ao consumidor e, portanto, são
suscetíveis às pressões e ao boicote desses consumidores. Além disso, essas indústrias foram criticadas no
passado por abusos trabalhistas.240 Em contraste, os códigos nas indústrias químicas, florestais, de petróleo e
mineração tendem a focalizar mais as questões ambientais, áreas nas quais essas indústrias têm sido criticadas
publicamente.241
Em resumo, a maior parte das empresas simplesmente não aderiu de modo algum à responsabilidade social
corporativa, enquanto outras adotaram uma abordagem de “seleção e combinação”. Como conclui o Instituo
de Pesquisa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável: “Assim, há uma possibilidade de que
quando os códigos forem adotados, tornem-se oásis de melhores práticas, deixando de afetar a maior parte dos
produtores [e das questões]”.242
A implementação e o cumprimento da RSC são limitados
A implementação real dos códigos ao longo das operações de uma empresa permanece relativamente
limitada. A maior parte dos códigos são declarações gerais de princípios e não instruções detalhadas de como
os princípios podem ser aplicados às atividades da companhia. No final da década de 1990, a Organização
Internacional dos Empregadores calculava que “80% dos códigos eram, na verdade, declarações sobre a ética
geral dos negócios, sem métodos de implementação”.243 Além disso, a implementação somente pode ser
garantida e ter credibilidade quando é verificada de forma independente e externa. Porém, de aproximadamente
2.000 relatórios de RSC produzidos pelas transnacionais, somente cerca de 40% são verificados
externamente.244
O monitoramento independente avalia o cumprimento do código de RSC pelas empresa. No entanto, elas muitas
vezes hesitam em permitir o monitoramento externo de suas operações no estrangeiro. Por exemplo, uma aliança
da sociedade civil tentou estimular os supermercados que operam no Reino Unido a melhorarem suas práticas
de produção e a serem mais justos nas suas operações comerciais ao longo da cadeia de fornecimento. A
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
iniciativa, denominada “Corrida para o Topo” 245, foi um fracasso, em parte porque envolveria o exame externo
dos supermercados, incluindo seus impactos nos produtores e fornecedores. Muitas companhias perceberam
que tal exame envolveria mais riscos para elas do que quaisquer benefícios que pudessem obter de um perfil
público melhorado e retiraram seu apoio à iniciativa.246
Outro problema da responsabilidade social corporativa é não haver meios para fazer cumprir os códigos. Como
foi mostrado no capítulo 3, seção 6, as Diretrizes da OCDE oferecem algum tipo de monitoramento de suas
operações e os meios para encaminhar reclamações quando as empresas não as aplicam. Porém, na prática,
pouco pode ser feito para assegurar o cumprimento das Diretrizes.
A RSC funciona de cima para baixo
A UNCTAD, com base em trabalhos do Banco Mundial, expressou preocupações de que as iniciativas
de RSC sejam essencialmente “códigos vindos de cima” e impostos de “cima para baixo”: “[Uma] crítica
importante desses códigos é que, embora tratem fundamentalmente de direitos dos trabalhadores, os
próprios trabalhadores não participam do processo. Os códigos não são negociados entre empregadores e
trabalhadores, mas introduzidos de ‘cima para baixo’ pelas próprias companhias”.247
A maior parte dos agricultores e trabalhadores não são sindicalizados e muitos dos que não pertencem a um
sindicato são mulheres. Quando esses códigos são escritos, as mulheres e suas organizações raramente são
consultadas, embora constituam a maioria da força de trabalho em muitas indústrias do Sul.248 Muitas das
preocupações dos trabalhadores familiares, incluindo o direito de organizar sindicatos, estão sendo incluídas
nos códigos, porém são raramente incluídos temas de especial importância para as mulheres, tais como
amamentação, licença-maternidade, cuidados com as crianças e a liberdade de não sofrer assédio sexual. Na
verdade, uma pesquisa envolvendo 22 códigos voluntários revelou que os direitos reprodutivos tinham sido
incluídos em somente dois deles, após consulta a grupos de mulheres.249
A retórica da RSC raramente corresponde à realidade
A experiência da ActionAid no trabalho com comunidades rurais sugere que, ao contrário das muitas alegações
feitas por companhias e governos, os códigos voluntários de conduta não são a melhor maneira de respeitar
os direitos humanos e proteger o meio ambiente (ver Estudo de caso 4). Por exemplo, nosso trabalho com
comunidades locais na vizinhança da fábrica da Coca-Cola em Plachimada, no estado sulista de Kerala, Índia,
revelou a extensão dos danos causados pela companhia com a contínua extração de água do subsolo, a
despeito do compromisso da Coca-Cola com a responsabilidade social corporativa.250 No Quênia, a ActionAid
apóia as comunidades locais que fazem campanha contra os planos da empresa canadense, Tiomin Resources,
de extrair titânio em Kwale, no litoral queniano. A Tiomin afirma que tem um compromisso de cuidar das
comunidades nas quais faz negócios, porém o povo indígena digo e os grupos de campanhas locais alegam
coerção e falta de consulta, além de alertarem sobre as ameaças à vida florestal e marinha – o que é negado
pela Tiomin.
Estudo de caso 4
A subsidiária indiana da Unilever, Hindustan Lever (HLL), afirma
que sua abordagem da responsabilidade social corporativa está
enraizada na crença da empresa matriz de que “o sucesso requer
os mais altos padrões de comportamento corporativo em relação
aos empregados, consumidores, sociedade e ao mundo em que
vivemos”251 A Unilever tem um alto perfil público por seu declarado
compromisso com a responsabilidade social corporativa e
é respeitada por sua iniciativa252 de agricultura sustentável,
promovendo práticas sustentáveis em sua produção global de
óleo de palmeira, ervilhas, espinafre, chá e tomates.
Stan Thekaekara/ aldeão adivasi, Tamil
Nadu, Índia.
A luta pela terra na Índia
Porém, a experiência das comunidades tribais adivasis,253 perto da fazenda de chá Davershola, no vale de
Gudalur em Tamil Nadur, sul da Índia, parece muito distante das intenções corporativas declaradas pela Unilever.
45
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Os aldeões adivasis dizem que têm sido perseguidos e intimidados, que suas casas têm sido derrubadas e
suas plantas de chá arrancadas, na prolongada disputa pela propriedade da terra com gerentes da fazenda
de chá Davershola, de propriedade da HLL. Cinco tribos adivasis do vale de Gudalur, incluindo os paniyas,
bettakurumbas e irulas, lutam por seus direitos ancestrais à terra. O aldeão Vayal Madan, da aldeia de
Kadchinkolly afirma que sua família vivia sob medo constante dos gerentes da fazenda da HLL. “Estávamos
aterrorizados”, disse ele. “Eles derrubavam os casebres semipermanentes que tínhamos construído. Tudo o que
plantávamos era sempre destruído. Eles podiam nos expulsar de nossa terra... A Unilever é muito poderosa. Esta
é uma empresa que controla milhares de acres, mas que não se envergonha de despejar adivasis pobres que
possuem de um quarto a meio acre de chá”.254
A Unilever se esforça para ser “um cidadão corporativo confiável” e para respeitar voluntariamente os “interesses
legítimos” das comunidades com as quais se relaciona – embora não explicitem a gama completa dos direitos
humanos. Apesar disso, o aldeão Balan diz que suas plantações foram destruídas e sua subsistência ameaçada.
Ele afirma: “O novo gerente [da HLL] chegou com funcionários do departamento florestal, quando eu estava
trabalhando no campo, e destruiu minhas plantas de café e mandioca. Eles cortaram e arrancaram nossas
touceiras de grevílea, pimenta, mandioca, banana e café. Implorei para que não destruíssem nossas plantas, mas
me ignoraram”.255
Os adivasis estão buscando na Justiça seus direitos à terra e constantemente tentam convencer os funcionários
da HLL a pararem com as ameaças e com as invasões de suas terras, campos de caça e áreas de sepultamento
de ancestrais. Embora o compromisso da Unilever com a RSC seja algo bem-vindo, este exemplo reforça a tese
de que uma abordagem voluntária à regulamentação corporativa é insuficiente e precisa ser apoiada por uma
plataforma de normas legais mínimas.
A abordagem voluntária não deixa de ter seus méritos e nem todos os problemas destacados neste relatório
podem ser atualmente solucionados através de medidas legalmente vinculatórias. A questão de institucionalizar
os princípios do comércio justo como prática corporativa padrão e a inclusão dos pequenos produtores nas
cadeias de fornecimento são exemplos pertinentes, embora a regulamentação estatal pudesse avançar bastante
na solução dessas questões (ver Capítulo 4). Como foi assinalado pelo Conselho Internacional de Políticas de
Direitos Humanos: “No futuro, devemos ter uma mistura de regras voluntárias e vinculatórias que, juntas, vão
garantir o respeito das empresas aos direitos humanos e demonstrarem que elas assim procedem”.256
3.6 As pessoas prejudicadas por atividades corporativas não têm
acesso à justiça
“As crianças gritavam, vomitavam e apertavam suas barrigas. Algumas estavam mortas,
outras se contorciam na grama e outras estavam no pátio da escola. Não sabíamos
o que fazer”. Mulher da aldeia Tauccamarca, no Peru, descrevendo o que aconteceu após um
envenenamento por pesticida, em 1999.257
“Em grande medida, as empresas [de pesticidas] têm evitado a responsabilidade legal
pelos efeitos adversos de seus produtos. No entanto, há um reconhecimento crescente
da necessidade de enfrentar a dificuldade de reparações... As vítimas de envenenamento
por pesticida têm tido até agora um sucesso limitado em responsabilizar os fabricantes
em ações judiciais”. Barbara Dinham, diretora da Rede de Ação contra Pesticidas, Reino Unido.258
Cinco anos após a morte de 24 crianças em Tauccamarca, no Peru, depois de terem acidentalmente ingerido
um perigoso pesticida vendido pela companhia agroquímica Bayer, suas famílias ainda estão esperando por
justiça. Como mostra o estudo de caso a seguir, uma subcomissão do Congresso peruano encontrou provas
de responsabilidade criminal por parte da Bayer e do Ministério da Agricultura do Peru, recomendando que eles
indenizassem as famílias. Apesar disto, as famílias não receberam nenhuma assistência, indenização ou pedido
de desculpas da companhia, que bloqueou uma ação legal iniciada pelas famílias.259 Os aldeões peruanos não
estão sozinhos ao enfrentarem barreiras para conseguir justiça contra as transnacionais. Este capítulo ilustra
como os obstáculos jurídicos muitas vezes impedem que as pessoas obtenham reparação pelas más ações das
corporações.
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
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Quando as empresas transnacionais se envolvem em práticas que violam os direitos humanos e o meio
ambiente, as comunidades afetadas procuram reparação através das leis e regulamentações de seu próprio
país (algumas vezes denominado de país “hospedeiro”). Essas comunidades também podem buscar justiça no
país onde a companhia está sediada (o país de origem) ou através de marcos jurídicos internacionais. Contudo,
as autoridades do país de origem e do país hospedeiro muitas vezes não querem ou não são capazes de
assegurar que as empresas sejam processadas. Além disso, atualmente não existem mecanismos internacionais
de reparação que sejam legalmente vinculatórios para as empresas.260 Uma vez mais, as transnacionais caem
em uma lacuna entre os marcos jurídicos nacionais e internacionais, deixando as pessoas afetadas com
oportunidades limitadas de responsabilizar as empresas por danos pessoais ou ambientais.
Obstáculos para conseguir reparações no país hospedeiro
Muitos obstáculos impedem que as pessoas responsabilizem as corporações em seus próprios tribunais
nacionais. Alguns desses obstáculos são de natureza política (ver Capítulo 3, seção 4), porém muitos deles são
jurídicos, por exemplo:
As pessoas pobres não possuem recursos para ações legais
Os prejudicados por atividades corporativas muitas vezes são pessoas pobres. Contudo, na maioria dos casos,
essas pessoas têm de pagar os custos das ações legais contra as corporações, que têm acesso a recursos
muito maiores. Poucos países em desenvolvimento oferecem assistência jurídica gratuita e, se o reclamante
perder a causa, corre o risco de ter de pagar todos os custos.
