Renato Tarciso Barbosa de Souza
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Renato Tarciso Barbosa de Souza
AS BASES DO PROCESSO CLASSIFICATORIO EM ARQUIVisTICA AS BASES DO PROCESSO CLASSIFICATORIO NA ARQUIVISTICA Sao Paulo Associa<;aode Arquivistas de Sao Paulo 2002 TEXTOS DE INTERESSE PARA as PROFI E AREAS AFINS SIONAIS DE ARQUIVO o aparecimento e a trajetoria do conceito de c1assificac;8.ona Arquivistica As possibilidades de novos referenciais teoricometodologicos A c1assifica<:aoe urn elemento importante para a transparencia e 0 compartilhamento de informa<:oes,que sao caminhos seguros para a tomada de decisao, para a preserva<:aoda memoria tecnica e adrninistrativa das organiza<:oescontemporaneas e para 0 pleno exercicio da cidadania. Ela e uma atividade reconhecida, pela maior parte dos autores que tratam da questao, como matricial. Ela precede todas as outras atividades (avalia<:ao,descri<:ao, dentre outras). Entretanto, ha urn espa<:o muito grande entre 0 reconhecimento de sua importancia e 0 aprofundamento teorico sobre 0 tema. Esse distanciamento somente podera ser encurtado com 0 desenvolvimento de pesquisas. E nesse ponto 0 artigo em tela parte do pressuposto formulado pelo arquivista canadense Jean-Pierre Wallot, ex-presidente do Conselho Internacional de Arquivos, segundo 0 qual. sem a pesquisa, a Arquivistica esta condenada a permanecer como urn corpo de praticas e de receitas sem racionalidade cientifica. 0 fato de ser urna disciplina com finalidades pragrnaticas a coloca em uma fronteira perigosa com 0 empirismo. E necessario, portanto, buscar uma fundamenta<:ao teorica para 0 tratamento da questao da c1assifica<:aona Arquivistica. Parte-se, portanto, da ideia de que 0 problema da c1assifica<:ao apresenta quatro facetas. A primeira, a indefmi<:aoe imprecisao do objeto de estudo da Arquivistica. A segunda, a necessidade de urn tratamento interdisciplinar da questao. A terceira, o carMer positivista das praticas e interven<:oesverificado na trajetoria da produ<:ao do conhecimento na area. E, por ultimo, a ausencia de procedimentos rnetodologicos para a coleta de dados necessarios a constru<:ao de instrumentos de c1assifica<:ao. o aparecimento e a trajetoria do conceito de classifica9iio na Arquivistica A organizac;;aodas informac;;oestern sido urn dos grandes desafios da Arquivistica contemporanea. Lidar com massas ta~ ~all(~..es de. informac;oe.sacumuladas diariamente pelas orgamzac;oes eXlgeuma malOr sofisticac;ao dos esquemas de c1assificac;ao. Souza (1996, p. 38) identificou essa questao em relac;ao aos esquemas de c1assificac;aobibliografica. "Durante algum tempo foi possivel lidar com a questao da organizac;;aojrecuperac;;aoda informac;ao com certa eficiencia, atraves de esquemas de c1assificac;;aoexistentes. Porem, com 0 aumento substancial do mlmero de documentos e a crescente complexidade da informac;;ao neles contida - consequencia natural do avanc;o do conhecimento - a eficiencia na reeuperac;aofoi decaindo". Schellenberg (1973, p. 75) inicia urn dos capitulos de seu classieo Arquivos modemos: principios e tecnicas com a seguinte afrrmac;;ao:"desde que se comec;ou a registrar a historia em do:um~ntos, surgiu para 0 homem 0 problema de organizalos . SlIva et al. (1998, p. 28), numa viscio mais contemponlnea, expressam que "na realidade, ao longo dos tempos, 0 Homem sempre teve necessidade de organizar os registros da sua atividade e de criar meios efieazes para aeeder ao respectivo conteudo". Escavac;;oesarqueologieas demonstraram a existencia de arquivos reais, religiosos e privados na Antiguidade (Sehellenber?, 1973,. p. 75-78). Nos suportes da informac;ao (tijolos de argila, paprro, pergaminho, papel etc.) eram registrados os resultados das atividades dos homens que os eoneeberam. A medida que os grupos organizados sentiram necessidade de conserva-los, tornou-se