a exigncia da repercusso geral para a admissibilidade do

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a exigncia da repercusso geral para a admissibilidade do
RECURSO EXTRAORDINÁRIO E REPERCUSSÃO GERAL
Guilherme Beux Nassif Azem
Mestre em Direito pela PUCRS. Procurador Federal
Introdução
Consagrado o direito processual como ciência autônoma, 1 a grande
preocupação dos processualistas modernos centra-se na tentativa de estabelecer
um processo justo, efetivo, capaz de tutelar, tempestivamente, o direito material
buscado pela parte. Não são poucas as tentativas legislativas voltadas a tornar a
prestação jurisdicional mais racional e eficaz, como demonstram, por exemplo, as
inúmeras reformas a que já foi submetido o Código de Processo Civil. 2
Seguindo essa linha, foi promulgada, em 8 de dezembro de 2004, a
Emenda Constitucional nº 45, que, a despeito de ser conhecida como Reforma do
Judiciário, abarcou variados assuntos, 3 inclusive de índole processual. O presente
ensaio tem por objetivo analisar uma dessas modificações operadas pelo
constituinte derivado, qual seja, a exigência da demonstração da repercussão geral
da questão constitucional para o conhecimento do recurso extraordinário.
1
A autonomia do direito processual sucedeu ao sincretismo, período que foi marcado pela confusão
entre os planos substancial e processual.
2
Cândido Rangel Dinamarco, que cita as leis dos Juizados Especiais, da Ação Civil Pública, do
Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente como exemplos da
visão instrumental que marca o processualista moderno, afirma: “Aprimorar o serviço jurisdicional
prestado através do processo, dando efetividade aos seus princípios formativos (lógico, jurídico,
político, econômico), é uma tendência universal, hoje. E é justamente a instrumentalidade que vale de
suficiente justificação lógico-jurídica para essa indispensável dinâmica do sistema e permeabilidade
às pressões axiológicas exteriores: tivesse ele seus próprios objetivos e justificação auto-suficiente,
razão inexistiria, ou fundamento, para pô-lo à mercê das mutações políticas, constitucionais, sociais,
econômicas e jurídico-substanciais da sociedade”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do processo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 25-26).
3
Nesse sentido, MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Emenda Constitucional 45/2004 e o processo.
Revista de Processo, São Paulo, v. 130, p. 236.
www.abdpc.org.br 2
Trata-se
de
instituto
recém
incorporado
ao
nosso
ordenamento.
Evidentemente, sua essência e seus desdobramentos não são de todo conhecidos,
mais se encontrando no plano das hipóteses. Até por isso, despe-se a pesquisa de
qualquer pretensão de esgotar o assunto. Caso questionamentos sejam suscitados
a partir do texto, assim estimulando o debate, ter-se-á por atingido o singelo objetivo
a que ora nos propomos.
1. Primeiras considerações. Acesso à justiça
Diante da regra inserta no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, o
Estado, detentor do monopólio jurisdicional, possui o poder-dever de aplicar o
direito, regulando, nos casos concretos, os conflitos intersubjetivos que são postos à
sua apreciação. A garantia de acesso à justiça foi erigida, pelo constituinte originário,
à condição de cláusula pétrea, insuscetível de abolição.
4
Para Joaquim José Gomes Canotilho, o direito à proteção judicial concebese como uma dupla dimensão: (1) um direito de defesa ante os tribunais e contra
atos dos poderes públicos; e (2) um direito de proteção do particular através de
tribunais do Estado, no sentido de este o proteger perante a violação dos seus
direitos por terceiros (dever de proteção do Estado e direito do particular a exigir
essa proteção). 5 Entre nós, Ingo Wolfgang Sarlet enquadra a garantia da
inafastabilidade do controle judiciário como direito prestacional lato sensu. 6
Importa observar que o direito à prestação jurisdicional não se limita ao
acesso formal aos tribunais. Em verdade, extrai-se da CF/88 a garantia de um
processo justo, efetivo, de modo a conferir idoneidade à tutela do direito material da
parte.
2. O recurso extraordinário
4
CF/88, art. 60, § 4º.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:
Livraria Almedina, 2003, p. 496.
6
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2005, p. 216.
5
3
O processo é o instrumento utilizado para o exercício da jurisdição. A
apreciação do Poder Judiciário, no entanto, não fica circunscrita, via de regra, a um
único pronunciamento. Os recursos constituem meio clássico para a impugnação de
decisões judiciais, 7 tendo o propósito de assegurar, na medida do possível, a sua
justiça.
8
Por certo, visam, também, a minimizar os efeitos naturais do inconformismo
humano com julgamentos desfavoráveis. Assim afirma Athos Gusmão Carneiro:
Vale lembrar que cada país busca, em seu ordenamento
processual, realizar adequada conciliação entre os ideais de Justiça
e a necessidade de segurança na aplicação jurisdicional do Direito.
Em tese, proferida uma sentença, o Estado terá outorgado aos
litigantes a prestação jurisdicional, meio de eliminar conflitos de
interesses, prestação a que o Poder Público se obrigou ao proibir a
justiça privada e ao reservar-se, com exceções limitadíssimas, o
monopólio da jurisdição. A existência de recursos, o reexame das
decisões pelo mesmo ou por outro órgão julgador, vincula-se
destarte a exigências de ordem pragmática, ligadas à falibilidade
humana, à conveniência no aperfeiçoamento das decisões judiciárias
e, também, ao natural desejo do vencido em ver suas pretensões
objeto de uma segunda e possivelmente mais acurada apreciação,
que inclusive poderá proporcionar maior aceitação social da decisão
reexaminada. 9
Dentre as espécies recursais, encontra-se previsto o recurso extraordinário
(CPC, art. 496, VII; CF/88, art. 102, III). Trata-se de remédio introduzido no direito
pátrio pela Constituição Republicana de 1891 e que encontra raízes históricas no
writ of error do direito norte-americano. 10 Instrumento estritamente vocacionado à
resolução de questões de direito, não se destina a corrigir a má apreciação da prova
ou a eventual injustiça da decisão. Para o seu manejo, não basta a simples
7
Os recursos não se constituem no único meio oferecido pelo sistema para a impugnação de
decisões judiciais, valendo citar, exemplificativamente, a ação rescisória, os embargos de terceiro e,
até mesmo, o mandado de segurança.
8
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 19. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, p. 113.
9
CARNEIRO, Athos Gusmão. Do recurso especial e seus pressupostos de admissibilidade. Revista
da Ajuris, Porto Alegre, v. 66, p. 40.
10
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565. 12. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 577.
