MARRA, Natália Cardoso. COOPERAÇÃO INTERINSTITUCIONAL
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MARRA, Natália Cardoso. COOPERAÇÃO INTERINSTITUCIONAL
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL NATÁLIA CARDOSO MARRA Cooperação Interinstitucional como Instrumento de Gestão da Região Metropolitana de Belo Horizonte e de Promoção do Desenvolvimento Local Belo Horizonte 2012 NATÁLIA CARDOSO MARRA Cooperação Interinstitucional como Instrumento de Gestão da Região Metropolitana de Belo Horizonte e de Promoção do Desenvolvimento Local Dissertação apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Desenvolvimento Educação Local do e Centro Universitário UNA, como requisito à obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Inovações Sociais Educação e Desenvolvimento Local. Linha de pesquisa: Organização e Articulação Interinstitucionais e Gestão do Desenvolvimento Local. Orientadora: Raquel Garcia Gonçalves Belo Horizonte 2012 M358c Marra, Natália Cardoso Cooperação interinstitucional como instrumento de gestão da região metropolitana de Belo Horizonte e de promoção do Desenvolvimento Local / Natália Cardoso Marra. – 2012. 152f.: il. Orientadora: Prof. Raquel Garcia Gonçalves Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2012. Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Bibliografia f. 142-154. 1. Administração de regiões metropolitanas. 2. Governança corporativa. I. Gonçalves, Raquel Garcia. II. Centro Universitário UNA. III. Título. CDU: 658.114.8 Ficha catalográfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todos aqueles que não me deixaram lutar sozinha e sempre cooperaram comigo, especialmente ao Túlio, meus familiares, amigos, os companheiros de mestrado Tim, Kris, Alexandre e Jacke. “Se você vier Pro que der e vier Comigo... Eu lhe prometo o sol Se hoje o sol sair Ou a chuva... Se a chuva cair Se você vier Até onde a gente chegar Numa praça Na beira do mar Num pedaço de qualquer lugar... Nesse dia branco Se branco ele for Esse tanto Esse canto de amor Oh! oh! oh... Se você quiser e vier Pro que der e vier Comigo” (Geraldo Azevedo – Dia Branco). AGRADECIMENTOS Agradeço àqueles que me inspiram a ser uma pessoa melhor, como a querida professora Miracy Barbosa de Souza Gustin, todos do Programa Pólos, o professor Apolo Heringer Lisboa e os membros do Projeto Manuelzão. Agradeço, especialmente, à professora Marinella Machado Araújo que foi quem me incentivou a pesquisar a cooperação interinstitucional na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Agradeço à minha orientadora, Raquel Garcia Gonçalves, pela cooperação na realização deste trabalho, aos entrevistados e aos membros da banca examinadora. “Nunca se vence uma guerra lutando sozinho Cê sabe que a gente precisa entrar em contato Com toda essa força contida e que vive guardada O eco de suas palavras não repercutem em nada. É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro Evita o aperto de mão de um possível aliado Convence as paredes do quarto, e dorme tranquilo Sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo Coragem, coragem, se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem, eu sei que você pode mais”. (Raul Seixas – Por quem os sinos dobram). RESUMO As cidades vêm sofrendo profundas transformações qualitativas e quantitativas, transformando-se em metrópoles com uma nova e diferente forma de assentamento humano, com problemas jurídico-urbanísticos que precisam ser cuidados de modo específico e diferenciado. Algumas capitais brasileiras já se encontram em estado de metropolização, porém a legislação e as políticas públicas não vêm acompanhando esse processo. O objetivo geral desta pesquisa é analisar qual a estrutura de gestão urbana que melhor fomenta práticas de cooperação e a cultura da solidariedade, condições fundamentais à materialização de projetos de interesse comum que buscam o desenvolvimento local de uma região metropolitana. Um dos objetivos específicos é traçar como foi a formação do sistema federativo e da institucionalização da RMBH, com a finalidade de esclarecer o contexto no qual surgiu a concepção de administração regional. Outro objetivo é descrever qual a formação da Administração Pública atual e identificar se essa tem capacidade de desenvolver, por meio da cooperação, o desenvolvimento local, caracterizando os instrumentos de gestão criados para a promoção de uma Administração Pública dialógica e cooperativa. São retratados, nesta dissertação, a formação do federalismo brasileiro, os processos de urbanização e a realidade da institucionalização da RMBH, com foco nas práticas de acessibilidade urbana. O resultado alcançado com esta pesquisa apresentou que não há um modelo definido para o desenvolvimento local, mas princípios que precisam ser observados, como o da gestão social, da cooperação interinstitucional, da participação e da administração pública dialógica. Todos esses princípios dizem respeito ao conceito de governança. O método utilizado para a realização do presente trabalho consiste em um estudo de caso da RMBH. O referencial teórico baseia-se em informações adquiridas em seminários, análise de conteúdo teórico e legal quanto ao tema. A pesquisa é do tipo qualitativo, pois, para que as conclusões fossem alcançadas, foram utilizados conhecimentos provenientes da análise de informações sobre lugares, pessoas e experiências, cruzando prática e teoria. Entrevista e análise documental foram os instrumentos metodológicos empregados. A proposta de intervenção desta pesquisa é a realização de um seminário que discuta o tema metropolitano sob a ótica da gestão social e visando ao desenvolvimento local. Palavras-chave: Regiões metropolitanas; Cooperação interinstitucional; Gestão social; Desenvolvimento local; Governança. ABSTRACT The social menagement is a way to employ the governance and promote local development. The case studied was the Metropolitan Region of Belo Horizonte – RMBH, specially in regard to acessibility, since this depends on the realizations of a public dialogue with other institutions. Cities have suffered profound transformation, turning into a metropolis that have new and different forms of human settlements, legal and urban problems that need special attention. Some brazilian cities have already became metropolis, but the law and politics are not following this process. The objective of this research is to analyze which structure of urban management promotes cooperation and the culture of solidarity, fundamental conditions for realizing projects of common interests thar seeks for local development. One of the specifics objectives is to trace how was the formation of the federal brazilian system and the institutionalization of the RMBH, in order to clarify the context in wich it created the regional administration. This research also describes how is the public administration today at RMBH and identify the capacity to develop, through cooperation, the local development. This study focus on urban accessibility practices, because it requires cooperation and participation. The results obtained showed that can not be defined one specific model for local development, but there are some principles that must be observed, as the social management, inter-institutional cooperation, participation and dialogue in public administration. All these principles are related to the concept of governance. The method used on this work consists on a study of the RMBH. The theory is based on information acquired in seminars, content analysis and legal literature on the subject. The research in qualitative and were used knowledge obtained from the analysis of information about places, people and experiences, crossing theory and practice. Interview and document analysis were the methodological tools employed. Keywords: Metropolitan areas; Inter-institutional cooperation; Social management; Local development; Governance. Lista de Ilustrações MAPA 1: Divisão Político Administrativa Região Metropolitana de Belo Horizonte e Colar Metropolitano........................................................................................................95 MAPA 2: Densidade Viária na RMBH.........................................................................127 MAPA 3: Localização do Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte.......................................................................................................................129 Lista de Quadros QUADRO 1: Constituição e características básicas da Região Metropolitana de Belo Horizonte.........................................................................................................................96 Lista de Siglas e Abreviaturas Agem Agência Metropolitana AMBEL Assembleia Metropolitana de Belo Horizonte Ansur Associação Nacional do Solo Urbano BNH Banco Nacional de Habitação CCT Câmara de Compensação Tarifária CF Constituição Federal CGTC Comissão Gerenciadora do Transporte Coletivo da RMBH CNDU Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano CNPU Comissão Nacional de Política Urbana e Regiões Metropolitanas DBO Departamento de Bondes e Ônibus DER/MG Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem EME Esquema Metropolitano de Estruturas FDM Fundo de Desenvolvimento Metropolitano FJP Fundação João Pinheiro Granbel Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil IGA Instituto de Geociências Aplicadas IPNUD I Plano Nacional de Desenvolvimento Metrobel Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte MNRU Movimento Nacional pela Reforma Urbana PACE Plano da Área Central PDDI Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado PDIES Plano de Desenvolvimento Integrado Econômico e Social da RMBH PERMBH Projeto Estruturador da RMBH PIB Produto Interno Bruto Plambel Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte PPAG Plano Plurianual de Ação Governamental PROBUS Programa de Organização do Transporte Público RM Região Metropolitana RMBH Região Metropolitana de Belo Horizonte SEDRU Secretaria de Desenvolvimento Regional e Política Urbana SEGEM Secretaria Extraordinária de Gestão Metropolitana SEPLAN Secretaria do Planejamento e Coordenação Geral de Minas Gerais Serfhau Serviço Federal de Habitação e Urbanismo Sistar Sistema de Cobrança e Validação de Tarifa SNTU Sistema Nacional de Transportes Urbanos SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUPAM Superintendência de Articulação com os Municípios ZEE MG Zoneamento Ecológico Econômico SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................13 1.1 Metodologia..............................................................................................................17 2 REFERENCIAL TEÓRICO.....................................................................................19 2.1 Região Metropolitana.............................................................................................19 2.1.1 Estado Federal.......................................................................................................24 2.2 Desenvolvimento Local...........................................................................................27 2.2.1 Cidade, Território e Metropolização.....................................................................31 2.3 Gestão Social e Governança Metropolitana.........................................................33 2.3.1 Cooperação Interinstitucional...............................................................................40 2.3.2 Administração Pública Dialógica.........................................................................44 2.3.3 Participação Popular.............................................................................................47 3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA..................................................................53 3.1 O Estado Federal Brasileiro...................................................................................53 3.1.1 Autonomia Municipal............................................................................................59 3.2 Metropolização no Brasil........................................................................................64 3.2.1 A trajetória histórica da regionalização no Brasil...............................................65 3.3 Planejamento urbano e a configuração de áreas metropolitanas......................75 3.3.1 Planejamento Urbano no Brasil..........................................................................79 4 A FORMAÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE.86 4.1 A definição da sede da nova capital de Minas Gerais: Belo Horizonte..............86 4.2 Do Arraial Curral Del Rey à capital mineira........................................................87 4.3 A construção de uma cidade para abrigar o governo de Minas Gerais.............87 4.4 A expansão urbana e a configuração da Região Metropolitana de Belo Horizonte enquanto fenômeno urbano espacial.........................................................90 4.5 A institucionalização da Região Metropolitana de Belo Horizonte....................93 4.5.1 A estrutura atual da RMBH................................................................................103 5 A ACESSIBILIDADE METROPOLITANA.........................................................112 5.1 A acessibilidade na RMBH...................................................................................119 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................136 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO............................................................................139 REFERÊNCIAS...........................................................................................................142 13 1 INTRODUÇÃO Em meados do séc. XX, houve uma revolução demográfica atrelada à integração das cidades pelos transportes e pela telecomunicação. Esses fatores influenciaram o êxodo rural e o crescimento desordenado dos centros urbanos (SOUZA, 2006). As cidades vêm sofrendo profundas transformações qualitativas. As metrópoles, megalópoles ou regiões metropolitanas não representam apenas uma versão maior da cidade tradicional, mas uma nova e diferente forma de assentamento humano, com problemas jurídico-urbanísticos que precisam ser cuidados de modo específico e diferenciado (SILVA, 2008). Para Esteve (2004, p.22), as cidades são a riqueza das nações, mas não são produzidas de forma independente, “sino a través de la interacción com otras ciudades y otros municípios, en no pocas ocasiones, relativamente próximos en el território”. A regionalização é uma tendência atual. Conforme afirma Teixeira (2008), a regionalização é uma alternativa para o processo de mudanças, a partir da constatação de que os municípios, isoladamente, são incapazes de atender a seus munícipes, tanto pelo excesso de atribuições quanto pelos escassos recursos financeiros. A divisão territorial dos municípios hoje não delimita de fato a influência dos mesmos e as necessidades da população local. Algumas capitais brasileiras já se encontram em estado de metropolização, porém a legislação e as políticas públicas não vêm acompanhando esse processo. O território referente à divisão administrativa não corresponde mais ao território vivido pela sociedade local ou regional. O intenso processo de urbanização no Brasil proporcionou o surgimento de grandes conglomerados nos quais os limites municipais tornaram-se indefinidos. As cidades começaram a coexistir de forma integrada, de modo que a população de diversos municípios próximos passou a interagir no território de mais de uma administração municipal. Essa interação fez com que surgissem problemas em escalas regionais. O crescimento das áreas metropolitanas foi além do aumento populacional, houve intensificação dos problemas sociais, ambientais e econômicos. Dessa maneira, vem se tornando necessária uma gestão metropolitana. A urbanização desordenada que atinge as grandes metrópoles brasileiras e a exclusão social são responsáveis por uma gama de problemas enfrentados diariamente pela administração pública e de difícil solução individual por cada município, cada vez 14 mais dependente de uma cidade pólo e dos demais centros urbanos próximos. Segundo Lopes (2010, p.319), Nas regiões metropolitanas a situação é agravada pela característica da ocupação, que faz com que os problemas de um município afetem diretamente o município vizinho, não sendo possível pensar em soluções realmente eficazes e permanentes que não passem por uma ação regional. Mesmo um município rico, com alta capacidade técnica e política para atuar, não consegue blindar suas fronteiras e trabalhar solucionando seus problemas locais, pois a população regional necessariamente se movimenta entre territórios vizinhos, transportando problemas e soluções entre eles. Em 1973, foram criadas oito regiões metropolitanas no país, sendo uma delas a de Belo Horizonte. Essas regiões foram institucionalizadas com a função de solucionar problemas derivados da ausência de uma gestão regional. Basicamente, as regiões metropolitanas da década de 70 tinham como finalidade a prestação de serviços comuns. Com a Constituição de 1988 e a formulação de outras normas estaduais, federais e municipais, as funções de interesse comum regional foram aprimoradas e passaram a tratar de diversos aspectos, como a acessibilidade (TEIXEIRA, 2008). Ocorre que a simples criação de regiões metropolitanas não resolve os problemas originados a partir do crescimento das cidades. Seriam necessários institutos e normas que regularizem a atuação e a competência dessas instâncias da administração pública. A discussão sobre as dinâmicas socioeconômicas, urbanísticas, políticas e culturais que caracterizam o “fenômeno da metropolização – a geografia da „cidade real‟, que desconsidera limites administrativos e mesmo limites físicos – não pode mais ser dissociada da discussão acerca da dimensão jurídico-institucional desse processo” (GOUVÊA, 2005, p.12). Mais importante ainda é a necessária cooperação entre as esferas do poder público, o setor privado e a sociedade. O desenvolvimento local, por exemplo, depende de formas coletivizadas de gestão (FISCHER, 2002). As regiões metropolitanas dependem da cooperação interinstitucional para serem implantadas de forma efetiva. Essa cooperação deriva de um sistema federativo também cooperativo. Ocorre que, conforme poderá ser observado neste trabalho, a formação da federação no Brasil deu-se de forma competitiva e passou por diversos estágios de centralização e de descentralização (ABRUCIO, 2006). A divisão de competências e recursos no contexto do pacto federativo brasileiro não deveria ser um fator impeditivo da cooperação, mas na prática esse fato acontece. O 15 sistema federativo brasileiro é competitivo, a cooperação não é estimulada e as desigualdades regionais apenas tendem a estimular a competição (ABRUCIO, 2006). Os entes federativos são a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Na atualidade, vem sendo discutida a existência de uma quarta instância, a regional, derivada da interligação e da interdependência que predominam hoje em algumas áreas de alto adensamento urbano, conurbadas ou não. Para Gouvêa (2005, p.191), “a inexistência de políticas públicas de corte metropolitano contribui para o aumento dos níveis de desigualdade entre os municípios”. Diante dos fatos narrados, a questão central desta pesquisa é a seguinte: qual seria a estrutura de gestão urbana que melhor fomentaria práticas de cooperação e a cultura da solidariedade, condições fundamentais à materialização de projetos de interesse comum que busquem o desenvolvimento local na região metropolitana de Belo Horizonte? As cidades são extremamente dinâmicas e, por essa razão, não é devida a definição de um modelo de gestão perfeitamente adequado para a RMBH. A existência de um sistema cooperativo e participativo permite que as mudanças ocorridas na sociedade sejam facilmente absorvidas pela gestão urbana, de modo que esta se mantenha eficaz mediante as alternâncias vividas no cotidiano. Por esse motivo, não cabe a esta pesquisa definir uma estrutura administrativa definitiva, mas demonstrar a relevância de se fomentar a cooperação e a dialogicidade. Almeja-se apresentar como uma política metropolitana federal, pactuada entre os diversos ministérios, agências de vocação metropolitana, Congresso Nacional, dentre outras instituições, deverá oferecer incentivos para que os governos municipais e estaduais sintam-se motivados a aderir a um círculo virtuoso de cooperação e intervenção articulada entre os três níveis de governo. O que se busca é a construção de uma política metropolitana de “soma positiva”, na qual todos os atores envolvidos, inclusive a população, sejam beneficiados (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010). O objetivo desta pesquisa é importante, pois no Brasil não há integração entre entes governamentais, administrativos e o povo. Quem formula as políticas públicas normalmente não é quem as executa e raramente compreende as implicações sociais, econômicas e políticas delas derivadas (ARAÚJO, 2010). Assim, o objetivo geral deste trabalho é analisar qual a estrutura de gestão urbana que melhor fomenta práticas de cooperação e a cultura da solidariedade, condições fundamentais à materialização de projetos de interesse comum que buscam o desenvolvimento local na região metropolitana de Belo Horizonte. Um dos objetivos 16 específicos é traçar como foi a formação do sistema federativo e da institucionalização da RMBH, com a finalidade de esclarecer o contexto no qual surgiu a concepção de administração regional. Outro é descrever qual a formação da Administração Pública atual e identificar se essa tem capacidade de desenvolver, por meio da cooperação, o desenvolvimento local, caracterizando os instrumentos de gestão criados para a promoção de uma Administração Pública dialógica e cooperativa. Para Ribeiro (RIBEIRO; JUNIOR, 2010), cabe indagar se não está consolidada uma situação de ingovernabilidade das metrópoles brasileiras, em razão da complexidade dos problemas que se avolumaram ao longo dos últimos anos, da fragmentação institucional e da inexistência de valores que impulsionem as ações coletivas de cooperação interinstitucional, visando ao enfrentamento de problemas comuns. Para a realização deste trabalho e com o intuito de demonstrar que por meio da execução da administração pública dialógica e da cooperação interinstitucional é possível o desenvolvimento de uma gestão regional participativa capaz de melhorar a qualidade de vida nos centros urbanos, serão retratados a formação do federalismo brasileiro, os processos de urbanização e a realidade da institucionalização da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH, com foco nas práticas de acessibilidade urbana. A opinião de Esteve (2004, p. 38), quanto à gestão governamental, reforça a proposta de estudo do presente trabalho: Sin duda, el gobierno que será mas ampliamente reconocido para impulsar la gestión de redes de ciudades será el gobierno regional, siempre que parta de los princípios de: respeto a la autonomia local y no injerencia en asuntos municipales; subsidariedad respecto a la actuación de los gobiernos locales y consideración a la asimetría de los municipios y de sus gobiernos respecto a la importancia demográfica y económica y social; cooperación para establecer las redes de ciudades, a partir de una negociación en que em fortalecimiento de la relación tenga aún mayor importancia que los contenidos (ESTEVE, 2004, p. 38). O referencial teórico desta pesquisa trabalha pontos básicos como a concepção de região metropolitana, o que requer uma explanação sobre o estado federal. Posteriormente é tratado o conceito de desenvolvimento local, que demanda uma discussão sobre cidade e território a fim de justificar o motivo da escolha da discussão do âmbito local. Gestão social, governança metropolitana, cooperação interinstitucional, administração pública dialógica e participação popular são os últimos aspectos 17 apresentados no referencial teórico e visam a tecer os objetivos desta pesquisa enquanto proposta de intervenção. No momento seguinte, os conceitos citados são contextualizados historicamente, em conformidade com a trajetória do planejamento urbano no Brasil e em Belo Horizonte, com o intuito de fundamentar a institucionalização metropolitana. Por fim, é relatada a forma como ocorre a gestão da acessibilidade e a importância dessa em nível regional. A proposta de intervenção desta pesquisa é a realização de um seminário que discuta a governança metropolitana, com foco no desenvolvimento local promovido pela gestão social. 1.1 Metodologia Esta pesquisa consiste em um estudo de caso da formação da Região Metropolitana de Belo Horizonte. O referencial teórico baseia-se em informações adquiridas em congressos e seminários, análise de conteúdo teórico e legal quanto ao tema. Esse trabalho consiste em uma pesquisa do tipo qualitativo, pois para que as conclusões fossem alcançadas foram utilizados conhecimentos provenientes da análise de informações sobre lugares, pessoas e experiências. A prática e a teoria cruzaram-se durante a realização do trabalho, assim como foi dada relevância ao sujeito, aos atores e ao contexto no qual o objeto está inserido (CHIZZOTTI, 2003). Por se tratar de um trabalho na área de ciências sociais, os métodos histórico, comparativo e descritivo foram amplamente utilizados. Foi relevante o estudo da formação da RMBH para a explanação da sua situação atual e os reflexos das políticas aplicadas no passado. Dados estatísticos quanto aos municípios que compõem a RMBH e quanto ao grau de institucionalização foram coletados e avaliados, para a construção de um texto próximo da realidade da sociedade local. As informações quantitativas não alteraram a natureza da pesquisa, apenas complementaram o texto. Para que os objetivos fossem cumpridos, foi necessário observar os elementos que compõem a RMBH, com destaque para os órgãos que a gerenciam, as organizações da sociedade civil e as instituições acadêmicas envolvidas com questões metropolitanas. As entrevistas realizadas com José Abílio Belo Pereira, Conselheiro Metropolitano e com a professora da UFMG, Jupira Gomes de Mendonça foram de grande valia para a compreensão dos valores aplicados pelos gestores públicos na formulação das políticas regionais e para verificar a aplicação efetiva da cooperação interinstitucional, da realização de uma gestão intersetorial, colaborativa e participativa. 18 A pesquisa qualitativa foi a mais adequada para o trabalho, já que possibilitou à pesquisadora a verificação da interação entre os diversos atores metropolitanos. A execução do trabalho fez uso dos seguintes instrumentos metodológicos que se complementaram: investigação por análise documental e entrevistas. A análise documental foi importante por ter servido como fonte de informações que enriqueceu o embasamento teórico da pesquisa e ofereceu dados para que fossem formuladas e interpretadas as entrevistas. A busca pelas normas jurídicas que criaram e regulamentam a RMBH, ou que de qualquer forma remetem à gestão metropolitana, contribuiu para fundamentar a institucionalização dessa instância regional e as políticas de administração intermunicipal. Obras e artigos publicados que tratam da regionalização, do processo histórico de ocupação e planejamento de Belo Horizonte foram lidos e trabalhados, para que pudessem fornecer dados empíricos ou teóricos quanto aos processos de urbanização e articulação interinstitucional nas metrópoles. Documentos dos órgãos da estrutura administrativa da RMBH e notícias de jornais tornaram-se úteis para a composição da realidade da institucionalização. Para a compreensão da importância do uso da cooperação interinstitucional como instrumento de formação de regiões metropolitanas, foram entrevistados membros da academia, um conselheiro metropolitano e a diretora da Agência Metropolitana, Vivian Barros Martins. As entrevistas foram semiestruturadas e permitiram o desenvolvimento de um bom diálogo. O resultado alcançado com as entrevistas foi a comprovação dos problemas apontados pela doutrina quanto à dificuldade de se estabelecer a cooperação na RMBH. Como foram entrevistadas pessoas que possuem um envolvimento distinto com a temática metropolitana, trechos das falas dos entrevistados estão dispersos pelo texto, justificando e complementando informações colhidas através de outros instrumentos metodológicos. 19 2 REFERENCIAL TEÓRICO O presente capítulo trata do referencial teórico que servirá de embasamento para a pesquisa que ora se apresenta. Torna-se fundamental, nesse sentido, tratar dos conceitos de região metropolitana, contextualizada na realidade brasileira, e de gestão social que promoverá o desenvolvimento local por meio de práticas cooperativas e participativas. Cabe ressaltar que a cooperação interfederativa é um dos desafios metropolitanos. A ausência de um arranjo institucional intergovernamental e o municipalismo fazem com que os municípios acreditem que possam resolver suas demandas sozinhos (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010). Assim é preciso tratar do conceito de região metropolitana, tendo em vista o contexto constitucional e a formação do Estado Federal. Outro aspecto a ser considerado refere-se à conformação geográfica do poder político que define uma limitação territorial. Esses limites são margens delimitadoras do intercâmbio entre distintos grupos e pessoas externas (SERRANO, 1999) e não são claros nos dias de hoje. Por essa razão, é necessário discutir as relações entre poder, território e povo. Como já exposto anteriormente, esta pesquisa trata dos processos político-sociais, tendo em vista as articulações institucionais e a participação popular. Ela parte do pressuposto de que é preciso a formação de uma gestão colaborativa baseada em uma administração pública, dialógica, capaz de tratar de demandas urbanas e do desenvolvimento local. Assim, para que o objetivo deste trabalho seja alcançado, o referencial teórico partirá dos conceitos de região metropolitana, contextualizadas no Estado Federal, e de gestão social, enquanto precursora da governança urbana, fundamentada na cooperação interinstitucional, na participação popular e na promoção do desenvolvimento local. Os conceitos de cidade e território integrarão a discussão do desenvolvimento local, para que fique clara a dimensão do objeto de estudo e a razão do uso da expressão local, ao longo da pesquisa, e não regional. 2.1 Região Metropolitana Do ponto de vista etimológico, metrópole significa cidade-mãe. As antigas cidades gregas, que conquistavam cidades estrangeiras, eram conhecidas como cidades metropolitanas (VILLAÇA, 1978). As regiões metropolitanas podem ser tratadas sob dois contextos: o legal e o espacial. A configuração espacial consiste nas conurbações urbanas, na existência de 20 conexões entre municípios, sejam elas institucionais, viárias, econômicas ou sociais. Já o contexto legal trata da regulamentação jurídica das regiões metropolitanas, criadas por lei com o intuito de normatizar as relações espaciais. Para Eurico Rezende, citado por Gouvêa (2005, p. 133): As Regiões Metropolitanas constituem hoje em dia uma realidade urbanística que não pode ser desconhecida das administrações modernas, nem omitida no planejamento regional. Por Regiões Metropolitanas, entendem-se aqueles Municípios que gravitam em torno da grande cidade, formando com esta uma unidade socioeconômica, com recíprocas implicações nos seus serviços urbanos e interurbanos. Assim sendo, tais serviços deixam de ser de exclusivo interesse local, por vinculados estarem a toda a comunidade metropolitana. Passam a constituir a tessitura intermunicipal daquelas localidades, e, por isso mesmo, devem ser planejados e executados em conjunto, por uma administração unificada e autônoma, mantida por todos os Municípios da região, na proporção dos seus recursos e, se estes forem insuficientes, hão de ser complementados pelo Estado e até mesmo pela União, porque os seus benefícios se estendem aos governos estadual e federal. Serrano (2009) ressalta o caráter legal da região metropolitana, tendo em vista as necessidades existentes no espaço envolvido por esta. Sendo assim, Serrano caracteriza a região metropolitana como um meio desconcentrado de administração regional, cuja premissa é a solução equânime de problemas de interesse público que afetam municípios de áreas conurbadas. Dentre esses problemas, podem-se citar o direito à moradia, à preservação ambiental, à mobilidade, à saúde, à proteção do patrimônio cultural. O conceito mais completo apresentado por Serrano é o qual afirma ser a região metropolitana (SERRANO, 2009, p. 226) um ente administrativo estadual, da administração direta ou indireta, sob regime de Direito Público, instituída por competência discricionária do legislador complementar estadual por conta do permissivo constitucional do § 3º do art. 25 de nossa Carta Magna, em áreas de conurbação de três ou mais municípios em que haja a necessidade de realização de atividades comuns de caráter regional, no interior dos limites da competência constitucional do Estado-membro e em seu nome e sob sua responsabilidade, realizados por gestão compartilhada com os municípios integrantes, nos limites e organização estipulados na lei instituidora, sem interferência na autonomia municipal. 21 Regiões Metropolitanas, conforme é retratado por Eros Graus na obra de Serrano (2009), são constituídas por leis que reconhecem a existência de uma comunidade socioeconômica com funções urbanas altamente diversificadas, especializadas e integradas. Estas estabelecem um agrupamento de municípios com vistas à realização integrada da organização, planejamento, execução de funções públicas de interesse comum exigidos em razão da integração urbano-regional. As regiões metropolitanas representam um conjunto territorial intensamente urbanizado e adensado, pólo de atividade econômica, cujas necessidades específicas somente poderão ser atendidas mediante a realização de funções governamentais coordenadas e planejadas (GRAU, 1983). Para Silva (2004, p.646) a “região metropolitana constitui-se de um conjunto de municípios cujas sedes se unem com certa contiguidade em torno de um municípiopólo”. No mesmo sentido, Meirelles (2003, p.82) entende que a região metropolitana resume-se à delimitação de uma zona de influência da Metrópole e à atribuição de serviços de âmbito metropolitano a uma única administração. Para Machado (2003, p.28), a metrópole “visa a estabelecer formas de gestão pública, aderentes às características supramunicipais, dos problemas urbanos e busca administrar um espaço fisicamente integrado, porém institucionalmente fragmentado”. O art. 45 da Constituição do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 1989) conceitua a região metropolitana como um conjunto de Municípios limítrofes, apresentando a ocorrência ou a tendência de continuidade do tecido urbano e de complementaridade de funções urbanas, que tenha como núcleo a capital do Estado ou metrópole regional e que exija planejamento integrado e gestão conjunta permanente, por parte dos entes públicos nela atuantes1. O art. 44 da Constituição do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 1989) define as aglomerações urbanas como o agrupamento de Municípios limítrofes, que apresentem tendência à complementaridade das funções urbanas, exigindo o planejamento integrado e recomendando ação coordenada dos agentes públicos. Os 1 O art. 46 da Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989 afirma que em cada região metropolitana haverá uma Assembleia Metropolitana, um Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano, uma Agência de Desenvolvimento, com caráter técnico e executivo, um plano diretor de desenvolvimento integrado e um fundo de desenvolvimento metropolitano. Conforme o art. 47, o fundo de desenvolvimento metropolitano deve ser destinado a financiar os planos e projetos da região metropolitana, em consonância com o plano diretor de desenvolvimento integrado. 22 requisitos para as aglomerações são a existência de população mínima de 300.000 habitantes e de complexo geoeconômico e social integrado por três ou mais municípios. As microrregiões são caracterizadas, pelo art. 49 do mesmo dispositivo legal, como o agrupamento de Municípios limítrofes, resultante de elementos comuns físicoterritoriais e socioeconômicos, que exija planejamento integrado com vistas a criar condições adequadas para o desenvolvimento e a integração regional. Todas essas três modalidades dispostas na Constituição do Estado de Minas Gerais apresentam, como finalidade, uma gestão e um planejamento urbano que promovam o desenvolvimento. De acordo com Fernandes (2004, p.82), a experiência brasileira demonstra que a região metropolitana não constitui apenas uma região de serviço comum, socioeconômica, administrativa ou de planejamento do uso do solo, mas também política. Para Fernandes, o enfrentamento dos problemas metropolitanos não se esgota na soma das ações locais e a falta de um aparato jurídico-institucional adequado para enfrentá-los tem levado a distorções de toda ordem, fazendo com que a “gestão urbana das regiões metropolitanas do país seja caracterizada pela combinação de processos de ineficiência econômica, irracionalidade administrativa, injustiça social e degradação ambiental” (GOUVÊA, 2005, p. 16). Conforme conclui Teixeira (2008), é difícil traçar um conceito único para as regiões metropolitanas, mas certos aspectos são comuns a qualquer caracterização feita quanto à mesma. Dentre esses aspectos, pode-se citar a existência de extensa região urbana, onde há o entrelaçamento territorial de municípios vizinhos, intensos processos econômicos e industrialização que atraem pessoas, devido à imagem de lugar rico, cheio de oportunidades, imagem esta em desacordo com os graves problemas sociais acumulados nas áreas urbanas. Enfim o caráter espacial das regiões metropolitanas é essencial para a sua configuração legal, reconhecida e instituída por normas jurídicas. Porém as Regiões Metropolitanas não constituem um ente político, legislativo ou possuem fonte de arrecadação. A mera criação das mesmas por lei pouco acresce à possibilidade de solução dos problemas intermunicipais. A administração da região metropolitana pode ser feita, conforme determinar o estado que a constituiu, por meio da administração direta, atribuída a órgão do Estado ou de representantes do estado e dos municípios, ou da administração indireta, pela criação de pessoas jurídicas distintas da pessoa do estado e dos municípios. Enfim a região metropolitana, no atual contexto constitucional, é divisão administrativa e, sob 23 essa forma, a entidade ou o órgão que a administrar não poderá ir além de uma organização com autonomia administrativa e financeira, com personalidade de direito privado, como uma empresa estatal, de direito público, como autarquia, ou sob a forma de órgão do estado, como uma secretaria (TEIXEIRA, 2008, p. 79). Em suma as regiões metropolitanas não podem ser basicamente uma conurbação urbana que envolva alta densidade demográfica e mais de um município que possuam interesses comuns. Os interesses comuns devem ser observados em conjunto. A justificativa para a existência da região metropolitana diz respeito à prestação conjunta pelos municípios de funções públicas de interesse comum visando à satisfação da população2 (TEIXEIRA, 2008). Gouvêa (2005, p.137) destaca que: Os defensores da preservação rígida do princípio da autonomia municipal, ao procurar definir o alcance da expressão „serviços comuns metropolitanos‟, viram a necessidade de separar os serviços comuns em segmentos, alguns para serem gerenciados de forma unificada e outros para continuarem a ser executados isoladamente pelos municípios metropolitanos. No entender desses municipalistas, funções metropolitanas são aquelas de caráter unicamente intermunicipal. Enquanto isso, os partidários de modelos unificados de gestão metropolitana argumentam que, se o objetivo da criação das RMs foi justamente o de propiciar um tratamento integrado dos complexos problemas de áreas conurbadas, seria contraditória e incompreensível a segmentação dos serviços públicos de interesse comum, atribuindo uns à autoridade municipal e outros à metropolitana. Além disso, na maioria dos casos é bastante difícil, ou mesmo impossível, delimitar, com razoável nível de precisão, os limites desses segmentos para fins de determinação dos níveis de competência (GOUVÊA, 2005). As divergências envolvem a definição do que seriam, de fato, problemas metropolitanos, já que os bens e serviços oferecidos no âmbito das metrópoles são 2 Segundo o art. 43 da Constituição do Estado de Minas Gerais: “Considera-se função pública de interesse comum a atividade ou o serviço cuja realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto nos outros Municípios integrantes da região metropolitana. §1° A gestão de função pública de interesse comum será unificada. §2° As especificações das funções públicas de interesse comum serão definidas na lei complementar que instituir região metropolitana, aglomeração urbana e microrregião” (MINAS GERAIS, 1989). O art. 19 da Constituição do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 1989) dispõe que: “No planejamento, na organização e na execução das funções públicas de interesse comum, a ação dos órgãos de gestão da Região Metropolitana abrangerá serviços e instrumentos que repercutam alem do âmbito municipal e provoquem impacto no ambiente metropolitano, notadamente.” 