Leia Mais sobre o estudo dos labirintos

Transcrição

Leia Mais sobre o estudo dos labirintos
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
1
artigo publicado em novembro/2005
LABIRINTOS
Silvia M. R. Valentini
Trabalho apresentado à disciplina AUP 5810-Paisagismo, ministrada sob
responsabilidade dos professores Euler Sandeville e Hugo Segawa, no Programa de
Pós-Graduação da FAU.USP, Área de Concentração Paisagem e Ambiente
Não haverá nunca uma porta. Estás dentro
E o alcácer abarca o universo
E não tem nem anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor de teu caminho
Que teimosamente se bifurca em outro,
Que obstinadamente se bifurca em outro,
Tenha fim. É de ferro teu destino
Como teu juiz. Não aguardes a investida
Do touro que é um homem e cuja estranha
Forma plural dá horror à maranha
De interminável pedra entretecida.
Não existe. Nada esperes. Nem sequer
No negro crepúsculo a fera.
Jorge Luis Borges
Elogio da Sombra
A ilustração mostra o centro de um mosaico italiano com as figuras de Theseus e o Minotauro
em http://www.mazemaker.com/history_mazes.htm
Disponível
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
2
Introdução
O fascinante tema dos labirintos de imediato despertou-me o interesse, logo no início da
disciplina AUP5810 – Paisagismo. Pesquisando sobre os jardins do século XVII, em leituras
complementares para o curso, deparei-me com a informação de que um labirinto havia sido
construído nos Jardins de Versailles, a pedido de Louis XIV, e por ter sido considerado fora
de moda, destruído no século XVIII.
A idéia de que um labirinto daquela importância pudesse ter sido destruído, imediatamente
instigou-me a aprofundar as minhas pesquisas. De início os dados revelaram-se escassos –
poucos livros disponíveis nas bibliotecas continham informações sobre labirintos. No entanto,
estendendo a pesquisa para os sítios virtuais foi possível encontrar uma profusão de dados
sobre publicações, empresas, organizações, livros, revistas, artigos, seminários, encontros
internacionais, estudiosos e sobretudo pessoas interessadas no assunto.
Em um período de três meses foi possível compilar vasta quantidade de informações e uma
extensa bibliografia em inglês sobre labirintos e mazes.
As publicações informam que o traçado dos labirintos teria surgido há aproximadamente
3500 anos, em diferentes culturas, diferentes épocas e em lugares distintos.
Arcera, Espanha
Padugula, Índia
Nazca Plain, Peru
Oraibi, Arizona
Kom Ombo, Egito
Disponível em http://www.whisperinggrove.com/about/labyrinths.htm
O desenho dos labirintos aparece gravado em rochas e moedas, tecido em cestos, pintado
em cavernas, em potes e placas de cerâmica, composto por mosaicos, marcado com pedras
diretamente na terra, impresso em manuscritos, como símbolo de proteção, ou referência
mitológica.
As pesquisas acusam a presença dos labirintos possivelmente desde o século XVIII a.C. na
Inglaterra, e posteriormente na Grécia e Síria.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
3
Desenho de jarra etrusca - Tagliatella
Disponível em:
http://www.labyrinthos.net/f_homepage.htm
O desenho aparece também em uma jarra encontrada em Tagliatella, Itália, datada do século
VII a.C.
E gravado em moedas gregas do século III a.C..
Moedas de Creta . disponível em www.labyrinthos.net
Outros labirintos foram encontrados em diversos países como Escandinávia, Suécia, Índia,
Peru, México, Sumatra, assim como também em artesanato indígena do Arizona – USA.
Freqüentemente usado pelos romanos, que pareciam conhecer a lenda do Minotauro, os
labirintos aparecem também em Pompéia, no século I a.C..
Na Europa medieval o labirinto surge como símbolo cristão, gravado em pisos de igrejas,
como o caminho da salvação. O mais conhecido deles seria o de 11 voltas da Catedral de
Chartres, do século XIII, embora existam labirintos também em Amiens, Lucca, Rheims, St.
Omer, St. Quentin e muitas outras catedrais.
Catedral de Rheims
Saint Quentin
Imagens disponíveis no site www.sacred-texts.com/etc/ml/
Catedral de Amiens
Catedral de Bayeux
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
4
Nos jardins franceses o traçado do labirinto é composto por cercas vivas, com um ou mais
caminhos, diferença apontada nos mazes e labirintos. Usado para os jogos do amor, ele
adquire um sentido de prazer e excitação.
André Mollet, 1651
Labirinto de Chantilly (Blondel)
Choisy-le-Roi (Blondel)
Imagens disponíveis no site www.sacred-texts.com/etc/ml/
Finalmente, nas últimas décadas, com a retomada do interesse pelos labirintos, o assunto
surge na literatura, poesia, cinema, esportes, saúde, psicologia, práticas terapêuticas, assim
como também nos jardins públicos e privados, em parques, escolas e até em prisões de
vários países.
Labirinto no Castelo de Leeds - UK
Labirinto de água, em Jersey
"Herb Garden" – UK
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
Castelo de Leeds
Hampton Court – UK
Labirinto de três pontas – Países Baixos
5
Gun Wharf Quays Maze Festival - 2003
Zoológico de Newquay – UK
Edinburgh – UK
Disponível no site http://www.mazemaker.com/photo_hedge.htm
O tema continua fascinando pessoas de diversas culturas, que parecem não apenas renovar
o seu interesse pelos labirintos mas também encontrar novos significados para ele.
Esta monografia, como uma primeira abordagem, contempla os tópicos da peregrinação, dos
jardins franceses e o uso dos labirintos nos nossos dias, deixando aberta a possibilidade,
para o futuro, de outros capítulos complementares.
Os caminhos da peregrinação
"Um templo é uma paisagem da alma. Ao entrar numa
catedral, penetra-se num mundo de imagens espirituais."1
Sneinton, England – Disponível no site
http://www.labyrinthos.net/graphics03.htm
O século XIII pode ser considerado como o século das grandes catedrais. O estilo gótico,
como nos ensina GOMBRICH2, desenvolvia-se desde meados do século XII, quando a
Europa era ainda um continente pouco povoado de camponeses. Segundo o autor, os
grandes bispados ambicionavam poderosas catedrais, o que, sem dúvida, seria uma maneira
de demonstrar poder.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
6
Fig 1 - Warrior 91 – Knight Templar – 1120 -1312
Disponível no site http://www.ospreypublishing.com/content2.php/cid=275
Na metade desse século era comum encontrar-se, por toda a Europa, sobreviventes das
Cruzadas (Fig 1). Havia, na época, possibilidade de deslocar-se em longas viagens de navio
com intuitos mercantilistas, em busca de produtos de fácil comercialização, mas a maneira
mais característica de viagem era a da peregrinação. BROOKE (1984)3 elucida que assim
como hoje vamos para o mar ou a montanha, os nossos ancestrais medievais iam para um
santuário.
