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SimEFG Giovanna Queiroz Júlia Vargas Mariana Abreu Mônica Emediato Comissão Interamericana de Mulheres Direitos sexuais e reprodutivos na América Belo Horizonte 2016 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 5 2. A COMISSÃO INTERAMERICANA DE MULHERES .............................................. 6 3. HISTÓRICO DOS DIREITOS REPRODUTIVOS E SEXUAIS EM ÂMBITO INTERNACIONAL ....................................................................................................... 8 4. DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS ............................................................ 11 4.1 Promoção de informação sobre saúde reprodutiva.......................................... 13 4.2 Violência sexual e acesso à justiça .................................................................. 14 4.3 Procedimentos médicos e violência obstétrica ................................................ 16 4.3.1 Consentimento informado: o direito aos dados sobre a natureza, necessidade e os ricos de tratamentos e cirurgias ............................................. 17 4.3.2 Proteção da confidencialidade ................................................................... 18 4.3.3 Aborto e esterilização forçada ................................................................... 19 4.4 Planejamento familiar e os métodos contraceptivos e tratamentos de fertilidade ............................................................................................................................... 22 5. GRUPOS FRAGILIZADOS.................................................................................... 24 5.1 Mulheres presidiárias ....................................................................................... 24 5.2 Mulheres indígenas e afrodescendentes ......................................................... 26 5.2.1 Mulheres indígenas.................................................................................... 26 5.2.2 Mulheres afrodescendentes....................................................................... 27 5.3 Mulheres em zonas de conflito e tráfico ........................................................... 28 5.4 Profissionais do sexo ....................................................................................... 28 5.5 Mulheres lésbicas ............................................................................................ 29 6. POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA: ATUAÇÃO DO ESTADO E DE ORGANISMOS NÃO GOVERNAMENTAIS ........................................................................................ 31 7. PERGUNTAS A SEREM RESPONDIDAS ............................................................ 35 8. POSICIONAMENTO DOS ATORES INTERNACIONAIS ...................................... 37 8.1 Argentina .......................................................................................................... 37 8.2 Bahamas .......................................................................................................... 38 8.3 Barbados .......................................................................................................... 39 8.4 Bolívia .............................................................................................................. 40 8.5 Brasil ................................................................................................................ 41 8.6 Canadá ............................................................................................................ 42 8.7 Católicas por el Derecho a Decidir ................................................................... 43 8.8 Chile ................................................................................................................. 44 8.9 Colômbia .......................................................................................................... 45 8.10 Costa Rica ..................................................................................................... 46 8.11 Cuba .............................................................................................................. 47 8.12 Enlace Continental de las MujeresIndigenas de las Americas (ECMIA) ........ 48 8.13 Equador ......................................................................................................... 49 8.14 El Salvador ..................................................................................................... 50 8.15 Estados Unidos da América ........................................................................... 51 8.16 Granada ......................................................................................................... 52 8.17 Guatemala ..................................................................................................... 53 8.18 Haiti ................................................................................................................ 54 8.19 Honduras ....................................................................................................... 55 8.20 Jamaica .......................................................................................................... 56 8.21 México ............................................................................................................ 57 8.22 Nicarágua ....................................................................................................... 58 8.23 Panamá .......................................................................................................... 59 8.24 Paraguai ......................................................................................................... 60 8.25 Peru ............................................................................................................... 61 8.26 Red de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora ........ 63 8.27 República Dominicana ................................................................................... 64 8.28 São Vicente e Granadinas ............................................................................. 65 8.29 St. Kitt e Nevis................................................................................................ 66 8.30 Suriname ........................................................................................................ 66 8.31 Trinidad e Tobago .......................................................................................... 67 8.32 Uruguai .......................................................................................................... 68 8.33 Venezuela ...................................................................................................... 70 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 73 5 1. INTRODUÇÃO Por todo o mundo, bilhões de mulheres têm seus direitos sexuais e reprodutivos cerceados por sociedades patriarcais, sendo essas diariamente vítimas de um sistema baseado na opressão de gênero. No contexto das Américas, essa situação se estende desde o período das colonizações. É importante considerar, é claro, que diversos e significativos foram os avanços nesse cenário. No entanto, é evidente que ainda há muito a se alcançar no que concerne à autonomia e aos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres caribenhas, latino e norte-americanas. Os direitos sexuais e reprodutivos se referem, em suma, aos direitos humanos que tangem as liberdades relacionadas à sexualidade, às relações sexuais, ao controle reprodutivo e à saúde e à integridade sexual e reprodutiva dos indivíduos. Sendo assim, tal discussão pauta-se também nos debates concernentes a tópicos como planejamento familiar, violência obstétrica, direito de aborto, tratamentos de fertilidade, abuso sexual, maternidade compulsória, violência domésticas entre tantas outras questões de grande relevância social. De acordo com o 96º artigo da Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, acordada em 1995 pela Conferência Mundial sobre as Mulheres em Pequim, “os direitos humanos das mulheres incluem os seus direitos a ter controle sobre as questões relativas à sua sexualidade, inclusive sua saúde sexual e reprodutiva, e a decidir livremente a respeito dessas questões, livres de coerção, discriminação e violência”. Além disso, faz-se preciso o entendimento acerca das necessidades específicas e da atenção demandada por grupos socialmente fragilizados, como mulheres presidiárias, mulheres indígenas e afrodescendentes, mulheres que se encontram em zonas de conflito, mulheres da comunidade LGBT e profissionais do sexo. 6 2. A COMISSÃO INTERAMERICANA DE MULHERES A Comissão Interamericana de Mulheres (CIM) foi criada em 1928, durante a Sexta Conferência Internacional Americana, realizada em Havana, Cuba. A CIM foi o primeiro organismo intergovernamental criado para tratar especificamente do tema dos direitos da mulher. Segundo consta em seu Estatuto, a finalidade da CIM é: “(...) promover e proteger os direitos da mulher e apoiar os Estados-Membros em seus esforços para assegurar o pleno acesso aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais que permitam que as mulheres e homens participem em condições de igualdade em todos os âmbitos da vida social, para lograr que desfrutem plena e igualitariamente dos benefícios do desenvolvimento e compartam também a responsabilidade pelo futuro.” Os mandatos da Comissão Interamericana de Mulheres são: Identificar as áreas onde seja necessário intensificar a participação integral da mulher; Formular estratégias direcionadas a transformar os papéis e a relação entre mulheres e homens nas esferas públicas e privadas; Propor soluções e instar os governos a que adotem medidas pertinentes para eliminar os obstáculos à plena e igualitária participação da mulher em todas as esferas; Promover a mobilização, capacitação e organização da mulher para lograr sua participação igualitária em posições de liderança e propor que os programas de desenvolvimento sirvam para fazer efetiva tal participação e representação; Promover o acesso de mulheres e meninas à educação e a programas de capacitação; Instar os governos a cumprirem as disposições emanadas das diversas instâncias internacionais; Atuar como organismo consultivo da OEA; Estabelecer estreitas relações de cooperação com os organismos internacionais e as entidades públicas e privadas; Informar periodicamente à Assembleia Geral da OEA sobre todos os aspectos da condição da mulher na América, o progresso realizado neste campo e os 7 problemas que devem ser considerados, e elevar aos governos as recomendações que tendam a solucionar os problemas relativos à condição da mulher nos países da região; Promover a adoção ou adequação de medidas de caráter legislativo necessárias para eliminar toda forma de discriminação contra a mulher. Além das reuniões regulares previstas no Estatuto, a CIM realiza outras atividades, como as relativas ao Mecanismo de Seguimento da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) – MESECVI. O ano de 2006 foi estabelecido como o ano em que os Estados Partes enviaram ao MESECVI as respostas ao primeiro questionário referente ao cumprimento da Convenção de Belém do Pará. O MESECVI tem como objetivo dar seguimento e analisar como a Convenção de Belém do Pará está sendo implementada, promover sua implementação e facilitar a cooperação entre os Estados Partes entre si e o conjunto de Estados Membros da OEA, contribuindo, assim, para a consecução dos propósitos da Convenção. O Mecanismo é regulado por um Estatuto próprio. Ademais, a CIM pode organizar conferências e coordenar programas. A exemplo disso, a CIM já organizou 2 (duas) Reuniões Ministeriais sobre Políticas para as Mulheres (I e II REMIN), que reuniram as mais altas autoridades dos Estados Membros da OEA responsáveis pelas políticas para as mulheres em seus respectivos governos. 8 3. HISTÓRICO DOS DIREITOS REPRODUTIVOS E SEXUAIS EM ÂMBITO INTERNACIONAL Os dados estatísticos mostram que as décadas de 1950 e 1960 foram aquelas em que o mundo apresentou o maior crescimento demográfico de toda a história da humanidade. Os demógrafos mais pessimistas tomaram estes dados como a comprovação da “explosão populacional” e como justificativa para a necessidade de políticas demográficas que reduzissem a fecundidade, mesmo que de forma coercitiva. Este tipo de preocupação é que fundamenta as análises do pensamento neomalthusiano, que aceita e receita os métodos contraceptivos como forma de limitação da fecundidade. Portanto, foi neste ambiente de alto crescimento demográfico e sob a influência do pensamento neomalthusiano que ocorreram as primeiras conferências internacionais de População e Desenvolvimento organizadas pela ONU. Nesse período, quando se difundiu o medo da “explosão populacional”, os formuladores de políticas, influenciados pelo pensamento neomalthusiano, passaram a defender a disseminação de métodos contraceptivos, mesmo que contrariando os interesses individuais, pois se tratava de obter resultados coletivos de limitação global da população. Nas décadas seguintes, o pensamento neomalthusiano tornou-se mais moderado, na medida em que a fecundidade diminuía no mundo. Quando as pesquisas demográficas passaram a mostrar que o número desejado de filhos era menor que a fecundidade observada, passou-se a dar mais ênfase às necessidades de contracepção. Por outro lado, desde o início do século XX, feministas pioneiras, como Margareth Sanger e Emma Goldman, chamavam a atenção para o fato de que a autonomia nos campos da sexualidade e da reprodução não poderia ser negligenciada nas lutas pelos direitos das mulheres. A partir da década de 1970, o direito de escolha e a liberdade de decisão nos assuntos sexuais e reprodutivos tornam-se aspectos inegociáveis da pauta feminista no mundo. Assim, questões relativas à saúde integral da mulher e à saúde sexual e reprodutiva, incluindo o acesso à contracepção e ao aborto seguro, ganham espaço de discussão. 9 Nos anos 1980, a questão da “saúde da mulher” se desdobrava em dois campos. No plano das reivindicações políticas, envolvia demandas sobre o Estado, tais como a discriminação e legalização do aborto e o acesso aos métodos contraceptivos. No plano do atendimento médico, envolvia reivindicações por prénatal e parto com qualidade, mudança na qualidade da relação médico–paciente e acesso à informação sobre anatomia e procedimentos médicos. Na segunda metade do século XX, aconteceram cinco conferências mundiais de População: Roma, em 1954; Belgrado, em 1965; Bucareste, em 1974; México, em 1984; e Cairo, em 1994. Inicialmente, a Conferência de Roma, em 1954, tinha um caráter eminentemente científico. Houve, entretanto, um acalorado debate sobre o papel da população no desenvolvimento. De um lado, os países capitalistas avançados (Primeiro Mundo) defendiam posições neomalthusianas, argumentando que o alto crescimento populacional poderia ser um entrave ao desenvolvimento econômico. Na Conferência de Belgrado, foi feita menção explícita a métodos contraceptivos, como a pílula e o dispositivo intrauterino (DIU), e à esterilização masculina e ao aborto legalizado quando aceitos pela sociedade. Os países não alinhados do Terceiro Mundo dividiram-se entre as três visões existentes: controlismo, natalismo, ou a população concebida como elemento neutro para o desenvolvimento. Ao longo dos anos 1990, de maneira a otimizar as novas condições políticas resultantes do fim da Guerra Fria, a ONU promoveu uma série de conferências articuladas (o chamado Ciclo Social da ONU). Iniciado com a Cúpula da Infância (1990), este ciclo desdobrou-se em oito conferências intergovernamentais, cujos resultados são relevantes para o debate que articula população, desenvolvimento e direitos. Um traço fundamental do chamado Ciclo Social da ONU foi sua natureza cumulativa, ou seja, os acordos de cada conferência seriam reiterados ou mesmo ampliados e aprimorados nas negociações seguintes. Entre os legados do Ciclo Social da ONU, cabe sublinhar a indivisibilidade dos direitos humanos (superação da separação entre direitos civis, políticos e direitos econômicos e sociais), legitimação da ideia de direitos humanos das mulheres, bem como o reconhecimento de que existiam abusos de direitos humanos na esfera privada, como é o caso da violência doméstica e sexual e o estupro sistemático em situação de conflito. 10 Segundo Barsted: Ao afirmar que os direitos das mulheres são direitos humanos, a Declaração e o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, pela Organização das Nações Unidas, deram alento à introdução da perspectiva de gênero em todas as demais Conferências da ONU da década de 90. Em Viena, as Nações Unidas reconheceram que a promoção e a proteção dos direitos humanos das mulheres devem ser questões prioritárias para a comunidade internacional. Consolidou-se, dessa forma, um longo caminho iniciado em 1948, quando da Declaração Universal dos Direitos Humanos (BARSTED, 2002, p. 87). 