4
sucumbência da parte, sendo necessários requisitos outros, definidos pelo
ordenamento. Rodolfo de Camargo Mancuso anota que
à semelhança do que sucede com a admissibilidade da ação,
também a admissibilidade dos recursos está sujeita a certos
requisitos, formais e substanciais. Naturalmente, esses requisitos
são mais rigorosos nos casos dos recursos excepcionais, ou de
direito estrito, do que nos recursos ordinários, como a apelação,
onde se pode discutir matéria de fato e de direito e protestar contra a
injustiça da decisão recorrida.
11
3. A exigência da repercussão geral no recurso extraordinário
A Emenda Constitucional nº. 45, de 8 de dezembro de 2004, trouxe
relevante modificação no âmbito do recurso extraordinário 12 , ao acrescentar o
seguinte § 3º ao art. 102 da Constituição Federal:
No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a
repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso,
nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do
recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois
terços de seus membros.
Tal instituto há de ser entendido como uma espécie de filtro de
admissibilidade. A presença da repercussão geral indica que o recurso merece ser
analisado, mas, evidentemente, não dispensa a presença dos demais requisitos de
admissão e, muito menos, traz a garantia de que o recurso extraordinário será
provido.
Deriva a inovação constitucional do excessivo número de recursos
submetidos ao Supremo Tribunal Federal, o que vinha desnaturando o caráter
11
MANCUSO, Rodolfo Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1993, p. 66.
12
Embora não se relacione diretamente com os propósitos do presente, cabe referir que a EC
45/2004 também consagrou nova hipótese de cabimento do recurso extraordinário, acrescendo uma
nova alínea (d) ao art. 102, III, da CF/88.
5
extraordinário da jurisdição prestada pela Corte, transformando-a em um tribunal de
revisão de decisões judiciais. Tal como refere Barbosa Moreira,
O que se pretende é evitar que o Supremo Tribunal Federal tenha de
ocupar-se de questões de interesse visto como restrito à esfera
jurídica das partes do processo, em ordem a poder reservar sua
atenção e seu tempo para matérias de mais vasta dimensão, para
grande problemas cuja solução deva influir com maior intensidade na
vida econômica, social, política do país. 13
Pertinente, também, a observação de Eduardo de Avelar Lamy:
[...] a repercussão geral está inserida dentro de um contexto
mais amplo da Reforma do Judiciário, de transcendência de
interesses subjetivos em prol do exercício da função paradigmática
do STF, alinhada, neste compasso, à súmula vinculante, que traz
caráter objetivador, por assim dizer, aos pronunciamentos daquele
tribunal, afastando-o de uma feição puramente jurisdicional e
afirmando seu caráter de tribunal constitucional. 14
Ao se exigir a demonstração da repercussão geral no recurso
extraordinário, afasta-se a vulgarização do acesso ao STF, em não raras vezes
instado a se pronunciar sobre questões absolutamente incompatíveis com a sua
função. Dignifica-se, assim, o relevante papel desempenhado pelo órgão de cúpula
do Poder Judiciário pátrio.
4. Institutos análogos no ordenamento nacional
A bem da verdade, nosso ordenamento não desconhece mecanismos cujas
características apontam na direção da limitação das questões a serem apreciadas
13
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Emenda Constitucional 45/2004 e o processo. Revista de
Processo, São Paulo, v. 130, p. 240.
14
LAMY, Eduardo de Avelar. Repercussão geral no recurso extraordinário: a volta da argüição de
relevância? In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. et.al. Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios
críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 179.
6
pelas cortes superiores. Como institutos análogos, podemos citar a antiga argüição
de relevância e o atual critério da transcendência, previsto na CLT.
A argüição de relevância, baseada principalmente no direito norteamericano, foi introduzida na Constituição de 1967 por meio da Emenda
Constitucional nº. 1/69, conferindo ao Supremo Tribunal Federal competência para,
em seu regimento interno, indicar quais as causas que, pela sua natureza, espécie
ou valor pecuniário, não seriam apreciadas pela Corte, ainda que verificados os
demais pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário (art. 119,
parágrafo único). A Emenda Constitucional nº. 7/77 deu nova redação ao referido
dispositivo, incluindo expressamente o critério de relevância como elemento para o
exame dos recursos extraordinários a serem apreciados pelo Pretório Excelso.
Evandro Lins e Silva 15 definiu o instituto como uma pré-condição ou pré-requisito do
recurso.
O objetivo do mecanismo, quando introduzido na época ditatorial, foi o de
reduzir os encargos do Supremo Tribunal Federal, consoante dizeres do Ministro
Victor Nunes Leal 16 , um de seus idealizadores. O sistema perdurou até o advento da
Constituição Federal de 1988. 17
O Ministro José Celso de Mello, durante os trabalhos da Comissão Especial
destinada a proferir parecer quanto à proposta Reforma do Judiciário (então
Proposta
de
Emenda
à
Constituição
nº.
96-A,
de
1992),
manifestou-se
favoravelmente ao retorno do requisito da relevância, tendo assim afirmado:
Entendo
recomendável
discutir,
ainda,
a
possível
reintrodução em nosso sistema constitucional do instrumento da
argüição de relevância, para permitir ao Supremo Tribunal o
exercício do poder de selecionar com prudente discrição as causas
suscetíveis
15
de
exame
jurisdicional
em
sede
de
recurso
SILVA, Evandro Lins e. O recurso extraordinário e a relevância da questão federal. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 435, p.11-15.
16
LEAL, Victor Nunes. O requisito da ‘relevância’ para redução dos encargos do Supremo Tribunal
Federal. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 213, p. 23-4.
17
O controle da legalidade, unidade e uniformidade da legislação federal passou a ser realizado pelo
Superior Tribunal de Justiça.
7
extraordinário, à semelhança do que já ocorreu sob o domínio da
Carta anterior e do que hoje se verifica no sistema argentino. O
Congresso da Argentina, em 1990, pela Lei Federal argentina
23.774, de 1990, introduziu no art. 280 do seu Código de Processo
Civil, o requisito da transcendência, permitindo que esse requisito
atue como instrumento de filtragem, de escolha e seleção pela
Suprema Corte das causas, em função, precisamente, do seu maior
grau de relevância, à semelhança do que já, também ocorre nos
Estados Unidos, desde a Reforma Judiciária, introduzida em 1925
pelo Congresso Norte-Americano, refiro-me ao writ of certiorari.
A transcendência, por sua vez, é critério previsto, no âmbito do processo do
trabalho, para determinar a apreciação – ou não – de determinadas matérias pelo
Tribunal Superior do Trabalho, em sede de recurso de revista.