Segundo o autor, muito embora a peregrinação parecesse um grande divertimento, um
acontecimento social que reunia homens e mulheres, era também dotada de forte conotação
religiosa. Esses grupos deslocavam-se por várias rotas, por províncias, rios, santuários,
vencendo com a ajuda de guias as péssimas condições da jornada, onde faltava alimentação,
água potável, higiêne e conforto para o descanso. Vários autores citam as longas jornadas à
Jerusalém como penitências e mortificações impostas aos peregrinos: "Jerusalém é, na terra,
a imagem dos céus. Aqueles que morrerem a caminho dela irão direto ao Paraíso".4
_____________________________
1 – CAMPBELL, Joseph. O poder do Mito: Palas Athena, 1990
2 – GOMBRICH. História da Arte, 13ª edição, 1977
3 – BROOKE, Christopher. Popular Religions in the Middle Ages:Thames and Hudson, p. 22, 56,120
4 – IDEM
A peregrinação nos labirintos
Muitas vezes indicados pelos padres aos fiéis, para pagamentos de penitências, os labirintos
das igrejas serviam de opção para os penitentes impossibilitados de cumprir longas jornadas
fora da igreja (Fig2). O fato de serem chamados de “Caminhos de Jerusalém” confirma que
eram um substituto para as peregrinações à Terra Santa: durante a Idade Média, as
Cruzadas tornaram perigosa a viagem para Jerusalém e assim, como penitência, os fiéis
percorriam o labirinto das igrejas de joelhos.5
Os labirintos eram gravados no piso das igrejas, de
acordo com CLIFFORD6, para serem percorridos
pelos fiéis, de joelhos. Embora o labirinto fosse
essencialmente um símbolo pagão a Igreja não teve
dificuldade em associá-lo à iconografia cristã: o seu
caminho unidirecional ao centro seria uma ilustração
perfeita do caminho único para a salvação. Como o
próprio autor define, o centro do labirinto poderia ser
denominado como Jerusalém, e isso reduzia a
penitência do peregrino à proporções práticas.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
7
Fig 2 – Catedral de St. Quentin, França.
http://www.labyrinthos.net/f_photos.htm
As igrejas góticas, segundo K. CLARK7 inspiravam nos religiosos a esperança da salvação, o
que se contrapunha ao medo do julgamento e da morte. CAMPBELL (1990) comenta
também que nas religiões "o labirinto que bloqueia é, ao mesmo tempo, o caminho para a
vida eterna".
Muitos desses labirintos já eram incluídos no projeto das igrejas do século XII na Itália e na
França. No século IX, na Catedral de Santa Lucca, na Itália, um labirinto na parede,
convidava ao traçado com os dedos (Fig 3). Antes de entrar, os fiéis deviam dedicar-se à
atividade de percorrer o labirinto com os dedos, para aquietar a mente. Muitos outros
exemplos ainda se encontram presentes e ainda podem ser vistos atualmente nas igrejas da
Europa.
____________________________
5 – FREITAS, Lima de. "Labyrinth," The Encyclopedia of Religion. ed. Mircea Eliade. 16 vols. New
York: Macmillan. 1987.
6 – CLIFFORD, Derek, A History of garden design, p.66
7 – CLARK, Kenneth, Civilization. British Broadcasting Corporation, 1969 . 1ª edição, p.238
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
8
Fig 4 Catedral de Amiens, França.
http://www.labyrinthos.net/f_photos.htm
Catedral de Amiens
Tomando-se por referência BROOKE, no início do século XII a economia de Amiens
baseava-se no comércio de vinhos e da tintura azul (woad) derivada de uma planta cultivada
na região e muito valorizada pelas indústrias têxteis. Ao longo do século XIII a catedral,
destruída por um incêndio no ano de 1218, é inteiramente reconstruída, graças à
generosidade da comunidade, do bispo e do prefeito que doou uma das janelas de rosácea.
Também um dos mais ricos comerciantes de tintura doou metade das janelas altas (lancet
window) de mosaicos de vidro. O envolvimento com a construção da catedral, segundo o
autor, constituía a expressão de um envolvimento religioso da comunidade.
A Catedral de Amiens (Fig 4) está situada em Somme, ao norte de Paris é a mais alta
catedral francesa8 (sua abóbada atinge 43m de altura) e representa o apogeu da engenharia
gótica. O labirinto da catedral tem formato octogonal (Fig 5) e mede 12,14 X 12,14 metros.
Foi construído em mármore preto e branco, em 1288, para dar boas vindas aos peregrinos
que visitavam a cabeça de São João Baptista. Desfeito entre 1827 e 1829 para reforma do
piso, foi reconstruído entre 1894 e 1897, incluindo o centro de bronze com as imagens dos
anjos9.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
Fig 5 - Catedral de Amiens
http://www.mtholyoke.edu/acad/intdept/
_____________________________
8 – Disponível em http://www.beloit.edu/~arthist/historyofart/gothic/gothic.htm
(Beloit College, Wisconsin, USA, fundado em 1846)
9 – Disponível no site da Universidade de Quebec, Canadá: www.alambix.uquebec.ca
Fig 6 Catedral de Chartres e detalhe do labirinto – http://www.lessons4living.com/chartres_labyrinth.htm
9
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
Fig 7 – Labirinto com o detalhe das seis absides
10
- http://www.mymaze.de/foto_frset_e.htm
Catedral de Chartres
SAWARD10 nos informa que na Catedral de Chartres (Fig 6) está o mais famoso dos
labirintos gravado em pisos de igrejas. Os labirintos de pedras coloridas eram comuns nas
grandes igrejas medievais da Europa, e o de Chartres é uma réplica do labirinto medieval no
qual se pode perceber o desenho de uma cruz no centro.
De acordo com VALENTTE11, em artigo sobre o labirinto da catedral, a construção de
Chartres, ao sul de Paris, teria sido iniciada em 1194. No local existiria, nos tempos pagãos,
uma gruta com a estátua de uma Virgem Negra, esculpida em madeira pelos druidas e
adorada pelos peregrinos franceses.
_________________________
10 – Disponível em http://www.labyrinthos.net/
Outras publicações de autor e de Kimberly Lowelle Saward, PhD, (Sonoma State University, CA,
Dept of Psicology):
Caerdroia – Journal of Mazes and Labyrinths
Magical Paths – Labyrinths and Mazes in the 21th Century
Labyrinth and Mazes – The Definitive Guide
11 – VALENTTE, Rebecca. The labyrinth of Cathedral of Chartres, Boston College, disponível em
www.bc.edu
Toda a cidade participava dos trabalhos de construção da catedral. As pedras vinham de
uma pedreira que ficava distante da igreja e o transporte do material era feito em carros
puxados pelos pescadores da região. Antes do início do trabalho, todos comungavam para
não contaminar a obra.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
11
A catedral só ficaria pronta em 1260, no reinado de Felipe Augusto.
Em torno de 1197 um labirinto foi gravado no piso, supostamente pelos monges beneditinos,
próximo ao pórtico oeste. Este labirinto é sem dúvida o mais famoso dos pisos de igrejas e é
conhecido por quatro nomes diferentes:
● Le dedale - ou Daedalus: o mesmo nome do famoso arquiteto que construiu o labirinto de Creta. No
entanto, o labirinto de Chartres é uma réplica do clássico labirinto medieval, com um único caminho e
não um intricado quebra- cabeça com becos sem saída.
● La lieue –a ligação. Embora o comprimento do caminho seja de aproximadamente 260m na Idade
Media alguns peregrinos costumavam cumprir a distância de joelhos. O exercício demoraria três horas
ou o mesmo tempo levado para se caminhar a distância de três milhas.
● Le chemin de Jerusalem – O caminho de Jerusalém: Caminhando pelo labirinto o cristão substituía a
peregrinação à Terra Sagrada. Quando a viagem até Jerusalém tornou-se muito perigosa, durante a
Idade Media, os labirintos nos pisos das catedrais tornaram-se uma alternativa para a peregrinação.
● Le chemin du paradis – o caminho do paraíso – o abençoado Jerusalém: Caminhando pelo labirinto o
peregrino traçava o seu próprio caminho de vida, do nascimento à morte, o centro. A saída significava o
purgatório e a ressurreição.
O labirinto de Chartres é feito em mármore azul e pedra calcárea, sendo uma adaptação do
desenho do labirinto medieval, com a repetição de idênticos quadrantes, e tem o centro
ocupado por seis absides (fig 7). FERRÉ12 especifica que o labirinto tem um diâmetro de
13,95 mt e foi construído dentro dos princípios da geometria usada na construção das
catedrais da época. A distância da porta de entrada da catedral até o labirinto e da porta até
o vitral de roseta (Figs 8 e 9) é a mesma, assim como o diâmetro da roseta e do labirinto
também é o mesmo. (Fig 10)
Os versos do Miserere (Salmo 51) estão gravados no caminho de pedra branca.
Fig 8 labirinto
Fig 9 – Porta de entrada e
Roseta da fachada oeste – disponível em
vista do labirinto – disponível em
http://www.mymaze.de/home_e.htm
http://www.paxworks.com/Chartres/
http://www.paxworks.com/Chartres/
Fig 10 – Vista do
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
_____________________________
12
12 – FERRÉ, Robert. Fundador da página virtual Labyrinth Enterprises, autor dos livros Church
Labyrinth, The Labyrinth revival, Origin, Symbolism and Design of Chartres
Labyrinth, co-autor com Jeff Saward de Through the Labyrinth.