24 muitas vezes empreendimentos conjuntos, coincidentes ou conflitantes, envolvendo diferentes organismos vinculados a distintas esferas de governo. O que se percebe é que a atuação institucional nas áreas urbanas nunca se constituiu domínio exclusivo de nenhum nível de governo – federal, estadual ou municipal. Nessas áreas, sempre atuaram uma diversidade de organismos da administração direta e indireta de cada um desses níveis (GOUVÊA, 2005). Diante da dificuldade de criar uma estrutura organizacional específica para dar suporte às atividades de formulação e implementação de políticas públicas de cunho metropolitano, analistas defendem a formação de parcerias intermunicipais, como os consórcios e os convênios, mesmo que monotemáticos (GOUVÊA, 2005). Esses consórcios têm se multiplicado pelo país e tratam de temas específicos como saúde, habitação, educação, limpeza e coleta de lixo (CRUZ, 2010). A base dessas relações consorciadas é a cooperação intergovernamental. Segundo dados do IBGE (CRUZ, 2010, p.85), mais da metade dos municípios brasileiros, em 1999, participava de algum consórcio intermunicipal, sendo a maioria deles referentes à saúde, formados por cidades pequenas a médias e concentrados nas regiões sul e sudeste. Infelizmente, no Brasil, não existem mecanismos que proporcionem segurança política para que as administrações municipais estabeleçam processos de gestão integrada de políticas de interesse plurimunicipal (GOUVÊA, 2005). A relevância da articulação intermunicipal é tratada por Abrucio (2004), quando dispõe que o municipalismo, como projeto democrático no Brasil, só terá sucesso, se o intermunicipalismo e o entrelaçamento entre os níveis de governo tiverem êxito. Caso contrário, por mais fortes que os municípios sejam no plano constitucional, continuarão frágeis no que tange ao poder e à instância democrática capaz de resolver os dilemas da coletividade. 2.1.1 Estado Federal Importante abordar o que é o Estado para compreender a formação das regiões metropolitanas. Essa abordagem permite que seja feito o liame entre a divisão geográfica do exercício do poder político e a distribuição das competências entre os entes da federação. Estado é uma organização política necessária para a vida social e sob a qual vive o homem moderno. Essa organização é resultado da existência de um povo sobre um território, delimitado e governado por leis que têm como fundamento um poder não definido por fatores externos e supremo internamente (BASTOS, 1999). Para 25 Zimmenmann (1999), o Estado é uma realidade sociopolítica incontestável, com personalidade jurídica e autoridade próprias. Machado (2003, p. 37) dispõe que: federalismo é a forma de Estado composta pela reunião de Estados-membros que conservam, cada um, certo nível de independência e autonomia, mas que se submetem a uma única Constituição, a qual prescreve a existência de um governo central representante, perante Estados estrangeiros, da União federal. De acordo com Serrano (2009), o povo, o território e o poder político são condições de existência do Estado, somados ao ordenamento jurídico e ao interesse comum. O povo pode ser definido como todas as pessoas que estão no limite territorial de um Estado e sob as quais o governo exerce seu poder político. A conformação geográfica do poder político define uma limitação territorial como base física. O território é o espaço geográfico delimitado constitucionalmente para o exercício da soberania e, por isso, é elemento que dá sentido à existência do Estado (SERRANO, 2009). Para Abrucio (1998), o arranjo federativo depende de três elementos: contrato federativo, equilíbrio entre os princípios da autonomia e da interdependência, e “republicanização” da esfera pública. Analisando a opinião de Abrucio, Gouvêa (2005) dispõe que o sistema federativo deve ser estabelecido a partir de um contrato construído sobre bases constitucionais e mantido por um sólido arcabouço institucional. Apresenta interdependência entre os entes federados e respeito a princípios predeterminados de autonomia. Torna a esfera pública mais republicana, submetendo o poder a processos de controle mútuos entre as diversas instâncias de poder e a sociedade. O Estado federal é uma associação de estados, submetidos a um poder único, embora conservem, cada qual, sua independência e preservem a conciliação de seus interesses, de acordo com os princípios basilares da descentralização, da participação e da autonomia. Pela participação, cada Estado-membro contribui para a formação da vontade geral e, pela autonomia, conservam a independência na administração de seus negócios. O federalismo deu-se por segregação no Brasil, que é a separação de um Estado Unitário para a formação de entes ligados ao poder central, mas dotados de autonomia política. A queda da Monarquia em 1889 e a extensão territorial do país favoreceram a segregação (SERRANO, 2009). Federalismo vem do latim faedus, que significa contrato. O sistema federativo envolve a articulação de partes de uma organização 26 territorial do poder central com os poderes regional e local, o que traduz um conjunto de alianças que buscam a compatibilização de valores e interesses entre atores políticos (AFONSO; BARROS, 1995). O federalismo envolve uma partilha de poder. Uma característica central do federalismo é “garantir simultaneamente a unidade e a diversidade” (ROCHA; FARIA, 2010, p. 103). Em um território das dimensões do brasileiro, com uma grande dispersão populacional, o desejo do centro de exercer o controle político sobre o território sempre apresentou dificuldades para ser concretizado. Se o federalismo brasileiro não reflete clivagens étnicas, linguísticas e religiosas, é inegável a importância do papel das elites regionais para o entendimento da política brasileira: as regiões, os Estados e os municípios foram, historicamente, sistemas de poder que, dependendo do momento, são reconhecidos ou não pelas instituições governamentais formais. Assim, ao longo do tempo, a distribuição territorial do poder no Brasil vai configurando momentos de maior autonomia dos entes frente ao governo central e momentos de afirmação deste frente aos Estados e municípios (ROCHA; FARIA, 2010). O federalismo, para se manter em equilíbrio, deve estar em constante processo de cooperação e competição. Os estados membros acatam a ideia de transferir parte de sua autonomia para um poder unificador, de modo que a partir da cooperação seja possível a concretização de um jogo de soma positiva. Para a garantia do equilíbrio, cabe também a assinatura de um pacto federativo, tendo em vista o encontro de múltiplas vontades (MACHADO, 2009). O pacto firmado no Brasil é a Constituição da República. Cumpre ressaltar que a primeira Constituição da República Federal previu como entes federados apenas a União e os Estados, ainda sem representação no Poder Legislativo. Não havia previsão de concessão de autonomia aos municípios. A Constituição de um Estado Federal deve: transmitir a vontade dos entes de formar um novo Estado; garantir direitos para as pessoas; distribuir competências; fixar a forma de governo como cláusula pétrea; indicar um poder de controle com prerrogativas suficientes para garantir o pacto federado (SERRANO, 2009). O formato federativo brasileiro foi instituído logo após a proclamação da República, em 1889, pelo Governo Provisório. Este foi definido como a união das antigas províncias, denominadas estados. A Constituição de 1934 incluiu o Distrito Federal e os Territórios como entes federativos. As cartas de 1946 e de 1967 confirmaram essa formação (GOUVÊA, 2005). Os municípios somente foram incorporados à federação, enquanto entes, na Constituição de 1988. 27 2.2 Desenvolvimento Local A incorporação dos municípios enquanto unidade de administração local pela Constituição de 1988 gerou a redistribuição de competências e recursos entre os entes da federação. O êxodo rural, a concentração populacional nos promissores centros urbanos, a metropolização e o aumento das demandas sociais nas cidades exigiram grande atenção dos administradores públicos e, ao mesmo tempo, incentivaram a discussão em torno do desenvolvimento local. Para Souza (2008, p. 60), desenvolvimento não é sinônimo de progresso econômico, pois “desenvolvimento deve representar uma mudança social positiva, correspondente aos desejos e expectativas dos grupos sociais”. Souza (2008) acredita que a qualidade de vida serve como indicador para apontar o desenrolar do desenvolvimento na nossa sociedade. Desenvolvimento significa o estágio econômico, social e político de uma comunidade. Importante frisar que o desenvolvimento não se refere somente ao aspecto econômico de produção de riqueza, mas também à distribuição desta (SOMEKH, 2008). O desenvolvimento, assim, deriva da redução da pobreza e das desigualdades sociais. A forma mais legítima de se alcançar a justiça social é a que se mostrar mais democrática, ou seja, aquela na qual os próprios indivíduos definem e estabelecem as prioridades. Assim, a justiça social está subordinada à autonomia individual e coletiva. No Brasil, processos de descentralização político-administrativa ocorreram tendo como uma de suas finalidades aproximar o governo da sociedade civil, promovendo a participação popular. O drama da ditadura militar, centralista e autoritária, favoreceu a ideia de que descentralização está relacionada à democracia. Essa relação é reforçada por alguns autores que entendem que a implantação de um programa de desenvolvimento deve ter em vista dois elementos: a participação social dos atores locais e o empoderamento destes, por meio de mecanismos de descentralização administrava e financeira das políticas públicas (TAKAGI; SILVA; SANTOS, 2008). A municipalização da prestação de vários serviços públicos deu-se sob o enfoque da descentralização, assim como a definição do município como ente federativo e a redistribuição das competências e de recursos. Os grandes municípios são, atualmente, as sedes das decisões econômicas e da mudança social, atingem diretamente a sociedade e as decisões de uma única administração municipal e chegam a afetar outras localidades, configurando uma área metropolitana (VILLAÇA, 1978). 28 O desenvolvimento local de uma metrópole deve ser resultado de uma articulação de interesses específicos e de construção de interesses comuns entre diversos atores locais, de diferentes cidades, mediante situações formalizadas de gestão e planejamento. “Não existe, portanto, um único segmento impulsionador do desenvolvimento local, pois em cada circunstância são distintos e restritos na sua organização dentro da escala metropolitana” (POGGIESE, 2006, p. 492). Para Nadia Somekh (2008, p. 33): Com o esforço coletivo de cooperação e solidariedade – presente nas prefeituras e na sociedade civil da região -, será possível sonhar com utopias que podem ser realizadas com base nesse duplo movimento de fortalecimento interno e conexão externa, resultando numa cidade região bela, justa e ecologicamente equilibrada. A inclusão social, a cooperação, a criação e o alargamento de esferas públicas, em que diferentes atores políticos, econômicos, sociais dialoguem de maneira transparente, a partir de seus próprios interesses em conflito, são elementos fundamentais para a construção do desenvolvimento local (DANIEL, 2002). Para que as instituições metropolitanas e municipais tornem-se instrumentos efetivos de desenvolvimento local/regional são necessários métodos e procedimentos de planejamento participativo, operacionalizados em sinergia com o território e seus atores, monitorados com base na percepção dos usuários. O foco precisa ser no impacto direto e concreto sobre a qualidade de vida e o sentimento de protagonismo (PIRES, 2008). Pode-se observar que Pires (2008) destaca a qualidade de vida e a autonomia participativa como indicadores do desenvolvimento local, assim como Souza (2008). A estruturação da ação municipal, como instrumento de promoção do desenvolvimento, depende, inicialmente, “da orientação política da administração, que deve estar predisposta a transferir parte de seu poder à sociedade e a seus organismos representativos” (PIRES, 2008, p. 115). As disputas eleitorais e as diferenças partidárias não podem interferir na realização de iniciativas de desenvolvimento econômico local, negociadas pelos diferentes atores sociais e econômicos. Os investimentos locais para o desenvolvimento requerem tempos mais longos de maturação que extrapolam os ciclos eleitorais e políticos (ALBUQUERQUE; ZAPATA, 2008). O desenvolvimento tem de ser visto como elemento de vontade política, não apenas técnica ou econômica (CHRISTOFFOLI, 2008). 29 Dessa maneira, segundo Pires (2008, p. 116), a capacidade da sociedade ou de iniciativas políticas para transformar os instrumentos públicos em mecanismos de promoção do desenvolvimento local pode ser facilitada pela: a) aderência política e estratégica ao território, suas instituições e pessoas; b) independência política, estratégica e gerencial quando o fator de indução é a administração pública; c) proximidade do organismo público com o usuário de seus serviços, executando o monitoramento; e d) difusa participação e defesa, pela sociedade, dos instrumentos construídos e conquistados, que são base para o processo participativo de promoção do desenvolvimento local/regional. (PIRES, 2008, p. 116), Corral (2008) sugere que, para que sejam consolidadas as ações comunicativas de desenvolvimento local, os cidadãos envolvidos e interessados devem ser valorizados enquanto multiplicadores dos benefícios das políticas públicas. Dessa mesma forma, o uso de veículos que indiquem formas efetivas de educação e mobilização precisa ser incentivado para que a participação popular seja consistente na solução de problemas e construção de novas alternativas de desenvolvimento. Cumpre destacar que a ideia de desenvolvimento não é antagônica à de conflitos. A solução dos conflitos deve ser trabalhada pelo discurso prático dialogicamente. A tomada de decisões com a participação popular é conflituosa, mas seu resultado é mais legítimo e tem seus problemas amparados pelo controle social. O desenvolvimento local não é uma panaceia, uma situação social e produtiva além dos conflitos, mas a centrifugação de um novo tipo de conflito: o que opõe, por um lado, as políticas de fragmentação social e segregação espacial e, por outro, uma “cooperação social que corresponde ao próprio processo de constituição democrática do território produtivo como rede social de cidadãos” (COCCO, 2008, p. 376). A dimensão local é utilizada para tratar do desenvolvimento em uma região metropolitana por representar um adjetivo que indica o que é relativo ou pertence a determinado lugar, circunscrito ou limitado a uma região. A dimensão local não diz respeito especificamente a um bairro, uma cidade ou a microrregiões. Segundo Silveira (2008), o tamanho do lugar é decorrência de acúmulos e densidades sociais que o constroem como referência, o que não cabe em qualquer escala prefixada. O fortalecimento dos locais deriva da desfragmentação e da conexão com o extralocal. O que importa na verdade não é a extensão física dos lugares de referência, nem a abrangência dos circuitos de interação envolvidos, mas o conteúdo e a natureza das relações que são desencadeadas. O desenvolvimento, que é objeto deste estudo, é o 30 desenvolvimento que adensa os lugares e cria novos sujeitos visando à mudança social (SILVEIRA, 2008). Nesse sentido, ressalta-se que a região metropolitana deriva do adensamento de lugares, tendo em vista a busca constante pelo desenvolvimento desses locais. A territorialização das metrópoles não segue as divisões político-administrativas, mas extrapolam esses limites e constituem, hoje, uma única identidade, com problemas comuns solucionáveis por propostas conjuntas realizadas mediante o exercício da cooperação (GOUVÊA, 2005). É importante clarificar, neste trabalho, as escalas dos espaços abordados, como o local e o regional. O nível local é muitas vezes identificado de forma simplista, com um recorte político-administrativo municipal. Souza (2008), ao discutir a impressão de David Harvey sobre as escalas, dispõe que estas não são nem naturais, nem imutáveis, mas relativas ao modo histórico de organização e integração humana, logo, dinâmicas. Esse modo de interpretação não rompe com as divisas político-administrativas, entendendo estas como essenciais, já que dizem respeito a variantes normativas, de recolhimento de tributos dentre outros. A escala local trata da escala por excelência do planejamento e gestão das cidades (não limitando cidade a município), devido aos seus recortes espaciais. Nesta é permitida a vivência pessoal e a formação de identidades socioespaciais, além de maior proximidade física do governo com a sociedade (SOUZA, 2008). As regiões metropolitanas podem se inserir nessa escala, devido à presença de uma estruturação urbana e interdependência contínuas, apesar da subdivisão em várias unidades políticoadministrativas municipais. O interesse comum, buscado pelos membros de uma região metropolitana, infere em laços e relações fortes, de modo que todo o espaço da região passa a ser incorporado como um único lugar. A escala regional refere-se à moldura imediata da escala local. Essa comporta relações intraurbanas, entre diferentes manchas urbanas, e pode coincidir com a divisão administrativa estadual (SOUZA, 2008). A metrópole configura-se como um espaço fisicamente integrado, porém institucionalmente fragmentado (MACHADO, 2003). Pela razão da escala local transmitir a ideia de identidade comum e de proximidade entre governo e sociedade, esta atende melhor aos interesses metropolitanos. Dentre esses interesses estão o de integração e o de legitimação de um território comum, usado para o estabelecimento de relações sociais em prol do desenvolvimento conjunto. 31 No próximo tópico serão esclarecidos os conceitos de cidade e território para que a escala local do desenvolvimento metropolitano seja melhor compreendida. 2.2.1 Cidade, Território e Metropolização Para a compreensão do território, Milton Santos (2007, p. 61) sugere um “regresso ao começo da história humana, quando o homem em sociedade, relacionando-se diretamente com a natureza, constrói a história”. Respectivo autor dispõe que, nos primórdios da história humana, os laços entre território, política, economia, cultura e linguagem eram transparentes, possuíam uma territorialidade genuína. Economia, política, cultura e linguagem emanavam da perspectiva de território. Essa percepção criava um sentido de identidade e pertencimento ao seu espaço geográfico. Desse sentido partiram as ideias de domínio, de poder. Comunidade era um termo restrito ao contexto de espaço. “Um território possui pelo menos três atributos a partir dos quais pode ser caracterizado. Primeiro ele tem de ser geograficamente definido” (TAKAGI; SILVA; SANTOS, 2008, p. 172), caracterizado enquanto sua dimensão física. Outro modo de caracterizar um território é a análise de seus atributos que transmitem uma identidade singular. A coesão de seus principais atores sociais também é uma abordagem que identifica um território pela dimensão político-institucional (TAKAGI; SILVA; SANTOS, 2008). Essa última dimensão trata de uma concepção de território dinâmico, construído continuamente pela sociedade. Christoffoli (2008, p. 246) reforça o exposto acima ao afirmar que o conceito de território carrega duas dimensões: um sentido físico, objetivo, material e localizado; e um espaço social, com dimensões culturais, políticas, econômicas, históricas – em sua complexidade e temporalidade. Uma dimensão relacional, subjetiva, representável e indeterminada. Um mesmo território físico pode, então, conter várias territorialidades que colidem, se destroem e se recriam por meio de relações de poder. O território não é uma realidade natural, mas resultado da capacidade de articulação de atores locais. O território possui uma organização social, essencial para o desenvolvimento. Os territórios tendem a uma compartimentação generalizada, na qual se associam e se chocam conforme o movimento geral da sociedade. Hoje se pode afirmar que a totalidade do planeta está compartimentada, pelo menos politicamente. Todo espaço da Terra dispõe de uma função com fins de cumprir as necessidades, os usos e interesses da 32 humanidade (SANTOS, 2007). Essa compartimentação reflete na metropolização, pois esta consiste em uma mancha urbana ou cidade subdivida em diversas unidades administrativas. O fenômeno da metropolização demonstra a atuação ativa do território. A cidade deixa de corresponder aos limites administrativos municipais, os fluxos de pessoas confundem-se e misturam-se transversalmente. Nova compartimentação territorial deve ser agregada ao processo de formação de um novo lugar, a região metropolitana. O território não é neutro ou passivo, ao contrário, produz a consciência do lugar e da forma de ocupação. “O espaço geográfico não apenas revela o transcurso da história como indica a seus atores o modo de nela intervir de maneira consciente” (SANTOS, 2007, p.80). A simples superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem não formam o território. Este corresponde ao espaço vivido pelas relações sociais, políticas, laborais ou produtivas (SANTOS, 2007). As cidades representam o espaço usado pelas relações sociais, assim como a transformação das cidades em grandes metrópoles. O município representa uma delimitação do espaço baseada em um contexto jurídico-político, e não vivido. A cidade é produto de processos socioespaciais “que refletem a interação entre várias escalas geográficas” (SOUZA, 2008, p. 52). As cidades não devem ser compreendidas como uma massa modelável pelo Estado, mas como um conjunto de interações entre vários atores modeladores do espaço. A compreensão sobre a dinâmica territorial metropolitana torna-se mais rica e completa com a observação da diversidade de fatores que influenciam sua espacialidade (MORENO, 2006), o que significa ir além da análise dos limites das municipalidades. O território é produto de um processo político e social, construído pela sociedade ao longo da história. Ao mesmo tempo, é condição material reveladora das condições de vida, da maior ou menor presença do poder público, enquanto prestador de serviços e garantidor de direitos. A forma como o espaço é vivido difere de uma comunidade para outra, conforme a estrutura oferecida pelo Estado (VITTE, 2009). Segundo Vitte (2009, p. 113): O conhecimento da história territorial de um país, de uma região ou de um lugar é capaz de revelar os processos e as práticas políticas e de poder que foram responsáveis pela incorporação do espaço e de suas potencialidades ao processo capitalista. 33 O importante de se compreender pela explanação feita quanto às cidades e aos territórios é que o desenvolvimento local dá-se em um território que possui uma identidade comum, mesmo que este englobe uma diversidade de subdivisões políticoadministrativas. Cidade e município são conceitos distintos. A cidade é resultado de interações sociais urbanas e esta pode avançar sobre limites municipais, configurando um processo de metropolização. O município engloba tanto o meio urbano, conhecido como cidade, quanto a zona rural. A promoção do desenvolvimento local pela organização do espaço urbano, caracterizado como uma metrópole, devido ao agrupamento de interesses diversos, depende de ações que enfatizem as demandas e as singularidades sociais do território envolvido. No item a seguir, será discutido o conceito de governança metropolitana, enquanto instrumento de gestão social e de efetivação do desenvolvimento local. 2.3 Gestão Social e Governança Metropolitana Após a caracterização das regiões metropolitanas, enquanto unidades administrativas do Estado Federal brasileiro, falta compreender como fazer com que estas promovam o desenvolvimento local. Os espaços urbanos são caracterizados pelos altos índices de vulnerabilidade social e, segundo Dowbor (2001), os serviços sociais carecem de uma atenção especial executada nos termos da gestão social. O conceito de gestão social adotado nessa pesquisa pode ser descrito como: o conjunto de processos sociais no qual a ação gerencial se desenvolve por meio de uma ação negociada entre seus atores, perdendo o caráter burocrático em função da relação direta entre o processo administrativo e a múltipla participação social e política (TENÓRIO, 1998, p. 7). Para a prática da gestão social anteriormente conceituada, o instrumento escolhido neste trabalho é a governança metropolitana. Fischer (2002) destaca as seguintes características da governança: a concepção de que todos os implicados no processo de tomada e implementação de decisões são corresponsáveis e donos das decisões tomadas; o conceito do processo de produção de recursos financeiros, organizacionais e outros como resultados de parcerias horizontais intra e interorganizacionais; a valorização das estruturas descentralizadas e participativas que integram tomadas de decisão. Essas características demonstram que a governança cumpre com os preceitos da gestão social destacados por Tenório (1998), quais sejam: ação negociada e participativa. 34 Governança remete ao desenvolvimento de modalidades de governo, que são caracterizados pela capacidade de tomada de decisões e de imposição das mesmas (BRASIL; CARNEIRO, 2009). Governança diz respeito a uma multiplicidade de envolvidos atuantes que possuem responsabilidades comuns relativas a questões sociais e econômicas. A capacidade de atuação da administração pública depende do uso de instrumentos de coordenação, indução, regulação e integração, o que implica em mudanças nos estilos ou formas de governo. O termo governança traduz a mudança na interpretação da capacidade governativa. Esta deixa de ser limitada aos resultados das políticas governamentais e passa a abranger a forma pela qual o governo exerce seu poder. O termo governança refere-se a três dimensões essenciais de capacidades do Estado: de comando, de coordenação entre os distintos interesses e de implementação (DINIZ, 2000). As ideias referentes a governo e governança tratam de idealizações teóricas e podem corresponder a uma diversidade de conceitos. Segundo McGee (2010, p. 28), as definições tradicionais dadas a esses termos enfatizam governo como um “sistema político pelo qual um grupo de pessoas é administrado e regulado, no qual existem diferentes níveis governamentais com diferentes responsabilidades, que envolvem a autoridade de criar e impor leis e regulamentos”. Já a governança trata diretamente daquilo que o governo faz. Com o desenvolvimento das redes formadas entre o governo, o setor privado e a sociedade civil, a distinção entre governo e governança ficou menos nítida. Surge então o conceito de governança colaborativa, relacionada à capacidade de cooperação para a produção de resultados (MCGEE, 2010). Em conformidade com o conceito de McGee, Velloso (2010) dispõe que: Parte essencial para a consolidação da governança democrática colaborativa, a cooperação é estratégia para conferir poder, mobilizar e favorecer a otimização do aporte de recursos da sociedade. Cooperação é tanto dinâmica social quanto condição da construção de relações mais paritárias de interação de atores e, como resultado, opera para conformar novas identidades políticas plurais (VELLOSO, 2010, p. 356). Segundo DINIZ (2000), a capacidade de comando do Estado diz respeito à definição de estratégias de ação. A de coordenação refere-se à integração entre as diferentes áreas de governo, com o intuito de garantir a coerência das políticas e a administração de conflitos. A capacidade de implementação está relacionada à habilidade de mobilização 35 de recursos técnicos, institucionais, financeiros e políticos, para a execução das decisões. Cumpre destacar que a simples implementação não é suficiente, esta tem que efetivar os interesses legítimos da sociedade. A garantia de governança requer um bom desempenho administrativo e um sistema que articule os interesses dos diversos agentes, dentre eles: o poder público, o setor privado, a sociedade civil. Sob essa ótica, a governança está ligada a uma administração que preza pela chegada a um consenso, com a ampliação de atores relacionados ao círculo decisório e à procura de soluções compartilhadas. A mediação é uma opção de trabalho. Governança é a forma de cooperação que permite melhor governabilidade de diferentes espaços e a administração pública dialógica (GOHN, 2001). A gestão metropolitana invoca normas constitucionais capazes de sustentar arranjos variados de governança que possam “garantir a regulação pública, a mediação, a indução por lógicas de coordenação e cooperação, entre outras possibilidades, segundo critério normativo democrático e inclusivo” (PIRES, 2010, p.168). Com base nas disposições constitucionais, é possível identificar tipologias vertical e horizontal de articulação intergovernamental. A tipologia compulsória ou vertical trata da coordenação federativa exercida principalmente pela União ou pelo estado sobre um município, sem que o outro tenha a oportunidade de se opor à situação a ele imposta. A tipologia voluntária ou horizontal ocorre quando os envolvidos na articulação foram participantes ativos da construção da relação interinstitucional comum e possui os convênios e os consórcios públicos, como exemplos (PIRES, 2010, p.168)3. Governança está diretamente relacionada com o exercício da autoridade política, o que inclui o sistema político, a forma de governo, as relações entre os poderes, os sistemas partidários, dentre outros. Para Ronaldo Gouvêa (2005), a governança objetiva qualificar o modelo de exercício da autoridade política ou a função de governar, envolvendo as dimensões sociais da administração pública. Diante disso, fica clara a necessidade de associar a capacidade governamental e a democracia. A governança não se restringe ao aparato governamental institucionalizado. A capacidade de governança 3 O marco legal vigente, embora adote modelo institucional, abre oportunidade, sobretudo para a exploração da tipologia de consórcios públicos, arranjos horizontais e voluntários concernentes à processualidade cooperativa. Tendência mundial, a escolha por esse modelo de atuação emana de conceitos como a intersetorialidade e a articulação, pertencentes à seara da administração consensual, uma nova tendência que tem sido objeto de estudo das ciências do Estado (PIRES, 2010, p. 182). Em Minas, foi adotado um modelo híbrido de gestão metropolitana, uma gestão compartilhada na qual convivem lógicas verticais e horizontais de governança (PIRES, 2010). 36 depende da possibilidade de se estabelecerem canais eficientes de mobilização para a participação popular na formulação de políticas públicas, o que legitima o desempenho estatal (GOUVÊA, 2005). Outro esclarecimento necessário trata da diferenciação do significado de governança em relação ao de governabilidade. Para Melo (1996), governabilidade refere-se às “condições sistêmicas de exercício de poder em um sistema político” (MELO, 1996, p.69). A governabilidade trata das possibilidades operacionais do legado institucional, enquanto a governança refere-se à capacidade de governo, e não às características das suas instituições. Gouvêa caracteriza a governabilidade como um processo de interação, um ajuste entre as necessidades da sociedade civil e a capacidade efetiva dos governos de processá-las e atendê-las. Portanto governabilidade requer um gerenciamento “das relações entre atores sociais, grupos e forças políticas, organizações, instituições públicas, bem como agências paragovernamentais, em termos de seus interesses e conflitos” (GOUVÊA, 2005, p. 182). A governabilidade deve ser tratada sob três dimensões: a capacidade do poder público de identificar problemas e de formular as políticas adequadas; a capacidade do Estado de mobilizar os recursos e os meios necessários à implementação dessas políticas; a capacidade de liderança do governo (GOUVÊA, 2005). As experiências de governança podem ser acordos multiníveis, envolvendo os níveis nacional, estaduais e municipais de governo; acordos regionais, que operam em uma região metropolitana definida; acordos regionais submetropolitanos entre municipalidades, que formam parte de uma região metropolitana; acordos descentralizados com foco em políticas públicas de inclusão social (MCGEE, 2010). Velloso (2010) destaca que: As parcerias para a governança, celebradas entre instituições, ou entre instituições e sociedade, constroem-se do ponto de vista das competências e capacidades a mobilizar para a autonomia, tanto individualmente (percepção da responsabilidade individual) como em parceria (consciência das necessidades coletivas e vigor dos movimentos de organização em conjunto); mas também pelas novas fronteiras que a escala metropolitana abre ao exercício da democracia e da cidadania, buscando novas soluções e formas de governança e de regulação que dificilmente se esgotam numa resposta político-administrativa global e com uma delimitação geográfica rígida do ponto de vista do território de intervenção. Trata-se, mais uma vez, da construção do comum – de instrumentos comunitários que se consolidam e estendem em redes, ainda que provisoriamente (VELLOSO, 2010, p. 356). 37 Estado, União e municípios precisam relacionar entre si, investir na articulação intragovernamental. Não existem vazios institucionais, mas superposições e disfunções que somente podem ser corrigidas a partir da integração dos responsáveis pela gestão. Da mesma forma, as articulações intersetoriais entre Estado-sociedade-setor privado também precisam ser aprimoradas. Intersetorial é a articulação que objetiva ações interinstitucionais e a interação entre agentes, a partir da configuração de canais de comunicação entre os serviços e o envolvimento em rede (KISS; SCHRAIBER; D‟OLIVEIRA, 2007). A população em posição ativa pode e deve contribuir para a identificação de problemas e para a discussão de soluções, além de compartilhar responsabilidades com a esfera governamental (PIRES, 2010). A governança deve reconciliar a “fragmentação institucional - da própria abordagem das políticas públicas do Estado – com a territorialidade metropolitana, com seus desafios urbanos, ambientais e sociais e, ao mesmo tempo, buscar sinergia para a construção dos objetivos comuns” (PIRES, 2010, p.187). Um conceito importante para entender as considerações acerca da governança é o de custos de transação. Esses custos devem ser assumidos pelos atores envolvidos na organização metropolitana para o cumprimento de acordos e para a fiscalização da sua execução. Representam os custos das relações intergovernamentais, da cooperação entre os atores4. As intervenções metropolitanas estão sujeitas a custos de transação, pois arcam com custos políticos, financeiros e institucionais para a sua consecução. Custos elevados inibem a administração regional, custos reduzidos tornam mais atuante a gestão metropolitana (MACHADO, 2009). Os custos de transação para a governança metropolitana são custos assumidos por atores para a celebração, execução e fiscalização de acordos destinados à gestão integrada de um território. Esses custos são impactados pela assimetria de forças entre os entes, pelo desequilíbrio dos poderes – assimetria política, legal, técnica, administrativa e orçamentária. Quanto maior a assimetria, mais difícil a cooperação interinstitucional (NABUCO; BOSSI; WOJCIECHOWSKI, 2010). 4 Os atores metropolitanos são aqueles que possuem poder decisório. Esses decidem contra ou a favor das decisões regionais de acordo com o retorno que estas fornecerão (retorno em votos, dinheiro ou até mesmo prestígio). 38 A eficácia da governança está relacionada, nesse sentido, não apenas à eficiência das políticas do Estado, mas também à legitimidade dessas políticas e sua sustentabilidade institucional. A avaliação dos custos de transação é uma forma de se verificar o grau de cooperação metropolitana. Respectivos custos representam o interesse na organização colaborativa, pois quanto maiores, menor a disponibilidade de cooperação entre os envolvidos. Infelizmente as principais entidades oficiais de pesquisa estatística e coleta de informações não costumam produzir avaliações de desempenho das formas de gestão metropolitana (MACHADO, 2009). A falta de dados quantitativos faz com que uma análise qualitativa sirva de embasamento para a avaliação sugerida, através da identificação de políticas realizadas intermunicipalmente sob a ótica da cooperação. Com a finalidade de ressaltar a eficácia da governança, Ribeiro (2007) afirma que o poder público deve ser capaz de agir cooperativamente e superar os obstáculos advindos da metropolização, deve construir “um regime institucional de gestão dos territórios metropolitanos capaz de articular os atores do Estado, do mercado e da sociedade em torno de ações de cooperação e complementaridade eficazes, eficientes, justas e sustentáveis” (RIBEIRO, 2007, p.47). Na escala local, na qual se insere a região metropolitana, o governo é uma forma de gestão pública baseada na possibilidade de maior proximidade entre gestores, governo e sociedade, com o intuito de aumentar os níveis de participação democrática popular (GOHN, 2001). Desse modo, entende-se que, nas instâncias municipal e metropolitana, a governança, além de extremamente importante, é de certa forma facilitada, desde que tenha havido o envolvimento do poder local, fundamentado na autonomia popular (GOHN, 2001). A governança metropolitana depende da institucionalização de arranjos entre os diversos atores políticos e sociais através do estabelecimento de regras legítimas, aceitas coletivamente, para articularem o processo de tomada de decisões a nível metropolitano. Esses arranjos possibilitarão o desenvolvimento de políticas públicas plurimunicipais. Sobre esses arranjos, Pires (2008) afirma que eles pressupõem uma intensa e transparente articulação dos diversos atores e núcleos de poder tanto inter quanto intragovernamentais. As ações dos entes federados e dos órgãos têm que estar alinhadas e coordenadas, de modo a possibilitar a superação dos problemas metropolitanos. Além disso, também é importante que haja uma participação responsável dos interessados, a 39 fim de garantir a eficiência legítima das políticas públicas e de possibilitar a consolidação de uma rede de sustentação da ação pública. Para a realização da ordem urbanística, a governança atua como um processo de planejamento urbano integrado, de construção de matrizes cognitivas e normativas compartilhadas, de intervenção ou de regulação da esfera privada, no tocante às dinâmicas que envolvem o solo urbano, “por meio de arranjos democráticos capazes de sustentar a discursividade para a conciliação dos interesses presentes no território, pela lógica funcional da propriedade e da cidade. Pressupõe, por fim, governança dos meios para se atingir os fins coletivos” (PIRES, 2010, p. 186). Conforme Maria Coeli Simões Pires (2010, p. 189) é urgente: a construção de uma governança metropolitana compartilhada, sabendo-se de antemão, que o recorte metropolitano tradicionalmente não pauta os movimentos sociais. Isso indica a necessidade de arquiteturas diferentes de participação, de novos modos de empoderamento da sociedade. A implementação de um modelo jurídicoinstitucional que leve em conta o processo socioeconômico e urbano-territorial deve-se assentar em práticas sociopolíticas de gestão, as quais precisam do empreendedor político, mas devem superar os resquícios do autoritarismo e do centralismo institucional, para buscar o equilíbrio da governança nos pilares dos diversos núcleos de poder que compartilham o espaço metropolitano, os entes federativos, a sociedade civil e a iniciativa privada. Os territórios metropolitanos concentram as riquezas e problemas, no entanto a provisão de políticas públicas é marcada por um embate entre interessados e provedores. Para a resolução desse conflito, “há que se estabelecer a governança das demandas por políticas sociais, por meio de planejamento, monitoramente dos fatores de pressão, informações de base territorial, qualificação da base cognitiva” (PIRES, 2010, p. 186), que deve ser compartilhada com a sociedade para garantia de fluxos comunicacionais e da legitimidade. Teixeira (2008) esclarece que: As resistências à aceitabilidade da região metropolitana, à sua atuação em níveis político e administrativo e as dificuldades de sua gestão na articulação entre os poderes envolvidos, tendem a enfraquecer-se, na medida em que a governança metropolitana se alie à ação comunitária e participativa (TEIXEIRA, 2008, p.179). A dinamicidade das relações sociais urbanas faz com que seja impossível o estabelecimento de um modelo de governança metropolitana generalizado para atender 40 a uma diversidade de regiões. A gestão metropolitana tem um bom desempenho, conforme a capacidade de planejar, de implementar ou de influenciar as políticas públicas intermunicipais, de criar sinergias, de favorecer ganhos de escala, redistribuir riquezas e zelar pela observância de critérios supramunicipais (MACHADO, 2009). Para Esteve (2004, p. 29), a combinação de “cooperación pública y privada y participación ciudadana es la única garantia para que, del desarollo de la estratégia, resulte un progreso humano”. A governança metropolitana depende de elementos como a cooperação, a administração pública dialógica e a participação popular para que promova o desenvolvimento local nas áreas metropolitanas. Por essa razão, esses três itens serão discutidos nos próximos tópicos. 