18
O que ocorre é
uma seleção prévia dos processos baseada em sua transcendência jurídica, política,
social ou econômica, a fim de determinar o que merece o pronunciamento da Corte.
Embora vigente, a transcendência não vem sendo aplicada, por ausência de
regulamentação. 19
5. Mecanismos de filtragem no direito comparado
A preocupação com a efetividade da prestação jurisdicional, posta em risco
pelo congestionamento do Poder Judiciário, é problema que não se limita ao nosso
ordenamento, desafiando ações institucionais voltadas a minimizá-lo.
Afirma Mauro Cappelletti que “O movimento por ‘acesso à justiça’ tem
representado, nos últimos decênios uma importante, talvez a mais radical
transformação do pensamento jurídico e das reformas normativas institucionais em
número crescente de países”. 20
18
O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece
transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.
(CLT, art. 896-A, com a redação dada pela MP nº 2.226/01). O dispositivo teve sua
constitucionalidade questionada na ADI nº 2527, pendente de julgamento.
19
Nesse sentido, TST, 3ª Turma, AIRR-10838/2002-902-02-40.1, DJ 12/08/05.
20
CAPPELLETTI, Mauro. O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época. Revista de
Processo, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, nº 61, p. 144.
8
No âmbito do direito comparado, a adoção de “mecanismos de filtragem” não
é desconhecida. 21 Louis Favoreu salienta que, nas Cortes Constitucionais européias,
faz-se presente uma tendência que “consiste em fazer uma ‘filtragem’ dos recursos
apresentados em número crescente a cada ano, na Alemanha, Itália, Áustria e
Espanha”. 22
Isso se deve, por certo, ao excessivo número de processos que vêm
sendo submetidos às cortes superiores. Lawrence Baum, referindo-se à Suprema
Corte norte-americana, assevera:
Pelo menos desde o final do século XIX, o aumento da
atividade na Corte tem levado a queixas dos juízes de que estão
sobrecarregados e incapazes de lidar efetivamente com seu
trabalho. Como resultado, os membros da Corte e observadores
solidários têm procurado proporcionar a ela maior controle sobre sua
massa de processos através da expansão de sua autoridade quanto
à apreciação de casos ou não. 23
José Carlos Barbosa Moreira, em ensaio sobre a reforma do processo civil
alemão, diz:
A reiterada alusão, em matéria de admissibilidade de
recursos, à “significação fundamental” (grundsätzliche Bedeutung) da
questão de direito suscitada (alusão que já se via no antigo § 546 da
ZPO, com referência à Revision), traz à lembrança do jurista
brasileiro o requisito da “relevância da questão federal”, que em certa
época adotou o STF para restringir o cabimento do recurso
extraordinário em determinadas hipóteses, com base na autorização
que lhe dava o art. 119, par. ún., da EC 1, de 17.10.1969. Na
doutrina alemã, o conceito de “significação fundamental” foi
21
As referências doravante formuladas têm apenas caráter exemplificativo, a fim de demonstrar a
existência, no direito comparado, de instrumentos tendentes a reduzir os encargos das cortes
superiores.
22
FAVOREU, Louis. As cortes constitucionais. Tradução Dunia Marinho Silva. São Paulo: Landy
Editora, 2004, p. 38.
23
BAUM, Lawrence. A Suprema Corte Americana. Tradução Élcio Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1987, p. 164.
9
traduzido, sinteticamente, dizendo-se que a questão discutida, na
aplicação concreta, devia ser suscetível de generalização a um
número indeterminado de casos, e a decisão a seu respeito servir à
unidade e ao desenvolvimento do direito. Abstraindo-se de
discrepâncias de formulação, a nota essencial consiste em que a
matéria precisa revestir interesse que transcenda nitidamente os
lindes do caso concreto. 24
Já na Espanha, releva destacar que o art. 50.1 da Lei Orgânica do Tribunal
Constitucional elenca, como um dos casos para a inadmissão do recurso de amparo,
o fato de a demanda carecer manifestamente de conteúdo que justifique uma
decisão de fundo pela Corte. 25
Na Argentina, o art. 280 do Codigo Procesal Civil y Comercial de la Nación
prescreve:
Art. 280. La Corte, según su sana discreción y com la sola
invocación de esta norma podrá rechazar el recurso extraordinaio,
por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones
planteadas resultaren insustanciales o carentes de transcendencia.
Salienta André Ramos Tavares que “o writ of certiorari “é o paradigma mais
próximo da atual ‘repercussão geral’, sendo utilizado no Direito norte-americano
24
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Breve notícia sobre a reforma do processo civil alemão. Revista
do Processo, São Paulo, v. 111, p. 111-112.
25
Artículo cincuenta. Uno. La Sección, por unanimidad de sus miembros, podrá acordar mediante
providencia la inadmisión del recurso cuando concurra alguno de los siguientes supuestos: a) Que la
demanda incumpla de manera manifiesta e insubsanable alguno de los requisitos contenidos en los
artículos 41 a 46 o concurra en la misma el caso al que se refiere el artículo 4.2. b) Que la demanda
se deduzca respecto de derechos o libertades no susceptibles de amparo constitucional. c) Que la
demanda carezca manifiestamente de contenido que justifique una decisión sobre el fondo de la
misma por parte del Tribunal Constitucional d) Que el Tribunal Constitucional hubiera ya desestimado
en el fondo un recurso o cuestión de inconstitucionalidad o un recurso de amparo en supuesto
sustancialmente igual, señalando expresamente en la providencia la resolución o resoluciones
desestimatorias.
10
quanto à acessibilidade à Suprema Corte para resolver sua grave crise de
congestionamento”. 26
6. Discricionariedade judicial. Critérios à disposição do legislador para definir
a repercussão geral
Uma vez previstos mecanismos que restrinjam o conhecimento das questões
a serem analisadas pelos tribunais, imprescindível, para que não reste esvaziada a
mínima segurança jurídica, buscar formas para definir os critérios limitadores, ainda
que abertos. A adoção de critérios abertos, aliás, não significa a outorga de poder
legiferante aos magistrados. Apenas reflete, com maior intensidade, algo que é
ínsito a toda decisão judicial: o subjetivismo.
O art. 102, § 3º, da CF/88, como adiantado, é norma de eficácia limitada,
conforme indica a expressão na forma da lei, constante de seu texto. Cabe à lei
ordinária, portanto, definir no que se consubstancia a exigência da repercussão
geral.