11 4. DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS O conceito de Direitos Reprodutivos abarca certos Direitos Humanos reconhecidos por legislações domésticas e internacionais. Esses direitos consistem no reconhecimento dos direitos básicos de decidir livre e responsavelmente o número de filhos que desejam ter, o espaçamento entre eles e o momento de tê-los, além de terem as informações e meios necessários para tanto e o direito à saúde sexual e reprodutiva de qualidade. O conceito também inclui o direito de tomar decisões concernentes à reprodução livre de discriminação, coerção e violência. (The DanishInstitute For HumanRights, 2014) A mortalidade materna, a violência de gênero, a falta de acesso aos serviços de saúde adequados e a ausência de serviços de planejamento familiar levam a violações de direitos reprodutivos no mundo. Um número estimado de 287.000 mortes maternas ocorreu em 2010, das quais a maioria poderia ser prevenida. Entretanto, o agregado de informações mascara grandes desigualdades dentro dos países e entre eles. O risco de morte no decorrer da gravidez e durante o parto para uma mulher em regiões em desenvolvimento é 15 vezes maior que nas regiões desenvolvidas, por exemplo. No total, 99% das mortes maternas ocorrem nos países em desenvolvimento, principalmente na África e no sul da Ásia. (The DanishInstitute For HumanRights, 2014) Apesar do foco crescente no planejamento familiar voluntário, ainda existe uma lacuna da disponibilidade de serviços contraceptivos, com destaque para a África Subsaariana e certas outras regiões em desenvolvimento, onde as necessidades não atendidas chegam a 25%, enquanto a média global é de 11%. Nominalmente, mais de 120 milhões de mulheres têm deficiências relativas aos serviços de planejamento familiar. Dessa forma, elas não têm condições de decidir o número de filhos e o momento de tê-los. Além disso, elas estão expostas a riscos maiores de contrair HIV/AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). (The DanishInstitute For HumanRights, 2014) A falta de acesso aos serviços de planejamento familiar também aumenta o índice de abortos, o que inclui abortos inseguros. Das 80 milhões de gravidezes não desejadas ou planejadas estimadas a cada ano, aproximadamente 45 milhões são 12 terminadas. Destas, 19 milhões são abortos inseguros, 40% performados em mulheres com menos de 25 anos de idade. O número de mulheres que morrem em procedimentos realizados nessas condições é por volta de 68.000 a cada ano. Outras pesquisas mostram que quanto mais pobres as meninas com idades entre 15 e 19 anos e quanto menos acesso à educação elas têm, maiores as chances de que ela engravide: uma adolescente sem educação formal é mais de quatro vezes mais propensa a engravidar que aquelas com educação secundária. (The DanishInstitute For HumanRights, 2014) O conceito de direitos sexuais, por sua vez, diz respeito aos direitos de: a) Viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminações e imposições e com respeito pleno pelo corpo do parceiro; b) Escolher o parceiro sexual; c) Viver plenamente a sexualidade sem medo, vergonha, culpa e falsas crenças; d) Viver a sexualidade independentemente de estado civil, idade ou condição física; e) Escolher se quer ou não quer ter relação sexual, expressar livremente sua orientação sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, entre outras; f) Ter relação sexual independente da reprodução; ao sexo seguro para prevenção da gravidez indesejada e de DST/HIV/AIDS; g) Acessar serviços de saúde que garantam privacidade, sigilo e atendimento de qualidade e sem discriminação; h) Se informar e ter educação sexual e reprodutiva. Nesse sentido, os dados da ONU Mulheres mostram que mulheres que foram física ou sexualmente abusadas pelos seus parceiros são duas vezes mais propensas a realizar abortos, tem duas vezes mais propensão à depressão e, em algumas regiões, 1,5 vezes mais propensas a contraírem HIV, comparadas com aquelas que não sofreram violência do parceiro. Em 2012, um estudo realizado em 13 Nova Dehli concluiu que 92% das mulheres relatam terem vivido algum tipo de violência sexual em espaços públicos, e 88% das mulheres afirmam terem experienciado alguma forma de assédio verbal (incluindo comentários indesejados de natureza sexual: assobios, gestos obscenos, etc.). A organização afirma ainda que, globalmente, mais de 700 milhões de mulheres foram casadas na infância (antes dos 18 anos de idade). Destas, mais de 1 em 3 - aproximadamente 250 milhões - foram casadas antes dos 15. Noivas crianças não são capazes de negociar efetivamente relações sexuais seguras, o que as deixa vulneráveis à gravidez precoce, assim como infecções sexualmente transmissíveis, incluindo HIV. 4.1 Promoção de informação sobre saúde reprodutiva Alguns relatórios do Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) revelam que práticas coercitivas, como gravidezes, abortos ou esterilizações forçados, têm consequências sérias para as mulheres. Segundo esse comitê da ONU Mulheres, as decisões de ter ou não filhos não deve ser limitada pelos esposos, pais, parceiros ou pelo Governo. Nesse contexto, para realizar uma decisão consciente sobre medidas contraceptivas confiáveis, as mulheres devem ter acesso a informações sobre contraceptivos e seu uso e acesso garantido à educação sexual e serviços de planejamento familiar. Segundo a recomendação geral número 21 do CEDAW, as mulheres que são historicamente marginalizadas com base na sua raça, etnia, status econômico ou idade são aquelas que enfrentam as barreiras mais resistentes ao acesso à informação sobre a saúde. Essa resiliência se torna ainda maior quando a informação se refere a assuntos relacionados à saúde reprodutiva e sexual. O acesso à informação é uma ferramenta básica na construção da cidadania em sistemas democráticos, uma vez que ele garante que todos estão preparados para que as decisões tomadas no âmbito da sua vida privada sejam livres e conscientes. Nesse sentido, o CEDAW tem enfatizado o dever do Estado de garantir acesso igualitário a serviços de saúde, de informação e de educação. Nesse contexto, os Estados-membros deveriam intensificar esforços para a disseminação da informação para aumentar a consciência pública com relação ao risco de 14 infecção pelo HIV/AIDS, especialmente com relação às mulheres e crianças, ao planejamento familiar e ao auxílio às vítimas de violência. 4.2 Violência sexual e acesso à justiça Violência contra a mulher, segundo a ONU Mulheres, significa “qualquer tipo de violência de gênero que resulta em ou pode resultar em dano físico, sexual ou psicológico para a mulher.” Nesse conceito, incluem-se ameaças desse tipo de atitude, coerção ou privação arbitrária de liberdade no âmbito privado ou público. O tipo mais comum de violência de gênero é aquela praticada pelo próprio parceiro da vítima. A violência sexual é definida, por sua vez, como o contato sexual abusivo, que leva a mulher ao ato sexual sem o seu consentimento e tentativas de se engajar em atividades sexuais com mulheres sob pressão, doentes, debilitadas ou sob a influência de álcool ou drogas. (UN Women, 2015) O processo de lidar com esse tipo de violência tem pelo menos sete etapas, nas quais determinados tipos de cuidado são prioritários. As duas primeiras fases, que demandam segurança e proteção para as mulheres, são a prevenção – que, de uma perspectiva do sistema judiciário, consiste em medidas focadas em impedir a ocorrência de violência e incentivar a denúncia por parte das meninas e mulheres – e o contato inicial com as autoridades policiais, isto é, a denúncia, a documentação do relato, o registro do caso criminal, serviços de aconselhamento legal e as medidas de separação de corpos do agressor e da vítima (UN Women, 2015). Em seguida, as fases de investigação e dos processos pré-julgamento requerem suporte e assistência do sistema judiciário e policial às vítimas. Esta última é constituída pela seleção das denúncias do processo e pela preparação para a audiência inicial, na corte criminal, pelos processos de guarda interina, nas varas familiares, e pelos pedidos de adição de requisição de restituição no processo criminal. (UN Women, 2016) As fases de julgamento e reparação demandam comunicação e informação para a vítima. Reparação, nesse contexto significa eliminar, tanto quanto possível, todas as consequências de um ato ilegal e reestabelecer a situação que teria provavelmente existido se o ato não tivesse sido cometido. Essa fase cobre dois aspectos: o procedimental e o substantivo. Procedimentalmente, o processo no qual 15 as acusações figuram é julgado por órgãos competentes que, sendo focados nas mulheres, estão disponíveis, acessíveis e adaptados às necessidades específicas de mulheres diferentes. Os procedimentos também devem contornar os obstáculos tradicionais para o acesso às instituições que fornecem reparações. Substantivamente, a remediação consiste no resultado dos procedimentos. Isso inclui medidas que compensam efetivamente à vítima pelos danos sofridos, como mudanças legislativas, seguros, fundos para vítimas e esquemas de compensação pública. Também estão abarcadas perdas não-econômicas que geralmente afetam mais às mulheres que aos homens. (UN Women, 2015) Finalmente, a fase dos procedimentos pós-julgamento é destinada à proteção das vítimas. Isso é feito de modo a evitar reincidências e, por isso, inclui a reabilitação do agressor e programas de proteção para mulheres detentas. (UN Women, 2015) Com isso, a ONU Mulheres considerou que as repostas dos sistemas policial e judicial têm sido notavelmente deficiente, uma vez que estudos através do globo ilustram que a vasta maioria dos abusadores não enfrentam consequências legais. Em casos em que as mulheres escolhem não buscar a justiça pelo sistema criminal, mas tomar medidas pelas justiças civil, familiar e/ou administrativa, elas podem enfrentar processos legais caros, complicados e longos, auxílio legal limitado ou inexistente e a falha das varas civis e familiares de considerar o histórico de violência quando decidindo regimes de guarda de crianças. (UN Women, 2015) Apesar do número de países que reconhece a violência contra a mulher como um problema ter aumentado, a violência nos âmbitos escolar e de saúde pública não tem sido analisada como um problema de gravidade singular e que tem sua gama particular de desafios. Além disso, foi observada pela Comissão Interamericana de Mulheres uma distância significativa entre a promulgação de legislações contra a violência contra a mulher e a aplicação das medidas ratificadas. Isso é agravado nos ambientes rurais, onde a confiança no sistema de segurança é reduzida para esse tipo de situação em função de problemas como a persistência de estereótipos relativos ás vítimas e a especialização limitada dos policiais. (IACHR, 2011) 16 O Escritório das Nações Unidas para o Combate às Drogas e ao Crime (UNODC) estabeleceu diretrizes para a reformulação dos sistemas judiciais no que concerne à justiça para as vítimas de violência de gênero. Esses parâmetros incluem uma estrutura voltada para a vítima e para a condenação do abusador, uma abordagem multidisciplinar para a reparação – o que pode ser feito através de, por exemplo, trabalho conjunto com agências de suporte às vítimas – especialização dos profissionais que lidam com esses casos e monitoramento da eficácia da justiça para lidar com a violência de gênero. (UNODC, 2014) Nesse contexto, podemos citar a Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006 no Brasil. Esse mecanismo estabelece a violência contra a mulher como física, psicológica, patrimonial, sexual e moral e proíbe as penas pecuniárias, isto é, o pagamento de multas ou cestas básicas como sanção para esse crime. A lei permite que o juiz obrigue o agressor a frequentar programas de reabilitação e reeducação e aumenta em um terço pena para violência contra mulher deficiente. No que concerne à autoridade policial, a vítima pode recorrer ao juiz para que, em até 48 horas, sejam concedidas medidas protetivas de urgência ou para que seja realizada prisão preventiva. (CNJ, s.d.) Apesar de a lei tipificar a violência doméstica e familiar, não é necessário que exista qualquer grau de parentesco para que a vítima denuncie o seu agressor. A Secretaria de Políticas para as Mulheres assinou, em 2015, uma portaria que cria a Patrulha Maria monitoramento da Penha Rural, composta de áreas onde há por suspeita de policiais mulheres para violência sexual e para acompanhamento da efetividade das decisões judiciais. (CNJ, s.d.) Dessa forma, a lei reduziu, até outubro de 2015, em 10% o número de feminicídios, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ela é reconhecida pelas Nações Unidas como uma das três melhores legislações referentes ao tema no mundo. (CNJ, s.d.) 4.3 Procedimentos médicos e violência obstétrica A Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência foi pioneira em definir formalmente a violência obstétrica no seu Artigo 15. Segundo esse documento, violência obstétrica é a apropriação do corpo e dos processos 17 reprodutivos de uma mulher por trabalhadores da saúde, na forma de tratamentos desumanizantes, medicamentação abusiva e patologização de processos naturais, envolvendo a perda de autonomia da mulher na tomada de decisões que dizem respeito ao seu corpo e à sua sexualidade, o que tem consequências negativas para a sua qualidade de vida. (CIM, 2012) Nesse conceito, estão incluídos procedimentos violentos que ocorrem, por exemplo, no momento do parto. A manobra de Kisteller, na qual se aplica pressão no fundo do útero durante o período expulsivo para adiantar a saída do bebê, por exemplo, ainda é praticada sem necessidade, mesmo aumentando as chances de um parto difícil e podendo levar à paralisia da mãe. Outro exemplo desse tipo de violência é a episiotomia, isto é, uma incisão do períneo – a região entre a vagina e o ânus – no momento do parto e alguns tipos de violência psicológica, dentre as quais é possível citar o impedimento da entrada de um acompanhante para a cirurgia. (IACHR, 2011) Nesse contexto, os organismos internacionais reiteram a importância do consentimento para quaisquer procedimentos médicos, salvaguardadas as emergências. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos ressalta alguns fatores que são parte fundamental do processo de consentimento consciente: informar pacientes da natureza dos processos médicos a que eles serão submetidos, opções de tratamentos e alternativas razoáveis, incluindo benefícios potenciais e riscos dos procedimentos propostos, considerar as necessidades pessoais de cada paciente e garantir que ela entenda as informações fornecidas e garantir que o consentimento dado seja livre e voluntário. (CIDH, 2011) 4.3.1 Consentimento informado: o direito aos dados sobre a natureza, necessidade e os ricos de tratamentos e cirurgias O direito às informações relativas aos procedimentos médicos aos quais uma mulher se submete já foi considerado por diversos órgãos como um fator intrínseco aos direitos humanos das mulheres. Tanto em nível global, com o CEDAW, quanto em nível regional, com a CIM e a Corte Europeia de Direitos Humanos, já foi reiterado que, para que uma paciente possa consentir aos procedimentos propostos a ela, devem estar a sua disposição informações completas, acessíveis, confiáveis e 18 inteligíveis. Ela deve estar ciente do status da sua saúde reprodutiva em termos do risco de gravidezes não planejadas, doenças sexualmente transmissíveis, concepção e parto de uma criança afetada com uma doença e infertilidade. É necessário, portanto, que para quaisquer serviços médicos prestados a uma mulher, seja provido acesso razoável aos meios médicos e sociais que respondam às intenções reprodutivas e condições das pacientes, apresentando a elas alternativas e taxas esperadas de sucesso e os riscos envolvidos em cada opção. (CIDH, 2011) A Corte Europeia de Direitos Humanos condenou a Irlanda em 1992 por falhar no fornecimento de informação sobre os serviços de saúde permitidos pela lei relativos à saúde materna. A Corte julgou que essa falha constituiu uma violação do direito de receber informações.1 Da mesma forma, o CEDAW condenou a Hungria, uma vez que o Comitê sustenta que seu artigo 10 inclui o direito de receber informações específicas sobre métodos de planejamento familiar para evitar que procedimentos sejamperformados em mulheres sem que elas estejam em condições de consentir. (CIDH, 2011) O CEDAW condena qualquer tipo de coerção, como esterilização não consentida, testes obrigatórios para DSTs ou gravidez como condição para emprego nos seus Estados-membros. Nos seus julgamentos, o Comitê ressalta que essa conduta fere o que direito das mulheres ao consentimento e à dignidade. 2 4.3.2 Proteção da confidencialidade A manutenção da confidencialidade é um dever dos profissionais da saúde que recebem informações privadas em um ambiente médico, uma vez que a privacidade das pacientes é de interesse crítico para a sua saúde reprodutiva. O medo de que a as informações confidenciais não serão respeitadas pode resultar em uma busca menor pelo cuidado médico necessário. Em outras palavras, se uma paciente se sente segura, ela proverá toda a informação necessária para que o profissional possa diagnosticá-la e tratá-la mais efetivamente. (CIDH, 2011) 1 (European Court of Human Rights, Open Door Counseling and Dublin Well Women v. Ireland (1992). Judgment of October 29, 1992.) 2 (United Nations, Committee on the Elimination of Discrimination against Women, General Recommendation No. 24, para. 22.) 19 Por mais que o desrespeito à confidencialidade afete ambos os sexos, ele pode afastar as mulheres de procurar tratamento e, consequentemente, afetar sua saúde e seu bem-estar. As mulheres ficam menos propensas, por esse motivo, a buscar auxílio médico para doenças do trato genital, contracepção, aborto incompleto e em casos de abuso físico e sexual.3Um exemplo de combate a esse problema é a parceria firmada entre o governo de Honduras e os Médicos sem Fronteiras, que disponibilizam tratamento psicológico e médico às vítimas de estupro, gratuitamente e com garantia de sigilo. (Médicos sem Fronteiras, 2014) Nos Estados Unidos, a garantia de confidencialidade se estende àquelas que optam por abortar, mesmo quando a paciente é menor de idade. Com exceção dos casos em que uma menor tenha sido sexualmente violada, o serviço médico é desautorizado de divulgar informações relativas ao uso de métodos contraceptivos, testes de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Esse tipo de tratamento é uma forma de encorajar denúncias de violência sexual, o que é importante, sobretudo, à luz de estatísticas que mostram que entre 70% e 80% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes na América e que, destes, uma taxa de 68% é denunciada. (PlannedParenthoodof New York City, s.d.) 4.3.3 Aborto e esterilização forçada A OMS reconhece o aborto como uma questão de saúde pública, sobretudo tendo em vista que diversos estudos da organização concluíram que a proibição dessa prática é característica de regiões subdesenvolvidas, onde o procedimento acaba acontecendo em condição de insalubridade e perigo. Nessas sociedades, muitas vezes, a terminação da gravidez se torna um privilégio das classes abastadas, o que implica que, além de estarem no campo da saúde, os processos de abortamento são uma questão de responsabilidade social. O número de abortos que são realizados dessa forma é em torno de 22 milhões, entre os quais 47.000 resultam em mortes e 5 milhões acarretam complicações psicológicas e físicas. (OMS, 2013). Nesse sentido, a OMS pensa que: 3 (United Nations, Committee on the Elimination of Discrimination against Women, General Recommendation 24, Women and health, para. 12(d).) 