2.3.1 Cooperação Interinstitucional A formação de metrópoles é um fenômeno inevitável no mundo moderno e que pode se tornar capaz de revitalizar a economia, promover empregos e a inclusão social, a partir da construção de práticas sociopolíticas de gestão (FERNANDES JÚNIOR, 2004). O processo de metropolização desrespeita os limites administrativos municipais ao integrar os municípios de maneira indissociável e os problemas derivados dessa relação somente poderão ser resolvidos por meio de ações integradas, colegiadas e orgânicas, não de forma isolada ou apenas por um somatório de ações locais (FERNANDES JÚNIOR, 2004). O art. 2°, incisos III e XVI do Estatuto da Cidade5, dispõe que a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade é essencial nos processos de urbanização, para que seja atendido o interesse social e haja isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização. A complexidade socioeconômica das regiões metropolitanas requer uma estratégia que envolva a cooperação, ações coletivas e a mobilização produtiva de atores públicos e privados (KLINK, 2008). Segundo Marinella Machado Araújo (2010, p. 145): Cooperar interinstitucionalmente não significa apenas fazer em conjunto, mas, sobretudo, atuar de forma solidária. Se, por um 5 O Estatuto da Cidade, lei 10257/2001, tem como objetivo regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988. Esses artigos tratam das políticas urbanas nacionais, municipais e estaduais. 41 lado, a baixa capacidade administrativo-financeira das unidades federadas brasileiras estimula a cooperação, a falta de visão administrativa global do gestor público a dificulta. A lei pode criar meios para o desenvolvimento de ações e políticas públicas sustentáveis, mas não pode garantir que elas sejam eficientes. Cooperação eficiente pressupõe conhecimento da legislação e de seus entraves, além de capacidade administrativa. No Brasil pouco intergovernamental, o foi feito que levou para favorecer os municípios a cooperação institucional a desenvolverem políticas individualistas. Ocorre que a maioria dos governos municipais não dispõe de recursos financeiros e de capital humano ou social (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010). Em regra, cada ator tende a agir em favor de seus próprios interesses, o que, em alguns momentos, pode produzir bons resultados. No entanto, essa estratégia pode gerar consequências nefastas a outros envolvidos, assim como, no futuro, para o próprio ator que tomou a iniciativa individualista (GOUVÊA, 2005). O receio que essa informação gera é de que a percepção da importância da cooperação só se desenvolva quando a situação de crise for instalada. Victor (2004) ressalta a importância de se trabalhar a cooperação no grupo de atores, pois somente haverá de fato um envolvimento, se houver a segurança de que o outro também cooperará. A imposição da cooperação como uma ação obrigatória não gera efeitos positivos. Scherer-Warren (1999) afirma que as maiores dificuldades para a implementação de ações de cooperação residem no campo da cultura política. De um lado o poder público tende a se orientar por políticas tradicionais; de outro, a sociedade civil encontra-se incipientemente organizada. Scherer-Warren (1999) dispõe que as dificuldades de publicização do poder público, as rivalidades partidárias, o clientelismo, a falta de transparência e excessiva burocratização indicam a falta de prática do Estado para lidar com a democracia. Com relação à sociedade civil, a tradição de delegação de poder, fez com que esta tivesse dificuldade em transformar os problemas em propostas legítimas e de qualidade (SCHERER-WARREN, 1999). O espaço metropolitano deve reconhecer a pluralidade e a diversidade de sujeitos sociais envolvidos nas relações de conflito e cooperação. Esses sujeitos devem ser verdadeiros cidadãos e não meros destinatários passivos das ações da Administração Pública (TEIXEIRA, 2008). As questões afetas à gestão metropolitana devem ser discutidas juntamente com o planejamento do desenvolvimento, traduzido no planejamento regional e “no desenvolvimento econômico e social em áreas de 42 integração regional, como importante instrumento de articulação municipal, juntamente com os cidadãos metropolitanos, compondo-se a necessária gestão democrática das cidades” (TEIXEIRA, 2008, p. 127). Diante do contexto explanado, é necessária uma teia de diferentes organizações, entidades e atores interessados no desenvolvimento integrado metropolitano. A sociedade civil hoje constitui um terceiro poder, ao lado do poder político e do poder econômico, devido à ampliação dos direitos sociais e do aumento da participação popular na gestão das cidades. Sendo assim, deve ser definido um novo modelo de ação metropolitana, com valorização da regionalização, da cooperação e parcerias entre governo e sociedade (TEIXEIRA, 2008). É fundamental o envolvimento dos atores sociais e a promoção de um amplo debate para a construção de forma participativa das alternativas que atendam às necessidades urgentes (GOMES; CHELLES; OLIVEIRA, 2010). Acordos firmados por adesão entre municípios metropolitanos trabalham com imposições feitas sobre as localidades e não dão suporte ao diálogo. O princípio da ética do discurso, proposto por Habermas (1989), refere-se a um procedimento que não indica orientações prontas e acabadas, mas a construção destas, envolvendo os interesses de diferentes grupos sociais. Esse princípio deve embasar as ações de governança cooperativa metropolitana. Araújo (2010) reforça essa ideia afirmando que: O que se busca com a cooperação, e com as normas que a regem, é a igualdade entre os cooperados no espaço de discussão e construção do interesse público. A cooperação não pode mais ser vista como uma forma legítima de referendar as decisões tomadas por aquele cooperado que detenha o poder econômico (ARAÚJO, 2010, p.144). O desafio é intervir nos processos de decisão, sem implicar na prática da adesão, ou seja, na aceitação de propostas sem o adequado conhecimento e debate sobre as mesmas. Nesse contexto é importante o uso da transversalidade, entendida como uma cooperação intersetorial e interdisciplinar que viabiliza a realização de projetos governamentais, construídos em conjunto com participantes variados (POGGIESE, 2006). Diante da criação de grandes espaços com problemas interligados, a estrutura e o gerenciamento das unidades regionais têm de se adequar ao planejamento das cidades. Uma eficiente forma de adequação é a criação de mecanismos de cooperação entre as 43 entidades envolvidas na dimensão da regionalização, com os sujeitos comunitários, parceiros dos governos local e estadual (TEIXEIRA, 2008). A União, sem subtrair a autonomia e a relevância da administração estadual, precisa atuar na construção de um novo marco regulatório e na alocação de recursos em projetos de âmbito regional, para que sejam estabelecidos os estímulos para a participação efetiva dos Estados federados como dos municípios envolvidos, na gestão metropolitana (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010, p. 235). Cabe ao governo federal desempenhar um papel chave nas áreas metropolitanas, induzindo e mobilizando os agentes em torno de uma agenda de ações articuladas, além de trabalhar para um eficiente financiamento dessas ações. A distribuição tributária atual ignora as necessidades das unidades regionais (DENALDI; KLINK; SOUZA, 2010). O futuro das metrópoles depende tanto da capacidade de organização de seus moradores quanto da ação do Estado nos seus três níveis de governo. A melhoria do habitat e o desenvolvimento local estão condicionados não apenas ao acerto de uma política econômica lato sensu e da reformulação, em curso, de uma política urbana federal integrada (saneamento, habitação e transporte), “mas também a políticas estaduais correspondentes e, especialmente, às reformas urbanas levadas a cabo nas diferentes regiões metropolitanas por acertos que entrelacem os municípios envolvidos e os governos estaduais” (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010, p. 91). A cooperação cria uma condição diferenciada na atuação mais efetiva da gestão dos recursos públicos e mesmo no encontro de soluções comuns através da troca de experiências e da vivência de problemas que afetam municípios dentro de um mesmo território, com situações econômicas e sociais diferenciadas. As vantagens da cooperação entre os entes federados geram reflexos na racionalização do uso dos recursos, na criação de vínculos e fortalecimento dos já existentes, na instrumentalização da promoção do desenvolvimento local e na conjugação de esforços para atender as necessidades da população (GOMES; CHELLES; OLIVEIRA, 2010). A cooperação interinstitucional torna-se eficiente, quando o planejamento considera os custos das ações que serão desenvolvidas e trata dos recursos direcionados, previstos nas leis orçamentárias anuais, nos planos plurianuais, nas leis de diretrizes orçamentárias. Cooperação interinstitucional e administração eficiente dependem de planejamento administrativo, financeiro e orçamentário. Esses fatores devem estar legitimados frente à comunidade para que haja controle social por uma gestão democrática e participativa (ARAÚJO, 2010, p. 153). 44 Para Esteve (2004), é fundamental o compartilhamento da liderança, assim como o estabelecimento de relações de confiança entre os atores envolvidos, para uma maior compreensão dos interesses envolvidos. A ação cooperativa e intersetorializada deve estar atenta ao objetivo comum do desenvolvimento local. A articulação intermunicipal, ao compor a gestão democrática das cidades, torna-se um importante instrumento de mudança social. 2.3.2 Administração Pública Dialógica Os pressupostos da cooperação interinstitucional são: o conhecimento da legislação e de seus entraves; a capacidade administrativa dialógica; a consciência das potencialidades e limitações financeiras da unidade federativa (ARAÚJO, 2010). A administração pública dialógica fundamenta-se na ação interligada e comunicativa6 das funções políticas e de gestão, afinal executa as decisões derivadas da função governamental e política. A colaboração é favorecida a partir do momento em que se reconhece a relação das funções, como interdependentes umas das outras (ARAÚJO, 2010). José Abílio7 destaca que a sociedade civil é fundamental para a manutenção do equilíbrio e assegurar os conflitos entre as instituições da gestão metropolitana. Atualmente as metrópoles são espacialidades que contém múltiplas centralidades, o que nos leva a questionar a eficiência de soluções de regulação e governança baseadas numa visão centralista, estatizante e espacialmente rígida. Por essa razão, tornou-se fundamental discutir democrática e amplamente as “formas de regulação e de governança das regiões metropolitanas num novo patamar que ultrapasse definitivamente o debate sobre a eficácia e a eficiência, que demarcava o planejamento funcionalista da cidade” (VELLOSO, 2010, p.354). Atentando-se para a dinâmica urbana, entendendo a democracia como organização da sociedade e da relação entre sociedade e Estado, a colaboração interinstitucional é transformadora dos modos de apropriação e de organização física do espaço (VELLOSO, 2010). A complexidade da sociedade moderna vem exigindo que o atendimento de suas demandas não se limite às instâncias legislativas formais. É necessária a criação de um novo tipo de mediação baseado em fontes de legitimidade e no efetivo controle social das práticas de poder, o que resulta na combinação de 6 Habermas (1989, p.79) chama de comunicativas as “interações nas quais as pessoas envolvidas se põem de acordo para coordenar seus planos de ação”. 7 Observação feita por José Abílio em entrevista realizada para esta pesquisa. 45 democracia representativa e participação popular de caráter voluntário (GOUVÊA, 2005). Alguns fatores precisam ser observados para se concluir se uma administração está ou não sendo estruturada sobre a base da dialogicidade (SILVEIRA; BOCAYUVA, 2011, p. 6): - a abrangência e o desenho dos espaços interinstitucionais onde são conduzidas as agendas/estratégias de desenvolvimento local (embrionárias ou mais plenamente constituídas); · a construção e funcionamento de instâncias de consulta e participação social; · a produção ou incorporação de informações sistematizadas sobre as realidades locais (o que inclui os antes denominados indicadores de diagnóstico); · a implementação de planos locais compartilhados, coordenados e metodologicamente apoiados; · a implementação de processos sistemáticos de capacitação (dos agentes econômicos e dos gestores locais agentes governamentais, organizações sociais, conselhos, comissões). · a integração intersetorial através de mutualidades em rede e interfaces entre programas e entre organismos; · a construção de mecanismos de acompanhamento /monitoramento, com elementos definidos e identificáveis pelos atores. A dialética faz parte das relações sociais, inclusive metropolitanas e institucionais. Segundo Santos (2007), dentro de cada espaço, as alianças, os acordos e os contratos sociais implícitos ou explícitos estão sempre se refazendo e a hegemonia deve ser sempre revista. A dialética é essencial para a efetivação da necessidade de constante adaptação ou revisão. A dialética deve ser pautada na cooperação. Não é fácil, em sociedades complexas, encontrar um interesse universalizável. Diante dessas situações, resta a alternativa de realizar negociações que exijam a disposição cooperativa dos participantes. Os processos de negociação são adequados para situações nas quais não é possível neutralizar as relações de poder, ou seja, todos devem ter a mesma chance de participação no discurso. No que concerne aos juízos morais, cada um, antes de basear seu juízo numa determinada norma, deve examinar se ele pode querer que qualquer outro, que se encontre numa situação comparável, reclame a mesma norma para o seu juízo (HABERMAS, 1989). Os resultados são acordos capazes de equilibrar interesses conflitantes (HABERMAS, 2003). A argumentação é necessária para a negociação e para o alcance de um consenso, porque é preciso, para a fixação de uma linha de ação coletiva, coordenar as intenções individuais e chegar a uma decisão comum (HABERMAS, 1989). Segundo Habermas (1989, p.165): 46 O grau de cooperação e estabilidade resulta então das faixas de interesses dos participantes. Ao contrário, falo em agir comunicativo quanto os atores tratam de harmonizar internamente seus planos de ação e de só perseguir suas respectivas metas sob a condição de um acordo existente ou a se negociar sobre a situação e as consequências esperadas. O princípio possibilitador do consenso deve assegurar que somente sejam válidas as normas que exprimirem uma vontade universal. “De acordo com a ética do Discurso, uma norma só deve pretender validez quando todos os que possam ser concernidos por ela cheguem (ou possam chegar), enquanto participantes de um Discurso prático, a um acordo quanto à validade dessa norma” (HABERMAS, 1989, p.86). Habermas introduz a ideia de universalização como uma regra de argumentação que possibilita o acordo, sempre que as matérias possam ser regradas no interesse igual de todos os concernidos. A formulação indicada do princípio da universalização visa à realização cooperativa da argumentação de que se trata em cada caso. Por um lado, só uma efetiva participação de cada pessoa concernida pode prevenir a deformação de perspectiva na interpretação dos respectivos interesses próprios pelos demais (HABERMAS, 1989). A interpretação das necessidades não pode de modo algum ser um tema disposto monologicamente. Quando se tem presente a função coordenadora das ações que as pretensões de validez normativas desempenham na prática comunicativa quotidiana, percebe-se por que os problemas que devem ser resolvidos em argumentações morais não podem ser superados monologicamente, mas exigem um esforço de cooperação. Caso os participantes prossigam seu agir comunicativo numa atitude reflexiva, o acordo passa a dar expressão a uma vontade comum. Porém não basta que todos os indivíduos ajam cada um por si. “O que é preciso é, antes, uma argumentação „real‟, da qual participem cooperativamente os concernidos” (HABERMAS, 1989, p. 87). “Na linha da teoria do discurso, o princípio da soberania do povo significa que todo o poder político é deduzido do poder comunicativo dos cidadãos” (HABERMAS, 2003, p. 213). As formas de comunicação devem ser institucionalizadas para garantirem o exercício da participação e da administração pública dialógica. O conceito de institucionalização refere-se diretamente “a um comportamento esperado do ponto de vista normativo, de tal modo que os membros de uma coletividade social sabem qual comportamento eles podem estimular, em que circunstâncias e quando” (HABERMAS, 2003, p. 221). No entanto, podem ser institucionalizados também procedimentos que 47 determinem as regras, segundo as quais a cooperação deve transcorrer, a fim de dominar certas tarefas. Souza (2008), ao analisar a teoria de Habermas, dispõe da importância de se ficar atento para que não sejam costurados consensos artificiais. O grau de conflito de interesses não deve ser subestimado, mas superado por consensos em seu sentido genuíno, construído a partir do envolvimento de todos os interessados. Os grupos divergentes precisam ser identificados e ter as diferenças mediadas, para o encontro de uma solução. “Em democracias participativas fundadas em valores como justiça social e pluralismo político, cada indivíduo é corresponsável pela construção do interesse público” (ARAÚJO, 2010, p. 144). Dessa forma o cidadão deixa de ser apenas destinatário das prestações do Estado e passa a ser também responsável pela construção do que é considerado interesse público. Na aplicação da administração pública dialógica, o gestor precisa chamar pra si a responsabilidade pela ineficiência da gestão, e o cidadão deve buscar mecanismos de participação, ao invés de responsabilizar o Estado (ARAÚJO, 2010). Uma metodologia dialógica é transformadora e coerente com o objetivo de aumentar o nível de consciência dos sujeitos, com vistas à transformação social. 2.3.3 Participação Popular “O primeiro passo para desenvolvermos um projeto de cooperação eficiente é assumir a responsabilidade que cabe a cada cidadão/indivíduo no tocante à inefetividade e ineficiência das ações do Estado que resultam em lei e políticas públicas” (ARAÚJO, 2010, p. 145). A participação da sociedade civil na elaboração de normas é essencial em um Estado como o brasileiro, que é fundado no princípio democrático e na soberania popular. Cumpre aos cidadãos ser destinatários e coautores das normas, garantindo maior eficiência e responsabilidade (ARAÚJO, 2010). A transferência unilateral da responsabilidade do cidadão para os agentes públicos mascara o problema e dificulta a solução. “Tratar o Estado como oponente do cidadão/indivíduo é um equívoco e leva à cisão entre os papéis desempenhados pelo gestor público e pelo cidadão na construção de uma sociedade mais justa e à concorrência entre o interesse público e o privado” (ARAÚJO, 2010, p. 145). No Estado Democrático de Direito, é o princípio da soberania popular que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública. A participação não pode se exaurir na simples formação de instituições representativas. Os processos participativos 48 são recursos estratégicos de desenvolvimento sustentável e de formulação de políticas públicas, principalmente na área social. A participação não é mais entendida como o reverso da representação, mas como “expressão de práticas sociais democráticas, interessadas em superar gargalos da burocracia pública e em alcançar soluções positivas para os diferentes problemas comunitários” (NOGUEIRA, 2004, p. 121) A presença do elemento popular é fundamental para a formação da vontade do Estado e da Administração Pública (DIAS, 2008). A democracia participativa e o controle social são desdobramentos do direito fundamental de participação (art. 29, inciso XII da Constituição da República) (TEIXEIRA, 2008, p. 166). Rocha e Pinto (2008) dispõem que: Os princípios democráticos devem ser garantidos não somente quando da formulação das políticas públicas, mas também durante todo o processo de implementação, ao considerar uma cidadania ativa não mais disposta a ser tutorada pelo Estado. Afinal, políticas públicas somente são direitos na medida em que efetivamente promovam a liberdade e a igualdade dos membros da comunidade (ROCHA; PINTO, 2008, p. 179). Para Milton Santos (2007) é preciso indagar, diante das novas realidades, a pertinência da presente utilização de concepções já ultrapassadas de democracia, opinião pública e cidadania. A revisão desses conceitos é primordial para a mudança do paradigma da participação popular. O contexto social e a história condicionam a forma efetiva de funcionamento das instituições. Isso significa que os comportamentos determinados pela cultura política de uma certa sociedade podem ser um sério fator limitador da concretização dos comportamentos e princípios democráticos perseguidos (ARRETCHE, 2008). A passividade do cidadão, um sério problema de origem histórica e cultural, sempre esteve associada ao crescimento da democracia representativa formal, tida como responsável pela negação da necessidade de se trazer ao debate os grupos minoritários, dando-lhes, assim, como à sociedade como um todo, novas oportunidades de apresentação de opiniões e projetos de interesse direto da população (TEIXEIRA, 2008). À democracia representativa não basta uma demonstração numérica, precisa indicar a legitimidade dos representantes frente a seus representados e assim fazer com que as ações da esfera pública estejam de acordo com os interesses da coletividade. A gestão democrática participativa, ainda que não resolva as assimetrias de poder, possibilita a emergência de instâncias públicas de debate e de deliberação da política 49 urbana que obrigam os atores sociais a explicitarem seus interesses, além de favorecer o controle social das ações do Poder Público (RODRIGUES, 2010). O princípio basilar da democracia é que os indivíduos são a fonte de poder (GOUVÊA, 2005). A abertura democrática à participação da sociedade civil não significa enfraquecimento do Estado (ROCHA; PINTO, 2008). É importante estar atento às potencialidades do poder social traduzido “na forma de conhecimento, na capacidade de mobilização, na condição de repositório de demandas, na disponibilidade para formação de alianças, no poder de resistência e na sua legitimidade para construção coletiva de identidade e consensos” (PIRES, 2010, p.183). Avritzer (2008) esclarece que existe uma variedade de instituições participativas que se expressam através de desenhos institucionais diferenciados. No caso do orçamento participativo, o desenho funcional é de baixo para cima. Há uma forma aberta e livre de participação de atores sociais capaz de gerar mecanismos de representação. No caso dos conselhos de políticas, o desenho institucional é de partilha de poder, pois são constituídos pelo próprio Estado com representação mista de atores da sociedade civil e estatais. Já os Planos Diretores Municipais demonstram o desenho institucional da participação para ratificação, devido à obrigatoriedade das audiências públicas para discussão de um projeto proposto pelo governo. Esses desenhos variam em alguns aspectos como: na maneira de organização, na relação entre Estado e sociedade civil, na forma como a legislação exige do governo a implementação ou não de iniciativas participativas (AVRITZER, 2008). Observando essas diferenças, é possível concluir que a aplicação efetiva da participação é muito dependente da vontade do Poder Público. O Direito Urbanístico dispõe de um conjunto de normas para garantir os interesses da comunidade. Disciplina o uso do solo, a ocupação, o parcelamento, o ordenamento e o desenvolvimento urbano; estabelece parâmetros jurídicos de gestão urbana; define normas de implementação da função social da propriedade, da posse, da cidade e incentiva a participação (PIRES, 2008). As normas urbanísticas somente concretizam a sua vocação, se possuírem eficácia no plano de aplicação. A distância da “cidade legal” frente à “cidade ilegal” gera distorções à utilização do direito. Diante desse quadro, resta indiscutível o reconhecimento da importância da participação no processo de construção e aplicação das normas urbanísticas. Assim a gestão urbana torna-se legítima e voltada para a justa 50 distribuição dos ônus e dos bônus sociais (PIRES, 2008). O art. 45 do Estatuto da Cidade trata da participação na gestão e no planejamento urbano: Art. 45: Os organismos gestores das regiões metropolitanas deverão incluir obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto das suas atividades e o pleno exercício da cidadania. Dentre os instrumentos relacionados com a participação popular, o art. 2° dessa mesma lei cita e descreve a audiência pública, como importante aliada, pois diferentemente do debate público e da coleta de opiniões, a audiência pública destaca-se pela necessidade de formalidade de seu processo e pela eficácia vinculatória de seu resultado, razão pela qual deve ser realizada, segundo previsão legal, sempre de iniciativa do Poder Executivo. Assim, a legitimidade das ações administrativas fica garantida (TEIXEIRA, 2008). O orçamento público também é um importante instrumento para a gestão urbana participativa. Esse possibilita o ordenamento de despesas estatais e a disponibilização de recursos para o cumprimento de metas. Desse modo o orçamento deve ser planejado, ou os recursos não serão suficientes para todos os custos demandados. O orçamento participativo, utilizado por diversas cidades brasileiras, consiste na abertura do aparelho do Estado à possibilidade de a população participar diretamente das decisões quanto ao uso dos recursos públicos (SOUZA, 2008). Os conselhos de desenvolvimento urbano consistem em instituições compostas por membros do poder público e da sociedade civil organizada. São participativos e visam ao planejamento da cidade. Atuam na confecção, definição e acompanhamento da implementação de políticas públicas, o que os transforma em uma forma de inclusão social. Gohn (2001) dispõe que os conselhos gestores são uma grande novidade nas políticas públicas, pois possuem caráter interinstitucional mediador da relação sociedade/Estado. A Constituição de 1988 incentiva a criação de conselhos e vincula-os à realização de repasses de verbas entre as instâncias de governo. Infelizmente muitas vezes os conselhos são manipulados ou apenas consultivos. Gohn (2001) destaca que falta uma definição mais precisa das competências dos conselhos, instrumentos jurídicos de apoio às suas deliberações e capacitação dos conselheiros. Inojosa (2001) defende que a adoção do planejamento participativo é uma forma de banir o assistencialismo. A participação é um instrumento para a efetivação da 51 cidadania, pois expande as chances de integração e minimiza a exclusão dos desprivilegiados (SOUZA, 2008). Segundo Gohn (2001): a possibilidade da sociedade civil intervir na gestão pública, via parcerias com o Estado, representa a instauração de um novo padrão de interação entre governo e sociedade; novas arenas de intermediação e novos mecanismos decisórios implantados poderão ter a capacidade de incorporar uma grande pluralidade de atores e de diferentes interesses (GOHN, 2001, p. 110). O grau de abertura para participação popular no planejamento e na gestão urbanos é variado e pode ser classificado sob as seguintes categorias propostas por Souza (2008): - Coerção: comum no Brasil durante o período militar, quando não há abertura para a participação; - Manipulação: situação derivada da indução da população para aceitar uma intervenção, não há abertura para diálogo, pode ocorrer por meio do uso de propaganda maciça, configura uma pseudoparticipação; - Informação: são disponibilizadas apenas algumas informações sobre as intervenções, configura uma pseudoparticipação; - Consulta: não são disponibilizadas as informações mais relevantes para que a população expresse-se ao ser consultada, nem há garantia de adoção da proposta aprovada, configura uma pseudoparticipação; - Cooptação: pode influenciar um indivíduo ou um grupo e ocorre, por exemplo, quando são oferecidos cargos para líderes de algum movimento popular, institucionalizando os canais de participação sem oferecer caráter decisório e sem beneficiar a coletividade como um todo, configura uma pseudoparticipação; - Parceria: enfatiza a colaboração entre Estado e sociedade civil, através do diálogo e da transparência, caracteriza-se como uma forma autêntica de participação; - Delegação de poder: é abdicação do Estado de parte de suas atribuições em favor da sociedade civil, apresenta elementos da democracia direta e caracteriza-se como uma forma autêntica de participação e de cogestão; - Autogestão: pressupõe uma sociedade autônoma, de difícil aplicação na democracia representativa e capitalista. 52 Somente as três últimas categorias demonstram os alicerces da racionalidade e do agir comunicativo. Sob o ângulo autonomista, os instrumentos de planejamento só adquirem importância ao serem regulamentados e implantados sob a influência e o monitoramento dos cidadãos (SOUZA, 2008). Os principais argumentos para não serem concretizadas iniciativas participativas são o desinteresse dos indivíduos pela política (o que demonstra, na verdade, um produto da corrupção e dos desgastes da política no Brasil), a incapacidade técnica (fruto da desigualdade de informações e da construção de uma sociedade heterônoma) e a inviabilidade da democracia direta em coletividades de grandes dimensões (que pode ser viabilizada com o uso da descentralização, da delegação e da tecnologia) (SOUZA, 2008). Ainda são inúmeros os obstáculos que precisam ser superados para que a participação popular constitua-se como elemento da administração pública dialógica, reconhecida enquanto parte fundamental das ações cooperativas. Falta, também, o aprimoramento da atuação autonomista da sociedade frente às demandas comuns ou individuais. A governança metropolitana depende da aplicação dos conceitos de cooperação, administração pública dialógica e participação popular para possibilitar o desenvolvimento local. “Las decisiones responsables son propias de unas ciudades y municípios que han analizado su entorno y han identificado con objetividad los intereses propios en la configuración de la constelación de intereses de los actores” (ESTEVE, 2004, p. 23). 53 3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA A contextualização histórica da evolução da formação das regiões metropolitanas no Brasil é fundamental para uma melhor compreensão da sua estrutura atual. Desse modo, este capítulo trata, inicialmente, da instauração do Estado Federal, demonstrando o modo como se deu a relação entre os entes federados no decorrer dos anos, a distribuição dos recursos e das competências, com ênfase na autonomia municipal. Após a explanação sobre o sistema federativo, será traçado o perfil histórico da institucionalização das regiões metropolitanas no país e do desenvolvimento do planejamento urbano. 3.1 O Estado Federal Brasileiro O Decreto n.1 de 15 de novembro de 1889 estabeleceu que o Brasil constituísse-se como uma República Federativa formada pela união dos Estados, que até então eram conhecidos como Províncias. Respectiva decisão foi tomada por ato exclusivo do poder central. O federalismo brasileiro foi fundado baseado na experiência dos Estados Unidos da América, com uma diferença fundamental, que influenciou todo o sistema nacional: nos Estados Unidos, as treze colônias independentes resolveram unir-se, como uma associação de esforços; já no Brasil houve o fenômeno inverso, pois o Estado Unitário do Brasil Império foi desmembrado em diversos Estados-membros, num esforço de desagregação, com a proclamação da República. Por essa razão é que o federalismo brasileiro, desde o nascedouro, é marcado por ideais centralizadores, conforme o paradigma norte-americano em que se assentava, sem a observância dos motivos pelos quais aqueles princípios eram lá adotados, criando, assim, desde já, a distorção de todo o sistema (TEIXEIRA, 2008, p.42). A primeira Constituição Republicana no Brasil, promulgada em 1891, conferiu poderes expressos à União, e os remanescentes aos estados (ROCHA; FARIA, 2010). Em 1926, no final do mandato de Arthur Bernardes, houve uma reforma constitucional e as competências da União foram ampliadas, de modo que esta podia interferir nas ações dos estados para defender a autonomia municipal. Na década de 30, o Brasil adotou políticas ainda mais centralizadoras, principalmente durante a Era Vargas, que não adotou o regime federativo, centralizando o poder na União (GOUVÊA, 2005). Em 1945, o regime federativo foi restabelecido e instaurada uma lógica de competição entre as elites políticas regionais. 54 Devido à grande extensão continental, havia regiões muito heterogêneas - áreas mais defasadas econômica e socialmente e outras muito prósperas. A partir de 1946, passou a figurar, no quadro federativo, entre as competências da União, a missão de redução das desigualdades entre as diversas regiões do país, o que provocou o início do debate da cooperação federativa (TEIXEIRA, 2008). O federalismo de cooperação foi o meio encontrado para a solução dos desníveis econômicos e sociais entre os Estados-membros com a União, inicialmente, dirigindo a economia nacional. Foram criados organismos encarregados do desenvolvimento regional, para áreas merecedoras de tratamento especial, mediante planejamento, destinação de recursos e execução de programas, tais como a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e as regiões metropolitanas (TEIXEIRA, 2008). Com o advento da ditadura militar, em 1964, o pouco que havia sido construído para a configuração de um Estado Federal cooperativo foi derrubado. O período entre 196485 foi extremamente autoritário e centralizador e manteve o Brasil quase como um Estado unitário (GOUVÊA, 2005). O federalismo nesse momento era apenas “nominal” e o poder central limitava fortemente a autonomia dos entes federados (ROCHA; FARIA, 2010). Os governos subnacionais dependiam econômica e politicamente do governo central. A década de 80 foi marcada pela democratização e descentralização política, administrativa e econômica. Esse quadro político refletiu na Constituição atual, promulgada em 1988, que estabelece, em seu art. 1º, que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. Desse modo o município foi finalmente reconhecido como ente da federação e tornou-se subordinado, tão somente, à Constituição Federal e à sua Lei Orgânica. Porém os municípios têm representação frágil no quadro nacional, afinal não possuem representantes no Senado, como os estados (GOUVÊA, 2005). A descentralização pode ser analisada sob dois aspectos básicos: um ligado às discussões sobre as ações governamentais; outro associado às ações participativas da sociedade civil nos assuntos públicos (ABRANCHES, 2003). A descentralização política implica na possibilidade de manutenção isolada da existência dos entes, desde que haja cooperação entre os mesmos, para o alcance do bem comum almejado por todo o Estado (SERRANO, 2009). 55 A (re)democratização implicou não somente na autonomia municipal, mas também no empoderamento dos cidadãos. A descentralização do poder público, problematizada nos anos 90, sugeriu uma maior participação popular nas decisões públicas, redimensionando a relação Estado – sociedade civil e garantindo os direitos de formulação e controle de políticas (ABRANCHES, 2003). Para Mônica Abranches (2003, p 269), a descentralização é concebida como uma transferência de autoridade legal e política para “planejar, tomar decisões e gerir as funções políticas de um governo central para outras unidades de governo ou corporações semipúblicas, organizações não-governamentais, organizações da sociedade civil dentre outras”. Abranches (2003, p. 270) destaca que a “descentralização deve servir como um instrumento de ação para o desenvolvimento político da sociedade e não apenas como uma das formas possíveis de distribuição de competências e articulações entre os diversos níveis de governo”. Contudo a descentralização fez com que fossem redistribuídos os recursos e as competências entre União, estados e municípios (que se tornaram entes federativos). A Constituição de 1988, para garantir o equilíbrio da federação, define quais as competências de cada ente federado, as competências concorrentes e as comuns8. Quanto às funções das regiões metropolitanas, contanto que obedeçam as previsões constitucionais e tenham como objetivo a realização do interesse comum, estas devem ser definidas pelo estado, na mesma lei complementar que as criarem. Enfim as regiões metropolitanas não possuem destaque no texto constitucional, sendo remetidas à legislação estadual. O estabelecimento de responsabilidades comuns aos três entes federativos repercutiu num amplo e complexo sistema de relações intergovernamentais. A iniciativa indica que se buscava ampliar o caráter cooperativo do federalismo brasileiro, porém a competição prevaleceu diante das desigualdades técnicas e financeiras (ROCHA; FARIA, 2010). Para Gouvêa (2005), o principal obstáculo ao planejamento integrado e à gestão coordenada de políticas públicas metropolitanas no Brasil é a competitividade existente entre os entes da federação, o “federalismo predatório”. A tão falada reforma do estado 8 A Constituição fornece aos entes federados, além da autonomia política, recursos financeiros, com o fim de viabilizar o sistema federativo e o exercício das competências (SERRANO, 2009). Os artigos 153 a 156 da CF/88 apresentam a competência tributária de cada ente e os artigos 157 a 162, a fórmula de repartição da receitas. 56 deve estar atenta a uma possível reorientação das relações entre os entes (GOUVÊA, 2005). O federalismo competitivo pode gerar resultados indesejáveis. Dentre esses pode ser citado o desestímulo à cooperação. Caso uma parte dos entes federados possua uma condição mais vantajosa, o desequilíbrio provocado fará com que as partes mais fracas desistam da relação competitiva estabelecida. A conhecida República do Café com Leite, desenvolvida no Brasil durante a República Velha, foi resultado do desequilíbrio exacerbado que beneficiou os estados de São Paulo e Minas Gerais. Uma situação que ocorre comumente nos dias de hoje é a de municípios que se aproveitam de outros que possuem situações política e econômica mais favorecida. Na gestão da saúde frequentemente são observados casos, nos quais municípios periféricos preferem adquirir ambulâncias para enviar seus cidadãos doentes para tratar em uma localidade mais desenvolvida do que de fato investir na promoção da saúde local, o que é muito mais oneroso aos cofres públicos (MACHADO, 2009). O modelo competitivo que visa à busca de eficiência pela competição entre os níveis de governo pode levar à exclusão da ideia da solidariedade entre as partes, principalmente nas áreas dotadas de grande diversidade sociocultural e econômica em relação aos pólos de crescimento. Quanto maior a heterogeneidade entre as diversas áreas que compõem a federação, maiores as dificuldades de implantação do espírito cooperativo entre elas, pela forma predatória como agem em relação aos parceiros de menor poderio econômico (TEIXEIRA, 2008). Segundo Machado (2009, p. 42), o modelo ideal seria o competitivo/cooperativo já que esse propõe que os entes federados visualizem, no pacto federativo, um jogo de soma positiva para todos. “A garantia de autonomia entre os entes federados, que se manifesta pela competição, vinculada a valores de cooperação intergovernamental, propicia a própria sobrevivência da federação” (MACHADO. 