As pessoas sofrem longas esperas para obter justiça
Pessoas afetadas que conseguiram processar as empresas podem ter de esperar anos por algum resultado. Os
tribunais dos países em desenvolvimento muitas vezes têm poucos recursos e as companhias utilizam táticas
de adiamento para evitar as decisões judiciais. Por exemplo, desde 1983 os trabalhadores haviam apresentado
queixas judiciais contra as corporações bananeiras Standard Fruit (atualmente Dole Food) e United Fruit
(atualmente Chiquita), e contra os fabricantes de produtos químicos Shell e Dow por causa de envenenamentos
por pesticidas em fazendas de banana na Costa Rica.261 As companhias conseguiram evitar o pagamento de
indenizações aos trabalhadores, adiando qualquer decisão final por mais de dez anos.262
O ônus da prova recai sobre as pessoas afetadas
As pessoas que procuram reparações muitas vezes têm dificuldades de juntar as provas necessárias para
suas demandas. Podem ser necessárias provas científicas onerosas e quase sempre as transnacionais têm o
controle dos documentos e provas importantes.263 Por exemplo, a Unilever levou três anos para liberar fichas
médicas dos trabalhadores que haviam sido expostos ao mercúrio na fábrica de termômetros da empresa em
Kodaikanal, Tamil Nadu, Índia.264 A fábrica da Unilever foi fechada em 2001, após protestos contra a poluição
dos ecossistemas locais.265 Exames médicos indicaram que alguns trabalhadores mostravam sintomas de
envenenamento por mercúrio, incluindo doenças de rins, visão turva e tremores.266 Até outubro de 2004, ninguém
havia recebido qualquer indenização da companhia,267 que afirma que os trabalhadores não sofreram efeitos
adversos de exposição ao mercúrio derivados das operações da fábrica.268
Riscos de perseguição
As pessoas prejudicadas por atividades corporativas podem não buscar reparação com medo de perseguição.
Esta preocupação ocorre especialmente nos casos em que a empresa está colaborando com o governo nacional
e com as forças de segurança.269
Falta de “legitimidade legal” é uma barreira às reparações
As pessoas que podem iniciar ações são descritas como possuindo “legitimidade legal”. Na maior parte
dos casos, somente aquelas pessoas que foram diretamente prejudicadas pelas atividades das empresas
transnacionais possuem essa legitimidade e podem abrir processos. Em algumas jurisdições, grupos da
sociedade civil também possuem essa “legitimidade legal” e podem atuar em nome das pessoas afetadas. Em
geral, no entanto, são limitadas as opções jurídicas de organizações que fazem trabalho de advocacy, tornando
mais difícil que pessoas pobres e marginalizadas apresentem demandas judiciais.270
Multas baixas quase sempre não são fator de dissuasão
Muitas das penalidades aplicadas contra as companhias são de valor baixo e elas podem calcular que é mais
barato pagar as multas do que investir em mudanças estruturais para evitar que os danos voltem a ocorrer. A
47
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Shell, um empresa que vende US$ 270 bilhões, recebeu do Ibama uma multa de US$ 39.000 em 2002 pela
contaminação de poços públicos na Vila Carioca, distrito pobre de São Paulo.271 Os residentes usavam a água
de poços para beber para e para irrigar suas colheitas de alimentos, que foram poluídas com agroquímicos e
resíduos industriais do depósito da Shell.272 Os moradores testemunharam sobre problemas de saúde, incluindo
câncer, problemas respiratórios, infertilidade e depressão, que acreditam terem sido causados pelas operações
da Shell. A empresa nega responsabilidade pela contaminação dos moradores.273
“Véu corporativo” nega às pessoas acesso à Justiça
As corporações podem evitar responsabilidades legais escondendo-se atrás do “véu corporativo”, que cria a
ficção jurídica de que as empresas subsidiárias são completamente separadas da empresa matriz. Quando uma
companhia subsidiária causa danos a outros, o “véu corporativo” ajuda a proteger da responsabilidade legal
outros negócios dentro do grupo corporativo. Porém, torna também mais difícil responsabilizar a companhia
matriz pela ações de suas subsidiárias, embora a matriz possa exercer controle de fato sobre os outros membros
do grupo corporativo.274 Nas palavras de um juiz australiano: “cada holding tem o potencial – que quase sempre
exerce – de ter controle total sobre a subsidiária”.275
Quando confrontadas com ações legais, as corporações podem se reestruturar, evitando penalidades. Por
exemplo, quando na década de 1990 um grupo de trabalhadores sul-africanos, que sofria de envenenamento
por mercúrio, iniciou um processo contra a Thor Chemicals no Reino Unido, por causa das atividades de
sua subsidiária sul-africana, totalmente sob seu controle, o tribunal chegou à conclusão que a Thor havia,
provavelmente, se reestruturado para garantir que tivesse ativos financeiros limitados.276
Estudo de caso 5
Tragédia em Tauccamarca
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente, ocorrem, anualmente, de um a cinco milhões
de casos de envenenamento por pesticidas, resultando
em 20.000 mortes entre trabalhadores agrícolas. A maior
parte desses envenenamentos acontece nos países
em desenvolvimento, onde as medidas de proteção
são inadequadas ou inexistentes. Embora os países em
desenvolvimento utilizem 25% da produção mundial de
pesticidas, sofrem 99% das mortes.278
de
Foto AFP/ Jornal La Republica/ Caixões de crianças,
Tauccamarca, Peru.
No remoto altiplano andino do Peru, 24 crianças da aldeia
Tauccamarca morreram depois de ingerir leite contaminado
por um perigoso pesticida. Este incidente aconteceu em
outubro de 1999, quando uma mulher da comunidade
misturou acidentalmente um pesticida em forma de pó
branco com um saco de leite em pó. Mais 18 crianças
foram afetadas pelo envenenamento, porém conseguiram
sobreviver.277
O pesticida ingerido pelas crianças peruanas parece ter sido o metil paration. Esta substância é importada,
preparada e vendida no Peru pela Bayer S.A., uma subsidiária totalmente controlada pela empresa agroquímica
transnacional Bayer. O pesticida era vendido em sacos plásticos de um quilo com ilustrações de verduras no
rótulo e sem um pictograma que mostrasse o grave risco do pesticida para a saúde humana. A mulher analfabeta
que misturou o pesticida no leite em pó fala somente a língua local, o quíchua, e não podia ler o rótulo em
espanhol.279
Em 2002, três anos após o envenenamento, um relatório de uma subcomissão do Congresso peruano concluiu
que havia evidências significativas de responsabilidade criminal por parte da Bayer S.A. e de responsabilidade
administrativa e criminal por parte do Ministério da Agricultura do Peru pelos envenenamentos. O relatório
recomendava que a empresa e o governo indenizassem as famílias pelas mortes das crianças.280
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48
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Apesar dessas recomendações, o povo de Tauccamarca não recebeu nenhum pedido de desculpas ou
indenização. A Bayer tem argumentado, nos tribunais e na mídia, que respeita as exigências da lei peruana e que
opera com a política de “cuidado responsável” no Peru. No entanto, a Bayer foi pressionada a parar de vender
o metil paration na Alemanha em 1989. Desde 1999, esse produto foi quase inteiramente banido dos EUA,
por razões de saúde. O metil paration é um pesticida “extremamente perigoso”, classificado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) na categoria 1a. Porém, os ativistas argumentam que a Bayer comercializava o produto
no Peru sem rótulo adequado, alertando os usuários sobre os perigos potenciais.281
“Eles [a Bayer] não fizeram nada”, diz Erika Rosenthal, assessora jurídica da Rede de Ação contra Pesticidas
(América do Norte). “Seu fracasso em tomar medidas preventivas(...) não deve ser aceito como algo normal, deve
ser entendido como um desrespeito sistemático aos direitos humanos fundamentais”.282
O metil paration foi banido no Peru em conseqüência desses envenenamentos. As famílias das crianças atingidas
têm tentado ações legais contra a Bayer, porém com pouco sucesso. Elas abriram um processo em outubro de
2001, mas a Bayer conseguiu que a ação fosse anulada por razões de procedimento.283 O juiz da Suprema Corte
de Lima também emitiu uma resolução considerando que o caso era inadmissível, pelas mesmas razões.284 Até
o momento, as crianças que sobreviveram ao envenenamento não receberam acompanhamento médico ou
educação especial.285 O caso continua.
Obstáculos para conseguir reparação no país de origem ou
“responsabilidade estrangeira direta”
Os tribunais nacionais no país de origem da empresa matriz podem, às vezes, ser um caminho para conseguir
reparações. Esta prática é conhecida como “responsabilidade estrangeira direta”. Houve algumas poucas ações
legais contra empresas transnacionais em seu país de origem, porém isso aconteceu num número limitado de
países, principalmente nos EUA, mas também no Reino Unido, Canadá e Austrália. Em todos esses casos foram
alegados danos em outros países. Esses casos incluem ações legais contra a Cape, Coca-Cola, ExxonMobil,
RTZ (atualmente Rio Tinto), Shell, Texaco (atualmente ChevronTexaco), Thor Chemicals, Union Carbide
(atualmente Dow Chemicals) e Unocal.286
No entanto, é problemático iniciar ações nos países de origem. Questões de procedimento prejudicaram o
avanço da maioria dos casos citados e nenhum deles resultou numa vitória clara nas questões substantivas
apresentadas pelos reclamantes, enquanto outros casos foram resolvidos por acordos extrajudiciais, antes que
se tivesse uma decisão sobre os aspectos substantivos das ações. Palmer (2003) destaca outros obstáculos à
responsabilidade estrangeira direta, incluindo:
•Escolha do foro legal: Em geral, os tribunais têm um assumido a posição de que as ações devem ser iniciadas no país onde ocorreu o dano porque lá provas e testemunhas provavelmente estariam mais acessíveis (uma doutrina jurídica conhecida como forum non conveniens).
•Aplicação extraterritorial das leis do país de origem: a responsabilidade direta estrangeira tem o efeito de aplicar normas do país de origem num país estrangeiro. Isso traz preocupações sobre a violação da soberania de outros países pela aplicação extraterritorial de leis.
•Imunidade soberana: Há complicações se o governo hospedeiro é proprietário de parte da empresa ou está implicado em atividades que causaram a ação. Nesses casos, os tribunais de um país podem relutar em exercer jurisdição sobre governos estrangeiros.
Apesar das dificuldades, as ações legais no país de origem podem oferecer caminhos para reparação, quando
não se tem acesso à justiça no país hospedeiro. Processos abertos nos EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália
aumentaram a consciência do público sobre os duplos padrões empregados por algumas transnacionais nas
operações no estrangeiro e reforçaram a posição de que os tribunais do país de origem devem tratar da má
conduta corporativa no estrangeiro.287 Por exemplo, um julgamento da Câmara dos Lordes do ano 2000 tem
permitido ações no Reino Unido, nos casos em que não houve justiça no país hospedeiro – mesmo quando o
país hospedeiro parece ser o fórum mais apropriado, segundo a doutrina do forum non conveniens.288
49
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Obstáculos para obter reparação no nível internacional
Muitas normas internacionais – incluindo vários tratados das Nações Unidas sobre direitos humanos e sobre
o trabalho – contêm procedimentos para permitir que pessoas prejudicadas por atividades corporativas
apresentem queixas a organismos judiciais ou semi-judiciais.289 Contudo, os mecanismo de aplicação desses
tratados são débeis e difíceis de usar, estando baseados principalmente na pressão diplomática para encontrar
soluções.290 Além disso, geralmente só é possível responsabilizar legalmente os Estados através desses
mecanismos (ICHRP, 2002).
Diretrizes da OCDE
As Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais é o único mecanismo internacional que se aplica
exclusivamente a empresas, permitindo que a sociedade civil apresente reclamações. Se uma empresa viola
as Diretrizes, qualquer indivíduo ou organização pode fazer uma reclamação num “Ponto de Contato Nacional”
(PCN), no país de origem da empresa, que atua como mediador entre essa empresa e o reclamante. Caso as
partes não encontrem uma solução, o PCN pode repassar o caso para um comitê internacional da OCDE.
As Diretrizes não são legalmente vinculatórias e não têm tido bom desempenho
No entanto, nem os PCNs nem o Comitê Internacional da OCDE têm poderes para fazer cumprir suas decisões
– que são apenas moralmente vinculatórias para as partes e não podem ser aplicadas por um tribunal. Além
disso, as Diretrizes somente são aplicadas às empresas sediadas nos trinta países-membros da OCDE e não
existe nenhum sistema de ajuda financeira para aqueles com motivos fortes para apresentar uma reclamação.
Nos últimos anos, os observadores expressaram decepção com o desempenho dos mecanismos de queixas
das Diretrizes. Os PCNs vêm adotando abordagens muito diferentes para interpretar as Diretrizes e tratar dos
casos. Os trâmites são lentos e não são transparentes, parecendo que foram concebidos para desestimular as
reclamações.291
De acordo com uma pesquisa realizada pelo grupo da sociedade civil Observatório da OCDE, alguns PCNs
descartam automaticamente reclamações relacionadas a questões da cadeia de fornecimento, ainda que as
Diretrizes contenham dispositivos sobre as cadeias de fornecimento que as companhias supostamente violaram.