mister tram-Ios. Desde entao, varios [oram os metodos utilizados. Presume-se que, na Mesopotamia, os tijolos de argila (tabletes) eram amontoados em pilhas com inscric;;oesnas bordas para evitar 0 manuseio desneeessario. Na Roma Antiga, os diarios de justic;;a(comentarii diuml) registravam, em ordem cronologiea, os documentos expedidos e recebidos. Na Idade Media, a Igreja foi a herdeira e a difusora, bem como de outras praticas, desse tipo de c1assificac;aodos documentos. Urn unieo elemento, neste caso, era utilizado para a ordenac;ao, 0 produtoremissor (Schellenberg, 1973, p. 75-78). Historicamente, 0 conceito de classificac;ao em Arquivistica, segundo Silva et al. (1998, p. 205-208), comec;aa aparecer na literatura a partir do seculo XVIIcom 0 surgimento dos primeiros manuais com normas escritas. Os primeiros elementos de uma doutrina nesta area podem ser encontrados, de acordo com Duranti (1993, p. 9), no ultimo volume da obra intitulada De Re Diplomatica, de Jean Mabillon, publicada em 1681. Tratava-se de urn metodo sistematico de investigac;ao para determinar os fatos e os eventos nos quais os documentos se inseriam e nao noc;;oessobre a organizac;;aoou sua descric;ao. No seculo XVIII,surgiu a primeira instituic;;aoarquivistica nacional: 0 Arquivo Nacional Frances1. Criado inicialmente como arquivo da Assembleia Nacional, foi transformado, em 1794, no estabelecimento central do Estado franees. Instituiu-se, assim, pela primeira vez, uma administral,;ao organica para cobrir toda a rede de repartic;;oespublicas acumuladoras (Jardim, Fonseca, p. 24-45). 0 reconhecimento da import<incia dos documentos para a sociedade foi uma conquista da Revoluc;;aoFrancesa, que gerou importantes realizac;oes no campo arquivistico: criaC;aode uma administral,;ao nacional e independente dos arquivos, proclamaC;aodo principio de acesso do publico aos arquivos, reconhecimento da responsabilidade do Estado pela conservac;ao dos documentos de valor do passado. Na Inglaterra, urn arquivo central, 0 Public Record Office, foi criado em 1838, e nos Estados Unidos, 0 National Archives, em 1934. 1 Na Fran<:a, em 1841, elaborou-se urn dos fundamentos da Arquivistica moderna: 0 principio de respeito aos fundos, que consiste em manter agrupados, sem mistunl-Ios a outros, os arquivos provenientes de uma administra<:ao, de uma institui<:ao ou de uma pessoa fisica ou jUridica (Duchein, 1983, p. 14). A classificac;ao,ate as primeiras decadas do seculo XIX, era elaborada sem levar em conta a origem administrativa dos documentos. Considerava-se como urn conjunto linico a grande massa documental reunida no Arquivo Nacional frances. Segundo Jardim e Fonseca (1992, p. 34), isso era reflexo da otica historiognifica predominante a epoca. 0 documento era considerado por seu valor intrinseco, independentemente de seu contexto gerador. As classifica<:oeseram elaboradas, nesse periodo, em bases metodicas e com uma certa preferencia pela ordena~ao cronologica. Propostas isoladas apontavam, em 1622, para uma classifica~ao dos conjuntos documentais por origem. A Revolu~ao Francesa trouxe a tona a existencia de urn arquivo central do Estado, que provocou, em urn primeiro momento, conseqilencias desastrosas com a reordena~ao metodica dos documentos, a partir de classifica<:oesantinaturais que adulteraram a sua organica original (Silva et al.) 1998, p. 206). M. Antal Szedo (1964, p. 57-67) publicou na revista Archivum, do Conselho Intemacional de Arquivos, 0 resultado de uma pesquisa sobre os metodos de classifica~ao de arquivos utilizados por institui~oes arquivisticas e organiza<:oesda Austria, Australia, Belgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlandia, Hungria, ItaIia, Polonia, Portugal, Alemanha, Inglaterra, Suecia, SUi~a,Tchecoslovaquia, Uniao Sovietica e Iugoslavia. As indaga«;oesforam feitas a partir de duas