20 O abortamento inseguro, uma causa evitável de mortalidade e morbidade maternas, deve ser abordado como parte do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio relativo à melhoria da saúde materna e de outros objetivos e metas internacionais de desenvolvimento (OMS, 2013). A Organização prevê que aproximadamente 33 milhões de mulheres usuárias de métodos anticoncepcionais engravidam todos os anos. Algumas dessas gravidezes vão prosseguir como gravidezes não planejadas e outras serão terminadas, por vezes por meio de processos ilegais. Nesse caso, os procedimentos incluem inserção de uma substância ou objeto (uma raiz, um galho, um cateter) no útero, a dilatação e a curetagem feitos de forma incorreta por um profissional não capacitado, a ingestão de preparados caseiros nocivos à saúde ou a aplicação de uma força externa, ou ainda espancamento da parte inferior do abdômen da mulher, o que pode causar a ruptura do útero e a morte da mulher. Nesse contexto, as estatísticas de mortalidade materna decorrentes do aborto são, muitas vezes, deturpadas pelo estigma que gira em torno das mulheres que optam por esse procedimento e pela ilegalidade desse processo. (OMS, 2013) Finalmente, a OMS pontua que o aborto seguro é uma forma de reduzir custos com terminações de gravidezes do Estado. Estima-se que, a cada complicação decorrente de abortos inseguros direcionados ao sistema de saúde pública, o governo dos países latinos gasta USD 130. São gastos, ainda, USD 23 milhões anualmente pelo tratamento de complicações menores causadas por abortamento inseguro, USD 6 bilhões pelo tratamento da infertilidade posterior ao abortamento e USD 200 milhões por ano pelos gastos diretos dos indivíduos e de seus grupos familiares na África Subsaariana pelo tratamento das complicações posteriores ao abortamento. (OMS, 2013) Outra questão de saúde pública que as organizações de Direitos Humanos e saúde ressaltam é a esterilização forçada. A esterilização é um processo para indivíduos e casais controlarem sua fertilidade e é uma das formas mais utilizada de contracepção no mundo. Quando realizada de acordo com estandartes clínicos apropriados com consentimento informado, os métodos de esterilização como ligamento de tubas uterinas são meios seguros e eficientes de controlar permanentemente a fertilidade. A esterilização forçada é tratada aqui, contudo, como 21 um procedimento cujas intenções não são apenas limitar a fertilidade, mas onde esse resultado é um objetivo secundário. (OMS, 2014) A esterilização coerciva e involuntária com a finalidade de selecionar a constituição genética da espécie humana se tornou um instrumento de controle da população e da saúde pública no auge das teorias eugênicas, entre 1870 e 1945. No início do século XX, leis que permitiam e encorajavam a esterilização forçada foram aprovadas em vários países, incluindo a Alemanha, Japão e EUA. No contexto mais recente, em alguns países, pessoas pertencentes a certos grupos populacionais, incluindo pessoas que vivem com HIV, pessoas com necessidades especiais, povos indígenas e minorias étnicas continuam a ser esterilizadas sem seu consentimento livre e informado. (OMS, 2014) A OMS documentou que mulheres vivendo com HIV foram coagidas em algumas regiões, como a África do Sul, a assinar formulários de consentimento para procedimentos de esterilização como condição para receber antirretrovirais e outros tratamentos para o vírus, além de tratamento pré-natal para uma gravidez corrente ou outros serviços reprodutivos. Frequentemente, não são apresentadas às meninas e às mulheres indígenas escolhas relativas a métodos contraceptivos. Além disso, as informações dificilmente são oferecidas em formatos acessíveis e em suas línguas nativas. (OMS, 2014) Nesse sentido, é possível citar o caso das esterilizações forçadas realizadas no Peru entre 1996 e 2000. O caso, julgado como um crime contra a humanidade, consistiu na esterilização de aproximadamente 300.000 mulheres indígenas, periféricas e analfabetas pelo governo. As mulheres que se recusassem a passar pelo processo eram obrigadas a pagar uma multa e eram notificadas que seus filhos não teriam acesso aos serviços de saúde. (BBC, 2002) Outro aspecto ressaltado pela Organização é o caso das mulheres neurodivergentes, que são frequentemente tratadas como se não tivessem controle, ou como se não devessem ter controle, sobre suas escolhas sexuais e reprodutivas; elas podem ser esterilizadas forçadamente ou obrigadas a terminar gravidezes baseadas na justificativa paternalista de que o procedimento é feito para o seu próprio bem. Em particular, a Convenção Internacional sobre os Direitos das 22 Pessoas com Deficiência afirma a capacidade legal das pessoas neurodivergentes e seus direito à igualdade e a não discriminação em todos os aspectos da vida, incluindo o direito de fundar e manter uma família e manter a sua fertilidade. Pais e guardiões se preocupam com gravidezes indesejadas em decorrência da vulnerabilidade dessas pessoas ao abuso sexual. Contudo, a esterilização não protege contra essa violência e não retira a obrigação de promover proteção contra esses atos. (OMS, 2014) 4.4 Planejamento familiar e os métodos contraceptivos e tratamentos de fertilidade O direito ao planejamento familiar envolve três esferas principais: acesso a bens e serviços de qualidade que tenham esse fim, informação e educação relativas à sexualidade e ao planejamento familiar e o direito ao consentimento informado. A comunidade internacional acordou, em 1994, com a Conferência Internacional para População e Desenvolvimento, que o planejamento familiar deve estar disponível para todos que o buscarem, e que os governos devem criar condições que suportem o direito das pessoas de planejar sua família. (UNFPA, 2012) O planejamento familiar é um serviço que deve ser integrado com os serviços de pré-natal e pós-parto, prevenção e tratamento da infertilidade, tratamento das consequências de abortos inseguros, tratamento das doenças do trato reprodutivo, prevenção e cuidado com as doenças sexualmente transmissíveis, fornecimento de informações, educação e aconselhamento sobre a saúde sexual e reprodutiva, prevenção e cuidado com as vítimas de violência contra a mulher e outras medidas que visem eliminar outras práticas violentas, tais como a mutilação genital. Em 2014, uma quantidade estimada de 225 milhões de mulheres nos países em desenvolvimento não tinha sua demanda por contracepção atendida. Nesses mesmos países, em 2015, 12,8 milhões de adolescentes não tinham acesso ao planejamento familiar, número o qual tende a crescer para 15 milhões até 2030, se mantidas as tendências atuais. Também é notável que às pessoas com necessidades especiais e aos idosos tem sido negado o acesso ao planejamento familiar, baseado na preconcepção errônea de que eles não possuem necessidades sexuais. (UNFPA, 2012) 23 Em geral, adolescentes encontram mais obstáculos que adultos para obter contraceptivos. Mesmo onde estes estão disponíveis, os jovens, especialmente os não casados, podem não consegui-los em função de políticas restritivas. Em países em desenvolvimento, 41% das adolescentes solteiras e sexualmente ativas têm uma necessidade não atendida por contraceptivos e, nessas regiões, em torno de 15% dos adolescentes entre 15 e 19 anos que são casados usam contracepção. A pílula e a injeção anticoncepcionais somam 70% das usuárias de contracepção, em seguida as camisinhas, com 21%. O DIU é usado por apenas 5% das mulheres nas regiões em desenvolvimento, em oposição a 38% utilizadoras nos países Árabes e 33% na Europa Oriental e na Ásia Central. Enquanto os anticoncepcionais injetáveis contam com 60% das usuárias no leste e no sul da África, a pílula é responsável por 55% delas nas regiões árabes e a camisinha masculina por quase metade no leste da Europa e no centro da Ásia. (UNFPA, 2016) 24 5. GRUPOS FRAGILIZADOS Como visto, a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, bem como o acesso à informação e serviços de saúde de qualidade, é ainda um grande desafio a ser alcançado e conquistado por muitas mulheres em todo o mundo. A violação desses direitos pode, infelizmente, ser vivenciada por qualquer mulher, em diferentes graus e circunstâncias. Mas existem grupos muito mais vulneráveis a esse tipo de violência e é muito importante ressaltar a necessidade de se destinar grande atenção a essas populações ao se discutir tal tema. É importante ressaltar que identificar os grupos vulneráveis não consiste em compreender tais grupos como frágeis, fracos ou de algum modo pouco capazes de se articulares, mas sim de observar que estes acabam se tornando socialmente mais propensos a vivenciarem mais facilmente a violência e a não garantia de seus direitos sexuais e reprodutivos. Além disso, observa-se o fato de essas populações poderem também experienciar tipos específicos de violência sexual ou reprodutiva, como no caso das mulheres lésbicas. Esses grupos em geral se tratam, muitas vezes, de mulheres que, além de serem oprimidas pelo simples fato de serem mulheres, ainda sofrem outros tipos de subjugação social que as tornam mais suscetíveis à violação de seus direitos sexuais e reprodutivos, como o racismo, a lesbofobia ou as precárias condições de vida em que se encontram. 5.1 Mulheres presidiárias Segundo o relatório “Causas, Condições e Consequências do Encarceramento Feminino” apresentado em 2013 para a Assembleia Geral das Nações Unidas, por RashidaManjoo, as mulheres presidiárias representam cerca de 2 a 9 por cento da população mundial. Na América Latina, delitos relacionados ao tráfico de drogas são o principal motivo do encarceramento feminino (GIACOMELLO, 2014). Na América do Norte, cerca de 209.000 mulheres estão encarceradas, sendo 205.400 só nos Estados Unidos. Em toda a América, estima-se um total de 297.663 detentas (WORLD PRISION BRIEF, 2015). Nesse cenário, é importante destacar que muitas mulheres não estão presas em locais adequados e, além de superlotadas, as penitenciárias femininas em muitos países se encontram em condições extremamente precárias e muitas delas 25 não oferecem nenhum tipo de auxílio às detentas em relação às suas necessidades de saúde ginecológica, psicológica, de higiene ou em caso de gravidez. Em grande parte dos casos, nota-se que o Estado oferece às detentas as mesmas condições que são oferecidas aos homens presidiários, sem considerar nem as diferenças biológicas nem as diferenças sociais entre esses dois grupos e suas implicações: além de menstruarem, engravidarem, abortarem e precisarem de exames periódicos, como o papanicolau, e mais papel higiênico que os detentos homens, por exemplo, as mulheres presidiárias geralmente foram vítimas de abuso e violência sexual durante a vida, criavam seus filhos sozinhas ou com pouco amparo e foram presas cometendo delitos não violentos, muitas vezes, apoiando algum parceiro. Além disso, são frequentemente estupradas e são levadas a usar a atividade sexual como moeda de troca dentro dos presídios (QUEIROZ, 2015). Muitas vezes, os casos mais graves de violação dos direitos sexuais e reprodutivos se relacionam ao período de gestação, parto e maternidade. Muitas vezes, as mulheres presidiárias engravidam durante o período de cárcere, o que pode ser muitas vezes reflexo de abusos sexuais dentro da prisão, e há casos em que as mulheres são apreendidas já gestantes. Existem alguns locais, como o Canadá, que possuem programas e legislações muito positivos no que tange o tratamento a mulheres grávidas em custódia, prevendo, por exemplo, a garantia do direito de um parto seguro, de amamentar a criança durante meses após o nascimento e até mesmo a busca por penas alternativas que permita à mulher participar de forma mais presente durante o crescimento da criança (CCPHE, UNIVERSITY OF BRITISH COLUMBIA, 2015). No entanto, não é isso que ocorre na maioria das penitenciárias da América. Não raro, as mulheres são obrigadas a realizar o parto dentro das celas, com auxílio de outras detentas, ou sob condições mínimas de segurança e higiene, além de terem seus direitos como mãe bastante restringidos. Há casos ainda em que as crianças recém-nascidas vivem dentro das penitenciárias com suas mães durante períodos significativos (QUEIROZ, 2015). Além disso, o aborto é uma realidade, não só nas penitenciárias, mas em toda a sociedade. Ainda assim, em muitos países ele é considerado ilegal, sujeitando inúmeras mulheres aos riscos de abortos clandestinos. Dentro dos presídios, contudo, a situação pode se tornar ainda mais grave, visto que, além de estarem em locais muito sujos e precarizados, essas mulheres muitas vezes não contam com 26 amparo médico adequado e estão impedidas de buscar auxílio em outros locais em caso de complicações durante os procedimentos. 5.2 Mulheres indígenas e afrodescendentes No caso das mulheres indígenas e negras, é preciso considerar as peculiaridades dessas populações na sociedade em termos de posição social, de diversidade cultural, de acesso às instituições de saúde esegurança pública e também o assédio e a violência baseados em questões raciais. De modo geral, esses contextos agravam muitas vezes a dificuldade de acesso aos direitos sexuais e reprodutivos, implicando maior vulnerabilidade à violência. 5.2.1 Mulheres indígenas Tendo em vista a grande diversidade de povos indígenas nas Américas, as temáticas a eles relacionadas vêm sendo bastante discutidas na Organização dos Estados Americanos. Contudo, é necessário ressaltar que quando se fala sobre garantia de direitos a povos indígenas, existem importantes aspectos a serem considerados, como as diferenças culturais e as peculiaridades ao adentrar os territórios indígenas tanto geograficamente quanto culturalmente. Não se deve entender esses povos nem como homogêneos nem como incapazes ou necessitados, vitimando-os. Nesse sentido, não se deve também impor a essas mulheres determinadas concepções acerca dos direitos sexuais e reprodutivos comuns aos povos não indígenas, as quais podem não ser facilmente compreendidas pelos costumes de seus povos, mas sim buscar entender as dificuldades por elas apontadas e pensar em alternativas pouco invasivas e que respeitem seus valores culturais. Dentre os mais frequentes problemas enfrentados por mulheres indígenas, as dificuldades de acesso a atendimento médico (quando desejado) e doenças sexualmente transmissíveis, além de lesões ginecológicas e anemia, podem ser destacadas no contexto dos direitos sexuais e reprodutivos. Há também um grande problema relacionado à violência sexual sofrida por mulheres indígenas, principalmente em áreas de conflitos, como no caso de alguns locais na Colômbia. Além disso, ainda existem fatores socioculturais que se relacionam a essa temática, como a valorização de numerosas famílias, por exemplo, implicando maiores taxas 27 de reprodução e, consequentemente, maior número de gestações e período de dedicação das mulheres às atividades relacionadas à maternidade. É importante ressaltar novamente que a diversidade indígena nas Américas é muito grande e as generalizações feitas devem ser consideradas apenas para breve compreensão. 5.2.2 Mulheres afrodescendentes Considerando o contexto geral das Américas, é inegável o fato de que o racismo se faz muito presente no cotidiano de muitas populações afrodescendentes. Na maioria dos casos, grande parte das populações pobres, que não dispõem de acesso à saúde e à educação de qualidade ou que vivem em locais de risco são negras. Nesse cenário, encontram-se as mulheres que muitas vezes trabalham em jornada dupla, que são mães e que sofrem assédio e racismo todos os dias. Tendo em vista que muitas vezes o fator racial se relaciona intimamente com a classe social dos indivíduos, as dificuldades financeiras enfrentadas por muitas mulheres negras em diversos países das Américas se conectam diretamente ao restrito acesso à saúde reprodutiva de qualidade, incluindo acompanhamento prénatal, atendimento ginecológico, aquisição de bens de higiene pessoal, preservativos etc.. Ademais, em muitos casos, a ocorrência de gestações não desejadas, inclusive na adolescência, e a falta de planejamento familiar podem agravar ainda mais a situação, sobretudo em países em que a realização de aborto não é totalmente legalizada. Na América Latina, o aborto é proibido em todas as circunstâncias (incluindo abortos espontâneos, vítimas de estupros e mulheres que correm risco de vida) em sete países: El Salvador, Chile, Honduras, Nicarágua, Haiti, Suriname e República Dominicana. Assim, em todos esses países e também naqueles em que o aborto é legalizado somente em algumas situações existem significativas taxas de procedimentos clandestinos. Contudo, grande parte desses abortos não sãorealizados de forma segura e aqueles que o são geralmente apresentam preços altíssimos, ficando praticamente restritos às mulheres com maior poder aquisitivo. Relembrando o fato de que grande parte das populações com baixo poder aquisitivo é negra, pode-se observar que, portanto, as mulheres que mais sofrem com abortos clandestinos também são negras. 28 Além das condições sociais em que muitas mulheres negras se encontram, outro fator relevante nesse sentido trata-se da fetichização e do turismo sexual cujas vítimas são frequentemente mulheres afrodescendentes. Assim, muitas são estupradas, adquirem doenças sexualmente transmissíveis e engravidam sem terem desejado. 