Disponível em www.labyrinthenterprizes.com
Como cita GOMBRICH, os pintores do século XV observavam a natureza para, em pinturas,
contar a história da religião. No século seguinte passam a fazer esboços fiéis de plantas e
animais, para só então depois pintá-los: é o final da arte medieval e o início da Renascença.
Segundo BERRAL13, na Idade Média o homem preocupava-se com Deus e a partir da
Renascença volta as suas atenções para o mundo. Pode-se notar então um período de
pujança cultural, de descobertas científicas e crescimento do comércio. Ainda segundo a
autora, vê-se o homem tomando consciência dos seus talentos e capacidades, uma das
características do verdadeiro sentido do renascimento.
Um bom exemplo dessa época é Lorenzo de Médici, homem que expressava os seus muitos
talentos por meio da música, política, finanças e poesia. Para ser possível a compreensão
da época, é necessário que se perceba que no século XV a aceitação social era baseada no
homem versátil e assim, muitos artistas como Vassari e Alberti eram também arquitetos,
escultores, pintores, poetas.
Segundo BERRAL, eram esses artistas que freqüentemente planejavam os jardins dos
castelos e villas, que projetavam como arquitetos (Fig 11).
Fig 11 - Villa Medici em Fiesole –
Disponível em http://www.lih.gre.ac.uk/histhe/alberti.htm
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
13
Os labirintos nos jardins
Com relação ao surgimento dos labirintos nos jardins do renascimento, encontramos
referências em TEYSSOT14, que nos mostra a importância teórica que o tema tinha naquela
época. Como cita o autor, ALBERTI15 não menciona os labirintos, mas já contribui para um
planejamento paisagístico mais idealista e humanista, que permitia variações e alterações
nos projetos. O autor relata também que FILARETE16 foi o primeiro a apresentar um projeto
para labirinto, planejado para o parque real do rei Zogalia.
_____________________________
13 – BERRAL, Julia. The Garden, p109
14 – TEYSSOT, Georges and MOSSER, Monique - Editors. The History of Garden Design – Thames
and Hudson, p84
15 – ALBERTI, Leon Battista. De Re Aedificatoria, citado em TEYSSOT, p84
16 – FILARETE, Antonio. Trattato di architettura – Book 15, p 121, citado em TEYSSOT, p84
Fig 12
Labirinto de Serlio – Século XVI – Disponível em
http://www.sacred-texts.com/etc/ml/ml17.htm
Desenhos de labirintos aparecem também em projetos para jardins executados por
Sebastiano Serlio (Fig 12) em 1537, em Veneza, mas segundo MOORE17, já se tinha
conhecimento de labirintos cortados em relvados do lado de fora das igrejas, desde a Idade
Media. Há alusões de Shakespeare (1564-1616) aos labirintos no relvado e como nele se
podia caminhar, ou perder-se:
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
14
" Thou mayst not wander in that labyrinth; there Minotaurs and ugly treasons lurk" Suffolk in Henry VI, Parte I, Ato 5, Cena 3
" What, lost in the labyrinth of thy fury!" - Thersites in Troilus and Cressida, Ato 2,
Cena 33
" The quaint mazes in the wanton green, for lack of tread are
undistinguishable." - Titania in Midsummer Night's Dream, Ato 2, Cena 1
"Here's a maze trod indeed, through forth-rights and meanders!"
Gonzalo in The Tempest, Ato 3, Cena 3
O mesmo autor comenta que, embora referências fossem feitas aos labirintos,
representativos exemplos aparecem só mais tarde, mais precisamente na terceira década do
século XV.
Os labirintos nos jardins franceses começam então a aparecer com mais freqüência e assim
o seu significado religioso, do caminho único que conduzia à purificação os peregrinos
pecaminosos, transforma-se numa invenção secular que oferece entretenimento e diversão
(Fig 13)
Fig 13 - Projetos de Du Cerceau's
para mazes em Charleval e no jardim
do Palacio do Arcebispo de
Rouen at Gaillon – Disponível em
http://www.sacred-texts.com/etc/ml/ml17.htm
_____________________________
17 – MOORE, Charles W.. The Poetics of Garden, 1988 - p 46
A compreensão da diferença entre labirinto, maze ou irrgarten é permitida nos estudos de H.
KERN18:
Maze ou Irrgarten: traçado onde alguém pode perder-se com facilidade, já
que
possui traçado intricado, com becos sem saída. Irracional, inspira medo, enquanto o labirinto
ilumina o espírito e transmite paz (Fig 14)
Labirinto: consiste em um único caminho, com voltas que serpenteiam em
sentido não necessariamente circular, que leva a um ponto central (Fig 15)
PAISAGENS EM DEBATE
Fig 14 - Maze
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
- Castle Hill, Ipswich, MA
15
Fig 15 Labirinto Clássico
Disponível em http://www.labyrinthos.net/f_intro.htm
BERRAL também cita a confusão causada pelos termos, que freqüentemente são usados
como sinônimos, e complementa que há escritores ingleses que afirmam que o labirinto
libera os caminhos que o maze bloqueia e que ainda outros escritores consideram que o
labirinto seria sempre alto e o maze de cercas vivas baixas.
Nesse sentido, a Enciclopédia Britânica (p 561) não faz diferença entre as palavras, quando
explica que um labirinto ou maze significa uma intricada rede de caminhos de cercas vivas,
na qual se tem dificuldade de encontrar o centro ou a saída.
Finalmente, a respeito da confusão criada pelos termos, citamos novamente TEYSSOT, que
comenta que tal confusão surge a partir do século XVI, quando os labirintos tornam-se
frequentes nos jardins e que o problema da escolha do caminho certo constitui um jogo de
chances "calculado para atrair o espírito da época". A excitante confusão criada pelo desafio
da escolha certa, dentre as muitas alternativas, era um jogo atraente que, naquele tempo,
fascinava os cortesãos frívolos e hedonistas.
O mesmo autor comenta que em torno de 1540 um Irrgarten foi plantado em Alcazar, Sevilha,
por Charles V e também um outro, em comemoração à festividades da época, nos arredores
do Palazzo del Te (Fig 16), próximo à Mantua, que possivelmente foi parte de um projeto de
Giulio Romano, morto em 1546.
_____________________________
18 – KERN, H.. Labirinti – Forme e interpretazioni. 5000 anni di presenza di um archetipo. Manuale e filo
conduttore – Milão, 1981 (citado em Teyssot)
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
Fig 16 Palazzo del Te – Mantua
Disponível em:
http://www.bluffton.edu/~sullivanm/delte/delte.html
16
Fig 16 - Detalhe - Palazzo del Te - Irrgarten
Desenho de M. van Heemskerck
The History of Garden Design – T. & Hudson
Autores fazem referência à esses jardins como cenários de jogos de amor. BERRAL, por
exemplo, cita os jardins de Villandry, no Vale d'Loire. De inspiração gótica, o jardim era
composto de quatro grandes compartimentos em formato de coração com labaredas,
representando o "l'amour tendre". Uma segunda área, formada por canteiros de rosas
vermelhas que invocavam lâminas cortantes, retratava o "amor trágico". O terceiro espaço
era a reservado ao "amor volúvel", com borboletas, crisálidas e representações de cartas
dobradas. Finalmente o quarto e último, na descrição da autora, era o compartimento das
"folias do amor". Composto de topiária e flores coloridas representando corações, uma das
suas extremidades continha um labirinto, cuja cópia pode ser vista em gravuras de Androuet
Du Cerceau.
A compreensão da dinâmica do labirinto de jardim é realizada quando TEYSSOT menciona a
tradição de música e poesia que existia na corte de Mantua, onde a imagem de Labirinto do
Amor freqüentemente se repetia. Nesse sentido, percebemos que o Palazzo del Te era o
cenário perfeito para a exaltação do amor de Federico II Gonzaga e Izabella Boschetti.