questoes basicas: quais eram os metodos aplicados desde 1800 pelas autorida8 des e pelas administrac;oes para a elabora~ao, a conserva~ao e a classifica<:aode seus documentos; e em que medida os arquivos e as direc;oesgerais de arquivos influenciavam a elaborac;ao e a aplicac;ao desses metodos de .trabalho. Seguindo uma tendencia dominante a epoca, de ter intervenc;oes diferenciadas nos records e nos archives, Szedo dividiu 0 trabalho em duas partes: a classifica¢o dos documentos nos arquivos correntes e os principios modem os de classifica<;dOadaptados aos jundos e arquivos. 0 autor constatou 0 agrupamento dos documentos por assunto e 0 fato de, internamente, serem ordenados cronologicamente ou pela ordem alfabetica dos nomes de pessoas ou de nomes geograficos. A classificac;aoera, em geral, estruturada em urn plano de classificac;ao (em ingles: file manual) scheme} guide to classification; em alemao: aktemplan; em Italiano: titolario prestabilito). Szedo afirmou nao haver diferenc;as fundamentais entre os sistemas americano, frances e alemao de classificac;aoe que 0 sistema decimal apresentava experiencias desfavoraveis, pois, aplicado strito sensu, nao era indicado para os arquivos por ser muito rigido e excessivamente teorico. o conceito de classificac;aonao e estranho a literatura arquivistica, muito pelo contrano. Os grandes manuais sempre dedicaram capitulos para tratar do tema. Entretanto, a presenc;a nao garantiu uma verticalizaC;aoteorica sobre 0 mesmo. A classificac;ao,que a LOgicadefine como a distribuic;ao de individuos em grupos distintos, de acordo com caracteres comuns e caracteres diferenciadores (Liard, 1979, p. 22), aparece na literatura arquivistica cindida em dois outros conceitos: classifica~ao e arranj02. Essa distinc;aoocorreu em meados do secuA classificac;ao significa, como define SCHELLENBERG (1959, p.26-27), "(...) enquanto aplicada aos documentos correntes, a cria~ao de um sistema de classes dispostas em determinada ordem , segundo a qual se possam agrupar os documentos e a localizac;ao dos documentos nos respectivos lugares em tal sistema. A classificac;ao tambem pode incluir a inven<:ao de nota~6es, isto e, de simbolos estenognilicos para designar as classes". Ainda, segundo 0 mesmo autor (1980, p. 89), "0 arranjo e, assim, 0 processo de 9 2 10XX no bojo do aparecimento dos records e dos archives. Gerou-se, POI'tantO,uma terminologia que identifica 0 conceito de classifica~ao como proprio dos arquivos correntes e intermediarios, e 0 de arranjo, para os arquivos permanentes. As reflexoes sobre 0 conceito de classifica~ao na literatura arquivistica resumem-se: • ao tratamento pragmatico do tema quando se trata da classifica~ao nos arquivos correntes; • a discussao dos principios arquivisticos envolvidos com a questao (respeito aos fundos, ordem original) quando se trata da classifica~aonos arquivos permanentes; • a ausencia de procedimentos metodologicos para a elabora~ao de esquemas de classifica~ao; • a definivao do conceito de classificavao, que aparece sem muita variavao (os enunciados preparados por Schellenberg sao as bases para a elabora~ao das defini~oes encontradas); • a ideia de que a classifica~ao e descoberta e nao elaborada (0 conceito de classifica~ao surgiu para a Filosofia como urn recurso para 0 entendimento de uma realidade na qual os seres e os fenomenos preenchem urn espa~o sem limites, ou seja, construimos a classificavao, nao a descobrimos); • a distribuivao de classes a partir de caracteristicas superficiais e mutaveis; • a indefmi~aocronica entre assunto e fun~ao; • a discussao da caracteristica de inter-relacionamento dos registros documentais; agrupamento dos documentos singulares em unidades significativas, de tais unidades entre si. Cabe ao arquivista, continua e instintivamente, impor ordem e re1ayao a coisas nao relacionadas - classificando, dividindo em categorias - a frm de que se revelem 0 sentido e 0 conteudo dos documentos com os quais opera. E mister encontrar neles uma significayao que possa comunicar a outros. 