Dos 32 casos apresentados por grupos da sociedade civil desde o ano 2000, somente 12 tinham sido concluídos
em meados de 2004. Destes, somente dois resultaram numa declaração conjunta das partes. Embora
estivessem apoiados em provas cuidadosamente pesquisadas, outros casos foram declarados inadmissíveis ou
se arrastaram durante muitos anos. A pesquisa revelou que “com muita freqüência, as decisões parecem ter sido
tomadas em função de apelos especiais feitos pelas companhias ou de manipulações burocráticas ou... pela
reinterpretação das Diretrizes”.292 Entretanto, apesar dessas debilidades, o procedimento de reclamações das
Diretrizes da OCDE fornece um modelo útil sobre o qual construir um mecanismo internacional de reparações
mais robusto.
A necessidade de um sistema internacional de reparações e de responsabilidade direta estrangeira
Os tribunais no país hospedeiro devem permanecer como o foro principal para as comunidades atingidas
abrirem processos contra uma empresa. Contudo, eles têm-se mostrado, em grande medida, ineficazes em
fazer as empresas cumprirem suas obrigações de direitos humanos e ambientais. Avançar com base nas normas
existentes para estabelecer um marco legal internacional de regulamentação corporativa ajudaria a reforçar os
sistemas judiciais dos países pobres, incluindo sua capacidade de fazer cumprir regulamentações e conseguir
reparações.
Quando os caminhos nacionais e internacionais para conseguir reparações são inadequados ou estão
esgotados, deve haver dispositivos para que as pessoas afetadas possam abrir processos no país onde a
transnacional está registrada ou no país de origem da empresa matriz. O estabelecimento e a codificação de
dispositivos para a responsabilidade direta estrangeira na lei nacional ajudariam a clarificar as questões jurídicas
dessas reclamações. As companhias podem receber bem esta estabilidade legal, que criaria um caminho
importante para as comunidades afetadas conseguirem reparação.
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Martin Herring/ActionAid Reino Unido/ Aldeões protestam fora da fábrica da Coca-Cola, em Plachimada, Índia.
Capítulo 4
Políticas para a
regulamentação corporativa
51
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
“À medida que os governos – especialmente os do Sul – desistem de se envolver
fortemente na agricultura, sendo substituídos por relações diretas entre agricultores e
empresários dos agronegócios, é necessário enfrentar a lacuna de políticas para o setor
privado”. Bill Vorley, Instituto Internacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento 293
“Não podemos deixar que as companhias se auto-regulamentem em escala global, assim
como não podemos fazer isso em nossas economias nacionais. Estabelecer padrões
comuns no nível global requer legislação”. Jack Straw, membro do Parlamento, Secretário de
Estado de Assuntos Estrangeiros do Reino Unido, 2001.294
As empresas agroalimentares estão impulsionando características contrárias ao desenvolvimento na cadeia
agroalimentar e suas práticas empresariais estão deteriorando os direitos das pessoas nos países em
desenvolvimento. Há uma evidente necessidade de novos mecanismos institucionais para enfrentar o poder de
mercado das empresas transnacionais agroalimentares e para assegurar que as empresas contribuam para o
exercício dos direitos humanos dentro de sua esfera de influência. As medidas de contraposição não devem ser
vistas simplesmente como respostas ao uso e abuso do poder corporativo. São instrumentos importantes de
construção de um sistema alimentar mais democrático e eqüitativo e de geração de crescimento sustentável
com eqüidade. A ActionAid sugere duas abordagens complementares para regulamentar o comportamento
corporativo:
•reassumir o controle dos mercados agroalimentares com metas de desenvolvimento favoráveis aos pobres;
•responsabilizar legalmente as empresas transnacionais por seus impactos nos direitos humanos e no meio ambiente.
Princípios básicos para as instituições encarregadas de regulamentar as empresas transnacionais
A principal responsabilidade na regulamentação do comportamento corporativo, seja através de concorrência,
investimento, comércio ou medidas de responsabilidade legal, deve ser do governo local e nacional. Entretanto,
uma supervisão regional e internacional também são necessárias. As instituições encarregadas de regulamentar
as empresas transnacionais devem:
•encorajar a participação das comunidades locais e de grupos da sociedade civil;
•promover o direito das comunidades ao consentimento prévio fundamentado;
•ter uma representação adequada dos países em desenvolvimento e não serem dominadas pelo país desenvolvido ou por interesses da indústria;
•ter os poderes necessários para fazer cumprir as regulamentações;
•assegurar que os mecanismos de reparação sejam facilmente acessíveis às comunidades e países;
•assegurar que os custos da regulamentação sejam assumidos em sua maior parte por governos e indústria.
4.1 Reassumindo o controle dos mercados agroalimentares
O valor – para o acionista e para o consumidor – tornou-se a principal força que controla a distribuição de riqueza
na cadeia agroalimentar, com pouca contraposição estatal através de metas de desenvolvimento favoráveis
aos pobres. Os governos têm a obrigação de evitar que as empresas abusem de seu poder de mercado
para se apropriarem de recursos de forma injusta, e devem se esforçar para garantir justiça aos agricultores e
trabalhadores rurais. Uma série de intervenções políticas restringiria os impactos destrutivos do poder corporativo
nos meios de subsistência rurais, inclusive nos setores de:
• concorrência;
• investimento;
• comércio;
• ajuda para o desenvolvimento.
Nos casos em que os agricultores desejem evitar ou optem por não participar de relações de exploração com
empresas transnacionais agroalimentares, os governos devem dar importância ao fortalecimento da capacidade
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
52
dos agricultores de assim procederem. Muitas das soluções listadas neste capítulo ajudariam a criar espaços
para os agricultores priorizarem, terem acesso e se diversificarem em estruturas alternativas de comércio e
mercados localizados (ver Boxe 10).
Política de concorrência
Tradicionalmente, a política de concorrência procura proteger os interesses dos consumidores. As autoridades
regulatórias evitam interferir quando as companhias exercem seu poder de compra desde que os descontos
extraídos dos produtores sejam repassados aos consumidores na forma de preços mais baixos dos alimentos.295
Entretanto, devido aos múltiplos benefícios da agricultura, os formuladores de políticas devem ter como meta
um equilíbrio mais justo entre os interesses dos produtores e dos consumidores. Além disso, as evidências
apresentadas neste relatório indicam que, em muitos casos, as reduções de preço não estão chegando aos
consumidores. As autoridades encarregadas de concorrência deveriam reconhecer, monitorar e agir contra o
mau uso do poder de compra e a correspondente apropriação de valor.
A jurisdição das autoridades que regulam a concorrência em países desenvolvidos não se estende aos
produtores de outros países. Atualmente não há padrões internacionais para regulamentar a concorrência de um
continente para outro. Se uma companhia sediada no Reino Unido exerce seu poder de compra para diminuir
o preço de produtos agrícolas em países pobres, isto seria problema das autoridades locais reguladoras da
concorrência – caso elas existam. Por isso, há necessidade de se examinar como a política de concorrência
poderia ser mais eficaz em casos de abusos entre países.296
A política de concorrência tem sido crescentemente moldada pela busca da eficiência econômica, enquanto
que a consideração pelo “interesse público” tem sido relegada a um papel secundário. Como os governos
consideram que as grandes companhias são mais eficientes e competitivas em mercados mundiais, eles
permitiram que as corporações crescessem em escala. Embora às vezes possa trazer benefícios, a meta da
escala e a eficiência de mercado nem sempre coincidem com o objetivo de reduzir a pobreza e proteger os
direitos das pessoas.
Como observa Sophia Murphy, do Instituto de Políticas Agrícolas e Comerciais: “Se o incremento do comércio
estimula um comportamento anticompetitivo, então boa parte de seu potencial de beneficiar o desenvolvimento
é prejudicado. Os gigantes são o resultado da não aplicação de uma lei que regulamente a concorrência.
Os gigantes, então, são aqueles que se apoderam das oportunidades que seriam das empresas locais. O
resultado não é uma maior escolha ou a criação de empregos ou o aumento dos ganhos em divisas, mas sim o
aprofundamento das desigualdades entre o Norte e o Sul, e entre pequenos produtores e grandes empresas”.297
As autoridades de alguns países em desenvolvimento são guiadas pelo princípio de que a política de
concorrência deve promover objetivos sociais, bem como a eficiência econômica (ver Boxe 8). Na África do Sul,
por exemplo, um princípio fundamental da lei de concorrência do país “equilibra a necessidade de eficiência
econômica com eqüidade socioeconômica e desenvolvimento”. Também inclui dispositivos “para assegurar que
pequenas e médias empresas tenham igual oportunidade de participar na economia e de promover uma maior
disseminação da propriedade, em particular para que as pessoas historicamente prejudicadas aumentem sua
participação como proprietárias”.298 Na Tailândia, as autoridades reguladoras da concorrência têm realizado
esforços para proteger os interesses dos produtores rurais e controlar o poder de compra dos supermercados.
A Comissão de Concorrência Comercial está no processo de estabelecer diretrizes de comércio justo para
restringir o poder de barganha dos varejistas de exigir pesadas reduções de preços dos fornecedores.299
A ActionAid exige das autoridades reguladoras da concorrência:
•concentrar sua atenção no poder de compra, assim como no poder de venda;
•equilibrar a promoção de eficiência econômica com objetivos sociais e de desenvolvimento (ver Boxe 8);
•reconhecer que as companhias precisam de uma fatia muito menor de mercado para exercer seu poder de compra do que necessitam para exercer poder de venda300;
•assegurar que os países em desenvolvimento recebam tratamento especial e diferenciado, inclusive espaço político para fomentar indústrias domésticas e organizações de produtores;
•enfrentar os efeitos anticompetitivos de alianças estratégicas empresariais;
•aplicar os princípios de “manutenção do status quo” (standstill) ou de “volta ao status anterior” (rollback) quando o tamanho de uma corporação ameaçar o interesse público.
53
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Boxe 8
Usando a política de concorrência para proteger os meios de
subsistência rurais
Quando a empresa transnacional Parmalat penetrou no mercado de laticínios da Zâmbia em 1998, as
autoridades reguladoras da concorrência evitaram que a companhia expulsasse os produtores de leite da
cadeia de fornecimento. Em 1999, a Parmalat controlava 60% do mercado de leite fresco da Zâmbia, que é
de importância estratégica para as áreas rurais. Os agricultores temiam ser prejudicados quando a Parmalat
assumiu o controle da empresa de laticínios Bonnita, que havia construído uma estrutura de apoio aos
produtores de leite.
A Comissão de Concorrência da Zâmbia levou em consideração as preocupações dos produtores e autorizou
o controle com a condição de que a Parmalat não destruísse a cadeia de suprimento existente, que a Bonnita
havia organizado com uma “abordagem de desenvolvimento”.301 A Parmalat teve que preservar os contratos
formais com produtores de leite estabelecidos em todo o país e permitir que eles mantivessem suas ações
da companhia.302 As autoridades reguladoras também se preocuparam com as conseqüências do acordo de
distribuição exclusiva da Parmalat por todo o país. Ele foi autorizado, mas sujeito à remoção de cláusulas de
fixação de preços e de restrição de território.303 Este exemplo mostra que a política de concorrência pode ser
usada para promover tanto a eficiência econômica quanto os objetivos sociais e de desenvolvimento em países
pobres.
Política de concorrência em nível regional e global
Os governos nacionais devem ter a responsabilidade principal de regulamentar a concorrência e a
comunidade internacional deve ajudar os países em desenvolvimento a construir sua capacidade de lidar com
comportamentos anticompetitivos – de acordo com as circunstâncias nacionais. Entretanto, para se contrapor
à concentração do mercado e para desencorajar práticas anticompetitivas no nível internacional, as políticas
nacionais devem ser complementadas pela cooperação regional e global. As capacidades regionais poderiam ser
construídas sob os auspícios de blocos comerciais existentes, especialmente naqueles cujos Estados-membros
estejam em níveis similares de desenvolvimento. Poderiam ser estabelecidas autoridades regionais para
promover a troca de informações e a cooperação entre os membros, monitorar as questões de concorrência,
desenvolver políticas e, finalmente, ter o poder de intervir e aplicar penalidades nos casos de abusos entre
países.
Uma vez desenvolvidos os processos regionais, e se existir vontade política, os governos devem analisar a
criação de uma autoridade global de concorrência, mais uma vez usando uma abordagem gradual, em etapas.