2009). Segundo Teixeira (2008), é falsa a conclusão de que as ideias de competição e cooperação são antagônicas. O ideal é que o Estado federal promova esforços no sentido de compatibilizar os dois modelos, procurando priorizar as características positivas de cada qual, de forma a privilegiar as prestações estatais dirigidas diretamente à sociedade (TEIXEIRA, 2008). A federação convive com a busca de um relativo equilíbrio entre autonomia e interdependência dentro de um federalismo compartimentalizado, no qual ocorrem poucos enlaces entre os três níveis de governo (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010). A 57 interdependência entre os entes necessita de um processo permanente de negociação e cooperação, com o objetivo de identificar, administrar e solucionar os conflitos. A autonomia deve estar em equilíbrio com o princípio da interdependência (GOUVÊA, 2005). Santos (2007) diferencia o federalismo compartimentalizado do fragmentado. Para ele a compartimentalização não é necessariamente negativa ou segregadora, desde que não resulte na fragmentação. Para esse autor, o problema do federalismo brasileiro é a fragmentação. Diante disso, a célula local deve ser o ponto de partida para a reformulação do sistema federativo brasileiro, pois através desta a participação popular é facilitada, assim como é estimulada a cooperação de baixo para cima e não de forma compulsória como foi feito durante os regimes de governo totalitários. O contexto federativo brasileiro, marcado pela desigualdade, dificulta o estabelecimento de mecanismos eficazes de articulação e coordenação de interesses comuns. Esse problema é agravado pela ausência de um poder indutor do governo federal frente aos estados e municípios. Assim, os processos de disputa são intensificados, mesmo sendo grande a possibilidade de todos os envolvidos serem prejudicados. Como consequência, ocorre a fragmentação dos espaços inter e intraregionais, ao invés do desenvolvimento integrado de forma cooperativa. A crise federativa é resultado do processo de democratização de um Estado autoritário, centralizador, somado à forma como foi feita a descentralização fiscal. A centralização tributária na União significa que estados e municípios dispõem de uma margem pequena de recursos para serem livremente aplicados. No entanto, a maior autonomia tributária viabiliza a guerra fiscal entre os entes federativos (ARRETCHE, 2008). O conflito federativo tem duas características básicas: horizontalização das disputas, pelo fato dos conflitos não acontecerem somente entre distintas esferas de governo; generalização do conflito, que alcança outras dimensões, como a prestação de serviços e a representação política. O federalismo centralizado impede a criação de novas formas de descentralização fiscal e de constituição de uma base cooperativa, nas quais coexistam diversos graus de intervenção federal, ações conjuntas entre as esferas de governo, autonomia decisória. Respectivas inovações não podem ser executadas de forma simplesmente tecnicista, padronizada, mas pela construção conjunta, coerente, de atores sociais e políticos. Diante de todo o exposto, as palavras de Serrano (2009, p.60) concluem de forma clara o que é o federalismo cooperativo: 58 O Federalismo inicialmente parte de uma base de associação política em que as pessoas, públicas e privadas, estabelecem um método de adesão a um sistema que impõe algumas restrições em benefício do coletivo. Visa-se à unidade entre os entes e à estabilização do poder central como única forma de se estabelecer a paz social através da unidade nacional. Para a formação do pacto federativo, as pessoas que compõem a formação do sistema unificado devem estar imbuídas e totalmente envolvidas na transformação do sistema de administração do Estado e participar de maneira incisiva para o fortalecimento de sua base de sustentação. E é justamente no impulso de transformar a vontade coletiva nesta base de sustentação que reside o pacto associativo e a manifestação política que fundamentará a ordem federada. A forma competitiva do federalismo impacta as relações entre os entes que compõem uma região metropolitana. As disputas das administrações locais por recursos públicos e investimentos privados, a tensão entre a descentralização das ações do estado e a possível perda da, recentemente conquistada, autonomia municipal dificultam o estabelecimento de um sistema cooperativo e solidário que promova o desenvolvimento local de forma conjunta. “Tanto as instituições compulsórias quanto as voluntárias de gestão metropolitana são enfraquecidas por diversas regras federativas que dificultam a cooperação governamental e são influenciadas pelo jogo político-eleitoral” (MACHADO, 2009). A autonomia municipal é resultado de um processo de descentralização do poder público entre os entes federados com a intenção de aproximar o Estado das demandas sociais que estão mais próximas dos gestores municipais e aumentar a participação popular. Porém, de acordo com Marinella Araújo (2010), a descentralização somente tem a possibilidade de alcançar os objetivos citados, se aplicada, segundo os princípios federalistas da subsidiariedade e da solidariedade. O princípio da subsidiariedade estabelece que os problemas e as demandas que puderem ser resolvidas por um único político local, como o município, não precisam ser atendidas por entes federativos mais abrangentes, como os Estados ou a União. A subsidiariedade pressupõe igualmente que a sociedade tem condições de resolver ela própria, por seus membros e por organizações não políticas, um número enorme de problemas sociais de forma eficiente, deixando a resolução para o Estado só quando a iniciativa privada não for suficiente (ARAÚJO, 2010, p. 148). O princípio da subsidiariedade possibilita a atuação política dos municípios e oferece destaque ao cidadão enquanto fiscalizador e partícipe da gestão pública municipal. 59 Já o princípio democrático da solidariedade estabelece que os Poderes do Estado, ao atuarem, devem considerar e corrigir diferenças típicas de sociedades plurais com o objetivo de garantir a justiça social. Assim, ainda que haja fragmentação político-administrativa, existe poder central unificador. Essa união justifica-se pela existência do bem comum, cuja realização interessa a todos os cidadãos. (ARAÚJO, 2010, p. 148). Diante desse quadro, um dos pontos centrais do tema metropolitano é como abandonar a cultura de jogo de soma zero. Importante então superar a percepção de um conjunto de atores públicos e privados de que o ganho de um representa necessariamente prejuízo para outro. “Essa tendência quase natural de cair em uma armadilha de jogo estritamente competitivo apresenta uma ameaça particularmente concreta em regiões metropolitanas” (KLINK, 2008, p. 277). 3.1.1 Autonomia Municipal Os municípios soberanos são a primeira forma historicamente conhecida de Estado. Estes serviram como modo primeiro de convivência gregária politicamente complexa e organizada na civilização ocidental. A grande concentração de população no meio rural, durante a Idade Média, fez com que o ciclo evolutivo da política dos municípios fosse interrompido. Dessa forma, a titularidade do poder político passou a ser assumida pelo Estado centralizado (SERRANO, 2009). Ao contrário dessa situação, a colonização portuguesa no Brasil, devido à grande extensão territorial da colônia, valorizou as vilas e cidades, garantindo a essas a formação dos Conselhos que exerciam autonomia institucional e permitiam sua participação no processo decisório do Império. A Constituição Imperial de 1824 mencionava os municípios como entes de autonomia clara, que podiam regulamentar suas próprias taxas, eleger seus administradores, convocar as chamadas juntas do povo para dirimir conflitos, dentre outras ações (SERRANO, 2009). Com a declaração da República, a autonomia municipal foi prejudicada. A Constituição de 1891 retirou as competências municipais e fortaleceu os estados. A Constituição de 1946 devolveu, de certa forma, a autonomia aos municípios ao permitir que esses produzissem leis sobre temas de interesse local. As ditaduras que o Brasil enfrentou mantiveram a política de encolhimento da autonomia municipal e ainda suprimiram a prerrogativa de eleição direta dos prefeitos. A soma desses fatores fez com que uma grande mobilização fosse estruturada em busca da autonomia municipal. O resultado foi a inclusão dos municípios no rol dos 60 entes federativos a partir da Constituição de 19889. Como ente federativo, o município brasileiro passou a ser definido como pessoa jurídica de direito público interno, dotada de autonomia assegurada pelas capacidades de autogoverno e autoadministração (BASTOS, 1988). Meirelles (2003, p.130) completa esse conceito: O Município brasileiro é, pois, entidade estatal, políticoadministrativa, que, através de seus órgãos de governo – Prefeitura e Câmara de Vereadores -, dirige a si próprio, com a tríplice autonomia política (auto-organização, composição do seu governo e orientação de sua administração), administrativa (organização dos serviços locais) e financeira (arrecadação e aplicação de suas rendas). De acordo com Serrano (2009), a capacidade de autorganização trata da elaboração de uma Constituição própria, a de autogoverno diz respeito à possibilidade de exercício das competências próprias para a realização de funções fundamentais de Estado. Já a de autoadministração refere-se à repartição, autônoma, de competências e recursos no âmbito administrativo. Para viabilizar a administração, a capacidade legislativa atua como instrumento que viabiliza a produção da estrutura normativa necessária. O principal atributo de um ente da federação está em sua autonomia política e capacidade de produzir um subsistema jurídico, como a Constituição Estadual. Esta representa o poder de organizar funções políticas e administrativas, desde que em conformidade com as normas federais. Os municípios regem-se pelas respectivas leis orgânicas e possuem competência exclusiva (indelegável) para legislar sobre os assuntos de interesse local, que não atinjam interesses de outras municipalidades e que se refiram às suas necessidades imediatas. Assuntos de interesse local podem interessar simultaneamente à União e aos Estados. No entanto, na configuração urbana atual, existem ocupações contíguas que ocupam territórios de uma diversidade de administrações locais. Essa configuração fez com que surgissem demandas intermunicipais. A titularidade para tratar de problemas intermunicipais é do Estado, como competência residual ou remanescente (SERRANO, 2009). José Afonso da Silva (2004) dispõe que a aceitação das municipalidades como entes foi um equívoco constitucional, uma vez que estas são meras divisões políticas do 9 O Brasil inovou em termos de sistema federativo ao aceitar o município como ente federado. Em nenhum outro país do mundo o poder local possui tanta autonomia. Nos Estados Unidos, os municípios são apenas instituições administrativas (SERRANO, 2009). A Constituição de 1988 determina que não há hierarquia entre os entes federados, o município não advém de uma descentralização do Estado-membro, ambos são entes que compõem a federação. 61 Estado-membro e a federação, conforme a Constituição Federal. Não diz respeito a uma união indissolúvel de municípios, mas de estados. As unidades municipais são criadas, incorporadas e desmembradas por livre decisão dos estados10. Respectiva interpretação não retrata o que pensam a maioria dos juristas, sendo que a divisão tríplice dos entes federados é a mais aceita na atualidade. A característica básica de uma federação é a de que esta tem o poder governamental distribuído entre unidades regionais, sobre o mesmo território e o mesmo povo. Segundo Serrano (2009), o reconhecimento das administrações locais como entes federativos é imprescindível para o alcance da efetiva unidade nacional e do desenvolvimento do regime democrático. A extensão territorial do Brasil impede que governos centralizadores atendam aos interesses das diversidades de grupos e realidades que constituem a nação. Abranches (2003) dispõe que a municipalização representa a passagem progressiva de serviços e encargos para os municípios, de modo que estes possam ser desenvolvidos mais satisfatoriamente. Consiste em transferir da União e dos Estados para os municípios as responsabilidades e os subsídios necessários para que possam assumir a execução dos serviços públicos que atendam aos interesses dos cidadãos. Essa concepção parte da hipótese de que as administrações locais estão mais próximas da sociedade civil e que por esse motivo será mais fácil estabelecer a comunicação e a interação necessárias para a participação e o controle social. A descentralização só existe de forma efetiva, quando as decisões locais possuem uma certa autonomia e emanam de uma coletividade. Em Minas Gerais, no espaço de apenas oito anos entre 1987 e 1995, houve um aumento de 18% no número de municípios, de 723 para 853 unidades. Esse fato demonstra a força do municipalismo, porém retrata também a criação de unidades muito pequenas, cuja emancipação gera mais fragilidade institucional que aumento efetivo dos níveis de autonomia política e econômica. Outras consequências são a concentração de recursos na elite local, aumento dos gastos com os serviços públicos sem melhorar a qualidade e o número de pessoas beneficiadas (GOUVÊA, 2005). Ocorre que a fragilidade financeira e a precariedade da máquina administrativa dos governos municipais prejudicam a gestão local e a coordenação das políticas públicas locais (FILGUEIRAS; ANDRADE, 2010). 10 Ar. 18, § 4º, CF/88: A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-á por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. 62 A frágil capacidade técnico-operacional das administrações municipais pode ser constatada pela deficiência na oferta de serviços públicos, pela precária informatização dos procedimentos administrativos, pelo reduzido número e baixa capacitação profissional dos quadros técnicos, pelos procedimentos orçamentários desvinculados da atividade de planejamento e não submetidos a controle social e pela administração escassamente dotada de instrumentos adequados ao planejamento a médio e longo prazo (FILGUEIRAS; ANDRADE, 2010, p. 127). Exame realizado perante os municípios brasileiros constatou que 54,5% deles possuem até 5% de receitas próprias, 21,4% tinham de 5% a 10% de receitas próprias, em 17,7% é alcançada uma média em torno de 10% a 25% e em apenas 6,3% a média é de 25% da própria receita (FILGUEIRAS; ANDRADE, 2010). O sistema federativo competitivo gerou o “municipalismo autárquico” (TEIXEIRA, 2008, p. 84), derivado da crença dos municípios de que podem resolver seus problemas de forma isolada, que os desafios da coordenação das políticas públicas podem ser resolvidos a partir da transferência de recursos. A autonomia municipal não pode ser um entrave para o desenvolvimento local. Esta deve observar os preceitos constitucionais, dentre esses o que define a região metropolitana como um instrumento de agregação e agrupamento de municípios para a solução econômica e racional de problemas de âmbito infraestadual e supramunicipal. O afastamento da União das questões metropolitanas com a Constituição de 1988 fez com que os municípios ficassem na defensiva em relação às ações dos estados, principalmente, devido aos abusos sofridos durante o período militar. Como a União era responsável pelo financiamento das atividades realizadas a nível regional, com o corte nesses investimentos, os conselhos regionais restaram desmotivados, pois os municípios não se interessavam pela gestão metropolitana e os estados não estavam dispostos a assumir os investimentos antes assumidos pelo governo federal (TEIXEIRA, 2008). Com o movimento municipalista, a questão metropolitana somente não foi abandonada por completo, devido aos movimentos da sociedade moderna, tendentes a reforçar a importância dos fenômenos urbano-territoriais e socioeconômicos regionais. A intensificação dos fluxos migratórios rumo às grandes cidades, a partir da década de 50, consolidou em torno das capitais estaduais áreas urbanas que se comportaram como uma única cidade. Teixeira (2008, p. 107) esclarece que: 63 A autonomia municipal, enquanto preceito constitucional, é contingente e dinâmica, não sendo ossatura institucionalizada inflexível, pois sofre adaptações aos tempos da pósmodernidade estatal, na medida em que os Municípios, autônomos nos termos da Constituição (art. 18), têm pela mesma Constituição condicionada e limitada essa mesma autonomia, como se destaca no fenômeno regional. Pode assim o Estado, pelo Poder Legislativo, criar órgãos regionais com funções normativas e executivas, obrigando os Municípios, porque eles se incluem no espaço e ambiência regional, e as regiões metropolitanas, as aglomerações urbanas e as microrregiões integram o título da organização estatal no Texto Constitucional, respondendo aos anseios da liberdade, da participação e da solidariedade, atributos da cidadania e pressupostos da regionalização. Conforme Serrano (2009), o princípio da igualdade entre os entes federados faz com que a interpretação da Constituição, que entende que o Estado-membro ao criar uma região metropolitana subtrai parcela das competências municipais, seja errônea. A atuação da Região Metropolitana não implica em invasão da competência de um município por outro ou pelo Estado. O município, inserido em uma área conurbada e parte de uma região metropolitana, não é menos autônomo que outros localizados fora dessa. A Lei Complementar estadual não é capaz de delimitar as competências municipais, esse é um papel exclusivo da Constituição Federal. As funções atribuídas às administrações locais giram em torno da prestação de serviços públicos, financiada pela cobrança de impostos, tarifas e taxas; da execução de serviços sociais, financiados de forma compartilhada com outras esferas de governo; da promoção do desenvolvimento econômico local (MORENO, 2006). Dada à maior proximidade dos municípios com as necessidades do cidadão, restou a esse ente a responsabilidade pela execução da política urbana. Porém o poder público local tem incipiente organização técnica, capaz de utilizar os instrumentos urbanísticos disponíveis em lei e de fiscalizar a expansão da cidade (PIRES, 2008). As funções urbanas tratadas pela CF/88 remetem a uma política urbana progressista. Para a execução dessas funções, foi traçado um condomínio de competências11 11 Competência é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do poder público para emitir decisões (SILVA, 1997). A federação brasileira, composta pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, adotou um sistema de repartição de competências vertical e horizontal. As horizontais são as privativas de cada ente. As verticais são aquelas que podem ser exercidas, simultaneamente, por mais de um ente federado como as competências comuns e as concorrentes, essas últimas não englobam os municípios (SERRANO, 2009). 64 complementares entre todos os níveis de governo12, embora a demanda por provisão e financiamento de serviços se dê mais diretamente junto aos municípios (BARBOSA, 2008). Resumindo a discussão quanto às competências dos estados e dos municípios, Serrano (2009, p.162) dispõe que: Quando alguma situação ou serviço pertencer ao interesse predominantemente local, será decidida e executada de acordo com os comandos e diretrizes do Município a que se refere. No entanto, quando se referir a dois ou mais Municípios, tornar-se-á de interesse regional o que perfaz a competência do Estadomembro para resolver a situação ou realizar a atividade. 3.2 Metropolização no Brasil A intensificação dos fluxos migratórios campo-cidade e do processo de urbanização desde a década de 1950 consolidou, em torno das principais capitais brasileiras, regiões urbanas que se comportam como uma única cidade, em cujo território, submetido a diversas administrações municipais, as relações cotidianas tornaram-se cada vez mais intensas. A acelerada expansão das cidades fez com que essas transbordassem os limites municipais. Segundo Villaça (1978), esse transbordamento foi além do aspecto físicoterritorial, atingiu também as relações socioeconômicas. Assim, como já comentado anteriormente, deixou de existir a correspondência entre cidade (unidade territorial) e município (unidade político-administrativa). Frente a esse processo, “tornou-se praticamente imprescindível o estreitamento das relações político-administrativas entre as cidades situadas nessas regiões, como condição importante para o enfrentamento de um grande leque de problemas” (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010, p.73). O objetivo da regionalização, desde o primeiro momento, era: o desenvolvimento local como artifício para a redução da desigualdade econômica. A legislação brasileira tem evoluído muito no sentido de promover o planejamento urbano, assim como as políticas públicas, mas, como ressalta Araújo (2006, p.193), “nas metrópoles brasileiras verifica-se uma atuação limitada e constrangida do poder público, face às potencialidades que os instrumentos de planejamento disponíveis possibilitam”. A existência de normas e planos é essencial para a organização dos espaços e para a 12 As competências privativas da União estão previstas nos artigos 21 e 21 da CF/88, as estaduais, chamadas de residuais, estão fixadas no art. 25 e as municipais, no art. 30, identificadas pelo interesse predominantemente local. 65 distribuição das disparidades sociais, mas não garante a implementação de políticas públicas que cumpram com o previsto no ordenamento jurídico. As metrópoles são extremamente dinâmicas e o sistema normativo deve acompanhar essa dinamicidade, assim como o poder público executivo. Na atualidade, o inovador Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, não trata especificamente da regionalização, pois essa matéria deve ser regulamentada pelos estados e não por lei federal. Porém, como o Estatuto diz respeito às áreas urbanas e as regiões metropolitanas são uma grande mancha urbana, esse dispõe sobre diretrizes gerais que devem ser observadas nos processos de regionalização. Por essa razão, também, o Estatuto afirma ser obrigatório o Plano Diretor para municípios pertencentes a regiões metropolitanas13, ou seja, reconhece a importância do planejamento urbano, especialmente o intermunicipal. Somado ao reconhecimento da relevância do planejamento, o Estatuto da Cidade traça como diretriz a participação popular, pela valorização do cidadão, capacitação das pessoas e pelo compartilhamento do poder e de responsabilidades. Atualmente é a criação formal por lei complementar estadual que transforma a Região Metropolitana de fenômeno urbano em instituição jurídica. Essa transformação passou por diversas caracterizações no decorrer do desenvolvimento das cidades da formação política brasileira. Segundo Serrano (2009), as questões mais candentes no que diz respeito ao regime constitucional da Região Metropolitana repousam na identificação de seu papel no plano das competências federais. Por esse motivo, será traçada, a seguir, uma linha do tempo sobre a regionalização no Brasil, explicitando o papel das regiões metropolitanas no contexto de cada Constituição da República. 3.2.1 A trajetória histórica da regionalização no Brasil A história do Brasil é marcada por períodos de centralização política e autoritarismo. Várias foram as constituições vigentes e as características da distribuição de poder e competências. Quanto à escala municipal de atuação do poder público na edição da Constituição Imperial de 1834, o poder das Câmaras Municipais era muito expressivo. O Imperador Dom Pedro I submeteu o texto constitucional à apreciação dos 13 De acordo com o art. 41 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), todos os municípios integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, onde o Poder Público Municipal pretenda utilizar instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da CF/88 devem elaborar um Plano Diretor próprio. 66 legislativos municipais e definiu que os municípios poderiam se associar para levantar recursos com o intuito de realizar grandes empreendimentos e de tornar a administração municipal melhor aceita diante de outros poderes. A Constituição da República de 1891 facultava aos Estados a possibilidade de se lavrarem acordos ou convenções intermunicipais, o que demonstra que já nessa época era reconhecida a importância do associativismo municipal (TEIXEIRA, 2008). Cumpre reforçar que essa Constituição não reconhecia a autonomia dos municípios, que ficavam condicionados aos alvitres dos Estados (SERRANO, 2009). No anteprojeto da Constituição da Comissão do Itamaraty, em 1933, havia uma proposta que autorizava os Estados a constituir região composta por grupo de municípios contíguos, com autonomia, rendas e funções que a lei lhe atribuísse. Os municípios deveriam ter como objetivo interesses econômicos comuns e a região seria autônoma, como uma nova entidade de direito público interno, dotada de órgão diretivo e conselho regional (TEIXEIRA, 2008, p. 60). A Constituição do Estado Novo, de 1937, previa a possibilidade de agrupamento de municípios em uma mesma região, para instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns, sendo que a regulamentação partiria do Estado-membro14 (TEIXEIRA, 2008, p. 61). Como durante a ditadura do Estado Novo os municípios não possuíam força política e os prefeitos eram nomeados por critérios de favoritismo, a regionalização não prosperou. O Congresso foi dissolvido nesse período e o governo incorporou feições fascistas. O período de 1937 a 1945 foi marcado pelo desrespeito ao pacto federativo, ao regime democrático e a diversos direitos fundamentais (SERRANO, 2009). Já a Constituição da redemocratização, que datava de 1946, não tratou da regionalização por entender que a descentralização do estado em regiões era um assunto que dizia respeito à autonomia dos estados e por eles deveria ser regulamentado. Assim, cada estado do país tratou do associativismo intermunicipal de maneira distinta (TEIXEIRA, 2008, p. 62). Dessa maneira, a associação de municípios foi, por um tempo, regrada apenas pelas Cartas Estaduais, devido à ausência de um direcionamento constitucional. Por essa razão, a comissão instituidora da Constituição de 1967 entendeu 14 Art. 29, Constituição de 1937: Os Municípios de mesma região podem agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins. Parágrafo único: Caberá aos Estados regular as condições em que tais agrupamentos poderão constituirse, bem como a forma de sua administração. 67 ser necessária previsão constitucional sobre a criação de regiões metropolitanas (SERRANO, 2009). A preocupação com o tema da metropolização ecoou no Seminário do Quitandinha, promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB – em 1963. No final do seminário, surgiu a proposta de criação de órgão que envolvessem as municipalidades para a solução de problemas comuns (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010). Algumas ações foram desempenhadas no país com a intenção de iniciar um processo de institucionalizar a metropolização. Em 1967, o senador Eurico Rezende propôs a Emenda Constitucional que introduziu as regiões metropolitanas no ordenamento jurídico brasileiro (MACHADO, 2009). Como reflexo da mudança no ordenamento, em 1967, foi elaborado, pelo governo estadual de Minas Gerais, o Plano Diretor Preliminar da Região Metropolitana de Belo Horizonte (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010). A emenda n. 848, apresentada pelo senador Eurico Rezende, introduziu o seguinte conceito de região metropolitana no ordenamento jurídico brasileiro: As Regiões Metropolitanas constituem hoje em dia uma realidade urbanística que não pode ser desconhecida das administrações modernas, nem omitidas do planejamento regional. Por Regiões Metropolitanas entendem-se aqueles Municípios que gravitam em torno da grande cidade, formando com esta uma unidade socioeconômica, com recíprocas implicações nos seus serviços urbanos e interurbanos. Assim sendo, tais serviços deixam de ser de exclusivo interesse local, por vinculados estarem a toda a comunidade metropolitana. Passam a constituir a tessitura intermunicipal daquelas localidades e, por isso mesmo, devem ser planejadas e executadas em conjunto por uma administração unificada e autônoma, mantida por todos os Municípios da região, na proporção de seus recursos, e, se estes forem insuficientes, hão de ser complementados pelo Estado e até mesmo pela União, porque os seus benefícios também se estendem aos governos estadual e federal. Eis porque a Emenda propõe o reconhecimento constitucional dessa realidade, possibilitando a unificação dos serviços intermunicipais de Regiões Metropolitanas, subvenção estadual e federal, se necessário, para pleno atendimento da imensa população que se concentra nessas regiões. (SERRANO, 2009) O advento da ditadura militar, já em 1964, provocou o centralismo do governo, o controle exercido sobre os estados e municípios. A União é quem ficou competente para criar regiões metropolitanas através de lei complementar, o que mantinha distante a participação dos municípios, primeiros interessados nos processos de regionalização (TEIXEIRA, 2008). Os princípios do federalismo, como a repartição de competências, 68 foram praticamente abandonados. O sistema federativo passou a ser apenas uma maquiagem da centralização do poder (SERRANO, 2009). As regiões metropolitanas criadas nesse período15 tinham como sede as capitais estaduais e a representação política no Conselho Deliberativo era exercida somente pelo prefeito da capital, que não era eleito democraticamente. O projeto constitucional de 1967 discutiu o modelo institucional da região, sem se preocupar com a autonomia municipal ou com a personalidade jurídica das regiões metropolitanas. O termo “região metropolitana” foi usado pela primeira vez por essa carta Art. 157 § 10 – A União, mediante lei complementar, poderá estabelecer Regiões Metropolitanas, constituídas por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, integrem a mesma comunidade socioeconômica, visando à realização de serviços de interesse comum. (GOUVÊA, 2005, p.78) Uma superestrutura federal de apoio técnico para o desenvolvimento urbano foi criada: Banco Nacional de Habitação (BNH), Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), Comissão Nacional de Política Urbana e Regiões Metropolitanas (CNPU), sucedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), Fundos de Desenvolvimento Metropolitano (FDM) (LOPES, 2006). Essa estrutura criada possibilitou o financiamento de várias ações relacionadas às demandas urbanas. Parcelas de alguns recursos, como o Imposto Único sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos, eram repassadas para as regiões metropolitanas e os municípios recebiam incentivos financeiros para adotarem a política intermunicipal (MACHADO, 2009). Acontece que as experiências de gestão integrada entre municípios, ocorridas antes da década de 70, eram iniciativas não muito formalizadas que buscavam resolver problemas comuns agravados pelo fenômeno físico da metropolização, da expansão urbana (LOPES, 2006). Em Belo Horizonte, ainda na década de 1950, foi realizado um estudo no qual ficou claro o problema metropolitano que já era enfrentado nessa época. Posteriormente, em 1967, foi elaborado pelo governo de Minas o Plano Preliminar da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Essas iniciativas contribuíram para a inclusão da questão 15 Art.164 da Constituição Federal de 1967: “A União, mediante Lei Complementar, poderá, para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas constituídas por municípios que, independentemente da sua vinculação administrativa, façam parte de uma mesma comunidade socioeconômica”. 69 metropolitana na Constituição de 1967 e para a sua manutenção na Emenda Constitucional n° 1 de 1969. Boa parte dos esforços e investimentos, durante a ditadura militar, foram empregados na construção civil, na circulação e no transporte urbano. A ponte RioNiterói, metrôs, obras rodoviárias em geral datam dessa época. Vários planos diretores de desenvolvimento integrado foram elaborados para as administrações periféricas, mas como não houve fortalecimento dos governos locais, estes não tiveram a capacidade de exercer as funções previstas nos planos, menos ainda de atender a uma agenda metropolitana comum. O cenário político centralista repercutiu nas metrópoles de modo que apenas as cidades-pólo eram objeto de investimento, sob a alegação de que, com o tempo, os benefícios chegariam à periferia (LOPES, 2006). O resultado de tudo isso foi o aprofundamento da desigualdade socioespacial. O I Plano Nacional de Desenvolvimento (IPNUD), implementado durante o governo Médici (1969-1974), é contemporâneo do momento da história do Brasil em que a população urbana ultrapassa, quantitativamente, a rural. Consequentemente, respectivo plano foi o primeiro a apresentar os termos “espacial, regional e urbano”, integrando o rol das diretrizes econômicas, além de recomendar a criação de regiões metropolitanas. Restou reconhecido que a questão metropolitana eleva a importância econômica das áreas urbanas para além da demanda municipal, de modo que o governo federal ficou interessado na gestão dessas regiões. As cidades passaram de espaços de vivência para espaços de produção (GOUVÊA, 2005). As grandes cidades formaram-se em curto espaço de tempo, com núcleo central mesclando atividades econômicas e residenciais e em franca expansão, absorvendo áreas lindeiras. Zonas residenciais desenvolveram-se no entorno do núcleo de negócios e as atividades industriais localizavam-se nos anéis seguintes, aproveitando a combinação de menor custo da terra e proximidade da mão de obra, que vivia nas áreas vizinhas. Essa formação geou amplo entrelaçamento entre áreas residenciais de baixa renda e atividades comerciais de menor categoria. Os objetivos da instituição de regiões metropolitanas nos anos 70 eram a realização de serviços comuns de interesse metropolitano, o planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social, o saneamento básico, o aproveitamento dos recursos hídricos, o controle da poluição ambiental, a produção e distribuição de gás combustível canalizado, os transportes e o sistema viário, o uso do solo. Observa-se que 70 a habitação não consta na lista descrita, mas o gás canalizado sim, mesmo este existindo apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010). A fragmentação institucional explica o desinteresse da gestão pública pelas áreas metropolitanas brasileiras. Os organismos metropolitanos criados na década de 70 eram entidades esvaziadas de autoridade, função e capacidade, inclusive muitos já desapareceram. Algumas raras ações da União no contexto regional ocorreram isoladas em locais mais sensíveis a esse tema. Na maioria das metrópoles, a capacidade de governo dos municípios capitais não é utilizada para gerar uma dinâmica cooperativa, pelo contrário, legitima práticas de gestão fragmentada e segregadora. Nas cidades periféricas, o clientelismo prevalece sobre a cooperação (RIBEIRO; JUNIOR, 2010). A Lei Complementar n.14 de 8 de junho de 1973 criou as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. A criação dessas regiões por uma lei complementar federal fez com que estados e municípios organizassem-se compulsoriamente para a gestão regional, o que feria a autonomia destes. A relação era de obrigatoriedade e não autônoma (SERRANO, 2009). A gestão metropolitana instituída com a Lei 14/1973 estava ancorada no funcionamento de dois conselhos, um deliberativo e outro consultivo. Os conselhos funcionavam como instâncias homologatórias das propostas feitas pelo governo estadual e não havia espaço para debate (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010). O Conselho Deliberativo era composto por seis membros nomeados pelo governador do Estado, um deles indicado a partir de uma lista tríplice articulada pelo prefeito da capital e outro pelos demais municípios-membros. Esse conselho era presidido pelo governador que indicava quatro dos seus membros diretamente. O governador do estado era indicado pelo presidente da república, ou seja, era o governo central quem controlava a gestão metropolitana. O Conselho Consultivo atuava perifericamente, homologava as previsões demandadas sem levantar efetivamente as questões necessárias. Sua composição baseava-se em representantes municipais (ROCHA; FARIA, 2010). Com o fim da ditadura militar, o governo federal estava enfraquecido. As elites subnacionais fortaleceram-se e pautaram a descentralização como o grande estandarte da democratização, repassando funções aos estados e municípios. Diante da admiração dirigida à ideia de descentralização, pouca atenção foi dedicada à sua coordenação e ao seu planejamento (TEIXEIRA, 2008, p. 73). A questão metropolitana estava na contramão do processo político da redemocratização, marcado pelo empoderamento dos governos locais (MACHADO, 2009). 71 O fortalecimento dos governos locais gerou o chamado „neolocalismo‟ e, como já comentado nesta pesquisa, tornou os municípios entes federativos. O reforço à concepção política do poder local confundiu a concepção do poder administrativo municipal, fazendo com que se despertasse a crença na possibilidade de resolução de conflitos internamente (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010). Desse momento em diante, a questão metropolitana passou a ser discutida como prática de centralização do poder, o que gerava desagrado na sociedade, que acabava de sair de um governo autoritário ditatorial. Com a crise financeira dos anos 80 e o início do processo de redemocratização, as fragilidades do planejamento metropolitano ficaram explicitadas. A carência de recursos públicos estanca os investimentos nesse campo de gestão e gera o desmonte do aparato institucional que até então havia sido formado. “De formulador e, em grande medida, executor da política urbana no país, o governo federal passa a assumir um papel secundário na regulação e no financiamento de alguns programas pontuais” (AZEVEDO; MARES GUIA, 2010, p. 75). Durante a constituinte de 1988, oito das nove regiões metropolitanas existentes na época, após quinze anos de experiência, prepararam um documento, sugerindo a criação de um novo ente federativo, o metropolitano. Essa proposta baseava-se na constatação de que uma região metropolitana é mais do que uma simples região de serviços comuns e que, por esse motivo, precisa efetivar-se como uma instância política (ROCHA; FARIA, 2010). Contudo o processo constituinte foi palco de um movimento pelo municipalismo que impossibilitou o sucesso da proposta retro mencionada - um dos principais temas que dificultam a institucionalização das regiões metropolitanas é a autonomia municipal (TEIXEIRA, 2008). Importante levar em consideração que apenas pelo estado a instituição metropolitana pode ser percebida como uma modalidade de descentralização, sendo que na interpretação dos municípios ocorre uma centralização administrativa (GOUVÊA, 2005). Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a atual Constituição Federal. Essa tratou da garantia dos direitos fundamentais, restabeleceu o sistema federativo e a repartição de competências entre os entes federativos, dentre eles, os municípios (SERRANO, 2009). A Constituição de 1988 consagrou também nova fisionomia às relações entre os níveis de governo, assegurando mecanismos de cooperativismo (TEIXEIRA, 2008, p. 65). 72 A dimensão política da delimitação das regiões metropolitanas na atualidade demonstra como a redemocratização política do país foi acompanhada da descentralização administrativa, pois a criação das citadas regiões passou a ser definida pelos estados, sem estarem diretamente atreladas aos planos nacionais de desenvolvimento16 (SILVA, 2006). Disso têm decorrido alguns efeitos colaterais indesejáveis, como a excessiva flexibilização e a falta de uniformidade quanto ao que se deva entender como „metrópole‟, ensejando a criação de várias regiões metropolitanas de duvidosa consistência técnica por razões mais diretamente relacionadas ao prestígio político (SOUZA, 2008, p. 430). Para Serrano (2009), a Lei Complementar n.14 de 1973 não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Desse modo, resta descabida qualquer interpretação que aceite seus prepostos como base para a regionalização. A competência de criação das regiões metropolitanas deixou de ser da União para ser dos Estados, em caráter de direito subjetivo, ou seja, cabe ao Estado regulamentar e optar ou não pela criação de uma região, sendo que, anteriormente, a União criava a região, sem discutir o tema com os Estados ou municípios. A concepção de planejamento urbano prevista na Constituição de 1988 e no Estatuto da Cidade trabalha com a ideia de participação popular, participação do estado e dos municípios nesse planejamento, muito distante da concepção que era compreendida na década de 70, cujo governo central era autoritário e centralizador (SERRANO, 2009). As previsões legais da década de 70 conflitam com a previsão constitucional de 1988. A Região Metropolitana de Belo Horizonte foi criada, nos moldes da CF/88, pela Lei Complementar 89 de 12 de janeiro de 2006. A criação da região pelo Estado deverá proceder de acordo com a sua conveniência e discricionariedade, pois trata de um direito subjetivo, visto que tal situação implica no compartilhamento de competências com os municípios que comporão a unidade regional. Os domínios administrativo e decisório nas regiões metropolitanas são do estado e dos municípios, de forma equânime, já que essa não é uma entidade política. Ao Estado, resta a incumbência de definir o modo de administração a ser dispensado, sem retirar das administrações locais a capacidade de ingerência nas funções públicas de interesse comum (SERRANO, 2009). 16 O art. 25 da Constituição Federal de 1988 dispõe que cabe aos Estados, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (TEIXEIRA, 2008, p. 65). 73 O direito subjetivo do estado de criação de uma região metropolitana faz com que esse ente seja o responsável por determinar, em lei complementar, o papel das administrações locais na nova relação a ser instituída. Sendo assim, a participação dos municípios pode ser maior ou menor, consultiva ou deliberativa. Não existe um modelo ideal previsto nacionalmente e que deve ser seguido pelos estados. Para a gestão metropolitana, o estado pode optar por criar um órgão da administração direta, como uma secretaria; ou da administração indireta, como uma autarquia, sempre sob o regime jurídico do direito público. Para tanto, é preciso regulamentar a respectiva escolha através de uma lei específica ordinária - a criação da região depende de lei complementar, a definição dos instrumentos de gestão dá-se por lei ordinária (SERRANO, 2009). A Constituição Federal de 1988 estabeleceu apenas uma diretriz quanto à questão metropolitana (art. 25): que os estados „podem‟ criar regiões metropolitanas, o que inaugurou uma dinâmica voluntarista sem modelo (LOPES, 1988). Os requisitos para a formação jurídica de uma Região Metropolitana são: conurbação17, enquanto reunião de municípios limítrofes em torno de um município sede; intenção do Estado de criar a região metropolitana; existência de lei complementar estadual, atestando a vontade de criação da unidade de administração regional, respeitadas as autonomias municipais. Assim, a formação e a extinção de uma região metropolitana no ordenamento jurídico dependem da vontade do estado e de uma lei complementar (SERRANO, 2009). A instituição de uma região metropolitana visa a possibilitar que o estado possa gerir de forma compartilhada com os municípios suas competências administrativas, de uma forma mais democrática e eficiente da realização das atividades públicas. Sob essa ótica, a região metropolitana é mais que mera unidade administrativa, é um modo de gestão compartilhada de serviços e atividades (SERRANO, 2009). Há um problema concernente à natureza jurídica das regiões metropolitanas e à autonomia municipal, pois a Constituição Federal de 1988 apenas delegou ao Estadomembro a possibilidade de criar tais regiões, mas não concedeu a estas condições de ente federativo nem de pessoa jurídica de Direito Público de caráter político 17 A conurbação tratada deve ser entre pelo menos três municípios e exigir, para o efetivo desenvolvimento dos mesmos, a realização de serviços comuns, planejados e executados regionalmente. 