Quem dá nem sempre recebe
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Quem dá nem sempre recebe
I Concurso de CONTOS DE NATAL 2012 Junta de Freguesia de Porto Judeu Caminho da Esperança, 142 PORTO JUDEU Pseudónimo do Autor: Jorge Cacete (Pseudónimo identificado em anexo destacável) Quem dá nem sempre recebe As luzes, música e enfeites de Natal já começaram há um mês, as pessoas num consumismo exacerbado acotovelam-se, para chegarem primeiro aos saldos ou às prendas desejadas, há um frenesim e emoções em turbilhão, à mistura com desgosto do dinheiro não esticar. A rádio toca é Natalllll muito ao longe, cada vez mais longe e eu vogando no interior do meu mundo, abrindo compartimentos secretos, que por vezes, nem os conheço, nesta modorra, no aconchego do cadeirão, abro um escaninho sobejamente conhecido. - Vamos matar o bicho ao Trinca, já lá deve estar o cabo Joaquim, com umas rodelas de inhames, o Prenda e o Rodrigues! – Este convite endereçava-me o tio Vitorino, travando o tractor depois de me ter mandado parar por sinais. Como apreciava muito a amizade e a franqueza deste homem curtido pelas intempéries, de manhãs passadas à chuva e ao nevoeiro da serra da Ribeirinha, nas suas lides de criador de gado, aceitei, seguindo o seu tractor até à” capelinha”. Como ele havia vaticinado os outros “jogadores “ já se encontravam em campo e nós juntámo-nos a eles para parecermos muitos. O tempo escoou-se rápido naquela sã camaradagem onde se fala muito, sem dizer nada, metendo-se de premeio umas brindadelas. Ora não fosse a quadra de Natal. - Ó diacho está a escurecer! Estas tardes não tem nada, um homem mal se precata é noite cerrada! -Observou o ti Vitorino, deitando uma olhadela porta fora. – Vou por pernas a caminho, que é como quem diz rodas, arrumar o tractor, passar uma pinga de água pelas fuças e ir até à Sociedade Filarmónica jogar uma sueca. - Também vou! -Disse eu, regularizámos as contas das rodadas despedimo-nos saindo acto contínuo. -Passa por minha casa para para levares uns ovinhos, tenho lá quantos queira, como sabes sou viúvo, vivo sozinho, não lhe dou tafulho. Acabei por levar ovos, couves, um ramo de salsa e dois queijos frescos. – Tás amanhado por agora, quando precisares mais não tenhas custo pois antes alguém aproveite do que se perca.Era assim este amigo, tendo esta cena sido repetida várias vezes ao longo dos anos. Certo dia disse-me que se tinha reformado e que dera as vacas, o tractor e os cerrados ao seu filho, único herdeiro, ficando apenas com a horta ao pé da porta, para umas miudezas, umas galinhas e um porco no curral. - Agora é só boa vida, sem falhares uma toirada. – Acrescentei à conversa. – Os novos é que precisam, a mim já não me faz falta, com qualquer coisa passo. – Disse ele. - Pois acho que fizeste bem. A vida nas suas voltas, troca-nos os hábitos levando-nos para fora de círculos rotineiros, fazendo que não visse o meu amigo Vitorino há uns pares de meses. Ao parar no stop do restaurante Benfica dei com uma pessoa no passeio, a acenar freneticamente, que não era outra senão o meu amigo ti Vitorino, ao reconhecê-lo, abanei também, mas o sinal passara a verde e tive que arrancar. Alguns dias volvidos, a cena repetiu-se com o Vitorino no mesmo sítio, fiquei com a pedra no sapato, e como estava disponível, fui estacionar fora da zona de parquímetros, para os lados do Centro de Saúde, voltando ao encontro do Vitorino. Ficou contente em rever-me dando-me um abraço apertado, comovido até ás lágrimas. - Que fazes sempre aqui neste sítio? - Tens alguma namorada agora na cidade? – Perguntei eu. – Agora moro naquele hotel ali. E apontou para a Santa Casa da Misericórdia. - Vamos entrar que quero pagar-te um copo. O bar cheirava a bebida, com um odor adocicado à criptoméria da árvore de Natal que emprestava um ar festivo ao ambiente. Encostados ao balcão o Vitorino começou a desfiar a sua triste história: Como sabes reformei-me dando tudo que possuía a meu filho, mas passado para aí um ano a minha genra começou a dizer-me que estava muito sozinho, que vendesse a casa e fosse morar com eles, olha caí nessa patetice e fiz o que ela me aconselhara, dando-lhes o dinheiro da venda da casa, pois não precisava dele. – Mas os mais velhos já diziam que o hóspede ao fim de oito dias deita fedor. Pois foi o que me aconteceu, passados uns tempos ela aconselhou-me que devia ir para a Santa Casa, pois tinha mais pessoas da minha idade para conversar e jogar às cartas, que depois me vinham ver e levar às festas, etc. etc. – Não tive alternativa, pois já tinha vendido a casa… (suspiro). As luzes da árvore de natal reflectiam-se nos olhos rasos de água do meu amigo Vitorino, como que tentando chegar-lhe à alma, para dar um pouco de consolo aquele corpo já alquebrado pelo trabalho e idade a que se juntavam agora desgostos. Dei-lhe um forte abraço ele riu-se – eis a razão porque estou a passar o Natal na cidade, agora já nem me vêm buscar, não tenho nada para dar. Apontou-me o dedo e disse: - nunca dês todo o dinheiro que tens aos teus familiares, pois assim poderás ter algum para quando te visitarem. Assim pagando a visita terás a vaga ilusão de que alguém te ama e se preocupa contigo. Hoje vinte e quatro de Dezembro sentado debaixo da árvore de natal sonhei com aquilo que o velho Vitorino me confidenciou, mas talvez não será tanto assim, haverá algumas excepções para confirmar a regra… A intermitência cadenciada das luzes na árvore hipnotiza-me, o silent night à mistura com odores a peru recheado torna-me sonolento, passo-me para um outro quadro cheio de luz, onde há montes de prendas. – Não há nada para ti, tens que dar se quiseres receber, “quem semeia colhe” – ouço uma voz dizer, ao mesmo tempo aparece uma velhinha toda risonha vestida de preto, com um avental imaculadamente branco, abreme os braços dizendo: - Jesus mandou-me entregar a tua oferta de Natal, um abraço e um beijo! Corri para ela pois reconhecera a minha querida mãe. Que abraço, que doçura!.... – Bem tenho que me ir embora pois há grande festa no céu, Deus disse para não me demorar, quando chegar o seu tempo jamais nos separaremos, diluiu-se naquela luminosidade e desapareceu. Foi a melhor das ofertas de Natal e quando a começava a apreciar, acordei. Jorge Cacete