De fato, a Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006, alterou o vigente
Código de Processo Civil, regulamentando a aplicação do referido disposititivo
constitucional. O diploma processual, em seu art. 543-A, § 1º, passou a estabelecer
que, “Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de
questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. 27
Arruda Alvim alija um critério eminentemente jurídico para reconhecer a
repercussão geral, ensinando:
26
TAVARES, André Ramos. Reforma do judiciário no Brasil pós-88: (des)estruturando a justiça:
comentários completos à EC n. 45/04. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 96. Lembra o autor que a petição
de certiorari só é admitida a julgamento quando estiverem presentes, a juízo da Corte, importantes e
especiais razões.
27
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, antes do advento da Lei nº 11.418/06, já
ressaltavam que “[...] ainda que a lei se esforce em definir o que é questão constitucional de
repercussão geral, caberá ao STF esclarecer, a partir das suas decisões, a exata dimensão do novo
requisito recursal”. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de
conhecimento. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 573).
11
[..] parece-nos que essa dicção deve ser lida com um
sentido que comporte interpretação extensiva. O que se quer dizer é
que essa frase não há de ter, exclusivamente, uma significação
estritamente jurídica, mas compreender também a repercussão
econômica, social, etc., ainda que sempre referenciadas ao direito
constitucional. O que o texto prescreve é que passa a ser
necessária, para que possa vir a ser admitido e julgado um recurso
extraordinário que a repercussão da matéria discutida seja geral, i.e.,
que diga respeito a um grande espectro de pessoas ou a um largo
segmento
social,
uma
decisão
sobre
assunto
constitucional
impactante, sobre tema constitucional muito controvertido, em
relação à decisão que contrarie orientação do STF: que diga respeito
à vida, à liberdade, à federação, à invocação do princípio da
proporcionalidade (em relação à aplicação do Texto Constitucional)
etc.,[...].
28
José Joaquim Calmon de Passos,
29
abordando a argüição de relevância, 30
acentuou o entendimento de Victor Nunes Leal, segundo o qual “uma decisão, para
ser relevante, deve ter reflexos além do exclusivo interesse das partes litigantes”. A
disposição contida no atual art. 102, § 3º, da CF/88, indica ter seguido a linha então
proposta pelo citado jurista. Por certo, o critério instituído pela EC 45/2004 dá ao
STF uma margem de elasticidade na apreciação das questões, permitindo uma
prévia
seleção
pronunciamento.
28
dos
recursos
extraordinários
que
“merecerão”
o
seu
31
ALVIM, Arruda. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.
et.al. Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2005, p. 63.
29
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Da argüição de relevância no recurso extraordinário.
Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 259, p. 11-22.
30
Considerando a abertura da fórmula albergada pela legislação ordinária, salutar uma mirada na
doutrina e na legislação antes vigentes, das quais se extraem parâmetros para delinear sua
formatação e, assim, outorgar ao instituto o seu devido alcance.
31
O Regimento Interno do STF - que, sob a Constituição de 1967 ostentava força de lei - disciplinou a
argüição de relevância em seus artigos 327 a 329. Referidos dispositivos, embora não mais se
encontrem vigentes (pois não recepcionados no particular), por certo são úteis para a compreensão
do instituto. Segundo o parágrafo 1º do art. 327 do RISTF “Entende-se relevante a questão federal
que, pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou
sociais da causa, exigir a apreciação do recurso extraordinário pelo Tribunal.”
12
O mecanismo introduzido possibilita ao STF decidir politicamente as causas
que irá ou não julgar. Decisão política não significa, certamente, julgamento
ideológico ou partidário, devendo a expressão ser entendida como um juízo
valorativo de proporcionalidade, razoabilidade e oportunidade, 32 tudo dentro da
função interpretativa adstrita ao Poder Judiciário.
Como já adiantado, repercussão geral é um conceito jurídico indeterminado,
vago. Poder-se-ia argumentar, em assim sendo, que a decisão do STF se
constituiria em verdadeiro juízo discricionário. A expressão, todavia, deve ser
entendida em termos adequados.
José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim
ponderam de forma interessante:
32
Nesse sentido, TESSLER, Marga Inge Barth. Suspensão de segurança. Revista do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, Porto Alegre, n. 54, p. 21.
13
Interpretar um conceito vago é pressuposto lógico da
aplicação de uma norma posta, ou de um princípio jurídico, que
contenha um conceito dessa natureza em sua formulação. É
pressuposto lógico da efetiva aplicação, mas na verdade integra o
processo interpretativo, visto como um todo.
[...].
É relevante que aqui se sublinhe que a interpretação dos
conceitos vagos vem adquirindo cada vez mais importância no
mundo contemporâneo, porque o uso destes conceitos consiste
numa técnica legislativa marcadamente afeiçoada à realidade em
que hoje vivemos, que se caracteriza justamente pela sua
instabilidade, pela imensa velocidade com que acontecem os fatos,
com que se transmitem as informações, se alteram as “verdades”
sociais.
33
Acentua Araken de Assis que “os conceitos jurídicos indeterminados não
facultam ao órgão judiciário atividade discricionária, ou política, e a expedição de
provimento de qualquer teor.”
34
Na mesma linha, Teori Albino Zavascki afirma
inexistir decisão judicial que possa ser tida por discricionária, no sentido de que
esteja vinculada apenas à vontade pessoal do juiz, ou a razões de mera
conveniência ou oportunidade. Para o referido autor, os conceitos vagos lançados
pelo legislador possuem conteúdo jurídico, razão pela qual devem ser preenchidos
com valores buscados na própria ordem jurídica. Assim sendo, “ao aplicar conceitos
de conteúdo indeterminado a casos concretos, ou seja, ao fazer cessar a
indeterminação, deve o juiz produzir um resultado compatível com os bens e valores
jurídicos insertos naqueles conceitos”. 35
33
MEDINA, José Miguel Garcia. WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.
ALVIM, Arruda. Repercussão geral e súmula vinculante. Relevantes novidades trazidas pela EC n.
45/2004. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. et.al. Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos
sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 375.
34
ASSIS, Araken de. Introdução aos sucedâneos recursais. In: Aspectos polêmicos dos recursos e de
outros meios de impugnação às decisões judiciais / Coordenação Nelson Nery Jr, Teresa Arruda
Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 13.
35
ZAVASCKI, Teori. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 175-6.