74 (SERRANO, 2009). Caso exista lei complementar que crie regiões, os municípios irão integrá-las, mas não poderão ter sua autonomia prejudicada. No atual ordenamento jurídico, as Regiões Metropolitanas são uma divisão administrativa que pode ser conformada como órgão da administração direta ou entidade da administração indireta, incumbido de atuação administrativa-financeira. Sua forma será definida como entender a Lei Complementar estadual instituidora. A atuação administrativa concentra-se como competência estadual, uma vez que, se essa for outorgada a um Município, esse estaria comandando outra municipalidade (SERRANO, 2009). Segundo Hely Lopes Meirelles (2004), a lei complementar estadual que cria as regiões metropolitanas deve apresentar normas flexíveis para não obstaculizar a atuação dos estados e municípios. Respectiva norma deve também oferecer a possibilidade de escolha, pelo Estado, do tipo de região a ser instituída, tornar obrigatória a participação de todos os entes federados envolvidos e conceituar as obras e serviços de caráter metropolitano, a fim de preservar as funções das administrações locais. Devem ser atribuídos à região poderes administrativos e recursos financeiros aptos a permitir o planejamento e a execução das suas atividades. Algumas constituições estaduais definem claramente quais as funções consideradas metropolitanas. As políticas de circulação viária e transporte urbano são as que mais aparecem, como no caso da constituição de Minas Gerais, do Ceará, de Goiás, do Distrito Federal, do Amazonas, de São Paulo e do Paraná (GOUVÊA, 2005). Quanto às fontes de financiamento das ações metropolitanas, apenas as constituições da Paraíba, de Minas Gerais e do Espírito Santo determinam mecanismos específicos que garantam recursos, normalmente oriundos do governo estadual e dos municípios (GOUVÊA, 2005). A contextualização das regiões metropolitanas na história do Brasil demonstra como o formato institucional destas é reflexo dos processos políticos. O municipalismo e os governos autoritários influenciaram diretamente o desempenho do planejamento e da gestão urbana. Nesse sentido, o planejamento urbano brasileiro foi diretamente afetado pelo contexto político no qual estava inserido. A discussão quanto ao planejamento urbano faz-se essencial. Diante desses fatos, José Abílio Belo Pereira18 listou como entraves 18 José Abílio Belo Pereira listou esses entraves em entrevista concedida para essa pesquisa, pois é representante da sociedade civil no Conselho Deliberativo Metropolitano. 75 para a cooperação intermunicipal os revertérios institucionais derivados da alternância político partidária, a dificuldade de trabalhar com planejamento, mediando conhecimento e ação. No próximo tópico, serão abordadas as teorias de planejamento urbano desenvolvidas no mundo e como essas foram adotadas no Brasil, conforme as mudanças que ocorreram na realidade das cidades e nas instituições político-administrativas. 3.3 Planejamento urbano e a configuração de áreas metropolitanas O planejamento urbano nas cidades européias, no séc. XIX, desenvolveu a proposta de uma alternativa pública de solução dos problemas urbanos decorrentes da industrialização e do crescimento demográfico. Segundo Carvalho (2009, p. 22): Como bem público de segundo grau, o planejamento urbano se identifica com a produção indireta de bens de primeiro grau, entendidos como equipamentos e serviços diretamente oferecidos pelos poderes públicos. Sob esse enfoque, a política de planejamento urbano compreenderia, antes de tudo, a coordenação de decisões e ações públicas no tempo e no espaço, que, tomando como referência o problema urbano como campo privilegiado para intervenção, visariam a promover o desenvolvimento das cidades. A concepção de planejamento urbano foi compreendida de várias formas distintas no decorrer da história. Dentre as teorias que trataram desse tema, podem ser citadas a do planejamento físico-territorial clássico, a do planejamento sistêmico ou racionalista, a do new urbanism, a do planejamento tecnocrático e ainda a do planejamento participativo. O planejamento físico-territorial clássico consiste na concepção de planejamento como atividade de elaboração de planos de ordenamento espacial para a „cidade ideal‟. Essa reduz o planejamento à organização do espaço e à modernização da cidade, além de ser marcadamente regulatório, pois entende que o Estado pode usar seus poderes de controle sobre a expansão urbana e o uso da terra. Seu apogeu foi no fim da Segunda Guerra Mundial, mas data desde os anos 20 como uma corrente modernista e com o objetivo de adaptar as cidades à era industrial, possibilitando melhorias aos operários nos termos da teoria capitalista. O planejamento sistêmico, ou racionalista, visava à adequação dos meios aos fins preestabelecidos e sofisticou o planejamento físicoterritorial, sem ser aplicado de forma independente (SOUZA, 2008). As perspectivas de mercado sugeriram muitas críticas ao modelo regulatório do planejamento físico-territorial e, de certa forma, discutiram as necessidades da sociedade, porém mantiveram o foco na elite capitalista. Já o new urbanism procurou 76 ser uma alternativa aos típicos subúrbios norteamericanos, considerando o espaço menos especializado com uma diversidade de atividades, sendo exercidas em locais anteriormente fragmentados (SOUZA, 2008). Para lidar com as demandas urbanas, existem as modalidades de planejamento urbano tecnocrático e participativo. O tecnocrático baseia-se no projeto de uma cidade ideal, fundamentado em valores e interesses socialmente restritos, envolvendo a participação de um grupo seleto de técnicos e decisões centralizadas. As principais características do planejamento urbano tecnocrático, segundo Carvalho (2009, p. 27), seriam: ênfase na funcionalidade urbana; valorização do conhecimento técnico; concepção de cidade ideal com uma estrutura de árvore (funções urbanas dispostas hierarquicamente); separação dos usos urbanos pela distribuição compartimentada das funções. Esse tipo de planejamento desenvolveu-se após a Segunda Guerra Mundial, devido à necessidade de reconstrução de cidades destruídas durante os conflitos. As reconstruções feitas, seguindo esse modelo de organização, reproduziram os processos de segregação socioespacial, diretamente ou pela instituição de normas que ampliavam as distâncias entre cidade “real” e cidade “legal”. O planejamento urbano tecnocrático concebe a cidade como uma composição de atividades urbanas que se relacionam vertical e hierarquicamente. Em contraposição a essa concepção, o planejamento urbano participativo dispõe que as cidades são construídas por uma complexidade de atividades que se sobrepõem no espaço urbano, a partir de interações muito dinâmicas (CARVALHO, 2009). Com o aumento do envolvimento dos movimentos populares no requerimento das demandas sociais das grandes cidades, a relação entre Estado e sociedade teve de ser revista. O planejamento urbano participativo desponta nesse contexto. Na modalidade participativa, a cidade é construída pela ação conjunta de diferentes atores que interferem na vida urbana. Assim, as decisões são tomadas de forma descentralizada, absorvendo uma maior variedade de demandas e reconhecendo a distribuição desigual de recursos. O planejamento participativo substituiu a cidade com estrutura tipo árvore pela de semi-retículas, na qual as várias unidades de mesmo nível comunicam-se diretamente, sem intermédio da unidade maior envolvente, com superposições. Os usos dos espaços urbanos são misturados (CARVALHO, 2009). O planejamento urbano participativo relaciona-se com o comunicativo e o autonomista, pois para o estabelecimento da comunicação ou da autonomia é fundamental a participação. 77 O planejamento urbano compreendido enquanto um “empreendimento comunicativo” (SOUZA, 2008, p. 149) teve como inspiração filosófica as reflexões de Jürgen Habermas sobre a razão e o agir comunicativo. Para Habermas, no contexto do agir comunicativo, é possível chegar a acordos voluntários em nome da cooperação. A racionalidade comunicativa advinda do agir comunicativo pode ser a solução para a resolução de conflitos de interesses. Ocorre que a existência de profundas desigualdades reflete no sucesso da prática do agir comunicativo, pois a racionalidade dialógica demanda liberdade e igualdade (SOUZA, 2008). Sendo assim, apesar do planejamento urbano comunicativo representar um avanço, na sociedade atual a sua aplicação ainda é restrita e difícil. O planejamento e a gestão urbana autonomistas propõem o desenvolvimento da autonomia individual e da coletiva, tendo em vista a legitimação do planejamento e da gestão atrelada à efetiva igualdade de oportunidade de participação nos processos decisórios. Sob o enfoque autonomista, os planejadores e técnicos, conhecedores de instrumentos e técnicas de planejamento e gestão, não podem reivindicar privilégios quanto ao poder de estabelecer as prioridades e definir metas. Não podem presumir que a racionalidade irá chegar a uma solução em nome da população, mas devem colaborar na orientação dos debates e no esclarecimento de dúvidas. Cidadãos conscientes e assessorados podem ter capacidade de decidir autonomamente e realizar um excelente planejamento e uma gestão eficiente (SOUZA, 2008). A teoria autonomista propõe a democracia em sua plenitude, participativa e consciente. Isso significa que a participação, para essa teoria, não representa o simples envolvimento nos processos decisórios coordenados e comandados pelo Estado, como parte do processo. A ótica dessa teoria transmite a ideia de participação no processo como um todo, desde a construção das primeiras propostas (SOUZA, 2008). O planejamento e a gestão urbanos autonomistas devem ser articulados. O orçamento e o planejamento precisam ser tanto integrados quanto participativos. A sugestão dada por Souza (2008) é a da criação de um único conselho que trate do desenvolvimento urbano (acompanhamento e aplicação dos instrumentos e planos) e do orçamento (administração dos investimentos e recursos prioritários). A constituição de um conselho de desenvolvimento urbano é capaz de diminuir os riscos de definição de ações contraditórias, além de facilitar o controle e a participação popular em todo o processo de desenvolvimento local. 78 Os planos não precisam ser rígidos, excessivamente detalhados ou formalistas, obcecados com a “cidade ideal”. Os planos são “documentos consolidadores de uma dada estratégia de desenvolvimento urbano e, como tais, serão aquilo que dele fizermos” (SOUZA, 2008, p. 400). Planejamento e gestão são termos que não se confundem. Possuem referenciais temporais e atividades distintas. Planejar remete ao futuro, tentar prever a evolução de um fenômeno. Gestão remete ao presente, administrar uma situação, conforme os recursos disponíveis e as necessidades imediatas. O planejamento visa a fundamentar uma gestão futura. A gestão é a implementação do planejamento realizado (SOUZA, 2008). Com o advento do positivismo, o surgimento da ciência da administração e a ocorrência de guerras mundiais, o planejamento ganhou status de objeto específico de análise e conceituação científica. Seus limites conceituais e metodológicos vêm sendo estendidos e sua potencialidade comprovada na esfera pública e privada. O planejamento público é tido como uma invenção recente, desenvolvida ao longo do século XX com as experiências da ex-União Soviética (MENEZES; JANNUZZI, 2009). Souza (2008, p. 51) afirma que o planejamento deve ser feito de modo flexível, entendendo-se que a “história é uma mistura complexa de determinação e indeterminação, de regras e de contingência, de níveis de condicionamento estrutural e de regras de liberdade para a ação individual”, tudo isso sujeito ao inesperado. Segundo diversos autores, como Menezes e Jannuzzi (2009), o planejamento público almeja a melhoria da qualidade de vida da população mediante o atendimento das demandas sociais e do interesse público. Para Carvalho (2009), planejamento é o meio para se reconhecerem problemas, diagnosticá-los e indicar as soluções adequadas, superando a desordem urbana. Os maiores desafios do planejamento urbano estão relacionados com a desigualdade na repartição dos benefícios coletivos que gera, por exemplo, a segregação socioespacial e o grave desequilíbrio das condições de qualidade de vida. Para lidar com esses problemas, Inojosa (2001, p. 105) propõe a intersetorialidade ou transetorialidade a partir da “articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, realização e avaliação de políticas”, criando uma nova dinâmica para o aparato governamental, com base territorial e populacional. Segundo Carvalho (2009, p. 44): Planejamento urbano é reconhecido como a expressão da diversidade de demandas que configuram a realidade urbana, de sorte a corresponder à diversidade de interesses e necessidades 79 dos grupos sociais. Ele pode, além disso, ser visto como expressão dos conflitos que decorrem da apropriação desigual dos benefícios coletivos produzidos na cidade, seja porque os recursos públicos são desigualmente alocados, seja porque a riqueza social é estruturalmente distribuída de forma desigual (CARVALHO, 2009, p. 44). 3.3.1 Planejamento Urbano no Brasil No Brasil, o planejamento urbano teve destaque a partir da década de 60, durante a ditadura militar. Nesse período, as propostas de planejamento tinham caráter tecnocrático. Foram criadas estruturas administrativas nas esferas federal e estadual para lidar com o ordenamento do espaço urbano (CARVALHO, 2009). As primeiras experiências limitaram-se a aspectos de regulamentações arquitetônicas e urbanísticas, provisão de alguns serviços públicos e, em poucos casos, racionalidade da organização do solo urbano. Houve algumas experiências importantes de planejamento urbano como a construção de Belo Horizonte, Brasília e Goiânia, mas essas foram localizadas, elitistas e setoriais, não representando o desenvolvimento de uma política nacional de planejamento urbano. Um dos marcos importantes da história do planejamento urbano brasileiro foi o já citado Seminário de Habitação e Reforma Urbana, realizado em Petrópolis, no ano de 1963, no governo João Goulart (GOUVÊA, 2005). No ano seguinte, 1964, instaurado o regime militar, o planejamento institucionalizou-se, porém de modo autoritário e com o intuito de fortalecer uma política urbana extremamente centralizadora. As ações realizadas nesse período que caracterizaram o planejamento foram: a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau), sendo que na estrutura do Serfhau existia o Sistema Nacional de Planejamento para o Desenvolvimento Local, que visava a induzir os municípios a elaborar planos diretores, essenciais para a obtenção de recursos do BNH (GOUVÊA, 2005). O Serfhau mantinha-se distante da realidade dos municípios, sem recursos e sem força política. Em contraposição ao modelo centralizador do governo federal, esse serviço entendia os municípios como unidades autônomas, capazes de decidir e resolver seus próprios problemas, ou seja, não foi aplicada uma visão integrada no planejamento ou na formulação dos planos diretores, que se tornaram simples declarações de boas intenções (GOUVÊA, 2005). No âmbito do Serfhau, as políticas públicas nacionais que visavam a atender às demandas do meio urbano eram decididas em círculos estreitos da burocracia pública, 80 pouco atentos aos interesses da comunidade. Até a década de 1970, foram desenvolvidos, com a orientação do Serfhau, planos de desenvolvimento integrado para algumas cidades de médio e grande portes. Esses planos pretendiam orientar os investimentos com vistas ao desenvolvimento urbano, tratando de problemas como a especulação imobiliária, o crescimento desordenado e a modernização das instituições locais (CARVALHO, 2009). Durante a década de 1970, foi adotado, no Brasil, o modelo de planejamento urbano compreensivo, no qual o controle sobre a expansão urbana, o uso e a ocupação do solo constituem questões centrais. A estrutura de planejamento adotada nesse período era excessivamente centralizadora e autoritária, mas o planejamento elaborado produziu estudos e propostas que, ainda hoje, constituem referências obrigatórias para a compreensão da dinâmica metropolitana daquele momento e dos períodos posteriores (COSTA, 2003). A criação de regiões metropolitanas em 1973 deu-se também de forma centralizada e sem envolver os estados, muito menos os municípios. Um dos reflexos da forma como foram criadas essas regiões foi a possibilidade de controle da União, através da intermediação de recursos, sobre as áreas urbanas mais estratégicas do país. Em 1974, foi criada a Comissão Nacional das Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU) para tutelar as regiões metropolitanas. Como a CNPU não possuía poder institucional e político, não foi capaz de realizar um bom trabalho e ficou à mercê de poderosas organizações federais como o BNH e o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem). O serviço que mais se desenvolveu em termos de planejamento urbano foi o de transportes, principalmente depois da implantação do Sistema Nacional de Transportes Urbanos (SNTU) (GOUVÊA, 2005). Durante o governo Figueiredo, foi criado o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), no âmbito do Ministério do Interior, que atendeu a solicitações pontuais de estados e municípios que buscavam financiamentos. Um papel importante do CNDU foi o trabalho desempenhado em cidades de médio porte, para diminuir o crescimento excessivo das metrópoles e reorientar os processos de migração interurbana (GOUVÊA, 2005). No ano de 1985, foi instituído o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, direcionado para cuidar das políticas habitacionais, de saneamento básico, de desenvolvimento urbano e do meio ambiente. O BNH e o CNDU ficaram vinculados a esse Ministério (GOUVÊA, 2005). 81 Segundo Gouvêa (2005), com a eleição de Tancredo Neves em Minas Gerais pela via do voto direto em 1983, os membros que compunham a Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Plambel) e a Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Metrobel) esperavam que houvesse uma retomada do planejamento, envolvendo a sociedade e os órgãos públicos. A Associação Nacional do Solo Urbano (Ansur), no início da década de 80, prestava assessorias aos movimentos urbanos e organizava suas demandas para que fossem unificadas. Essas ações promoveram o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), que, durante a constituinte, elaborou e coletou 160 mil assinaturas para a proposta de Emenda Popular pela Reforma Urbana apresentada ao Congresso. Respectiva proposta não foi incorporada, mas contrabalanceou o conflito entre seus defensores e a camada de políticos mais conservadora. O resultado foi o até então inédito capítulo destinado à política urbana no texto constitucional de 1988 (CARVALHO, 2009). A retomada da valorização do planejamento ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988. A recuperação do papel local na formulação de políticas e a exigência da formulação dos planos diretores municipais são exemplos de formas de valorização do planejamento. A Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989 também favoreceu a planificação, distribuiu funções aos municípios e regulamentou a criação das regiões metropolitanas, microrregiões e outras unidades administrativas. Conforme Gouvêa (2005), para que uma região metropolitana trabalhe e equilibre as externalidades negativas derivadas das desigualdades política, econômica e social verificadas entre os municípios, é necessário um planejamento bem feito das suas ações e uma rede institucional participativa e legítima. Na década de 90, começa a ser consolidado um novo modelo de elaboração e gestão das políticas públicas sociais para a solução dos problemas urbanos. Esse modelo confere importância à articulação dos setores governamentais e da sociedade civil através de um processo democrático de tomada de decisões de caráter público (ABRANCHES, 2003). Para o bom desenvolvimento do planejamento participativo, é imprescindível um amadurecimento político, ideológico, técnico e organizativo/institucional. Uma concepção fragmentada e distorcida da cidade e de seus agentes coloca em risco a implementação das políticas relacionadas à participação. Desse modo, o envolvimento 82 da sociedade civil é essencial para a compreensão da “cidade real”. O Estatuto da Cidade recomenda a democracia participativa na gestão urbana ao traçar diretrizes que tratam da realização de audiências públicas, criação de Conselhos Municipais, dentre outras (ABRANCHES, 2003). O Estatuto da Cidade tornou possível uma maior participação popular na gestão das cidades. O inciso II do artigo 2o de respectiva lei dispõe que uma das diretrizes gerais do Estatuto é a gestão democrática por meio da participação popular e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (BRASIL, 2001). O inciso XIII do mesmo artigo 2o impõe a realização de audiência com a participação da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos. O art. 4o determina que a gestão orçamentária também deve ser participativa. A publicidade como mecanismo propiciador de controle democrático da ação urbanística estatal está prevista no artigo 27. O Capítulo IV do Estatuto da Cidade é inteiramente dedicado à Gestão Democrática da Cidade (DALLARI; FERRAZ, 2006). O artigo 43 do Capítulo IV do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) dispõe sobre os instrumentos capazes de promover a gestão democrática dos centros urbanos. Dentre esses instrumentos, podem-se citar a criação de órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; a realização de debates, audiências e consultas públicas; a promoção de conferências sobre assuntos de interesse urbano; a iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Além dos instrumentos citados, a aprovação de propostas sobre o plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias dar-se-á mediante a realização de debates, audiências e consultas públicas. A participação da população e de associações representativas da sociedade civil fica resguardada pelo artigo 45, que afirma que os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas devem incluir, obrigatoriamente, a participação popular nas suas atividades. Uma das finalidades do planejamento e da gestão urbanos é administrar situações de conflito social, pois a dinâmica social implica em disputas entre diferentes segmentos da sociedade. O plano diretor19 é um importante instrumento na execução desse fim, 19 O art. 182 da CF/88 define o plano diretor como um instrumento básico da política de desenvolvimento urbano e fundamental para a efetivação da função social da cidade. 83 enquanto mediador da qualidade de vida do cidadão e estruturador do uso correto do solo e do meio ambiente, do saneamento básico, da segurança pública, dos transportes, do sistema viário e da habitação (TEIXEIRA, 2008, p. 127). Segundo o Estatuto da Cidade, esses são instrumentos de execução da política urbana municipal, mas são também essenciais para a política urbana regional, já que são instrumentos que podem promover a competição intermunicipal. A falta de interação no planejamento de municípios vizinhos pode fazer com que sejam traçadas metas iguais e concorrentes entre si (MORENO, 2006). A realização de uma análise regional para a elaboração dos planos diretores é fundamental na visão de Moreno (2006), pois existe marcante interdependência entre os municípios de uma região metropolitana. O Estatuto da Cidade, ao dispor que todo município pertencente a uma região metropolitana deve possuir plano diretor, não alerta explicitamente que os planos devem ser elaborados, tendo em vista o contexto regional, mas, com um pouco de reflexão e avaliação das diretrizes básicas do Estatuto, fica clara a importância dessa interpretação, ainda que complexa. A lei não deve ser interpretada isoladamente, e sim avaliando seus preceitos básicos e normas correlatas. É preciso superar o isolamento e a fragmentação no processo de ordenação do espaço urbano. Para Moreno (2006), deve ser estimulada a elaboração de planos diretores pensados intermunicipalmente, ou até mesmo produzidos pelo estado, tendo em vista o ordenamento de uma região, e não apenas de um município. O caráter democrático dado ao planejamento urbano pelo Estatuto da Cidade favorece a formulação de planos diretores que atendam aos interesses de diferentes grupos, de forma articulada e cooperada (MORENO, 2006). A promoção da inclusão social no meio urbano depende da aplicação dos dispositivos legais previstos no Estatuto da Cidade e na Constituição da República Federativa do Brasil. O Plano Diretor de Belo Horizonte, Lei 7165/1996 (CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2010), tem como objetivos: ordenar o pleno desenvolvimento do Município no plano social, adequando a ocupação e o uso do solo urbano à função social da propriedade; melhorar a qualidade de vida urbana, garantindo o bem-estar dos munícipes; promover a adequada distribuição dos contingentes populacionais, conciliando-a às diversas atividades urbanas instaladas; promover a estruturação de um 84 sistema municipal de planejamento e gestão urbana democratizado, descentralizado e integrado; promover a compatibilização da política urbana municipal com a metropolitana, a estadual e a federal; preservar, proteger e recuperar o meio ambiente e o patrimônio cultural, histórico, paisagístico, artístico e arqueológico municipal; promover a integração e a complementaridade das atividades urbanas e rurais na região polarizada pelo Município, mediante o adequado planejamento do desenvolvimento regional. Analisando os objetivos do Plano Diretor de Belo Horizonte, pode-se perceber que o mesmo seguiu as diretrizes do Estatuto da Cidade, o que representa a concretização de um avanço na história da capital mineira, inicialmente construída como um local elitista, segregador, não cooperativo e no qual as pessoas que ocupavam seus espaços não tinham voz ou poder. Já a aplicação dos preceitos legais descritos é um desafio para as políticas públicas municipais. Menezes e Jannuzzi (2009, p. 80) afirmam que, a partir da análise de dados quanto à institucionalização da gestão urbana nos municípios brasileiros, são os “fatores demanda – complexidade urbana e pressão populacional – e não os de oferta – disponibilidade de recursos – que conduzem à maior estruturação do planejamento”. Os mesmos autores dispõem ainda que os instrumentos voltados para o ordenamento financeiro têm forte presença nos municípios; os instrumentos voltados para o ordenamento territorial têm presença menos significativa e é pequena a presença dos instrumentos voltados para o ordenamento social. O estudo revelou que a estrutura de planejamento nos municípios guarda forte relação com os fatores relacionados à complexidade urbana e demanda por serviços urbanos – medidos por densidade demográfica e grau de urbanização – e fraca relação com a receita municipal por habitante (MENEZES; JANNUZZI, 2009, p. 86). De um modo geral, os municípios com maior complexidade de planejamento municipal, bem estruturados em termos de planejamento, possuem melhor nível de oferta de serviços urbanos. Esse dado demonstra a efetividade social do planejamento e que o grau de instrumentalização do planejamento municipal/regional é tão importante quanto os recursos orçamentários (MENEZES; JANNUZZI, 2009). A situação descrita acima pode ser ampliada para o contexto metropolitano, pois para a gestão e o planejamento de interesses intermunicipais, tendo em vista o desenvolvimento local, é importante a existência de uma estrutura institucional bem organizada e legítima, de modo que as demandas dos municípios envolvidos sejam atendidas. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tem sido formada uma estrutura 85 de governança, capaz de fomentar a gestão social das mazelas urbanas e promover o desenvolvimento local. Após a contextualização das regiões metropolitanas frente ao estado federal, a teoria e a prática de planejamento urbano, o próximo capítulo apresentará como ocorreu a formação da RMBH, analisando o processo de construção da capital, sua expansão para a periferia e a institucionalização da metrópole. 86 4 A FORMAÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE 4.1 A definição da sede da nova capital de Minas Gerais: Belo Horizonte A cidade de Ouro Preto foi a capital de Minas Gerais da segunda década do século XVIII até 1897. Conhecida como pólo de extração mineral, situava-se geograficamente distante do litoral e das áreas economicamente mais dinâmicas da Província. Com o esgotamento das minas de ouro, o eixo econômico do estado passou a ser relacionado às áreas ligadas à agricultura e à pecuária. Ouro Preto passa, então, a simbolizar o declínio da economia mineira e o passado colono-imperial. Com o advento da República, a modernização do país passou a ser almejada e escolher uma nova capital estadual representava a superação de um passado decadente (CARDOSO, 2007). O Estado de Minas Gerais queria se mostrar politicamente unido e forte frente à República recém instaurada (ANDRADE, 2003). Em 1890, o governador Domingos Rocha designou o engenheiro Herculano Veloso Ferreira Pena para avaliar qual seria o local ideal para a instalação da nova capital mineira. As características que deveriam ser observadas eram: localização central que permitisse a comunicação com diferentes áreas importantes, condições de higiene, topografia que permitisse o crescimento da cidade. Após a análise dessas características, cinco localidades foram pré-selecionadas, sendo elas Barbacena, Paraúna, Várzea do Marçal, Juiz de Fora e Belo Horizonte, antigo Arraial Curral Del Rey (BARRETO, 1995). Uma equipe chefiada pelo engenheiro paraense Aarão Reis avaliou as cinco localidades citadas e concluíram que Juiz de Fora era distante do centro do estado, Paraúna e Barbacena não apresentavam boas condições de higiene ou topográficas. Dessa forma, restaram Belo Horizonte e Várzea do Marçal, mas essa última era melhor apreciada pelo engenheiro, pois possuía estrutura ferroviária e muitos terrenos devolutos. No entanto, por força política20, o Congresso Mineiro optou por Belo Horizonte (BARRETO, 1995). Em 17 de dezembro de 1893, a lei n.3 foi adicionada à Constituição Estadual, determinando que a nova sede do Governo fosse erguida em Belo Horizonte, chamando-se Cidade de Minas. O prazo para inauguração da capital era de quatro anos 20 Os congressistas ouropretanos não estavam satisfeitos com a mudança da capital e, ao perceberem que Várzea do Marçal de fato reunia mais características favoráveis, pressionaram para a escolha de Belo Horizonte, acreditando que seria impossível a construção de uma nova cidade em apenas quatro anos (SINGER, 1977). 87 (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). O nome Belo Horizonte substituiu o de Cidade de Minas em janeiro de 1901 (BELOTUR, 2010). Definido o sítio que abrigaria a nova capital mineira, foi criada, em fevereiro de 1894, a Comissão Construtora da Nova Capital. “O projeto da nova cidade estruturava o seu espaço urbano de acordo com os parâmetros modernistas vigentes e sua planta original foi concluída em março de 1895” (CARDOSO, 2007, p. 55). 4.2 Do Arraial Curral Del Rey à capital mineira Em 1701, o bandeirante João Leite da Silva Ortiz chegou à serra de Congonhas em busca de metal e encontrou linda paisagem. Encantado, João Leite fundou a Fazenda Cercado que prosperou rapidamente e começou a atrair pessoas, formando um arraial. Boiadeiros baianos, mineiros e bandeirantes pousavam no local e, devido à grande quantidade de viajantes, a padroeira local era Nossa Senhora da Boa Viagem, santa que era louvada na capela central. O Arraial ficou conhecido como Curral Del Rey e é esse o nome como é conhecida hoje a antiga serra de Congonhas (GODINHO, 2003). O nome Curral Del Rey foi adotado, porque na Fazenda Cercado pernoitava o gado destinado ao pagamento de taxas reais (BELOTUR, 2010). Em 1889, o nome do local mudou para Arraial Belo Horizonte (ANDRADE, 2003). A decadência do ouro fez com que pessoas migrassem para a fazenda em busca de trabalho. Devido a isso, o arraial chegou a ter 18 mil habitantes e foi elevado à Freguesia, pertencente a Sabará. Esse ciclo de prosperidade durou pouco e, no final do século XIX, o arraial contava com 4 mil habitantes (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). De acordo com Célio de Castro (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010), a Proclamação da República em 1889 deixou os curralenses eufóricos e estes decidiram mudar o nome do local para Belo Horizonte. A notícia da construção da nova capital em seu território foi recebida com muita festa, mas os moradores locais não imaginavam que não faziam parte dos planos para a moderna cidade que seria levantada. 4.3 A construção de uma cidade para abrigar o governo de Minas Gerais A capital mineira Belo Horizonte tornou-se um local distinto do antigo Arraial Curral Del Rey. A criação da nova capital do estado de Minas Gerais esteve integralmente nas mãos do Estado, desde o planejamento e a execução das obras até a alienação dos lotes e o controle da ocupação. A execução do projeto levaria abaixo todo o arraial. Dessa forma, todas as casas foram desapropriadas por um valor irrisório e derrubadas. O centro era reservado para 88 os órgãos públicos e seus funcionários. Cabe destacar que, apesar dos baixos valores de mercado alcançados pelos lotes urbanos nos primeiros anos da capital, a existência de prazos definidos para a construção das habitações na zona urbana acabou por restringir a aquisição desses lotes à população de menor renda21. Contudo frações da zona urbana foram ocupadas provisoriamente por operários22, formando favelas e aglomerados de barracões de empreiteira23. O vetor sul de Belo Horizonte foi o que apresentou um maior crescimento inicial, abrigando, concomitantemente, moradores de classes socialmente distintas, prevalecendo tais condições até meados da década de 1910, período em que o avanço da urbanização, a especulação imobiliária e a ocupação das classes mais abastadas expulsaram os operários para as zonas suburbana e rural (VILLAÇA, 1998). A cidade a ser construída deveria funcionar como um organismo vivo, higiênica, saneada, livre de doenças, desordens e revoluções. A inspiração do projeto veio de Washington e Paris. A Cidade de Minas era elitista, feita para os funcionários públicos e aqueles que tinham condições de adquirir lotes. A área central recebeu imediatamente todos os serviços necessários, enquanto a rural e a suburbana iriam ser preparadas mais tarde (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). A planta original de Belo Horizonte, baseada no positivismo, refletia o ideal de uma cidade funcional e organizada. A concepção e o plano obedeciam aos parâmetros urbanísticos pré-modernos, com a missão de simbolizar a ordem e o progresso (LEMOS, 1994). Havia grande preocupação com a higiene e a funcionalidade. Assim, foi gerado um sistema viário hierarquizado, composto por avenidas e ruas, que, devido ao baixo volume de veículos e pedestres, pareciam demasiadamente largas. Ao se construir uma cidade inteiramente planejada, imaginavam que seria possível controlar a 21 Os antigos proprietários do Arraial Curral Del Rey e os funcionários públicos tiveram prioridade para assentamento na nova cidade. Um detalhe importante é que a moradia dos operários da obra de construção da cidade não foi prevista no plano (MENDONÇA, 2003). 22 Problemas sociais, como a pobreza, pretendiam ser evitados e, por essa razão, não foram criadas políticas capazes de trabalhar essas demandas. Com a obra concluída, os operários deveriam ser retirados, sinal nítido de segregação e elitização. Ocorre que não foi isso que aconteceu. Belo Horizonte foi inaugurada às pressas, estando ainda inacabada. Os operários, aglomerados em meio às obras, não foram retirados. Sem lugar para ficar, aqueles que se esforçaram para o sucesso da preparação da nova capital, assim como os horizontinos formaram favelas na periferia da cidade. A primeira, a do Leitão, ficava nas proximidades do atual Instituto de Educação, em plena Avenida Afonso Pena. Essa massa de trabalhadores, que não era considerada cidadãos legítimos de Belo Horizonte, revelava o grau de injustiça social existente nos seus primeiros anos de vida (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). 23 Conforme Célio de Castro (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010), imigrantes estrangeiros, mineiros do interior e gente de todas as partes do país foram para BH. Buscavam empregos, melhores oportunidades de vida e, sobretudo, a modernidade. Esses bravos sonhadores ergueram a nova capital. 89 sua expansão e que essa ocorreria da área central para a periferia. Porém BH cresceu da periferia em direção à região central (GOUVÊA, 2005). Ocorre que, conforme dispõe Andrade (2003, p. 181): Desde o início, o Estado exerceu um forte controle sobre o crescimento da cidade, inscrevendo no seu mapa um processo de segregação socioespacial no qual as classes econômicas mais privilegiadas puderam ocupar os espaços com melhor infraestrutura urbana. O conjunto desses espaços foi denominado zona urbana pela equipe que projetou a nova capital; um setor cercado por uma avenida em forma de anel (atual avenida do Contorno), com suas ruas largas e simétricas e dotado de infraestrutura sanitária. Dentro desse espaço, localizavam-se o centro comercial da cidade e o Palácio de Governo, este cercado pelas Secretarias e pelo bairro dos funcionários públicos. Circulando a zona urbana havia a zona suburbana e, mais exatamente, a zona rural, destinada a sítios de pequena lavoura. Ao excluir a população mais pobre, a zona urbana permaneceu, por muitos anos, com baixas taxas de ocupação. Em 1912, quinze anos após a inauguração da cidade, 70% dos seus 38.822 habitantes residiam fora da zona urbana. Essa exclusão configurou, ao longo das décadas seguintes, um processo de crescimento da periferia para o centro. A cidade foi planejada para abrigar 200.000 pessoas e dividia-se em três zonas concêntricas: a zona central, abrangendo 8.825.383 m², apresentando traçado simétrico de tabuleiro de xadrez, com ruas e avenidas amplas, divididas em seções a serem destinadas para a sede do governo com seu aparato administrativo, sua estrutura de transportes, de comércio, de educação de saneamento, de assistência médica, moradia da elite e alguns setores da classe média; a zona suburbana, localizada na área externa da Avenida do Contorno, formada por ruas irregulares onde a implantação de serviços foi deixada para a segunda etapa de construção da cidade; a terceira zona, identificada como zona rural, composta por cinco colônias agrícolas, deveria funcionar como um cinturão verde, com o objetivo de abastecer a cidade com produtos hortigranjeiros (GODINHO, 2003). A acessibilidade urbana teve destaque no projeto da cidade, o que pode ser observado pela preocupação com o traçado e as dimensões técnicas das vias públicas. Inovações da época foram empregadas, como os bondes, que representavam o mais avançado modo de transporte coletivo urbano existente (CARDOSO, 2007). A obra de Belo Horizonte teve início juntamente com os trabalhos de construção do ramal férreo que iria ligar essa à rede da Central do Brasil, inaugurada em dezembro de 1895. Essa medida favoreceu a conexão de Belo Horizonte a outras cidades, como Sabará, Ouro Preto e a capital federal, Rio de Janeiro. O cumprimento do prazo de 90 inauguração da cidade também dependeu da linha ferroviária, essencial para que fossem entregues os materiais de construção que chegavam por meio de trens (CARDOSO, 2007). 4.4 A expansão urbana e a configuração da Região Metropolitana de Belo Horizonte enquanto fenômeno urbano espacial A cidade não se desenvolveu como o planejado, a industrialização tardou, vindo a ter seu início na década de 1940. O número de desempregados era grande (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). As periferias ficaram cada vez mais distantes do centro da capital, assim como a preocupação dos governantes com essas regiões, agravando-se assim o índice de violência, pobreza e qualidade de vida da população de baixa renda, em grande parte, vinda do interior do estado ou do nordeste. A falta de infraestrutura nas periferias proporcionou o surgimento de cada vez mais favelas24 e a ocupação de áreas de risco ou de reserva ambiental. Belo Horizonte foi inaugurada em 1897 e já possuía duas favelas, com população estimada de 3.000 (três mil) habitantes, enquanto a população da cidade era, no total, de 10.000 (dez mil) (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2008). À medida que a capital crescia, aumentavam também as reclamações e reivindicações populares em busca da instalação de serviços básicos de água, luz, esgotos e melhorias nas condições de transporte, devido ao acelerado acréscimo populacional nas periferias da cidade e às limitações no atendimento realizado pelo sistema de bondes elétricos25 (CARDOSO, 2007). O que acontecia é que inúmeros bairros periféricos de Belo Horizonte não possuíam condições de infraestrutura que possibilitassem o seu atendimento por linhas de bondes (não dispunham de redes de energia elétrica ou vias livres). “A tímida expansão da rede de bondes no decorrer das suas primeiras décadas de operação contribuiu para a intensificação do adensamento populacional em favelas localizadas nas proximidades da zona urbana” (CARDOSO, 24 Conforme afirma Alfonsin e Fernandes (2003), as cidades tornam-se um “caldeirão”, devido a dois fatores: o mercado imobiliário, com sua lógica mercantilista, e a ordem urbana, cuja legislação e medidas públicas têm como alicerce a elite. 