5.3 Mulheres em zonas de conflito e tráfico No caso das mulheres em zonas de conflito e tráfico, observa-se um cenário bastante complexo em muitos casos. Além de todos os danos sofridos por toda a população envolvida nos conflitos, como mortes, doenças, impactos psicossociais e outros inúmeros traumas, as mulheres são muitas vezes condicionadas a uma série de violações de seus direitos sexuais e reprodutivos e não têm quaisquer amparos ou formas de se distanciar desses locais. Dois dos maiores problemas nesse sentido são a grande ocorrência de estupros e a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. As mulheres inseridas nesses contextos são, como se pode imaginar, as maiores vítimas dessas ações. Além disso, a prostituição, a tortura, as gestações não desejadas, os abortos clandestinos sem condições básicas de segurança e higiene também são bastante frequentes nesses cenários. Outro aspecto importante a se ressaltar é o fato de que, muitas vezes, mulheres acabam se tornando cúmplices ao auxiliar seus parceiros em zonas de tráfico, colocando suas vidas em risco e sendo condicionadas a uma maior exposição e perigo no que tange à integridade sexual e reprodutiva. O tráfico sexual de mulheres também se faz bastante presente em regiões já fragilizadas pelo tráfico de narcóticos e outros conflitos. Assim, essas mulheres se tornam muito vulneráveis à violência sexual, mas geralmente se encontram em locais extremamente conturbados, que não contam com assistência governamental ou o mínimo de segurança possível. 5.4 Profissionais do sexo As mulheres profissionais do sexo se destacam dentro dessa temática por talvez serem um dos grupos mais vulneráveis a vivenciar a exploração e a violência 29 sexual e a serem infectadas por doenças sexualmente transmissíveis. Na grande maioria dos casos, as profissionais do sexo são condicionadas a péssimas condições de vida e trabalho. Trabalho este, inclusive, que se trata de uma evidente exploração do corpo feminino por meio da venda de serviços sexuais. É importante ressaltar que grande parte dessas mulheres são estupradas cotidianamente e em muitos casos não possuem qualquer tipo de amparo psicológico, médico ou policial. Isso ocorre, geralmente, devido aos estigmas e à discriminação relacionados a essas populações e também ao fato de a violência sexual ser muitas vezes institucionalizada, como no caso de profissionais do sexo sendo estupradas por policiais ou não tendo seus testemunhos e denúncias legitimados. Em todo o mundo, cerca de 50% das pessoas infectadas pelo vírus HIV são mulheres. Em alguns locais no Caribe, por exemplo, esse número pode chegar a 60%. Assim, percebe-se que há uma vulnerabilidade muito grande imposta às mulheres de modo geral para adquirir doenças sexualmente transmissíveis e ainda mais às profissionais do sexo. Além disso, quando portadoras de alguma DST, muitas profissionais não buscam ou não recebem tratamento ou atendimento adequados devido à falta de infraestrutura de saúde pública, à discriminação ou à dificuldade de acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, agravando ainda mais a situação. 5.5 Mulheres lésbicas Considerando a situação de discriminação à comunidade LGBT nas Américas, observa-se um alarmante cenário de intolerância e violência. No caso das mulheres lésbicas, isso se agrava ainda mais pelo simples fato de essas serem mulheres. Assim, além da misoginia, essas mulheres sofrem também com a lesbofobia, que desperta uma série de violências específicas destinadas às lésbicas. O principal desdobramento da lesbofobia, no que tange aos direitos sexuais e reprodutivos, trata-se do “estupro corretivo”, que consiste no estupro cujo suposto motivo seria forçar as mulheres lésbicas a se tornarem heterossexuais, “corrigindoas”. Segundo Maribel Reyes, secretária nacional da Rede Peruana LGBT, essa é uma prática recorrente e “se manifesta de diferentes formas, que vão desde insultos, 30 passando pela agressão física e chegando a ameaças de estupro”. Contudo, geralmente esses estupros são realizados muito mais como uma forma de punição do que como de fato uma tentativa de “correção”. Além disso, as mulheres lésbicas muitas vezes sofrem bastante discriminação em relação à maternidade e principalmente sobre a constituição de suas famílias. Há também um sério fator relacionado à invisibilidade das mulheres homossexuais, inclusive durante atendimentos ginecológicos e outros serviços destinados a atender esse tipo de necessidade, em que as mulheres lésbicas não têm sua sexualidade considerada e, consequentemente, nem suas particularidades ligadas à saúde e aos direitos reprodutivos. 31 6. POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA: ATUAÇÃO DO ESTADO E DE ORGANISMOS NÃO GOVERNAMENTAIS É importante diferenciar, no âmbito da atuação governamental, políticas de assistência, de reparação e deveres do Estado. Em geral, assistência social se refere a um grupo de medidas de última instância para garantir condições básicas de vida para aqueles que não têm condições de obtê-las. Podemos exemplificar esse conceito com o sistema público de saúde e a previdência social do Brasil e a política de Welfare canadense. As políticas de reparação, por sua vez, dizem respeito a compensações dadas a grupos que são vítimas de violações dos direitos humanos, tais como cotas de gênero ou raciais e cessão de territórios protegidos a grupos quilombolas e indígenas. Finalmente, é parte do escopo dos deveres do governo garantir ao cidadão os seus direitos civis, políticos e sociais, dentre os quais está garantida uma vida livre de violência. A importância dessa diferenciação está em pontuar que certas medidas não podem ser consideradas políticas de assistência, uma vez que não se tratam de ações complementares do governo para elevar o padrão de vida de grupos fragilizados, mas da garantia de uma vida digna aos grupos alvos. No que tange às mulheres, é de suma importância e inerente ao estado questão da proteção contra a violência de gênero através da criação de legislações e de órgãos específicos. As mulheres possuem necessidades diferentes dos homens com relação ao acesso à saúde e à garantia de determinados direitos que não se estendem à população masculina. Seus direitos sexuais e reprodutivos são exemplos das diferenças físicas e sociais que acometem as mulheres a uma posição diferente em seus círculos, comunidades, e país. A capacidade de tornar-se mãe é considerada uma obrigação natural designada às mulheres e a maternidadeacaba por se transformar em um evento compulsório em suas vidas. Mesmo assim, não é oferecido a elas nenhum tipo de assistência e suporte para esse momento de suas vidas, que pode representar riscos, traumas e a interrupção de projetos e de seus desenvolvimentos econômico e social. A saúde pública é um assunto de preocupação governamental. No entanto, existem países que terceirizam ou transferem essa responsabilidade para o setor privado, o que representa, na maior parte dos casos, a perda do controle e a não institucionalização das práticas hospitalares e de atendimento aos pacientes. O 32 mesmo pode acontecer com a educação e a reclusão daqueles indivíduos que fazem parte do sistema carcerário. A privatização tem como consequência a precarização do serviço similar que é oferecido pelo governo sem custos à população, uma vez que se torna uma alternativa acessível apenas para uma parcela da população que é capaz de pagar pelo atendimento. Dessa forma, um mesmo serviço é oferecido em diferentes níveis de qualidade, para diferentes camadas da população e aqueles que não são capazes de pagar por um direito básico que deveria ser assegurado a todos, são obrigados a se submeter a um atendimento deficiente. Quando a prestação de um serviço essencial é oferecida por um setor privado e não pelo governo, a busca pelo lucro torna-se, inevitavelmente, uma prioridade. A chamada indústria da cesárea é uma consequência da capitalização do atendimento á parturientes e da intervenção negativa do setor privado na área da saúde. A violência obstétrica, de muitas formas, acontece devido a uma cultura de lucro sobre os partos. Nos países em que o sistema público de saúde não oferece um serviço de qualidade a todas as gestantes e uma carreira satisfatória aos profissionais da saúde, é recorrente que a equipe médica recorra às cesáreas, um método mais rápido e de custo elevado, mesmo sem necessidade. Em alguns países, a equipe recebe mais dinheiro à medida que realiza mais partos, resultando na utilização da cesárea como uma opção ás gestantes, que sob coerção da equipe, acabam por escolher esse método, sem entender as complicações decorrentes da operação e os malefícios à própria saúde e da criança. Outra face da violência obstétrica, a violência psicológica, verbal e o acompanhamento não humanizado das gestações, também se relacionam com a indústria da cesárea. As gestantes devem acompanhar seu período gestacional com uma equipe médica que não fornece informações que possam ser compreendidas, assimiladas e que garantam a ela a segurança e conhecimento necessários para tomar decisões em seu favor e em favor de seu filho. O problema do “vocabulário médico” torna a relação médico-paciente hierarquizada e incompatível, não permitindo às mulheres que tenham acesso ao plano de parto humanizado e autonomia sobre seu corpo, uma vez que todo o processo demanda tempo, que pode representar uma diminuição dos lucros nos procedimentos obstétricos. Em posições mais graves, a violência física se faz presente na figura do médico que, 33 sem consentimento da parturiente, realiza a episiotomia, um corte na região pélvica abaixo da vagina, feito para aumentar sua abertura e acelerar o parto natural. Os desdobramentos desse cenário se estendem para além do hospital. A indústria da cesárea acaba por construir também uma cultura da cesárea. Menos mulheres se interessam pelo parto natural e pelas vantagens na construção do plano de parto humanizado. Com a falta de demanda pelo parto natural e a ideia da incapacidade da mulher em realizar seu próprio parto, profissionais do seguimento, como as doulas, perdem seu espaço e com o tempo diminuem em número. O ensino formal de médicos e enfermeiras volta-se exclusivamente para os procedimentos que envolvem a cesárea, tornando-os despreparados e incapacitados para auxiliar a mulher que deseja o parto natural. A falta de políticas públicas e ausência do governo geram também outro tipo de deficiência. A prática do aborto clandestino é um exemplo da necessidade de inclusão das mulheres nas políticas públicas. A condenação moral da prática do aborto, advinda de preceitos religiosos e culturais, não impede que a prática aconteça; apenas distancia as pacientes de um atendimento adequado e seguro. Se o serviço não é prestado em hospitais, sob a supervisão de profissionais capacitados e em condições seguras e higiênicas, mulheres que não desejam levar sua gestação adiante procurarão outras vias para realizar o procedimento, colocando em risco sua vida. Nesse sentido, podemos citar ações que podem ser tomadas por governos no sentido de efetivar a qualidade de vida das mulheres. Em Israel, por exemplo, existe uma política de reinserção de ex-presidiárias na comunidade através da disponibilização de bolsas de estudo em universidades, o que tem aumentado a renda desse grupo e ampliando os horizontes de suas família, já que, de acordo com Ben MosheGa’ash, criminologista clínica israelense, grande parte das ex-presidiárias é a única responsável financeira por seus filhos. Outro exemplo de atuação conjunta do Estado com terceiros para reabilitação de mulheres é o caso das prostitutas e ex-prostitutas auxiliadas pelo grupo BrakingFree, nos Estados Unidos. A organização, em parceria com as forças policiais e os escritórios de promotores de Minnesota, busca tratar a prostituição 34 como violência contra a mulher e oferecer moradia, tratamento médico e psicológico, e auxílio jurídico. Finalmente, podemos citar os casos de mulheres que foram vitimadas por conflitos políticos, tal como aconteceu na Colômbia, onde o governo sancionou, em 2011, uma lei de reparação para as vítimas. Desde então, movimentos de autoorganização das mulheres vem conquistado espaço nos debates sobre a reparação do conflito, tal como aconteceu em 2013 na Cimeira de Mulheres e Paz. Essa reunião, que aconteceu em parceria com a ONU Mulheres, reuniu cerca de quinhentas representantes de diferentes setores da Colômbia, que elaboraram 810 propostas. Estas foram apresentadas à mesa de negociações em 2015. As propostas desse movimento incluíam a criação de uma comissão da verdade para investigar os crimes sexuais – o que é, inclusive, uma medica recorrente, que aconteceu na Nigéria e na África do Sul, por exemplo – a proteção das vítimas e medidas de melhoria do acesso à educação e à saúde das vítimas, além de tratar de medidas específicas para as mulheres do campo. 35 7. PERGUNTAS A SEREM RESPONDIDAS Até que ponto as mulheres são vítimas do controle masculino e subordinação patriarcal, e ao mesmo tempo são agentes que escolhem e decidem por si mesmas? Como cada ser humano existe em um nexo de relações sociais e se enreda nas estruturas e sentimentos de pertencimento, dependências, ordens simbólicas e regimes normativos relevantes, até que ponto é possível falar de livre escolha, autonomia, autodeterminação e empoderamento? Analisando o contexto da América Latina, há simetria entre o tratamento de mulheres e homens presos? Como o sistema penitenciário feminino deve se diferenciar do masculino? Prisões mistas são benéficas para o direito reprodutivo feminino? É a melhor solução quando o Estado não tem recursos financeiros para construir outra? O atual sistema de controle de drogas influencia o comportamento de mulheres presas? Como o acesso a recursos médicos e de planejamento familiar funciona nos carteis latinos? O sistema médico latino garante acesso integral ao pré e ao pós-natal de uma gestante? Qual a melhor forma de lidar com o alto índice de violência obstétrica dentro dos hospitais e dos sistemas de justiça? O sistema penal deve atender grupos mais marginalizados de mulheres apenas com mulheres da área? Homens podem ajudar no tratamento psicológico de vítimas que sofreram violências sexuais? A discriminação sexual para com as mulheres indígenas deve ser levada em consideração na América Latina, continente com maior presença de indígenas remanescentes? Deve haver restrições para o acesso ao uso de pílulas emergenciais? O aborto é uma forma de garantir a saúde pública? Deve haver restrições ao aborto? A legalização do aborto é viável diante dos índices de criminalidade e desigualdade social na América? Como as profissionais do sexo se relacionam com seus direitos sexuais? 36 Existe excessiva exploração do corpo feminino entre os serviços sexuais? Como o Estado deve se posicionar quanto a isso? As vantagens da liberação da prostituição compensam seus danos? A legalização do aborto é viável diante dos índices de criminalidade e desigualdade social no Brasil? O sistema educacional latino pode incluir profissionais do sexo em seu meio? Como? A discussão sobre direito reprodutivo melhora a condição da mulher na América em quais âmbitos? Como o Estado pode garantir essa discussão a todas? As estratégias nacionais de prevenção à mortalidade feminina são eficazes? 37 8. POSICIONAMENTO DOS ATORES INTERNACIONAIS 8.1 Argentina A Argentina avançou em questões reprodutivas durante o governo de Cristina Kirchner. A Lei (26.862), de Fertilização Assistida, sancionada pelo Congresso Nacional argentino e regulamentada em 23 de julho de 2013, garante o acesso de toda pessoa maior de idade, qualquer que seja sua orientação sexual, às técnicas de reprodução médica de baixa e de alta complexidade tanto no sistema público de saúde, quanto nos planos privados. A iniciativa contempla ainda os casos de menores de 18 anos com problemas de saúde que podem comprometer sua capacidade de procriar no futuro e autoriza o congelamento de gametas ou tecido reprodutivo. Esse direito foi conquistado após muitas discussões no Congresso argentino. Apesar disso, abortar é um crime na Argentina, embora não haja punição nos casos de risco à saúde e à vida da gestante ou nos casos em que a gestante seja portadora de deficiência mental cuja gravidez tenha sido decorrente de estupro. Na prática, os abortos legalmente permitidos são raros porque não há um regulamento claro sobre o acesso a esse procedimento. Em paralelo a isso, a criminalização do aborto contribui para o funcionamento de “clínicas” clandestinas que realizam aborto com muito pouco respeito à saúde e à vida das mulheres. Denúncias feitas pela HRW em 2005 mostraram medidas extremas de mulheres em suas tentativas domésticas, como por exemplo, tentar provocar o aborto com agulhas de tricô, sondas, caule de planta, ou o uso de medicamentos abortivos sem aconselhamento médico em solo argentino. Quando as mulheres sofrem hemorragia e infecções, causadas por abortos incompletos feitos em condições precárias, colocando-as em risco de vida, recorrem aos hospitais públicos. Porém, muitos profissionais de saúde pública adotam uma postura discriminatória, recusando a essas mulheres um tratamento médico adequado. Os médicos que fazem curetagem pós-aborto — um procedimento altamente doloroso que envolve a raspagem do revestimento uterino com um instrumento em forma de colher (cureta) — às vezes fazem esse procedimento sem anestesia. As mulheres que temem um processo criminal depois de ter se submetido 38 ao aborto clandestino são desencorajadas de procurar um tratamento pós-aborto adequado, o que frequentemente prejudica seriamente a saúde delas posteriormente. Por outro lado, em 2006, o governo argentino emitiu um guia de fornecimento de serviço e tratamento pós–aborto humanizado, imediato e efetivo. Durante esse processo, o governo reconheceu que, promovendo o acesso de serviço e tratamento adequado pós-aborto, poderia prevenir a perda de muitas vidas além de outros problemas evitáveis ligados a saúde que são causados pelo aborto clandestino na Argentina de hoje. 8.2 Bahamas Em 1992 foi eleita a primeira mulher para o Parlamento. Desde então, o país tem tido mulheres presidentes do Tribunal de Apelações e do Senado, membros do Parlamento, uma deputada, uma governadora geral e uma vice primeira ministra. Também há mulheres que ocupam altos postos no corpo de polícia e no início dos anos 70 formou-se um comitê de mulheres representantes das denominações mais importantes nas Bahamas. O serviço do Ministério da Saúde tem uma rede de 28 centros de saúde, 33 clínicas principais em Nova Providência e 35 clínicas satélites, estendidas pelas 30 ilhas bahamenses. O atendimento de mulheres grávidas pelo serviço pré-natal é intenso, incluindo desde exames gerais até detecção do vírus HIV. A legislação sobre o aborto tange os casos em que a gravidez simplesmente compromete a saúde física da mulher mesmo que a sua vida não esteja em risco. Uma área que exige atenção é a promoção da amamentação materna: menos da quarta parte dos recém-nascidos são alimentados exclusivamente pelo peito, nas primeiras 4 semanas. Há um aumento da incidência de câncer de mama e de próstata no país, por isso são destinados espaços mais amplos e melhores equipamentos aos serviços de cuidados oncológicos. Sobre a emancipação feminina, legalmente, as mulheres têm o mesmo status que os homens, mas estes tendem a controlar os postos de maiores salários e status. Ainda que haja mulheres que ocupem posições proeminentes, a situação das 39 mulheres pobres, com baixo nível de educação formal, não mudou muito com o passar do tempo. Nas ilhas de maior movimentação turística, as mulheres têm trabalho nos hotéis e restaurantes. Além disso, as Bahamas têm lutado contra o flagelo do abuso sexual e violações no país, principalmente pela influência cristã no território. No entanto, o país aprovou a adição de uma cláusula à legislação que diz: “As relações sexuais ou qualquer ato de natureza sexual cometido por um homem com a sua esposa, se a mulher não tiver menos de 14 anos, não é considerado violação”. 