Entretanto, as regras de concorrência multilateral devem estar fora da OMC, pois seus princípios fundamentais
– inclusive o de “não-discriminação” entre companhias nacionais e estrangeiras – não permitem aos países em
desenvolvimento suficiente flexibilidade para promover objetivos sociais e de desenvolvimento através de regras
de concorrência.304
Soluções de políticas de concorrência
•As autoridades reguladoras nacionais e regionais devem prestar atenção no poder de compra assim como no poder de venda;
•As autoridades reguladoras devem usar a política de concorrência para alcançar metas sociais e de desenvolvimento, por exemplo, permitindo a criação de organizações de produtores e assegurando que os pequenos produtores não sejam expulsos das cadeias de fornecimento;
•Práticas injustas de compras devem ser investigadas e regulamentadas como abuso de poder de mercado;
•A comunidade internacional deve apoiar os países em desenvolvimento para:
- melhorar o entendimento das questões de concorrência que sejam importantes para as condições locais;
- quando for apropriado, estabelecer autoridades reguladoras e políticas de concorrência compatíveis com as necessidades e capacidades do país;
•A cooperação regional sobre assuntos de concorrência deve ser incrementada, com vistas ao estabelecimento de autoridades regionais. Estas autoridades devem:
- coordenar a capacitação entre os Estados-membros;
- compartilhar informações e promover a cooperação entre autoridades nacionais;
- monitorar a concentração corporativa, fusões e alianças estratégicas que tenham implicações externas;
- introduzir um mecanismo de alerta de cartéis305;
- investigar e processar casos de práticas restritivas de negócios;
www.actionaid.org
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
54
•Os países-membros da OMC devem estender o artigo XVII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) que exige que seus membros forneçam informação sobre as atividades e participação de mercado de todas as empresas estatais de comércio exterior operando no país, para incluir as empresas do setor privado. Devem ser dadas informações sobre todas as empresas, públicas ou privadas, com um determinado limiar mínimo de participação de mercado nacional ou global, num mercado específico. Além disso, devem incluir detalhes sobre subsidiárias, empresas afiliadas e alianças estratégicas;
•Os governos devem trabalhar para melhorar a governança global das questões de concorrência, com vistas a estabelecer uma autoridade global de regulamentação da concorrência.
Política de investimento
Muitos países em desenvolvimento retêm controles importantes do investimento direto estrangeiro (IDE), os
quais podem funcionar para proteger indústrias sensíveis, tais como as do setor agrícola. Nos setores que foram
liberalizados, esses controles podem maximizar os benefícios que tanto o capital estrangeiro quanto o nacional
podem trazer, ao assegurar que projetos de investimento financiem a economia local. Por exemplo, os conselhos
de investimento podem aprovar projetos com a condição de que as companhias comprem produtos locais,
inclusive de pequenos produtores, cooperativas e manufaturas locais e que os investidores transfiram tecnologia
para capacitar os produtores locais.306 No entanto, os países industrializados estão pressionando os países em
desenvolvimento para liberalizarem seus regimes de investimento estrangeiro. Isto ameaça a capacidade de os
países do Sul protegerem setores sensíveis e maximizarem o potencial de o investimento estrangeiro ser favorável
aos pobres.
Para beneficiar comunidades pobres, as políticas de investimento devem se basear nos seguintes princípios:307
•Respeito ao espaço da política: aos países em desenvolvimento deve ser dada a flexibilidade para assegurar que suas políticas de investimento contribuam para promover o desenvolvimento sustentável, erradicar a pobreza, proteger o interesse público e concretizar os direitos das pessoas (ver Boxe 9);
•Equilíbrio entre direitos e responsabilidades: os direitos dos investidores devem ser contrabalançados com as responsabilidades tanto dos investidores quanto do governo, para respeitar os direitos das comunidades afetadas pelo investimento.
A UNCTAD desenvolveu princípios para avaliar os IDEs.308 Os critérios possibilitam aos governos determinar quão
favoráveis ao desenvolvimento são os investimentos propostos e fazer uma seleção entre os investidores, de
acordo com seu potencial para contribuir com as metas nacionais de desenvolvimento. Os critérios da UNCTAD
afirmam o direito dos países que acolhem os investimentos a restringirem os IDEs em certos setores, a exigirem
vinculação à economia local e a selecionarem potenciais investidores antes de sua entrada no país. Também
fornecem uma base para que um acordo internacional sobre investimento possa ser finalmente estabelecido.
Assim como as regras de concorrência – e pelas mesmas razões – qualquer marco de referência de investimento
multilateral deveria estar fora da OMC.309
Boxe 9
Usando a política de investimento para proteger os meios de
subsistência rurais
A restrição mais clara ao investimento estrangeiro é o fechamento dos setores sensíveis à participação
estrangeira. Por exemplo:
•A Tailândia proíbe o investimento estrangeiro no cultivo do arroz, na criação de animais e em vários outros setores sensíveis;
•A Uganda proíbe o investimento estrangeiro na agricultura (embora permita flexibilidade no estabelecimento de fazendas de chá e café);
•A China proíbe o investimento estrangeiro no melhoramento de certas variedades agrícolas chinesas, de animais e de peixes. Também mantém a proibição de investimento estrangeiro no processamento de chá verde chinês e outros chás especiais.310
55
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Além de manter setores fechados aos investidores estrangeiros, os países em desenvolvimento usam vários
processos de seleção, condições de acesso ao mercado, requisitos de desempenho e restrições no uso da
terra para maximizar os benefícios e minimizar os riscos do investimento estrangeiro para suas economias.
Por exemplo, a Indonésia utilizou requisitos de joint venture para investidores estrangeiros, particularmente em
setores da economia que são exclusivamente reservados para empresas de pequeno porte, como na agricultura,
pesca e produtos alimentícios.
Há um outro conjunto de setores em que empresas de grande e médio porte só podem investir com a condição
de fazerem uma parceria com uma empresa pequena ou uma cooperativa. Inclui a criação de animais, cultivo
de alimentos, processamento de alimentos e bebidas, manufatura de máquinas agrícolas, fiação de seda e
mineração em pequena escala.311 Na Tailândia, ao mesmo tempo, novas regulamentações de zoneamento têm
por objetivo frear a expansão de cadeias transnacionais de supermercados, como Tesco e Carrefour, fora da área
de Bangcoc.312
Soluções de políticas de investimento
Os governos podem proteger e promover os interesses dos pequenos produtores, formulando e implementando
políticas de investimento que:
•assegurem às comunidades que seja respeitado seu direito ao consentimento prévio fundamentado;
•assegurem que as cadeias de fornecimento das empresas não discriminem o pequeno produtor;
•vedem a participação estrangeira em setores, indústrias ou áreas geográficas sensíveis;
•imponham aos investidores condições de acesso ao mercado, tais como a exigência às companhias agroalimentares de se abastecerem com pequenos produtores que desejem fornecer às empresas transnacionais;
•transfiram tecnologia para melhorar a capacidade dos pequenos produtores de participarem no mercado;
•restrinjam a propriedade da terra para as empresas transnacionais.
Boxe 10
Soberania alimentar – resistência das comunidades ao controle
corporativo da agricultura
Um crescente movimento social internacional está desafiando os modelos de agricultura promovidos pelas
corporações e está exigindo um sistema alimentar mais democrático. O movimento Soberania Alimentar defende
o direito das comunidades agrícolas de controlarem os meios de produção da agricultura e de participarem
dos debates locais, nacionais e internacionais sobre políticas que afetam sua subsistência, dos quais têm sido
amplamente excluídos. A Via Campesina, uma rede internacional de trabalhadores agrícolas, povos indígenas
e agricultores familiares, é uma força propulsora do conceito de Soberania Alimentar, que é definida como: “O
direito que os povos, comunidades e países têm de definirem suas próprias políticas agrícolas, trabalhistas,
de pesca, de alimentos e agrárias que sejam adequadas às suas circunstâncias específicas do ponto de vista
ecológico, social, econômico e cultural”. O movimento rejeita “a agricultura industrial centralizada, impulsionada
pelas empresas e orientada para as exportações” e promove, como alternativa, “a produção familiar, camponesa,
sustentável e descentralizada, orientada principalmente para o mercado interno”.313
O movimento está ganhando impulso – mais de 700 grupos de base e cerca de um milhão e meio de pessoas
participaram, em 2004, da “Caravana dos Povos pela Soberania Alimentar”, que cruzou 16 países da Ásia
e Europa – e está exigindo maior influência na forma de gerir os mercados agrícolas.314 Os formuladores de
políticas devem tirar lições dos conhecimentos e das práticas das comunidades rurais excluídas e empoderar
as pessoas pobres para que possam participar dos processos de formulação de políticas – ao invés de apenas
arcarem com suas conseqüências.
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56
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Políticas de comércio
As políticas de comércio podem ter uma contribuição importante, embora às vezes indireta, na redução dos
impactos negativos das atividades empresariais sobre os pequenos agricultores. Eliminar subsídios agrícolas
que distorcem o comércio interno e externo e assegurar que os países em desenvolvimento tenham o direito de
proteger a produção dos pequenos agricultores – por exemplo, através de tarifas alfandegárias – reprimiriam as
práticas predatórias das empresas transnacionais alimentares (tais como o dumping de produtos agrícolas). A
escala da crise de commodities e seu impacto na pobreza global requer um reexame das iniciativas nacionais e
internacionais de administração da oferta. Isto deveria ser combinado com estratégias de diversificação a longo
prazo em colheitas alimentares, produtos agroalimentares de valor agregado e outros setores econômicos. As
limitações do lado da oferta requerem atenção urgente para facilitar o comércio dos produtos e serviços nos
mercados locais, nacionais e internacionais. Isto deve envolver o estabelecimento de estruturas alternativas de
comércio para os produtores que queiram evitar negociar com as empresas transnacionais.
Soluções de políticas comerciais
•Os países em desenvolvimento devem ser apoiados para implementarem políticas nacionais voltadas para o estabelecimento de preços do produtor em níveis remuneratórios;
•Devem ser reexaminados os acordos internacionais de commodities para evitar a sobreoferta e restringir a volatilidade de preços. Os acordos de commodities devem incluir também dispositivos para assegurar rendimentos justos aos produtores;
•Os insumos agrícolas devem ser concebidos de forma compatível e acessível aos produtores de baixa renda;
•Nenhuma patente ou direito de propriedade intelectual restritivo deve ser concedido sobre plantas e sementes e os direitos dos agricultores de estocar, utilizar, trocar e vender sementes próprias devem ser protegidos;
•Os governos do Norte devem banir o dumping de produtos agrícolas, eliminar os subsídios que distorcem o comércio e implementar a administração eficiente da oferta doméstica de produtos agrícolas;
•Os países em desenvolvimento devem ter total flexibilidade (ou o direito) de proteger os produtores dos setores agrícolas, de manufaturas e serviços em negociações e acordos bilaterais, regionais e multilaterais;
•Devem ser removidas as tarifas dos países industrializados que penalizam produtos agrícolas de valor
agregado exportados de países em desenvolvimento.
Política de ajuda para o desenvolvimento
Aumentar o volume e a qualidade da ajuda para apoiar a pequena agricultura poderia contrabalançar os
desequilíbrios do poder de mercado entre os agricultores e as empresas agroalimentares. Os governos dos
países em desenvolvimento devem dar ao setor da pequena produção maior prioridade nas estratégias de
redução da pobreza, assegurando que as pessoas pobres e marginalizadas participem da elaboração das
políticas e que sejam empoderadas para ganhar controle sobre recursos produtivos e institucionais. Os doadores
devem também procurar fortalecer e, se for conveniente, apoiar a criação de cooperativas e organizações
de pequenos produtores (ver Boxe 11). Isto poderia incluir a melhoria das técnicas de negociação coletiva, o
aumento do acesso dos pequenos agricultores à informação de mercado e a melhoria da capacidade de os
pequenos agricultores implementarem os padrões privados.
A melhoria da qualidade da ajuda também deve envolver a reavaliação do papel do Estado na agricultura.
Em muitos casos, atores privados falharam em oferecer ajuda onde os serviços estatais haviam se retirado,
especialmente em áreas pobres e remotas. Os fracassos passados das intervenções governamentais na
agricultura ocorreram, em parte, por causa de sua natureza verticalizada. Uma abordagem do apoio do setor
público mais participativa, transparente e focalizada ajudaria a assegurar que um equilíbrio mais justo fosse
atingido entre os interesses do produtor e do consumidor, bem como a promover objetivos sociais, garantindo
que os serviços alcançassem as áreas pobres. Os formuladores de políticas devem reconhecer que quase
todos os exemplos de sucesso de crescimento agrícola favorável aos pobres envolveram um substancial apoio
do governo, inclusive para estabilizar os preços dos produtos, subsidiar o fornecimento de insumos e crédito e
realizar pesquisa e extensão agrícola (Dorward et al. 2003).