25 Desde a inauguração dos bondes elétricos, esses tiveram seus traçados voltados às áreas urbanas do vetor sul da cidade. A expansão do atendimento desses acontecia visando a atender a interesses específicos. “A chegada dos bondes elétricos à região do Prado (1906), por exemplo, foi concebida no intuito de facilitar o acesso, sobretudo das classes mais abastadas, ao lazer. Aquela área abrigava o antigo hipódromo, no qual ocorriam, entre outras, exposições pecuárias” (CARDOSO, 2007, p.63). A Serra também foi beneficiada, mesmo se tratando de um bairro pouco adensado, pois era uma continuidade da área mais nobre da Capital, onde eram encontrados “inúmeros sítios e chácaras destinados ao descanso e ao lazer de uma reduzida parcela de cidadãos belo-horizontinos” (CARDOSO, 2007, p.63). 91 2007, p. 64). A especulação imobiliária acompanhava o traçado por onde transitavam os bondes, fato esse demonstrado pela grande expansão das áreas a nordeste e noroeste da cidade, que eram atendidas por linhas dessa modalidade de transporte coletivo. Cardoso (2007) afirma que existe uma relação entre a oferta de transporte e a construção de bairros residenciais. Na década de 1930, Belo Horizonte – BH - começou a mudar. A poeira vermelha, os bangalôs e a arquitetura neoclássica cederam lugar a prédios. Os bondes perderam espaço para os automóveis. Nesse momento, tem início a formação de um pólo regional de caráter metropolitano (LEMOS, 1994). Na década de 1940, a arquitetura moderna marcou a capital. Em 1941, foi criado o Parque Industrial e, em 1943, foi inaugurado o Complexo da Pampulha. Altos edifícios foram construídos na região central e a especulação imobiliária passou a atuar no centro. A criação, nos anos 1940, da Cidade Industrial de Contagem, até então distrito e não município situado a oeste da capital, lançou as bases para a formação da futura região metropolitana. A estrutura produtiva industrial e os processos iniciais de conurbação definiram o eixo industrial e operário da região (MENDONÇA, 2003). Grandes obras viárias, realizadas nos anos 1940 e 1950, traçaram os eixos de expansão urbana, a princípio nos sentidos norte e oeste de BH. Também foi a norte e a oeste que se assentaram os grupos populares e operários (MENDONÇA, 2003). A Avenida Antônio Carlos ligou o centro à Pampulha26 e proporcionou a ocupação do vetor norte e municípios vizinhos por pessoas de baixa renda, especialmente na década de 1970 – Venda Nova, Santa Luzia e Ribeirão das Neves (ANDRADE, 2003). Novos bairros surgiram na periferia sem qualquer infraestrutura para atender àqueles que chegavam à cidade. Na década de 1950, a população dobra de 350 mil para 700 mil habitantes. Preocupado com o crescimento desordenado da cidade, o prefeito, Américo René Gianetti, deu início à elaboração de um Plano Diretor para Belo Horizonte (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). Até 1960, o município de Belo Horizonte era o que mais crescia no contexto metropolitano. Dessa data em diante, os municípios do entorno da capital passaram a comandar esse crescimento, principalmente, devido aos altos saldos migratórios, intra e extrametropolitanos. Na década de 1970, a taxa de crescimento populacional anual de 26 A construção da barragem da Pampulha por Juscelino Kubistchek transformou o sistema viário, que passou a contar com um grande número de ônibus urbanos. Vias foram construídas e asfaltadas (LEMOS, 1994). 92 Belo Horizonte era 41% inferior à dos demais municípios da RMBH em seu conjunto. Nos anos seguintes, essa diferença aumentou para 75%, entre 1980-1991 (CAETANO; RIGOTTI, 2008). Esses dados refletem a queda no ritmo de crescimento da capital27, a intensificação dos fluxos migratórios dependentes de boas condições de mobilidade urbana e a contínua expansão da RMBH no sentido de sua periferia. Os principais sentidos de migração, a partir de Belo Horizonte, na região em questão são: Contagem, Ribeirão das Neves, Betim, Ibirité, Santa Luzia e Vespasiano. Na tentativa de resolver os problemas causados pela falta de planejamento, foram tomadas várias medidas: criou-se o Plambel e foi instituída a Região Metropolitana de Belo Horizonte no ano de 1973 (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). Os fatores de maior pressão sobre a ordem territorial que provocam a segregação do espaço na RMBH são, segundo Pires (2010): a incontrolável especulação imobiliária voltada para a mercantilização do solo urbano, com ampliação do mercado imobiliário de alto luxo; a insuficiente regulação pelo órgão metropolitano de caráter público, que ocasiona a autorregulação pelo mercado; a elevação de coeficientes de aproveitamento das áreas de grande impacto sobre o tecido urbano e a infraestrutura, em especial a relativa à mobilidade. Esses fatores são agravados pelo esgotamento do território da capital, o que alimenta a variação das formas de ocupação e atinge locais pouco propícios, além de incrementar a polarização da distribuição espacial entre pobres e ricos. A expansão da mancha urbana de Belo Horizonte para a periferia deu-se sob a influência dos seguintes fatores: as decisões estatais acerca da localização industrial que refletem na ocupação do espaço por operários e conjuntos habitacionais populares (a oeste da capital na primeira fase de industrialização do estado – década de 40; a norte da capital na segunda fase – anos 70); a legislação urbanística elitista de BH que promoveu a inserção do mercado imobiliário direcionada para as classes média e alta; a legislação permissiva dos municípios do entorno da capital que favoreceu a proliferação de loteamentos populares; a topografia acidentada; a concentração de propriedade fundiária por parte de empresas mineradoras (MENDONÇA, 2003). 27 Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, enquanto a capital cresceu entre 1991 e 2000, a uma taxa de 1,15% ao ano, Ribeirão das Neves e Ibirité, que apresentam os mais baixos PIBs municipais per capita da RM, cresceram no mesmo período a taxas anuais de, respectivamente, 6,2 e 4,1% (GOUVÊA, 2005, p.94). 93 Atualmente a expansão urbana da RMBH está focalizada no Vetor Norte, incluindo Pampulha e Venda Nova. A área Norte Central, formada principalmente por Santa Luzia, Vespasiano e Ribeirão das Neves, atua como pólo atrativo da população de baixa renda, devido à disponibilidade de loteamentos populares e instalação de indústrias. O Norte Extremo da RMBH, Pedro Leopoldo e Confins, apresenta menor interação com a capital e congrega menor contingente populacional. Investimentos públicos no Vetor Norte – Cidade Administrativa, Linha Verde – estão alterando os fluxos migratórios e o quadro de desenvolvimento urbano (PIRES, 2010). O crescimento demográfico na RMBH não é homogêneo. Os municípios com menor grau de integração institucional e relacional apresentaram menores índices de crescimento do que os demais. Os municípios de grau médio apresentaram taxas de crescimento altas, mas relativamente estáveis. Já os municípios de alto grau de integração apresentaram significativo aumento populacional. Nesse quadro, a capital figura como emissora de pessoas para as demais localidades. De 1986-1991, de mais de 120 mil pessoas que mudaram de município dentro da RMBH, 71% eram originadas da capital e direcionaram-se a outros locais do entorno (CAETANO; RIGOTTI, 2008)28. Apesar das constantes mudanças que ocorrem no contexto metropolitano, Belo Horizonte permanece como uma cidade pólo e tem apresentado uma relação avançada frente à institucionalização da região. A Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, aprovada em 1990, trouxe avanços em diversos setores sociais. O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município foi criado em 1992, para tratar do tombamento de construções de valor histórico e impedir a destruição de símbolos belorizontinos. O Plano Diretor da cidade e a Lei de Uso e Ocupação do Solo, que datam de 1996, passaram a regular e ordenar o crescimento da capital (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2010). O advento do Estatuto da Cidade, em 2001, proporcionou nova fundamentação jurídica para a efetivação do direito à cidade. Esse direito engloba a função social da propriedade, a moradia e a participação popular. Surge, dessa forma, um novo cenário para o desenvolvimento da capital mineira. 4.5 A institucionalização da Região Metropolitana de Belo Horizonte 28 Os municípios com grande participação no setor industrial e aqueles com oferta de moradias para a população de baixa renda são os responsáveis pela maior absorção de migrantes que trocaram de municípios dentro da RMBH (Contagem e Ribeirão das Neves). A capital tem papel secundário como opção de destino de emigrantes (RIGOTTI; VASCONCELLOS,2003). 94 Belo Horizonte é hoje o centro econômico, político e demográfico de Minas, e a RMBH é a sétima maior região metropolitana da América Latina em termos demográficos (Cidade do México, São Paulo, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Bogotá, Santiago do Chile aparecem em posição anterior à de BH, no ano de 2000) (PIRES, 2010). A RMBH possui várias atrações em comparação com outras regiões do país. Uma das vantagens diz respeito à sua localização privilegiada em relação ao eixo Sudeste – Distrito Federal no Brasil e o cone sul da América Latina, Mercosul. A região aqui estudada possui diversificada estrutura econômica. O Aeroporto Internacional Tancredo Neves, o porto seco de Betim, a universidade federal, as belezas naturais, o acervo histórico barroco e arqueológico da área Carste também geram diferenciais. Apesar do grande potencial, a RMBH apresenta baixo grau de inserção econômica nacional e internacional (PIRES, 2010). Uma gestão metropolitana que garanta sinergia entre os governos nas suas variadas instâncias pode fazer com que haja melhor aproveitamento de vantagens. Integrada por trinta e quatro municípios, a RMBH abrange 1,6% do território estadual, com uma população de 4.975.126 hab (IBGE/2006) que representa 25% do total no estado e aproximadamente 50% do PIB (IBGE/2006). O Mapa 1 demonstra a RMBH e a localização dos municípios que a compõem. Os indicadores sociais são muito variáveis. A renda per capita no eixo econômico da região – Belo Horizonte, Contagem, Betim - é em torno de US$ 3,900 por ano, enquanto a média de outros municípios como Ibirité e Ribeirão das Neves não atinge US$ 630 (IBGE/2006). A heterogeneidade da RMBH de hoje é o resultado de anos de falta de uma política promotora de ações cooperativas e integradoras. Algumas iniciativas isoladas buscaram possibilitar inovações, porém essas não se articularam por muito tempo. No final dos anos 1960, durante o governo Israel Pinheiro, foi dado impulso a um processo de planejamento urbano da “Grande Belo Horizonte”. Foi concluído, nessa época, o Plano Preliminar de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Para a efetivação de respectivo plano, o Conselho Estadual de Desenvolvimento firmou um convênio entre o Estado de Minas Gerais e 14 prefeituras que comporiam a região metropolitana. Em parceria com a Fundação João Pinheiro, foi formulado o Plano Metropolitano de Belo Horizonte (GOUVÊA, 2005). O referido plano não chegou a ser de fato implantado, pois a política metropolitana acabou sendo abandonada. 95 MAPA 1: Divisão Político Administrativa da Região Metropolitana de Belo Horizonte e Colar Metropolitano Fonte: MOURA; MARQUES, 2010. A Região Metropolitana de Belo Horizonte foi criada pela Lei Complementar Federal n.1429, de 8 de junho de 1973. A princípio, catorze municípios compunham a região; hoje, são trinta e quatro30. Nessa época, BH contava com uma população de um milhão de habitantes e continuava crescendo de forma desordenada (GODINHO, 2003). 29 Entre os anos de 2003 e 2005 foram apresentados oito projetos de lei para a criação de novas regiões metropolitanas em Minas: Caratinga, Governador Valadares, Juiz de Fora, Curvelo, Vale do Rio Grande, Vale do Alto Paraopeba, Triângulo Mineiro e Inconfidentes. Todos esses projetos foram arquivados, porque as áreas em questão não são conurbadas, ou seja, não cumprem com uma característica básica das regiões metropolitanas (TEIXEIRA, 2008, p. 126) 30 A Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989 ampliou a RMBH de 14 para 18 municípios ao incluir Brumadinho, Esmeraldas, Igarapé e Mateus Leme. Em 1996, outras seis localidades foram incluídas: São José da Lapa, Confins e os ex-distritos recém emancipados de Juatuba, Mário Campos, São Joaquim de Bicas e Sarzedo. Em 1999, entraram para a região: Baldim, Capim Branco, Taquaraçu de Minas, Florestal, Itaguara, Matozinhos, Nova União e Rio Manso. Pouco tempo depois, Jaboticatubas foi incluída na RMBH e, em 2001, Itatiaiuçu. A inclusão de vários desses municípios foi feita sob diversas críticas quanto ao não atendimento de quaisquer critérios, sejam urbanísticos ou econômicos. Segundo Gouvêa (2005), diante da farra do ingresso de municipalidades na região em questão, pode-se dizer que existe uma região metropolitana „real‟ dentro da „legal‟. 96 Os 14 municípios que compunham a RMBH no momento de sua criação pela Lei Complementar Federal n.14 eram31: Belo Horizonte, Contagem, Caeté, Betim, Ibirité, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Sabará, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Santa Luiza e Vespasiano (GOUVÊA, 2005). Desses, nove fazem limite com a capital. Hoje os municípios que compõem a RMBH são: Baldim, Belo Horizonte, Betim, Brumadinho, Caeté, Capim Branco, Confins, Contagem, Esmeraldas, Florestal, Ibirité, Igarapé, Itaguara, Itatiaiuçu, Jaboticatubas, Juatuba, Lagoa Santa, Mário Campos, Mateus Leme, Matozinhos, Nova Lima, Nova União, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Rio Manso, Sabará, Santa Luzia, São Joaquim de Bicas, São José da Lapa, Sarzedo, Taquaraçu de Minas e Vespasiano. O QUADRO 1 caracteriza os municípios da RMBH quanto ao nível de integração com o pólo regional, à densidade demográfica, à área, à distância da capital e á população residente. QUADRO 1: Constituição e características básicas da Região Metropolitana de Belo Horizonte (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) Municípios Integração Ano de Populaçã Distânci Área Densidade da RMBH na dinâmica integraçã o a da (km²) Demográfic da oà residente capital a em 2000 aglomeraçã RMBH em 2000 em Km (hab/ km²) Pólo 1973 2.238.526 0 331,9 6718 Contagem Muito Alta 1973 538.017 16 195,2 2748 Ibirité Muito Alta 1973 133.044 25 73,3 1812,3 Ribeirão das Muito Alta 1973 246.846 15 154,6 1595 Santa Luzia Muito Alta 1973 184.903 12 234,4 788,1 Vespasiano Muito Alta 1973 76.422 14 70,3 1085,7 Betim Muito Alta 1973 306.675 30 346,8 875,4 Sabará Alta 1973 115.352 17 304,4 376,3 o Belo Horizonte Neves 31 A Lei Complementar 26/1993 criou o Colar Metropolitano, composto por catorze municípios da periferia alcançados pelo processo de metropolização. 97 Caeté Média 1973 36.299 31 542,7 66,8 Lagoa Santa Média 1973 37.872 22 232,7 162,3 Nova Lima Média 1973 64.387 22 429,7 149,6 Pedro Média 1973 53.957 24 291,9 184,4 Raposos Média 1973 14.289 23 72 198,2 Rio Acima Baixa 1973 7.658 35 228,7 33,5 Esmeraldas Alta 1989 47.090 38 912,3 50,2 Igarapé Média 1989 24.838 46 110,3 220 Brumadinho Baixa 1989 26.614 44 634,3 41,9 Mateus Baixa 1989 24.144 53 303,4 79,5 Alta 1993 15.000 13 48,8 307,6 Juatuba Média 1992 16.389 43 97,1 162,3 Sarzedo Alta 1997 17.274 31 62,1 277,6 Mário Alta 1997 10.535 36 35,3 298,2 Confins Alta 1997 4.880 21 42,1 113,9 São Joaquim Média 1997 18.152 42 72,7 249,7 Muito 1997 5.647 51 36 28,9 1997 4.646 62 232,8 19,9 Leopoldo Leme São José da Lapa Campos de Bicas Florestal Abaixa Rio Manso Muito Baixa Matozinhos Média 1999 30.164 32 253,6 118,6 Capim Média 1999 7.900 34 94,5 83,4 Itaguara Baixa 1999 11.302 85 411,9 27,4 Nova União Muito 1999 5.247 42 172 31,6 1999 8.155 59 556,7 14,6 Branco Baixa Baldim Muito Baixa 98 Jaboticatuba Muito s Baixa Taquaraçu Muito de Minas Baixa Itatiaiuçi Baixa 2000 13.530 40 1117, 12,1 1 2000 3.491 33 303,3 10,6 2002 8.517 64 295,9 28,8 Fonte: Observatório das Metrópoles, 2004 e 2006. Com a criação da RMBH, o planejamento metropolitano teve que se institucionalizar e para isso foi implantada a Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – Plambel32, sob a forma de autarquia estadual pela Lei n. 6.303, de 30 de abril de 1974 (TEIXEIRA, 2008). Essa autarquia consistia em um grupo técnico alocado a um projeto da Fundação João Pinheiro e passou a ser a agência central do planejamento urbano regional para orientar o estado na realização dos serviços de interesse comum. Devido ao regime ditatorial centralizador, o Plambel não teve como realizar grandes feitos, mas contribuiu muito para a consolidação de uma filosofia de planejamento metropolitano (GOUVÊA, 2005). Foi na área dos transportes o maior destaque do Plambel. Esse editou estudos que compuseram o Plano Metropolitano de Transportes, que objetivava priorizar o transporte público, restringir o uso do veículo privado e resgatar a qualidade de vida no meio urbano. Foi também o Plambel o responsável por organizar, institucionalmente, a Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte – Metrobel, empresa pública implantada em 1980 (GOUVÊA, 2005). Um dos motivos que levaram à criação da Metrobel foi a necessidade de suplantar o regime predatório e privatístico que vigorava nos serviços de transporte público. O planejamento metropolitano estava alicerçado no Plano de Desenvolvimento Integrado Econômico e Social da RMBH (PDIES)33, aprovado em 1975 e integrante do Esquema Metropolitano de Estruturas (EME). Ambos foram elaborados pelo Plambel e aprovados pelo Conselho Deliberativo Metropolitano (MACHADO, 2009). Centralismo decisório e tecnocracia marcaram o planejamento metropolitano da década de 70. Este era alheio à participação da sociedade civil e das instâncias 32 O Plambel foi criado para enfrentar os desafios da região. A criação de um aparato de planejamento permitiu que os avanços normativos e os investimentos no âmbito da ordem urbanística existissem mesmo durante o regime militar (PIRES, 2010). 33 A proposta do PDIES abrangia elementos múltiplos da estrutura urbana, numa tentativa de conhecer o global e, a partir dele, propor um planejamento estruturante de curto, médio e longo prazos (MACHADO, 2009). 99 municipais. Essa distância fez com que a regionalização fosse associada a regimes de governo autoritários e, assim, a gestão metropolitana perdeu espaço na redemocratização (MACHADO, 2009). Em 1973, foi criada também a Superintendência de Articulação com os Municípios (Supam), órgão da Secretaria do Planejamento e Coordenação Geral de Minas Gerais (SEPLAN), com o objetivo de articular os planejamentos estadual, microrregional e municipal. O incentivo a essas articulações foi importante para a formação da Granbel Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que derivou de uma iniciativa estadual e formou, em 1975, o principal espaço institucional onde eram vinculadas as insatisfações municipalistas34 (MACHADO, 2009). No final de 1987, foi criada a Secretaria de Estado de Assuntos Metropolitanos, para onde foi transferida a autarquia Plambel, já bastante enfraquecida e com a missão de elaborar o Plano Diretor Metropolitano. Infelizmente, apenas chegou a ser concluído o Diagnóstico da Região Metropolitana. Em 1992, a Secretaria de Estado de Assuntos Metropolitanos foi extinta e o Plambel transferido para a Secretaria de Estado do Planejamento. Em 1995, o Plambel foi definitivamente extinto, devido ao abandono do planejamento no período de crise econômica, ao afastamento da questão metropolitana pelo governo federal e à falta de repasse de recursos (GOUVÊA, 2005). Com a extinção do Plambel suas funções foram transferidas para a Secretaria de Estado de Planejamento, para a Fundação João Pinheiro e para o Instituto de Geociências Aplicadas (IGA). Essas alterações diminuíram as ações institucionais em relação ao tema metropolitano e representaram a estratégia do Estado para se esquivar do assunto (PIRES, 2010). Diante do empoderamento dos governos locais com a Constituição de 1988, a questão metropolitana passou a ser tratada com maior participação dos municípios e menor envolvimento do estado. A Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989 previa um arranjo de gestão que, devido às influências municipalistas, não proporcionava espaço suficiente ao estado ou aos municípios-pólo. Respectivo arranjo logo mostrou-se ineficaz, devido aos municípios não terem assumido uma posição 34 A Granbel prestava assessoria administrativa aos municípios nas áreas contábil, financeira e tributária. Essa assessoria era realizada pelos próprios associados. O custeio das atividades da Granbel era feito pelos próprios associados. Com o advento da AMBEL como órgão representativo de todas as municipalidades, a Granbel passou a ser instrumento de barganha para a negociação de pleitos junto aos governos estadual e federal (MACHADO, 2009). 100 relevante e ao desequilíbrio causado pela inexpressividade do papel do Estado (PIRES, 2010). A Assembleia Metropolitana de Belo Horizonte – AMBEL – ganhou respaldo como o órgão colegiado composto por representantes de todos os municípios, prefeitos e um membro das Câmaras Legislativas. Ressalta-se, porém, que nenhum representante da sociedade civil participava da Assembleia. Essa estrutura da AMBEL fez com que importantes atores sentissem-se subrepresentados frente a sua relevância política e econômica. Assim, Betim, Contagem, BH e o próprio estado afastaram-se dos assuntos relacionados à questão metropolitana por entenderem ser a mesma desvantajosa35 (MACHADO, 2009). A União e os Estados afastaram-se dos arranjos metropolitanos, deixando à autonomia dos municípios a função de trabalhar as políticas de interesse comum, na expectativa de que pudessem implementar soluções de cooperação (PIRES, 2010). O estado foi aos poucos desmontando as instituições que havia criado, como o Plambel e a Câmara de Compensação Tarifária dos Transportes. Apesar do empoderamento dos governos locais trazer benefícios nos termos da governança metropolitana, um fator não pode ser esquecido: Os municípios, isoladamente, não são capazes de atender aos seus munícipes, por razões de toda sorte, desde o excesso de atribuições e encargos transferidos pela União, somado à escassez de recursos financeiros (...). A par de tudo isso, persiste o quadro de despreparo gerencial e dos excessos da política partidária local (TEIXEIRA, 2008, p.29). Com a promulgação da Constituição do Estado de Minas Gerais, em 1989, foi votada pela Assembleia Legislativa a Lei Complementar n. 26, de 14 de janeiro de 1993, republicada em 1996, cujo objetivo era dispor sobre as normas gerais relativas à AMBEL e às funções públicas de interesse comum, a cargo da RMBH (TEIXEIRA, 2008). A disposição clara na lei das funções públicas de interesse comum é fundamental para que não ocorram situações como a enfrentada pela AMBEL, pois por muito tempo essa resumiu-se ao debate quanto à tarifação dos ônibus intermunicipais metropolitanos administrados pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais - DER-MG (GOUVÊA, 2005). 35 Entre 1988 e 2002, 20 novos municípios foram integrados à RMBH, sendo que muitos deles com menos de 10.000 habitantes e sem qualquer possibilidade de conurbação. Esse quadro deriva da sistemática na qual a maioria numérica dos pequenos municípios na AMBEL preponderava sobre o pouco poder formal disponibilizado às grandes municipalidades e ao governo do estado (MACHADO, 2009). 101 Na tentativa de controlar os déficits fiscais e o endividamento que Minas Gerais estava passando, em 2003, o governador Aécio Neves lançou uma reforma administrativa que procurava revigorar o planejamento público. Em janeiro, foram editadas um conjunto de 63 leis delegadas. Dentre as mudanças propostas, destaca-se a criação da Secretaria de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (SEDRU- MG), cujas competências estão dispostas na Lei Delegada n. 119 de 25 de janeiro de 2007. A SEDRU foi aparelhada com uma Superintendência para Assuntos Metropolitanos que recolocou a política urbana regional na agenda governamental. Foi realizado também o Seminário Legislativo Regiões Metropolitanas, que possibilitou a participação de diversos atores governamentais ou não. A participação popular nesse seminário fez com que fossem levantadas situações sociais críticas e a necessidade de uma gestão social da metrópole (PIRES, 2010). Outra iniciativa tomada foi a realização de reuniões técnicas que incentivavam os líderes municipais a elaborar os planos diretores sob uma perspectiva regional e integrada (MACHADO, 2009). Cumpre destacar que a questão da Região Metropolitana de Belo Horizonte é uma temática estratégica para o governo de Minas Gerais. A relevância da regionalização levou à criação do Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG), 2004-2007, que estabeleceu trinta Projetos Estruturadores, dentre eles, destaca-se a Plataforma Logística de Comércio Exterior da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Esse projeto visava a consolidar a RMBH como um pólo dinâmico de logística e de serviços avançados para o comércio exterior e assim aumentar a competitividade e o desempenho exportador das empresas mineiras e a atração de investimentos para a RMBH. Dentre as ações elaboradas pelo PPAG, podem ser citadas a adequação de capacidade e melhoramentos do Aeroporto Tancredo Neves; o desenvolvimento do Aeroporto Industrial e da Plataforma Logística de Comércio Exterior da RMBH; a instalação de infraestrutura de processamento industrial e de serviços de apoio ao comércio internacional (MINAS GERAIS, PPAG 2004-2007). A Emenda Constitucional 65, que alterou os artigos 42 a 50 da Constituição do Estado, somada a novas leis complementares de 2006, definiram novos princípios, órgãos e instrumentos para compor a estrutura metropolitana estadual (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010). Para Machado (2009, p. 94)36: 36 Para corroborar a hipótese acerca do surgimento de construtos mentais pró-gestão metropolitana entre os atores, Machado (2009, p. 94) cita algumas de suas evidências: o aparecimento de propostas próquestão metropolitana nas eleições para o governo do estado, em 2002, e para a Prefeitura de Belo 102 Essa conjuntura de um embrionário envolvimento da sociedade civil, somada à experiência vivida dos excessos da municipalização, parece cimentar novas percepções por parte dos atores na região metropolitana. Uma das percepções que podem estar se consolidando é a da necessidade de o estado retomar um papel relevante nas atividades de planejamento metropolitano, desde que o faça de maneira negociada. Nossa hipótese é a de que novos “constructos mentais” pró-gestão metropolitana têm levado os atores a perceber vantagens na consideração da questão metropolitana, reduzindo assim os custos de transação das negociações. O art. 43 da Constituição do Estado, modificado pela emenda n° 65/2004, determinou algumas funções públicas de interesse comum. O art. 46 reformulou o arranjo institucional. Cada região metropolitana mineira passou a possuir uma assembleia metropolitana, um conselho deliberativo de desenvolvimento metropolitano, uma agência de desenvolvimento com caráter técnico e executivo, um plano diretor de desenvolvimento integrado e um fundo de desenvolvimento metropolitano (PIRES, 2010). Outras alterações constitucionais desdobraram-se com as Leis Complementares n. 88, 89 e 90, todas de 2006. De acordo com a Lei Complementar n. 88/2006: Art. 4°. parágrafo único: Incumbe ao Estado, na forma dessa lei complementar, a execução das funções públicas de interesse comum, diretamente ou por meio de: I Concessão ou permissão; II Gestão associada; III Convênio de cooperação. Em 2006, foi criado o Grupo de Governança Metropolitana, com a finalidade de coordenar ações estaduais no território metropolitano e estabelecer a intersetorialidade das políticas públicas. Para o resgate do planejamento urbano, o Estado criou, em 2007, o Projeto Estruturador da RMBH – PERMBH, alocado na Sedru, mas com capacidade para desenvolver ações integradas com outras secretarias. Desse projeto, partiram iniciativas para várias políticas e programas, mediante a participação da sociedade civil e do setor privado (PIRES, 2010). Horizonte – PBH – em 2004; a criação de um órgão estadual específico para lidar com os assuntos urbanos e metropolitanos; a defesa, pela Granbel, da elaboração de um Plano Diretor Metropolitano, definidor de diretrizes para os planos municipais; a transação entre o governo de Minas Gerais e o município de Belo Horizonte que culminou, em 2003, na renovação do contrato da Prefeitura com a Copasa; e, por fim, a reforma da legislação metropolitana ocorrida na Assembleia Legislativa estadual. 103 Diante da heterogeneidade da realidade dos municípios que compõem a RMBH, é de suma importância a institucionalização de uma estrutura de gestão metropolitana que articule intersetorialmente os interesses e demandas das municipalidades envolvidas. O não tratamento de modo adequado da questão metropolitana implica no agravamento das desigualdades sociais, inter e intramunicipais, reforça a oposição entre núcleo e periferia, aprofunda a crise financeira de localidades que não conseguem lidar sequer com os problemas estritamente de ambiência local, menos ainda com problemas de âmbito regional (GOUVÊA, 2005). Com o remanejamento da estrutura metropolitana atual, o Estado demonstra estar buscando a eficácia do arranjo institucional pela realização de ações coordenadas e cooperativas de demandas de interesse comum. O governo de Minas tem atuado como regulador, prestador e indutor da institucionalização metropolitana. Essa atuação tem, de certo modo, levado em conta parcerias com a sociedade (PIRES, 2010). Para Pires (2010, p. 181): (...) a organização institucional da gestão metropolitana definida no novo marco legal não exclui outras iniciativas organizatórias. Se na RMBH, há uma interdependência difusa no espaço de sua base territorial, outras dinâmicas mais estruturadas podem justificar arranjos internos complementares e focados em objetivos mais específicos. 4.5.1 A estrutura atual da RMBH Para promoção de justiça social pelo desenvolvimento local, os órgãos que zelavam pela gestão metropolitana foram reformulados. Dentre as propostas aprovadas na reforma legislativa, podem ser citadas a paridade decisória entre o estado e o conjunto de municípios na gestão metropolitana37; a representação diferenciada dos municípios mais populosos e mais ricos no órgão deliberativo; a definição da titularidade estadual das funções de interesse comum; a participação da sociedade civil no Conselho Deliberativo Metropolitano; a criação de uma agência de desenvolvimento com caráter técnico e executivo. É possível notar que a estrutura atual da RMBH preza o equilíbrio da representação dos municípios e do estado assim como a participação da sociedade civil (MACHADO, 2009). Resta às instituições articularem-se como uma só, pois a 37 O Projeto Estruturador da RMBH é outro fator que demonstra o envolvimento do estado na coordenação metropolitana. Esse projeto, consignado no Plano Plurianual Estadual, contempla ações de ampliação do sistema viário metropolitano, regulação da expansão urbana e regularização fundiária de assentamentos humanos informais (MACHADO, 2009). 104 cidade, mesmo que englobe várias administrações municipais, funciona de forma uníssona. Na nova estrutura formada, foi mantida a Assembleia Metropolitana, sendo revistas suas atribuições e composição, como um órgão colegiado de decisão superior com representação do Estado e municípios da RMBH. Essa passou a ser composta por setenta e três membros, sendo quatro representantes do Poder Executivo estadual indicados pelo governador; um representante da Assembleia Legislativa, o prefeito e o presidente da Câmara Municipal de cada um dos municípios da região. A esse órgão compete definir as macrodiretrizes do planejamento global da região e vetar, com deliberação de pelo menos dois terços do total de votos válidos, decisões dos Conselhos Deliberativo e Consultivo (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010). Pires (2010) destaca, como particularidade da Assembleia Metropolitana, a ponderação de votos que consiste em um mecanismo capaz de garantir a equivalência do poder decisório do Estado com os municípios. As reuniões da Assembleia estão previstas para ocorrer uma vez ao ano, podendo acontecer reuniões extraordinárias mediante convocação do presidente ou por requerimento da maioria dos prefeitos ou ainda por solicitação do Governador do Estado. Em 11 de dezembro de 2007, teve lugar a primeira reunião extraordinária, com o objetivo de eleger os membros da Mesa que compõe sua estrutura. Ocorre que a Assembleia contou com a participação de apenas 50% de seus membros. Em abril de 2008, foi realizada a primeira reunião de caráter ordinário e essa apresentou quorum ainda menor, contando com menos de 30% dos membros. Essa escassez do quorum continuou a ocorrer, o que demonstra as dificuldades de mobilização e de ação coletiva. A pouco expressiva participação nas reuniões dificulta a execução da governança metropolitana, pois as decisões ficam restritas aos interesses de membros isolados (LONGOBUCCO, 2009). Esse fato deixa claro que, se não houver incentivos para a participação de grande parte dos membros, a Assembleia não conseguirá cumprir o objetivo de aumentar e equilibrar a representatividade da participação nas decisões públicas. O Conselho Deliberativo da RMBH é uma instância colegiada composta por dezesseis membros, sendo dois da sociedade civil organizada, com representação do Estado e municípios. Este não possui representantes da totalidade dos municípios pertencentes à RMBH. Apenas Belo Horizonte, Betim e Contagem, que concentram a produção econômica da região e são os maiores municípios e mais populosos, possuem 105 cadeira no Conselho, atribuições como planejamento, financiamento, execução e acompanhamento das funções públicas de interesse comum. Suas decisões são essenciais para o direcionamento das políticas metropolitanas. Apesar de alguns municípios não possuírem representatividade no Conselho, esses podem exercer o poder de veto na Assembleia com relação às deliberações do Conselho. A presença da sociedade civil demonstra que o Estado está buscando estabelecer a governança metropolitana. As mais diversas organizações têm participado, como os movimentos sociais e populares, entidades representantes dos trabalhadores, o setor empresarial e membros da academia (PIRES, 2010). A consolidação do arranjo de gestão dá-se com a Agência de Desenvolvimento Metropolitano – Agem, uma autarquia territorial criada pela Lei Complementar n. 107 de 12 de janeiro de 2009. A Agem possui caráter técnico executivo e era vinculada à Sedru, mas, com a criação da Secretaria Extraordinária de Gestão Metropolitana (Segem)38, passou a ser vinculada a esta. Essa autarquia tem como funções: oferecer apoio técnico aos municípios, incentivar a articulação intergovernamental, intersetorial e interfederativa, produzir informações e estudos que subsidiem os trabalhos do Conselho Deliberativo (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010). A institucionalização da Agem foi pensada de diversas formas. Uma delas era a criação de uma sociedade de economia mista, na qual cada ator teria suas ações e assento na entidade. Os assentos seriam em quantidade variada, de acordo com o peso do órgão na estrutura institucional. Como a atividade de regulação que a Agem deveria desenvolver não é própria de uma entidade de direito privado, essa opção foi descartada. Outra possibilidade de natureza da Agem foi pensada a partir da lei de consórcios, que trata de autarquias interfederativas, mas essa modalidade gera altos custos de transação. Desse modo, restou a opção da autarquia territorial, instituto em desuso no Brasil desde que Tocantins e Roraima foram transformados em Estado (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010). A sociedade civil não participa diretamente na Agência. Para resolver esse distanciamento, a Agem abriga um „Observatório de Políticas Urbanas‟, com a intenção de abrir espaço para representantes da sociedade civil organizada. Com essas ações, essa entidade tem sido reconhecida como “interlocutora legítima e privilegiada entre os 38 Em entrevista realizada com José Abílio Belo Pereira, conselheiro metropolitano, o mesmo afirmou que acredita ser positiva a criação de uma secretaria estadual destinada a lidar com a temática metropolitana, pois essa centralização em uma secretaria diminui o surgimento de conflitos. 106 agentes que atuam nas questões de interesse comum, gozando de respaldo das instâncias superiores do aparato governamental” (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010, p. 229). Para adensar a governança com vistas no planejamento integrado e na implementação de ações em curto e médio prazos para garantia das funções de interesse comum, a Agem traçou uma estratégia de agrupamento de funções correlatas, de organização do mapa institucional e de identificação dos interlocutores. De forma participativa, a Agem vem elaborando o seu conjunto de estratégias de atuação com base no Pacto pela Sustentabilidade da RMBH. Esse plano envolve programas relacionados à mobilidade, a saneamento ambiental, à gestão integrada da saúde, a planejamento e regulação do território, a desenvolvimento socioeconômico e à gestão da informação (PIRES, 2010). Jupira Gomes de Mendonça39 destacou, em entrevista, que, pelo fato dos funcionários da Agem não serem concursados, pode ocorrer abandono das políticas iniciadas, o que reforçará a intervenção partidária que sofre constante alternância. Vivian Barros40, também entrevistada, afirmou que, como não houve um concurso público para seleção de funcionários para a Agem, essa autarquia é composta por pessoas contratadas e funcionários concursados que pertencem a outros setores, mas estão emprestados para a referida instituição. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado – PDD41I - (CE 1989, art. 47; LC 88/2006, art. 18) e o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano – FDM - (CE 1989, art. 47; LC 88/2006, art. 18; Dec. 44.602/2007, art.2°) são importantes instrumentos instituídos para apoiar o planejamento do desenvolvimento econômico e social relativo às funções públicas de interesse comum e de financiamento das ações. O FDM é financiado com recursos do Estado, dos municípios e de outras fontes, como transferências federais, retorno de financiamentos, dotações orçamentárias. Metade dos recursos são estaduais e os outros 50% originados dos municípios que compõem a RMBH, sendo que esses últimos contribuem proporcionalmente a suas receitas (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010). Conforme o art. 21 da Lei Complementar n. 88, ainda poderão compor o Fundo: as dotações orçamentárias ou as transferências da União destinadas à execução de planos e programas sob a orientação do PDDI; produtos 39 Jupira Gomes de Mendonça é professora da Faculdade de Arquitetura da UFMG. A entrevista foi realizada em Maio de 2011. 40 Vivian Barros Martins é diretora de regularização fundiária da Agência Metropolitana. A entrevista foi realizada em julho de 2011. 41 O PDDI é o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH. Ainda nessa dissertação, serão abordados outros pontos, com maior profundidade, sobre o referido plano. 107 de operações de crédito, internas ou externas, contraídas pelo Estado ou por Município integrante da região metropolitana, para financiamento de funções públicas de interesse comum; retornos de financiamentos concedidos com recursos do FDM; os resultados das aplicações financeiras das disponibilidades transitórias de Caixa; as dotações a fundo perdido consignadas ao FDM por organismos nacionais ou internacionais, inclusive por organizações não governamentais; os auxílios; as subvenções; as dotações e outros recursos. O FDM tem a finalidade de arcar com os custos da realização dos serviços de interesse comum, implantação de programas e projetos estruturantes, conforme diretrizes estabelecidas pelo PDDI. Esse último traça propostas de ações de médio e longo prazo, é acompanhado pelo Conselho Deliberativo e segue determinações da Assembleia Metropolitana42. Vivian Barros Martins afirmou, em entrevista, que os eixos estruturantes do PDDI são a territorialidade e a interinstitucionalidade, sendo que esses devem passar por todos os temas debatidos transversalmente. Uma dificuldade de se implantar o que foi estabelecido no PDDI é definir quais atribuições serão incorporadas pela administração estadual e quais serão encaminhadas para os órgãos metropolitanos. Apesar do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano – FDM - ter sido criado em 1989, com a nova Constituição do Estado de Minas Gerais, ficou inativo por muito tempo, tanto por falta de regulamentação quanto por falta de interesse dos municípios de maior porte e do Estado, que deveriam investir no fundo sem ter poder diretamente sobre o mesmo (MARES GUIA: AZEVEDO, 2010). Como antes das reformas realizadas em 2004 e 2006, na Constituição estadual, o Estado e os municípios de maior porte não possuíam participação diferenciada na gestão metropolitana, não era do interesse dos mesmos envolverem-se nas demandas regionais, participando dos problemas de outras localidades. Como na atualidade os problemas metropolitanos são mais graves e a participação desses entes foi alterada, beneficiando-os, estes estão mais envolvidos. 