8.3 Barbados O Ministro da Transformação Social e Assuntos de Gênero de Barbados, Hamilton Lashley, falou sobre o tema da pobreza, relacionando-o às mulheres e ao problema do HIV e AIDS. O ministro Lashley explicou que, a despeito dos vários avanços ocorridos nos últimos anos nos países em desenvolvimento, a lacuna entre países pobres e ricos continua a aumentar. Ele enfatizou as relações entre pobreza e gênero, observando que uma grande porcentagem de domicílios pobres encabeçados por um único chefe de família e/ou que abrigam vários familiares são chefiados por mulheres, e explicou que educação e pobreza são inversamente proporcionais, enquanto que pobreza e HIV/AIDS são diretamente proporcionais. Chamando a pobreza de uma "ofensa à dignidade humana", o ministro Lashley pediu aos parlamentares que tratassem dessas relações com iniciativas inovadoras, tal como o programa Big Sister em Barbados, que divulga informações sobre mulheres e HIV/AIDS através dos meios de comunicação, e outras iniciativas mais tradicionais, como os programas de sensibilização e incorporação de gêneros oferecidos pelo Gabinete de Assuntos de Gêneros de Barbados. Além disso, sabe-se que é oferecida educação pública de qualidade em Barbados até o doutorado. Isso colabora para que a presença feminina no mercado possua índices próximos dos masculinos e, consequentemente, para melhoria do planejamento familiar. A prática é garantida pelo sistema de saúde público e privado do país a todos. No que tange ao aborto, atualmente, o país permite que em casos de comprometimento da saúde física ou mental da mulher e critérios econômicos se 40 realize o aborto. Os hospitais públicos oferecem o suporte para que esse procedimento seja feito, bem como as consultas pré e pós-processo abortivo. 8.4 Bolívia Após a chegada à Presidência em 2006 de Evo Morales, à frente de um governo de reivindicações indigenistas que recriou as bases do Estado com uma Constituição vigente desde fevereiro, os direitos da mulher foram muito reforçados. Apesar disso, no campo político, ainda há um preconceito enraizado da população por questões históricas de diferenças de gênero. As humilhações em público às vereadoras eleitas por voto democrático ou as chicotadas aplicadas como castigo pelas comunidades indígenas chamam atenção de diversos órgãos regionais e internacionais pelo ultraje aos direitos das mulheres. Foi essa realidade que levou, em um processo de consultas muito participativo, a propor o primeiro Projeto de Lei Contra o Assedio e a Violência Política em Razão de Gênero, ao concluir que somente assim se poderia defender o direito das mulheres de participar na política em condições de igualdade e segurança. Sobre a questão do aborto, o procedimento continua sendo ilegal na Bolívia, segundo uma sentença do Tribunal Constitucional Plurinacional que, no entanto, coloca em aparente contradição o compromisso do Governo do presidente Evo Morales de modificar leis e políticas públicas sobre a interrupção voluntária da gravidez de agosto de 2013. O Tribunal Constitucional pronunciou-se após uma longa e polêmica espera de quase dois anos. Durante esse período, a opinião pública se dividiu em dois grupos: os que avaliam que legalizar o aborto é uma questão de saúde pública e que deve ser respeitado o direito da mulher de decidir sobre seu corpo e outro que baseia sua rejeição ao aborto no direito à vida desde a formação do embrião, consagrado em várias convenções e declarações, bem como em princípios religiosos. Apesar disso, as cifras de especialistas em saúde e de algumas ONG que trabalham na Bolívia não são exatas devido ao caráter clandestino do aborto. Os cálculos mostram uma média de 185 casos por dia. Um estudo realizado em 2010 contabilizou 66.497 casos de aborto com complicações atendidas anteriormente em centros médicos do país. 41 Apesar disso, a legislação boliviana condena o aborto desde o século XIX. Atualmente, há uma pena de dois a seis anos de prisão para quem provocar a morte de um ser humano em gestação. Em março de 2012, uma deputada da base governista apresentou uma ação de inconstitucionalidade relacionada a treze artigos do Código Penal. Vários deles se referem ao aborto e à sua despenalização. Uma jornalista bolivariana, Sandra Aliaga, afirmou que uma de cada duas mulheres bolivianas teve uma gravidez não desejada em sua vida. Nesse sentido, aborto é um assunto de saúde pública que demanda política do Estado: 61% das mulheres bolivianas não usam métodos anticonceptivos, a maior parte por desconhecimento; 38,5% das gravidezes de adolescentes menores de quinze anos terminam em aborto e, segundo a OMS, 9% dos abortos realizados na Bolívia causam a morte da mãe. 8.5 Brasil A nação brasileira foi colonizada por Portugal e carrega raízes desse episódio até os dias de hoje. Um exemplo disso é a influência da religião cristã, que tem participação em diversos segmentos políticos, econômicos e sociais. O primeiro diz respeito ao número de representantes católicos no Congresso; o segundo à isenção de impostos a essa população; e por fim, o terceiro, relacionado ao direito reprodutivo feminino. O primeiro tópico a ser pontuado sobre a República Brasileira é o aborto. Na teoria, o procedimento é proibido — mas, na prática, mais de duas mil mulheres abortam todos os dias no Brasil de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Por lei, todo hospital público que possuir um serviço de obstetrícia é obrigado a oferecer o procedimento de interrupção da gravidez nos casos legais. Em casos de estupro, nenhuma documentação é exigida, mas em outros, como anencefalia do feto, são necessários dois laudos de médicos diferentes comprovando a condição. Com os documentos em mãos, toda mulher tem direito ao aborto. Nos últimos três anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou cem vezes mais procedimentos pós-aborto do que abortos legalizados. Em 2014, quase 200 mil mulheres passaram por um procedimento como curetagem ou aspiração (eles 42 podem ser necessários em casos de aborto espontâneo, ilegal ou de complicações pós-parto). Nesse mesmo ano, apenas 1,6 mil realizaram aborto legal, segundo dados preliminares do Ministério da Saúde. Há uma articulação entre os serviços prestados que permita às mulheres atendidas nos casos de auto aborto o acesso imediato aos serviços de planejamento familiar, evitando assim novos casos de gravidezes indesejadas. Por esse motivo, a questão do planejamento familiar é alvo de visibilidade atualmente. Há a disponibilização pelo Sistema Único de Saúde, determinada por lei, das novas técnicas para fertilização, atendimento pré-natal, assistência ao parto, puerpério e aoneonato, o controle das doenças sexualmente transmissíveis, o controle e prevenção do câncer uterino e de mama. Além disso, a Lei 9.263/96 prevê a definição das normas gerais de planejamento familiar pela direção nacional do SUS. Ainda não há uma regulamentação ampla e satisfatória no SUS, apenas uma série de Portarias que prevêem a disponibilização do serviço de planejamento familiar nos hospitais de atendimento ao parto, pré-natal e gestante de alto risco, e distribuição aos municípios, pelo nível federal, de métodos contraceptivos reversíveis. A lei permite a participação, direta ou indireta, de empresas ou capitais estrangeiros nas ações e pesquisas de planejamento familiar, desde que autorizada, fiscalizada e controlada pelo órgão de direção do SUS. O controle nos serviços privados é inexistente. No campo da pesquisa sobre regulação de fecundidade, estabelece como critério as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Além disso, existem psicólogas especializadas em direitos sexuais no SUS e em faculdades públicas, que não cobram as consultas. 8.6 Canadá No início da história do Canadá, o aborto era ilegal em todos os casos. A Emenda Criminal Adicional de 1968-69 descriminalizou o aborto nos casos em que uma comissão médica julgasse que era o melhor para a saúde da paciente. Em 1988, a Suprema Corte do Canadá decidiu que a lei era inconstitucional e derruboua, não existindo mais leis sobre o assunto e tornando-o, portanto, permitido. 43 O TrustLaw pediu a profissionais humanitários, acadêmicos, profissionais da saúde, gestores públicos, jornalistas e especialistas em desenvolvimento com experiência em questões de gênero para que classificassem os países do G20 entre os melhores e piores para as mulheres.Eles também fizeram rankings conforme seis categorias: qualidade da saúde, liberdade contra a violência, participação política, oportunidades profissionais, acesso a recursos como educação e direitos de propriedade e liberdade contra o tráfico e a escravidão. Dentro disso, os entrevistados são provenientes de 63 países nos cinco continentes, incluindo especialistas de agências da ONU, ONGs internacionais e instituições acadêmicas. O Canadá foi citado como o melhor lugar para ser mulher, por garantir a maior parte do que é necessário para o bem-estar e as liberdades básicas e reprodutivas das mulheres, bem como amplo acesso e divulgação dos métodos contraceptivos. 8.7 Católicas por elDerecho a Decidir Católicas pelo Direito de Decidir é um movimento católico e feminista independente, cuja busca é a justiça social na América Latina e no Caribe, uma das regiões mais desiguais do mundo. A organização luta pela mudança nos padrões culturais que limitam a sociedade, especialmente mulheres. O movimento tange o pensamento teológico feminista que afirma a justiça social, plurirreligiosidade e validade moral de decisões tomadas por mulheres. Além disso, periodicamente publica-se a Consciência jornal, que é distribuído por assinatura na América Latina. Ele faz a própria coordenação com a promoção dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres em campanhas regionais da América Latina, realizando seminários, cursos e workshops sobre questões éticas relativas à reprodução humana. Para avançar nos indicadores de saúde, é necessário a implementação de assistência mais qualificada ao pré-natal, incentivo ao parto natural e redução do número de cesáreas desnecessárias, ao planejamento familiar, ao climatério e assistência às mulheres negras e população LGBTI, como também o enfrentamento da violência contra a mulher. Todas essas ações, importantes e necessárias para 44 melhorar a qualidade da vida das mulheres, não conseguiram impactar de maneira considerável os índices de mortalidade materna. A meta estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) da ONU, que era de chegar a uma taxa de 35 mortes por 100 mil nascimentos até o fim do ano de 2015, não foi alcançada. Apresenta-se ainda cerca de 69 mortes por 100 mil nascimentos, quase o dobro da meta. Os motivos para que a mortalidade materna apresente índices tão altos estão relacionados a questões como a altíssima taxa de cesáreas, o excesso de intervenções desnecessárias, a falta de treinamento de equipes especializadas e a proibição do aborto. 8.8 Chile Em 2014, Michelle Bachelet voltou à presidência do Chile após derrotar nas eleições outra mulher, Evelyn Matthei. Embora isso signifique um avanço na igualdade entre os gêneros, a realidade evidencia que se avançou muito pouco na emancipação reprodutiva feminina. O Estado chileno, muito marcado pela moral religiosa, apresentou retrocessos recentes na questão do aborto. Nesse sentido, a mortalidade materna mantém-se inalterada no Chile e em toda América Latina. Uma razão para isso é a aliança entre o governo e a Igreja Católica, a qual ocorre em sete países que criminalizam o aborto e prendem mulheres por violarem essas leis. Dentre os sete, está o Chile, onde doze projetos de lei para descriminalizar o aborto foram rejeitados, pondo em risco a vida de milhares de mulheres4. Em 2012, havia 221 chilenas cumprindo penas por abortar ou ajudar a realizar esta prática. A respeito da mortalidade materna, foi-se estudado pela OMS (2013) que no Chile, 22 mulheres por 100 mil morrem. Essa é uma taxa alta para um país cujo índice econômico é elevado. Por outro lado, o Governo comemorou a aprovação de várias de suas iniciativas emblemáticas no período legislativo de 2014. Entre suas principais conquistas encontra-se a reforma tributária, a criação do Ministério da Mulher e a conclusão de uma das primeiras etapas da reforma educativa, que é a principal mudança estrutural proposta pelo Governo de Bachelet. 4 ECLAC (2015): Revisão Regional e Avaliação da Implementação da Plataforma de Ação de Pequim, Montevidéu, http://www.cepal.org/mujer/noticias/paginas/9/53409/C1421041–Beijing20–WEB.pdf 45 8.9 Colômbia A segunda causa de morte materna no país é o aborto. Em 2006, a Corte Constitucional da Colômbia descriminalizou o aborto em três casos especiais: quando a gravidez ameaça a vida ou a saúde das mulheres, em casos de estupro e/ou quando as malformações do feto são incompatíveis com a vida fora do útero, ou seja, para sua sobrevivência após o nascimento. Vale notar que a decisão da Corte colombiana utilizou como um dos fundamentos da decisão a teoria da ponderação entre a proteção constitucional do feto e os direitos fundamentais da mulher, reconhecidos constitucionalmente. A Corte considerou que os direitos constitucionais não são absolutos, devendo ser aplicado o princípio da proporcionalidade. Além disso, a Corte Constitucional colombiana invocou em sua fundamentação a doutrina chamada de “bloco constitucional” quando estes se encontram em conflito, e concluiu que “impor à mulher levar a gravidez adiante em qualquer circunstância vulnera seus direitos fundamentais”. Em 13 de dezembro de 2006, o governo emitiu o Decreto 4444, que é considerado uma chave com regras claras para garantir o acesso a serviços de aborto. O decreto vai ajudar a garantir a disponibilidade do aborto em todo o território nacional, nos casos e condições estabelecidas e que se aplicam a todas as mulheres que precisem do recurso, sejam elas cadastradas nos casos de emergências do hospital público do país ou não. Adicionalmente, também é preciso notar que os processos de mudança no contexto não são perenes, exigem atenção e negociação contínua, e que as conquistas são permanentemente questionadas como, por exemplo, a entrega de armas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) em junho de 2016. A isso, soma-se o fato de que não há isolamento na ação dos Poderes: um avanço no Poder Executivo pode ser questionado, complementado no âmbito do poder Legislativo ou Judiciário, ou qualquer outra combinação, assim como há um processo dinâmico entre ações locais ou nacionais. Sobre as FARC, os direitos reprodutivos dentro da região de influência eram anulados pelo poderio bélico e patriarcal existente. Nesse sentido, o governo fez 46 progressos e resultados: ampliação do número de Serviços de Saúde Amigáveis em nível nacional – 742 serviços em 556 municípios; fortalecimento das estratégias de Capacitação e Comunicação em Direitos Sexuais e Reprodutivos e em Saúde Sexual e Reprodutiva; articulação intersetorial efetiva: Saúde – Educação – Proteção; apoio financeiro a 600 empreendimentos da juventude; fortalecimento de habilidades nos recursos humanos dos Serviços Amigáveis para trabalhar com população de adolescentes e jovens. 8.10 Costa Rica A presença feminina na política da Costa Rica é vista positivamente pelo cenário internacional. O gráfico 2 mostra a evolução da quantidade de mulheres no poder legislativo da nação. Gráfico 2: EVOLUÇÃO DA PRESENÇA DE MULHERES NO PODER LEGISLATIVO (CÂMARA BAIXA E CÂMARA ÚNICA) (Em porcentagens) Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em dados da União Interparlamentar,“Women in NationalParliaments”. Disponível em: < http://www.ipu.org/wmne/worldarc.htm >Acesso em 29 de jun. 2016 47 Apesar desses dados, na Costa Rica, o aborto é considerado um crime pela Constituição, que afirma que a religião do Estado é católica, apostólica e romana, e estipula que a hierarquia católica pode participar de todas as questões relativas à sexualidade e reprodução (artigo 75). O artigo 121 do Código Penal permite que o aborto terapêutico seja autorizado quando ameaçando a vida e a saúde das mulheres. A presença católica em instituições de saúde também é vista, uma vez que o planejamento familiar e o direito reprodutivo não são alvos de debates nas salas de aulas do país. Além disso, a mortalidade materna também aponta para a necessidade de qualificar a política pública da saúde. No III Encontro Internacional sobre Mulher e Saúde, que aconteceu na Costa Rica em 1987, já havia um consenso de que 98% das mortes maternas poderiam ser evitadas. Elas acontecem, em sua maioria absoluta (99%), em países do Terceiro Mundo. Mesmo dentro dessas discussões, o avanço de políticas públicas referentes à sexualidade não progrediu. As normas de condutas e os programas voltados às mulheres ainda são precários e possuem apenas iniciativas de grupos de mulheres, os quais não possuem ligação ou recebem auxílio social e financeiro do governo. 