Os labirintos se constituem então a moldura adequada para os jogos do amor, e simboliza
também o dualismo de sorte e azar, prazer e sofrimento, que podemos entender como parte
da realização do amor.
Ainda sobre os labirintos ou mazes de Mantua, o mesmo autor apresenta outro projeto, de
maior escala, instalado por Gabriele Bertazzolo ao sul do Palazzo del Te, em 1607. Os
planos para esse labirinto estão descritos pelo próprio Bertazzolo no Urbis Mantuae
Descriptio (1628):
"...é de um tamanho tão grande que, para se chegar ao centro,
deve-se percorrer um caminho de mais de 2 milhas, e no caso de
se tomar um caminho errado essa distância pode aumentar. Este
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
17
caminho é suficientemente largo para nele transitarem cavalos e
carruagens..."(citado em TEYSSOT, p84)
A análise de TEYSSOT sobre os labirintos menciona vários outros jardins, como os de Villa
d'Este, com quatro projetos de Pirro Ligorino desenhados em 1560, dos quais apenas dois
foram executados. O autor comenta que os explêndidos desenhos desses labirintos são
retratados por Dupérac (1573).
Também em Villa Lante, em Bagnaia, próximo a Viterbo, um labirinto foi construído, como
ilustram gravuras de Tarquinio Ligustri (1596) e Giacomo Lauro (1612). Também descritos
por TEYSSOT estão os labirintos do Château de Charleval em Normandy, desenhados em
torno de 1560 para Charles IX da França.
Fig 17 - Labirintos florais, de Vries – Imagens disponíveis em
http://www.sacred-texts.com/etc/ml/ml16.htm
Sobre projetos de jardins, Johan Vredeman de Vries (Fig 17) comenta em seu Hortorum
Formae (1583)19, que desenhos de jardins não eram novidade naquela época. E explica o
que na Inglaterra, o autor de Profitable Art of Gardening (1568) Thomas Hill, publica em 1577
The Gardener's Labyrinth, com diversos projetos para jardins (Fig 18 e 19).
Segundo TEYSSOT (p84), além de Vredeman de Vries, outros autores da época discutiam o
conceito teórico do labirinto: Thomas Hill20, Hans Puec 21, além de Lelio Pittoni22 (Fig 20 e 21)
Fig 18 - Villa d'Este – Tivoli, Italia
Fig 19 - Villa Altieri, Roma, Itali
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
Fig 20 Projeto para maze – Puec
18
Fig 21 Projeto para maze – de Vries
_____________________________
19 – Citado por Ulbe Martin Mehrtens, p103
20 - HILL, Thomas. The Profitable Art of Gardening – 1568
21 - PUEC, Hans. Tratado sobre jardins em formato de manuscrito, hoje no Museu Dumbarton Oaks, em
Washington D.C.
22 – PITTONI, Lelio. Gli artifitiosi, varii, et intricati quatro libri di laberinti, manuscrito de 1611, hoje em Florença,
na Biblioteca Nazionale Centrale.
Fig 22 - Argenville, France
Fig 23 - Choisy, France
Disponível no site http://www.labyrinthos.net/graphics05.htm
Figs 24 e 25 - Labirintos herbáceos – Thomas Hill – 1579
no site http://www.sacred-texts.com/etc/ml/ml16.htm
Disponível
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
19
Ainda como exemplos de jardins com labirintos no século XVI, Berral cita o Château de
Vernevil, com um jardim dos prazeres com flores, canais de água, e jardins gastronômicos.
Nele, um labirinto de plantas de pequeno porte, como lavanda, manjericão, menta e tomilho.
A autora comenta sobre os elementos decorativos para jardins, compostos por vasos sobre
colunas, estátuas, além dos jardins de nós plantados com ervas, encontrados em diversos
outros jardins da época
(Figs 22,23,24,25) .
A água era presença importante nos jardins do século XVI, comenta TEYSSOT. Um
esquema proposto por Agostino del Riccio23 para um jardim real, continha quatro labirintos,
com grutas, jogos de água e estátuas. Os labirintos eram desenhados em forma de mazes e
del Riccio faz referência a eles e ao seu significado simbólico, numa clara alusão ao mito de
Theseus e Ariadne, e ao amor que aparece implícito:
"para não se perder, faça como a amante donzela, que amarrou a
ponta de um novelo de linha na entrada do labirinto, de maneira
que se pudesse retraçar o caminho de volta do centro e escapar
da morte; fazendo isso você sempre encontrará a saída de todos
os labirintos".
Em sua reflexão, TEYSSOT comenta a importância dos labirintos nos jardins da Renascença,
cujo significado está demonstrado num grande número de ilustrações que podem ser
reconhecidas em KERN (p 328)24, sendo a mais marcante delas a pintura do estúdio de
Tintoretto, de c.1550, agora em Hampton Court25.
_____________________________
23 – RICCIO, Agostino del. Del Giardino de um re, ed. por D. Heikamp, em Il giardino storico Italiano. Problemi
di Indagine. Fonti Leterarie e storiche (Florença 1981), citado em TEYSSOT, p86
24 – KERN, H.. Labirinti – Milão, 1981. Idem, p332.
25 – SHEARMAN, J.. The Early Italian Pictures in the Collection of Her Majesty The Queen Cambridge 1963 p.
248.
A família de Jacques Mollet (Fig 26) foi responsável, em 1651, pela publicação do livro Jardin
de Plaisir. Jacques e seu filho Claude eram mestres jardineiros e admiradores de parterres,
bosques e gramados, assim como também as alamedas de árvores que formavam as
valorizadas "patas de ganso". Berral nos facilita uma compreensão da época, em que
membros da corte francesa malgastavam o tempo passeando nos jardins e fazendo intrigas.
Figs. 95 and 96. Maze Designs by Andre Mollet, 1651.
Figs 26 – Projetos de Mollet - 1651
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
http://www.das-labyrinth.de/irrgarten/
20
http://www.sacred-texts.com/etc/ml/ml17.htm
Os jardins franceses já mostravam a influência italiana, com fontes, terraços, grutas. Mollet,
em seu tratado sobre jardins, já orienta:
"Entre as coisas que requerem a formação de um jardim, a
primeira consiste em plantar uma grande alameda com duas
fileiras de árvores perpendiculares à fachada anterior da casa; no
seu início deve-se traçar um grande semicírculo ou um quadrado.
Defronte a fachada posterior plantar-se-ão maciços, relvados,
bosques, passeios, procurando fazer com que os passeios
tenham como fundo alguma estátua ou fonte."26
Os jardins de Versailles
Para uma melhor compreensão da época, ROGERS27 nos aponta que na França do século
XVII a natureza da monarquia adquiria uma atitude mais funcional. Se antes os nobres
apreciavam os passeios, as temporadas de caça nas florestas reais, no tempo de Louis XIV
a situação se modifica quando o rei decide fazer do antigo alojamento de caça do pai, um
símbolo do crescimento do seu reinado.
Fig 27 O antigo Chateau - 1668 – Pierre Patel
Fig 28 O novo Chateau - 1675
Disponível no site oficial - http://www.chateauversailles.fr/en/110_Construction.php
____________________________
26 – MOLLET, André. 1651. Citado por NAVARRO, A. M. em El jardin de Versalles p11
27 – ROGERS, Elizabeth Barlow. Landscape Design . Harry N. Abrams, 2001
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
21
As mudanças ocorrem entre 1660 e 1685, transformando completamente o chateau e dando
ao local uma visibilidade espetacular. Os projetos de Louis LeVau, Jules Hardovin-Mansart,
André LeNôtre (jardins) e Charles LeBrum (decoração), combinados à astúcia do rei, fazem
da história de Versailles, a história da civilização.
Fig 29
Fig 30
A Corte de Versailles
Disponível em http://www.chateauversailles.fr/en/311_A_Day_with_the_Sun_King.php
PAYNE28 comenta que em Versailles podia-se ver, na época, o movimento dos costumes, da
diplomacia, das artes e de toda a cultura que fazia a Europa fervilhar (Fig 29 e 30).