42 Uma vez aprovados pela Assembleia e pelo Conselho Deliberativo, a execução dos procedimentos administrativos necessários à implementação de programas e projetos com recursos do fundo ficará a cargo de um grupo coordenador, composto por quatro representantes de órgãos do Executivo estadual e dois representantes da região metropolitana, indicados pelo Conselho Deliberativo. Os recursos disponíveis deverão ser destinados ao financiamento da implementação de programas e projetos de âmbito metropolitano e à realização de investimentos, tendo como balizadoras as diretrizes estabelecidas pelo PDDI (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010, p. 227). 108 Existe a pretensão de que a Agem tenha recursos próprios e deixe de depender do Fundo Metropolitano. É difícil a operacionalização desse fundo, pois são muitos os diferentes interesses, agentes e perfis envolvidos. Desse modo o fundo pode ser melhor aproveitado para financiar ações de interesse de um número maior de municípios, sem gerar tantos conflitos (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010). A Rede 10, criada em março de 2008, é resultado da conscientização de alguns municípios da RMBH de que os benefícios derivados da articulação institucional são maiores que os custos de negociação, monitoramento, cumprimento de contratos políticos. Assim, Belo Horizonte, Betim, Contagem, Brumadinho, Ibirité, Nova Lima, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano uniram-se na Rede 10. À exceção de Betim, todas essas localidades fazem limite com a capital. O grupo em questão representa 29% da área, 90% da população, 91% do PIB da RMBH – 31% do PIB de Minas Gerais (NABUCO; BOSSI; WOJCIECHOWSKI, 2010). A filosofia da Rede 10 baseia-se na construção de consenso, na cooperação pública, no envolvimento e no compromisso de todos os municípios participantes. Trata-se de uma instância de governança metropolitana colaborativa, interinstitucional, que promove a tomada de decisões consensuais para a promoção da qualidade de vida dos cidadãos da RMBH. Para tanto, todos os seus integrantes assinaram um Protocolo de Cooperação. Já na primeira reunião do grupo (entre os prefeitos e secretário de planejamento), foram determinados os temas a serem trabalhados: segurança pública, saúde, meio ambiente, desenvolvimento econômico, emprego e renda, mobilidade urbana e habitação. A partir daí foram distribuídos grupos de trabalho temáticos com representantes municipais (NABUCO; BOSSI; WOJCIECHOWSKI, 2010). Belo Horizonte assumiu um papel de destaque na Rede 10, pois a Secretaria Geral é encarregada do seu vice-prefeito. Os secretários de planejamento municipal também participam ativamente (NABUCO; BOSSI; WOJCIECHOWSKI, 2010). A Rede 10 levantou a questão da capacitação técnica dos gestores municipais, com vistas à melhoria da eficiência e eficácia da organização e gestão metropolitana. A meta é a vinculação das políticas públicas setoriais de interesse local à perspectiva regional. Para a solução desse problema, foi proposto e aprovado o curso de capacitação para secretários de planejamento de todos os municípios integrantes. Os objetivos do curso são: elevar o nível de consciência dos gestores com base em conceitos, princípios e metodologias voltados para o novo papel das cidades-região no contexto nacional; capacitar profissionais para a governança metropolitana e regional; vincular políticas 109 públicas setoriais de interesse local à perspectiva regional; mapear os processos de colaboração interinstitucional. No curso, discutem-se também a trajetória histórica da RMBH, os aspectos jurídico-administrativos da colaboração, a Lei Federal de Consórcios Públicos e os desafios postos pelos custos de transação, a participação da sociedade civil em arranjos institucionais regionais e as técnicas de construção de consenso (NABUCO; BOSSI; WOJCIECHOWSKI, 2010, p. 305). A Rede 10 é um instrumento importante para o trabalho coletivo em busca da concretização do interesse comum. Os municípios metropolitanos precisam agir colaborativamente de forma consciente, ou os custos de transação tornam-se insustentáveis. “É fundamental incrementar a iniciativa compartilhada, com a consciência da corresponsabilidade, concebendo cada cidade metropolitana como uma coisa sua” (NABUCO; BOSSI; WOJCIECHOWSKI, 2010, p. 306). A Carta de Princípios da Colaboração proposta pela Rede 10 prevê: A promoção da governança compartilhada; compromisso de compartilhamento de informações e experiências; reconhecimento da interdependência; respeito à autonomia e às diversidades; promoção da participação democrática; integração das políticas públicas locais para potencialização dos resultados regionais; promoção da solidariedade e cooperação; garantia de publicização e transparência das ações compartilhadas; garantia da continuidade dos compromissos assumidos; planejamento de ações dentro de uma visão metropolitana; colaboração entre os municípios com os diversos agentes e atores envolvidos com temas da RMBH. (NABUCO; BOSSI; WOJCIECHOWSKI, 2010, p. 306) As ações empreendidas pelo estado, na opinião de Machado (2009, p.99) têm surtido efeito, devido às seguintes razões: As condições que permitiram esse notável avanço da gestão metropolitana da RMBH, em curto espaço de tempo, de acordo com o esquema político aqui proposto, relacionam-se a uma redução de custos de transação. A hipótese que construímos relativamente a essa questão refere-se às combinações de fatores que permitiriam à RMBH ingressar em um ciclo virtuoso, no qual, a ampliação da estrutura de governança metropolitana em moldes negociados remodelou constructosmentais dos atores e arrefeceu, principalmente o medo de perda de poder por parte das lideranças municipais. Tal ciclo virtuoso, se nossa hipótese estiver correta, está inclusive favorecendo o desenvolvimento e a experimentação institucional de formas horizontais de articulação metropolitana, das quais merecem destaque a criação, em 2007, do Fórum Metropolitano de Câmaras Municipais, e a instituição, em 2008, de um consórcio público entre os municípios de Belo Horizonte, Betim, Contagem e Sabará para 110 o atendimento a mulheres vítimas de violência 43 (MACHADO, 2009, p.99). Como política pública de desenvolvimento da RMBH, o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado faz as seguintes ponderações: No caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte, é importante que a mesma experimente, nos próximos anos, a ampliação de sua inserção nacional e internacional e a expansão da sua capacidade de polarização sobre o território mineiro. Os vetores para essa transformação são o desenvolvimento de sua infraestrutura econômica e de seu sistema logístico de transportes de pessoas e cargas, a urbanização de áreas degradadas, a construção e promoção de amenidades urbanas e o avanço da governança metropolitana. O Governo do Estado tem atuado, juntamente com as prefeituras, na construção dos vetores acima mencionados e essa linha de ação exige continuidade para potencializar seus efeitos positivos (MINAS GERAIS, PMDI 2007-2023). No PPAG 2008-2011, foi criado o Projeto Estruturador RMBH (PE RMBH). O PE RMBH foi lançado em 2007 para integrar a gestão das funções públicas de interesse comum da RMBH e melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos conforme define o PPAG44: Dotar a região metropolitana de instrumentos de gestão integrada de funções públicas de interesse comum, notadamente o sistema metropolitano de transportes, o planejamento e gestão do uso do solo e a expansão da infraestrutura logística. Disseminação do Choque de Gestão nos municípios da RMBH, com o incentivo à utilização dos métodos de gestão pública para resultados e qualidade fiscal (MINAS GERAIS, PPAG 2008- 2011). A institucionalização metropolitana tem procurado avançar nos termos da governança e da gestão social. Porém as mudanças na estrutura de gestão são recentes (a Agem foi criada somente em 2009). Dessa forma há ainda certa insegurança. As reuniões do Conselho estão esvaziadas como as da Assembleia Metropolitana. Ainda são relativamente altos os custos de transação e os municípios não estão totalmente disponíveis a cooperar. 43 Tal experiência de organização horizontal de um serviço metropolitano, construída no âmbito do projeto Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana, gerou o segundo consórcio do país criado nos moldes da Lei dos Consórcios de 2005. 44 Duas grandes obras de mobilidade foram realizadas a partir das propostas do PE RMBH: a Linha Verde e a duplicação da MG-020. 111 A tendência para Machado (2009) é que, com o tempo, os órgãos responsáveis pela RMBH fortaleçam-se e passem a ter um respaldo maior frente aos municípios envolvidos. Enquanto a gestão social não for uma prática na RMBH, as demandas sociais urbanas aumentarão. A demora pela adoção de práticas cooperativas agrava a realidade da situação de segregação socioespacial e de crise urbana. Em entrevistas realizadas durante esta pesquisa, José Abílio Belo Pereira, representante da sociedade civil no Conselho Metropolitano, e Jupira Gomes de Mendonça, destacam que uma dificuldade marcante para a cooperação intermunicipal é a disputa eleitoral, partidária. José Abílio ressaltou que na RMBH já há uma compreensão maior quanto à existência de interesses comuns, o que melhora as relações entre os municípios e diminui as disputas acima citadas. Outro fator que contribui para a cooperação é a atitude do governo do estado, que tem tomado frente das ações metropolitanas, coordenando-as. Essa coordenação faz com que os municípios menores não tenham receio de serem engolidos pelos maiores, assim como impede que os municípios maiores percam o entusiasmo por acreditarem que sustentarão as localidades menos desenvolvidas. José Abílio dispõe que a estrutura da RMBH, que existe na atualidade, é bastante avançada e precisa ser experimentada para ser avaliada e melhorada. Para ele, não adianta ficar teorizando e planejando sem colocar na prática os modelos desenvolvidos. Para demonstrar a relevância da articulação interinstitucional e intermunicipal cooperativa, no próximo capítulo será tratado o caso prático da gestão da acessibilidade urbana na RMBH, demonstrando os órgãos responsáveis, as deficiências, as ações de sucesso e os maiores obstáculos enfrentados. 112 5 ACESSIBILIDADE METROPOLITANA A acessibilidade pode ser citada como uma das questões prementes a ser pensada no contexto metropolitano e que requer a cooperação interinstitucional. Uma metrópole desenvolve-se se a sua população tiver acesso aos serviços e benefícios garantidos por meio de uma gestão social. Respectivo acesso deve ser tratado de maneira transdisciplinar. Segundo Jones (1981), acessibilidade diz respeito à possibilidade de acesso de um indivíduo a um local, devido à existência de sistema de transporte que o atenda. Já mobilidade, para esse mesmo autor, diz respeito à potencialidade de uma pessoa deslocar-se no espaço. A Lei 12.587 de 03 de janeiro de 2012 (BRASIL, 2012) trata da Política Nacional de Mobilidade Urbana e considera, no seu artigo 4º, inciso III, a acessibilidade como a facilidade disponibilizada às pessoas que possibilita a todos ter autonomia nos deslocamentos desejados, respeitando-se a legislação em vigor. No que tange à mobilidade urbana, o mesmo artigo, porém no inciso II, dispõe que esta caracteriza a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço. A acessibilidade garante o funcionamento das cidades e contribui para a qualidade de vida urbana, ao viabilizar a aproximação entre população e atividades econômicas (CARDOSO, 2007)45. Por essa razão, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (BRASIL, 2012) tem como princípios, no seu artigo 5 º, a acessibilidade universal; o desenvolvimento sustentável das cidades; a equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo; a gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; a segurança nos deslocamentos das pessoas; a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços; a equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; a eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana. A sociedade apresenta-se hoje com muitos quadros de desigualdade, seja social, econômica ou demográfica. Esses quadros de desigualdade fazem com que as 45 “No Brasil, de modo geral, as dificuldades em alcançar oportunidades espacialmente distribuídas encontram esteio na excessiva concentração de atividades socioeconômicas nas áreas centrais de grandes cidades, sendo geralmente potencializadas por configurações radiocêntricas dos sistemas de transportes. Tal morfologia radial tenderia a ser vantajosa caso as modalidades de transporte de massa fossem majoritárias. No entanto, os históricos incentivos – públicos e privados – ao rodoviarismo no país, os quais fizeram emergir disputas entre os modos de transporte individual e coletivo pelo consumo do espaço viário urbano, resultaram na intensificação de congestionamentos, de acidentes de trânsito, de desperdício de recursos energéticos e de impactos ambientais e psicológicos, com reflexos diretos e indiretos na qualidade de vida da população” (CARDOSO, 2007, p.34). 113 prefeituras presentes em uma região tenham diferentes níveis de prestação de serviços, tanto no quesito qualidade quanto no de quantidade46. Por esse motivo as pessoas buscam, muitas vezes, terem as suas necessidades básicas garantidas em outro município que possua uma melhor estrutura. Ou seja, quando um cidadão conclui que não pode ter acesso a um serviço em um lugar, este busca ter sua necessidade atendida em outro local. Para tanto, é necessário que o respectivo cidadão tenha condições de acessar essa outra localidade e, consequentemente, acessar o serviço. A Lei 12.587, que regulamenta a Política Nacional de Mobilidade Urbana, tem como objetivos lidar com os problemas acima descritos. O art. 7º destaca em pormenores cada um dos objetivos: I - reduzir as desigualdades e promover a inclusão social; II - promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais; III - proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade; IV - promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e V - consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana. Enfim, conforme os conceitos apresentados no referencial teórico desta pesquisa, pode ser percebido que uma administração pública dialógica, que preze pela cooperação interinstitucional, viabiliza a acessibilidade, a prestação de serviços e o desenvolvimento local. Prova disso são as atribuições da União definidas pela Política Nacional de Mobilidade Urbana. Dentre as atribuições previstas em lei, podem ser citadas: a prestação de assistência técnica e financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios; o fomento à implantação de projetos de transporte público coletivo de grande e média capacidade nas aglomerações urbanas e nas regiões metropolitanas. Já aos Estados cabe garantir o apoio e promover a integração dos serviços nas áreas que ultrapassem os limites de um Município, em conformidade com o § 3º do art. 25 da Constituição Federal e delegar aos Municípios a organização e a prestação dos serviços de transporte público coletivo intermunicipal de caráter urbano, desde que constituído consórcio público ou convênio de cooperação para tal fim. 46 Esse fato pode ser facilmente demonstrado no que tange à prestação de serviços de saúde. Nem todas as prefeituras conseguem sustentar grandes hospitais, o que faz com que as pessoas de uma determinada localidade busquem atendimento em outra municipalidade. Para viabilizar o acesso à saúde em outros municípios normalmente são disponibilizadas ambulâncias para a realização do transporte. 114 Novos arranjos territoriais e novas espacialidades são frequentemente formados no meio urbano. Para Velloso (2010), uma metrópole constitui-se por uma dinâmica própria, na qual “indivíduos, comunidades, instituições e organizações configuram tanto uma densidade como uma articulação – de contatos e relações, de limites políticoadministrativos, mas, sobretudo, de lógicas da proximidade e da distância” (VELLOSO, 2010, p. 354). Os meios de acesso e os trajetos percorridos nos espaços urbanos influenciam os usos e os valores desses espaços, assim como a interação da população e da economia. A acessibilidade, enquanto tema transdisciplinar, tem estreita relação com a mobilidade. Os transportes são essenciais para o planejamento urbano por determinarem o uso dos espaços a partir da localização, tempo, custo e possibilidade de acesso dos mesmos (VILLAÇA, 1978). A acessibilidade é um importante fator de comparação entre metrópoles, pois para estas não basta a oferta de uma ampla gama de serviços, são necessárias formas eficientes para o acesso aos serviços prestados (VILLAÇA, 1978). A acessibilidade representa maior ou menor facilidade em atingir as oportunidades oferecidas, considerando o perfil da rede de transporte, a localização e o número de atividades disponíveis. A acessibilidade é determinada pelas funções de uso do solo e pelas características dos transportes. Sendo assim, o custo gasto no deslocamento e a provisão de acessibilidade podem compor “pilares do planejamento urbano e de transportes, visando à inclusão social e o desenvolvimento” (CARDOSO, 2007, p.31). Quanto menor a disponibilidade de transporte e mais difícil o acesso a áreas que concentram a economia local, mais comprometida fica a inclusão social. Cardoso (2007, p.35) dispõe que a “adoção de práticas e estratégias alternativas de (re)dimensionamento das relações entre uso do solo e transporte, poderia contribuir para minorar processos de exclusão social e para um desenvolvimento mais equilibrado e sustentável do espaço urbano”. Villaça afirma que a acessibilidade reflete em vários fatores que compõem o espaço urbano, dentre eles a distribuição de valor da terra: a acessibilidade é o valor de uso mais importante para a terra urbana, embora toda e qualquer terra o tenha em maior ou menor grau. Os diferentes pontos do espaço urbano têm diferentes acessibilidades a todo o conjunto da cidade (VILLAÇA, 1998, p. 74). A acessibilidade constitui o fator fundamental determinante do preço da terra e do arranjo dos usos do solo na cidade. A necessidade de proximidade (rapidez de contatos diretos) é a própria razão de ser das cidades (VILLAÇA, 1978, p. 20). 115 A baixa mobilidade produz uma supervalorização dos pontos de melhor acessibilidade (VILLAÇA, 1978, p. 23)47. A gestão urbana que valoriza a acessibilidade dinamiza as periferias urbanas pela garantia da oferta de serviços de modo descentralizado e pela disponibilização de diversos modos integrados de transporte. Dessa maneira é construída a base da superação da exclusão social. A mobilidade e a integração orgânica entre os municípios sempre foram consideradas como elementos-chave na identificação de regiões metropolitanas – no seu aspecto físico, não jurídico. As metrópoles são os espaços integrados dinâmicos ligados ao centro polarizador. A mobilidade pode ser compreendida como um excelente indicador da produção do espaço urbano e da integração em escala regional (MARANDOLA JUNIOR, 2010). Esteve (2004, p. 23) destaca, como alguns dos principais objetivos de uma administração regional: garantir o acesso externo aos principais centros econômicos, sociais e políticos do entorno macrorregional e aumentar a mobilidade interna sustentável, em especial através do transporte público48. A dificuldade de gestão da acessibilidade e o intenso trânsito de pessoas nas grandes cidades (como nos movimentos pendulares) fazem com que seja eminente a necessidade de articulação entre estados, municípios e União em prol da realização de melhorias na mobilidade urbana. Desde o início dos anos 90, vem ocorrendo um contínuo desmonte da estrutura federal destinada a atender as demandas do transporte urbano, tendo a União atuado apenas no financiamento e na normalização técnica de veículos. O afastamento do governo federal das demandas relacionadas com o transporte urbano resultou em uma situação desfavorável para a expansão de ofertas de serviços. O transporte de massa por metrôs, por exemplo, ficou com restrições financeiras quase absolutas. Diante desse quadro, estados e municípios têm tido que se comprometer mais com a questão da 47 No Brasil, as desvantagens para a residência nas localizações centrais (ruído, poluição, falta de privacidade) ainda não chegaram ao ponto de neutralizar sua principal vantagem, que é a acessibilidade ao centro (VILLAÇA, 1978, p. 24). Villaça, em 1978, afirmou que mesmo os congestionamentos parecem que não chegaram ao ponto de neutralizar essa vantagem. Em 2011, a expressão citada ainda prevalece como verdadeira. 48 O texto foi traduzido pela autora desse trabalho e segue a transcrição literal da obra de Esteve (2004, p. 23): “Garantizar el acceso externo com respecto a los principales centros económicos, sociales y políticos del entorno macrorregional en el que se encuentra; aumentar la movilidad interna sostenible, en especial a través del transporte público”. 116 mobilidade. A previsão constitucional que determina que o transporte coletivo é da alçada dos municípios fundamenta o distanciamento da União (GOUVÊA, 2005). No que tange às regiões metropolitanas, o problema da mobilidade é agravado, pois os agentes financeiros oficiais podem emprestar recursos para estados e municípios, mas não para entidades metropolitanas que não apresentam fontes próprias de custeio (GOUVÊA, 2005). Para Gouvêa (2005), a política de transporte é essencial ao se discutir a problemática metropolitana. Conforme esse autor, um bom sistema de transportes deve operar através de redes multimodais integradas, as quais são planejadas para proporcionar, no âmbito das aglomerações urbanas, uma adequada compatibilização entre oferta e demanda. Tais redes devem ter o seu desenvolvimento orientado, em nome da funcionalidade e da eficiência, segundo a lógica de ocupação dos espaços e dos níveis desejados de adensamento urbano, sem se levar em conta os limites municipais. A realidade mostra que a imposição política das fronteiras intrametropolitanas tem impedido, na medida em que a gestão é municipal, a implementação de uma rede de transporte público que seja efetivamente integrada, em termos tanto de sua estrutura física quanto tarifária. (GOUVÊA, 2005, p.110) As alianças para uma articulação interinstitucional cooperativa e participativa no campo dos transportes são difíceis de serem implantadas, devido ao grande número de conflitos. A diversidade dos grupos envolvidos, a tendência à elitização do transporte e a valorização do uso individual, a dependência de volumosos investimentos públicos e da atividade do setor privado agravam a dificuldade descrita. De acordo com Gouvêa (2005), os usuários dos transportes possuem diversas preocupações cotidianas e assim não priorizam o debate acerca da mobilidade, deixando-o à mercê dos interesses do seleto grupo de empresários que gerem os transportes coletivos em cidades como Belo Horizonte. Mesmo tendo a Constituição da República de 1988, no seu art. 30, inciso V, elegido o transporte coletivo como serviço público de interesse local de caráter essencial, as políticas públicas sobre esse tema são, até o presente momento, prejudicadas pela ausência de um arranjo institucional metropolitano. O tamanho, a duração, os custos e a complexidade dos trajetos diários das pessoas têm aumentado nos últimos anos, especialmente nas metrópoles. Muito tempo é passado no trânsito, nos corredores de acesso urbano. Esses fatores refletem no estilo de vida dos cidadãos (MARANDOLA JUNIOR, 2010). Além do mais, o aumento do tempo 117 gasto no trânsito desestimula o mercado ao promover o dispêndio de muitas horas improdutivas em processos de circulação (MORENO, 2006). Conforme Silva et al (1994, p. 104), a desigualdade social dos grandes centros urbanos agrava problemas relacionados à mobilidade: Com efeito, num contexto de pobreza, tônica dos países periféricos, a parca incidência de modos alternativos de transporte que independam de financiamento, como o próprio caminhar, além de problemas relacionados à limitada integração física e tarifária entre os diversos modos coletivos componentes dos sistemas de transporte – os quais são responsáveis pela maioria dos deslocamentos intraurbanos –, resultam num processo de discriminação geográfica, uma vez que os indivíduos de menos posses têm dificultadas suas oportunidades de trabalho, estudo, consumo e lazer, justamente por não conseguirem alcançar pontos diversos da cidade pagando uma única passagem. (SILVA et al, 1994) A falta de um planejamento conjunto da mobilidade e da acessibilidade metropolitana também prejudica o funcionamento do transporte público. Os planos diretores municipais são feitos independentemente da visão regional de diversas demandas comuns. As precariedades nas condições de acessibilidade nos grandes centros urbanos normalmente são trabalhadas localmente e “restringem-se à abertura e manutenção de articulações viárias, que tão somente privilegiam as ligações intermunicipais, não sendo necessariamente acompanhadas de investimentos em melhorias nos sistemas de transporte” (CARDOSO, 2007, p. 95). Essa forma de gestão implica na segregação socioespacial e na dependência de uma região frente a outras mais estruturadas. A acessibilidade relaciona-se com o desenvolvimento. A descentralização da ocupação do espaço metropolitano e a desconcentração de atividades da área central urbana favorecem a diminuição dos problemas de acessibilidade, pois permitem maior aproximação de áreas residenciais, comerciais, industriais dentre outras regiões com diferentes usos. Ao mesmo tempo, a descentralização pode ampliar as deficiências no acesso, caso não haja alternativas eficazes que promovam os deslocamentos (VILLAÇA, 1978). Uma boa distribuição do uso do solo, a partir de processos de flexibilização e desconcentração de atividades, podem promover o uso mais racional da infraestrutura de transporte. Dentre as contribuições possíveis, podem ser citadas: distribuição dos fluxos de tráfego, redução dos congestionamentos, melhor fluidez e capacidade operacional, redução dos índices de poluição, aumento das condições de segurança no trânsito, diminuição dos tempos de viagem, menor extensão dos deslocamentos, redução 118 dos custos de implantação de atividades na cidade, melhor acessibilidade. Toda essa articulação possibilita um arranjo espacial que favoreça a produção e o desenvolvimento local. Esse potencial deve ser explorado levando-se em conta todo o contexto municipal/regional, de modo que não acentue o desenvolvimento desigual de diferentes espacialidades (MORENO, 2006). A adoção no Brasil de políticas de incentivo à produção automobilística49 – notadamente sob a égide do Programa de Metas implementado pelo Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), o qual inaugurou um curto, porém intenso período de dinamismo econômico nacional, auxiliado pela atração da indústria automobilística internacional – promoveu um “crescimento sem precedentes da produção e do consumo do transporte motorizado individual” (CARDOSO, 2007, p. 4). Sinônimo de conforto, privacidade e prestígio social, o automóvel passou a ocupar as ruas e estradas do país, o que exigiu uma adaptação das cidades para que pudessem comportar o tráfego veicular. Diante disso, restou necessária a realização de políticas públicas de planejamento integrado. A efetivação de condições de acessibilidade que atendam à sociedade deve ser tratada levando em conta mais do que o interesse individual, pois mesmo uma pessoa que possui muitos recursos econômicos e carros de última geração também sofre com os congestionamentos e a má conservação de vias. Assim, a acessibilidade deve ser promovida tendo em vista o coletivo. Cardoso (2007) sugere que os administradores públicos fiquem mais atentos às necessidades populares, para que possam interpretar a acessibilidade como instrumento 49 O transporte público – historicamente majoritário – sofreu uma importante queda na sua atratividade, passando de 52,3% para 35,7% na sua utilização diária entre 1992 e 2001, respectivamente. Por outro lado, o transporte privado apresentou uma elevação no mesmo período (de 16,3% para 18,7%). Esses resultados devem se explicar por diversas razões, como: a) implementação de políticas públicas que tendem a privilegiar a circulação de automóveis (tais como abertura e/ou o alargamento de vias públicas); b) facilidades na aquisição de veículos de transporte individual, somadas ainda às crescentes alternativas de trabalho para proprietários de motocicletas (a exemplo dos chamados “motoboys”, que, embora não tenham a profissão regulamentada, prestam serviços rápidos, notadamente relacionados à entrega de documentos, medicamentos, gêneros alimentícios, entre outros); c) precariedades na prestação dos serviços dos modos de transporte público coletivo (superlotação, atrasos, desconforto, insegurança etc.). No entanto, os resultados mais surpreendentes referem-se ao aumento no uso de meios de transporte não motorizado, categoria que captava pouco mais de 23% dos deslocamentos individuais diários com destino aos locais de trabalho na RMBH em 1992 e passou a atrair quase 38% da demanda metropolitana em 2001. Tal fenômeno pode associar-se tanto ao processo de desconcentração espacial e de atividades em curso na RMBH, o que tende a aproximar domicílios e postos de trabalho, tornando, por vezes, desnecessária a utilização de meios motorizados, ou pela falta de capacidade de pagamento da tarifa dos sistemas de transporte público, em face da redução da renda, desemprego, subemprego e crescimento da informalidade do trabalho, conforme atestam Gomide (2003); Cardoso (2007). 119 fundamental para a eficiência das metrópoles. Uma cidade eficiente promove o desenvolvimento local e a diminuição da crescente exclusão urbana. O próximo tópico deste trabalho demonstra como é a gestão dos transportes na RMBH para a promoção da acessibilidade. Será discutido se a possibilidade de locomoção na área estudada promove ou não o desenvolvimento local a partir de uma administração cooperativa. 5.1 A acessibilidade na RMBH Historicamente a acessibilidade na RMBH retrata a segregação socioespacial. Cardoso apontou, em entrevista realizada em setembro de 2011 para a redação deste trabalho, como desafio, o conflito político institucional. Os anos 1940 marcaram Belo Horizonte pela intensa industrialização, o que atraiu um expressivo contingente populacional oriundo da zona rural. Assim, seu processo de metropolização teve início na década de 1950, quando a periferia da capital mineira passou por intensa expansão, obrigando o Poder Público a reestruturar a rede de transportes. Para lidar com essa demanda, o governo de Minas criou, nessa mesma época, uma autarquia municipal com a função de gerenciar o sistema de transportes coletivos, o DBO - Departamento de Bondes e Ônibus (CARDOSO, 2007). Foi na década de 70 que os limites municipais passaram a ser simplesmente administrativos, devido à expansão da mancha urbana. A falta de coordenação da política de transporte gerou uma superposição de itinerários de ônibus, a concorrência predatória entre linhas, o congestionamento do trânsito, a política tarifária desarticulada, o planejamento fragmentado e a impossibilidade de implementação de uma rede de transporte público efetivamente integrada em termos físicos e tarifários (GOUVÊA, 2005). Com a consolidação da Plambel, enquanto agência de planejamento urbano regional, esta se dedicou à gestão metropolitana do transporte. A Plambel elaborou alguns documentos sobre a mobilidade na RMBH, como o Esquema Metropolitano de Estruturas e o Estudo do Sistema de Órgãos Encarregados do Transporte e do Trânsito na Região Metropolitana. Esses estudos foram feitos para tentar gerir as demandas de interesse comum dos municípios da região. Esses documentos alertavam quanto ao grande número de agências, lidando com os problemas de transporte e trânsito. Essa diversidade de instituições dificultou a articulação interinstitucional e a cooperação, pois vários interesses diferentes e, por vezes conflituosos, eram somados. Dessa maneira, foi sugerida uma redefinição dos órgãos responsáveis pela mobilidade com a 120 finalidade de melhorar o desempenho da prestação desse serviço. Em regra, os diagnósticos realizados pelo Plambel afirmavam ser necessário algum nível de gestão centralizada para o sucesso das políticas de mobilidade (GOUVÊA, 2005). Os Planos Mineiros de Desenvolvimento Econômico e Social I e II, do final dos anos 70, previam que a habitação, o transporte e o saneamento básico eram fundamentais para o desenvolvimento do estado. Tendo em vista o cumprimento das metas dos planos descritos, foi criado um organismo metropolitano para gerenciar o tráfego e o transporte público da RMBH, a Metrobel50. A gestão da Metrobel foi inovadora ao sugerir a participação de diversos representantes da sociedade. Seu primeiro objetivo era construir linhas de metrô, ligando mais de um município ao centro da capital. A Metrobel administrou, a partir de 1980, a rede de transporte público e o sistema viário da Região Metropolitana de Belo Horizonte (GOUVÊA, 2005). Nesse período, foram criados programas como o PROBUS (Programa de Organização do Transporte Público) e o PACE (Plano da Área Central). Esses tinham como meta reestruturar o sistema de transporte metropolitano e reorientar os fluxos de tráfego (FJP, 1996). Infelizmente a Metrobel foi implantada sob um regime tecnocrático e autoritário, o que fez com que suas ações não atendessem “às principais reivindicações populares, guardando um caráter eminentemente técnico” (CARDOSO, 2007, p. 81). Enfim, mesmo que a Metrobel tivesse como proposta o envolvimento popular, o regime autoritário de governo a impediu de colocar na prática as suas pretensões. Outra inovação proposta pela Metrobel foi a criação do Sistema de Cobrança e Validação de Tarifa (Sistar) que consistia no pagamento da passagem, conforme o trajeto que iria ser realizado, diferentemente do que ocorre atualmente nos ônibus. Com a criação da Câmara de Compensação Tarifária – CCT – no ano de 1982, cada linha de ônibus passou a possuir uma tarifa única, ou seja, o passageiro pagava sem ser levado em conta o trajeto e a distância percorrida (MACHADO, 2009). A CCT foi criada com a finalidade de equilibrar o sistema tarifário metropolitano e essa se tornou, na época, o principal instrumento de metropolização da gestão (MACHADO, 2009). Essa consideração quanto a ser a CCT responsável, em parte, pela 50 Durante o período de transição política, a RMBH foi marcada pela criação da METROBEL (Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte) em 28 de junho de 1978, no governo Aureliano Chaves, através da Lei Estadual n. 7275 – embora somente efetivada em 27 de março de 1980, no governo Francelino Pereira, com a Deliberação n. 14/80. Inspirada na Lei Federal n. 14, de 1973, que institucionalizou as regiões metropolitanas, a METROBEL foi idealizada como um órgão metropolitano capaz de unificar as ações de transporte e trânsito da RMBH (CARDOSO, 2007, p. 81). 121 metropolização da RMBH deriva do fato de que essa câmara permitiu que as passagens do transporte coletivo para viagens mais longas, normalmente realizadas por pessoas de baixa renda, fossem barateadas. Assim, com o passar do tempo, o modelo de cobrança de passagens tornou-se um fator indutor da reprodução de periferias e fixação de populações em regiões distantes, desprovidas de infraestrutura51 (GOVERNO DE MINAS & INSTITUTO HORIZONTES, 2011). Hoje, no entanto, existem tarifas diferenciadas e estas apresentam custos elevados. Com o movimento municipalista da década de 80, as instituições intermunicipais de organização do transporte ficaram enfraquecidas. Em 1988, no Governo de Newton Cardoso, antecipando a municipalização dos transportes, a Metrobel foi extinta, sendo substituída pela Transportes Metropolitanos - Transmetro. Novos investimentos foram empregados nos transportes a partir dos anos 1990, quando o gerenciamento desses passou a ser função municipal. Ainda durante a vigência da Transmetro, foi criada a BHTRANS (Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte), no ano de 1991 através da Lei Municipal n. 5953. Referida empresa herdara basicamente as mesmas atribuições dos órgãos antecessores, porém restringindo-se à escala municipal, e não mais metropolitana” 52 (CARDOSO, 2007, p. 85). Somente em 1993 a BHTRANS passou a operar de forma plena. Segundo a Constituição de 1988, o município é competente para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial. Porém, de acordo com Gouvêa (2005), em um município metropolitano, o transporte coletivo é de interesse comum e não simplesmente local. Em 1993, o então prefeito de Belo Horizonte, Patrus Ananias, municipalizou o transporte da capital e retirou do órgão estadual vigente, nesse período (Transmetro – Transportes Metropolitanos), a organização das linhas de ônibus municipais. Disputas políticas, envolvendo a Prefeitura de Belo Horizonte e o governo do estado de Minas Gerais, influenciaram a gestão da mobilidade realizada pela BHTRANS. Para 51 Municípios como Ibirité e Ribeirão das Neves cresceram muito nas décadas de 80 e 90, justamente após o barateamento das passagens para viagens realizadas em transporte coletivo, devido à criação da Câmara de Compensação Tarifária – CCT (GOVERNO DE MINAS & INSTITUTO HORIZONTES, 2011). 52 Hoje empresas municipais estão fortemente consolidadas como gestoras da mobilidade urbana (BHTRANS, Transcon, Transbetim), ao mesmo tempo, o DER-MG é o responsável pela gestão do transporte público considerado metropolitano, mas delimitado com linhas de ônibus que saem de municípios da RMBH em direção à região central da capital (GOUVÊA, 2005). 122 Dias (1996), o governo estadual sonegou informações sobre o sistema coletivo de transporte necessárias para a referida empresa, como os quadros de horários das linhas e as planilhas de cálculo da CCT. Os embates políticos envolvendo Prefeitura e Estado continuaram nos primeiros anos da gestão BHTRANS, só sendo minimizados a partir da completa extinção da Transmetro (1994), momento em que suas atribuições referentes aos serviços intermunicipais foram repassadas para a diretoria metropolitana do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais – DER/MG (DIAS, 1996). Essa desarticulação refletiu negativamente na sociedade e demonstrou a importância de ações cooperativas e intersetorializadas. Diante disso, teve início um processo de replanejamento dos serviços ligados à mobilidade na metrópole com o Plano de Reestruturação do Sistema de Transporte Coletivo do Município de Belo Horizonte (BHBUS) (CARDOSO, 2007). Outros municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte seguiram o modelo implantado pela capital e municipalizaram o sistema de transportes. Um exemplo é Betim, que, em 17 de dezembro de 1993, criou a empresa Transporte Urbano de Betim (TRANSBETIM). O trânsito e o transporte coletivo foram assumidos pela citada empresa, enquanto o DER/MG53 gerenciava as linhas intermunicipais que atendiam o município. A situação do transporte público na RMBH é marcada pela desarticulação dos vários sistemas existentes. No caso das empresas de ônibus, há intensa concorrência entre as linhas, o que contribui para a irracionalidade do sistema, acúmulo de déficits operacionais e a queda da qualidade (CUNHA; PEDREIRA, 2008). Para Cardoso (2007), a simples criação de um órgão municipal, sem a definição também de um órgão de gestão metropolitana, que coordenasse as políticas públicas locais fez com que as ações implementadas não contribuíssem para as condições de acessibilidade na RMBH. Cardoso (2007) destacou, em entrevista realizada pela autora deste trabalho em setembro de 2011, que um importante desafio é a unificação dos fluxos, com integração física e tarifária, enquanto resultado de ações cooperadas. Com isso, a organização dos serviços de transportes coletivos está desarticulada. O gerenciamento das redes de acessibilidade é realizado por diferentes organizações 53 “O DER/MG “herdou” as atribuições dos sucessivos organismos de gestão metropolitana e jamais pautou suas ações balizadas em um planejamento estratégico. Talvez, por isso, a RMBH apresenta-se como uma das regiões metropolitanas brasileiras que detém maiores deficiências no tocante à provisão de acessibilidade intrametropolitana” (CARDOSO, 2007, p. 90). 123 governamentais que pertencem a distintas esferas de governo, sem que haja interação na rede. Segundo Gouvêa (2005), esse gerenciamento faz com que os usuários dos sistemas de transporte público dependam de diversos responsáveis pelos serviços de mobilidade. Assim, a ausência de integração física e tarifária compromete a acessibilidade intrametropolitana. José Abílio Belo destaca que a discussão da mobilidade é urgente no contexto da grande Belo Horizonte e que falta uma gestão unificada54. A Comissão Gerenciadora do Transporte Coletivo da RMBH (CGTC) representa o início da colaboração e de ações coordenadas na gestão da mobilidade. A CGTC foi constituída pelo DER/MG, BHTRANS, CBTU, TRANSBETIM e TransCon e tem a função de “definir os parâmetros comuns para especificação de serviços, veículos e remuneração das empresas subconcessionárias” (CARDOSO, 2007, p. 90). Faltam dados precisos quanto aos reflexos da municipalização ocorrida na RMBH, mas dados apresentados pela Universidade Federal de Minas Gerais demonstram que, com relação à mobilidade, no período de 1993-2003 houve uma fragmentação do sistema de serviço de transportes coletivos em dez sistemas concorrentes; 96% dos passageiros transitam em transporte sobre pneus e apenas 4% por trem metropolitano; foi extinto o mecanismo de compensação tarifária entre linhas metropolitanas, “que, baseado no equilíbrio interno das regiões operacionais e das empresas delegatárias, proporcionava, antes da municipalização dos serviços, subsídios cruzados entre linhas superavitárias e deficitárias” (MACHADO, 2009, p.144); o sistema ficou desarticulado e sob funcionamento predatório55. 