8.11 Cuba Desde o triunfo da Revolução em 1959, o Estado cubano tem feito da emancipação da mulher uma de suas prioridades, com a criação, em agosto de 1960, da Federação de Mulheres Cubanas (FMC), fundada por Vilma Espín, que conta hoje com mais de 4 milhões de membros. Além disso, Cuba é o primeiro país do mundo a assinar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, e o segundo em ratificá-la. Em Cuba, as mulheres costumam se destacar nas áreas da saúde e educação de acordo com fontes governamentais. Na área da educação, o país conta, desde cedo, com políticas voltadas para o planejamento familiar, ensino de métodos contraceptivos e em relação a sua inserção no mercado de trabalho. Atualmente, as mulheres cubanas também ocupam cerca de 40% dos cargos parlamentares (sem que sejam definidas cotas) e existe paridade no nível primário 48 de ensino, sendo que meninas superam os meninos nos níveis escolares secundário e terciário. Pode-se perceber tal fato desde a chegada à Ensap (Escola Nacional de Saúde Pública), quando houve maior presença de coordenadoras e de professoras mulheres. Até o contato com médicas, enfermeiras, deputadas tornou-se mais frequente. A taxa de mortalidade infantil é de 4,6 por mil, ou seja, a mais baixa do continente americano — incluindo o Canadá e os Estados Unidos — e do Terceiro Mundo. Em relação a isso, aborda-se o tema sobre legalização do aborto, conquistada ainda nos anos de 1960, o que mostrou também como se prioriza a autonomia e o respeito à mulher. As mulheres podem exercer suas escolhas na área da reprodução e realizar abortamento seguro até as 12 semanas de gestação. Mesmo que não sejam vítimas de estupro ou que a gestação não apresente risco de morte materna. A única restrição de acesso ao aborto é a de que as mulheres solteiras com menos de 18 anos de idade necessitam do consentimento dos pais para realizá-lo. Ademais, o código penal vigente desde 1979 estabelece penas severas para o aborto ilegal, que é, por definição, o praticado com finalidade de lucro, feito fora do hospital ou sem o consentimento da mulher. 8.12 Enlace Continental de las Mujeres Indigenas de las Americas (ECMIA) A rede de organizações de mulheres indígenas nas Américas (Enlace Continental de las Mujeres de Latinoamercia y el Caribe) foi criada em 1993 por meio de uma iniciativa de mulheres indígenas no Canadá. Atualmente, a rede tem a sua sede localizada no Panamá e está presente em cerca de 20 países na América do Sul, América Central, Caribe e América do Norte. Os principais assuntos tratados por essa organização se relacionam aos direitos das mulheres, aos direitos indígenas e do uso da terra, à luta pela preservação do meio ambiente e pela garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. Dentre os principais objetivos do ECMIA, se destacam o fortalecimento da comunicação e apoio mútuo entre as mulheres indígenas das Américas, compartilhando suas lutas e realidades socioeconômicas, além da promoção de capacitação para mulheres indígenas para que elas participem cada vez mais em sua comunidade. A organização busca constituir um espaço de intercâmbio de 49 experiências entre as mulheres indígenas das Américas, visando o compartilhamento de soluções para os problemas enfrentados diariamente em seus diferentes contextos (GLOOBAL, s.d.). Além disso, o ECMIA sempre organiza e participa de vários eventos relacionados às temáticas trabalhadas pela organização, como a Conferência Global das Mulheres Indígenas e o Encontro Continental das Mulheres Indígenas das Américas. Nesse sentido, o ECMIA busca fomentar a participação e a visibilização das mulheres indígenas como protagonistas e agentes transformadoras dentro de suas comunidades, lutando pela garantia e exercício pleno de seus direitos (GLOOBAL, 2012). 8.13 Equador Em setembro de 2006, uma nova legislação de saúde foi implantada no Equador. Ela visa livre acesso a contraceptivos e a possibilidade de que os médicos possam interromper a gravidez quando esta põe risco à vida da mãe, quando a mulher foi estuprada e quando o feto possui problemas mentais. Sobre essa questão, "O Estado reconhece a mortalidade materna, a gravidez na adolescência e aborto em condições inseguras, como problemas de saúde pública. Por isso, ele garante o acesso a esses serviços em hospitais públicos sem nenhum custo para os usuários, conforme exigido pela Lei de Livre Maternidade". Além disso, em 2008, foi criado no Equador, de forma participativa, o Plano Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, enquadrado no Plano Andino de Prevenção da Gravidez na Adolescência, sendo um dos seus eixos prioritários a participação da juventude. Isto levou ao processo de criação da Comissão Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, como resposta à necessidade de espaços para o envolvimento permanente e proativo da juventude nas políticas públicas a seu respeito. Neste caso específico, era indispensável incluir suas vozes, demandas e propostas para falar sobre a gravidez na adolescência. O governo equatoriano mostra que a utilização de diferentes métodos contraceptivos não depende do consentimento dos pais no caso de menores de idade ou do cônjuge. Todavia, o governo do Equador tem uma situação de restrição em torno da contracepção de emergência, que foi iniciada com o veto ao uso pelo 50 poder público, mas posteriormente foi estendida a todos os setores, estando vedada até hoje a venda e comercialização deste tipo de contraceptivo. 8.14 El Salvador Apesar de ser um dos países da América com maior percentual de mulheres em cargos executivos e legislativos (30%, em comparação com uma média que varia entre 9% e 15%), El Salvador têm dificuldades em efetivar a participação e a eficácia do sistema judiciário no que tange às mulheres. O país, tendo ratificado uma série de convenções da OEA referentes à violência de gênero e à saúde materna, trabalha com a articulação entre órgãos para efetivação dos tópicos destes documentos. Nesse sentido, foram criadas unidades especiais na força policial para lidar com casos de violência sexual e de gênero, e foi reconhecida a necessidade de treinamento especializado nesse tipo de caso para os promotores do Estado. Entretanto, dos 8.108 casos de violência sexual reportados no país em, apenas 483 resultaram em condenação, o que reflete um quadro de impunidade no país. O CIDH atribui esse número a fatores como a dificuldade de acessar a justiça, cujos processos muitas vezes levam à revitimização das denunciantes e ao fato que o maior número de agressores se trata de parentes e conhecidos. É notável que os esforços da justiça de El Salvador ainda se direcionam a manutenção da unidade familiar ao invés da proteção da vítima. Dos 392 casos de violência doméstica reportados entre janeiro e maio de 2008, apenas 12 saíram da esfera administrativa. Nos demais, as mulheres são coagidas a fazer um acordo com o agressor e a voltar a conviver com ele para que a família não seja separada. O país se destaca pela criminalização irredutível do aborto, inclusive em casos de estupro e abortos naturais. Existe uma campanha extensiva por parte de organizações, como a Anistia Internacional, para expansão do direito ao aborto seguro às mulheres e para a libertação das prisioneiras condenadas por esse motivo. El Salvador é, também, um país foco de tráfico humano. As mulheres salvadorenhas são traficadas, em geral, para a América do Norte para se 51 prostituírem. O CIDH estima que em torno de 2.000 mulheres entre 19 e 25 anos hondurenhas e salvadorenhas estejam nessa condição e que o tráfico de menores de idade também vem aumentando significativamente. Recentemente, o país aprovou uma lei que se tornou referência no tratamento compreensivo das vítimas de violência de gênero, a Lei Especial Integral para uma Vida Livre de Violência para as Mulheres. Esta confere uma série de direitos ás vítimas, expande o número de comportamentos reconhecidos como violência de gênero, estabelece um fundo para reparação, entre outras medidas. Outras medidas que podem ser citadas são a ratificação de um estatuto da profissão de professor que previne o assédio nas salas de aula e o tratamento de assédio sexual no ambiente de trabalho como uma ofensa criminal e não trabalhista. 8.15 Estados Unidos da América Os Estados Unidos da América enfrenta uma dificuldade histórica para implementar programas de corresponsabilidade do governo e da iniciativa privada no que concerne à saúde materna. Enquanto a diferença salarial entre homens e mulheres sem filhos no país é de 30%, a disparidade com relação às mães em relação aos homens é de 40%. Assim, não é assegurada às mulheres estabilidade no período de pré-natal, natal e pós-natal, além de não ser obrigatória a licença maternidade remunerada. A maternidade é um fator de discriminação no ambiente de trabalho na medida em que, segundo a HumanRightsWatch, mães são 47% menos recomendadas para contratações, são consideradas menos competentes e comprometidas por entre 10% e 15% dos empregadores e são mais estritamente avaliadas em quesitos como pontualidade e performance. No que tange aos direito ao aborto seguro, a legislação federal não estabelece proibições desde 1973, mas as leis estaduais variam quanto ao nível de liberdade dada às mulheres. Enquanto alguns permitem a prática somente em casos como de aborto, outros, como Nova Iorque dão à mãe liberdade de continuar ou não a gravidez independentemente dos motivos. A Suprema Corte americana julgou legal que as empresas se recusassem a pagar seguros de saúde que oferecessem tratamentos contraceptivos nos seus planos e os grupos conservadores vem pressionando os órgãos legislativos para que determinem que, para oferecer esses 52 serviços, os estabelecimentos tenham status de hospital. Tendo em vista que é em clínicas que o aborto é mais comumente realizado, essas medidas têm levado ao fechamento de vários estabelecimentos e à redução do acesso das mulheres aos serviços de planejamento familiar. É, ainda, frequente a prática de esterilização forçada de presidiárias, ainda que esse procedimento seja ilegal. Na Califórnia, entre 2005 e 2011, 150 mulheres passaram por cirurgias esterilizantes sem o seu consentimento livre. É evidente, nos EUA, a diferença social entre as mulheres de diversas etnias: de acordo com a American Association of University Women, mulheres negras recebem, em média, 63% do que os homens brancos e mulheres hispânicas ou latinas, 54%, em uma estatística de 2014. Essa relação reflete, também, na violência contra a mulher: o feminicídio é a maior causa de mortes não naturais das mulheres negras americanas. 8.16 Granada Granada é um país localizado no Caribe, que se situa muito próximo de Trinidad e Tobago. Possui população de aproximadamente 90.500 habitantes e sua independência pode ser considerada recente (1974). Em relação à situação das mulheres, o país é marcado por forte turismo sexual e prostituição. Apesar de o Estado se esforçar para promover políticas de empoderamento feminino, a situação das mulheres no país é crítica, visto que está muito relacionada à situação de pobreza e aos valores culturais tradicionais. Entretanto, observa-se também que a discriminação contra as mulheres é significativamente institucionalizada no país, além da inexistência de legislações efetivas acerca da violência sexual contra as mulheres. As granadinas também não dispõem de canais para realizar denúncias de abuso sexual ou outras violências de gênero nem de órgãos públicos independentes que tratem não somente dos direitos das mulheres, mas dos Direitos Humanos em geral. Outro fato importante a se ressaltar é que o Código Penal granadino não aborda adequadamente os delitos relacionados à violência sexual. Além de não incluir todos os tipos de violência nesse sentido, a legislação também não inclui as violações dentro dos casamentos, como o estupro conjugal. 53 Sobre a situação da saúde reprodutiva, Granada apresenta elevadas taxas de gestações na adolescência e de gestações não desejadas. Há também uma grande incidência de abortos clandestinos muito perigosos, uma vez que o aborto no país não é legalizado, sendo a legislação bastante restrita sobre esse tema. Além disso, o país vem apresentando uma significativa elevação do número de mulheres infectadas pelo vírus HIV, o que preocupa bastante a população feminina em Granada. 8.17 Guatemala A Guatemala é um dos países que mais se destacam negativamente no cenário internacional sobre a situação dos direitos das mulheres. Em 2015, o país se encontrava na terceira posição mundial de ocorrência de feminicídio e só em 2014 mais de 840 mulheres foram assassinadas em uma população total de aproximadamente 15 milhões de habitantes. Esse cenário reflete, em grande parte, a guerra civil que se desenrolou no país entre o ano de 1960 e 1996. Segundo a Organização das Nações Unidas, cerca de 25% das vítimas da guerra eram mulheres e muitas foram abusadas sexualmente durante esse período. Contudo, existem estimativas que superam essa porcentagem, afirmando que quase metade das pessoas mortas na guerra eram mulheres. Além disso, a violência sexual era utilizada muitas vezes como uma “arma de guerra”. Vinte anos depois do fim do conflito, muito dos valores daquela época, que consistiam muitas vezes em entender as mulheres como instrumentos de servidão, permanecem bastante fortes na sociedade guatemalteca. Muitas mulheres no país se encontram em séria situação de pobreza e dispõem de péssimas condições trabalhistas. Desse modo, o acesso à saúde sexual e reprodutiva se torna ainda mais distante. Segundo o Observatório da Saúde Reprodutiva da Guatemala, as taxas de gravidez na adolescência são altíssimas e as meninas menores de 15 anos são cinco vezes mais vulneráveis ao óbito durante o período de gestação do que as mulheres maiores de 20 anos. Entre as gestantes menores de 18 anos, a probabilidade de abortos espontâneos é de alarmantes 60%. Ainda segundo o Observatório, algumas das principais causas dessas elevadas probabilidades são os maus tratos sofridos pelas meninas adolescentes, a discriminação de gêneroe a má alimentação. 54 Além disso, a situação das mulheres indígenas na Guatemala é muito preocupante. Grande parte das mulheres mortas na guerra civil eram mulheres maias. Segundo a jornalista PatriciaSimón, As violações, mutilações, exploração sexual, esterilizações por força de estupros violentos, de abortos forçados, de feticídios – quando o ventre é talhado e o feto retirado pela abertura – foram torturas cometidas sistematicamente pelo exército e pelos paramilitares contra estas mulheres. Enquanto faziam, (...) diziam a elas que, por serem indígenas, “não são gente, são animais”. Muitas dessas mulheres nunca contaram estes crimes, e as que o fizeram, ou quando se soube na comunidade, foram rejeitadas, desprezadas ou expulsas (SIMÓN, 2011). Assim, observa-se que a situação das mulheres indígenas na Guatemala é muito grave, tendo em vista que, além da misoginia e a discriminação étnica, muitas dessas mulheres ainda estão condicionadas a uma severa situação de pobreza, silenciamento e invisibilização. 8.18 Haiti A situação socioeconômica existente no Haiti agrava fortemente as condições e os desafios enfrentados pelas mulheres haitianas no país em busca de empoderamento, de acesso à saúde de qualidade e de garantia de seus direitos sexuais e reprodutivos. Dentre esses desafios, destacam-se a pobreza, a subjugação em relação a seus parceiros e familiares homens, a grande dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal, as altas taxas de violência sexual e abusos diversos. Dentre os países da América Latina, o Haiti apresenta uma das maiores taxas de mortes maternas: cerca de 350 a cada 100.000 habitantes. É o país com a maior taxa de mortes maternas e infantis de todo o ocidente. Segundo o Unicef, é frequente no Haiti a ocorrência de mortes de crianças de até um ano devido à infecção por HIV durante a gravidez. Nesse sentido, observa-se que, a maior parte das crianças infectadas por HIV/AIDS adquiriram o vírus durante o período de gestação, por meio da contaminação da gestante. Esses fatos refletem a precária situação da saúde pública no país, sobretudo no que se relaciona à saúde reprodutiva das mulheres. 55 Desde o terremoto ocorrido em 2010, a situação das mulheres haitianas vem se agravando. Logo após o fenômeno, cerca de 250 casos de estupros foram registrados nos acampamentos só nos 150 primeiros dias. Atualmente, observa-se que as taxas de violência sexual contra mulheres têm crescido muito, podendo esta ser descrita muitas vezes como “generalizada” no país. Há também, até hoje, relatos de abusos sexuais por parte de soldados da ONU. Considerando esse preocupante cenário, o governo do Haiti vem discutindo, desde 2013, medidas para tentar garantir os direitos de segurança e saúde sexual e reprodutiva das haitianas. Além de projetos de leis e alterações no Código Penal para tornar a legislação do país mais rígida em relação aos casos de violência contra as mulheres, nas delegacias da capital Porto Príncipe há profissionais treinados para atender as mulheres vítimas de violência. Contudo, existem ainda muitas deficiências estruturais que permitiriam ao Estado maior poder de ação acerca da emancipação feminina e da proteção dos direitos das mulheres haitianas. 