57
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Boxe 11
A organização dos produtores de manga na Tailândia
Ao formarem uma organização de produtores e juntarem seus recursos, os pequenos produtores de manga no
norte da Tailândia elevaram o valor de sua colheita e aumentaram seus lucros. No início da década de 1990,
quase toda a colheita de manga da Tailândia era destinada ao mercado interno e os agricultores não tinham nem
know-how de produção nem habilidades administrativas. À medida que a produção de manga aumentava, seu
preço médio declinava e, em 1992, 30 produtores de Chiang Mai criaram o Grupo de Produtores de Início de
Estação. Para escapar da pressão do preço, eles começaram, no início da estação, a produzir uma variedade
de manga para exportação com o apoio dedicado de funcionários do governo. Como um grupo, os produtores
tinham um poder coletivo de negociação para reduzir os preços dos insumos e elevar os preços de venda. O
número de sócios da organização aumentou para 105 em 1998 e sua margem bruta por hectare era cerca de
12 vezes mais alta do que a típica da área. Isto foi alcançado graças aos esforços coletivos para melhorar a
administração da colheita, inclusive o uso de melhores fertilizantes e o melhoramento do controle de pestes e
doenças.315
Soluções de política de ajuda para o desenvolvimento
•Os países da OCDE devem aumentar o volume e melhorar a qualidade dos fluxos de ajuda que apóiam os pequenos agricultores e as instituições rurais que beneficiam os pobres;
•Os pequenos agricultores devem ser apoiados para participarem de processos de estabelecimento de padrões e as autoridades responsáveis pela elaboração dessas normas devem levar em conta as necessidades dos pequenos produtores;
•Fim da prática de atrelar a ajuda à privatização e à desregulamentação de instituições públicas.
4.2 Responsabilizando legalmente as transnacionais por seus impactos
nos direitos humanos e no meio ambiente
Responsabilidade corporativa
O compromisso feito por algumas empresas transnacionais de melhorar seu desempenho social e ambiental
é bem-vindo. No entanto, a abordagem voluntária à regulamentação corporativa é insuficiente e necessita ser
fundamentada num conjunto de padrões legais mínimos. Embora a principal responsabilidade de proteger os
direitos humanos e o ambiente permaneça com os Estados, as empresas transnacionais, de fato, ultrapassaram
o alcance da regulamentação nacional e não há uma regra geral que responsabilize as companhias por suas
más ações de acordo com uma lei internacional. Entretanto, há padrões internacionais de direitos humanos
bem estabelecidos que, em muitos casos, se tornaram leis consuetudinárias, e algumas se aplicam a atores
não-estatais. Estes padrões estabelecem os fundamentos de obrigações legais que se aplicam diretamente às
empresas do setor privado.
Mecanismos de reparação deveriam ser facilmente acessíveis para pessoas e comunidades afetadas, que
teriam garantido seu direito de apelar e de ter acesso à assistência legal apropriada. Sempre que necessário, as
pessoas prejudicadas pela atividade corporativa devem ser apoiadas para obterem soluções através de canais
locais, por exemplo, negociação coletiva com a empresa em questão, ou através de sistemas legais locais. Onde
as autoridades locais ou nacionais forem incapazes ou não desejarem exercer a justiça, ou onde os reclamantes
tiverem mais chances de conseguirem a reparação fora das jurisdições nacionais, estas pessoas deveriam ter
a oportunidade de obter a reparação através de marcos internacionais ou nos tribunais do país de origem da
empresa.
As Normas da ONU para as Empresas em Relação aos Direitos Humanos
As Normas da ONU representam um passo significativo na direção da regulamentação internacional das
corporações transnacionais.316 Elas esboçam um conjunto mínimo de obrigações para as companhias e foram
concebidas a partir de padrões globais de direitos humanos, trabalhistas e de meio ambiente, que são bem
fundamentados em lei internacional. Por não serem limitadas por cláusulas que enfatizem sua natureza nãowww.actionaid.org
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
58
regulatória, as Normas da ONU se estendem além da abordagem voluntária e seu efeito legal aumentará se
tribunais nacionais e internacionais começarem a utilizá-las como referência (Anistia Internacional 2004).
Uma série de artigos das Normas da ONU são importantes para assegurar os direitos dos pequenos agricultores
e dos trabalhadores rurais. Por exemplo, as Normas da ONU obrigam as transnacionais a:
•contribuírem para o exercício dos direitos humanos, inclusive os direitos ao desenvolvimento e à alimentação adequada, e evitarem as ações que possam obstruir o exercício dos direitos das pessoas;
•oferecerem aos trabalhadores uma remuneração que assegure um padrão de vida adequado para eles e suas famílias; isto se aplica aos empregados das empresas, mas deveria ser estendido para os produtores primários que fazem o suprimento de produtos agrícolas às empresas transnacionais;
•garantirem liberdade de associação e o direito à negociação coletiva;
•respeitarem os direitos das comunidades indígenas às suas terras e a outros recursos naturais e também à sua propriedade cultural e intelectual;
•respeitarem o princípio do consentimento prévio fundamentado.
Boxe 12
A Coalizão CORE do Reino Unido
A ActionAid do Reino Unido é membro da Coalizão de Responsabilidade Corporativa (CORE) junto com a Anistia
Internacional, Christian Aid, Amigos da Terra, WWF e mais de 100 outros grupos da sociedade civil do Reino
Unido. A Coalizão CORE está fazendo uma campanha para mudar o marco legal em que operam as corporações
britânicas, reivindicando mudanças das leis corporativas britânicas em três áreas principais:
•Relatório de sustentabilidade obrigatório: as companhias devem prestar contas de um conjunto abrangente de indicadores dos impactos sociais, ambientais e econômicos resultantes de suas operações, políticas, produtos e práticas de compra, inclusive as atividades dos seus parceiros da cadeia de fornecimento, subcontratados, joint ventures e subsidiárias.
•Obrigações dos diretores: as atuais obrigações dos diretores das grandes companhias devem ser ampliadas para incluir uma “obrigação de cuidado” em relação às comunidades e ao meio ambiente, fazendo com que os diretores sejam legalmente responsáveis pelos atos de suas companhias. Assim, os diretores teriam que considerar os impactos em todas as partes interessadas antes de tomar decisões.
•Responsabilidade direta estrangeira: povos e comunidades prejudicados pelas atividades de transnacionais do Reino Unido devem poder buscar reparações nos tribunais do Reino Unido.
Soluções de políticas de responsabilidade corporativa
•As Normas da ONU para as Empresas em Relação aos Direitos Humanos devem ser apoiadas e usadas como uma base para o desenvolvimento de regulamentações internacionais legalmente vinculatórias para as transnacionais.
•Os dispositivos das Normas da ONU sobre “salários justos e remuneratórios” para os trabalhadores devem ser expandidos para incluir preços justos e remuneratórios para os produtores primários.
•Os governos da OCDE devem fornecer assistência para capacitar as partes interessadas em países em desenvolvimento; por exemplo, para implementar e fazer cumprir a legislação local e nacional para regular as atividades das transnacionais e para que a sociedade civil enfrente as empresas no que se refere a seus impactos adversos.
•Convenções internacionais adequadas317 devem ser ratificadas por todos os governos para reduzir os perigos e os riscos dos pesticidas para a saúde humana e o meio ambiente. Devem ser adotadas e implementadas leis nacionais baseadas em padrões internacionais para regular a distribuição e o uso dos pesticidas.
59
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
•Obrigações legais devem ser impostas às transnacionais para que levem em consideração os interesses dos fornecedores ou de potenciais fornecedores, assim como os impactos sobre eles, quando analisarem novos padrões privados ou planejarem interromper os negócios com um fornecedor. As empresas também devem ser obrigadas a dar aviso adequado destas mudanças aos fornecedores.
Além de cumprir as obrigações legais, as empresas agroalimentares e os órgãos das indústrias
poderiam fazer uma contribuição positiva se adotassem os seguintes compromissos voluntariamente:
•aplicar princípios de comércio justo como prática corporativa padrão em todos os negócios com produtores de países em desenvolvimento;
•ampliar suas bases de suprimento para incluir maior número de pequenos produtores que desejem fornecer para empresas transnacionais e investir no desenvolvimento de organizações de pequenos agricultores e na infra-estrutura de marketing;
•apoiar a participação dos pequenos agricultores em processos de estabelecimento de padrões;
•adaptar padrões privados à capacidade dos pequenos produtores, certificando-se de que eles não estão excluindo os pequenos produtores dos mercados;
•retirar os pesticidas mais tóxicos do mercado, especialmente nos países em que as condições de uso são inadequadas e introduzir produtos e tecnologias mais seguros.
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
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Principais recomendações
Muitas comunidades rurais estão se mobilizando para defender seus interesses contra os modelos de agricultura
impulsionados pelas corporações. A ActionAid apóia essas iniciativas ativamente, inclusive as cooperativas e as
organizações de agricultores. Os Estados e as instituições internacionais também têm um papel importante a
desempenhar. Os governos devem ajudar a aumentar a capacidade local e criar mais espaço para um sistema
alimentar que seja mais eqüitativo e democrático, no qual as pessoas possam responsabilizar as corporações.
As recomendações seguintes têm por meta estes fins. A ActionAid exige que os governos:
•reassumam o controle dos mercados agroalimentares com metas de desenvolvimento favoráveis aos pobres;
•responsabilizem legalmente as empresas transnacionais por seus impactos nos direitos humanos e no meio ambiente.
Os governos da OCDE devem:
Na área da política de concorrência
•reconhecer, monitorar e atuar para evitar o mau uso do poder de compra nos mercados agroalimentares, inclusive abusos em negócios entre países;
•capacitar os países em desenvolvimento para lidarem com práticas anticompetitivas;
•fortalecer a cooperação internacional em questões de concorrência que promovam objetivos sociais e de desenvolvimento com vistas a criar autoridades encarregadas de concorrência em nível regional e, no futuro, global;
•aplicar os princípios de “manutenção do status quo” e “volta ao status anterior” para fusões na indústria agroalimentar.
Na área da política de investimento
•assegurar que os países em desenvolvimento tenham o espaço político para implementar políticas de investimento (e de concorrência) que promovam as metas de desenvolvimento nacionais.
Na área da política de comércio exterior
•reexaminar os acordos internacionais de commodities;
•assegurar que os países em desenvolvimento sejam capazes de proteger os produtos agrícolas e os setores considerados estrategicamente importantes para a redução da pobreza, produção dos pequenos agricultores, segurança alimentar, meios de subsistência e desenvolvimento rural;
•retirar as regras de investimento e concorrência, que têm por objetivo o aumento do acesso ao mercado, de acordos da OMC e também de acordos regionais e bilaterais de comércio exterior.
Na área da política de ajuda
•aumentar o volume e a qualidade da ajuda à pequena agricultura, incluindo os fundos para fortalecer e criar organizações de produtores rurais;
•ajudar os pequenos agricultores a participar de processos de estabelecimento de padrões;
pôr fim à prática de atrelar a ajuda à privatização e à desregulamentação de instituições públicas.
61
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Na área da responsabilidade corporativa
•apoiar as Normas da ONU para as Empresas em Relação aos Direitos Humanos;
fornecer assistência para capacitar as partes interessadas nos países em desenvolvimento, por exemplo, para
•implementar e aplicar a legislação local e nacional para regular as empresas transnacionais e para capacitar a sociedade civil a combater os impactos negativos provocados pelas empresas;
•obrigar legalmente as empresas transnacionais a levar em consideração os interesses e os impactos em fornecedores ou fornecedores potenciais quando estiverem analisando novos padrões privados ou planejando interromper os negócios com um fornecedor; as empresas devem também ser obrigadas a dar aviso adequados destas mudanças aos fornecedores.
Os governos dos países em desenvolvimento deveriam:
•priorizar o desenvolvimento da pequena produção agrícola nas políticas nacionais, inclusive fortalecendo e, onde for adequado, criando organizações de produtores rurais;
•reconhecer e monitorar o poder de compra nos mercados agroalimentares e atuar para prevenir abusos;
•implementar políticas nacionais para estabilizar os preços de produção em níveis remuneratórios.
A Organização Mundial do Comércio deve:
•estender o Artigo XVII do GATT para incluir as empresas privadas do setor agroalimentar – a informação deve incluir detalhes de subsidiárias, empresas afiliadas e alianças estratégicas.
A Comissão de Direitos Humanos da ONU deve:
•apoiar as Normas da ONU para as Empresas em Relação aos Direitos Humanos, fundamentalmente através da adoção de uma resolução, o que prepararia o caminho para uma resolução na Assembléia Geral da ONU.
As corporações transnacionais devem:
•aplicar princípios de comércio justo como uma prática corporativa padrão para todo o comércio com produtores em países em desenvolvimento;
•ampliar sua base de fornecedores para incluir maior número de pequenos agricultores que desejem fornecer para as empresas transnacionais e investir no desenvolvimento das organizações dos pequenos agricultores e na infra-estrutura de marketing;
•apoiar a participação dos pequenos agricultores nos processos de estabelecimento de padrões e adaptar os padrões privados para ficarem de acordo com a capacidade dos pequenos agricultores, assegurando que eles não expulsem os pequenos produtores dos mercados;
•retirar os pesticidas mais tóxicos dos mercados, especialmente nos países onde as condições de uso são inadequadas, introduzindo produtos e tecnologias mais seguros.