14
De todo necessária, em verdade, uma elasticidade no conceito definidor da
repercussão geral, não somente pelas naturais e cada vez mais constantes
mutações sociais, mas, inclusive, para que casos extremamente relevantes, que em
princípio não se enquadrariam em normas fechadas, possam ser julgados pelo
STF. 36
7. Inafastabilidade do controle jurisdicional. Prevalência do acesso adequado
ao Judiciário
A Constituição Federal e o pensamento jurídico moderno, com sua clara
intenção de abarcar e priorizar os ideais sociais – tomando em conta, portanto,
interesses que vão além das partes e da própria solução subjetiva da lide – têm
exigido uma reformulação conceitual de diversos institutos.
Nesse contexto, a Reforma do Judiciário, mormente no que tange ao recurso
extraordinário, teve a intenção cristalina de lhe conceder um caráter de
excepcionalidade. A repercussão geral, afinal, tornou-se um requisito genérico de
admissibilidade. Além disso, evidentemente, possui um claro objetivo de servir como
instrumento regulador do acesso dos recursos a serem submetidos à análise do
Tribunal Superior.
As adaptações institucionais, no sentido de viabilizar funcionalmente os
tribunais, estão calcadas no entendimento de que a missão das cortes superiores
transcende o mero interesse das partes. Tal concepção deriva da necessidade de
que a jurisdição seja prestada de modo adequado. Ao se vedar o irrestrito acesso
das partes às instâncias extraordinárias, o que se busca é tornar a função judicante
mais eficiente, racional e viável. 37
36
Como ensina Juarez Freitas, o sistema jurídico é aberto e potencialmente contraditório, normativa e
axiologicamente. Segundo o autor, “[...] a abertura supõe a preexistência latente de soluções
admissíveis para as inevitáveis lacunas e antinomias [...].” (FREITAS, Juarez. A interpretação
sistemática do direito. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 49).
37
Acerca da possibilidade de limitações ao acesso recursal, secundamos o escólio de Ingo Wolfgang
Sarlet: “[...], podemos, de antemão, ter como indiscutível a possibilidade de estabelecer limites, tanto
para o acesso ao segundo grau de jurisdição quanto para o exercício de um direito de recorrer para
uma superior instância. Neste sentido – e aqui convergência de opiniões – já se havia manifestado,
entre outros, o Professor Nelson Nery Júnior, em seu trabalho citado, salientando-se que seu
posicionamento se encontra fundado justamente na ausência de uma garantia constitucional absoluta
do princípio do duplo grau de jurisdição. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, igualmente
15
7.1. Acesso à justiça e acesso ao STF. Proporcionalidade e isonomia em face
da repercussão geral
Não há espaço para se falar, portanto, em afronta, pela previsão contida no
art. 102, § 3º, ao art. 5º, XXXV, ambos da Carta Maior. 38 Lembra Sérgio Bermudes
que o referido dispositivo foi elaborado tendo presente a natureza do recurso
extraordinário, cujo objetivo é a proteção do direito objetivo, não importando “o
ânimo dos recorrentes, empenhados na tutela dos seus próprios interesses”. 39
Acesso à justiça e acesso ao Supremo Tribunal Federal não são sinônimos.
A Constituição Federal, como referido inicialmente, garante a inafastabilidade do
controle jurisdicional nos casos de lesão ou de ameaça a direito. Assim, o que não
se permite, a toda evidência, é subtrair da parte interessada o direito de ver sua
alegação apreciada pelo órgão estatal competente, qual seja, o Juiz. Como ressalta
sustentou a constitucionalidade do art. 34 da Lei nº 6.830/80, o que apenas vem reforçar este
entendimento. Tal se revela ainda mais evidente, em não se considerando a garantia do acesso ao
duplo grau de jurisdição como um direito fundamental autônomo. Mesmo neste caso, seriam
aplicáveis, no mínimo, os princípios relativos aos limites imanentes, ainda que se tivesse o respectivo
direito fundamental como insuscetível de restrição pelo legislador ordinário. Tomando-se ambas as
hipóteses em pauta como posições incluídas no âmbito de proteção do art. 5º, incs. XXXV ou LV (ou
ainda do inc. LIV?), todas da CF de 1988, mas não como direitos materialmente fundamentais
independentes, há que se admitir, em princípio, a viabilidade de restrições legislativas. O que importa,
neste momento, é a constatação de que em ambas as hipóteses o caminho para restrições se
encontra aberto. A problemática reside especialmente na ponderação dos valores constitucionais em
jogo e a proporcionalidade da restrição, que não poderia, em qualquer hipótese, fazer “tábula rasa”
destes direitos. Aqui, cabe lembrar que a segurança jurídica, assim como a própria celeridade e
eficiência da Justiça, constituem, sem sombra de dúvidas, a outra face da moeda dos direitos de
ampla defesa e do acesso à Justiça. Mais do que isso, revelam-se condição importante para a
consecução da finalidade da norma que garante o acesso à Justiça e à proteção judiciária.
Relembremos, por conveniente, o alcance dado ao dispositivo similar pela doutrina alemã: a garantia
da proteção judiciária (art. 19, inc. V, da Lei Fundamental) subentende proteção suficientemente
célere e eficaz. (SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de alçada e limitação do acesso ao duplo grau de
jurisdição: problematização em nível constitucional, à luz de um conceito material de direitos
fundamentais”. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 66, p. 122-3).
38
Como se sabe, as emendas constitucionais sujeitam-se ao controle de sua constitucionalidade.
Nesse sentido, apenas exemplificativamente, lembramos que, nos autos do MS 24.465 (Rel. Min.
Celso de Mello, DJ 15/09/03), o Supremo Tribunal Federal assentou que “O processo parlamentar de
reforma constitucional, embora passível de controle jurisdicional, há de considerar, unicamente, para
efeito de aferição de sua compatibilidade com preceitos revestidos de maior grau de positividade
jurídica, as normas de parâmetro que definem, em caráter subordinante, as limitações formais, as
limitações circunstanciais e, em especial, as limitações materiais, cuja eficácia restritiva condiciona o
exercício, pelo Congresso Nacional, de seu poder reformador”.
39
BERMUDES, Sergio. A reforma judiciária pela Emenda Constitucional nº. 45: observações aos
artigos da Constituição Federal alterados pela Emenda Constitucional nº. 45, de 8 de dezembro de
2004. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 54.
16
Nelson Nery Junior, “[...] não pode o legislador e ninguém mais impedir que o
jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão”. 40
A competência do Supremo Tribunal Federal, no entanto, não é irrestrita.