0 exito que alcance como arquivista e determinado pela ordem que con segue estabelecer e pe10s meios de busca que the e dado produzir". 10 • a • • • • apresentavao e descri~ao sumaria de sistemas de codifica~ao; a supervaloriza~ao da codifica~ao em detrimento da ideia de estrutura, de hierarquia, de 16gica; a indica~ao da necessidade de conhecimento do sujeito acumulador (pessoa fisica, pessoajuridica); a distin~ao entre classifica~ao e arquivamento; a diferencia~aoentre classificavao e arranjo. o uso de dois conceitos aparentemente distintos para definir a mesma opera~ao se deu por conta da fratura (com repercussoes teoricas e profissionais) existente entre os arquivos correntes (aqueles mantidos nos setores de trabalho da organiza~ao) e os arquivos permanentes (mantidos indefinidamente, pelo conteudo acerca da trajetoria do sujeito acumulador e de suas rela~oes sociais), que gerou, inclusive, duas profissoes distinfas: gestores de documentos (arquivos correntes) e arquivistas (arquivos permanentes)3. Trabalhos recentes que mapearam as tipologias dos campos de pesquisa em Arquivistica apontaram a ausencia de escritos especificos sobre classifica~ao (Couture, Martineau, Ducharme, 1999, p. 58). 0 Programa Geral de Informavao (PGI),da Unesco, publica, desde 1977, em estreita liga~aocom 0 ConseIho Internacional de Arquivos (CIA),uma serie de estudos arquivisticos conhecidos sob 0 titulo de Estudos Ramp (Programa de Gestao de .Documentose ArquiVOS)4. Couture e Lajeu- 3 Essa distinyao tem sido discutida por estudiosos canadenses e americanos, que propuseram recentemente 0 conceito de Arquivistica Integrada. 4 0 program a tem como objetivos principais fomentar a formulayao de politicas e planos ·de informa\;ao, difundir os metodos, normas e regras de gestiio da informa\;ao, contribuir para 0 desenv01vimento de 'sistemas especializados de informayao nas esferas de educayao, de cultura, de comunicayao e das ciencias sociais, exatas e naturais, entre outros. Os trabalhos versam sobre os principais aspectos da Arquivistica contemporanea e sao produzidos por especialistas internacionais. Existem, atualmente, cerca de noventa 11 nesse (Lopes, 1996, p. 61-62) fIzeram urn amplo estudo dos trabalhos do Ramp publicados entre 1979 e 1992. Dos 75 titulos estudados apenas cinco referiam-se a classillca98.0. Jardim (1998, p. 243-252) debru90u-se sobre a questao da prodU98.0 do conhecimento arquivistico no Brasil a partir da investiga98.0 de 14 peri6dicos. Os temas predominantes foram: tecnologias aplicadas aos arquivos e a legisla98.0 (25%); politicas arquivisticas (13%); classifIca98.0, arranjo e desCri98.0 (13%); e forma9ao profIssional (13%). Observou ainda 0 autor a escassa presen9a de temas como avalia~ao e sele9ao e a ausencia de reflexoes sobre estudos de usuarios, interdisciplinaridade da area e outros (Jardim, 1998, p. 248). o conceito de classifIca98.0 na Arquivistica esta moldado e fundamentado em aspectos artifIciais do artefato informacional e envolvido em urn leito procustiano. Trabalha-se com classifica98.0 esvaziando-a do carMer hipotetico desse tipo de constru9ao intelectual, dos elementos de representa9ao que ela encerra e da rela9ao dos conceitos, que forma a base do processo classifIcat6rio. As possibilidades de novos referenciais teorico-metodologicos A Arquivistica funda a sua razao de ser na simples existencia de informa98.0 social materializada em suportes fisicos e implicada nurna dinfunica, tambem ela eminentemente social, de comunica<;8.o (Silva et aI., 1999, p. 37). As informa<;oes arquivisticas S8.0, tambem, extens5es do pensamento e da a<;8.o hurnana e social, contendo, alem disso, uma margem variavel