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Apêndice
As maiores corporações agroalimentares do mundo
Tabela 1: As 10 maiores companhias de sementes
(vendas em 2002)
Tabela 2: As 10 maiores companhias agroquímicas
(vendas em 2002)
Companhia
1. DuPont (EUA)
2. Monsanto (EUA) 3. Syngenta (Suíça)
4. Seminis (EUA)
5. Advanta (Holanda)
6. Groupe Limagrain (França)
7. KWS AG (Alemanha)
8. Sakata (Japão)
9. Delta & Pine Land (EUA)
10.Bayer Crop Science (Alemanha)
Companhia
1. Syngenta (Suíça)
2. Bayer (Alemanha)
3. Monsanto (EUA)
4. BASF (Alemanha)
5. Dow (EUA)
6. DuPont (EUA) 7. Sumitomo Chemical (Japão)
8. Makhteshim-Agan (Israel)
9. Arysta LifeScience (Japão)
10.FMC (EUA)
US$ milhões
2.000
1.600
937
453
435
433
391
376
258
250
Fonte: Grupo ETC (2003)
Fonte: Grupo ETC (2003)
Tabela 3: Os 10 maiores fabricantes de alimentos e
empresas de comércio exterior (vendas em 2002)
Tabela 4: Os 10 maiores varejistas de alimentos
(vendas em 2002)
Companhia
1. Nestlé (Suíça)
2. Kraft Foods (EUA)
3. Unilever (Reino Unido)
4. PepsiCo (EUA)
5. Archer Danielss Midland (EUA)
6. Tyson Foods (EUA)
7. Cargill (EUA)
8. ConAgra (EUA)
Companhia
1. Wal-Mart (EUA)
2. Carrefour (França)
3. Royal Ahold (Holanda)
4. Kroger (EUA)
5. Metro AG (Alemanha))
6. Tesco (Reino Unido)
7. Costco (EUA)
8. Albertson’s (EUA)
9. Safeway (EUA)
10.Ito-Yokado (Japão)
9. Coca-Cola (EUA)
10.Mars (EUA)
Fonte: Grupo ETC (2003)
US$ milhões
54.254
29.723
25.670
25.112
23.454
23.367
21.500
19.839
19.564
17.000
Fonte: Grupo ETC (2003)
US$ milhões
5.260
3.775
3.088
2.787
2.717
1.793
802
776
662
615
US$ milhões
246.525
64.979
59.455
51.759
48.714
40.387
38.762
35.916
34.799
27.606
63
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
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Créditos
Autor: Dominic Eagleton
Editor: Alex Wijeratna
Pesquisadores: Theodore Antwi-Asare, Rob Fitter, Sam Goddard, Kavitha Kuruganti, Sapna Malik, Ann
McFerran, Peter Muchlinski, Tim Rice, Sarah Sexton, Stan and Mari Thekaekara, Ruchi Tripathi e Davaluri
Venkateswarlu.
Agradecimentos: Anna Antwi, Stephanie Barrientos, Nicola Borello, Pins Brown, Shatadru Chattopadhayay,
Hannah Crabtree, Barbara Crowther, Martyn Day, Barbara Dinham, Deborah Doane, Sajan Ganapathy, Fiona
Gooch, Peter Kamalingin, Menno Kamminga, Aftab Alam Khan, Roshan Malik, Sophia Murphy, Peter O’Driscoll,
Julian Oram, Rashmi Pagare, Meeta Parti, Kate Raworth, Lisa Rimmer, Tom Sharman, Adriano Campolina Soares,
Phuong Thao, Koy Thomson, Steve Tibbett, Bill Vorley, Patrick Watt e John Wilkinson.
Tradução: Jones de Freitas
Projeto gráfico:
Spencer du Bois
Janeiro de 2005
Editoração eletrônica da edição em português:
PSIKHE Design/Amanda de Carvalho e Alex MacDowell
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Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
Notas
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3
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36
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38
39
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Grupo ETC (2003) op. cit.
Oxfam (2001) “The tea market: a background study”, Oxford: Oxfam.
Vorley, B (2003) op. cit.
Ibidem.
Memarsadeghi, S & Patel, R (2003) op. cit.
Vorley, B (2003) op. cit.
Grupo ETC (2003) op. cit.
UNCTAD (2003) “Market entry conditions affecting competitiveness and exports of goods and services of developing countries: large distribution networks, taking into account the special needs of LDCs”, TD/B/COM.1/EM.23/2, Genebra: UNCTAD.
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66
Dorward, A & Kydd, J (2002) “Locked in & locked out: smallholder farmers & the new economy in low income countries”, documento apresentado no 13º Congresso Internacional de Administração Agrícola, Arnhem, julho de 2002.
King, J (2001) “Concentration and technology in agricultural input industries”, Departamento de Agricultura dos EUA, Boletim Informativo Agrícola nº 763, março de 2001.
Ver, por exemplo, Shepherd, B (2004) “Trade and market power in a liberalised commodity market: preliminary results
for coffee”, Paris: Groupe d’Economie Mondiale; Wilcox, M & Abbott, P (2004) “Market power and structural adjustment: the case of West African cocoa market liberalization”, documento apresentado na Reunião Anual da Associação de Economia Agrária dos EUA, Denver, Colorado, 1-4 de agosto de 2004.
44 MacLaren, D & Josling, T (1999) “Competition policy and international agricultural trade”, Documento de Trabalho 99-7 para o Consórcio de Pesquisa do Comércio Agrícola Internacional
(International Agricultural Trade Research Consortium).
Vorley, B (2002a) op. cit.
Oxfam America (2003) “Agriculture, Inc.: small farmers plowed under by big business boom”, Boston: Oxfam America (inédito).
Direitos dos melhoristas de plantas (PBRs, na sigla em inglês) são direitos de propriedade intelectual sobre variedades de plantas que duram de 15-20 anos. Para conseguir um PBR, a variedade deve ser nova, distinta e uniforme. Há isenções de uso da variedade protegida para os melhoristas não-comerciais e a agricultura de subsistência.
King, J (2001) op. cit.
Vorley, B (2002a) op. cit.
Ver, por exemplo, Reardon, T (2003) “The rise of supermarkets in Africa, Asia, and Latin America”, American Journal of Agricultural Economics, 85 (5), dezembro de 2003.
Ziegler, J (2003) “Third annual report to the United Nations General Assembly by the UN Special Rapporteur on the right to food”, Nova York: ONU.
Citado in Kneen, B (2002) Invisible Giant: Cargill and its transnational strategies, Londres: Pluto Press.
Departamento de Comércio e Indústria do Reino Unido (2004) “Strategy paper on commodities”, Londres: DTI
www.dti.giv.uk/ewt/commo.pdf
Investment World, “Acquiring muscle through consolidation”, 20 de maio de 2001, www.blonnet.com/iw/2001/05/20/
stories/0520e052.htm
UNCTAD (2002b) op. cit.
Ver, por exemplo, UNCTAD (2002b), op. cit.; Vorley, B (2003) op. cit.; Development Policy Review 20 (4) setembro de 2002; Gilbert, C & Ter Wengel, J (2000) “Commodity production in a competitive world”, documento apresentado no painel de discussão Fundo Comum para as Commodities (Common Fund for Commodities)-UNCTAD, Bangcoc, fevereiro de 2000.
Vorley, B (2004a) “Concentration in food supply and retail chains”, documento de trabalho produzido pela Equipe de Agricultura e Recursos Naturais (Agriculture and Natural Resources Team), DFID:
www.dfid-agriculture-consultation.nri.org/summaries/wp13.pdf
Robbins, N in Simms, A et al. (2003) Return to Scale: alternatives to globalisation, Londres: New Economics Foundation.
New York Times, “In Brazil tobacco country, conglomerates rule”, 2 de abril de 1998.
Oxfam (2002a) op. cit.
Vorley, B (2003) op. cit.
Ibidem.
Dois outros estudos recentes fornecem indicações de que as transnacionais do cacau estão exercendo seu poder de mercado na Costa do Marfim: Fold, N (2002) “Lead firms and the competition in ‘bi-polar’ commodity chains: grinders and branders in the global cocoa-chocolate industry”, Journal of Agrarian Change, Vol 2 (2) 2002; Losch, B (2002) “Global restructuring and liberalization: Côte d’Ivoire and the end of the international cocoa market?”, Journal of Agrarian Change, Vol 2 (2) 2002.
Vorley, B (2003) op. cit.
Banana Link: www.bananalink.org.uk/companies/companies.htm
UNCTAD Info Comm: www.r0.unctad.org/infocomm/anglais/banana/chain.htm
Banana Link: www.bananalink.org.uk/tuforum/split.htm
OECD Observer, “Transfer pricing: keeping it at arms length”, abril de 2002.
Comissão de Concorrência (2000) “Supermarkets: a report on the supply of groceries from multiple stores in the United Kingdom”, Londres: www.competition-commission.org
Comissão de Direitos de Propriedade Intelectual (2002) “Integrating intellectual property rights and development policy” Londres: www.iprcommission.org/papers/pdfs/final_report/Ch3final.pdf
Vorley, B (2002) op. cit.
ActionAid (2003a) “Trade related intellectual property rights”, briefing para Cancún, Londres:
www.actionaid.org.uk/794/cancún_briefing_papers.htm
Qayum, A & Kiran, S (2003) “Did Bt cotton save farmers in Warangal?”, Hyderabad: Coalizão de Andhra Pradesh em Defesa da Diversidade (Andhra Pradesh Coalition in Defence of Diversity).
Qayum, A & Sakkhari, K (2004) “Did Bt cotton fail again in Andhra Pradesh?” Hyderbad: Sociedade de Desenvolvimento de Deccan (Deccan Development Society).
Ibidem.
67
Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
76 Pschorn-Strauss, E & Wynberg, R (2004) “Bt cotton and small-scale farmers: livelihoods lost or gained?”, briefing 7/2004 do Biowatch da África do Sul.
77 Comunicado de imprensa do Grupo ETC “Patently Wrong! Monsanto species patent on soy beans upheld in Munich”, 7 de maio de 2003: www.etcgroup.org/article.asp?newsid=398
78 Shand, H (2003) “Gene giants: understanding the ‘life’ industry’’, in Tokar, B (2003) Redesigning Life? Londres: Zed Books.
79 Ver, por exemplo, Shand, H (2003) op. cit.; Comissão de Direitos de Propriedade Intelectual (2002) op. cit.
80 Comunicado de imprensa do Grupo ETC “The five gene giants are becoming four: DuPont and Monsanto – ‘living in sinergy’?”, 9 abril de 2002: www.etcgroup.org/documents/nr2002apr9.pdf
81 Atkinson, R et al. (2003) “Public sector collaboration for agricultural IP management”, Science 301 (11) julho de 2003.
82 Kevin Higgins, Engenharia de Alimentos (Food Engineering), citado in Grupo ETC (2003) op. cit.
83 Grupo ETC (2003) op. cit.
84 Comunicado de imprensa do Grupo ETC “The five gene giants are becoming four: DuPont and Monsanto – ‘living in sinergy’?”, 9 de abril de2002: www.etcgroup.org/documents/nr2002apr9.pdf
85 Ibidem.
86 Tribunal Distrital dos EUA, Delaware, Syngenta Seeds Inc. v Monsanto Company and Monsanto Technology LLC, CA No 04-908, julho de 2004.
87 Ibidem.
88 Braga, C et al. (2000) “Intellectual property rights and economic development”, Washington: Banco Mundial.
89 Ziegler, J (2003) op. cit.
90 Serviço Mundial da BBC, “Inside the global giants”: www.bbc.co.uk/worldservice/specials/151_globalgiants/page3.shtml
91 Oxfam America (2003) op. cit.
92 Murphy, S (2002) “Managing the invisible hand: markets, farmers and international trade”, Minneapolis: Instituto de Políticas Agrícolas e Comerciais (Institute of Agriculture and Trade Policy).
93 Drahos, P & Braithwaite, J (2002) Information Feudalism: who owns the knowledge economy? Londres: Earthscan.
94 Vorley, B (2003) op. cit.
95 Ver: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/distabase_wto_members1_e.htm
96 Antwi-Asare, T O (2004) “TNCs and corporate responsibility: the case of Twifo Oil Palm Plantation a subsidiary of Unilever
Ghana Ltd”, documento de referência, Acra: ActionAid.
97 Campaign for Tobacco Free Kids/Campanha para Livrar as Crianças do Fumo (2001) “Golden leaf, barren harvest: the costs of tobacco farming”, Washington: http://repositories.cdlib.org/context/tc/article/1095/type/pdf/viewcontent
98 Oxfam (2004) “Trading away our rights: women working in global supply chains”, Oxford: Oxfam.
99 Amigos da Terra, briefing para parlamentares, “Every little hurts”, 17 de junho de 2004: www.foe.co.uk/resource/ briefings/every_little_hurts.pdf
100 Campaign for Tobacco Free Kids /Campanha para Livrar as Crianças do Fumo (2001) op. cit.
101 New York Times, “In Brazil tobacco country, conglomerates rule”, 2 de abril de 1998.
102 Antwi-Asare, T O (2004) “Some issues arising at meeting with TOPP estate management”, documento de referência, Acra: ActionAid.