A dança, o teatro e a música adquirem status mais alto com a fundação das academias reais
de música e dança. Molière e seu grupo de atores são os precursores da Comédia Francesa
e a cultura floresce, graças ao seu patrono
Louis XIV, que regulava a corte como um
relógio, de maneira que os empregados do monarca sabiam exatamente como, quando e
como fazer. À esse respeito, o Duque de Saint-Simon comenta sobre o rei:
"Com um calendário e um relógio, mesmo à distância de 300
léguas, pode-se dizer exatamente o que ele está fazendo."29
Segundo DURANT30, em 1664 a corte seria formada por aproximadamente 600 pessoas,
sendo a família real, a alta nobreza, os diplomatas estrangeiros, e a criadagem. Ser
convidado para a corte, por um dia que fosse, nos conta o autor, seria um momento de
êxtase.
O esplendor da corte devia-se não só ao mobiliário dos apartamentos, mas também aos
trajes das cortesãs, ao poder dos homens e beleza das mulheres, que atraiam para lá o
dinheiro e poder. A corte era cenário de adultério, apostas, intrigas apaixonadas por prestígio
e poder, extravagância no vestir, sendo que tudo estava impregnado de refinamento e
maneiras elegantes, e um divertimento quase que compulsório.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
22
___________________________
28 – PAYNE, Francis Loring, The Story of Versailles, NY, disponível no site www.gutemberg.org – collection of
free eletronic books – fundado em 1971.
29 – www.chateauversailles.fr – site oficial do palácio, visitado em 07/2005
30 – DURANT, Will and Ariel. The story of civilization, Part III: The Age of Louis XIV. Simon and Schuster – 1963,
p31
Para manter a corte livre do tédio era necessário planejar caçadas, jogos, jantares, danças,
balés, banhos e passeios de toda sorte, além de peças de teatro e óperas.
O autor nos chama a atenção para a imagem de paraíso que Versailles adquiria quando o rei
liderava a sua corte em passeios de barco pelo canal, ao som de canto e instrumentos
musicais, em um cenário mágico iluminado por tochas e à luz de um céu estrelado. A água
era bombeada do Rio Loire, 200 Km distante (Figs 31 e 32).
Fig 31 - O Grande Canal
Fig 32 - O sistema de bombeamento de água
Disponível em http://www.chateauversailles.fr/en/132_The_Grand_Park.php
O pai do rei tinha construído o seu modesto alojamento em 1624 e os primeiros jardins de
Versailles, feitos previamente para o local, eram compostos de dois pomares e algumas
parterres de flores e arbustos podados. LeNôtre aceita o desafio de melhorar o projeto
desenhado anteriormente por Jacques Boyceau (PAYNE). Amplia estão os jardins em uma
escala monumental e, com genialidade, constrói uma releitura dos antigos jardins franceses
do Renascimento com clareza, simplicidade e refinamento, criando um novo estilo de
arquitetura paisagística
(Fig 33 e 34).
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
Fig 33 - O Palacio e jardins
Fig 34 - O Trianon
23
http://www.chateauversailles.fr/en/132_The_Grand_Park.php
O paisagista, comenta DURANT (1963), percebe no terreno levemente acidentado e na rica
vegetação, a grande possibilidade de uma jardinagem artística. Usando a experiência
anteriormente adquirida na construção dos jardins do Trianon, Saint-Cloud, Merly, Clagny,
Chantilly e das Tuleries, além da parterre do Tiber em Fontainebleau, que já haviam lhe dado
alta reputação, projeta jardins de subdivisões geométricas, numa genial demonstração de
criatividade, capaz de promover uma organização racional em local de condições
desfavoráveis.
Como nos mostra ROGERS (2001), LeNôtre cria parterres, fontes, canais, estrelas, jogos de
água, bosques contendo esculturas, cascatas, pirâmide, tapetes verdes, que irão servir de
inspiração para milhares de outras criações para outros jardins no mundo todo. Em 1662 ele
apresenta a Louis XIV um plano geral dos jardins que, além de uma obra prima, era um
convite para a vida do lado de fora do palácio.
Segundo DURANT (1963), é injusto pensar que Louis XIV fez de Versailles sua residência e
playground, já que ele próprio ocupava uma moderada fração de toda essa estrutura. A
maior parte era ocupada pela esposa, filhos e netos, além da sua amante, das delegações
estrangeiras e da corte, sem contar a administração e todos os empregados que a vida no
local exigia.
Uma das atrações dos jardins era o labirinto, como nos descreve um guia ilustrado (Fig 35),
impresso em Amsterdan em 1682 (PAYNE, 1919):
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
Fig 35
"Leitor cortês, é bem conhecido como a notável França e
especialmente a corte real distingue-se de todos os outros lugares
pelos seus costumes e encantos. A admirável feira "Edifícios e
Jardins", com os mais possíveis e imagináveis ornamentos, além dos
seus deliciosos espetáculos, representam aos olhos do observador
uma quantidade abundante de ricos objetos que arrebatam o
espectador. Dentre todos esses trabalhos, nada é mais prazeiroso
do que os jardins reais de Versailles e, nele, o Labirinto.
Outras representações são comumente consideradas por darem
prazer aos olhos, mas esta, não só por encantarem os ouvidos e os
olhos, mas também por instruir e edificar.
Esse labirinto está situado em um bosque tão agradável que o
próprio Dédalo teria parado, surpreso, para observá-lo.
As curvas e espiralados, delimitados em ambas as extremidades
com sebes podadas, não são de maneira alguma entediosos, pela
razão de que, a cada momento, há figuras e movimento d'água,
representando as misteriosas e instrutivas fábulas de Esopo (Figs
36), com uma explicação de que fábula cada fonte representa,
gravado na base de mármore negro. Dentre todos os bosques do
parque de Versailles, o do labirinto é o mais recomendado, tanto pela
inovação do desenho, como também pela quantidade e diversidade
de fontes que, com ingenuidade, expressa a filosofia do sábio Esopo.
Os animais de metal colorido são tão reais que parecem estar
verdadeiramente em ação. E os jatos de água que saem de suas
bocas nos fazem imaginar que carregam as palavras das fábulas
que eles representam. Há um grande número de fontes, 40 ao todo,
cada uma de um tópico diferente e de um estilo de decoração que se
confunde com o entorno verde. Na entrada do lago há uma estátua
de bronze de Esopo, o famoso mitólogo de Frigia".
Figs 36 - conjunto
24
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
A lebre e a tartaruga
A raposa e o galo
25
A cobra e o porco-espinho
Imagens disponíveis no site http://www.sacred-texts.com/etc/ml/ml17.htm
O próprio Louis XIV, em seu roteiro de visita aos jardins, refere-se ao labirinto (Fig
37):
"5 - Descerá por uma rampa à direita e passará pelo
jardim das laranjas, indo direto à fonte de onde se observará a
Orangerie; se passará pelas avenidas de grandes laranjeiras e logo
à Orangerie coberta, e sairá pelo vestíbulo de trás do labirinto.
6 – Se entrará no labirinto e logo se terá chegado aos
patos e cachorro, e se voltará para sair por detrás do Baco".
Fig 37 – Detalhe do labirinto http://www.smithsonianmag.si.edu/journeys/01/jul01/destinations.html
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
26
SYKES31 comenta sobre o guia, encontrado por ela no acervo da biblioteca do Smithsonian's
Cooper-Hewitt. Trata-se de uma edição anterior, de 1679, do mesmo Labyrinthe de Versailles.
Eis o seu comentário:
"Inesperadamente, os meus olhos foram atraídos para um livro
encadernado em couro (Fig 38), de um vermelho brilhante, com
gravações em ouro. Meu coração pulou – a palavra "labirinto" me
emocionava desde criança, pela magia que um maze de
proporções míticas encerra, dentro do qual alguém pode perder-se.