de imprecis8.o e de representa98.0 subjetiva. fasciculos. Eles sao, em sua maioria, escritos em ingles e alguns estao dispOnlveis em frances, espanhol, russo e arabe (Sousa, 1995, p. 24). A imprecis8.o do objeto obriga, segundo Silva et al. (1999, p. 36), as disciplinas do conhecimento humano, que investigam as propriedades e 0 comportamento da informa98.0, a convocar urn intercfunbio metodol6gico com outras ciencias sociais, especialmente com a Sociologia e a Hist6ria, alem de agregar contribui90es procedentes da Informatica, das disciplinas ligadas a Comunica98.0 Social e as Ciencias Sociais. A inclus3.o dessa discussao em urn espa90 interdisciplinar exigini urn esfor90 para a identifica98.0 e delimita98.0 do objeto de estudo da Arquivistica. 0 Dicionario intemacional de tenninologia arquivistica, publicado pelo Conselho Internacional de Arquivos, em 1984, definiu Arquivologia como a "disciplina que tern por objeto os arquivos e os procedimentos tecnicos aplicados aos documentos em suas fases corrente, intermediaria e permanente". Arquivo e definido pelo mesmo Dicionario como "0 conjunto de documentos (grifo nosso), quaisquer que sejam suas datas, suas formas ou seus suportes materiais, produzidos ou recebidos por pessoas fisicas e juridicas, de direito publico ou privado no desempenho de suas atividades." Arquivo e, enta~, urn conjunto de docurnentos acurnulados por urn sujeito (pessoa fisica ou juridical com atividades conhecidas. E documento e urn "conjunto constituido por urn suporte e pela informa<;ao que ele contem" (CIA, 1989, p. 63). A abordagem dos arquivos como conjuntos de documentos proporciona uma fragilidade que pode custar a pr6pria sobrevivencia da disciplina, pois a torna dependente do carater fisico e material do objeto. o conceito de arquivos tern sofrido transforma<;oes, desde a rnetade do seculo XX, causadas pela diversificav8.o dos suportes materiais e pelo surgimento dos principios da gestao de documentos (Jardim, Fonseca, 1998, p. 370-371). Tais mudan9as nao provocaram, entretanto, urn redirecionamento do objeto de estudo, mas uma sobrevida de urn marco referencial 13 influenciado fortemente por urn ponto de vista historiognifico capitaneado pela arquivistica francesa. As novas tecnologias da inforrnac;ao transformaram 0 documento em algo extrernamente volatil. Entao, focar toda a intervenc;;aode uma area do conhecimento humano em algo insmyel e modificavel e construir urn castelo de areia, que nao resistira a primeira onda. Defende-se, aqui, a informac;;aocomo objeto de estudo da Arquivistica, pois "em uma epoca onde 0 progresso tecnologico nos projetou na era da informac;;ao , 0 arquivista, como todos os que trabalham com a inforrnac;;ao,deve atravessar a parede do formato - 0 documento - para ir na direc;;aodo conteudo, a informac;;ao"(Couture, 1996, p. 8). Esta atitude provoca uma outra serie de problemas. Qual informac;;ao?Varias disciplinas tern a informac;;aocomo objeto de estudo. Sabemos que essa abordagem e recente na literatura e carece de urn aprofundamento teorico (Jardim, 1999, p. 29). o redirecionamento proposto no objeto de estudo abre as portas para urn universo novo de possibilidades, de interrelac;oes, de di8.logosque, sem duvida, proporcionarao uma consistencia teorico-metodologica para a Arquivistica. Para Jardim e Fonseca (1998, p. 372), essa abordagem "inaugura urn importante espac;;ode reflexao em torno das questoes mais especificas do fen6meno informacional e preconiza uma maior relac;;aoentre a arquivistica e a ciencia - ou ciencias - da informac;;ao." A informac;ao arquivistica e urn artefato humano com pressupostos e caracteristicas especificas. 