103 Antwi-Asare, T O (2004) op. cit.
104 Ibidem.
105 Ibidem.
106 Ethical Trading Initiative/ Iniciativa pelo Comércio Ético (2004), “Purchasing practices: marrying the commercial with the practical”, Londres: www.ethicaltrade.org/Z/lib/2004/07/rt-purprac/index.shtml
107 Fortune, Vol 139, No. 8, 26 de abril de 1999, citado em: www.corporatewatch.org.uk/publications/GEBriefings/ controlfreaks/adm3.html
108 Connor, J (2003) “International price fixing: resurgence and deterrence”, documento apresentado na reunião anual da Associação Americana de Direito Agrário, Indianapolis, 26 de outubro de 2002.
109 Levenstein, M & Suslow, V (2001) “Private international cartels and their effect on developing countries”, documento-base para o World Development Report do Banco Mundial, 2001: www.worldbank.org/wdr/2001/bkgroundpapers/levenstein.
pdf
110 Levins, R (2003) “Dwindling competition will mean higher food costs”, Universidade de Minnesota:
www.apec.umn.edu/faculty/dlevins/DwindlingCompetition.pdf
111 Agribusiness Center/ Centro de Agronegócios, “ADM reaches court settlement in high fructose corn syrup suit”, 18 de junho de 2004:
www.agribusinesscenter.org/interior.cfm?content=headlines&id=590
112 Comunicado de imprensa do Departamento de Justiça dos EUA, 3 de dezembro de 1996: www.usdoj.gov/opa/pr/1996/
Dec96/573at.htm
113 Timesonline, “Tate agrees US$100m price-fixing settlement”, 28 de julho de 2004: www.timesonline.co.uk/article/0,,5-
1194085,00.html
114 Ibidem.
115 Levenstein, M & Suslow, V (2001) op. cit.
116 Comunicado de imprensa EUROPA “Commission imposes fines on vitamin cartels”, 21 de novembro 2001: http://europa.
eu.int/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/01/1625&format=HTML&aged=0&language=EN&guiLanguage=en
117 Ibidem.
www.actionaid.org
Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
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118 UNCTAD (2002c) “Recent important competition cases in developing countries”, TD/B/COM.2/CLP/26, Genebra: UNCTAD.
119 Clarke, J & Evernett, S (2002) “The deterrent effects of national anti-cartel laws: evidence from the international vitamins cartel”, Berna: Instituto do Comércio Mundial (World Trade Institute).
120 ActionAid (2004a) op. cit.
121 Comunicado de imprensa UNCTAD “UNCTAD study on African development prospects echoes president Chirac’s call for ending ‘conspiracy of silence’ on commodity issues”, 26 de fevereiro de 2004:
www.unctad.org/Templates/webflyer.asp?docid=4463&intItemID=1528&lang=1
122 Vorley, B (2003) op. cit.
123 FAO newsroom “Coffee crisis: FAO helps Nicaragua's small-scale growers”, 20 de janeiro de 2004:
www.fao.org/newsroom/en/news/2004/35687/
124 Programa Mundial de Alimentos “Nicaragua: Coffee crisis and drought hit most vulnerable”, 10 de setembro de 2002: www.reliefweb.int/w/rwb.nsf/0/373868dbadab2f8ec1256c320033edb9?OpenDocument
125 Programa Mundial de Alimentos, Relatórios de Emergências, 27 de agosto de 2004: www.wfp.org/newsroom/ subsections/emergencies_report.asp?id=194
126 Östensson, O (2002) “Commodities in international trade: current trends and policy issues for Caricom Countries”, Genebra: UNCTAD.
127 Oxfam (2002c) “Mugged: poverty in your cup”, Oxford: Oxfam.
128 Osorio, N (2002) “The global coffee crisis: a threat to sustainable development”, Londres: Organização Internacional do Café.
129 Tulip, K & Michaels, L (2004) op. cit.
130 Qualman, D (2001) op. cit.
131 Centro de Educação e Comunicação (2003a) “Tea plantations of west Bengal in crisis”, Délhi: CEC.
132 OneWorld South Asia, 31 de março de 2004: www.oneworld.net registrou 800 mortes em fazendas de chá
no norte de Bengala Ocidental. Várias centenas de mortes também estão listadas no trabalho “Tea Plantations of west Bengal in Crisis” (2003) do Centro de Educação e Comunicação.
133 Centro de Educação e Comunicação (2003b) “Crisis in the Tea Industry: a report”, Délhi: CEC www.labourfile.org
134 Ibidem.
135 Boletins e relatórios do Conselho Indiano do Chá (Tea Board of India) 2004, cortesia do CEC e da Oxfam Índia.
136 Centro de Educação e Comunicação (2003a) op. cit.
137 ActionAid (2004a) op. cit.
138 ActionAid (2004b) “Who matters: a case study on the impact of tea industry crisis”, documento de referência, Londres: ActionAid.
139 Entrevistas feitas em Calcutá e Nova Délhi para a ActionAid, em junho de 2004.
140 Centro de Educação e Comunicação (2003b) op. cit.
141 RaboBank International (2001) “The tea industry: global trends and implications for the Indian tea industry”.
142 Centro de Educação e Comunicação (2003b) op. cit.
143 Dados compilados de relatórios anuais da HLL de 2000, 2001, 2002 e 2003, retirados de www.hll.com e de Indiainfoline: http://202.87.40.171/comp/investorreturn.asp
144 Dados que comparam os preços de varejo do chá não-empacotado da mais baixa qualidade (média de seis cidades), fornecidos em entrevista por Hemen Barooah, ex-presidente da Associação Indiana do Chá, Calcutá, Índia, 12 de junho de 2004.
145 Submetido pelo Quênia, Uganda e Tanzânia ao Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento da OMC, maio de 2003 (WT/COMTD/W/113).
146 UNCTAD (2004a) “Economic development in Africa: trade performance and commodity dependence”, Genebra: UNCTAD; Relatório da Reunião de Pessoas Eminentes sobre Commodities, Palácio das Nações, Genebra, 22-23 de setembro de 2003 (TD/B/50/11).
147 Maizels, A et al. (1997) “Commodity supply management by producing countries: a case study of the tropical beverage crops”, Oxford: OUP.
148 Oxfam (2002b) op. cit.
149 O termo Fairtrade (uma palavra, com inicial maiúscula) se refere a um produto que foi certificado pela Fairtrade Labelling Organisations International/ Organização Internacional de Rotulagem de Comércio Justo (FLO); comércio justo (duas palavras, sem inicial maiúscula) se refere ao princípio geral e não implica em processo de certificação.
150 Ver: www.fairtrade.org.uk
151 ActionAid Brasil (2003) “Multinationals in the dairy sector: Parmalat – a case study”, documento de referência, Rio de Janeiro: ActionAid Brasil.
152 Vorley, B (2004b) “Global dynamics of grocery retail restructuring: questions of governance”, documento sobre temas globais do Regoverning Markets (documento preliminar para discussão): www.regoverningmarkets.org/docs/Global_
issue_paper1_final.pdf
153 Berdegué, J et al. (2004) “Supermarkets and agrifood systems in Latin America: an overview”, documento sobre temas globais do Regoverning Markets: www.regoverningmarkets.org/docs/LatinAmericaRegionalOverview.pdf
154 Ver: www.regoverningmarkets.org; Reardon, T (2003) op. cit.; Dolan, C & Sorby K (2003) op. cit.
155 Berdegué, J et al. (2004) op. cit.
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Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
156 International Labour Resource and Information Group /Grupo Internacional de Recursos e Informações sobre o Trabalho (2004) “The South African dairy industry and the impact of Parmalat”, Cidade do Cabo: ILRIG.
157 Farina, M M Q (2002) “Consolidation, multinationalisation and competition in Brazil: impacts on horticulture and dairy products systems”, Development Policy Review, 20 (4) 2002.
158 ActionAid Brasil (2003) op. cit.
159 Ibidem.
160 Farina, M M Q (2002) op. cit.
161 Vorley, B (2003) op. cit.
162 Ibidem.
163 Ibidem.
164 Plantconsult (2003) “EUREPGAP: Introduction among small-scale producers of fresh fruit and vegetables in developing countries”, Emmeloord, Holanda.
165 Ver, por exemplo, o guia do Instituto de Recursos Naturais de melhores práticas para tratar com pequenos horticultores: www.nri.org/NRET/SPCDR/NRI guidelines
NT Quadro severo de desnutrição, provocado por uma dieta pobre em proteínas, observada em crianças africanas, caracterizado por anemia, edema, despigmentação da pele e perda de cabelo (Nota do Tradutor).
166 Campaign for Tobacco Free Kids/ Campanha para Livrar as Crianças do Fumo (2001), op. cit.
167 Ver, por exemplo, IFAD (2001) op. cit.; Bickel, U & Maarten Dros, J (2003) “The impacts of soybean cultivation on Brazilian ecosystems: three case studies” WWF: www.bothends.org/strategic/soy27.pdf
168 IFAD (2001) op. cit.
169 Bickel, U & Maarten Dros, J (2003) op. cit.
170 Ibidem.
171 Ibidem.
172 Ibidem.
173 Ver, por exemplo, Garces, L (2002) “The detrimental impacts of industrial animal agriculture: a case for humane and sustainable agriculture”, Londres: Compassion in World Farming.
174 Oxfam (2002b) op. cit.
175 Campaign for Tobacco Free Kids/ Campanha para Livrar as Crianças do Fumo (2001) op. cit.
176 Ibidem.
177 Ibidem.
178 Vorley, B (2003) op. cit.
179 Dolan, C & Sorby, K (2003) op. cit.
180 Oxfam (2004) op. cit.
181 Barrientos, S et al. (2004) “The gender dimensions of the globalization of production”, documento de trabalho 17, Departamento de Integração de Políticas, Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, Genebra: Escritório Internacional do Trabalho.
182 Ibidem.
183 Dolan, C & Sorby, K (2003) op. cit.
184 Ibidem.
185 Ziegler, J (2003) op. cit.
186 ActionAid (2003a) op. cit.
187 Ibidem.
188 Rural Advancement Foundation International/ Fundação Internacional para o Progresso Rural (2000) “In search of higher ground: the intellectual property challenge to public agricultural research and human rights and 28 alternative initiatives”, série de documentos eventuais 6 (1), setembro de 2000.
189 ActionAid (2003b) “GM crops: going against the grain”, Londres: ActionAid.
190 Lilian Joensen, L & Semino, S (2004) “Argentina’s torrid love affair with the soybean”, Barcelona: GRAIN.
191 Ibidem.
NT “Agrifood TNCs ‘kick away the ladder” of development” ou, literalmente, “As transnacionais agroalimentares ‘chutam para longe a escada’ do desenvolvimento”. A expressão significa que as transnacionais tentam impedir que outras companhias utilizem as mesmas políticas e facilidades (a escada) que as levaram à sua atual posição dominante, prejudicando, assim, o desenvolvimento (Nota do Tradutor).
192 Page, S & Hewitt, A (2001) “World commodity prices: still a problem for developing countries?’ Londres: ODI; UNCTAD (2002d) “Diversification of production and exports in commodity dependent countries, including single commodity exporters, for industrialization and development, taking into account the special needs of LDCs”, Genebra: UNCTAD.
193 Humphrey, J (1999) “Adding value to food exports: a value chain approach”, nota conceitual para uma oficina no Instituto de Estudos do Desenvolvimento, setembro de 1999
194 Serviço Mundial da BBC, “Inside the global giants”: www.bbc.co.uk/worldservice/specials/151_globalgiants/page3.shtml
195 Grupo Internacional de Pesquisa e Informação do Trabalho (2004) op. cit.
196 Ibidem.
197 Page, S & Hewitt, A (2001) op. cit.
198 Vorley, B (2003) op. cit.
199 Humphrey, J (1999) op. cit.
200 UNCTAD (2002a) op. cit.
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201 Ann McFerran, entrevista para a ActionAid, agosto de 2004.
202 Venkateswarlu, D (2001) “Seeds of bondage: female child bonded labour in hybrid cotton seed production in Andhra Pradesh”, Business & Community Foundation and Plan International: www.indianet.nl/sobintr.html
203 ICHRP (2002) “Beyond voluntarism: human rights and the developing international legal obligations of companies”, Versoix: Conselho Internacional de Políticas de Direitos Humanos.
204 Ver: www.un.org/Overview/rights.html
205 Ver: www.oecd.org/dataoecd/56/36/1922428.pdf
206 Ver: www.ilo.org/public/english/standards/norm/sources/mne.htm
207 Soft law se refere a uma ampla variedade de documentos (declarações de princípios, códigos de práticas, recomendações, diretrizes, normas, cartas e resoluções) cujo cumprimento não pode ser diretamente exigido em tribunais, havendo, porém, uma expectativa de que a comunidade internacional respeite e siga seus dispositivos. Muitos desses documentos servem posteriormente de base para acordos legalmente vinculatórios.