Como já se decidiu, a garantia de acesso ao Judiciário não pode ser tida como
certeza de que as teses serão apreciadas de acordo com a conveniência das
partes. 41 O recurso extraordinário possui rígidos requisitos de admissibilidade, 42
tendo espectro cognitivo restrito e, evidentemente, função diferenciada da jurisdição
dita ordinária. Veja-se que a Constituição pátria, ao contrário do que ocorre em
outros países, permite, em tese, a interposição do recurso extraordinário quando
houver violação a qualquer dispositivo da Lei Maior. 43
Não seria demasiado, portanto, afirmar - ainda que em comparação com
outros sistemas - que o acesso recursal ao STF é amplo. Ademais, normalmente,
até a interposição do recurso extremo, a demanda foi apreciada em primeiro e
segundo graus, restando plenamente atendida a garantia de apreciação da lesão ou
ameaça a direito por órgão do Poder Judiciário.
Cabe referir que de nada adianta garantir o amplo e irrestrito acesso se a
prestação daí decorrente for extremamente deficiente. Prioriza-se a idéia do acesso
adequado à Justiça - e não a do acesso ilimitado.
É preferível que a Corte Suprema possua o tempo suficiente para maturar o
entendimento acerca das causas que lhe são submetidas, transmitindo aos
40
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 4. ed. rev., aum. e
atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 89.
41
STF, Primeira Turma, RE n. 113958-7/PR, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/02/1997, p. 01351.
42
Dentre os quais a própria exigência de que a via recursal ordinária haja sido esgotada, o que
demonstra, logicamente, a existência de prévia apreciação da questão por órgão do Poder Judiciário.
43
Nos autos do AGr-395662, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, assim se pronunciou o Ministro
Gilmar Mendes: “A Constituição Federal de 1988 estabelece ser admissível recurso extraordinário
quando a decisão recorrida contrariar algum de seus dispositivos, declarar a inconstitucionalidade de
tratado ou lei federal ou julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face do texto
constitucional. Assim, ao contrário do que se verifica em outras ordens constitucionais, que limitam,
muitas vezes, o recurso constitucional aos casos de afronta aos direitos fundamentais, optou o
constituinte brasileiro por admitir o cabimento do recurso extraordinário contra qualquer decisão que,
em única ou última instância, contrariar a Constituição. Portanto, a admissibilidade do recurso
constitucional não está limitada, em tese, a determinados parâmetros constitucionais, como é o caso
da Verfassungsbeschwerde na Alemanha (Lei Fundamental, art. 93, n. 4a), destinada, basicamente, à
defesa dos direitos fundamentais”. Frisamos que o acórdão foi publicado no DJU de 23.4.2004, antes,
portanto, do advento da EC 45.
17
jurisdicionados a sensação de que o órgão, guardião maior da Constituição (CF, art.
102, “caput”), cumpre com exatidão sua relevante função judicante. 44 Nessa linha,
referimos excerto da Exposição de Motivos da Medida Provisória nº. 2.226, de 4 de
setembro de 2001:
Com a adoção do critério da transcendência das
questões federais, poderão os tribunais superiores ter condições de
apreciar com tranqüilidade, segurança, consciência e precisão as
causas que lhes forem dirigidas, dedicando seu tempo àquelas que
efetivamente terão repercussão tal na comunidade, que exigem
detida análise de todos os aspectos que a envolvam, de modo a que
a solução seja a que melhor atenda aos interesses da sociedade.
[...].
Daí que apenas as questões que transcenderem o
interesse das partes, para afetar o próprio interesse da sociedade
organizada em Estado Federal, é que merecerão ser julgadas pelas
Cortes Superiores. E caberá a essas Cortes, com seu poder
discricionário,
aquilatar
se
a
questão
concreta
se
revela
transcendente. Do contrário, continuarão os tribunais superiores a
funcionar como 3ª ou 4ª instância ordinária, julgando de forma
sumária os processos que lhes chegam, em sistema que apresenta
maior discricionariedade do que o que se adotaria explicitamente.
Como bem refere André Ramos Tavares “um grande volume de processos
não significa exatamente um incremento na defesa da Constituição”. Ademais, na
lição do autor,
44
Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, referindo-se
à exigência da repercussão geral, asseveram: “Esta figura impede que o STF se transforme numa 4ª
instância e deve diminuir, no momento em que efetivamente entrar em vigor, o que a nosso ver, ainda
não ocorreu, consideravelmente a carga de trabalho daquele tribunal, resultado este que também
acaba por, de forma indireta, beneficiar os jurisdicionados, que terão talvez uma jurisdição prestada
com mais vagar e haverá acórdãos, já que em menor número, que serão fruto de reflexões mais
demoradas por parte dos julgadores. Enfim, se espera que, com essa possibilidade de seleção de
matérias realmente importantes, não só para o âmbito de interesse das partes, se tenha jurisdição de
melhor qualidade”. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José
Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual: emenda constitucional n. 45/2004
(reforma do judiciário); Lei 10.444/2002; Lei 10.358/2001 e Lei 10.352/2001. 3. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 98-99.
18
o aumento extraordinário que se tem operado no volume de trabalho
do Tribunal Constitucional em diversos países não é – nem poderia
ser – acompanhado de idêntico aumento na “produção” de decisões,
o que faz agravar, a cada ano, a composição de uma Justiça
Constitucional satisfatória em termos de celeridade. Em não sendo
elaborado um instrumento apto a impedir o excesso de volume de
trabalho do Tribunal Constitucional, ocorrerá um colapso e a quebra
do Tribunal Constitucional [...].
45
A medida prevista no art. 102, § 3º, da Carta Magna, é necessária (diante do
número de processos submetidos ao STF), adequada 46 (os mecanismos de filtragem
são clássico meio de limitar o acesso às cortes superiores) e proporcional em
sentido estrito 47 .
Nem todos os litigantes terão acesso ao STF. Entrementes, não há que se
falar em violação ao princípio da isonomia. No ponto, valemo-nos de decisão tomada
pelo Tribunal Constitucional Português:
I - A existencia de limitações de recorribilidade, designadamente
atraves do estabelecimento de alçadas (de limites de valor ate ao
qual um determinado tribunal decide sem recurso), funciona como
mecanismo de racionalização do sistema judiciario, permitindo que o
acesso a justiça não seja, na pratica, posto em causa pelo colapso
do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora
maioria)
das
acções aos
diversos
"patamares"
de
recurso.
II - Sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de
"filtragem" de recursos, originam desigualdades (partes ha que
podem recorrer e outras não), estas não se configuram como
descriminatorias, ja que, todas as acções contidas no espaço de
45
TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005, p.411-412.
Os aspectos procedimentais serão abordados adiante.
