Artesania Agreste: arte em barro representa a luta de mulheres

Transcrição

Artesania Agreste: arte em barro representa a luta de mulheres
Ano 9 • nº2057
Março/2015
Januária
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Artesania Agreste: arte em barro representa
a luta de mulheres trabalhadoras do Semiárido
Doze mulheres da Comunidade de Agreste,
no distrito de Levinópolis, município de
Januária, no Norte de Minas, têm um sonho
em comum: tornarem-se artesãs. Até junho
de 2014, elas não imaginavam fazer nada
além do que já realizavam normalmente:
cuidar da casa, dos filhos e das filhas, da
horta, da roça e, nas horas vagas, assistir TV e
ir à igreja.
Enquanto passam o dia todo ocupadas com
as tarefas do lar - que são pesadas e tomam
bastante tempo - os maridos estão
trabalhando na roça de algum fazendeiro e os
filhos nos cafezais do Sul de Minas, pois a oferta de trabalho na região ficou escassa.
Hoje, elas desejam algo a mais: viver do artesanato.
Foi no segundo semestre do ano passado que
profissionais do Centro de Referência de
Assistência Social (CRAS) de Januária fizeram
uma visita à comunidade para oferecer a
oportunidade de aprenderem um novo ofício,
por meio de um projeto de artesanato em
cerâmica. O grupo, que no início era composto
por cerca de 20 mulheres, ficou bastante
animado. Logo colocaram a mão na massa, e de
um monte de barro surgiram lindos vasos de
flores, potes, fruteiras, luminárias, pratos,
recipientes em forma de patinhos, e a
possibilidade de complementação da renda.
Mais que a necessidade de aumentar os ganhos, a atividade trouxe um novo ânimo para
as mulheres da comunidade. “A gente que é mais de idade acha que não é capaz de
aprender mais nada, né? Olha só essa patinha que eu fiz! E essa panela! Eu uso essa
panela na minha casa! Enfeita a mesa e conserva o calor da comida. A aula é um remédio
pra minha solidão. Meus filhos tudo casaram e saíram de casa. Meu marido sai pra
trabalhar e a gente fica o dia todo sozinha. O tempo passava tão devagar, eu preocupada
com ele e com os meninos que estão longe”, conta Maria José do Carmo. “Nas aulas de
artesanato o tempo passa e a gente nem vê! Chega cansada, toma um banho e logo
dorme! E ainda volta com peças bonitas pra casa!”, completa.
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Maria dos Reis da Silva, que além de cuidar dos afazeres domésticos também
incrementa a renda com a costura, concorda com o que a colega relata: “Esse
trabalho tirou muita mulher da depressão, da rotina. Se antes a gente ficava só em
casa, hoje temos um novo espaço para frequentar e cultivar as novas amizades”, diz.
“Também é uma forma de reviver essa tradição que era das nossas avós e avôs, e
poder passar para nossas filhas e nossos filhos, e assim por diante”, acrescenta.
“Venho às aulas com minha filha de 21 anos, a Vanessa. É uma ótima maneira de nos
ocuparmos nas horas livres”, revela Regina Alves da Cruz. “Assim que finalizei os
estudos na escola, ingressei nas aulas de artesanato. Nunca tinha trabalhado com
cerâmica antes. Me apaixonei e não quero mais parar!”, conta Vanessa Aparecida
Alves da Cruz.
Sonho interrompido
O sentimento da descoberta de novas
possibilidades foi logo esvaziado
quando o projeto sofreu uma
interrupção, em setembro de 2014.
Mesmo com essa decepção, o grupo
não desistiu, embalado pela urgência
da produção do máximo possível de
peças, para venda na feira da Romaria
de Nossa Senhora da Salete, no dia 21
de setembro de 2014.
Assim, com o auxílio do Presidente da
Associação Comunitária Unidos de
Agreste, Leopoldo Claret Andrade
Souza, e de sua esposa Ana Angélica Gonçalves Andrade, em parceria com a
Cerâmica João de Barro, as atividades continuaram, porém com um número reduzido
de participantes. Mesmo com a ajuda do casal, ainda há muito que fazer. Por meio da
associação, o grupo conquistou quantia suficiente de tijolos para construir um forno