208 In 1992, por exemplo, o governo do Panamá, que havia tentado aplicar um aumento de salário mínimo, foi forçado a renunciar depois que a Chiquita ameaçou cancelar contratos com os plantadores locais.
www.bananalink.org.uk/companies/companies.htm. Ver também: UNCTAD (2002e) “World investment report: transnational corporations and export competitiveness”, Genebra: UNCTAD.
209 Para exemplos, ver Greenpeace (2002) “Corporate crimes: the need for an international instrument on corporate accountability and liability”, Greenpeace International: www.greenpeaceweb.org/shipbreak/corporatecrimes.pdf
210 Ver, por exemplo, a Tax Justice Network/ Rede por Justiça nos Impostos: www.taxjustice.net/e/about/index
211 Christian Aid (2002) “The need for legally binding regulation of transnational corporations”, briefing político da Christian Aid: www.christian-aid.org.uk/indepth/0202tnc/transc.htm
212 Fixação de preços de transferência é a cobrança de preços internos, artificialmente baixos ou altos,
entre uma transnacional e suas subsidiárias estrangeiras, para tirar vantagem das diferenças de alíquotas de impostos nos distintos países. Ver UNCTAD (1999) “Transfer pricing”, série da UNCTAD sobre temas de investimento internacional, Nova York e Genebra: UNCTAD.
213 Ver, por exemplo, Connor, J (2003) “International price fixing: resurgence and deterrence”, documento apresentado na reunião anual da Associação Americana de Direito Agrário, Indianapolis, 26 de outubro de 2002.
214 ICHRP (2002) op. cit.
215 Ver: www.oecd.org/document/21/0,2340,en_2649_34859_2017813_1_1_1_1,00.html
216 Ver: www.imo.org/Conventions/contents.asp?topic_id=256&doc_id=660
217 Ver: www.un.org/Depts/los/convention_agreements/convention_overview_convention.htm
218 Ventkateswarlu, D (2004a) “Child labour in Hybrid cotton seed production in Andhra Pradesh: recent developments”, Utrecht: India Committee of the Netherlands.
219 Ibidem.
220 Ibidem.
221 Entrevista para a ActionAid, julho de 2004.
222 Venkateswarlu, D (2004a) op. cit.
223 The Hindu, “Pesticide exposure claims another child labourer’s life”, 29 de junho de 2004; Ann McFerran, entrevista para a ActionAid, agosto de 2004.
224 Venkateswarlu, D (2001) op. cit.
225 Venkateswarlu, D (2004b) “Unilever and other MNCs in employment of child labour in hybrid cotton seed production in Andhra Pradesh: allegations and response”, documento de referência, Londres: ActionAid.
226 Venkateswarlu, D (2004a) op. cit.
227 Ibidem.
228 Ver: www.unilever.com/environmentsociety/purpose_principles/ourprinciples/
229 ActionAid (2004c) “This land is my land: a case study on the land struggle by local adivasis with Unilever”, documento de referência, Londres: ActionAid.
230 Ver, por exemplo, Amigos da Terra (2004) “Xpose awards”: www.foe.co.uk/resource/media_briefing/xposeawards.pdf; Amigos da Terra (2003) “Behind the shine: the other Shell report”, Londres: Amigos da Terra.; Greenpeace (2002) op. cit.; Greenpeace (2004) “Company profile of Unilever”: www.greenpeaceweb.org/lichaamzondergif/dossiers/unilever.pdf
231 Departamento do Trabalho dos EUA, “The apparel industry and codes of conduct: a solution to the international child labor problem?”: www.itcilo.it/actrav/actrav-english/telearn/global/ilo/code/apparel.htm
232 Policy and Global Affairs (2003) “Monitoring international labor standards: summary of domestic forums”: www.nap.
edu/openbook/0309088615/html/5.html
233 UNRISD (2004) “Corporate Social Responsibility and business regulation”, Genebra: UNRISD.
234 Gooch, F “Transparency and stakeholders: need for mandatory social, economic and environmental reporting”, apresentação do núcleo de políticas da Traidcraft, 14 de outubro de 2004.
235 UNRISD (2004) op. cit.
236 Jenkins, R (2001) “Corporate codes of conduct: self-regulation in a global economy”, Genebra: UNRISD.
237 Gordon, K & Miyake, M (2000) “Deciphering codes of corporate conduct: a review of their contents”, Paris: OCDE.
238 Jenkins, R (2001) op. cit.
239 ICHRP (2002) op. cit.
240 UNRISD (2004) op. cit.
241 Jenkins, R (2001) op. cit.
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Seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
242 Ibidem.
243 Ibidem.
244 Gooch, F op. cit.
245 Ver: www.racetothetop.org
246 Vorley, B et al. “Third-party regulation of supermarkets: opportunities and obstructions”,
documento preliminar preparado para o XI Congresso Mundial de Sociologia Rural, Trondheim, 25-30 de julho de 2004.
247 UNCTAD (2004b) “Trade and gender: opportunities and challenges for developing countries”, Nova York e Genebra: UNCTAD.
248 Ibidem.
249 Pearson, R & Seyfang, G (2001) “New hope or false dawn? Voluntary codes of conduct, labour regulation and social policy in a globalizing world”, Global Social Policy, 1 (1) abril de 2001, Londres: Sage.
250 ActionAid (2003c) “Unlimited companies: the developmental impacts of an investment agreement at the WTO”, Londres: ActionAid.
251 Ver: www.hll.com/HLL/reachingout/communitydev.html
252 Ver: www.growingforthefuture.com
253 Adivasi – que literalmente significa “o primeiro habitante” – é o termo usado na Índia para se referir aos povos aborígines ou tribais.
254 Entrevista para a ActionAid em julho de 2004.
255 Ibidem.
256 ICHRP (2002) op. cit.
257 PANUPS updates service, 29 de outubro de 1999, “Action alert: children poisoned in Peru”: www.panna.org/resources/
panups/panup_19991029.dv.html
258 Dinham, B “Corporations and pesticides”, (no prelo) op. cit.
259 Washington Free Press #64, julho-agosto de 2003, “Bayer moves to block families’ legal action”: www. washingtonfreepress.org/64/bayerMoves.htm
260 ICHRP (2002) op. cit.
261 Ibidem.
262 Dinham, B & Malik, S (2003) “Pesticides and human rights”, International Journal of Occupational and Environmental Health, 9 (1) 2003.
263 ICHRP (2002) op. cit.
264 Greenpeace Índia, comunicação pessoal, dezembro de 2004; Greenpeace Índia (2002) op. cit.
265 Greenpeace Índia (2002) op. cit.
266 Dr. Praveen e Dr. Mohan Isaac, avaliação preliminar de pessoas expostas ao mercúrio em Kodaikanal, Núcleo de Saúde Comunitária (Community Health Cell), Bangalore. setembro de 2001, in Greenpeace India (2002) op. cit.
267 Greenpeace Índia, comunicação pessoal, dezembro de 2004.
268 Ver: www.unilever.com/environmentsociety/newsandspeeches/thermometer_factory_kodaikanal_india.asp
269 ICHRP (2002) op. cit.
270 Ibidem.; Palmer, A (2003) “Community redress and multinational enterprises”, Londres: Fundação de Direito Ambiental Internacional e Desenvolvimento (Foundation for International Environmental Law and Development).
271 Reuters “Brazil fines Shell for toxic pesticide pollution”, 19 de junho de 2002.
272 Amigos da Terra (2003) op. cit.
273 Ibidem.
274 Spencer, R (2004) “Corporate law and structures: exposing the roots of the problem”, Oxford: Observatório Corporativo (Corporate Watch).
275 Briggs v James Hardie & Co Pty Ltd (1989) 16 NSWLR 549, at 577.
276 Palmer, A (2004) op. cit.
277 Rosenthal, E (2003) “The tragedy of Tauccamarca: a human rights perspective on the pesticide poisoning deaths of 24 children in the Peruvian Andes”, International Journal of Occupational and Environmental Health, 9 (1) 2003.
278 Pnuma (2004) “Childhood pesticide poisoning: information for advocacy and action”, Châtelaine: Pnuma.
279 Rosenthal, E (2003) op. cit.
280 Washington Free Press #64, julho-agosto de 2003, “Bayer moves to block families’ legal action”:
www.washingtonfreepress.org/64/bayerMoves.htm
281 Rosenthal, E (2003) op. cit.
282 Ibidem.
283 Washington Free Press #64, julho-agosto de 2003, “Bayer moves to block families’ legal action”:
www.washingtonfreepress.org/64/bayerMoves.htm
284 Rede de Ação da Ásia e Pacífico contra os Pesticidas (Pesticide Action Network Asia Pacific), Carta a Kofi Annan às vésperas da Cúpula do Pacto Global, junho de 2004: www.panap.net/highlights.cfm?id=31&hiliteid=HILITE30
285 Rosenthal, E (2003) op. cit.
286 Ibidem.; ICHRP (2002) op. cit.
287 Ward, H (2001) “Governing multinationals: the role of foreign direct liability”, Londres: Instituto Real de Assuntos Internacionais.
288 Sapna Malik, Leigh, Day & Co., comunicação pessoal, setembro de 2004.
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Fome de Poder: seis razões para regulamentar as corporações globais de alimentos
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289 Por exemplo, sistemas de direitos humanos das Nações Unidas e regionais que tratam de direitos civis e políticos; direitos econômicos, sociais e culturais; discriminação racial; tortura; direitos das mulheres; e direitos das crianças.
290 ICHRP (2002) op. cit.
291 Observatório da OCDE (2004) “Review of National Contact Points for the OECD Guidelines for the period June 2003-
June 2004”, Observatório da OCDE: www.corporate-accountability.org/docs/OW_2004_Review.pdf
292 Ibidem.
293 Vorley, B (2002a) op. cit.
294 Jack Straw, Secretário de Estado para Assuntos Estrangeiros do Reino Unido, Local Questions, Global Answers, 10 de setembro de 2001. Um discurso sobre globalização no Museu da Ciência e Indústria, Manchester, Reino Unido.
295 Instituto Britânico de Direito Internacional e Comparado, “EU competition rules and future developments from the perspective of farmers and small suppliers”, briefing para o Grupo de Alimentos do Reino Unido (UK Food Group), setembro 2004.
296 Vorley, B (2004a) op. cit.
297 Oxfam America (2003) op. cit.
298 Ver: www.compcom.co.za/aboutus/aboutus_intro.asp?level=1
299 Fórum Global da OCDE sobre Concorrência, “How enforcement against private anticompetitive conduct has contributed to economic development”, contribuição da Tailândia, CCNM/GF/COMP/WD(2004)27:
www.oecd.org/dataoecd/24/55/26370337.pdf
300 Vorley, B (2003) op. cit.; “Buyer power and antitrust”, relatório do Painel sobre Alimentos e Agricultura, Instituto Americano Antitruste, Conferência Nacional, 22 de junho de 2004.
301 UNCTAD (2002c) op. cit.
302 Ibidem.
303 UNCTAD (2004c) op. cit.
304 ActionAid (2001) op. cit.
305 Ver: http://europa.eu.int/comm/competition/antitrust/legislation/cartel_leniency.pdf
306 ActionAid (2003c) op. cit.
307 Para discussões sobre marcos de investimentos favoráveis aos pobres, ver ibidem; UNCTAD (1997) “Criteria for the development friendliness of investment frameworks”, Genebra: UNCTAD; Comunicação da China, Cuba, Índia, Quênia, Paquistão e Zimbábue ao Grupo de trabalho da OMC sobre as Relações entre Comércio e Investimento, “Investors’ and home governments’ obligations”, WT/WGTI/W/152, 19 de novembro de 2002.
308 UNCTAD (1997) op. cit.
309 ActionAid (2003c) op. cit.
310 Hilary, J (2003) “What is at stake at Cancún? An illustrative list of the sectors and policies under threat from an investment agreement at the WTO”, ActionAid Internacional: ww.actionaid.org.uk/wps/content/documents/stake.pdf
311 Ibidem.
312 Vorley, B (2004b) op. cit.
313 Ver: www.viacampesina.org/art_english.php3?id_article=36
314 Ver: www.panap.net/caravan
315 Vorley, B (2002b) “Sustaining agriculture: policy, governance, and the future of family-based farming”, Londres: IIED.
316 Para uma descrição e análise do conteúdo das Normas da ONU e de seu status legal, ver Anistia Internacional (2004) “The UN Human Rights Norms for Business: towards legal accountability”, Londres: Anistia Internacional.
317 Código Internacional de Conduta sobre a Distribuição e Uso de Pesticidas; Convenção de Roterdã sobre Consentimento
Prévio Fundamentado para Certos Pesticidas Perigosos no Comércio Internacional; Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes; Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Disposição.
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