47
“A solução de outorga de maiores poderes ao STF, mediante a possibilidade de escolha das
causas constitucionais que tenham repercussão geral, é a única solução possível, senão a única
solução viável, e que parte da identificação verdadeira do problema e o equaciona realística e
adequadamente.” (ARRUDA ALVIM. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral. In: WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim. et. al. Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 90).
46
19
determinada alçada são, em materia de recurso, tratadas da mesma
forma.
III - Significa isto que a regra basica de igualdade, traduzida numa
exigencia de tratamento igual do que e igual e diferente do que e
diferente, proibindo designadamente a chamada "discriminação
intoleravel", não e afectada pelo especifico aspecto do recurso para
o pleno dos acordãos da Relação, questionado pelo recorrente. (Nº
convencional ACTC00007480, Acórdão 97-239-2, Relator SOUSA
BRITO, Diário da República de 15/05/97, p. 5639).
8. Objetivação do recurso extraordinário
Em uma sociedade cada vez mais massificada, a visão clássica de processo
vem cedendo espaço para novos conceitos. Embora o escopo principal do recurso
extraordinário, mesmo antes da EC 45/2004, não se confunda - de modo imediato com a tutela de direitos subjetivos, é fato que, a partir da regulamentação do art.
102, § 3º, da CF/88, a parte interessada deverá demonstrar que a questão discutida
ostenta generalidade.
O novo instituto conferirá um caráter objetivo (desvinculado de pretensões
exclusivamente individuais) aos pronunciamentos do Pretório Excelso no julgamento
dos processos que lhe são submetidos por força do art. 102, III, “a”, da CF/88.
Lembra o assaz citado André Ramos Tavares que se costuma utilizar a expressão
“processo objetivo” para destacar o seu distanciamento daquelas regras processuais
próprias dos conflitos intersubjetivos de interesses, do tipo clássico. 48
Mesmo antes da alteração constitucional em comento, a tendência de
objetivação do recurso extraordinário já podia ser verificada, seja em nível
legislativo, seja em decisões do STF. A Ministra Ellen Gracie, no julgamento do AI nº
375.011, já destacava o processo de redefinição do papel do recurso extraordinário
na jurisdição constitucional, de modo a conferir maior efetividade às decisões. 49
48
TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 392.
Exatamente nessa senda, considerando a absoluta pertinência e clareza de idéias, que bem acaba
por resumir o tema, vale transcrever excerto do voto do Ministro Gilmar Mendes nos autos da Medida
Cautelar em Recurso Extraordinário nº. 376852-2/SC, no ponto em que, referindo-se ao procedimento
albergado pela Lei nº 10.259/01, acentua o caráter objetivo do recurso extraordinário: “Esse novo
49
20
Exatamente nessa linha, direcionaram-se as alterações promovidas no Código de
Processo Civil pela Lei nº 11.418/06.
9. Direitos fundamentais e repercussão geral: uma cautela necessária
Impende frisar que as alegações de violação a direitos e garantias
fundamentais devem receber um tratamento casuístico do Pretório Excelso, quase
artesanal, para que se preserve a força normativa da Constituição e para que não se
crie um verdadeiro “utilitarismo processual”. Por certo, jamais pode ser tolerado que,
em nome do bom andamento da máquina processual, sejam desconsideradas sérias
violações a direitos e garantias fundamentais. 50 Assim sendo, afigura-se precisa a
posição de Lenio Luiz Streck, quando afirma:
modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso
extraordinário entre nós. Esse instrumento deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa
de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional
objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo
ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). Nesse sentido, destacase a observação de Häberle segundo a qual "a função da Constituição na proteção dos direitos
individuais (subjectivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo", dotado de uma "dupla função",
subjetiva e objetiva, "consistindo esta última em assegurar o Direito Constitucional objetivo" (Peter
Häberle, O recurso de amparo no sistema germânico, Sub Judice 20/21, 2001, p. 33. Essa orientação
há muito mostra-se dominante também no direito americano. Já no primeiro quartel do século
passado, afirmava Triepel que os processos de controle de normas deveriam ser concebidos como
processos objetivos. Assim, sustentava ele, no conhecido Referat sobre "a natureza e
desenvolvimento da jurisdição constitucional", que, quanto mais políticas fossem as questões
submetidas à jurisdição constitucional, tanto mais adequada pareceria a adoção de um processo
judicial totalmente diferenciado dos processos ordinários. "Quanto menos se cogitar, nesse processo,
de ação (...), de condenação, de cassação de atos estatais -- dizia Triepel -- mais facilmente poderão
ser resolvidas, sob a forma judicial, as questões políticas, que são, igualmente, questões jurídicas".
(Triepel, Heinrich, Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit, VVDStRL, Vol. 5 (1929), p. 26).
Triepel acrescentava, então, que "os americanos haviam desenvolvido o mais objetivo dos processos
que se poderia imaginar (Die Amerikaner haben für Verfassungsstreitigkeiten das objektivste
Verfahren eingeführt, das sich denken lässt) (Triepel, op. cit., p. 26). Portanto, há muito resta evidente
que a Corte Suprema americana não se ocupa da correção de eventuais erros das Cortes ordinárias.
Em verdade, com o Judiciary Act de 1925 a Corte passou a exercer um pleno domínio sobre as
matérias que deve ou não apreciar (Cf., a propósito, Griffin. Stephen M., The Age of Marbury,
Theories of Judicial Review vs. Theories of Constitutional Interpretation, 1962-2002, Paper
apresentado na reunião anual da 'American Political Science Association', 2002, p. 34). Ou, nas
palavras do Chief Justice Vinson, "para permanecer efetiva, a Suprema Corte deve continuar a decidir
apenas os casos que contenham questões cuja resolução haverá de ter importância imediata para
além das situações particulares e das partes envolvidas" ("To remain effective, the Supreme Court
must continue to decide only those cases which present questions whose resolutions will have
immediate importance far beyond the particular facts and parties involved") (Griffin, op. cit., p. 34)”.
50
“Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da
sociedade como um tudo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de
alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros. Não permite que os sacrifícios impostos
a uns poucos tenham menos valor que o total maior das vantagens desfrutadas por muitos. Portanto
numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos
assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses
21
[...] deverão estar garantidos os juízos de admissibilidade para os
casos que digam respeito à violação de direitos humanos,
descumprimento de direitos fundamentais e das temáticas relativas
às cláusulas pétreas. Haverá repercussão maior de questão
constitucional na hipótese de se estar em face de discussão de
direitos protegidos por cláusulas pétreas?