E aqui estava em minhas mãos o livro-guia do labirinto de
Versailles, há tanto tempo construído por Louis XIV, um homem
que nunca fez nada pela metade".32
Fig 38 Livro-guia do Labirinto de Versailles
Imagens disponíveis no site
http://www.smithsonianmag.si.edu/journeys/01/jul01/destinations.html
SYKES conta que folheou as páginas de fibra de algodão do pequeno volume, que seria uma
das 18 cópias existentes nos Estados Unidos. Ela comenta da emoção causada pelo próprio
labirinto, criado por Louis XIV para o seu filho, o futuro rei da França, como uma espécie de
ferramenta didática, considerando-se que cada fonte representava uma fábula de Esopo. As
fábulas serviriam de lições de moral para o jovem príncipe aprender, entre outras coisas,
ciúme, ignorância e decepção, comenta SYKES. O editor do guia, Charles Perrault que
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
33
publicava também panfletos de contos de fadas
tido participação direta na construção do labirinto.
27
como Cinderela e A Bela e a Fera, teria
A edição trazia impressa também as instruções de como sair do labirinto.
____________________________
31 – SYKES, Amanda Crider. Decorative Arts Consultant and Decorative Arts Instructor – New School
University, NY – Parsons Scholl of Design - http://www.parsons.edu/about/index.aspx (consultado em 05/2005)
32 – Citado na Revista do Instituto Smithsonian (julho de 2001), no site:
http://www.smithsonianmag.si.edu/journeys/01/jul01/destinations.html, visitado em 07/2005. Visite o tour virtual
do Labirinto de Versailles, no mesmo site.
33 – Relação das fábulas editadas por Perrault, encontrada no site:
http://www.canadiancontent.net/en/jd/go?Url=http://www.angelfire.com/nb/classillus/images/perrault/perra.html
(observe no site que as edições contém lindas ilustrações de Gustave Doré)
SYKES comenta ainda que o labirinto, posteriormente considerado fora de moda no reinado
de Louis XVI, fora destruído em 1774, para dar lugar ao Bosque da Rainha.
Buscando-se uma razão para esse fato, pode-se encontrar textos de vários autores que
descrevem as mudanças ocorridas na época e que afetaram o formato dos jardins, liderando
uma busca pela natureza em detrimento dos padrões estéticos que privilegiavam os
ambientes externos artificialmente construídos.
Thomas34 cita que na Inglaterra do século XVII, cultivar árvores nas propriedades poderia
significar elevação do valor da terra. Segundo o autor, no século XVIII, de acordo com
registros de propriedades, o lucro com a extração de madeira já podia ser comparado ao
rendimento de um campo de trigo ou mesmo o de uma pastagem.
Também LACEY35 nos mostra que no século XVIII teria havido um movimento de retorno à
natureza e negação à idéia dos jardins com excesso de decoração artificial, como a topiaria.
A autora observa ainda que os excessos da arte da topiária e a proliferação dos adornos
teria levado o século XVIII a um movimento contra esse tipo de recurso, o que teria causado,
ao longo de 50 anos, entre 1740 e 1790, uma mudança radical nos jardins da Inglaterra.
CLARK36 cita o poeta Alexander Pope como um dos personagens daquele cenário,
defendendo enfaticamente o retorno à natureza e encorajando o conceito do "gênio do lugar",
o que parece ser a quinta-essência da paisagem inglesa que surge então na metade do
século XVIII. São de Pope os poemas que se seguem.
First follow Nature, and your judgment frame
By her just standard, which is still the same;
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
28
Unerring Nature, still divinely bright,
One clear, unchanged, and universal light,
Life, force, and beauty must to all impart,
At once the source, and end, and test of art.
An Essay on Criticism
Consult the genius of the place in all;
That tells the waters or to rise, or fall,
Or helps th’ ambitious hill the heavens to scale,
Or scoops in circling theatres the vale;
Calls in the country, catches opening glades,
Joins willing woods, and varies shades from shades;
Now breaks, or now directs, th’ intending lines,
Paints as you plant, and as you work, designs“
Epistle to Burlington, ll. 57-64
"Something there is, more needful than expense,
And something previous ev’n to taste ‘tis sense:
Good sense, which only is the gift of heaven,
And though no science, fairly worth the seven:
A light, which in yourself you must perceive;
Jones and Le Nôtre have it not to give.
Idem, ll. 41-6)
_____________________________
34 – THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural – Companhia das Letras, p238
35 – LACEY, Geraldine. Creating Topiary – Garden Art Press, p11
36 - CLARK, Robert. University of East Anglia e HOLMES, Caroline. Institute of Continuing Education,
University of Cambridge. Primeira publicação em 04 November 2004. Do site
http://www.litencyc.com/php/stopics.php?rec=true&UID=1509 ©The Literary Encyclopedia
Também a esse respeito, CLARK cita a influência italiana que, ao contrário da francesa,
preferia a combinação do natural com o artificial, do ornamento com o prático, do jardim
cultivado com a vegetação espontânea.
O autor faz referência à afirmações surgidas na metade do século XVIII, como a de John
Evelyn, em Elysium Britannicum, que orienta o jardineiro a cuidar para que o seu projeto
"combine com a natureza do lugar", e também a de Joseph Addison que publicou no The
Spectator que "nós devemos honrar a natureza ao invés de nos desviarmos dela".
O estilo do paisagismo inglês da época mostrava-se de muito mais fácil manutenção, sem
mencionar o seu baixo custo: o relvado podia ser usado como pasto, as árvores como um
investimento de longo prazo, o lago usado para pesca de subsistência e todo esse cenário
poderia ser usado como criadouro de faisões, que seriam posteriormente caçados, e
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
29
serviriam de caça para os seus predadores, como a raposa, alvo também dos tiros das
novas gerações de rifles recém-desenvolvidos (CLARK).
Uma área assim poderia fazer parte de propriedades mais modestas, ao contrário dos jardins
formais, cenários das grandes e ricas residências. Além disso, a retomada do plantio das
árvores, mesmo as coníferas de rápido crescimento, era essencial para a preservação da
caça.
TOBEY explica essa passagem citando que a Idade Média foi um período de reorganização
social, em que as formas retilíneas e geométricas foram substituídas por uma composição
mais sofisticada, baseada nas necessidades pessoais. Durante e logo depois da
Renascença, continua o autor, a riqueza e o poder exigem uma geometria sofisticada e, com
a chegada do século XVIII e a revolução industrial, uma nova consciência social surge na
sociedade.
K. CLARK37 também registra a mudança de mentalidade da época, citando que a elite
francesa de então não era composta por um grupo de good-timers que estavam na moda,
mas sim de filósofos e cientistas da maior importância que queriam mudar a sociedade.
Uma das mentes mais originais e notáveis da época, citado por K. CLARK, é Rousseau38,
um gênio incompreendido. Amante da vida ao ar livre e observador da natureza, ele teria
comentado, ouvindo o fluxo e refluxo das ondas do mar, que aquela experiência tinha feito
com que ele se sentisse tomado pela natureza, perdido a consciência, esquecido todas as
memórias do passado e a ansiedade do futuro. Tudo, menos o sentido de ser. "Eu percebo",
teria dito ele, "que a nossa existência é nada além da sucessão de momentos percebidos
pelos sentidos".
Segundo K. CLARK, acreditava-se que o homem natural seria então superior ao sofisticado.
_____________________________
37 – CLARK, Kenneth, Civilization. British Broadcasting Corporation, 1969
38 – ROUSSEAU, Jean Jacques (1712-78) Filósofo franco-suíço, escritor, compositor.
ROGERS (2001) também contribui para o entendimento das mudanças ocorridas na época,
citando a obra de Thomas Whately, Observations on Modern Gardening, de 1770.
Conceituado conhecedor da arte do paisagismo, escreve sobre as mudanças da paisagem
que, livre da repressão da regularidade, permite o surgimento de importantes jardins
desenhados no século XVIII e o entendimento da transformação da estética da paisagem ao
longo do século. A abordagem naturalista que Whately recomendava, valorizando o uso de
elementos naturais como terra, madeira, água e pedras, encontra receptividade na França.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
30
. "Water . . . which, though not absolutely necessary to a beautiful composition, yet
occurs so often, and is so capital a feature, that is is always regretted when wanting;
and no large place can be supposed, a little spot can hardly be imagined in which it
may not be agreeable; it accommodates itself to every situation; is the most interesting
object in a landscape, and the happiest circumstance in a retired recess; captivates the
eye at a distance; invites approach, and is delightful when near; it refreshes an open
exposure; it animates a shade; cheers the dreariness of a waste, and enriches the
most crowded view; in form, in style, and in extent, may be made equal to the greatest
compositions, or adapted to the least; it may spread in a calm expanse to sooth the
tranquillity of a peaceful scene; or hurrying along a devious course, add splendor to a
gay, and extravagance to a romantic situation."