8.19 Honduras Em Honduras, há uma ausência quase total de direitos reprodutivos das mulheres e meninas, mais ainda para aqueles que vivem na pobreza e em áreas rurais. A porta voz da Organização Mundial da Saúde se pronunciou, com preocupação, a respeito de “um alto grau de violência doméstica, feminicídio e violência sexual”, sublinhando que as mortes de mulheres como consequência da violência aumentaram em mais de 263% entre 2005 e 2013. A maioria das mortes "ocorre com mulheres envolvidas em atividades do crime organizado e, por isso, acabam não sendo investigadas", explicou Claudia Herrmannsdorfer. “O ambiente de medo, nas esferas públicas e privadas, e a falta de responsabilização pelas violações de direitos humanos das mulheres, é a norma em vez de exceção”, adicionou, lembrando que a falta de dados confiáveis e precisos impossibilita compreender a magnitude da violência contra as mulheres no país e desenvolver políticas apropriadas para responder a esta questão. “Em Honduras, a violência contra as mulheres é generalizada e sistemática e impacta mulheres e meninas de várias formas”, disse a relatora especial da ONU sobre violência contra as mulheres, Rashid Manjoo. No ano passado, 32.544 56 adolescentes grávidas com idade entre 10-19 foram internadas em hospitais públicos. Destas, 184 tinham entre 10 e 13 anos, o que configuram, segundo a legislação de Honduras, gravidezes resultantes de estupro. Segundo a UNICEF, a maioria das gravidezes adolescentes em Honduras tem sua origem em estupro e as meninas que sobrevivem a violações sexuais não possuem opções em casos de gravidez resultante de estupro. Honduras tem as leis mais restritivas do mundo em relação pílula contraceptiva de emergência, um método preventivo e não abortivo reconhecido pela Organização Mundial de Saúde. A proibição total de pílulas contraceptivas de emergência está em vigor desde o golpe de Estado. Ainda existe a falta de educação sexual científica e secular em todos os níveis do sistema de educação nacional; obstáculos à obtenção de contraceptivos sem o estigma e a criminalização do aborto, que obriga as meninas e as mulheres que enfrentam a decisão de realizar abortos na clandestinidade. Há até 82.000 abortos ilegais em Honduras a cada ano, e mais de 20 por cento são meninas entre 10 e 19 anos. Daquelas que morrem de abortos inseguros, a maioria é pobre e analfabeta. As mulheres hondurenhas e meninas vivem em um contexto muito perigoso e violento: no ano passado, o Ministério Público recebeu mais de dois mil relatos de violência sexual contra as mulheres. 8.20 Jamaica Recentemente, em 2011, a Jamaica adotou um novo regulamento em sua Constituição o qual exclui a revisão judicial das leis por delitos sexuais. Nesse mesmo ano, foram arquivados mais de 25 assassinatos de pessoas LGBTI, assim como a documentação de muitos casos de violência por ações de ódio. Em paralelo a isso, a polícia jamaicana registra os assassinatos de homens gays, sob o título de violência doméstica. Os conceitos definidos por órgãos regionais e internacionais, muitas vezes, são ignorados pelo governo, uma vez que ele é soberano quanto a essa postura. Outro achado que deve ser pontuado diz respeito à iniciação sexual das meninas da América Latina. As pesquisas da OMS revelam que na maioria das 57 vezes essa iniciação foi forçada e/ou não desejada, o que sugere a ocorrência de violência contra a mulher e perda de seu direito reprodutivo. Para muitas meninas e mulheres na ALC, a iniciação sexual se dá de forma não desejada e/ou forçada, mas os índices de prevalência relatados variam muito de lugar para lugar. Por exemplo, o estudo da OMS realizado em múltiplos países observou índices de iniciação sexual forçada de 3-4% relatados em locais do Brasil (García-Moreno et al., 2005). Um estudo qualitativo realizado na Jamaica observou que muitas participantes do sexo feminino disseram inicialmente que “quiseram” sua primeira experiência sexual, mas, com o prosseguimento do questionário, muitas revelaram que essa primeira experiência sexual foi forçada (Waszak et al., 2008). Um estudo baseado em escolas de diversos países do Caribe observou que, entre adolescentes sexualmente ativas, quase metade relatou que sua primeira atividade sexual foi “forçada” ou “um pouco forçada” (Halcón et al., 2000). Esse contexto latino, muitas vezes, provém da falta do planejamento e da discussão dos direitos reprodutivos femininos no território nacional. Além disso, a Jamaica permite o aborto desde que este seja para preservar a saúde mental da mulher ou nos casos em que a saúde da gestante está prejudicada. 8.21 México O TrustLaw pediu a profissionais humanitários, acadêmicos, profissionais da saúde, gestores públicos, jornalistas e especialistas em desenvolvimento com experiência em questões de gênero para que classificassem os países do G20 entre os melhores e piores para as mulheres. Os direitos femininos estão particularmente sob ataque no México, país anfitrião da cúpula do G20, que aparece em 15º lugar na pesquisa. O México tem uma arraigada cultura machista, altos índices de violência física e sexual, e bolsões de pobreza nos quais os serviços, inclusive de saúde, não são melhores do que em algumas das mais marginalizadas comunidades da África, segundo especialistas. As mulheres também são vítimas de crimes relacionados às drogas. Cerca de 300 mulheres foram mortas em 2011 na violenta localidade fronteiriça de Ciudad 58 Juarez, com impunidade quase total, segundo a Anistia EUA. Isso reflete a forte influência dos cartéis de droga do México, problema crônico no país que não sofreu investimentos governamentais nas últimas décadas devido ao forte investimento em potenciais bélicos para conter o narcotráfico. O problema das drogas é denunciado pelo governo em diversas reuniões da ONU e da América Latina. Isso é um problema internacional, uma vez que ele influencia diversas nações do globo, incluindo a Europa. Apesar disso, poucas negociações bilaterais estão sendo feitas entre as nações para conter esse crônico empecilho. Sobre a questão do aborto, o país é controverso. No Distrito Federal do México, o aborto é legal; mas em 18 Estados do país interromper uma gravidez é crime, mesmo nas três situações em que está despenalizado nacionalmente: perigo de morte da mãe, incesto ou violação e má-formação do feto. O Governo Federal tem lutado para que a despenalização que ocorra nacionalmente em todas as federações do México. Em 2010, o Supremo Tribunal de Justiça teve de ratificar a obrigação de todos os centros de saúde oferecerem às vítimas de violação a pílula anticoncepcional de emergência, como estabelece a Norma Oficial Mexicana 046, devido a ações governamentais que queriam barrar o acesso a esse medicamento. A dificuldade para que os progressos sexuais femininos aconteçam é difícil devido à forte influência dos carteis e do catolicismo. De acordo com dados da ONG International Christian Concern (ICC), 80% da população mexicana é católica, e isso reflete nas decisões governamentais dos Estados. 8.22 Nicarágua Existem poucos mecanismos formais que possibilitam a comunicação e a colaboração de instituições governamentais com os grupos de mulheres e outros membros da sociedade civil, especialmente na Nicarágua, onde a democracia é recente e tiveram guerras e revoluções para a sua conquista. Os grupos conservadores se opõem veementemente à expansão das liberdades reprodutivas. Tal oposição tem prejudicado o estabelecimento de políticas e o debate aberto sobre a contracepção de emergência, a educação sexual e o aborto. 59 Além disso, legisladores têm lutado para eliminar todas as indicações legais do aborto, até mesmo para salvar a vida da mulher e das jovens nicaraguenses. A discussão afeta a vida cotidiana das meninas do país, que sofrem com a insegurança local e passividade dos professores. Com os estudos: Escutem nossas vozes e Situação das Meninas, adolescente e mulheres jovens na Nicarágua, a Plan Internacional e a Universidade Centroamericana (UCA) dimensionaram esse problema numericamente. A pesquisa foi feita em 22 comunidades e dez municípios. Nos estudos, o resultado da Nicarágua é praticamente o dobro de outros países quanto ao medo e à insegurança sentida pelas meninas ao ir para a escola e ao usar o banheiro escolar, porque elas acham que nestes locais correm o risco de sofrer abusos. Nem sempre há porta, nem sempre são higiênicos, às vezes o banheiro feminino encontra-se muito perto do masculino. Elas são trancadas, recebem pedradas, e há relatos de pessoas que chegam a espioná-las. Diante da indiferença da comunidade acadêmica das escolas primárias, os professores não prestam atenção à violência, uma vez que não vêem porque usam outros banheiros e também porque há uma naturalização do assunto. Além do mais, os meninos sentem desde cedo que podem se apropriar do corpo das mulheres. Mais recentemente, em março do ano passado, o Grupo de Monitoramento da Educação para Todos no Mundo, da UNESCO, e a Iniciativa das Nações Unidas para a Educação das Meninas denunciaram que "a violência de gênero estendida à escola e suas proximidades impõe grave obstáculo à educação de qualidade, integradora e equitativa". Nesse sentido, o investimento na educação de qualidade sofreu declínio nas últimas décadas no Nicarágua. A UNICEF estima que 500 mil crianças e adolescentes com idades entre 3 e 17 anos estejam fora do sistema escolar no país, afetando o contexto emancipador feminino, uma vez que com os baixos recursos, há pouca informação para as mulheres. 8.23 Panamá A República do Panamá é um país situado na América Central e concentra uma população de mais de 3.650.000, sendo quase metade desse número total composto por mulheres, que enfrentam grandes dificuldades no país em termos de 60 desigualdade de oportunidades e de violência de gênero. O Panamá conta com a Lei de Igualdade de Oportunidades (nº 4 de 1999), mas, assim como em muitos outros países, ela nunca foi cumprida efetivamente. Somente em outubro de 2013, o feminicídio foi classificado como crime no país, mesmo havendo há muito tempo um número significativo desses casos. De acordo com a legislação panamenha, desde 1982 o aborto só é permitido em caso de estupro ou se a mulher corre risco de vida. Assim, aquelas que descumprirem essa lei podem ser condenadas a penas de um a três anos. Ademais, a pobreza está diretamente relacionada à dificuldade de acesso à saúde de qualidade, o que afeta principalmente as mulheres. O governo do Panamá reconhece que existem graves problemas no país em termos de equidade de direitos e oportunidades entre os gêneros, além do quanto as deficiências nos sistemas públicos de saúde de segurança públicas podem afetar a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Contudo, observa-se uma substancial falta de ação do Estado em prol da melhoria da qualidade de vida das mulheres. As poucas políticas públicas que são implantadas no país muito raramente chegam a ser cumpridas e tão pouco acabam sendo realmente efetivas. 8.24 Paraguai A Constituição Paraguaia parece ter caminhado no sentido progressista dos direitos básicos do ser humano. Em seu art. 68, estabelece que o direito à saúde é direito fundamental e de interesse da comunidade, devendo o Estado promovê-lo e protegê-lo. Também o Código Sanitário Paraguaio (Lei n. 863/80) trata na Sección II do Capítulo I “de laSalud Familiar” da reprodução humana, mencionando novamente a liberdade de reprodução humana e a responsabilidade, protegendo a saúde da pessoa desde a sua concepção. O referido Código Sanitário menciona também a necessidade de desenvolver programas de educação e informação bem como serviços médico-hospitalares adequados concernentes à saúde e reprodução humana, levando-se em conta o respeito aos direitos fundamentais do ser humano e à dignidade da família. Vale ainda, por fim, mencionar uma série de planos e políticas públicas desenvolvidos na república paraguaia que se relacionam aos direitos sexuais e reprodutivos, a saber o 61 “Plan Nacional de igualdad de Oportunidades para lasMujeres” da Secretaria da Mulher da Presidência da República em 1997, e a “Política Nacional de Atención a laSalud Integral de lãs Mujeres” do Ministério da Saúde pública e bem-estar social em 1998. Sobre a questão do aborto, a discussão veio à tona nacional e internacionalmente no Paraguai em 2015 e até os dias de hoje entre os congressistas paraguaios. No Paraguai, o aborto é permitido quando a vida da mulher ou menina grávida corre grave perigo. Apesar disso, as autoridades paraguaias não garantiram que uma menina de 10 anos estuprada pelo padrasto tenha acesso aos serviços de aborto seguro. As organizações Anistia Internacional e Católicas pelo Direito de Decidir, pela interlocutora Guadalupe Marengo, vicediretora do Programa das Américas da Anistia Internacional, declararam que: “O mundo observa o Paraguai. Pedimos às autoridades deste país que deem uma amostra de humanidade e respeitem a integridade desta menina”. Mesmo após 150.000 membros e ativistas de todo o mundo firmaram uma petição de apoio às opções para esta menina, o governo paraguaio negou o aborto. A OMS declarou que a gravidez em adolescentes é perigosa, e que na América Latina o risco de morte materna é quatro vezes mais alto em adolescentes menores de 16 anos do que em mulheres maiores de 20. 8.25 Peru O Peru é marcado por um contexto histórico emblemático, uma vez que nos anos 1990, houve a esterilização forçada de mulheres pobres peruanas durante o regime Fujimori. O governo Fujimori esterilizou, por cirurgia de ligadura de trompas, 314.605 mulheres com idade entre 15 e 49 anos, na maioria pobres e analfabetas, indígenas residentes em áreas remotas da selva amazônica. É o que indicam documentos do Plano Populacional, iniciado em meados de 1990. Nessa época, as mulheres em idade fértil representavam 41% da população rural peruana e eram comuns as famílias com mais de cinco filhos. Fujimori instituiu uma política de Estado, executada no sistema público de saúde e direcionada a ao estrato populacional mais pobre. O governo atuou “sem consentimento informado, ou mediante assédio e promessas enganosas” - constatou o Comitê da América Latina 62 e Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), sediado em Bogotá, que há uma década batalha para levar os responsáveis a julgamento por crime contra a humanidade. Dar mais visibilidade ao episódio e seus desdobramentos recentes é, sem dúvida, necessário e importante. Nessa situação, após transcorrer cerca de 4 anos, em 26 de agosto de 2003, o Estado Peruano assinou um acordo de solução amistosa onde se comprometeu a oferecer reparações econômicas, desenvolver ações educativas, em saúde e principalmente, a investigar e punir os responsáveis e reparar a todas às vítimas de esterilização forçada. Em 2009, o Estado peruano arquivou a investigação sob o argumento de uma suposta prescrição da ação penal, descumprindo ao compromisso assumido e a obrigação adotada em acordo de solução amistosa. Em 2011, o Ministério Público do Peru solicitou a reabertura das investigações, reconhecendo ademais que estes fatos constituem delito de lesa humanidade. Com a reabertura da investigação e de acordo com o Informe, considera-se que houve violações de direitos humanos, em consequência, deve-se aplicar as normas dos tratados internacionais, os quais o Peru é parte e está obrigada a cumprir. Em paralelo a isso, a alta mortalidade materna continua sendo um problema que afeta sobretudo às mulheres pobres, às de zonas rurais e às indígenas e às afrodescendentes. O aborto também é uma das principais causas de morte materna. Lamentavelmente, as pressões de correntes religiosas conservadoras bloqueiam o debate deste tema que afeta às mulheres, principalmente jovens, pobres e indígenas. Em face do padrão de violações de direitos sexuais e reprodutivos, a falta de garantia de liberdade e autonomia sobre o corpo, a forte influência fundamentalista para o avanço dos direitos sexuais e reprodutivos, a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, entre outros, como impedimento para a cidadania plena das mulheres, são alguns dos motivos que no ano de 1999, o CLADEM impulsionou a Campanha por uma Convenção Interamericana de Direitos Sexuais e Reprodutivos que proteja os direitos sexuais e direitos reprodutivos, consciente do que esta seria uma das disputas mais estratégicas na região e alcançá-la só será possível somando forças e ações de incidência para promover um debate sustentado, que confrontem argumentos e atores, valores e mitos fundamentalistas. 63 Como parte da estratégia de impulsionar a Convenção, desde uma articulação mais ampla, no ano de 2000 se promoveu e se conformou uma Aliança regional da citada Campanha integrando organizações de mulheres, feministas e grupos LGBTI da região com quem construímos e acordamos um marco ético que coloca as premissas básicas sobre a qual se sustenta a aliança e a aposta. Ao longo de dez anos de trabalho, luta e aprendizagem coletiva, hoje se tem um Projeto de Convenção Interamericana de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos que está sendo promovida na instância da OEA para a melhoria do contexto peruano. 8.26 Red de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora A Rede de Mulheres Afrolatinoamericanas, Afrocaribenhas e da Diáspora surgiu em 1992 no Primeiro Encontro de Mulheres Afrodescendentes, na República Dominicana. Sua sede central se localiza na Nicarágua e possui outras coordenações regionais em outros sete países. Os objetivos da rede são: Impulsionar a construção e consolidação de um movimento amplo de mulheres afrocaribenhas, afrolatinoamericanas e da diáspora, que incorpore as perspectivas étnicas, raciais e de gênero no continente; visibilizar a realidade de discriminação e violação dos direitos humanos que vivem as mulheres afrodescendentes, nos âmbitos socioeconômicos, políticos e culturais; incidir em instâncias governamentais e intergovernamentais para a formulação e implementação de políticas públicas que afirmem modelos de desenvolvimento sustentado no reconhecimento e respeito das identidades étnicas, raciais e de gênero e as problemáticas comuns a toda a região entre as quais se destacam a pobreza, a migração, a violência contra as mulheres e o HIV/AIDS; lutar pelo cumprimento de convênios e acordos internacionais que afirmam os direitos das mulheres afrocaribenhas, afrolatinoamericanas e da diáspora; impulsionar programas e projetos que contribuam ao desenvolvimento integral das mulheres afrocaribenhas, afrolatinoamericanas e da diáspora; impulsionar um espaço de articulação de mulheres jovens afrocaribenhas, afrolatinoamericanas e da diáspora integrantes da Rede, para o fortalecimento de suas potencialidades, promovendo a formação, reflexão e debates. Um espaço que integre a temática das juventudes nas políticas e estratégias, garantindo a representação das jovens nas diferentes instâncias da Rede (RMAAD, 2009. Tradução própria). 