51
Como de resto ocorre para que seja conhecido o recurso extraordinário, a
violação a direitos e garantias fundamentais deve ser direta e frontal, sem a
necessidade de exame prévio da legislação infraconstitucional. 52
10. Procedimento
No juízo de admissibilidade desdobrado, 53 o órgão “a quo” não poderá
obstar a subida do recurso extraordinário pela ausência de repercussão geral da
questão constitucional. Isso não o impede, por certo, de negar seguimento se a
parte não cumprir o ônus da demonstração, ou seja, se não declinar,
fundamentadamente, a existência do requisito. O que não se permite é a análise da
ocorrência efetiva da repercussão geral, pois o texto constitucional determina que a
recusa deve se dar por dois terços dos membros do STF.
54
sociais.” (RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli
Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 04).
51
STRECK, Lenio Luiz. A “repercussão geral das questões constitucionais” e a admissibilidade do
recurso extraordinário: a preocupação do constituinte com as “causas irrelevantes”. In: AGRA, Walber
de Moura, coordenador. Comentários à reforma do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.
140.
52
São freqüentes as alegações de violação a princípios constitucionais quando, na verdade, o
problema é resolvido no âmbito legal. Apenas a título ilustrativo, lembramos que, constantemente,
suscita-se violação aos princípios/garantias da inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido
processo legal em questões meramente processuais, tais como a juntada de peças no agravo de
instrumento (CPC, art. 525). Por certo, não são essas as situações que sustentamos devam ser
obtemperadas quando da efetiva exigência da repercussão geral. Vale lembrar o entendimento do
STF no sentido de que "em regra, as alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do
devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada
e da prestação jurisdicional podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa
ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário" (AI nº
372.358- AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 11.06.02. Cf. ainda AI nº 360.265-AgR, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, DJ de 20.09.2002).
53
CPC, art. 541 e ss.
54
Prevê o art. 543-A, § 2º, do CPC, que “O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso,
para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral”. A
22
A exigência da repercussão geral da questão constitucional, impõe retomar,
é requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Sua apreciação, que deverá
ser pública e fundamentada, terá inegável índole jurisdicional. 55 A despeito das
características comuns em relação à argüição de relevância e à transcendência,
trata-se de novo instituto inserido em nosso ordenamento, com contornos próprios. 56
A regulamentação infraconstitucional da matéria aplacou dúvidas quanto à
efetiva diminuição dos encargos do STF. Se bem utilizado o mecanismo, em
especial no que toca aos recursos com fundamento em idêntica controvérsia, é bem
possível que surta os efeitos pretendidos. 57
11. Conclusão
O processo moderno passa por relevantes alterações valorativas, as quais
devem, necessariamente, vir acompanhadas de uma ruptura (ou adaptação) cultural.
Para que se concretizem os propalados intentos de um processo racional e célere,
há que se admitir a criação de mecanismos que visem a tornar realmente efetiva a
prestação jurisdicional. 58
apreciação da existência ou não da repercussão geral, ou seja, o seu “mérito”, é exclusiva do STF; a
apreciação da existência da preliminar, contudo, não pode ser afastada do juízo “a quo”.
55
Não parece crível sustentar que o juízo de admissibilidade do recurso possua índole administrativa.
56
Lenio Luis Streck, em obra coletiva, acentua que não se trata de uma repristinação da antiga
argüição de relevância, a qual possuía, como fundamento de validade, uma “Constituição fruto do
arbítrio, sustentada no malsinado AI 5.” (A “repercussão geral das questões constitucionais” e a
admissibilidade do recurso extraordinário: a preocupação do constituinte com as “causas
irrelevantes”. In: AGRA, Walber de Moura, coordenador. Comentários à reforma do poder judiciário.
Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 135).
57
O art. 543-A, § 5º, do CPC, dispõe que “Negada a existência da repercussão geral, a decisão
valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo
revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”. Já o art. 543B, reza, em seu caput e §§ 1º e 2º: Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em
idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.§ 1o Caberá ao Tribunal de
origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo
Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2o Negada a
existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não
admitidos.
58
Relevante destacar excerto de voto do Desembargador Araken de Assis, em processo julgado pelo
Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “[...] quem escolhe certo remédio
processual, dotado de regime recursal peculiar, haverá de se conformar com o devido processo legal
assim traçado (ARAKEN DE ASSIS, ‘Recorribilidade das interlocutórias no mandado de segurança’,
pp. 76-90, in Ajuris/69, Porto Alegre, s/e, 1997). No fundo, é uma questão de mentalidade: muito se
reclama da morosidade, mas, paralelamente, se erige a possibilidade de impugnar os
pronunciamentos judiciais como dogma inflexível”. (Agravo Regimental Nº 70010671162, Tribunal
Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 14/02/2005).
23
A instituição de mecanismo de filtragem para a admissibilidade do recurso
extraordinário chega em boa hora. Países outros vêm incorporando, em seus
ordenamentos, restrições ao acesso às cortes superiores. Não mais se pode admitir
que o Supremo Tribunal Federal debruce-se sobre questões irrelevantes,
sobrecarregando-se indevidamente. Deve-se permitir ao Pretório Excelso a devida
reflexão, para que as suas decisões espelhem posição madura.
Contudo, assim como se deve objetivar a racionalidade processual, não se
pode dar espaço à arbitrariedade, sempre perigosa, seja oriunda do Poder
Executivo, do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário. O STF haverá de ser
criterioso quando da verificação da repercussão geral, agindo sempre com
prudência e não com excesso injustificado. 59
BIBLIOGRAFIA
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.
ARRUDA ALVIM. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral. In: WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim. et.al. Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a
EC n. 45/2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 63-99.
ASSIS, Araken de. Introdução aos sucedâneos recursais. In: Aspectos polêmicos
dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais / Coordenação
Nelson Nery Jr, Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002.
BAUM, Lawrence. A Suprema Corte Americana. Tradução Élcio Cerqueira. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1987.
BERMUDES, Sergio. A reforma judiciária pela Emenda Constitucional nº. 45:
observações aos artigos da Constituição Federal alterados pela Emenda
Constitucional nº. 45, de 8 de dezembro de 2004. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
59
Vale lembrar a lição de Teresa Arruda Alvim Wambier, para a qual “[...] é preciso ter-se em mente
que qualquer alteração da lei, de entendimento jurisprudencial ou edição de súmula que tenha por
propósito única e exclusivamente diminuir a carga de trabalho dos tribunais sejam eles quais forem
não é, só por isso, legítima: ou seja, exclusivamente por que SÓ têm esta finalidade, como finalidade
única, são ilegítimas. ” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Restrições indevidas ao direito de recorrer.
Revista de Processo, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, nº 130, p. 249).
24
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Da argüição de relevância no recurso
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