Thomas
Whately
Observations on Modern Gardening, 1770
Disponível em http://zaadz.com/quotes/authors/thomas_whately/
As idéias que Whately defende são baseadas nas teorias de Edmund Burke (1729-1797),
autor de A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful,
onde ele explica a relação de certas emoções humanas com as impressões sensoriais. O
autor refere-se às cenas que, por serem muito grandes, de cores penetrantes, e
irregularidade abrupta, causam sensações próximas ao medo e à ansiedade. A beleza não
seria encontrada nas proporções matemáticas de LeNôtre, mas sim nas qualidades da
delicadeza de uma topografia levemente ondulada, na música melodiosa, nas linhas curvas e
nas pequenas proporções.
Os labirintos no século XXI
Segundo SAWARD39, estudioso inglês considerado uma das autoridades no tema dos
labirintos, atualmente há um renascimento do labirinto como uma ferramenta espiritual. Em
diversas partes do mundo, comunidades, igrejas, escolas, parques, clubes, spas, retiros
espirituais e até prisões trabalham o tema labirinto como recreação e como um recurso antistress para a realidade atribulada dos grandes centros.
_____________________________
39 – SAWARD, Jeff. Disponível no site http://www.labyrinthos.net/
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
31
Hospitais desenvolvem experiências com os labirintos (Fig 39) como ferramenta de apoio
ao tratamento de doenças como o câncer40. O ato de se caminhar dentro de um labirinto,
segundo informação da Sociedade de Enfermagem para Oncologia , nos desperta para a
contemplação, reflexão e transformação. Meditar nos caminhos antigos da espiritualidade
ajuda a promover relaxamento, cura espiritual e pessoal, restabelece o corpo e a alma, além
de trazer de volta a serenidade perdida nos meandros da vida moderna.
Segundo informação disponível no site, caminhar por um labirinto é uma forma de
"psiconeuroimunologia" e pode ser um componente de uma abordagem integrada nos
cuidados com os pacientes. Os labirintos são uma ferramenta disponível para as enfermeiras
no tratamento oncológico, para ajudar pacientes a alcançar uma estado contemplativo e
alterado de consciência.
O site da American Cancer Society41 informa, com cautela, que não há evidência científica
de que a atividade de caminhar pelo labirinto possa ser usada para tratar câncer ou qualquer
outra doença. No entanto, continua o texto, muitos profissionais da área da saúde
consideram a atividade capaz de promover relaxamento e, por ser desestressante, capaz de
beneficiar a saúde como um todo.
Os pacientes que caminham pelo labirinto, ou são capazes de segui-los com os dedos,
informa ainda o site da sociedade, alcançam metas como paz interior, elevação da
espiritualidade, relaxamento, alívio do estresse, sabedoria interior.
Os labirintos estão ressurgindo com grande interesse também para arqueólogos e
historiadores que estão pesquisando e publicando informações sobre a sua origem, usos e
modos de construção.
Fig 39 - St. Luke's Hospital in St. Louis, Missouri - Disponível em:
enterprises.com/stlukes.html
http://www.labyrinth-
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
32
_____________________________
40 – Disponível no site da Oncology Nursing Society.
http://www.ons.org/publications/journals/CJON/Volume6/Issue5/0605295.asp
www.cancer.org/docroot/ETO/content/ETO_5_3X_Labyrinth_Walking.asp
41 –
Há inúmeros livros publicados, além de artigos em jornais e revistas. O periódico Caerdroia
- the Journal of Mazes and Labyrinths publica artigos sobre a história e o desenvolvimento
dos labirintos e mazes. Segundo SAWARD, seu editor, os labirintos nunca antes foram tão
populares. Sua imagem é usada em publicidade, jogos, filmes, títulos de artigos e uma
enorme quantidade de sítios aparecem disponíveis na Internet.
É possível encontrar também na Internet empresas oferecendo serviços de instalação de
labirintos dos mais variados tipos, como os portáteis, impressos em lonas plásticas e outros
materiais (Fig 40).
Labirinto de espelhos
Labirinto feitos de cercas
Labirintos no relvado do campo
Campos de milho
Labirintos em escolas
Labirintos em centros comerciais
PAISAGENS EM DEBATE
Feito de colcha de retalhos
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
Labirintos para se seguir com os dedos
33
Em quebra cabeças
Figs 40 - Labirintos fabricados por Arian Fisher
Disponível em http://www.mazemaker.com/photo_library.htm
Uma dessas empresas, a Adrian Fisher Maze Ltda42, é reconhecida em todo o mundo como
uma das principais no design de labirintos e, segundo informa FISHER, já possui mais de
300 labirintos instalados em 17 países. Conforme dados da empresa, esses labirintos estão
em jardins de palácios, castelos, zoológicos, parques, centros científicos, museus, escolas,
praças e até em fazendas, feitos de diferentes materiais e com vários temas. Um dos mais
surpreendentes seria o que foi instalado em 1993 numa fazenda da Pennsylvania – USA,
premiado quadro vezes pelo Guinness como o maior labirinto do mundo. FISHER é também
autor do livro Secrets of the maze.
Uma das experiências com labirintos mostradas no site de FISHER é o que o autor denomina
de "O primeiro maze multi-sensorial do mundo para cegos"43. Este maze foi construído
dutante o ano de 1993 na escola secundária inglesa do Royal National Institute for the Blind
(Fig 41). O local propicia a prática de acessibilidade para estudantes cegos e com baixavisão – esses exercícios podem ter até três anos de duração.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
34
Figs 41 – Royal National Institute for the Blind
_____________________________
42 – Disponível no site www.mazermaker.com - visitado em 06/2005
Disponível em www.mazemaker.com/Projects_RNIBCollege.htm - idem
43 –
Situações comumente encontradas nas cidades são simuladas ali: sinais verticais nas
calçadas, pequenos postes de concreto, barreiras, muros. O local estimula a percepção de
texturas, expondo os estudantes a 14 diferentes superfícies, algumas vezes instaladas uma
junto à outra, como num mostruário de texturas.
O treinamento inclui a percepção de espaços ocupados e vazios, que devem ser detectados
sem o recurso do toque, mas sim pela percepção do som e do movimento do ar. Cercas
vivas oferecem maior dificuldade neste aspecto, pois absorvem o som e não canalizam o
vento.Esse espaço simula também outras situações comumente encontradas nas cidades, e
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
35
expõe os estudantes ao uso dos telefones públicos, e dos sinais luminosos acionados
pelos pedestres.
Como os espaços tridimensionais sempre oferecem dificuldades para os cegos, há mudança
de níveis, uma torre central, duas pontes, e uma simulação de plataforma de estação de trem.
As pontes naturalmente têm corrimãos, explica o texto do site, para a prática segura da
subida e descida. A torre central, com sua escada em caracol, proporciona uma experiência
de espaço interno pouco comum.
FISHER comenta que o som pode ser usado para entender o que nos cerca. Sua reflexão
nos mostra quão bem as crianças da cidade usufruem das experiências em passeios no
campo, onde os sons são diferentes dos da cidade. O maze procura então repetir essas
situações: um longo túnel de metal com cascalho (ou outro tipo de material que provoque
ruído ao seu pisado) produz um incrível eco, quando as crianças por lá passeiam.
A água também se apresenta como elemento didático no local, na figura de fontes que expõe
os estudantes aos respingos, ao excesso de umidade, ao ruído dos jatos e da queda d'água
da cascata.