0 ambiente e 0 conteudo sao delimitados e definidos pelo sujeito acumulador, que pode ser uma pessoa fisica ou juridica (organizac;;ao5).Ao contrario daquelas encontradas em bibliotecas, por exe~plo, as informac;oes arquivisticas nao constituem urn conJunto formado em vista de urn assunto: elas representam, mais que tudo, 0 produto da atividade do sujeito acumulador. Entender 0 modo como as organizac;;oesse estruturam e como executam suas func;;oese atividades e compreender como a informac;;aoe acumulada. Ela e resultado de urn ato desenvolvido e, na maioria dos casos, cotidianamente repetido. A genese se da quando a organizac;ao tern algo a curnprir, a provar, a determi~ar. Surge naturalmente como resultado das ac;;oesdesenvolvldas pelo sujeito acurnulador. Apos 0 registro das informac;;oesem suportes (papel, midia magnetica, rnicrofilme, peliculas fotograficas, peliculas cinernatograficas etc.), e nec~ssario ~antelas pelos valores adrninistrativos, tecnicos, legals, fiscals, probatorios, culturais e historicos que possam conter. A medida que vao sendo acumuladas, estabelecem relac;;oes entre si. Elas estao unidas por urn elo criado no momento em que sao produzidas e recebidas, determinado pela razao de sua elaborac;ao e que e necessario a propria existencia e a capacidade de cumprir seu objetivo. Elas sao urn conjunto indivisivel de relac;;oesintelectuais. A explosao da informaGao arquivistica ocorreu de forma paralela com 0 aumento geral da informac;ao registrada pelas sociedades humanas. Talvez em urn ritmo mais lento, mas nem por isso menos significativo. Os fen6menos da industrializaGao e da urbanizac;;ao, 0 crescimento da presenc;;ados estados nacionais e da complexidade de seus aparatos e, secundariamente, a banalizac;ao dos meios tecnol6gicos de reproduc;ao de documentos explicam em parte a afrrmac;;aoacima. Ficava evidente a impossibilidade de tornar inteligivel a grande massa Entende-se por organiza¢o urn sistema social organizado segundo urn conjunto de valores, normas e padr6es formais e informais de funcionamento, com vistas ao alcance de urn ou mais objetivos. 5 acumulada de registros documentais arquivisticos sem lan~ar mao de urn instrumental tecnico-cientifico mais sofisticado. A possibilidade de constrw;ao de novos parametros para 0 tratamento da questao da classifica~ao esta alem das fronteiras da Arquivistica. A abertura do diaIogo com a Ciencia da Informayao podeni contribuir para a elaborayao de novos referenciais te6rico-metodol6gicos para 0 tratamento da questao da classifica~ao de informayoes arquivisticas. Duas questoes surgem a partir dessa disposiyao. A prime ira, e que a preocupayao te6rica, como alerta Kobashi (1996, p. 5), com a organizayao e a representayao de informayoes, com fms documentarios, e fato relativamente recente, isto e, os elementos estao em construyao. A segunda, e 0 carater especifico da inform a~ao arquivistica. Sao aspectos limitadores, mas, sobretudo, desafiadores. A procura pelo diaIogo com outras areas do conhecimento humano (Hist6ria, Ciencia da Informa~ao, Comunica<;ao, Lingiiistica, Sociologia, Administrayao) pode abrir a possibilidade de construe;;ao de urn novo marco referencial para 0 tratamento da classificayao de informayoes arquivisticas. Parte-se do pressuposto, dessa forma, de que 0 arcabou<;o te6ricometodol6gico da Arquivistica nao consegue resolver as questoes impostas pela grande massa de informayoes acumuladas· diariamente pelas organiza<;oes contemporaneas, pela disseminayao das novas tecnologias e pelo desenvolvimento social, que trouxe a tona a figura do cidadao. A Ciencia da Informayao pode ser buscada como interlocutora preferencial para esse exercicio, por dois motivos fundamentais: a proximidade do objeto de estudo e a possibilidade de operayao com elementos balizadores da Teoria da Classifica<;ao, da Representayao da Informayao e da Teoria dos Conceitos. A interdisciplinaridade, no ambito deste trabalho, nao eo fato de que elementos de uma disciplina sirvam como ciencia auxiliar da outra, intercambio conceitual