54 José Abílio referiu-se ao fato citado durante entrevista realizada com o mesmo pela autora do presente em trabalho. A entrevista ocorreu em setembro de 2011. 55 “Belo Horizonte, por exemplo, após a consolidação do processo de municipalização dos transportes públicos e a instituição do Plano Diretor da cidade (ambos durante os anos 1990) – atendendo a prerrogativas da Constituição Federal de 1988 –, adotou medidas de impacto sobre o sistema de transportes e o trânsito da cidade, sobretudo através da criação do Plano de Reestruturação do Sistema de Transporte Coletivo do Município de Belo Horizonte (BHBUS) e do revigoramento do Plano da Área Central (PACE). A partir de então, começaram a ser realizadas intervenções importantes – algumas ainda em curso e restritas tão somente à Capital mineira –, como a reorganização de cores, numerações e itinerários das linhas de ônibus, no intuito de racionalizar a operação do sistema, culminando com a implantação dos sistemas Tronco-Alimentador e Interbairros; a criação de estações de ônibus em regiões periféricas e de grande demanda de usuários – algumas delas integradas ao Trem Metropolitano (metrô) – a implementação de pistas exclusivas para ônibus na área central da cidade e em grandes corredores viários; a criação do Serviço de Transporte Suplementar de Passageiros, concebido com a função de coibir o transporte clandestino na Capital, sendo realizado por microônibus; entre outras” (CARDOSO, 2007, p.27). 124 O caso da Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU - operadora do metrô de superfície que liga Belo Horizonte e Contagem retrata bem a situação descrita acima. A CBTU é umas das poucas entidades remanescentes do arcabouço institucional criado pelos militares para a área de desenvolvimento urbano e tornou-se uma organização pública muito interessada na retomada do planejamento metropolitano na RMBH, por uma razão muito lógica, a fragmentação institucional do funcionamento dos transportes na região metropolitana acarreta uma situação de concorrência predatória entre os sistemas gerenciados pelas prefeituras, pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) e pela CBTU, e, como resultado imediato da desintegração dos transportes na RMBH, o metrô de Belo Horizonte acusa uma das mais baixas taxas de participação de usuários de transporte público do país. O prejuízo operacional do metrô de Belo Horizonte é brutal, de maneira que o seu funcionamento depende drasticamente de subsídios do governo federal. (MACHADO, 2009, p. 90) Na atualidade, a Agência Metropolitana tem se encarregado da realização de um trabalho de articulação e estabelecimento de consensos entre os agentes que atuam na produção dos serviços de cunho regional e uma preocupação central da agência está relacionada às demandas de mobilidade e transporte. A articulação derivada dessas demandas envolve a Secretaria de Transportes (que herdou do DER a antiga Diretoria de Transporte Metropolitano), o DER, a CBTU, entre outros. Apesar dos esforços que estão sendo realizados, várias críticas são esboçadas pelos municípios quanto às ações do Estado. Para o diálogo no campo dos transportes, foi criado o comitê gestor metropolitano da mobilidade, integrado por representantes de Betim, Contagem, DETRAN, DER e Subdiretoria de transporte metropolitano, coordenados por representantes da agência (MARES GUIA; AZEVEDO, 2010). Ocorre que, na RMBH, a prestação de serviços de transporte coletivo urbano é basicamente privada e, como aponta Gouvêa (1992), a permissividade do Poder Público deixa que os empresários definam os itinerários das linhas de ônibus em função do retorno financeiro e não tendo em vista o atendimento das necessidades da população. Os investimentos feitos na RMBH fizeram com que houvesse uma nova concepção acerca das demandas metropolitanas. Essa mudança levou, como já citado anteriormente neste trabalho, à produção do PDDI e ao destaque da acessibilidade na elaboração de referido plano. A compreensão da acessibilidade, enquanto ponto a ser trabalhado de forma transdisciplinar e interinstitucional, fez com que houvesse novidades nesse 125 campo, como a necessidade de uma gestão cooperativa dos transportes e a utilização de tecnologias de comunicação digital. Ainda que seja importante dedicar atenção à gestão dos transportes, muito fragmentada e privatizada, a acessibilidade foi trabalhada pelo PDDI – Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado. A discussão desse tema foi além do debate acerca da mobilidade, levando em conta o real conceito de acessibilidade, conforme foi tratado no início deste capítulo. O PDDI divide-se em eixos de discussão, propõe mudanças na acessibilidade da RMBH e ressalta a necessidade de uma gestão integrada, que abranja vários aspectos e serviços metropolitanos. A natureza transdisciplinar das políticas integrantes do Eixo Acessibilidade advém do objetivo desse eixo, que é garantir ao cidadão metropolitano maior participação na sociedade, através do acesso aos meios físicos, aos serviços, ao lazer, dentre outras necessidades básicas. Os projetos propostos no ponto que trata da acessibilidade foram divididos em oito políticas (PDDI, v. 2, p. 284): Política Metropolitana Integrada de Centralidades em Rede Política Integrada de Mobilidade Metropolitana Política Metropolitana Integrada de Direito ao Espaço Cotidiano: Moradia e Ambiente Urbano Política Metropolitana Integrada de Integração dos Serviços de Saúde Política Metropolitana Integrada de Assistência Social Política Metropolitana Integrada de Democracia Digital As políticas citadas são complexas e de grande abrangência. O Eixo Acessibilidade “integra políticas e programas que têm em comum a busca pela ampliação das condições e meios de acesso a uma variedade de serviços, equipamentos e centralidades da RMBH” (PDDI, v. 2, p. 284). A acessibilidade, para ser plena, depende da efetivação de melhorias em vários aspetos. As propostas práticas dizem respeito à estruturação metropolitana em rede e visam a ampliar as condições de acessibilidade, especialmente da população de baixa renda, inclusive aos espaços naturais e de lazer; aperfeiçoar o sistema viário dos municípios integrantes da região metropolitana e a rede de transporte público; integrar sistemas de transporte sustentáveis (não motorizados) aos sistemas convencionais; ampliar áreas destinadas à circulação de pedestres; reduzir o uso de veículos privados e incentivar o transporte coletivo (PDDI, v. 2, p.285). Uma sugestão de certa forma inovadora advinda do PDDI é o exercício da acessibilidade pela incorporação de novas tecnologias de informação e comunicação, 126 conhecidas como TICs. Segundo observado, as TICs proporcionam a interação e o acesso por meios eletrônicos digitais, sendo que esse instrumento pode potencializar inclusive as condições de participação do processo democrático, pois minimiza os constrangimentos físicos e as limitações impostas pela falta de tempo livre e de modos de locomoção (PDDI, vol. 2, p. 283). A possibilidade de deslocamento intramunicipal e a garantia de acesso aos serviços básicos para a população de uma área metropolitana são a essência de uma gestão urbana eficaz, promotora do desenvolvimento local. Dessa forma, pode-se concluir que, ao se traçar para a RMBH um caminho promotor da acessibilidade, através do PDDI, consequentemente, está sendo favorecida a redução dos custos de transação, a dialogicidade e a melhoria da qualidade de vida da população. A redução dos custos de transação deriva da articulação interinstitucional para a prestação de serviços. A dialogicidade e a melhoria da qualidade de vida são resultado da possibilidade de participação da população através de tecnologias digitais e pelo exercício da cidadania a partir do acesso aos serviços básicos de maneira eficiente. Ocorre que o PDDI somente ficou pronto no final de 2010. No entanto a RMBH foi criada em 1973 e remodelada, institucionalmente, a partir de 2003. Durante todo esse período, a metropolização enquanto fenômeno urbano aconteceu de forma ininterrupta e várias intervenções públicas quanto à acessibilidade foram realizadas, sem a fundamentação do PDDI. A Linha Verde, por exemplo, considerada pela Secretaria Estadual de Transportes e Obras Públicas – SETOP - como o maior conjunto de obras viárias da Região Metropolitana de Belo Horizonte (SETOP, 2011), foi concluída em 2008, antes da elaboração do PDDI, que vislumbra a importância de uma gestão metropolitana social, fundamentada na cooperação e na participação. A Linha Verde corresponde a uma via de acesso que liga o centro da capital mineira ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves, localizado no município de Confins, ao norte da RMBH. Esta passa ainda pelos municípios de Santa Luzia, Lagoa Santa e Vespasiano. Sua extensão total é de 35,4 km e para a sua construção foram gastos, aproximadamente, 400 milhões de reais do Tesouro do Estado (SETOP, 2011). O MAPA 2 retrata a densidade viária na RMBH, que é muito concentrada na área central e estende-se ainda de forma concentrada para o Eixo Sul. No entanto, o Vetor Norte é de fato uma área onde a densidade viária é pequena, ainda que a Linha Verde já 127 esteja em operação. A concretização de propostas como a da construção do Rodoanel 56 e de ampliação de vias já existentes poderá mudar esse cenário. MAPA 2: Densidade Viária na RMBH Fonte: MOURA; MARQUES, 2010. Segundo dados da SETOP (2011), a Linha Verde foi construída com a proposta de atender a cem bairros de Belo Horizonte e a quinze municípios da RMBH, beneficiando 3,5 milhões de pessoas. A obra propicia o acesso do trabalhador ao centro, à rede hospitalar da capital, a centros comerciais, a escolas e universidades. A SETOP afirma ainda que o complexo viário é responsável pelo incremento do setor de serviços, além de ter gerado cinco mil empregos diretos e cerca de quinze mil indiretos. Muito dinheiro está sendo investido no Vetor Norte57 da RMBH, localizado no MAPA 3, devido à construção da Linha Verde. O referido vetor apresentava-se, 56 Projeto de construção de via alternativa ligando diversos municípios do Vetor Norte. Municípios envolvidos no Vetor Norte: Belo Horizonte (regionais Venda Nova, Pampulha, Leste, Norte, Noroeste, Nordeste), Santa Luzia (em especial, a região do São Benedito), Ribeirão das Neves, Esmeraldas (a parte do município situada na bacia do Ribeirão da Mata), Vespasiano, São José da Lapa, Matozinhos, Pedro Leopoldo, Capim Branco, Confins, Lagoa Santa, Jaboticatubas (a parte do município junto ao Rio das Velhas), Betim (Várzea das Flores ao longo do Anel Viário de Contorno Norte), Contagem (Várzea das Flores ao longo do Anel Viário de Contorno Norte), Sabará (ao longo do Anel Viário de Contorno Norte) (GOVERNO DE MINAS e INSTITUTO HORIZONTES, 2011). 57 128 historicamente, pouco valorizado e com precária prestação de serviços. Os municípios que o compõem representavam, basicamente, cidades-dormitório com a função de abastecer a capital com mão de obra barata e pouco qualificada. No entanto, atualmente, essa região abriga a Cidade Administrativa do Governo do Estado de Minas Gerais e novos empreendimentos. Segundo reportagem de Moreira (2009), no Jornal O Tempo, o Instituto Hermes Pardini, por exemplo, investiu cerca de quarenta milhões na transferência de parte de seu centro administrativo e unidades laboratoriais para Vespasiano, município localizado ao norte da área metropolitana e beneficiado pela Linha Verde. Conforme Paiva (2009), em matéria publicada no Jornal Estado de Minas, A Viva Empreendimentos Imobiliários, do grupo português Design Resorts, tem a proposta de investir setecentos e trinta e três milhões de reais na implantação de um complexo turístico e imobiliário em Jaboticatubas, também no Vetor Norte. Essa proposta visa a se concretizar nessa região, devido ao acesso pelo Aeroporto Internacional e à Linha Verde, além da proximidade da Cidade Administrativa. Esse projeto gerará, nos seus três primeiros anos, mil e quinhentos empregos diretos e oitocentos postos de trabalho indiretos. Ainda, na mesma região, está sendo implantado um complexo imobiliário na Região do Isidoro, última fronteira verde de Belo Horizonte. Para tanto, será criada uma nova regional administrativa para a capital58. Notícia de Ayer (2010), divulgada pelo Jornal Estado de Minas, informa que a área do empreendimento possui cerca de dez quilômetros quadrados e tem capacidade para receber dois parques, dois grandes corredores viários, toda a infraestrutura urbana e setenta e dois mil apartamentos. Werneck (2010) destaca que, para a implantação da Regional Isidoro, a Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte teve que ser alterada e que a respectiva alteração, apesar de discutida na Conferência Municipal de Políticas Urbanas, pode não ter sido devidamente analisada com a população ou trabalhada de forma integrada, tendo em vista a diversidade de fatores envolvidos. Os investimentos destinados ao Vetor Norte citados acima dizem respeito a inovações promovidas pela construção da Linha Verde, que consiste na melhoria do acesso a municípios e bairros da região norte da RMBH. Ocorre que, mesmo diante de 58 Até o momento, Belo Horizonte é subdividida em nove regionais. A Regional Isidoro será a 10ª. 129 promissor quadro para empreendedores, a realidade não condiz com uma gestão social que prioriza a participação popular e a cooperação interinstitucional. MAPA 3: Localização do Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte Fonte: IGC/UFMGIPPUR/UFRJ, 2008 130 Dados concretos mostram mudanças no perfil de municípios que compõem a região norte. Lagoa Santa, por exemplo, teve seu contingente populacional dobrado nos últimos trinta e sete anos, pois sua população era de 14.053 pessoas, em 1970, e passou a somar 44.922, em 2007. A arrecadação municipal, nessa mesma localidade, era de R$ 18.516.409,00, no ano de 2002, e passou a ser de R$ 33.825.152,03, em 2008 (PREFEITURA DE LAGOA SANTA, 2012). Em Ribeirão das Neves, a população dobrou em apenas quatorze anos (passou de 143.853, em 1991, para 311.372, em 2005), e a arrecadação municipal dobrou nos últimos quatro anos (PREFEITURA DE RIBEIRÃO DAS NEVES, 2012), porém menos de 75% dos seus habitantes possui moradia que receba a devida prestação de serviços sobre a coleta de lixo (ZEE MG, 2012). O Produto Interno Bruto - PIB - de Confins teve alteração marcante, de R$ 14.213,00, em 1998, para R$ 40.831,00, informações de 2002 (PREFEITURA MUNICIPAL DE CONFINS, 2012). Mesmo diante de dados tão promissores para os citados municípios, segundo o Zoneamento Ecológico Econômico - ZEE MG (2012), nenhum deles oferece uma disposição adequada do lixo para mais de 70% da sua população, ou tratamento de esgoto para mais de 50% da quantidade coletada. Esse quadro retrata como os investimentos empregados no Vetor Norte não estão sendo gerenciados por uma gestão social, já que mantém cenários de contraste socioeconômico. Enfim não basta a ampliação da mobilidade como forma de promover a acessibilidade, ainda são necessárias diferentes intervenções, além de obras como a Linha Verde. Nos últimos anos, foram promovidos encontros entre a sociedade civil e o poder público, com a finalidade de discutir situações como a mobilidade e o crescimento do Vetor Norte. Um desses encontros foi o Fórum sobre o Planejamento Integrado do Vetor Norte da RMBH, que ocorreu em Lagoa Santa no dia 21/10/2009. Nessa ocasião, Maria Madalena, enquanto subsecretária de desenvolvimento metropolitano da SEDRU, palestrou e destacou a Linha Verde como propulsora do desenvolvimento, assim como a implantação da Cidade Administrativa e do Aeroporto Industrial. Como projetos futuros de investimento público, Maria ressaltou o Rodoanel, a pavimentação de corredores viários, a duplicação da MG-20 e a restauração da MG-424 – matérias do Eixo 131 Acessibilidade, a criação de um pólo de microeletrônica em Lagoa Santa 59 e a reforma do Parque do Sumidouro. Já os projetos de investimentos privados citados foram a ampliação do centro de manutenção da empresa GOL, a instalação de um centro de manutenção de turbinas, hotéis, bancos, dentre outros. Os impactos derivados da aplicação de tantos recursos no Vetor Norte, apresentados no Fórum Metropolitano pela subsecretária de desenvolvimento metropolitano da SEDRU, são o surgimento de um novo pólo de atração de pessoas e negócios, a valorização de terrenos somada à especulação imobiliária, a expulsão da população de baixa renda, a expansão da mancha urbana, o crescimento desordenado e a exigência de mais infraestrutura. Para lidar com esses impactos, as propostas sugeridas pelo governo foram a elaboração de projetos como um de desenvolvimento sustentável para o Vetor Norte e outro para a regularização fundiária; a redução de riscos, a reabilitação de centros urbanos e o saneamento da sub-bacia do Ribeirão da Mata. Os objetivos de respectivos projetos são favorecer a participação popular para a redução das desigualdades, disponibilizar subsídios para Planos Diretores Municipais, estruturar políticas de geração de emprego, renda e habitação, além de formular indicadores de monitoramento. Os fatos narrados no Fórum sobre o Planejamento Integrado do Vetor Norte foram todos apenas apresentados, sendo que as pessoas que estavam presentes não tiveram voz ativa para fazer propostas, mas meros comentários. Apesar do objetivo do evento ter sido discutir o planejamento de forma integrada, esse foi simplesmente apresentado. Não houve uma construção dialógica do desenvolvimento local no Vetor Norte. Quanto à Linha Verde, não foi tratado o seu projeto, pois a obra já se encontrava concluída. Diante desses fatores, resta claro que o PDDI foi feito tardiamente, após a implantação de marcantes mudanças na RMBH. Sendo assim, essas mudanças não consideraram as reflexões a respeito da acessibilidade dispostas no PDDI. De acordo com o Programa de Desenvolvimento e Gestão da RMBH, elaborado por uma parceria entre o Governo de Minas e o Instituto Horizontes (2011), uma outra preocupação oriunda do conjunto de investimentos previstos para o Vetor Norte é a repetição de experiências passadas, como a que ocorreu com o Vetor Oeste da RMBH na década de 70. Nessa ocasião, houve a implantação do complexo automotivo da Fiat e 59 O Pólo de Microeletrônica deverá atrair mais de 200 empresas para seu entorno, gerando cerca de 37 mil empregos diretos e indiretos de uma mão de obra altamente qualificada de engenheiros, cientistas, mestres e Phds em eletrônica, química e física entre outras. O Pólo deverá gerar investimentos de mais de um bilhão de dólares (GOVERNO DE MINAS e INSTITUTO HORIZONTES, 2011). 132 de uma série de investimentos em melhorias na malha viária e de transportes. Na região oeste, o desenvolvimento desordenado anulou em parte os benefícios dos investimentos públicos e privados realizados, o que gerou a formação do mais agudo processo de reprodução de periferias de que se tem notícia, principalmente em Ribeirão das Neves e em Ibirité. Com o intuito de trabalhar as questões relacionadas, no referido programa, consta que deve ser pensada, de forma integrada, uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, tendo como objetivo disponibilizar a acessibilidade, conforme a definição traçada no início do presente capítulo. O desenvolvimento sustentável, no caso aqui estudado, deve se fundamentar nas concepções apresentadas no referencial teórico deste trabalho, relativas ao desenvolvimento local, à cooperação interinstitucional e à participação popular. O Programa citado no parágrafo anterior propõe como política a implantação de processos participativos que envolvam atores públicos, privados e a sociedade civil, com a finalidade de articular e integrar as ações estratégicas do Vetor Norte. O instrumento sugerido para tal é o consórcio intermunicipal60, já que esse proporciona o investimento de recursos de uma unidade federativa em outra, viabilizando ações não aceitas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000). Diante disso, a lei de consórcios públicos oferece parâmetros legais para a cooperação interinstitucional e ainda cria instrumentos administrativos e orçamentários para sua gestão (ARAÚJO, 2010) 61. 60 “As limitações institucionais e jurídicas da repartição de competências constitucionais entre os entes federados e, principalmente, a precariedade dos arranjos utilizados pelos municípios levaram à aprovação da Emenda Constitucional n° 19 de 1998 (BRASIL, 1998), que alterou a redação do art. 241 e passou a prever expressamente os consórcios públicos, os convênios de cooperação e a gestão associada de serviços públicos” (LOPES, 2010, p.320). Como não feita, num primeiro momento, uma lei específica para regulamentar os consórcios, estes continuaram a ser criados como associações civis. A mudança da Emenda Constitucional n° 19 somente tornou-se aplicável com a Lei n° 11.107/2005 (BRASIL, 2005), que dispõe sobre as regras gerais dos consórcios públicos. A partir dessa norma, os consórcios passam a ser criados e extintos por lei, passam a ser de natureza pública ou privada e a ter personalidade jurídica própria. Os consórcios e os convênios devem ser realizados pelas unidades federadas com vistas à realização de interesses coincidentes das partes. Deverão ser pautados por ambos instrumentos, interesses comuns e o modo de colaboração, não devendo ter por finalidade a captação de lucros ou o proveito econômico (SERRANO, 2009). Diferentemente das regiões metropolitanas, os consórcios não são instituídos por lei complementar, mas por adesão autônoma das partes. A região metropolitana advém de uma imposição heterônoma do Estado, não de uma transação negocial. Já os consórcios dizem respeito à regionalização, por vontade autônoma das partes, de atividades de titularidade dos municípios. O consórcio intermunicipal é a alternativa de cooperação mais utilizada pelos municípios para trabalhar de forma integrada e articulada. Este consiste em uma associação para a consecução de objetivos, obras, serviços e atividades de interesse comum (CRUZ, 2008). 61 Segundo Lopes (2006), uma diversidade de formas institucionais de representação política, organização administrativa e suporte técnico foi criada pelos estados com a finalidade de possibilitar uma gestão metropolitana de sucesso. Dentre essas formas, podem ser citadas: fóruns para a participação 133 Para Gouvêa (2005), podem ser considerados três sistemas básicos de governo ou administração metropolitana capazes de resolver situações como a exposta, nos quais não há acesso adequado aos serviços públicos prestados: o constituído à margem dos municípios; o formado apenas por representantes dos municípios metropolitanos; o misto ou coordenado, que envolve outras instâncias políticas e administrativas. Gouvêa (2005) relata na mesma obra que o sistema mais eficaz é aquele que cria um nível político-administrativo metropolitano autônomo, sem eliminar o nível local. Deve então haver a fusão dos municípios metropolitanos, a cooperação voluntária entre os mesmos e a atribuição legal da responsabilidade decisória ao estado. Assim, as regiões metropolitanas que possuem um governo institucionalizado diferem das que apresentam atividades metropolitanas coordenadas por uma instância superior e das que não estão submetidas a nenhum tipo de coordenação. As regiões metropolitanas que possuem um governo institucionalizado, como a RMBH, podem ser criadas a partir da instalação de uma estrutura metropolitana, definida por lei, acima dos governos municipais ou através da unificação de aglomerações metropolitanas mediante instrumento legal. Essa estrutura costuma ser aplicada, quando não há uma unidade central definida, mas cidades com desenvolvimento paralelo, especialmente em países pouco desenvolvidos sem tradição democrática (GOUVÊA, 2005). Nos casos em que não existe uma autoridade metropolitana formal, a estrutura governamental existente, em instância superior, é adaptada para atender às demandas de interesse comum. Os municípios nessa situação possuem pouca representatividade e é comum acontecerem conflitos de competências entre os entes envolvidos, devido à falta de definição dos papéis e sobreposição de ações governamentais em um mesmo território (GOUVÊA, 2005). Na RMBH, os conflitos envolvem mais do que as prefeituras, mas também empresas privadas interessadas na forma como são aplicados os recursos públicos, pois estas buscam ser beneficiadas. Quando se trata de mobilidade e acessibilidade, então, pessoas que concentram grande volume de capital têm o interesse despertado pela possibilidade de lucrar com a especulação imobiliária, obras de engenharia, licitações públicas, aumento no número de transeuntes, dentre outros popular, muitas vezes sem personalidade jurídica; consórcios; agências de desenvolvimento regional; câmaras temáticas; fundos metropolitanos. 134 casos. A forma como está ocorrendo o crescimento do Vetor Norte retrata bem esse quadro. Uma alternativa razoável, citada por Gouvêa (2005), é a criação de um nível administrativo intermediário entre estado e município, como um novo ente federativo, porém com menos autonomia política, com a função ser um elo entre estados e municípios. Segundo Abrucio (1998), não se constrói democracia com excesso de poder, mas com divisão do poder e que, assim, nada mais sensato do que uma nova composição dos poderes municipais e estaduais de modo metropolitano. No entanto, a criação de uma nova instância administrativa implica em muitos gastos na formação de nova estrutura governamental. Além do mais, a referida instância também teria que se articular com as prefeituras e demais entidades relacionadas à temática metropolitana. Sendo assim, não adiantaria criar uma nova composição político-administrativa sem ter a cooperação e a dialogicidade como premissas. Um fator comum entre todas as propostas de gestão metropolitana é o estabelecimento de mecanismos estáveis que facilitem a integração e a cooperação entre diferentes níveis governamentais. A autonomia metropolitana deve ser interlocutora legitimada junto à sociedade civil (GOUVÊA, 2005). Para tanto, volta-se aos conceitos de cooperação interinstitucional, gestão social e administração pública dialógica. Pires (2010, p.185) destaca que: A gestão metropolitana deve voltar-se de forma decisiva para o território, focando a sua (re)ordenação, ocupação e utilização, na busca de equalização de oportunidades diante de demandas de acesso ao solo urbano, às funções sociais urbanas, à adequada prestação de serviços e à provisão de necessidades. Esse cenário descrito por Pires (2010) leva ao questionamento se o modo como se deu a construção da Linha Verde, ainda que com o objetivo de promover o desenvolvimento, foi eficaz no contexto metropolitano. O primeiro motivo foi a forma de firmar a execução da obra com os municípios diretamente envolvidos, como Belo Horizonte, que hoje suporta graves problemas de enchentes que podem ser relacionados, dentre outras coisas, à construção do Boulevard Arrudas, iniciada com as obras da Linha Verde. Não houve envolvimento metropolitano ou da população. A Linha Verde partiu de uma decisão do Governo do Estado de Minas Gerais. Porém o Estado, como responsável por capitanear o processo institucional metropolitano, deve perseguir o 135 equilíbrio entre o arranjo e a correlação das forças que o sustentam, buscando um alinhamento permanente com os interesses legítimos da cidade (PIRES, 2010). Os interesses da cidade foram, de certo modo, ignorados durante a execução da Linha Verde. Árvores foram cortadas à revelia do interesse municipal, pessoas foram removidas de suas casas, a obra do Boulevard Arrudas não cumpriu com as expectativas e projetos de ambientalistas. Pires (2010, p.190) ressalta ainda que cabe ao Estado protagonizar a gestão metropolitana por meio de um processo democrático e plural, de modo a colaborar na construção de governança compartilhada, na melhoria “do nível relacional, por meio de capacitações com foco em comportamento institucional e em pactuação, na redução das vulnerabilidades diversas, assegurando que as institucionalidades sejam cada vez mais legítimas e funcionem para além do momento político”. A acessibilidade é fundamental para o desenvolvimento local e deve refletir os interesses da comunidade ou não atenderá às demandas sociais práticas. No caso metropolitano, o Estado tem um papel de destaque, já que pode contribuir para o encontro e o diálogo entre os diversos atores envolvidos, como empresas concessionárias que trabalham com o transporte público, os municípios, os gestores da mobilidade municipal, os órgãos estaduais relacionados ao tema e a comunidade em geral. É o Governo Estadual, ao disciplinar sobre a questão metropolitana, quem é competente para despontar esse assunto no plano institucional. O Estado não deve apenas possibilitar o encontro, mas também disponibilizar recursos e instrumentalizar as ações propostas na oportunidade em que foi gerado o diálogo. Assim, a gestão social em prol do desenvolvimento local estará sendo de fato aplicada e concretizando resultados. 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS Gouvêa (2005, 255), no final de sua obra A Questão Metropolitana no Brasil, usa das palavras de Maquiavel, em O Príncipe, publicado em 1513, para sintetizar a problemática da institucionalização de uma administração pública dialógica para a gestão metropolitana: “Não há coisa mais difícil de fazer, de êxito mais duvidoso, e mais perigosa de conduzir do que levar a cabo a introdução de novas instituições legais”. No presente trabalho, a gestão social foi apresentada a partir da governança, como forma de colocar em prática a cooperação interinstitucional para o desenvolvimento local de uma região metropolitana. A definição de gestão social usada é a de Tenório (1998), na qual esta é o conjunto de processos sociais no qual a ação gerencial desenvolve-se através de uma ação de negociação promovida por diversos atores. Para Tenório (1998), deve ser dispensada atenção à relação direta entre o processo administrativo e a múltipla participação social e política. O caso estudado foi o da Região Metropolitana de Belo Horizonte, especialmente no que tange à acessibilidade, já que a análise da efetivação desta demonstra o grau de acesso que a comunidade tem ao exercício dos seus direitos. O objetivo geral desta pesquisa era analisar qual a estrutura de gestão urbana que melhor fomenta práticas de cooperação e a cultura da solidariedade, condições fundamentais à materialização de projetos de interesse comum que buscam o desenvolvimento local de uma região metropolitana. O conceito de desenvolvimento local utilizado aborda a condição socioeconômica de uma sociedade urbana e a cooperação interinstitucional, articulada com a participação popular. A efetivação do interesse público é a meta da gestão social que visa ao desenvolvimento local de uma metrópole. Esse deveria ser um compromisso da administração pública e um direito dos cidadãos. Dessa forma, se somente através da cooperação alguns municípios poderão efetivar o interesse público, cooperar deixa de ser uma faculdade e passa a ser uma obrigação, cabendo aos municípios e ao estado escolher qual a melhor forma de atuar coletivamente. No entanto, a cooperação somente ocorre sem ter altos custos de transação, se ocorrer por vontade espontânea dos envolvidos, como política pública a ser implantada e compreendida pelos atores interessados. 137 A estrutura institucional da RMBH foi descrita, contextualizada historicamente e analisada sob o ponto de vista da cooperação e da participação, o que permitiu perceber que não há uma estrutura definida como fomentadora de práticas de cooperação, mas princípios gerais que devem ser adaptados à realidade de cada época e lugar, principalmente diante da heterogeneidade existente no país. Os referidos princípios estão conceituados no referencial teórico, como o do emprego de uma gestão social para a administração pública dialógica, da participação popular e da busca pelo desenvolvimento local. Esse resultado foi alcançado a partir da análise do caso prático da acessibilidade da RMBH, que demonstrou que não basta a simples criação de órgãos para a institucionalização de uma região, mas é necessária uma articulação entre os órgãos e a sociedade civil, de modo que os interesses comuns sejam conhecidos e concretizados. A resolução dos objetivos específicos contribuiu para a pesquisa. Demonstrar as diferenças quanto à concepção de gestão metropolitana antes e depois da Constituição Federal de 1988, narrar a formação do sistema federativo no Brasil e a ocupação do espaço da RMBH fez com que fosse bem compreendido o modo de institucionalização da região e o desenrolar da ocupação e uso dos espaços, permitindo conhecer a distribuição dos serviços públicos prestados, a garantia de acesso aos mesmos e a segregação socioespacial belorizontina. A acessibilidade foi diagnosticada como um grave problema da RMBH, derivado da ausência de uma gestão dialógica e cooperativa. Descrever qual a formação institucional da administração pública atual e caracterizar os instrumentos de gestão criados para a promoção da dialogicidade possibilitaram identificar a capacidade de gerar, por meio da cooperação, o desenvolvimento local da metrópole estudada. Instrumentos como o conselho deliberativo e a realização de fóruns de discussão foram exemplos citados como avanços que têm tomado espaço na gestão da RMBH. No entanto, ainda há muito que melhorar, principalmente quanto à forma de uso desses instrumentos e a preparação das pessoas para de fato contribuírem para a gestão urbana. “Um governo municipal progressista precisa se fazer acompanhar de um estilo de gestão genuinamente democrático, o que lhe dará muito maiores credibilidade e legitimidade e evitará que encarne uma contradição” (SOUZA, 2008, p. 418). A partir dessa ideia, verifica-se que especialistas em planejamento e gestão da cidade precisam entender a si próprios como educadores ou pedagogos urbanos (SOUZA, 2008). A socialização das informações e o estabelecimento de uma comunicação fácil são 138 essenciais para um processo eficiente de pedagogia urbana que viabilize a construção de uma sociedade democrática autonomista, envolvida em uma administração pública dialógica. Quanto ao objetivo específico de criação de alternativas para a solução dos problemas diagnosticados, não foi possível concluí-lo, já que ficou clara a impossibilidade de definição de um modelo específico de institucionalização metropolitana. Pôde ser comprovada a relevância da observação de pontos como a cooperação e a participação, normalmente desprezadas pelos políticos, muitas vezes interessados em realizar ações de interesse próprio. Esses pontos ressaltam a opinião de Lopes (2006, p. 153) de que a saída legalista é limitada e, quando muito, “poderá fortalecer um marco jurídico de possibilidades, mas sem necessariamente ampliar a dinâmica em torno do tema metropolitano, que, ao fim e ao cabo, constitui uma questão política”. Machado (2009) recomenda que o recurso da cooperação seja transformado em recurso político poderoso aos propósitos pessoais dos atores metropolitanos, pois o reconhecimento das oportunidades negociais favorece o bom desempenho da gestão urbana intermunicipal. “As afinidades políticas entre atores públicos e o poder econômico exercem um papel na redução de custos de transações metropolitanas visivelmente mais importante do que as instituições” (MACHADO, 2009, p. 139). Enfim, a cooperação interinstitucional depende de vontade política e da participação popular promovidas pela gestão social, tendo em vista o desempenho de uma administração pública dialógica para o desenvolvimento local da RMBH. 139 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO A dissertação produzida para a conclusão do mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, inserida na linha de pesquisa Processos Políticos Sociais, Articulações Institucionais e Desenvolvimento Local, cujo título é Cooperação Interinstitucional como Instrumento de Gestão da Região Metropolitana de Belo Horizonte e de promoção do Desenvolvimento Local resultou na proposta de realização de um seminário com o tema Gestão Metropolitana Cooperativa e o Desenvolvimento Local, conforme foi previsto no projeto de pesquisa. A realização de um seminário tem o objetivo de dar publicidade aos resultados encontrados na pesquisa e promover inovações sociais, para que os cidadãos interessados possam conhecer as sugestões e conclusões alcançadas. Desse modo, todo o empenho empregado na realização deste trabalho poderá ser aproveitado em prol da sociedade. O público alvo envolve a comunidade acadêmica, administradores públicos, representantes de organizações da sociedade civil, estudantes e cidadãos em geral. Quanto aos aspectos práticos, um espaço dentro da própria instituição UNA poderia ser utilizado para o evento, já que proporcionaria maior visibilidade para o centro universitário e para o curso de mestrado. O tempo necessário para apresentação de palestras e debates é de um dia com dois momentos de discussão, um pela manhã e outro à tarde. O evento teria início às 9h e finalizaria às 18h. As palestras teriam duração de trinta minutos e, após duas apresentações, haveria um debate de quinze minutos para promover o envolvimento do público. A programação proposta é de, em um primeiro momento, a autora de respectivo trabalho apresentar os temas que serão discutidos e fazer uma breve introdução, destacando a metodologia e as tendências diagnosticadas como relevantes para que a administração pública utilize de forma cooperativa os instrumentos existentes para a gestão da região cuja cidade pólo é Belo Horizonte. A segunda palestrante seria a professora Marinella Machado Araújo, professora da PUC Minas que apresentou o tema da cooperação interinstitucional para a autora da dissertação. Assim, Marinella traçaria esclarecimentos da relevância da cooperação na regionalização, especialmente no que tange à redução dos custos de transação, pois quando esses são excessivos há perda de interesse no desenvolvimento de ações cooperativas. 140 A terceira apresentação ficaria a cargo da Professora Jupira Gomes Mendonça, que participará da banca da mestranda e foi por ela entrevistada. Jupira é professora da Faculdade de Arquitetura da UFMG e pesquisa Belo Horizonte enquanto metrópole, tanto no aspecto institucional quanto em relação à expansão da mancha urbana. A referida professora publicou diversos textos sobre a RMBH e pode contribuir muito para a contextualização do processo de regionalização e sua institucionalização. Gustavo Gomes Machado seria o convidado que encerraria o ciclo de discussões do turno da manhã, falando sobre os consórcios intermunicipais, tema do seu livro Gestão Metropolitana e autonomia municipal. Dilema das transações federativas, publicado pela Editora PUC Minas. Após um intervalo de duas horas para o almoço, o evento seria retomado com uma palestra de um representante da Secretaria Estadual Extraordinária de Gestão Metropolitana. Esse representante teria a função de transmitir informações acerca da forma institucional da RMBH e a definição de seus órgãos constituintes. Em seguida, Vivian Barros Martins, diretora da Agência Metropolitana, narraria sobre programas e projetos que devem ser implantados na RMBH e sobre as intervenções de maior destaque que já foram realizadas, principalmente a Linha Verde, pois o caso dessa obra foi tratado na dissertação que gerou a proposta do seminário. José Abílio Belo, arquiteto, funcionário do CREA MG e conselheiro metropolitano, falaria no seminário sobre sua experiência enquanto representante da sociedade civil na gestão urbana da RMBH. José Abílio Belo também foi entrevistado e contribuiu para a realização da pesquisa aqui em discussão, assim como o próximo professor indicado para ter uma fala no seminário, Leandro Cardoso. Leandro Cardoso foi funcionário da BH TRANS, trabalhou na preparação do PDDI e leciona na Faculdade de Engenharia da UFMG. Sua área de trabalho é acessibilidade, principalmente no que diz respeito à mobilidade. Assim, Leandro seria o último convidado do evento a se apresentar e sua função seria a de ensejar o debate acerca da acessibilidade metropolitana. Para encerrar o seminário, a autora da pesquisa, Natália Marra, faria um enlace dos temas discutidos com a gestão social e a promoção do desenvolvimento local através da promoção de uma discussão entre os participantes do evento sobre os temas discutidos. Cronograma do seminário: 9h - Credenciamento 9:30h – Introdução e Apresentação de Natália Cardoso Marra – 30 minutos 141 10h – Cooperação Interinstitucional em Regiões Metropolitanas para a Redução dos Custos de Transação – Apresentação de Marinella Machado Araújo - 30 minutos 10:30h – A Região Metropolitana de Belo Horizonte - Apresentação de Jupira Gomes Mendonça - 30 minutos Debates: 15 minutos 11:15h– Consórcios Intermunicipais - Apresentação de Gustavo Gomes Machado - 30 minutos Debates: 15 minutos 12h às 14h - Intervalo 14h – A Institucionalização da RMBH – Apresentação de um representante da SEGEM Machado - 30 minutos 14:30h – A Agência Metropolitana – Apresentação de Vivian Barros Martins - 30 minutos Debates: 15 minutos 15:15h – A Experiência do Conselho Deliberativo da RMBH - Apresentação de José Abílio Belo – 30 minutos Debates: 15 minutos 16h Intervalo 16:15h– Acessibilidade urbana e metropolitana - Apresentação de Leandro Cardoso – 30 minutos Debates: 15 minutos 17h – Considerações Finais, Debate e Encerramento – Apresentação de Natália Cardoso Marra - 60 minutos A partir do seminário, poderá ser proposto um curso de especialização em Governança Regional e Cooperação Interinstitucional na própria instituição Centro Universitário UNA. 142 REFERÊNCIAS ABRANCHES, Mônica. 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