O projeto contempla também os estudantes com baixa-visão – apenas 2% dos portadores de
deficiência visual são totalmente cegos. Um maze de plástico de cores vivas propõe a
solução de um quebra-cabeças.
O maze oferece também estímulo às emoções, como o medo de se sentir trancado em um
espaço, ou grades de escoamento de água que prendem a ponta das bengalas. Mas
apresenta igualmente situações de relaxamento, como a encontrada em um jardim de
fragrâncias. É possível também jogar xadrez em um tabuleiro gigante texturizado, ou
caminhar por um maze tentando alcançar a torre central.
O espaço foi criado, segundo FISHER, para ser construído em 48 horas, para o programa
Challenge Anneka, da BBC 1 de Londres, e que foi ao ar em setembro de 1993. Mais de 100
funcionários trabalharam noite e dia, com material doado por empresas.
Conclusão
Como esta pesquisa procurou mostrar, os labirintos continuam fascinando as pessoas até os
dias de hoje. Na antiguidade, esse fascínio encerrava um componente mágico e mitológico.
Posteriormente, nas igrejas, a religião concedia a busca do perdão e, nos caminhos da
peregrinação, a conquista da salvação. Mais tarde, nos jardins, surge o labirinto como a
busca do prazer e o fascínio dos encantos do amor.
Hoje encontramos os labirintos em um aparente resgate do seu significado, menos no
sentido religioso, mais numa busca interior, com um forte componente de cura. Os labirintos
do nosso século prestam-se, com o seu sentido espiritual, tanto à percepção da sensibilidade
quanto à cura do estresse pela meditação.
Eles se fazem também presentes na publicidade, em metáforas descritas em textos de livros
e
jornais,
nas
artes,
nos
jogos
infantis,
na
literatura.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
36
Podemos perceber assim que de maneira alguma ele deixou de exercer o antigo fascínio
que ao longo de quase 5 mil anos encanta a humanidade.
A Europa vive um revival, um renascimento do interesse pelos labirintos, desde meados dos
anos 70. Uma quantidade de títulos tem sido publicada, desde então, sobre o assunto. O ano
de 1991 foi designado "The year of the Maze", pelo English Tourist Board, como o tema
turístico daquele ano, o que incentivou a instalação de inúmeros novos labirintos, a
publicação de novos títulos, diversas matérias publicitárias, além de eventos que culminaram
com uma conferência internacional, a Labyrinth'91, realizada em julho de 1991, em Saffron
Walden. Naquela ocasião foi comemorada a recuperação de um importante labirinto do
século XIX, feito com cerca viva, em Bridge End Gardens.
Nos Estados Unidos essa retomada de interesse deu-se nos anos 80 e estaria ligada à Igreja
Episcopal , na figura da Reverenda Dra Lauren Artress, autora do livro Walking a Sacred
Path e responsável pela instalação de dois labirintos no interior e exterior da Grace Cathedral,
em São Francisco, visitado por aproximadamente 1 milhão de pessoas em cinco anos.
Além dos labirintos em igrejas, na metade dos anos 80 SAWARD ocupa-se com a edição de
publicações, além da instalação de labirintos em centros de convenções, parques e escolas.
Nos anos de 1995 e 1996 são organizadas duas conferências nacionais, o que aumenta o
interesse pelo tema.
Cada vez mais procurados nos Estados Unidos, os labirintos são motivos de pesquisa em
centros educacionais e de lazer. Surge a demanda para os labirintos portáteis, impressos ou
pintados em lonas plásticas e transportados para locais de eventos. Extremamente populares,
labirintos são encontrados hoje em escolas, igrejas, hospitais, prisões, jardins particulares e
parques públicos.
No Brasil não há conhecimento de labirintos feitos com cerca viva ou instalados em pisos ou
ainda usados na prática de acessibilidade para portadores de deficiências. As bibliotecas
reúnem pouquíssimos títulos, nas seções de literatura, poesia, arquitetura, paisagismo,
psicologia, em sua maior parte publicações importadas. Nota-se, porém, acentuado interesse
das pessoas, quando o assunto é mencionado.
Bibliografia consultada
BERRAL, Julia. The Garden
BROOKE, Christopher. Popular Religions in the Middle Ages:Thames and Hudson
CAMPBELL, Joseph. O poder do Mito: Palas Athena, 1990
CLARK, Kenneth, Civilization. British Broadcasting Corporation, 1969
CLIFFORD, Derek, A History of garden design
DURANT, Will and Ariel. The story of civilization, Part III: The Age of Louis XIV. Simon and
Schuster – 1963
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
37
GOMBRICH. História da Arte, 13ª edição, 1977
LACEY, Geraldine. Creating Topiary – Garden Art Press
MOORE, Charles W.. The Poetics of Garden, 1988
NAVARRO, A. M. em El jardin de Versalles
PAYNE, Francis Loring, The Story of Versailles, NY, disponível no site www.gutemberg.org –
collection of free eletronic books – fundado em 1971.
ROGERS, Elizabeth Barlow. Landscape Design . Harry N. Abrams, 2001
TEYSSOT, Georges and MOSSER, Monique - Editors. The History of Garden Design
Thames and Hudson
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural – Companhia das Letras
Referências eletrônicas
www.alambix.uquebec.ca
www.bc.edu
www.beloit.edu/~arthist/historyofart/gothic/gothic.htm
www.bluffton.edu/~sullivanm/delte/delte.htm
www.canadiancontent.net/en/jd/go?Url=http://www.angelfire.com/nb/classillus/images/perrault
/perra.html
www.cancer.org/docroot/ETO/content/ETO_5_3X_Labyrinth_Walking.asp
www.chateauversailles.fr
www.chateauversailles.fr/en/110_Construction.php
www.chateauversailles.fr/en/132_The_Grand_Park.php
www.chateauversailles.fr/en/311_A_Day_with_the_Sun_King.php
www.das-labyrinth.de/irrgarten/
www.gutemberg.org
www.labyrinthos.net/graphics03.htm
www.mazermaker.com
www.mazemaker.com/Projects_RNIBCollege.htm
www.mazemaker.com/photo_library.htm
www.mazemaker.com/photo_hedge.htm
www.mazemaker.com/history_mazes.htm
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
38
www.ons.org/publications/journals/CJON/Volume6/Issue5/0605295.asp
www.labyrinthos.net/
www.labyrinthos.net/graphics03.htm
www.labyrinthos.net/f_photos.htm
www.labyrinthos.net/graphics05.htm
www.labyrinthos.net/f_intro.htm
www.labyrinthenterprizes.com
www.labyrinth-enterprises.com/stlukes.html
www.lessons4living.com/chartres_labyrinth.htm
www.lih.gre.ac.uk/histhe/alberti.htm
www.litencyc.com/php/stopics.php?rec=true&UID=1509
www.mazemaker.com/photo_hedge.htm
www.mymaze.de/home_e.htm
www.mymaze.de/foto_frset_e.htm
www.mtholyoke.edu/acad/intdept/
www.ospreypublishing.com/content2.php/cid=275
www.parsons.edu/about/index.aspx
www.paxworks.com/Chartres/
www.smithsonianmag.si.edu/journeys/01/jul01/destinations.html
www.sacred-texts.com/etc/ml/ml16.htm
www.sacred-texts.com/etc/ml/ml17.htm
www.sacred-texts.com/etc/ml/
www.whisperinggrove.com/about/labyrinths.htm
http://zaadz.com/quotes/authors/thomas_whately/
Nota dos Editores
Os artigos publicados em PAISAGENS EM DEBATE não refletem opinião ou concordância dos
professores da FAU nem da equipe editorial da revista, sendo o conteúdo e a veracidade dos
artigos de inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores, inclusive quanto aos direitos
autorais de terceiros.
PAISAGENS EM DEBATE
revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP
39
Os autores ao submeterem os artigos a PAISAGENS EM DEBATE consentem no direito de
uso e publicação dos mesmos por meios eletrônicos e outros pela Área de Paisagem e
Ambiente (eventualmente em parcerias com terceiros), com finalidades acadêmicas, de debate
e divulgação de informação. Ou seja, os artigos publicados passam a fazer parte do acervo da
Área.