que e muito anterior a ideia de interdisciplinaridade. Tampouco pode-se defmi-Ia como a rela~ao que se da entre duas disciplinas muito pr6ximas entre si, cujos limites formais nao podem ser absolutos. Tratase, ao contrario, da inter-rela~ao organic a dos conceitos de diversas disciplinas ate se construir uma especie de nova unidade que subsume em urn nivel superior as categorias de cada uma das disciplinas particulares (Montiel, Sousa, 2000, pAl. Trata-se, como observa Follari (1993), de uma interdisciplinaridade fundada epistemologicamente como· exigencia no plano do conhecimento e nao como simples resposta a necessidades tecnol6gicas. Rousseau e Couture (1999) entendem que a "Arquivistica situa-se no cruzamento de novos contextos culturais, dos novos modos de gestao e das novas tecnologias. Ela esta na confluencia de varias disciplinas: informatica, ciencias da informayao, hist6ria, lingiiistica, arqueologia, etnologia etc." A partir dessas reflexoes e possivel afirmar: • 0 arcabouyo te6rico-metodol6gico da Arquivistica para 0 tratamento da questao da classifica~ao nao da mais conta das possibilidades abertas pelo novo cenario tecnol6gico inform acional, que vem sendo construido desde meados do seculo XX; • a classificayao nao e entendida porque os saberes (conhecimentos) que envolvem sua operayao estao esfacelados e dispersos pela fragmenta~ao disciplinar; • a presenya do conceito de classifica<;ao na literatura arquivistica nao foi acompanhada por urn aprofundamento te6rico sobre 0 tema. Tais constatac;oes dao a dimensao da necessidade de proceder a urn estudo sobre a questao, ta~ crucial para 0 profissional da informac;ao arquivistica e que tern sido dominada pelo empirismo e pelo senso comum. Esta parece, em alguns momentos, ser uma marca indeIevel da area. Silva et al. (1998, p. 208) chegam a falar de urn empirismo ecldieo direcionado a integrac;ao das novidades tecnologicas no "velho" quadro da pnitica funcional de classificac;ao, ordenac;ao, representac;ao descritiva e difusao de informac;ao escrita. Ha, inclusive, uma tendencia "a duvidar da possibilidade de se encontrarem bases cieritificas para 0 saber arquivistico. Os seus argumentos incidem sobre 0 fato de estarmos perante uma pratica multissecular que dispensa fundamentac;ao teoriea especial. Segundo este ponto de vista, os modelos estao criados e sera na experiencia, na intuic;ao e no born senso que se encontrarao as soluc;oes adequadas para enfrentar a realidade." (Silva et al., 1998, p. 203-204) E possive! construir urn novo marco referencial para 0 tratamento da classificac;ao de informac;oes arquivisticas a partir de urn enfoque interdisciplinar, privilegiando 0 diaIogo com a Ciencia da Informac;ao, pois, ao evidenciar a busca pela organizac;ao e recuperac;ao da informac;ao, pode contribuir para 0 aprimoramento de urn outro saber - a Arquivistica. o diaIogo proposto entre a Arquivistica e outras areas do conhecimento humano pode, tambem, contribuir para 0 estabelecimento de urn canal de discussao e de reflexao sobre a questao da organizac;ao e da representac;ao da informac;ao. ARQUIVOPUBLICO(CANADA).Arquivos correntes: organizayao e funcionamento. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1975. ASSOCIA<;AO DOS ARQUIVISTAS BRASILEIROS NUCLEO REGIONALDE SAOPAULO.Dicionario de tenninologia arquivistica. Sao Paulo: Cenadem, 1990. BRAGA,Gilda. A representa<;ao da informa<;aona desconstruyao do contexto. 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Renato Tarciso Barbosa de Sousa e professor do Curso de Arquivologia da Universidade de Brasilia, especialista em Organizac;ao de Arquivos pela Universidade de Sao Paulo, mestre em Biblioteconomia e Documentac;ao pela Universidade de Brasilia, doutorando em Historia Social pela Universidade de Sao Paulo e presidente do Conselho Curador do Arquivo Carlos Lacerda,