64 A Rede é “um espaço de articulação e empoderamento das mulheres afrodescendentes para a construção e reconhecimento de sociedades democráticas, equitativas, justas, multiculturais, livres de racismo, de discriminação racial, sexíssimo e de exclusão” (RMAAD, 2009). Assim, dentre as principais áreas de trabalho da organização, se encontram os direitos sexuais e reprodutivos, a discriminação racial, a violência contra as mulheres e o empoderamento de mulheresafrodescendentes. A organização participa de várias atividades promovidas pela Organização dos Estados Americanos, sobretudo na CIM. Em 2015, a Rede organizou a primeira Cúpula Latino-americana de Lideranças Afrodescendentes das Américas, que ocorreu na Nicarágua e contou com a presença de mais de 270 mulheres de 22 países. Desse modo, a RMAAD se faz presente nesta reunião da Comissão Interamericana de Mulheres com o intuito de fortalecer o debate, dando voz a mulheres afrodescendentes e buscando sempre o seu empoderamento. 8.27 República Dominicana A violência sexual e doméstica contra a mulher é ilegal na República Dominicana desde 1997, mas as crenças culturais arraigadas fazem com que a implementação das leis que protegem a mulher vá muito além das leis.A violência contra a mulher encontra-se generalizada na República Dominicana: segundo os dados, aproximadamente 24 por cento de mulheres de idades entre os 14 e os 49 anos sofreram abusos, e mais de 600 mulheres foram assassinadas nos últimos cinco anos, a maioria por seus colegas ou ex-parceiros. A quantidade de denúncias de violência contra a mulher na República Dominicana ultrapassa, até o momento, os 50 mil casos, informou uma fonte vinculada ao tema. “Estamos vendo um crescimento sustentado das denúncias, embora nem todos os casos deste tipo sejam expostos”, manifestou a procuradora geral adjunta para Assuntos da Mulher, Roxanna Reyes. Entrevistada em um programa de televisão local, considerou que não só as vítimas devem informar o problema; pois isso também pode ser feito pela comunidade, como parte de um exercício de cidadania responsável. Na opinião de Reyes, é necessário romper com 65 o círculo da violência doméstica e somar todos na luta contra um dos males mais graves da sociedade. Um dos desafios do Poder Judicial na República Dominicana é de abrir tribunais especializados em violência de gênero e intrafamiliar, além de centros de mediação de conflitos em todo o território nacional. O SPW (Sexuality Policy Watch) republicou matéria da organização uruguaia MYSU (Mujer y Salud em Uruguay) que destaca a criminalização e repressão contra os direitos reprodutivos em diversos países da América, incluindo a República Dominicana. A interrupção da gravidez era proibida em todas as circunstâncias na República Dominicana, até dezembro de 2014, colocando em risco a saúde das mulheres que realizam o procedimento clandestinamente. Em dezembro foi aprovada a reforma do Código Penal que permite o acesso ao aborto seguro quando a vida da mulher e do feto estiverem em risco, assim como quando ocorrem casos de malformação incompatíveis com a vida e em casos de violação. Essa mudança normativa, que só entrará em vigor depois de um ano da publicação da lei, é um grande avanço que permitirá adotar políticas orientadas a garantir os direitos das mulheres. Em setembro de 2015, a Declaração sobre a Violência contra as Mulheres, Meninas e Adolescentes e seus Direitos Sexuais e Reprodutivos foi adotada pelo Comitê de Especialistas do Mecanismo de Continuidade da Implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. A Declaração reconhece que a discriminação de gênero, os estereótipos culturais e a falta de garantia dos direitos sexuais e reprodutivos são obstáculos para que as mulheres e meninas vivam livres da violência. 8.28 São Vicente e Granadinas São Vicente e Granadinas é um país da América Central localizado no Mar do Caribe. As belezas naturais atraem milhares de turistas, fato que fortalece a economia nacional e influencia o comportamento, principalmente das mulheres locais. Por ser uma nação turística, ela entra em contato com diversas culturas diferentes e garante ampla discussão sobre o assunto dentro e fora das salas de 66 aula. Esse fator favorece o contexto feminino dentro do país. Além disso, o planejamento familiar é garantido dentro dos hospitais públicos da nação. Apesar disso, o Código Penal de São Vicente e Granadinas pune qualquer um que tente adquirir ou fornecer o aborto em uma mulher com pena estabelecida em quatorze anos de reclusão. A mulher é punida com sete anos de reclusão, e no país, as prisões são mistas. Os únicos casos em que o aborto é permitido por razões socioeconômicas e de saúde que afetam as crianças. 8.29 St. Kitt e Nevis A Federação de São Cristóvão e Nevis, ou, de forma coloquial originária do inglês, St. Kitt e Nevis é um arquipélago caribenho constituído pelas ilhas de São Cristóvão e Nevis ou Neves. No país, o aborto é proibido a não ser em casos em que afete a saúde física e psicológica da mãe ou quando a gravidez oferece risco para a sua vida. O governo de São Cristóvão e Nevis considera as taxas de crescimento populacional e fertilidade muito altas e tem uma política de intervenção direcionada para a redução desses resultados, sendo extensivamente envolvido com o planejamento familiar e o fornecimento de contraceptivos através do programa nacional de planejamento familiar. A Associação de Planejamento de São Cristóvão e Nevis, fundada em 1966, complementa os esforços governamentais nesse sentido através da distribuição de contraceptivos para as clínicas do governo e da promoção de informação sobre o assunto pelo rádio, televisão e jornais. O último senso relativo ao uso de contraceptivos, de 1984, estima que 37% da população tem acesso a esses meios. O governo se preocupa especialmente com o problema da gravidez adolescente e suas consequências sociais. Em resposta a esse tópico, foi introduzida a educação especializada para a família e o programa de planejamento familiar para a juventude do país. Para que haja foco específico na questão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, além de assuntos de serviços de saúde para as elas, o governo criou o Ministério das Mulheres em 1994. 8.30 Suriname 67 O Suriname tem um problema latente de tráfico de mulheres para a prostituição cujo fluxo advém principalmente do Brasil e da República Dominicana. Em 2004, foram registrados 35 clubes que recebem pessoas traficadas, dos quais apenas dois explicitam sua natureza e oferecem contratos para as mulheres nas suas línguas nativas, segundo o UNODC (2008). Um estudo da Antonius-Smits (1999) identificou cinco formas de trabalho sexual, duas das quais envolvem principalmente surinamesas em situações relativamente independentes (acampamentos de prostitutas ou mulheres que moram em aldeias vizinhas). Numa outra área, cozinheiras e vendedoras prestam, ocasionalmente, serviços sexuais. Mas é nos clubes perto dos garimpos (...), e especialmente no sistema “sexo por crédito” que o tráfico de mulheres se materializa(UNODC). As dificuldades de superação desse problema passam pela falta de efetividade na proibição da prostituição, que se traduz em falta de proteção às prostitutas e pelo preconceito dos moradores locais com relação às pessoas traficadas. Entretanto, o país aprovou, em 2007, o aumento da pena para tráfico de pessoas, assim como legalizou a estadia das vítimas resgatadas no país, se elas assim desejarem. O Suriname também estreitou relações com o Brasil no tocante ao problema, focando na humanização dos serviços oferecidos às vítimas, conscientização dos grupos frequentemente apontados como clientes. Os países buscam, também, conhecer as rotas de tráfico e dar maior enfoque ao fator gênero nas suas pesquisas. Com relação à questão do aborto, embora o procedimento seja permitido apenas nos casos em que a saúde da mulher esteja em risco, o número de abortos realizados se equipara ao de nascimentos, chegando a dez mil em 2015. AshaMungra, médica ginecologista e presidente da União de Mulheres do Suriname, relata que esse aumento pode ser creditado à falta de informações sobre o assunto disponível às populações mais jovens. 8.31 Trinidad e Tobago 68 Como para a maioria de seus vizinhos do Caribe, em Trinidad e Tobago a principal causa de mortalidade materna é o aborto clandestino. Atualmente, Trinidad e Tobago ocupa o segundo lugar no ranking da ONU Mulheres dos países que apresentam maior número de assassinatos baseados em gênero. O Governo de Trinidad e Tobago considera as taxas de fertilidade e crescimento da população muito elevados, e sua política de população desde o final da década de 1960 consistiu principalmente de um programa nacional de planejamento familiar projetado para reduzir a fertilidade, reduzir a pressão excessiva sobre os recursos naturais e facilitar problemas resultantes de habitação, desemprego e má distribuição de renda. O programa nacional de planejamento familiar tem-se centrado na integração da saúde materna e infantil e em programas de informação e educação ao nível da comunidade. Como resultado, os centros de saúde oferecem planejamento familiar como parte de seu programa materno e de saúde infantil. De acordo com o Inquérito Demográfico e de Saúde realizado em 1987 pela Associação de Planejamento Familiar de Trinidad e Tobago, o conhecimento de métodos modernos de contracepção é quase universal, com 83 por cento das mulheres em união estável de ter usado um método em algum momento de sua vida e 44 por cento praticando a contracepção moderna. Contraceptivos orais, o preservativo e a esterilização feminina são os métodos mais utilizados de contracepção entre os casais em Trinidad e Tobago. Mais recentemente, a Unidade do Programa de População do Ministério da Saúde concluiu um programa de formação a nível nacional para os enfermeiros para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde reprodutiva. A gravidez na adolescência e os índices de HIV/AIDS tem evoluído para grandes preocupações do Governo. 8.32 Uruguai Uruguai foi o primeiro país da América Latina a aprovar o voto feminino. Desde então, a nação é considerada vanguarda em um continente ainda conservador, principalmente depois de 1938, ano que o aborto previsto no Código Penal foi descriminalizado. Para o governo, hoje eles não são puníveis, e sim terapêuticos, éticos e de cunho social. 69 Nos 18 anos em que o debate sobre o aborto foi alvo de grandes discussões no Uruguai, havia setores e atores importantes da sociedade que nunca tomaram posição pública sobre o assunto. Nos dias de hoje, foram substanciais as posições de duas instâncias do impacto inquestionável sobre o país: o Conselho Central da Universidade da República e o Sindicato dos Médicos do Uruguai. Em 2004, uma pesquisa realizada pela Equipos Mori resultou que 63% da população apoia o Projeto de Lei para a Saúde Reprodutiva, e isso carrega grandes mudanças progressistas na saúde feminina do país. Em dezembro de 2006, o Ministério da Saúde Pública afirmou que o único requisito para acesso a métodos de planejamento familiar (incluindo ligadura de trompas e vasectomia) é assinar um consentimento informando nenhuma influência de terceiros, salvo quando é menor de 21 anos. Esta decisão, comunicada ao corpo médico é um passo de grande importância no que diz respeito a decisões pessoais e constitui um avanço para garantir os direitos reprodutivos de todas as pessoas. Em 11 de Novembro de 2008, o parlamento discutiu a legalização do aborto. Mas, em um ato antidemocrático, o presidente Tabaré Vázquez - ao contrário do seu próprio partido (Frente Amplio) e a opinião do público que é de 60% a favor da legalização – vetou o projeto. O argumento do veto presidencial é quase completamente alinhado com a ala mais radical que lutou contra a aprovação desta lei, composta principalmente de grupos religiosos. A maioria dos pontos da lei 18.426 foi aprovada, mas ainda está pendente a sua implementação. Um longo processo centrado na luta pela redução da mortalidade materna era feito no Uruguai, que se tornou, ao final de 2012, o quarto país da América Latina e o segundo da América do Sul a legalizar o aborto. Desde então, além de poder abortar em caso de gravidez decorrente de estupro, grave risco a sua saúde e inviabilidade de vida do feto, a mulher uruguaia tem a opção de interromper em até 12 semanas qualquer gravidez indesejada. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde uruguaio no final de março de 2013 revelam o impacto positivo que a adoção desta política teve em seus resultados após apenas dois anos. Apesar dos mais de 15.000 abortos realizados no país entre o final de 2012 e o final de 2014, apenas um caso de morte materna 70 causada pelo procedimento foi registrado — isto porque mesmo com a legalização, a interrupção da gravidez foi realizada clandestinamente. A importância deste resultado reside no fato de que complicações decorrentes de aborto clandestino figuram entre as cinco maiores causas de mortalidade materna, segundo a ONU. Essa mortalidade é um problema bastante sério ao redor do mundo e, não sem propósito, reduzi-la em 75% entre 1990 e 2015 era meta de um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio previstos na Declaração do Milênio da ONU. Após 25 anos, a meta não foi globalmente atingida, mas alguns países conseguiram apresentar resultados isoladamente. Nesse contexto, o país sul-americano foi o único da região a conseguir este feito, em parte devido à adoção de políticas decorrentes da legalização do aborto — isto porque se em 1990, 33% das mulheres que realizavam aborto morriam em decorrência de complicações, em 2014 o percentual foi de 0%, conforme dados do Ministério da Saúde do país. De acordo com o Sindicato dos Médicos do Uruguai, para desfrutar de tais direitos é fundamental educar as mulheres para que elas possam decidir livremente sobre estas questões e tenham o direito a cuidados de saúde abrangente, não só o aborto legal. Além disso, o Uruguai é o único país no mundo que inclui "explícita a exigência de que, em caso de gravidez indesejada, centros de saúde públicos e privados ofereçam um serviço de aconselhamento para reduzir o risco de aborto inseguro". Por fim, o Conselho Nacional de Gênero - integrado por todos os ministérios e o Instituto Nacional das Mulheres (Inmujeres) lançaram os "Compromissos 2016 em Políticas de Igualdade de Gênero" em um ato em Montevidéu. O Ministério de Desenvolvimento Social (Medes) publicou um relatório mostrando que, em média, as mulheres possuem mais estudos, mas recebem salários menores. E por conta disso, haverá uma negociação com entidades públicas e privadas para abordar esta situação e incluir cláusulas vinculadas ao assédio sexual no ambiente de trabalho, outro ponto considerado desafiante em matéria de igualdade de gênero no Uruguai. 8.33 Venezuela 71 Em 2007, a Venezuela reconheceu, em lei, a existência de um tipo de violência contra a mulher que decorre de situações em ambiente hospitalar, no momento do parto: a chamada “violência obstétrica”. O termo, cunhado no meio acadêmico pelo presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia da Venezuela, Dr. Rogelio Pérez D’Gregorio, InternationalJournalofGynecologyandObstetrics, em 2004, em vem editorial desde do então ganhando força dentro dos movimentos sociais preocupados com violências exercidas contra mulheres, em especial aqueles que lutam pela humanização da assistência materno-infantil. Em 2012, a Defensoria do Povo propôs criar um programa formativo em direitos sexuais e direitos reprodutivos na Venezuela, focado nos púberes e adolescentes, com o objetivo de proporcionar informação e ferramentas para transitar pelas mudanças que acontecem nesse ciclo vital. Tais ferramentas contribuiriam também para a tomada de decisões livres, informadas e responsáveis, assim como para o exercício de seus direitos sexuais e seus direitos reprodutivos. Para isso, foram convocados os Ministérios do Poder Popular para a Educação; para a Saúde; para a Juventude; para a Mulher e a Igualdade de Gênero, através do Instituto Nacional da Mulher; para as Comunas, por meio de sua entidade, o Instituto Autônomo Conselho Nacional de Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Idenna); a Subsecretaria de Educação e a Fundação das Crianças e dos Adolescentes do Governo do Distrito Capital. Foi projetado o documento Orientações Teórico-Metodológicas para a formação de Púberes e Adolescentes numa Sexualidade Saudável, Prazerosa e Responsável, dirigido aos profissionais com experiência no trabalho com adolescentes e conhecimentos em sexualidade na Venezuela. Nesse projeto foram realizadas 10 cartilhas com uma linguagem simples e amigável, atendendo ao exposto pelos e pelas adolescentes nos grupos focais e marginalizados venezuelanos. Além disso, os atores envolvidos ofereceram uma série de recursos didáticos relacionados com os conceitos envolvidos com o direito reprodutivo. 72 Apesar dessas políticas, a mortalidade feminina devido ao aborto é a terceira causa de morte no país entre as mulheres. O aborto é ilegal na Venezuela, exceto em caso de ameaça a vida da saúde da mulher. A pena para uma mulher que se submeteu ao aborto é de seis meses a dois anos de prisão e para o médico ou outra pessoa que realizou o procedimento é de um a três anos. Podem ser impostas penas mais severas, se a mulher grávida morrer como resultado do processo. 73 REFERÊNCIAS AAUW (Usa). The Pay Gap Is Even Worse for Black Women, and That’s Everyone’s Problem. 2015. Disponível em: <http://www.aauw.org/2015/07/21/blackwomen-pay-gap/>. Acesso em: 07 jul. 2016. AGÊNCIA PATRÍCIA GALVÃO. Balanço dos Direitos Reprodutivos na América do Sul e Caribe em 2014, por Mónica Arango Olaya. Disponível em: http://agenciapatriciagalvao.org.br/direitos-sexuais-e-reprodutivos/balanco-dosdireitos-reprodutivos-na-america-sul-e-caribe-em-2014-por-monica-arango-olaya/ Acesso em jul. 2016. ALMEIDA, LIDIA MARTINS. Pra lá de Bangladesh. 2005. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/pra-la-debangladesh/>Acesso em 06 de jun. 2016 ALVES; CORREA; JANNUZZI. Direitos e saúde sexual e reprodutiva: marco teórico-conceitual e sistema de indicadores. 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