para a queima das peças de cerâmica. Para tanto, é preciso muito açúcar e barro.
Além disso, é necessário um espaço para o trabalho e materiais, como tinta e barro.
Articulação Semiárido Brasileiro – Minas Gerais
“Com a pausa do projeto nós
começamos a ficar desanimadas, a
achar que não serviria pra nada,
que não tem utilidade nenhuma,
não estávamos dando valor
naquilo... Só que agora vejo que
tem valor! Esse tipo de patinha
mesmo eu consegui vender na
Romaria, e a sensação foi muito
boa, de ver uma peça que eu fiz
com minhas próprias mãos ter
valor aos olhos do outro. Eu queria
muito que o projeto continuasse
pra gente continuar a evoluir”,
desabafa Cláudia Bispo dos Santos
Carmo.
Assim como Cláudia, as demais participantes partilham do mesmo sentimento. “Nós
não tínhamos experiência com barro antes. Nós todas começamos do zero. Isso
levantou nossa autoestima. Porque a gente ficava em casa, com a cabeça vazia. Aqui
é nossa terapia, nosso ponto de encontro. Enquanto a gente está trabalhando com o
barro, a gente está conversando, divertindo com as meninas”, Catarina Lopes Correa
Borges.
“Esperamos achar um caminho para
facilitar a continuidade do projeto e a
venda das peças, por mim, que
também participo, e principalmente
pelas meninas. Além do lazer, o mais
importante pra elas é a renda”, pontua
Angélica. Segundo ela, a expectativa
aumentou com a conquista dos
tijolos. Entretanto, não adianta
produzir as peças agora sem terem o
forno, pois as mesmas podem rachar.
“Também precisamos de mercado.
Por que aqui na região, as pessoas
não se interessam muito por
artesanato, não dão valor. Preferem
coisas fabricadas. Na exposição que
fizemos, por exemplo, a maioria dos
moradores não chegava perto nem
para olhar. Nem para elogiar,
perguntar sobre o trabalho... É muito
triste”, acrescenta.
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Uma esperança no horizonte
Todas as integrantes do grupo Artesania Agreste são beneficiárias dos programas
sociais do Governo Federal. É isso o que possibilita que elas possam viver com o
mínimo de dignidade, uma vez que a região em que habitam não oferece muita
oportunidade, e elas precisam se ocupar da casa, da família, da horta, da roça, dos
pequenos animais. Os jovens e as jovens que saem da escola, muitas vezes migram
para outras regiões do estado e até do país em busca de emprego e estudo.
Vanessa, por exemplo, hoje trabalha
como babá para ajudar em casa. Mas sua
vontade é ter uma profissão e alçar
outros voos. E para ela, o trabalho com
artesanato representa a possibilidade de
reescrever uma história diferente
daquela das gerações passadas. “Estou
sentindo muita falta das aulas. Além de
surgirem ideias novas sobre o
artesanato, também tínhamos novas
ideias para a comunidade. Muitas
mulheres que viram o nosso trabalho,
ficaram interessadas em participar do
grupo”, diz.
A esperança das mulheres da Comunidade de Agreste é que o projeto de artesanato
tenha continuidade. Há também a possibilidade da criação de uma fábrica para o
processamento de polpas de frutos do Cerrado, que deve gerar muitos empregos.
“Estamos na expectativa de que alguma atividade se desenvolva e fixe aqui na
região”, conclui Angélica.
Por meio deste ofício, essas guerreiras do Semiárido buscam dar visibilidade à sua
importante função dentro da comunidade. Por meio da arte, cada mulher consegue
expressar seus sentimentos e sua experiência de vida, consegue exercitar a
criatividade e sonhar.
Artesania Agreste - Integrantes:
Ana Angélica Gonçalves Andrade
Catarina Lopes Correa Borges
Cláudia Bispo dos Santos Carmo
Edileuza de Souza Cruz Alquimim
Isabel Gonçalves Carvalho
Maria Aparecida de Sousa
Maria dos Reis da Silva
Maria José do Carmo
Regina Alves da Cruz
Roseane Agostinha de Souza Costa
Sandra Francisca Machado do Carmo
Vanessa Aparecida Alves da Cruz
Realização
Apoio

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